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Rômulo Garcia Vieira

Rômulo Garcia Vieira Florianópolis/SC

Pais e Medos

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Casados há quase 20 anos. Dois filhos, um deles já na faculdade, o outro deitado no banco de trás, dormindo coberto por um edredom surrado das tartarugas ninja. Era início de junho e o frio aumentava enquanto o carro subia a serra, para onde eles voltavam depois de um fim de semana visitando o filho mais velho. A luz azul do aparelho de som, sintonizado em alguma rádio distante que tocava mais interferência do que música, quebrava a escuridão que tomava conta do interior abafado do carro. O asfalto correndo por baixo das rodas era marcado por buracos. A sinalização não existia mais. Do lado direito, a encosta de um morro. Do lado esquerdo o acostamento era curto e logo dava lugar a um barranco. Lá em baixo os postes iluminavam as ruas vazias da madrugada de um bairro afastado da cidade. Na sua frente um caminhão andando devagar força o veículo a diminuir a velocidade. “Acho que dá tempo de ultrapassar antes da curva”, pensou ele, pé no acelerador e mão no câmbio para mudar a marcha. O carro invade a pista da esquerda e fica lado a lado com o caminhão. Dois faróis no sentido contrário o fazem perceber que estava errado. Caminhão à frente, caminhão ao lado direito, e o barranco a sua esquerda. “Vou ter que puxar para o acostamento”. O coração acelerando tanto quanto o carro segundos antes. O volante virando pra esquerda. A roda traseira saindo do acostamento, patinando na grama, a centímetros do barranco. O homem já não via nada disso. Via o quintal de casa. As araucárias, os eucaliptos e um álamo gigantesco. Era outono. A mulher, os dois filhos ainda pequenos e o cachorro da família brincavam pulando em montes alaranjados de folhas secas. Quando voltou a si o carro estava novamente na estrada, atrás do caminhão. O interior do veículo estava mais abafado do que antes. Apesar da interferência do rádio e da respiração pesada dos dois, havia um silêncio. Segurava o volante com força, para disfarçar as mãos que tremiam. A criança no banco de trás ainda dormia, apesar dos solavancos do carro. A mulher olhava fixamente para frente. As letras da placa do caminhão eram, coincidentemente, MGV. As iniciais do filho mais velho. Era nele que ela pensava. Como teria sido se a roda tivesse patinado um pouco mais, tivesse escorregado um pouco mais perto do barranco. Não pensou nela, na faculdade que não fez, no negócio que não começou, na casa que não reformou. Pensou nos filhos. Devagar ela virou o pescoço e deu uma olhada na criança enrolada no edredom. Respirou fundo, aliviada. As mãos ainda doloridas por ter apertado o acento do banco a lembraram de onde estava. “Vamos parar no próximo posto?” perguntou ela para o marido.

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