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Valéria Vanda Xavier

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Rosangela Maluf

Rosangela Maluf

Valéria Vanda Xavier Campina Grande/PB

Fatalidade

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Era fevereiro, mais ou menos duas horas da tarde. O sol a pino brilhava no céu e o calor era insuportável. Precisando respirar um pouco, o porteiro do prédio desceu de sua guarita e ficou olhando a rua que se estendia muito longa como um tapete fervilhando ao sol. Neste momento, ele reparara em duas mocinhas que caminhavam a passos lentos e assustadas. Seus trajes eram simples e a maneira como andavam, olhando para os lados e para cima, admirando os arranha-céus, denunciavam que não eram meninas acostumadas à cidade grande.

O porteiro tinha razão.

Fazia pouco tempo que Ana e Julia moravam naquela cidade. Haviam chegado do interior no começo do ano. O porteiro não sabia, mas naquela tarde, ela foram incumbidas pela mãe de procurar escola para si e para todos os outros irmãos. Família grande, dona Olívia não tinha tempo para este tipo de atividade. Como elas já eram mocinhas, a mãe as incumbiu desta tarefa.

O calor continuava intenso. Elas já haviam andado por todo o bairro e não haviam encontrado nenhuma escola até aquele momento. Do seu posto de observação, o porteiro percebia que elas se sentiam inseguras pois caminhavam lentas e apreensivas como se tudo aquilo que viam fosse realmente novo para elas.

Estavam naquele ponto quando perceberam um enorme pátio cheio de árvores que naquele dia quente e abafado nem balançavam suas enormes folhagens. Viram alguns brinquedos como escorrego, carrossel, balanços de madeira e outras coisas mais que caracterizam uma escola o que as alegrou enormemente, pois já estavam bastante cansadas. Imediatamente os seus rostos antes apreensivos tornaram-se mais animados. Finalmente, parecia que alcançariam seu objetivo.

O homem do prédio, de seu observatório, percebeu que elas tentaram abrir o portão já bastante velho e um pouco enferrujado. Não conseguiram seu intento. Bateram palmas, chamaram, gritaram, mas não foram ouvidas, uma vez que a enorme casa que para elas seria uma escola, ficava bem ao fundo do pátio. Tentaram abrir o portão outra vez. Não conseguiram. Após algum esforço, na terceira tentativa, as correntes enferrujadas cederam sob suas mãos e elas finalmente conseguiram entrar.

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Logo que entraram a apreensão tomou conta de Ana, a mais velha das irmãs, pois percebera movimento de pessoas ao fundo. Não tiveram coragem de se aproximar de imediato. — Fica quieta Júlia—, pediu Ana. Ao fazer um reconhecimento superficial do local, perceberam movimentos estranhos das pessoas que se encontravam no parque.

De longe não conseguiram definir se eram crianças, adultos ou jovens. Mas notaram que não apresentavam muito equilíbrio no andar.

Quanto mais elas iam se aproximando para tomar informações mais percebiam as atitudes estranhas das pessoas que se encontravam no parque. Aquilo começou a preocupar Ana. Pegou na mão de Júlia e começaram a caminhar mais para perto.

Neste momento, um dos jovens que tinha um rosto esquisito e um defeito nos pés e nas mãos, começou a se aproximar das duas. Ana não sabia que aquele era um hospital para esquizofrênicos, mas percebeu um pouco tarde que corriam perigo. Agarrou a mão de Júlia com força e deu-lhe a ordem com olhos apavorados — vamos correr, Júlia —, deram meia volta e saíram as duas em disparada fazendo o caminho de volta para a saída do pátio com muitos dos jovens da “escola” atrás delas. Júlia não compreendia o desespero de Ana, mas a obedeceu e corria desabaladamente.

O portão ainda estava distante.

O desespero tomou conta delas naquele momento de agonia e pavor. Olhavam para o prédio à frente em busca de socorro, mas o porteiro não se encontrava no seu posto. Era hora de almoço.

Mãos nervosas tentavam retirar a corrente do portão bastante velho e enferrujado. Olharam para trás e viram que seria tarde demais. O desespero tomara conta das irmãs naquele momento.

Horas depois, de volta de seu almoço, refestelado em sua cadeira pronto para fazer uma sesta, o porteiro no seu posto toma um susto com a cena que assiste do seu posto de observação. Não acredita no que seus olhos veem. Um misto de indignação e tristeza toma conta de seu ser. Ele entendeu tudo. No entanto, nada mais poderia ser feito nem por ele nem por ninguém. Era tarde demais.

Naquele triste começo de uma tarde quente e sufocante, seus olhos foram as únicas testemunhas daquele ato insano. Daquela tamanha atrocidade.

As meninas jaziam. Ensanguentadas na entrada do portão.

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