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Jax

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Qero o Chico

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Peladeiro que se preze deve lembrar-se bem do antigo método para a formação dos times. Na escola, na rua ou em qualquer outro lugar em que haveria o “racha”, dois garotos, supostamente os capitães das equipes, tiravam par ou ímpar para determinar quem escolheria primeiro, de forma alternada, os jogadores.

Na rua Antônio Basílio, na Tijuca, no quarteirão entre a José Higino e a Conde de Itaguaí, utilizava-se o método, só que a sorte dos capitães já determinava, antecipadamente, o destino da partida. Quem vencesse o par ou ímpar, dizia de cara: eu quero o Chico.

Dificílimo, quase impossível, perder a pelada se o Chico estivesse no seu lado! O menino era um verdadeiro craque mirim, que infernizava a vida da defesa e do pobre goleiro.

O capitão que escolhia em segundo lugar tratava de chamar o Tadeu, melhor goleiro da vizinhança, bem como os senhores zagueiros Orlando e Mangangá, o rápido lateral Paulo Afonso e o habilidoso armador Tonico, se o adversário ainda não os houvesse convocado.

Esforço inútil, em geral. O Chico desequilibrava qualquer jogo, com seus dribles desconcertantes e seu faro de gol. Ele parecia efetuar algum passe de mágica e desaparecer subitamente ante o olhar e a marcação vigilante do Orlando, do Mangangá, de quem mais fosse. Se Paulo Afonso possuía a velocidade do som (além da estridência), Chico era a própria luz a percorrer o espaço do campo e a fulgurar com seus tentos brilhantes.

Certa vez, inesquecível, ele humilhou o paredão Tadeu com desconcertante gol entre as pernas. Jamais humilhava o adversário com deboche, porém. Comemorava com discrição e mostra precoce de maturidade, para seus perto de doze anos na época.

O buço então existente, que se destacava em sua pele clara, seria prenúncio de bigode no estilo Rivelino e de talento equivalente?

Não deu para saber. A meninada aos poucos se separou, Chico inclusive, como consequência de mudanças de rua, de bairro, de cidade e até de país. Cada qual

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tomou seu rumo e pelo menos este escriba perdeu contato com os demais.

Como esquecer, no entanto, o futebol primoroso daquele amiguinho nas saudosas peladas e, acima de tudo, o talento que ele significava? Tomara que esse talento tenha seguido ininterrupto e gerado um ser humano satisfeito com o que faz.

A vida prega muitas peças nos indivíduos e chega mesmo a ser perversa. Uma vez adulto, constitui tarefa desafiante montar boa equipe, nas diferentes empresas ou no setor público. Os métodos de seleção mostram-se complexos, burocráticos, tortuosos, bem distintos do velho par ou ímpar, tão simples.

O chefe de escritório sabe que necessita de reforço, tem alguém em vista, mas obstáculos interpõem-se. Ora não se pode contratar, ora eventual movimentação de pessoal se inviabiliza porque aparece um “capitão” mais forte e leva o jogador pretendido para a equipe alheia.

Manter o padrão de jogo tampouco se revela fácil. Há componentes do time que carecem da devida eficiência. Pior ainda, alguns não demonstram espírito de coleguismo ou de dedicação ao serviço na medida certa. Ficam a jactar-se de meras firulas ou de terem marcado um golzinho à toa, valorizando-o em excesso, somente porque foi do agrado do patrão em dado instante.

Para ganhar de goleada, é preciso dispor de muita criatividade, competência, celeridade e conhecimento. Quem, no escritório, saberá redigir a petição bem fundamentada, privilegiando os argumentos corretos, para defenderse e contra-atacar na etapa decisiva?

Quem poderá avaliar, com precisão, a melhor forma de atender ao interesse geral e não apenas a uma parte da torcida?

Onde andará o Chico?

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Agosto 2020.

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