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Rodrigo Duhau

Rodrigo Duhau

Brasília/DF

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Serviço de bordo

Renato sentou-se na poltrona vermelha carmesim. Um desassossego fazia suas mãos suarem e seu corpo tremer um bocadinho. Estava vestido com uma camisa social azul clara e calça de brim preta. Calçava um par de sapatos marrom sem cadarços. Aquela sensação de desconforto, que já bem conhecia, tomava-lhe o corpo. Esticou o braço para o alto e pressionou o botão de chamada de comissários. Um dos tripulantes o atendeu rapidamente, demonstrando falsa simpatia. – Em que posso servi-lo, senhor? – Seria possível me trazer um pouco d’água, por favor? – Pois não – limitou-se a dizer o comissário de bordo. Virou-se e foi pegar a água de Renato, desviando-se dos passageiros que ainda guardavam suas bagagens de mão no compartimento de cima.

Ao lado de Renato, na poltrona do meio, uma mulher. Uma bela mulher de pele morena, com cerca de trinta anos. Tinha cabelos que lhe tocavam os ombros, olhos negros e redondos que compunham harmoniosamente seu rosto em forma de diamante. Estava acompanhada de uma garotinha – sua filha –, que gostava de se sentar na janela para ver a asa do avião trespassar as nuvens.

Renato passava as mãos na calça para enxugar o suor. Decidiu ler a revista da companhia aérea. Pegou os óculos. Desatento e incomodado, ele desistiu, retornando a publicação para o compartimento do encosto da poltrona à frente e os óculos para o bolso da camisa. Suspirou e tomou um pouco de água. – Tudo bem com o senhor? –indagou a mulher ao lado dele. – Hã? O que foi? – Perguntei se o senhor estava bem. – Ah, sim...tudo bem, sim. Só um pouco nervoso. – Medo de avião? – Sim... – respondeu Renato, laconicamente, com um sorriso tímido e envergonhado. – As estatísticas dizem que... – Eu sei o que as estatísticas dizem – interrompeu Renato. – As estatísticas dizem que um acidente fatal ocorre a cada quatro milhões de voos – informou o homem. – É mais ou menos por aí –concordou a bela mulher. – Olha...peço desculpas se fui um pouco rude com a senhora. É que fico...

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– ...com muito medo de viajar de avião – dessa vez foi a mulher que o interrompeu. – Isso mesmo. Tenho aerofobia, sabe? – Entendo. Meu nome é Carol –apresentou-se, estendendo a mão. –Prazer, Carol. Renato. – O prazer é meu.

O avião terminou de ser abastecido. Um dos tripulantes fechou a porta da aeronave e olhou o relógio. O voo sairia com poucos minutos de atraso. A chefe de cabine, então, fez seu anúncio protocolar. – Bom dia, senhoras e senhores. Bem-vindos a bordo em nome do comandante Fercondini. Este é o voo de número 1570, com destino ao Rio de Janeiro, Aeroporto Santos Dumont. Meu nome é Cecília Mendes e sou chefe de cabine. Estamos à disposição para tornar sua viagem segura e a mais agradável possível. Por favor, levante e trave a mesa à sua frente e retorne seu encosto para a posição vertical. Pela atenção, obrigada. – E lá vamos nós – murmurou Renato. – Vai dar tudo certo. O voo será rápido. Logo, logo, você estará em terra firme. Carol tentou tranquilizá-lo.

O trator de reboque começou a empurrar o avião para a manobra. Os dois motores foram acionados um após o outro. A aeronave taxiou seguindo o sequenciamento dos outros aviões que aguardavam a autorização para a decolagem. Enquanto isso, dois tripulantes em pé no corredor orientavam os passageiros sobre o uso do cinto de segurança; apontavam as saídas de emergência; e avisavam que, em caso de despressurização, máscaras cairiam automaticamente. Minutos depois, o avião decolou a 240km/h. – Ai meu Deus! – Procure se acalmar – disse a mulher, segurando a mão de Renato.

Eles se entreolharam, e o homem se tranquilizou um pouco com aquele afago.

Alguns minutos depois, a aeronave chegou aos doze mil metros, a altitude de cruzeiro. Os comissários começaram a preparar o serviço de bordo.

A essa hora, Renato e Carol já haviam conversado sobre alguns assuntos. O homem pensava como era reconfortante ter aquela encantadora mulher ao seu lado para distraí-lo e acalmá-lo. Dialogaram sobre filmes e séries, chocolate amargo, música, amoras e framboesas, teatro, vinhos tinto, branco, suave e encorpado, livros, animais de estimação. Continuavam de mãos dadas, e Renato esquecera que estava dentro de um avião, voando a aproximadamente 820km/h. – Al Pacino ou Robert De Niro? – Psicose ou A noviça rebelde? – Beatles ou Stones? – Manjar ou musse? – Vinho ou champanhe? – Doce ou salgado? – Inverno ou verão?

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E os dois seguiram conversando sobre suas preferências e amenidades. E os dois seguiram se olhando e sorrindo um para o outro. – Onde você trabalha? – quis saber Renato. – Era gerente de um banco. – Era? Não é mais? O que aconte... – Deseja biscoitos doces ou salgados, senhor? – indagou a aeromoça, interrompendo Renato. – Algo para beber, senhor? – Tem café? – Sim, temos. Açúcar ou adoçante? – Puro, por favor. – Aqui está. – Obrigado. – Não há de quê.

Meia hora depois do término do serviço de bordo, o comandante Fercondini iniciou a descida, com a redução de velocidade da aeronave. O piloto automático fora desligado. A poucos quilômetros da cabeceira, abaixou-se o trem de pouso. Após alguns minutos, a aeronave pousou com absoluta segurança no Rio de Janeiro. Caía uma chuva fina, mas fazia calor. Enquanto o avião não parava completamente, Renato e Carol continuavam a conversar.

– Nossa, essa viagem passou rápido! Obrigado por me tranquilizar durante o voo – agradeceu Renato. – Foi um prazer. Digamos que nossa conversa foi um serviço de bordo que lhe proporcionei, muito melhor que biscoitos doces e salgados. Renato sorriu. – Você não tem medo de avião? – indagou ele. – Não mais – garantiu Carol. – Como fez para não ter mais medo? – É que eu e minha mãe morremos alguns anos atrás em um acidente aéreo. Apenas os vivos sentem medo, não é, mamãe? –revelou Priscila, filha de Carol, que adorava ver a asa do avião cortar as nuvens.

A aeronave havia parado completamente. Os passageiros, que, apressadamente, retiravam suas bagagens do compartimento de cima se questionavam com quem Renato conversara o voo inteiro.

Renato estava imóvel. Não conseguia se levantar da poltrona vermelha carmesim.

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