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Sonia Re. Rocha Rodrigues
Sonia Re. Rocha Rodrigues
Santos/SP
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O amigo
Ela estava retida em sua casa. O filho dizia que era melhor que todos se afastassem dela, por causa das crianças. Elas não pegam a doença mas carregam os vírus e ninguém queria que a velha senhora adoecesse.
“Não se preocupe, no entanto, mãe,” explicou ele, “vou providenciar para que a senhora receba suas compras em casa, toda semana. Lembre-se de me contar o que deseja comer.”
Assim, toda sexta feira, alguém tocava a campainha da porta. Quando ela abria, já não havia ninguém. O entregador às vezes acenava para ela de longe, de dentro de sua van. Ela acenava de volta, e depois passava a limpar e desinfetar tudo.
Sorte que ela era organizada e preenchia seus dias limpando e arrumando os armários, até que se cansou daquilo. Quantos minutos alguém leva para limpar uma casa que já está limpa?
O filho falava com ela todos os dias, mas não era possível ficar muitas horas ligado no Skype, afinal ele também tinha o que fazer.
Depois de assistir muitos filmes bons, distrair-se com alguns joguinhos interessantes, e de ouvir as notícias, que aliás eram as mesmas no mundo inteiro - em resumo, pessoas estão morrendo e a coisa vai de mal a pior - a velhinha cansou-se.
Parou de jogar. Parou de ouvir as notícias. Parou de assistir filmes.
Sentou-se na cadeira de balanço, apreciando o jardim. Tão mal cuidado, pois o jardineiro não vinha mais.
Uma multidão de passarinhos felizes fazia a festa nos arbustos e até picapaus apareciam. Ela pediu ao filho que lhe comprasse comida para os pássaros. Depois disso, eles se aproximavam fazendo uma algazarra para se alimentar. Ela ficava sentada na cadeira de balanço observando.
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Aos poucos, os passarinhos perderam o medo e passaram a pousar no ombro dela e às vezes até entravam na sala.
Uma tarde ela percebeu esquilos correndo pelos troncos das árvores. Todas as tardes eles apareciam, pulando alegremente. Certa vez, um deles subiu na varanda e começou a mexer nos vasos de flores.
A velhinha pensou, “coitadinho, tem fome.” Foi buscar seu pote de nozes e jogou uma amêndoa na varanda. O esquilinho assustou-se e fugiu. Ela entrou em casa e ficou espiando. O bichinho tornou a subir, olhando assustado para todos os lados, aproximou-se da amêndoa, cheirou, escondeu-a na boca e correu para longe. Na segurança de um galho de árvore, ele olhou para ela e começou a roer a amêndoa.
A velhinha riu.
“Volte amanhã, mas não mexa nos meus vasos, está bem?”
No dia seguinte ele não apareceu.
Retornou na outra semana, subiu ligeirinho na varanda e ficou olhando para ela, de longe. A velhinha sorriu, foi buscar uma amêndoa e ofereceu a mão aberta, mas o esquilo não se aproximou. Então ela colocou a amêndoa no chão e afastou-se.
“Que medo, seu bichinho arisco. Eu não faço mal a ninguém, não.”
Esse ritual repetiu-se por semanas, até o dia em que o animalzinho subiu na varanda no momento em que ela regava as flores e chegou bem pertinho.
“Ah, você está aí. Espere um pouquinho.”
Ela entrou e foi buscar o pote de nozes. Chacoalhou, e ele balançou o rabinho ao ouvir o barulho. Ela riu.
“Vamos, pegue.”
Dessa vez ele comeu na mão dela.
Quando ele foi embora, o rosto da velhinha iluminou-se.
Todas as tardes ele volta. Ela se agacha, oferecendo as amêndoas. Às vezes oferece amendoim ou avelã. Ele prefere as amêndoas.
Um dia ele aproximou-se do vidro e colocou as patinhas na porta, como se chamando por ela. Parecia estar dizendo, “cheguei.”
Ela viu e achou engraçado, “como, agora você ficou mal acostumado, meu lindinho.”
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Certa feita, ela conseguiu mostrar o bichinho para o neto, apontando para o esquilo a tela do Skype.
“Que lindo, vovó. Posso ir aí para dar comida para ele? Aqui a gente tem o cachorro, nenhum esquilo se aproxima aqui de casa.”
A velhinha sorriu.
“Claro, querido, estamos esperando.”
Já se passou um ano, e ela continua esperando.
O jardineiro já voltou, e vem duas manhãs por semana aparar a grama.
A primavera também está retornando e o jardim está se enfeitando com flores.
https://soniareginarocharodrigues.blogspot.com/