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Calil Cavalcante Rodrigues

Calil Cavalcante Rodrigues Fortaleza/CE

O Maior dos Monstros

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Como eu vim parar aqui? Joseph se perguntou. Terra fofa e molhada estava sob seus pés descalços. Nuvens negras encobriam um céu noturno. Escutava o tamborilar da suave chuva nos pinheiros que o cercavam, e sentia algumas gotas caírem sobre si. O vento que soprava o fazia sentir calafrios, e trazia junto de si um barulho assustador, semelhante a um uivo de um lobo. Vestia somente a roupa do corpo. Pôs a mão no bolso direito da calça a procura de seu celular, com a cabeça percorrendo a escuridão da floresta, mas nada encontrou. Apalpou todos os bolsos, nada tinha consigo. O vento voltou a soprar, trazendo consigo dois uivos. Ajoelhou-se e procurou pegadas, mas nada havia. Se pôs em marcha em direção ao seu norte. Havia passado o dia em casa, jogando e conversando com seus amigos online. Não havia tomado nenhum remédio ou usado qualquer tipo de droga. Joseph não lembrava de ter chegado ali. Passou pelos pinheiros tentando puxar da memória algum evento que o pudesse ter trazido até ali, mas não lhe vinha nada na cabeça. Sentiu mais calafrios e o vento trouxe três uivos. Teve um mau pressentimento, sentia que algo o observava, bem ao longe. Os olhares dançavam a sua volta. E o vento trouxe o quarto uivo. Trocou a marcha pelo trote floresta adentro. Chapinhava na terra fofa e fazia espirrar lama em suas calças. A chuva se intensificava e o vento voltava a soprar, trazendo consigo 5 uivos. Alguns minutos de trote depois, não pôde mais manter o ritmo, encostou em um dos pinheiros. O vento voltou, e o sexto uivo chegou. Olhou em volta, enquanto recuperava o folego, e notou algumas presenças se aproximando. A visão fez suas pernas cederem, Joseph só se manteve de pé por conta do apoio da árvore. Ao norte, um par de homens caminhava em sua direção. Possuíam uma cabeça, mas não um rosto. Apenas um buraco enorme, tão negro como a floresta, se estampava ali. Vestiam macacões azuis puídos e seguravam grossas cordas de cânhamo. Ao Leste e a Sul, pares parecidos se aproximavam. Todos reproduziam um som semelhante a um exaustor defeituoso. Com o coração a mil, Joseph saiu correndo em direção ao Oeste. As criaturas apressaram o passo.

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Continuou correndo por alguns segundos, sem olhar para trás, na mesma direção, mas o vento voltou a soprar, um sétimo uivo. A sua frente, a poucos metros, mais uma dessas criaturas surgiu, como se surgisse da umidade do ar. Ela era igual as outras. Joseph fez uma curva em direção ao sul, e quase escorregou. O vento voltou a soprar e escutou um som de algo caindo no chão, junto de um berro furioso. Olhou para trás e viu uma corda estendida no chão. A ventania soprou a corda para longe, mas havia trazido consigo mais um uivo, e a sua direita mais um destes surgiu. A princípio, Joseph não tinha avistado nenhum dos monstros quando tomou rumo ao Sul, mas poucos segundos depois viu que errou. Um par de criaturas o esperava, uma a frente e outra a sua esquerda, com as cordas na mão, e a que havia surgido há pouco estava a sua direita. Arriscou, continuou a sua corrida e tentou passar ao lado de uma delas. Percebeu que havia ficado sem sorte quando uma das cordas prendeu em sua perna e um súbito puxão o trouxe abaixo. Tentou se levantar, mas voltou a ser puxado. À medida que as criaturas se aproximavam a barulheira aumentava. As lágrimas já corriam livre pelo rosto de Joseph. Tentou tirar a corda da perna, mas outra acertou seu braço esquerdo. Sentiu o braço ser puxado para frente, e escutou um estralar de ossos, e muita dor. As cordas ardiam e faziam pressão nos membros. O vento soprou, mas Joseph já não se importava com os uivos assustadores. Não demorou muito até todos os seus membros estarem presos por cordas. Joseph encarava o chão, a terra era mais reconfortante que olhar para as criaturas que o haviam capturado. Os ruídos estavam em cima dele, eram tão altos que os ouvidos de Joseph começaram a zumbir. -Vire ele – disse uma das vozes, num tom que mais se parecia que alguém falava de um respirador de hospital. -Não. - Joseph não conseguia pensar em mais nada além disso. -Você pediu para me encarar – a voz continuou. -Agora enfrente. As criaturas começaram a levantá-lo do chão, suspenso pelas cordas, a poucos metros do chão. Giraram seu corpo e o deixaram cair virado para cima. A chuva continuava a cair, mais pesada que nunca, e a noite parecia ainda mais terrível, mas ambas não eram nada perto da multidão que o cercava. As criaturas sem rosto observavam. Passaram bastante tempo sem nada falar e cada vez mais criaturas apareciam a sua volta, aumentando o ruido cada vez mais. -O que vocês querem de mim? gritou Joseph, por fim. -Que diga as palavras – eles ecoaram com as vozes asmáticas.

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-Termine logo isso – Joseph disse. A criatura que estava a sua frente se aproximou, ajoelhou e envolveu o laço em seu pescoço. Joseph observou o buraco no rosto da criatura, antes de ela terminar o serviço, e se viu dentro do vazio. Estava de cabeça baixa sobre uma mesa, com um brilho saindo da tela do celular e uma caixa de remédios a sua direita. Os mesmos cabelos curtos, a mesma roupa. De repente, tudo voltou a sua mente. A criatura apertou o laço com tanta força que Joseph escutou o som de ossos se partindo, e então perdeu qualquer sensação do pescoço para baixo. Sua visão foi se enegrecendo e os ruídos foram sumindo, estava partindo. Escutou um último uivo e o mundo desapareceu. Eu esqueci dele. Acordou com o pescoço dolorido, o celular vibrava ao seu lado. O quarto estava escuro como a floresta com a qual sonhara, a noite igualmente fria e Joseph escutava o som da chuva batendo no telhado de sua casa. Mais um toque do alarme. Joseph apanhou o celular e observou o alarme “citalopram: 22 horas” Joseph suspirou e pegou a caixinha retangular que estava a sua direita.

@Ovykus

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