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Iraci José Marin

Iraci José Marin Caxias Do Sul/RS

A Estranha

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Eu estava decidido a pedir mais uma cerveja, sossegadamente sentado numa cadeira de fórmica azul, quando alguém passou por trás de mim e bateu de leve em minhas costas. Sorri porque o estranho também devia estar sorrindo. Virei-me e vi que era ela, e se afastava, acompanhada de uma amiga. Não vi se sorria. Por que chamou minha atenção se foi embora? Aliás, em outras ocasiões ela fez o mesmo, ou quase o mesmo. Teve uma vez que sorriu para mim, de longe. Parecia um convite, então eu fui. Mas a perdi no meio do aglomerado que havia naquela noite de show ao ar livre, uma noite apropriada para algo mais íntimo. Fiquei chateado.

Chamei e ela parou. A amiga seguiu porta afora soprou-lhe um beijo na palma da mão. Sem olhar para trás, esperou que eu me aproximasse. Sabia que eu ia me aproximar dela? — Por que você está com este comportamento? — O quê? — Você me chama, ou me olha e sorri, depois foge.

Eu não fujo. Eu sou gentil e civilizada, saúdo os amigos; por isto toquei levemente as costas dele. Por que eu tenho que lhe dar satisfação? Ele não quer só amizade, companheirismo. Quer mais, eu sei, quer comprometimento e alimenta outras intenções. Vislumbro isto muito bem em seu olhar, quando me encontra. — Não vai dizer nada? — Ah... me distraí. — Não é a primeira vez que você chama a minha atenção, depois vai embora. Ultimamente, está se fazendo de difícil. — Ué, que tipo de comentário é este? Acaso está me controlando? — Não estou te controlando, nem tenho intenção. Mas por que tem este comportamento agora?

Ela me olhou de soslaio, nada disse e se pôs a andar. Eu segui, mais uma vez contrariado e, desta vez, até um pouco irritado. O que se passa com ela? Está decerto preocupada com a mãe doente, com a carestia. Mas podia ser pelo menos agradável. O problema mesmo é ela, parece que se fecha numa solidão que inventou e não compartilha sua dor, suas dificuldades, suas dúvidas.

Eu estou me fazendo de difícil? Que coisa esta, agora! Eu apenas quis

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ser gentil, dizer “oi!” de uma forma carinhosa. Não estava a fim de conversar com ele. Aliás, só fui ao bar para passar o tempo da última aula da manhã, que enforquei, e me encontrar com Elisângela. Não estou precisando do aconchego de mais ninguém. — Posso acompanhá-la até a casa?

Ela não respondeu. Seguiu devagar, mas sem parar – assim como uma flecha lenta. Como ela é enigmática. Dentro dela, é ela mesma que está? Os olhos duros contrastam com a linda boca. O andar leve contrasta com o comportamento insondável. Estar com ela é igual comer peixe e sentir gosto de cogumelos. Eu não a conheço, não consigo entendê-la. A não ser nas frivolidades, que pouco se mostram e interessam menos ainda.

Ele me acompanha e não diz nada. Melhor assim. Me acusa de ser difícil, fala de minhas dúvidas. Ora, a vida de todos nós está de tal modo conturbada que é fácil a gente se contaminar de dúvidas. É só observar ao redor. Ele mesmo. Se acha decidido e ajustado, mas está sempre à procura de alguma coisa. Talvez esta coisa seja eu... Por isto ele põe os olhos nos meus seios redondos e firmes, olha para a minha boca e parece que já vai me beijar. — A gente podia se encontrar num final de tarde, conversar, tomar alguma coisa, caminhar por aí... — Pode ser.

Nunca comentei nada sobre ela com meus amigos. Nem eles falaram algo dela. É como uma estranha no meio de nós. Sua aparência elegante talvez esconda uma grande insegurança. Chegamos à casa dela e eu me dei conta de que procurava palavras, que na verdade não existiam, para expressar de forma mais completa a minha preocupação com ela, a minha esperança.

Despedimo-nos apenas com acenos de mão. Nenhuma palavra podia expressar aquela falta de sentimentos.

Um dia deu certo. Encontramonos no mesmo bar e saímos. Eu decidi que ia abrir o jogo. Sentamos num velho banco, de frente para o rio, que naquela hora não tinha nenhum barco. Pouca gente caminhava pelo calçadão. — Então, como as coisas vão?

Olhou-me e abriu um delicado sorriso, sem responder. — Sabe, eu acho que você está passando por uma fase ruim. Eu falei algumas vezes que você se faz de difícil, mas pensei melhor e acho que o problema mesmo são os problemas que você enfrenta. — Você acha demais. Não precisa criar preocupações comigo. Meus problemas são como os de todos. Eu não estou querendo ajuda. Não concordei em nos encontrarmos para pedir ou receber ajuda. — Você tem a capacidade de esconder os problemas.

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— Como você pode saber que os tenho e quais são? — Pelo teu comportamento, sempre estranho. — Estranho, o meu comportamento? Como assim? — Ora parece que você me quer, ora se afasta, ora me evita...

Ela riu. Desta vez, riu a ponto de constranger-me. Fiquei magoado com aquela risada.

Um tempo passou. Eu queria respostas, aí perguntei: — Me diz: qual é a tua? Vai ficar comigo ou não?

— Quer saber? Quer saber mesmo?

Fiquei estupefato. De repente, eu ia ficar sabendo algo de sua vida enigmática. De repente, ela se dispunha a revelar. Minha esperança ferveu. E meu coração disparou de ansiedade. Olhei para ela, que olhava para o rio. — Então diz. — Eu e Elisângela decidimos compartilhar nossas vidas.

Senti um baque no peito. Os olhos se turvaram, o rio parecia aumentar de tamanho e me absorver. Eu fui engolido por um enorme vazio.

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