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Alberto Arecchi

Alberto Arecchi Pavia – Itália

Nas espiras do labirinto

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A Basílica de São Miguel, tinha a fachada toda decorada com esculturas: sereias, dragões e guerreiros estavam interligados em uma dança silenciosa com cenas bíblicas edificantes, com os trabalhos dos homens durante os meses do ano, com os signos do zodíaco. Muitos desses relevos mantinham cores vivas. A partir do canto de um edifício conventual, a cabeça de um bode estava a observá-lo com expressão obscena, esculpida em uma gárgula grotesca, como para exorcizar o diabo e mantê-lo fora do edifício.

Paulo entrou na Basílica de grandes abóbadas, em forma de cúpulas. Mergulhou na meditação, como uma sombra envolta em um manto, no centro da grande nave. Seus pensamentos iam às profecias e às aparições. O significado de tudo isso lhe escapava. Ele implorava insistentemente uma iluminação, por que orgulhosamente estava convencido de que era-lhe devida. Uma voz interior sugeriu-lhe o verso: “Tudo o que pertence ao corpo do diabo não está no centro de Jerusalém, a cidade santa, mas nas espirais do labirinto”. Como fosse mandado por uma força externa e superior, Paulo sentiu que devia levantar-se e subir os degraus, até o altar maior. No presbitério, viu diante de si um grande labirinto, representado no mosaico a seus pés. Lembrou-se da Virgem na vara, pivô do labirinto universal. Nesse momento, foi como se seus músculos respondessem aos estímulos de outra vontade. Paulo foi arrastado por seus próprios pés sobre o caminho do labirinto circular. Com uma lentidão exasperante, seu corpo movia-se para seguir o percurso longo e estreito, 32 cursos para frente e 31 vezes para trás. Todos os pontos cardeais viram, um após outro, seu rosto girando lentamente e depois virando de repente. Um dragão alado, um lobo que montava uma cabra, um homem montado em um pássaro branco e um cavalo alado eram as imagens que cingiam o lugar de seu ritual. Para o leste, ele via o desfile dos meses, dominado pela imagem do Ano-Rei que parecia observar o homem pequeno, na viagem simbólica à busca da verdade. Paulo ficou assim capturado nas espiras inextricáveis do labirinto. Seu andar seguia as pedras negras

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embutidas no chão, como bobinas de uma cobra. Um movimento que fazia com que ele perdesse a orientação e afundasse em uma estranha alegria. As circunvoluções causavam-lhe uma sensação de perda e sentia obscurecer a visão. Afinal, no centro do labirinto, encontrou um Minotauro horrível. A parte superior do corpo tinha características humanas, era parecido com um homem mouro, armado com cimitarra em forma de crescente, a cabeça enfaixada em um turbante preto que também cobria-lhe a boca. O centro do labirinto não permitia fuga nenhuma: era preciso lutar, e o jovem só podia confiar em sua habilidade e na força de suas mãos. Conseguiu esquivar os primeiros dois golpes e abater o inimigo, com uma prontidão e uma força que não conhecia. Até lá, a janela na forma de cruz, esculpida na fachada, recolhia os últimos raios do sol. No feixe de luz lhe pareceu ver, como um fantasma, o rosto de uma mulher que tinha uma tiara com um brilhante, na testa. Aos poucos, a pedra adquiria mais brilho. Os raios do sol davam-lhe vida.

O jovem sentiu-se forçado a fechar os olhos. Um instante. Quando os abriu, o diamante estava cravado na frente da Besta e a luz que emanava piscando, agora, era cor de sangue. O monstro horrível (Minotauro, Leão, Tarasca ou o que mais fosse, nem teve o tempo para investigar) abriu as mandíbulas e Paulo sentiu-se perdido. Desmaiou.

Quando recuperou os sentidos, estava de bruços no chão. A escuridão preenchia a Basílica. O labirinto desaparecera. Seus olhos já não viam mais nada. Tateando como um cego, pareceu-lhe encontrar com as mãos o tronco de uma árvore. Uma voz interior exortava-o a subir. Ele se sentia totalmente fora da realidade. Pensou por um momento no espetáculo grotesco de si mesmo subindo o tronco de uma árvore, que não existia nem deveria estar lá, perto do altar de uma igreja escura. A voz mandava, imperiosa. As mãos e os pés encontraram uma boa aderência no tronco áspero. Ele subiu, sem nenhuma sensação de fadiga. Mão após mão, apertando os joelhos ao tronco, procurando pontos de apoio, subia continuando a refletir. Suas roupas eram desconfortáveis, especialmente as calças de pano pesado que enredavam-se com o tronco. Suas mãos estavam suando. Ele tirou do cinto um lenço, para secá-las. O pano caiu, voando para longe. Sua mente agora percebia com clareza a verdade, ele tinha a sensação de uma grande paz, de uma luz que entrava e penetrava-lo. Subiu durante uma longa eternidade, no nevoeiro escuro da noite, além do

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teto da Basílica, para um céu que não podia ver. A solução que ele pesquisava tinha de estar no topo, agora a coisa parecia tão simples, era estranho não ter pensado nisso antes. Ele tinha procurado a soluçao da sua vida a oeste, leste, sul e norte, mas ainda não procurara no centro, acima dele. Era esta, então, a porta para a nova dimensão que tão tinha aguardado e procurado?

Via na névoa em torno dele, com uma luminescência estranha, os rostos das pessoas que o acompanharam em sua pesquisa, percebendo as vozes deles como sussurros no interior da cabeça. Eles eram como bolhas de ar sob a água, tendendo para a superfície, tentando emergir. Pareciam-se com seres sem corpos, só consciências. Ele sabia apenas que estavam todos indo para cima. O que tornou-o eufórico, ele não iria nunca parar. Era como se desde uma vida inteira estivesse esperando por isso, para subir essa árvore. Mas não, agora já não havia mais nenhuma árvore, e ele? Continuava a subir, flutuando com segurança em uma substância etérea e luminosa. Entendia que esta era uma pedra preciosa: estava movendo-se mesmo no interior da brilhante, não havia nenhuma fonte de luz, mas a luz estava em toda parte, emanava de tudo. Ele viu, entendeu: Paulo finalmente identificou-se com a brilhante.

“E vi um anjo que estava no sol, e clamou com grande voz, dizendo a todas as aves que voavam pelo meio do céu: Vinde, e ajuntai-vos à ceia do grande Deus.

Para que comais a carne dos reis, e a carne dos tribunos, e a carne dos fortes, e a carne dos cavalos e dos que sobre eles se assentam; e a carne de todos os homens, livres e servos, pequenos e grandes. E vi a besta, e os reis da terra, e os seus exércitos reunidos, para fazerem guerra àquele que estava assentado sobre o cavalo, e ao seu exército. E a besta foi presa, e com ela o falso profeta... E ainda vivos, foram ambos lançados em um fogo de brasa e enxofre...

E vi descer do céu um anjo, que tinha a chave do abismo, e uma grande cadeia na sua mão. Ele prendeu o dragão, a serpente antiga, que é o Diabo e Satanás, e amarrouo por mil anos. E lançou-o no abismo, e ali o encerrou, e pôs selo sobre ele, para que não mais engane as nações, até que os mil anos se acabem. E depois importa que seja solto por um pouco de tempo...

E vi um novo céu, e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já

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não existe... E veio a mim um dos sete anjos que tinham as sete taças cheias das últimas sete pragas, e falou comigo, dizendo: Vem, mostrar-te-ei a esposa, a mulher do Cordeiro... E ele me mostrou a cidade de Jerusalém, que descia do céu... Sua luz era semelhante com pedra preciosíssima, como o jaspe cristalino... Nela não entrará coisa alguma contaminada, nem quem pratica abominação ou diz mentiras, mas só os que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro”.

No mesmo ponto no espaço, séculos mais tarde, um pano empoeirado, sujo de grama e suor, aparece no alto da cúpula da igreja de São Miguel e cai, circulando preguiçosamente. Oscila em todas as correntes de ar e não decide chegar ao chão. De repente, um raio de luz chega do nada, desenhando um brilho branco. O pano plana, como uma pipa, e vai ficar pego em um ferro saliente de um dos grandes pilares de arenito. Vai ficar pendurado lá, até que alguém, algum dia, terá a coragem de subir para ir despegá-lo. Ninguém poderia imaginar que aquele pano é um tecido velho de séculos, o único rasto concreto da passagem de um homem que conhecia, como poucos ou talvez como ninguém, os lugares e as épocas da vida da cidade.

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