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Giulianno Liberalli

Giulianno Liberalli Nova Iguaçu/RJ

Refetindo A Verdade

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Nobisvaldo era a felicidade em pessoa. Acabara de comprar seu apartamento e fez a mudança, saiu todo cheio de si da casa dos pais para morar sozinho. Não seria mais o “filhinho da mamãe” e ela também estava feliz pela conquista de independência dele. Enquanto mobiliava a casa se deu conta de que não tinha um espelho no quarto, foi até uma loja muito bonita que ficava no outro quarteirão que se chamava A MELHOR IMAGEM.

Achou engraçado o nome do lugar, ao entrar se deparou com uma enorme variedade de espelhos, com vários tamanhos, formatos e molduras. Ficava até complicado escolher um, como seria para o seu quarto optou por um retangular, quase da sua altura e com detalhes bem trabalhados na madeira da moldura, um espetáculo. — Uma bela escolha, senhor. — disse-lhe o vendedor Aurelisberto.

Pendurou o novo espelho na parede do quarto, entre a cama e o armário, perfeito para se admirar depois de se arrumar. Era noite de sábado, tomou um banho e se vestiu para encontrar a galera, parou diante do espelho para ver se estava tudo certo e, de repente, uma voz veio do espelho: — Rapaz! Que camisa é essa?

Nobisvaldo levou um susto, não esperava um comentário vindo do seu espelho novo, estava acostumado com o da casa dos pais, mais velho e menos falante, só respondia se fosse questionado. — Minha camisa? O que tem ela? — Tudo, meu querido. Essa cor de salmão degradê, pelo amor do guarda, parece que está fugindo do Zé Colmeia.

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— Mas eu sempre gostei dela. — Tá na hora de desgostar então. Credo.

Mesmo assim ele saiu com a camisa, deu pouca atenção ao comentário do espelho. Nunca foi de ligar para o que os outros falam, não seria para esse que daria corda. Na segunda-feira de manhã vestiu a roupa do trabalho e parou na frente do espelho para arrumar a gravata e veio crítica novamente. — Gravata azul bebê de bolinhas verdes? Chegou o carnaval e ninguém me avisou!

— Qual o problema? Acho que combina com a camisa verde, afinal as bolinhas também são verdes. — Você só pode ser solteiro com essas escolhas de roupa. Quem te ensinou a combinar cores assim? Van Gogh ou Pablo Picasso? — Eu mesmo. E minha mãe nunca reclamou. — Porque ela é a sua mãe, óbvio! Dã. — Quer saber? Vou trabalhar. — Beleza. Mas e essa barba aí? Resolve isso, parece que raspou a cara com um barbeador cego, ainda tá cheia de falha.

E foi Nobisvaldo trabalhar, no banheiro do escritório observou bem o rosto e teve que dar o braço a torcer, estava com a barba mal feita mesmo. Comprou um barbeador novo e deixou o rosto liso feito uma carinha de anjo, parou diante do espelho antes de dormir. — Aí rapaz. Agora sim está com cara de gente que toma banho, precisa se policiar mais hein? — Estou cansado, agradeceria se também sossegasse e pegasse mais leve com os seus comentários. — Pode deixar, vai lá dormir. Serei mais calmo.

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A semana passou, o espelho fazia um ou outro comentário ácido sobre as roupas, os hábitos do Nobisvaldo no quarto e tal. Um dia a irmã dele foi visitá-lo, para conhecer o apartamento, quando entrou no quarto o espelho a saudou. — Ora. Olá moça bonita! — Oi. Você é o espelho novo do meu irmão. — Irmão? É irmã dele? Putz, mas você levou toda a beleza da família. O carinha aí é um artigo mais ou menos, se é que me entende. — Nada. Ele é bonito. — Tá bom. Me faz um favor? Ele não sabe escolher camisas. Pode vestir algumas para eu dar uma opinião? Pode ser aí mesmo... — Ok. Já deu. — Nobisvaldo puxou a irmã para fora do quarto e disse a ela para evitar entrar lá quando fizesse uma visita, aquele espelho estava ficando muito espertinho.

Noite de sexta-feira. Nobisvaldo tomou um banho caprichado, saiu do banheiro enrolado na toalha e colocou as roupas na cama para escolher o que usar. Ouviu o espelho murmurar. — Hum… Hum… — E agora, qual é o problema? — Estamos precisando fazer uma dieta. Está ficando com uma barriguinha… — Você está ficando chato…

Escolheu as roupas e tirou a toalha. — HA HA HA HA! — O que é? Do que está rindo? — Meu amigo! A natureza foi maldosa contigo! Não está faltando um pouco mais de… Como posso dizer? Dimensão? Tamanho? Isso não é currículo, é um crachá. Kkkkkkk. Fora que aí atrás está mais para reco-reco do que para um pandeiro.

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— Agora chega.

Nobisvaldo cobriu o espelho com a toalha e o levou para a loja no dia seguinte, aquela foi a gota d´água. O vendedor o cumprimentou, mas ficou assustado com a expressão irada dele olhando para o espelho coberto que carregava. — Bom dia meu amigo, o que houve? — Bom dia. Vim trocar esse espelho. Está fora de controle. — Como assim?

— Vou te mostrar.

Ele colocou o espelho no balcão e o descobriu, quando o vendedor olhou para o seu reflexo veio àquela voz irônica novamente. — Aurelisberto! Que cara remelenta é essa? Não lavou o rosto para vir trabalhar?

— Hum… Deu para entender o problema. Peço desculpas ao senhor, pode escolher outro. Vou mandar esse para uma revisão.

Deu uma volta pela loja enquanto o vendedor encostava o espelho sincero, que ainda reclamava da aparência dele, na parede atrás do balcão. Ele parou diante de outro, um pouco menor e ovalado, com uma moldura de aparência mais aristocrática que logo o cumprimentou. — Olá. É um prazer receber uma pessoa do seu porte aqui na loja, como

vai?

— Muito bem, obrigado. — Bem está o senhor. Vai receber alguma premiação ou promoção no trabalho? Parece um imponente diretor de empresas de tão alinhado. — Vou ficar com esse aqui! — Levou o novo espelho para o balcão, o vendedor embrulhou e ele agradeceu. — Obrigado pela atenção. — Eu peço desculpas pelo outro, meu amigo.

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Ele saiu satisfeito da loja com o novo espelho de hábitos mais educados do que o anterior, da porta ainda podia ouvir as reclamações dele ecoando pelo salão de vendas. — Pode levar esse bajulador aí ô Nobisvaldo! Já que não me quer mais fala para sua irmã vir me comprar! Sem meus conselhos tu vai continuar na pista, sem pegar ninguém! E você Aurelisberto? Quando vai cortar esse cabelo horroroso e parecer uma pessoa de verdade? Não sei o que acontece com esses caras… Ei! Ei! Não me vira para a parede não, seu cara de travesseiro amarrotado e babado! Ei!

Moral da História: Sinceridade é uma qualidade, mas sem exageros.

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