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Madô Martins

Madô Martins Santos/SP

O incansável pesquisador

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Há anos, meu amigo se dedica a estudar antepassados de sua família e de outras, por encomenda e diletantismo. Frequenta arquivos, pesquisa documentos escritos em português e outros idiomas, inclusive, arcaicos. Elabora árvores genealógicas com prazer e, encantado, torna públicas algumas histórias de parentes distantes, encaixando novas peças no quebracabeça de tempo e espaço. É seu hobby, quase obsessão. Por isso, quando morre uma celebridade, vai conferir sua origem, idade, relacionamentos, ordenando os fios que compõem o novelo de cada vida.

Tenho a tentação de lhe pedir que desvende minha ancestralidade, porque nem mesmo sei o nome completo dos bisavós. É verdade que um primo, com o mesmo gosto do amigo, já me enviou longas listas com todos os parentes, mas nunca achei tempo para estudar a preciosidade.

Sei que lacunas assim respondem por parte de minhas inseguranças. De quem teremos herdado, o pai e eu, o gosto pela leitura e escrita? Onde teria origem o jeito alegre e displicente de a mãe encarar a vida? Amava os quatro avós e o tempo todo que com eles convivi não foi suficiente para me contarem de suas mães e pais, tios, avós...Tínhamos tanto o que fazer e conversar naquelas casas acolhedoras, que me bastavam as informações e ensinamentos oferecidos espontaneamente pelos mais velhos.

De todos os interessados nos antecedentes familiares, minha mãe foi a que conseguiu mais subsídios. Anualmente, os Emmerich se reuniam para trocar histórias, e lá ia ela com os irmãos. Chegou a conhecer o brasão da família e nos trouxe uma cópia impressa. Conversou com primos e tios de vários graus, vindos de toda parte do país. E contava que os mais ousados planejavam viajar para a Alemanha, a fim de investigar a fundo sobre propriedades lá deixadas e jamais reivindicadas.

O grupo, porém, era restrito. Dele participavam apenas os que traziam o sobrenome na certidão de nascimento, o que não era meu caso ou do pai ou da irmã. Assim, quando os ânimos se exaltavam em casa, a mãe nos chamava de “vocês, os Martins”, mostrando o quanto éramos distantes de seu clã.

Emmerich não consta no nome das duas filhas, porque ficariam

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extensos demais. Às vezes, me ressentia de não tê-lo, diante de alguma rua ou fato histórico em que os titulares eram protagonistas. Na escola, nunca souberam que um dos parentes trouxe para a região o bonde puxado a burros e eu temia contar, com medo que não acreditassem. Nunca divulguei que uma boa parte de São Vicente pertencera à família, nos áureos tempos em que os trisavós vestiam camisas com botões de brilhantes.

O trabalho de meu conhecido genealogista oficializaria fatos como estes, dando-lhes a devida credibilidade e separando lendas da realidade. Por enquanto, meu passado se assemelha a uma nebulosa onde brilham estrelas anônimas, sem nome ou rosto.

Mesmo que nada tenha a ver comigo, vibro com a persistência do amigo, que volta e meia traz à luz fotos de vilarejos onde moraram seus antepassados, atas centenárias ainda legíveis, relatos fantásticos, tanto de mulheres à frente de seu tempo quanto de mortes trágicas, inclusive, por fome. Revelações que parecem tiradas da cartola de um mágico, mas que demandaram sempre muitas horas de dedicação e estudo.

Recentemente, ele voltou a surpreender. A morte de Lygia Fagundes Teles o fez levantar dados sobre a escritora, o que revelou sua verdadeira idade, entre outras curiosidades. De sua pesquisa constam as certidões de nascimento da acadêmica e do primeiro casamento, além de informações sobre o primeiro livro jamais republicado. Coisas de quem leva a sério a história da humanidade e a ela dedica boa parte de seu tempo, junto às atividades profissionais de jornalista e escritor, de onde, por certo, lhe vem toda essa inquietação.

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