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Maria Pia Monda
Maria Pia Monda Belo Horizonte/MG
Mais bonita do que eu
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A mulher pela qual você me largou é mais bonita do que eu. Não estou dizendo isso por falsa modéstia. Sei que nunca fui particularmente atraente e reconheço que o tempo esculpiu minhas feições, em si mesmas já ásperas, de tristeza e desconfiança. Nem digo isso por inveja, embora desde a primeira vez que a vi, entendi o motivo, não só da sua escolha, mas também do nosso terrível fracasso. Você tinha passado para pegar uma camisa de time, uma das muitas coisas que você deixou para trás e que ocasionalmente vem buscar aqui, na casa que dividíamos. Se eu não soubesse que você não sente mais nada por mim, eu poderia confundir esses episódios com meros truques que você usa para ter certeza de que eu não me esqueça de ti. Mas, não. É apenas egoísmo. Você quer que eu não guarde mais nada do que é seu. E eu até compreendo o porquê. Para tornar sua tarefa mais difícil, toda vez que eu tropeço em algo que reconheço ser seu, eu escondo. Faço isso também para mim- eu admito- embora eu não consiga dizer que vantagem essa atitude me traz. Eu tinha enfiado aquela camiseta no fundo da minha gaveta das calcinhas; queria que você se sentisse constrangido e envergonhado de vasculhar nela. Você estava já há alguns minutos no quarto onde havíamos passado milhares de noites e, pelo jeito que você abria e fechava portas e gavetas, imaginei que você estivesse nervoso. – Quer tomar um café? - Gritei da cozinha. – Estou com pressa. - Você respondeu. - Rita está em baixo, me esperando. Não pude resistir. Larguei a moka que, apesar da sua recusa, eu começara a encher e saí na varanda. Olhei para a rua e lá estava ela, encostada na porta do seu carro. Imagino que estivesse muito quente para ela ficar sentada dentro de uma prisão de metal, plástico e vidro temperado, esperando por você. O privilégio de olhá-la de cima para baixo, devido à posição que eu ocupava, não amenizou o desânimo em constatar a beleza dela. A harmonia do rosto era um todo, que eu imaginava juntando os poucos detalhes que um ponto de vista complicado me permitia recolher. A ponta fina do nariz, as
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raízes dos cabelos perfeitamente retocadas, a linha mandibular, desenhada como um arco delicado e leve, eram suficientes para eu ser ciente do fascínio dela. A roupa que ela usava, ressaltando a cor da pele e as formas sensuais da figura, era indício de uma elegância inata que, em mim, eu nunca reconhecera. Eu estava me concentrando sobre a postura dela, visivelmente descontraída e esnobe, quando você se aproximou. Vacilei, sem esconder meu embaraço. — Achou sua camisa? — Não. — Se eu a encontrar, te ligo. — Não precisa se preocupar. — Ela é bonita. - Eu disse de repente, indicando para baixo. Você não retrucou nada. Algo no seu olhar parecia me convidar a mudar de assunto ou a ficar calada. — Estou falando sério. Ela é muito linda. Você sacudiu a cabeça e se dirigiu para a sala. Quando chegou na porta, nem se virou ao me dizer - A gente se vê. Fiquei na varanda, pelo tempo necessário ao te ver sair do prédio e te encaminhar em direção dela. Vocês se abraçaram. Depois, quando se separaram, você rapidamente se voltou e olhou para cima, olhou para mim. Ela intuiu a direção do teu olhar e olhou também, ela me olhou também. Com uma expressão de desafio, de superioridade, talvez de desprezo. Depois disso, cada vez que a encontro, a certeza se torna mais sólida. Mesmo que, às vezes, eu ache um defeito nela, mesmo que, afinal, ela não seja tão bonita, eu preciso acreditar que ela é maravilhosa. A mulher pela qual você me largou é mais bonita do que eu. Não estou dizendo isso com sinceridade. Só estou dizendo isso porque, se não o fizesse, a raiva que sinto por você poderia me sufocar.