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Sandra Lee Ribeiro
Sandra Lee Ribeiro Rio Grande/RS
Dança do fogo
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Ontem. Ele despertou com seu hálito de 50 tempos guardados. Cumbre Vieja abriu-se em labaredas expelindo fumaça, regorgitando a terra cozida e fumegante. Espreguiçou-se e estendeu seus limites até o mar, sem pedir licença, porque esse direito Nyame já lhe delegou desde sempre. O seu território ninguém toma, ninguém instala torres elétricas, ninguém invade suas entranhas, ninguém extrai o seu sangue, ninguém se atreveria a provocá-lo nas profundezas do seu descanso quinquagenário. Todos gostariam que nunca mais acordasse e que nenhuma princesa encantada o beijasse para libertá-lo da dormência que, infelizmente, não é eterna!
Hoje. Ele adentrou ao recinto com sua cabeça coroada pelos cabelos brancos como se fosse um cume entre nuvens e, apoiando-se pesadamente em suas muletas, tentava vencer, milimetricamente, a distância entre o portão da velha casa e o local da festa. Festa? Sim, hoje é o dia consagrado ao Senhor do Fogo, do Trovão, das amálgamas das rochas que se unem ao calor das labaredas sob o olhar atento das estrelas no Òrun. Hoje é Dia de Liberdade!!!
Sentou-se pesadamente sobre uma cadeira como uma rocha encimesmada em sua pesada estrutura. Não! Não desafiaria a gravidade porque suas pernas não responderiam ao comando que já não existe mais, aqui nesta Àiyé.
Como sempre. Ele escutou o chamado e intimamente gritou “Oh velho Deus dos homens deixa-me ser tambor corpo e alma só tambor só tambor gritando na noite quente dos trópicos”!1
E quando SṢàngó lhe amparou nos braços derramou-se como as labaredas do Cumbre Vieja para além de sua matéria carcomida pelo tempo e pela doença. Ele foi só tambor num entre-lugar, num tempo sem tempo na sala do xirê “só tambor até à consumação da grande festa do batuque! Oh velho Deus dos homens deixa-me ser tambor só tambor”!2
Rugiu em labaredas... cumprimentou aos irmãos de luta, reverenciou o altar iluminado, e assim como Cumbre Vieja foi ao encontro do abraço salgado do mar, ele escorreu para uma estrada de luz e felicidade que apenas os ÒrìsṢà conhecem.
Então, dançou... dançou... dançou... dançou sem as muletas!!!
Kawòó Kábíyèsi!!!
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1 Quero ser tambor, autor poeta moçambicano José Craveirinha. 2 ibidem