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Eram músicos, escritores, pintores, atores, cientistas, matemáticos, arquitetos, médicos, fotógrafos, dançarinos, empresários e até palhaços de circo, policiais e técnicos de futebol. Todos refugiados e refugiadas do nazifascismo, que buscaram salvação a partir de 1933.
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São relembrados em 300 biografias ilustradas, representando os milhares de fugitivos que fizeram ou refizeram a vida e a carreira em nosso país e tanto contribuíram para a sociedade brasileira. Cada trajetória, uma epopeia, desde o nascimento e a formação no Velho Mundo, os terríveis perigos e sofrimentos enfrentados com a chegada do nazismo, as lutas e peripécias para conseguir escapar, obter vistos e embarcar rumo à liberdade.
O Dicionário dos refugiados do nazifascismo no Brasil, coordenado pelo historiador Israel Beloch, relata tudo isso. É mais uma publicação da Casa Stefan Zweig, sediada em Petrópolis e voltada para a divulgação e o estudo da obra do grande escritor austríaco aqui falecido e do papel dos refugiados que, como ele, escaparam do totalitarismo.
Nas próximas edições da Morashá, traremos algumas das biografias contidas no Dicionário dos refugiados do nazifascismo no Brasil, livro que está sendo traduzido ao inglês e publicado com o patrocínio do Banco J. Safra Sarasin.
Iniciamos com a biografia da atriz Berta Loran.
Berta LORAN - Atriz
Varsóvia, Polônia, 23-03-1926
No Brasil, de 1939 a 1946, de 1948 a 1957, e desde 1963
Basza Ajs nasceu em Varsóvia, filha do casal judeu Clara e José Ajs, que teve, além dela, mais seis filhos. O endereço da família, rua Mila, 53, mais tarde estaria situado no coração do Gueto de Varsóvia, em que os judeus foram confinados e depois massacrados. Teve uma infância de privações: ocupava um quarto com 14 pessoas, entre parentes e funcionários do pai. Ao ouvir num programa radiofônico a ameaça de que os nazistas exterminariam os judeus, José Ajs, alfaiate e ator, resolveu emigrar com a família, e o país escolhido foi o Brasil. O único filho que não os acompanhou acabou capturado e morto. Desembarcou no Rio de Janeiro em 1939. O pai, empregado em peças teatrais encenadas em iídiche, estimulou-a seguir a carreira artística. Um ano depois, com 14 anos, ganhou seu primeiro papel no teatro, na peça O espírito. Com a irmã Bela, formou a dupla A Bela e a Berta, que se apresentava à comunidade judaica carioca.
Em 1946, o empresário Isaak Liubeltchik contratou-a para atuar na Argentina. Em Buenos Aires atuou em peças teatrais, algumas das quais em iídiche, e casou-se com o também ator Saul Handfuss, cerca de 30 anos mais velho. Admitiria mais tarde que o matrimônio fora a maneira encontrada para sair de casa e garantir autonomia. Com o declínio das produções teatrais portenhas em iídiche, decidiu regressar ao Brasil. De volta ao Rio de Janeiro, o maestro Armando Ângelo lhe ofereceu, em 1951, um papel em O pudim de ouro, peça do teatro de revista, gênero de forte apelo popular. Desde o início da sua trajetória artística, despontou em papéis cômicos. Ainda em 1951, fez sua estreia na televisão, no programa Grande revista, exibido
pela TV Tupi, e participou da peça Confusão no reboque. No ano seguinte, esteve na montagem teatral Ponto e banca. Em 1955 trocou o nome artístico que usava até então, Berta Ajs, por aquele que a tornaria conhecida, cuja pronúncia considerou mais fácil para os brasileiros. No mesmo ano, estreou no cinema, na chanchada da Atlântida intitulada Sinfonia carioca, dirigida por Watson Macedo. Fez em 1957, no mesmo estúdio, Papai fanfarrão e Garotas e samba, de Carlos Manga.
A encenação em Portugal, em 1957, da peça Fogo no pandeiro, de cujo elenco participava, permitiu-lhe residir no país. Inicialmente estava disposta a retornar ao Brasil, mas teve a oportunidade de integrar a peça Está bonita a brincadeira, cuja temporada prolongou-se por seis anos. Também fez cinema em Portugal, atuando, em 1960, em O cantor e a bailarina.
Em 1963, voltou ao Brasil e estabeleceu-se em São Paulo. Atendendo a convite da atriz e diretora Bibi Ferreira, foi contratada pela TV Record. Naquele ano, casou-se com o comerciante de ascendência polonesa Júlio Marcos Jacoba, com quem permaneceria até 1988, e compôs o elenco da peça O peru e do musical Como vencer na vida sem fazer força, desta vez ao lado de Moacir Franco e Marília Pêra. Tentou ter filhos com Jacoba, sem jamais conseguir. Em 1964, fez a peça Boeing Boeing e, dois anos depois, A cinderela do petróleo.
Tornou a residir no Rio de Janeiro e, em 1966, obteve um papel em Espetáculos Tonelux, veiculado pela TV Tupi. Neste ano, o diretor de programação da TV Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, conhecido como Boni, levou-a para a emissora, onde estreou no programa Bairro feliz e com a qual manteria um vínculo duradouro. Participou dos programas humorísticos Balança mas não cai (1968), Faça amor, não faça a guerra (1970-1973), Satiricom (1974-1975), Planeta dos homens (1976-1982), Viva o Gordo (19811987), Escolinha do Professor Raimundo (1990, 1994 e 2001, onde brilhou nas personagens Manuela D’Além Mar e depois a judia Sara
Carlos Alberto e Berta Loran em cena da peça “Orquídeas para Cláudia”, de Henrique Pongetti, cartaz do Teatro Copacabana, no Rio de Janeiro, 1966 Rebeca), Zorra total (2004) e Tá no ar: A TV na TV (2018). Em 1984, surpreendeu o público com a sua atuação na novela Amor com amor se paga, em que fez dobradinha com Ary Fontoura.
O trabalho na televisão não a fez abandonar os palcos, atuando em Alegro desbum (1973), Camas redondas e casais quadrados (1974), Divirta-se com Berta Loran (1980), Tropicanalha (1989), As tias de Mauro Rasi (1996), Ainda estou aqui (2004) e Damas do humor e da canção (2018). No cinema, apareceu em A ilha dos paqueras (1970), Como matar uma sogra (1978), Polaroides urbanas (2006) e Até que a sorte nos separe 2 (2013).
Em 1990, já separada de Júlio Marcos Jacoba há dois anos, casouse com Paulo Carvalho. Ficaria junto dele até 2016. Em 2009, após uma ausência de 25 anos das telenovelas, participou de Cama de gato.
Em 2016, em comemoração aos seus 90 anos, o jornalista João Luiz Azevedo biografou-a no livro Berta Loran: 90 anos de humor – uma homenagem ao talento de Berta Loran. No ano seguinte, iniciou o quarto matrimônio com o colega de profissão Claudionor Vergueiro. Em 2019, ganhou um papel na novela A dona do pedaço. Estima ter feito mais de dois mil personagens numa carreira de sete décadas.
Rogério Alves de Barros / IB
BIBLIOGRAFIA Azevedo, João Luiz. Berta Loran: 90 Anos de Humor — uma homenagem ao talento de Berta Loran. Rio de Janeiro: Litteris Editora, 2016. “Berta Loran, a atriz que transformou a tragédia em riso”. Memórias cinematográficas. Disponível em: <https://www.memoriascinematograficas. com.br/2019/03/berta-loran-atriz-quetranformou.html>. Acesso em: 7 fev. 2020.