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O MELHOR DA CULTURA EM NOVEMBRO DE 2011 R$ 12,00 l www.bravonline.com.br

HIROSHIMA Somos todos olhos puxados

LITERATURA

URBANISMO

PERFIL

Leveza e reflexão no novo jornalismo cultural.

Rua Augusta vive momento de transformação.

Hisoriador Fabiano Nunes mostra um outro lado de São Paulo.

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Editorial Neste mês temos como destaque uma obra do jornalismo literário que mostra uma das maiores catástrofes da história humana: Hiroshima de John Hersey. Ao reunir assuntos diversos que abrangem o interesse da maioria, o autor permite ao leitor traçar um paralelo entre a dor do povo japonês durante o período da Guerra com milhares de outros povos espalhados pelo mundo que também são olhos puxados, dividem suas dores ao longo da história moderna. Outro destaque desta edição é o jornalista Flávio Moura que fala sobre a fase de transição do jornalismo cultural. Por falar em mudanças a Bravo! preparou um texto sobre a Rua Augusta, sua nova identidade e de como o mercado imobiliário em constante crescimento está afetando a via mais conhecida e polêmica de São Paulo. Mas, também, estamos de olho nos investimentos fornecidos para as políticas públicas com o perfil de outro profissional. Fabiano Nunes que além de jornalista é historiador e mostra um outro lado da cidade de São Paulo. Boa Leitura Redação Bravo!

Índice 04 - Depois de Amanhã... 05 - Perfil 06 - Diversidade unida 08 - Quando a cultura esbarra na liberdade 12 - Desci a Rua Augusta a 120 por hora.. 13 - O historiador da cidade de São Paulo


DEPOIS DE AMANHÃ...

riela p que p m rara a do cont mais alt pressão n e ex s se lista e de spona d n a r d jo liber ra, corre ras es a e t d n a o o tu aspir com a ceament ser ânc e cober s o , m s r m anos da u s, ce nsava e , prêmio dos nun e á 20 vez. Ca emissõe e d s p a s m m já ad a so ssa meir ro, sem d . Cada u consagr tura, ao prome dos que oso s s o a t u m a o ou rrubad matéria da form odos co o que t seu tort stas, e u r T li a o e d e rias cional, t s da farr ma vez. Acontec seguiu ra jorna é t a i ou m interna s. Depoi pela últ ontato. cada um e os ago c u e , a u t i i o r n v er de nam am até q iná po se i d r d g r e a o ,p ar im ru extra , o g mesmo riência s se pass assem. a e o c p ntr n n Aline estava na Praça Colón, em Córdoba, s nu r esta ex . Vinte a reenco a m e s o ca, ram po s h Argentina, às sete da noite, com os óculos min ondente a a s c s a o p s vermelhos caindo sobre o nariz, terminando o rresp lorio ou g ores e co primeiro livro e avistou Santiago com uma seu it escr câmera pendurada no pescoço e a confiança de . Aline, então, percebeu que o um seria o seu futuro marido. faculdade da amigo Já no Co ntinente Afr uma colu na no Ne icano, Merillyn, a w York T escritora de todos imes, res aq olveu de que vivera no prim reportag ueles dicar-se eiro mun ens a ped ao do, usara ido do ed chava a e . L á encont trabalho voluntá sapatos P itor do jo dição do r r io o u rada e tin r d nal “O G Adriano jor epois de e, mais u ha lobo”, exque prod perceber ma vez, h nal “O Globo” qu colega da uzia maté a futilida ando se d avia perd de rias para faculdad eu conta ido o jan e, Viníciu uma série que o tar com a s. No Bra de esposa. sil, Viníc ius feQuinze anos após a formatura, todos haviam percebido a paixão e os sacrifícios que movem o e esperavam ainda mais.

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PERFIL

Aos vinte e poucos anos, ela com bolin has sem era uma m medo de enina que pessoas n ser ou n o elevado misturava ão aceita r; ela ti listrinha de inhos. ; usava nha um vo s Agora, ao franja e cabulário s 40, a comportam xingava próprio c gaúcha la entais e om a m nçou dois suas orig teresse, ens, assu livros so ãe, cheio a jornali nto que s bre hábit sta não m nem franj empre des os istura ma a, mas co pertou se is listri ntinua nã sobre a a u n i h o n a s com out rte produ tendo med zida por ra estamp o de erra nem que e pessoas q r a , a la não se o e s c rever crí ue ainda ja conhec ticas primam po ida e rec r origina onhecida lidade, pela gran de maiori a. se r g n lo, i onde u a P os, a São e par r dois an s Paris u o po mud para a e m i o a o R i f nterm , iân rou e e. Depois pondente i esem Go o M u e c . rres a Art que d s nas jornalismo Santo ria d rnou-se co mentário ó o t Vla e n s d a i i H u o T Adr doc rêmio em . p curso a o o fi o n ã o o ç s n ou lo oi dua s, os sando ém, f vel”, ganh s-gra rado em fi balho ma”. r ó a o p r p t a u , t í fez s r seu mes no Brasil nte invis os demais África cla e D i G o u “ b l . o c o , l n e “ co a G tári filme d n e o m l r tros” u a i n c n e e o o m c d i i c r r na dos O p melho agia -se. tacou Herzog de foram “A m dimir percutidos Baiana re nem tão a mais rretada a 2012, fez ssim, Mer sua pós-g illyn Rei raduação mais resp s for em econom eitados d ia e trab mou-se jornalista o 40 anos, mundo, co alhou par em passou a mo o Guar a os veíc fazer tra dian e Th miséria e ulos balho vol e New Yor pela fome untário e k Times. . Interna as palavr m regiões Aos cionalmen as, Meril a t f e etadas pe l y c africanas n ajudou onhecida la pelo seu na alfabe e partici talento c pou de di tização c om versos do erca de 300 crian cumentári ças os sobre o assunto . ogia. ociol s m e o na ado espaç na gradu r a s i ó r p ti e e c ica La ealismo sta Piauí r a é n m r A o r o em j s na revi u pela strando a ormad o viajo f o n enos m a , é u s B e s a n n c aya por ias lgu íti y c a l o a n o B v ê e p a i t o s r n s três a e ag as pe Santi crever dur s visõ do suas ex , quando p a mulher e a u s a s s n e elata das viagen órdoba com nhol. al par Após acion s livros r C n a m m a espa e u i d mí ive trê ês e v . Em u s u g , o e u e v v t j o e r p m po a. Ho e escr de muitos espos poesias, e a u e s d a u d m li co ece , conh eve livros Aires r c s e e Após as filhos si dade pa nar colunas nos mai ra públ ores jo ic Oliveir rnais d a torno o e crítica o p co u com tod o o tra se um jornal mo comentari aís e tornarst ista co balho q s para fu nsagrad a na televis e unanimiue nd ão, Vin o na á especia ar, em parcer a profissão d rea esp ícius e li ia com ort o publi manda, ele ai o jorna zada em prod nda enc iva. Mesmo citário ução mu lista e on sical, Felipe tocar empresá com su a Fort Amorim, trou tempo rio se a band W uma agê a que lhe d yne Ent ivi a de m ncia ertainm restam. úsica b de entre as ent duas ca rasilei rreiras . Hoje, ra nas , além – pouc de as – h oras v agas

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Diversidade unida Entre os dias 6 e 9 de agosto de 1945, o mundo foi arrebatado por um dos episódios mais tristes da história: o bombardeio às cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, ordenado pelos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial. Um ano após o triste episódio, o jornalista John Hersey foi até a cidade de Hiroshima para escrever uma reportagem sobre o ocorrido. O que era para ser uma reportagem, acabou tomando outros rumos e deu origem ao livro “Hiroshima”.

O

livro nos apresenta e conta a história de seis sobreviventes do massacre. Com detalhes e nos levando a imaginar ao menos um pouco da dor e desespero pelos quais passaram a população de Hiroshima, o autor conta a história de uma forma mais real, mas sem apelar para o sensacionalismo comum em reportagens deste tipo. É exatamente a partir do momento em que conseguimos nos colocar por alguns minutos na situação vivida pelos seis personagens que descobrimos o verdadeiro efeito deste livro e de outras tantas reportagens que abordam as mais diferentes guerras e seus episódios. Quando conseguimos refletir de alguma forma sobre tudo o que aconteceu e também transportar um pouco disso para os dias atuais e sentir que ainda estamos longe de encontrar a paz e a igualdade comum, percebemos que todos fazem parte

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do mundo. Estávamos em Hiroshima, sofremos com o Nazismo e com a Guerra Fria e continuamos sofrendo com as guerras atuais. Todos nós somos parte de Israel x Palestina. Invadimos e, ao mesmo tempo, sofremos com a invasão do Iraque pelos EUA. Também caímos juntos com as Torres Gêmeas. Quando uma nação sofre, sofremos todos. A vitória de uma nação também é a nossa vitória, é a vitória de cada um ou de cada milhão. Somos todos brasileiros, uruguaios, chineses, alemães, mexicanos, etc. Essa é a melhor relação que pode ser feita, saber que somos iguais e que sofremos com os nossos iguais, não importa quanto tempo tenha passado do episódio de Hiroshima até hoje.

Somos todos olhos puxados.


Santiago Boyayan

À margem do rio Por Santiago Boyayan

Bomba Bomba Bomba De sorriso Sereno e cheio de vida Menino protegido Afeto ao olhinho puxado À história de tantos meninos

Arquivo

Fez-se o sonho de todo um povo Cada sorriso pequenino Cada carinho ao lado vizinho O amor A paz À margem do rio A brincadeira O sentido Em brincar de ser menino 07


Arquivo

Quando a cultura esbarra na liberdade “Me sinto num momento de várias definições profissionais. Não tenho essa coisa de ‘olho para trás e vejo o caminho trilhado’. Acredito que ainda existam muitas coisas a se fazer.”

E

ste é Flavio Moura, jornalista paulistano, pesquisador das artes e amante de devaneios e reflexões. Apesar da pouca idade, sua trajetória profissional soma experiências que vão da passagem pela Folha de S.Paulo às aulas ministradas na Faculdade de Campinas. Atualmente no Instituto Moreira Salles e encabeçando a revista Serrote, o trabalho dele é referência para jovens jornalistas.

Quando começou no jornalismo, você tinha um rumo definido? Me lembro bem de quando entrei na faculdade de jornalismo, na PUC. Sempre tive consciência de que queria partir para o jornalismo cultural, gostava de escrever e queria ser escritor. No segundo ano de faculdade, quando tinha 18 anos, surgiu uma vaga de estágio no Jornal da Tarde. E fui. Se você começa muito cedo no jornalismo cultural, tem que achar alternativas aos grandes jornais, porque apesar de ser uma escola interessante, é muito difícil passar um longo tempo neles. Sou jovem, tenho 33 anos, mas se olharmos a idade dos jornalistas que escrevem na Ilustrada da Folha de S.Paulo, eu seria velho 08

para esse caderno. Essa é uma questão importante, pois o jornalismo diário consome muito tempo de trabalho. Os profissionais crescem e ficam mais bem formados e fica difícil fazer do jornal um espaço para exercitar isso. O texto vai ficando cada vez menor e o tempo para produzir é cada vez mais maluco. Uma saída interessante que, eu e muitos colegas adotamos, é a de colaborar com o jornal, mas tendo outras atividades prioritárias. E o jornal não dá abertura para você produzir longas reflexões... Existe essa questão de espaço, que cada vez mais é aviltado na grande imprensa. Se você gosta de ler o livro até o fim antes de escrever sobre ele, fica difícil. Você


até encontra espaço para isso, como na Ilustríssima da Folha e no Estadão, mas ainda tende a ser um pouco limitado. Hoje, você tem muito mais tempo para elaborar um trabalho? A pressão diária é menor e isso te dá mais chances de desenvolver um projeto próprio. Nesse tempo todo, nunca fiquei trabalhando só no jornal – terminei minha tese de doutorado há um mês, Sociologia na USP. Ou seja, há dois meses eu era estudante. Nos meus empregos, tinha que arrumar tempo em algum momento do dia para encaixar uma pesquisa autoral e não remunerada. Isso sempre me obrigou a fazer várias coisas ao mesmo tempo, mas, por outro lado, não tendo que cumprir oito horas diárias de trabalho num mesmo lugar. Além disso, também dei aula por seis anos no curso de Jornalismo da Facamp, onde coordenava os TCCs. Acredito que esse lado acadêmico acaba sendo algo importante para quem quer se aprofundar em alguma área do conhecimento e obter uma reflexão mais sistemática.

como a Serrote e a revista Piauí, não existiam há 10 anos. Na época em que estava me formando, as grandes referências nessa área eram a revista Cult e a Bravo. Com o passar do tempo, os espaços se ampliaram e a internet fez parte disso. No Instituto Moreira Salles, meu papel está ligado à internet. Exploro um campo novo e muito interessante que abrange a tecnologia e a interatividade. Para mim, trabalhar com isso é um aprendizado. Qual o papel de uma publicação, como a Serrote, na construção do debate cultural? O papel dela é formar o leitor. Atualizar um certo repertório no Brasil; de um ensaísmo, sobretudo, de corte anglo-saxão que é pouco publicado em português. O ensaísmo no país tem uma condição mais acadêmica, isso implica uma postura combativa muito frequente. Muitas vezes o que reina é a cultura do compadrio, do não falar mal publicamente. Essa ideia de que se pode criticar abertamente um grande medalhão da cultura e proporcionar um debate estimulante sem que você o esteja atacando pessoalmente, é muito forte tanto nos Estados

“O ensaísmo no país tem uma condição mais acadêmica, isso implica uma postura combativa muito frequente.”

Qual é o objetivo de um projeto como o da Serrote, que prima tanto pelo conteúdo quanto pela forma? O mais interessante da Serrote é ser essa conjugação entre uma reflexão densa e um formato jornalístico leve e agradável. É a síntese que todo o mundo quer: conteúdo e substância, além de ter a forma adequada para expressar essa substância. O ensaio que a revista defende é o de um texto não acadêmico e livre de jargões, que seja saboroso e agradável de ler, mas que tenha um conteúdo erudito e ousado do ponto de vista opinativo, aliado a uma forma cristalina. Por outro lado, há a discussão sobre uma suposta crise cultural no Brasil e da audácia de um projeto como o da Serrote, mas acredito que estamos num momento bom, melhor do que há 10 ou 15 anos para se fazer crítica cultural e jornalismo literário. Esses canais,

Unidos quanto na Inglaterra, e aqui um pouco menos. No limite, a Serrote tenta instituir uma cultura nova, não do ensaio como forma, e sim desse tipo de ensaísmo, que cultiva a clareza de texto e combatividade de opinião. Coragem para demolir certos mitos. Trazer para esse debate temas considerados menores e transformá-los em reflexão. O leitor da Serrote é o mesmo do site do Instituto Moreira Salles? Existe uma certa resistência. Parte dela é preconceito e outra tem a ver com a qualidade. Eu jamais diria que o site do Instituto tem a mesma qualidade da Serrote, claro que não! Ele tem mais informação, tem que ser ágil, ter uma mídia social bem feita, colaboradores diversos e repercutir minimamente. Ser bom dentro dos parâmetros de um site, não dos 09


da Serrote. Para mim é ótimo, nunca tinha feito isso. Fazia revista acadêmica, CEBRAP. Também fui criado para ter preconceito com a internet. É muito bom trabalhar com isso e descobrir de peito aberto a potência desse negócio, que é incrível. Como responsável pela parte digital do Instituto, você nota uma aproximação de um público que antes não era o específico? Sim. O Instituto é uma instituição de credibilidade, mas que até por causa disso, durante muitos anos, ficou bastante focada num certo tipo de público. Acho que agora, sem perder a qualidade do que faz, o Instituto tem tentado expandir um pouco esse círculo. Minha função como coordenador de internet é guiar o alcance do Instituto. A gente sabe a potência de uma linguagem audiovisual, ela vai muito mais longe do que a impressa. E para mim, isso é nítido em números. Quando cheguei aqui, um ano atrás, tínhamos 30 mil visitas em média no site. Criamos o blog, mexemos pouca coisa e hoje já são 60 mil. Dobrou.

“Uma boa parte da elite financeira faz parte da cultural. Claro que tem uma elite tosca, despreparada, mas acho que em alguns circuitos elas convergem.” Como você se relaciona com a internet? Atuar neste suporte é desafiador? É uma coisa prazerosa, mas difícil, porque não dá para ter na internet o mesmo controle que você tem nas outras áreas. As exposições do Instituto são impecáveis, as impressões de fotos são incríveis, os textos de parede são lindos, os catálogos são feitos pelos melhores designers, impressos nas melhores gráficas. É tudo impecável. Então, se for adotar esse modelo de excelência você fica para trás, porque perde um item básico que é a velocidade. Então acaba sendo um campo de experimento mesmo, publico lá coisas que eu não publicaria no impresso. Coloco no ar coisas mais 10

rápidas que talvez não tivessem o design perfeito, ideal. Mas está lá. Está no ar, está no dia. Temos aqui a melhor estrutura possível, mas muitas vezes a gente faz com menos estrutura e bota para ver o que acontece. É mais cru por um lado e por outro é um campo de experimento interessante, é um laboratório que te permite ousar um pouco mais. Errou? Corrige. É simples. Tira do ar. Na crítica cultural, a interação com o público por meio da internet é bem vista? Essa ideia de que as pessoas tem acesso a tudo é real ou se trata de um contato superficial? Acho que o primeiro passo é a pessoa ter condição de acesso. Isso é muito mais real no Brasil agora do que há 10 anos, esse é o desafio de todo mundo que trabalha com internet. Ainda existe uma legitimidade maior associada ao meio impresso. Em parte, é preconceito, mas, por outro lado, o impresso demanda mais energia e trabalho para ser feito. A publicação impressa de algum modo traz em si a ideia de, que teve ali, um esmero maior. Um erro numa publicação como essa acaba gerando uma relevância maior do que online. Não significa não arriscar, mas preservar o público do impresso. Deixar tudo acessível é uma decisão arriscada, pois você pode perder o público que quer cativar, e deixar de tirar partido de coisas importantes, como a qualidade da impressão. Numa revista como a Serrote isso é muito importante, pois tem um ensaio visual ali, as imagens tem que ser tratadas, o papel tem que ser bacana. Coisas importantes para quem tem uma relação com a leitura. Uma publicação como a Serrote é pautada pelo orçamento ou pelo número de assinantes, por exemplo? A Serrote é feita numa circunstância de bastante conforto financeiro. Tendo em vista a estrutura do Instituto, ele não precisa dar lucro. Isso é um privilégio que poucas publicações têm. Por isso pode ser o que ela é. Se tivesse a obrigação de dar retorno, dificilmente poderia trazer os textos que traz e ter a qualidade de acabamento que tem. É até difícil pensar uma publicação como essa, fora de uma estrutura como a do Instituto, que é uma entidade sem fins lucrativos que tem uma dotação da qual ela vive sem depender de vendas, anúncio. No Brasil, a elite financeira corresponde à intelectual? Uma boa parte da elite financeira faz parte da cultural. Claro que tem uma elite tosca, desprepara-


Aproveitando a deixa, na FLIP de 2011, Manuel da Costa Pinto, curador desta edição, teve declarações distorcidas pela imprensa. Durante os três anos em que foi curador, você viveu alguma situação parecida? Fiquei muito impressionado ao ver como uma palavra fora do lugar se torna uma grande armadilha. E a FLIP é uma enorme armadilha para isso, porque ela desperta um interesse de mídia desproporcional em relação ao que ela realmente é. Não estou rebaixando a festa, tanto é que até hoje faço trabalhos para eles, mas você pode trazer as mesmas pessoas e organizar os mesmos debates na Livraria da Vila e corre o risco de não encher. Um auditório com espaço para 50 pessoas pode estar vazio em São Paulo, mas em Paraty, o mesmo debate, junta duas mil pessoas. Ou seja, qualquer coisa que aconteça naquele contexto vira uma confusão. Quer dizer, a FLIP tornou-se uma marca... Conseguiram criar essa marca e isso é um feito. Mas o lado reverso disso é que há uma exposição gigantesca para quem está no papel de curador, o que é muito delicado. Uma situação de entrevista coletiva no último dia da festa, por exemplo, é complicada. Todos os repórteres estão ali querendo ver você escorregar. Eles estão lá para isso. Distorcem o que você diz. O interesse em cobrir a festa foi distorcido? O engraçado é que a FLIP tornou-se uma fogueira de vaidades e de circulação de celebridades. Quando você é o curador, não existe o conforto para exercer crítica cultural. O Manuel, que é uma pessoa que adoro e acho brilhante, acabou pecando nisso. O espírito crítico dele estava sendo exercido o tempo inteiro e, num momento como aquele, é claro que você tem vontade exercê-lo, mas você está falando como curador e anfitrião daquela festa. Nessas horas, você tem que suspender o espírito crítico para evitar algum tipo de faísca, de ruído. Nesse sentido, esse tipo de posição não favorece muito o juízo crítico, por isso que é difícil ficar por muitos anos como curador de um evento desses. Todos queremos ter uma linha de pensamento próprio, exercer uma certa liberdade para criticar. Você, numa função dessa, não pode ir para o jornal e falar mal de um autor que está vindo para a sua festa. Você é o dono da festa. Como foi ser o anfitrião da FLIP por três anos consecutivos? Foi sensacional como aprendizado, mas eu acho que pra FLIP é importante que tenha gente nova com um outro olhar. Não é uma coisa que você possa fazer pela metade. Ou você faz muito envolvido, apaixonado, ou é melhor não fazer. Principalmente, porque é muita energia que você tem que desprender ali. Então, eu continuo prestando consultoria para eles, participo de reuniões. Tenho a impressão de que é um pouco por aí, não dá, mesmo porque se eu ficasse muitos anos - até gostaria, teria um prazer pessoal -, mas o público ia começar a achar ruim também, ter sempre a mesma visão que é a sua. 11

Arquivo

da, mas acho que em alguns circuitos elas convergem. Muitas editoras conseguiram desenvolver um bom trabalho, pois começaram numa estrutura quase que de mecenato sem precisar gerar lucro. Existem esses espaços, à margem do mercado editorial mais selvagem, que permitem esse tipo de experimento. As leis de incentivo, dos anos 1990 para cá, abriram um campo enorme. A FLIP não existiria fora dessa lógica. A festa atingiu essa escala porque o próprio cinema nacional se beneficiou muito disso. Não deixa de ser mecenato, é o Governo pagando indiretamente. Isentando o imposto para que o evento possa acontecer.


Adriano Santos

Desci a Rua Augusta a 120 por hora..

Lojas, bares, restaurantes, teatros e baladas. Este é o cenário atual do Baixo Augusta, local que ficou famoso pela forte presença de garotas de programa e tema de muitas canções presentes em nosso repertório musical.

A

Especula-se que em até três anos a presença dos novos edifícios residenciais provocará mudanças no perfil dos frequentadores do Baixo, atualmente composto por jovens moderninhos, rockers, fashionistas e garotas de programa. Entre os novos moradores da Augusta estão: jovens solteiros, estudantes universitários e casais que ainda não tem filhos. O metro quadrado da região gira em torno de sete mil reais o que mostra o interesse na região.

Ofertas de compra para os comerciantes surgirão conforme o desenvolvimento da região, e poderá ser uma tendência, já que edifícios com cerca de 40 apartamentos darão um lucro muito maior às construtoras que ‘comandam’ o mercado imobiliário em São Paulo. O Cabeleireiro Cláudio Sousa trabalha há 12 anos no Baixo e diz que ovalor dos imóveis já aumentou consideravelmente: “Só espero que não comprem o meu local de trabalho”, completa.

Adriano Santos

pesar desta fama, o Baixo Augusta passa por um processo de reurbanização que pode alterar sua marca registrada: As Casas Noturnas Liberais. Com o avanço imobiliário na região central da cidade, era fácil prever que a Augusta estaria na lista das grandes construtoras. Não deu outra, em menos de um ano a região ganhou novos estabelecimentos e com isso houveram demolições de diversos American Bars, os clubes liberais.

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Demolição de prédios históricos em nome do avanço imobiliário é a nova tendência na Augusta


O historiador da cidade de São Paulo O jornalista Fabiano Nunes, apresenta-se como um típico metropolitano, jeans, barba por fazer e uma camiseta do CCCP - palavras em russo de União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o equivalente a URSS, que pode significar muito ou nada.

Arquivo

N

o caso dele significa sim que é socialista, anticapitalista e a favor do compartilhamento dos bens. O jovem que não aparenta ter mais de 30 anos, já vai para os 40, mistura-se a qualquer turma de estudantes. Formado em comunicação social, pela FIAM, trabalha a dez anos no caderno de Cidades. Hoje é possível ver seu nome no Jornal da Tarde, mas em sua extensa carreira já passou por sites, rádios e outros periódicos. Tem o olhar astuto de jornalista por vocação, apesar de ter dito que “nada foi planejado”. O gosto pelo trabalho só fica abaixo de sua paixão, que é História – o que podemos sentir como algo bem semelhante ao que faz, na verdade. E a escolha de sua profissão, de alguma maneira, complementa esta paixão de criança. Ao contar as histórias de pessoas, de momentos que perdurarão na imprensa e ao cumprir a função social do jornalismo, contribui para escrever a história de um bairro ou da população, ou melhor, a história do seu país, ou até mesmo, a sua própria história. Ao falar da forma como prepara suas pautas, Nunes diz que consome notícias de maneira compulsiva e que a leitura é a preparação básica de qualquer boa

matéria. Lê jornais, revistas, ouve rádios e assiste telejornais. Apesar de colher informações de vários veículos, é leitor especialmente do Jornal Folha de são Paulo. Ao chegar à redação, ele recebe as sugestões de um pauteiro, no entanto as pautas também surgem de um comentário feito no site sobre outra notícia ou por meio de ligações. “No entanto, muitas coisas que chegam não são aproveitáveis”, diz Nunes. “A internet hoje em dia é uma grande fonte”, afirma o jornalista. “Esta profissão, aliás, nos deixa 24 horas ligados!”, e faz uma analogia com um cirurgião que precisa estar dentro de um hospital para exercer a função, quando o jornalista pode buscar inspiração em qualquer lugar. Nunes também demonstra sensibilidade e inspiração nas poesias escritas em seu blog, cuja atualização é semanal. O profissional, inquieto, gesticula bastante ao contar os casos e bate no copo de suco de laranja que cai e quase molha o gravador que registrava a entrevista. Ele pede desculpas e mudamos de mesa. “Antes de qualquer coisa sou cidadão”, diz Nunes, quando questiono se ele se identifica ou não como jornalista. 13


O socialista, de descendência indígena, não gosta de ter a imagem gravada, e com cabelos negros velados por um boné e os olhos pequenos, levemente puxados e ornados por um óculos de grau, com armação preta, carrega o cenho de indignação ao explicar que, ao contrário dos índios que não visam lucro, a sociedade consumista alimenta o sistema capitalista. Em caso recente, o JT noticiou a não disponibilização de 7 bilhões do orçamento total de 14bi para as ações anti-enchentes em São Paulo. O montante foi investido no mercado financeiro para que o dinheiro rendesse. Nunes ouve especialistas e tenta acompanhar a cada ano, neste caso, a cada época de chuva, se algum projeto foi escolhido para fazer uma tentativa de amenizar o problema.

Assuntos inesgotáveis Às vezes há tempo de voltar no assunto, recuperar informações, mas alguns assuntos acabam esquecidos diante do grande volume de solicitações. O jornalista diz que pode e deve resgatar estas matérias, e que o ideal é que se tenha uma agenda própria. Outro ponto importante para uma matéria “é ter uma fonte oficial, um especialista os testemunhos, ou seja, os contrapontos da matéria. Com o especialista você consegue ter uma pessoa que entenda do assunto e te diga, provavelmente, até quanto custaria o projeto. No caso de macrodrenagem, no Vale do Anhangabaú, por exemplo, um engenheiro afirmou que a solução seria a construção de dois piscinões. Esta proposta, aliás, foi indeferida pela prefeitura. O nome Anhangabaú é indígena e, em tupi, significa rio ou água do mau espírito”, explica. Ele consegue manter o foco em uma matéria, produz duas por dia, no máximo. Até porque, em São Paulo se for da zona sul para a zona leste buscar informações pode perder o dia inteiro. O jornalista tem, inclusive, tempo de fazer pesquisa, o que é fundamental, além da apuração. Entretanto, uma de suas melhores reportagens não veio de uma pauta pré-determinada. Ainda na redação, ao tocar o telefone, recebeu a denúncia de uma recepcionista do Hospital Municipal do Tatuapé que afirmava existir negligência no atendimento aos pacientes do pronto socorro. Nunes foi até o hospital com uma pequena câmera fotográfica, entrou e fez uma rápida ficha alegando dores na coluna, enquanto observava o quadro que correspondia ao da denúncia recebida. Ele conversou com as pessoas que estavam ali e tirou fotos discretamente, até o momento em que foi identificado por um segurança. Já cercado por eles, se apresentou como jornalista e pediu para falar com o 14

“... acompanhar as políticas públicas é uma maneira de contribuir para que a população fique atenta aos assuntos que influenciam seu cotidiano.”

diretor, que não estava no local. Não saiu dali até ser atendido pela secretária da saúde. É aí que ele afirma que o fato de ser cidadão antes de ser jornalista não é um problema. Se ele tivesse se identificado como jornalista teria modificado a realidade apresentada ali.

Jornalista x Cidadão O fato de ser jornalista pode algumas vezes ajudar também, pois quando está em um lugar colhendo informações as pessoas parecem mais dispostas a falar. Na verdade, a maior dificuldade, de acordo com Nunes, é ter informações exatas e, além disso, há sempre contra-informação das assessorias de imprensa dos governos municipal, estadual e federal, e também dos órgãos privados. O jornalista demonstra de maneira fervorosa a função social do jornalismo e diz que acompanhar as políticas públicas é uma maneira de contribuir para que a população fique atenta aos assuntos que influenciam seu cotidiano. É dever do jornalismo estar antenado para que estas políticas sejam realizadas da melhor maneira possível. Em um momento mais descontraído, já no final da entrevista, pergunto ao quase ateu, como ele mesmo se define, se já foi censurado em alguma redação. “Os grandes jornais sempre sofrem algum tipo de influência de anunciantes e governos. Acima de tudo, eles prezam pela saúde econômica da empresa. O que, em minha opinião, é um equívoco”, afirma. Nunes me perguntou com um tom de negação se usarei o nome do veículo em meu texto e eu afirmo que não, portanto, só posso dizer que ele já foi vetado por interesses do dono de um dos veículos onde trabalhou. No entanto, afirma, mais uma vez, que a partir do momento que o jornalismo se dobra a interesses passa a ser um panfleto ou uma assessoria de imprensa, já deixou de ser jornalismo.




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