Lençóis PauLista « Abril de 2016 « R$ 5,00 « Ano 6 « Edição Nº 105 « Gente de verdade que faz a história acontecer!
158anos Lençóis PauLista
O AviAdOr JOsé ÂngelO simiOni É com grande alegria que apresentamos a edição especial Cidade do Livro, em comemoração aos 158 anos de Lençóis Paulista. E, mais uma vez, temos o prazer de homenagear um grande lençoense, reconhecido mundialmente pelo seu talento: José Ângelo Simioni, a lenda que revolu-
cionou a aviação acrobática e desportiva. Ao iniciarmos a produção, alguns sentimentos logo emergiram e tocaram os nossos corações. Surpresa, emoção, alegria, tristeza, orgulho, admiração, inspiração... Além da paixão pela aviação, descobrimos outras particularidades
do aviador, como a admiração pelos quadrinhos. Mas, o maior legado que essa edição histórica nos deixa é a valorização de um homem que marcou uma era. Como é bom desbravar o até então desconhecido. Como é bom viajar pelo tempo, conhe-
cer o passado de uma figura tão emblemática e querida. Como é bom viver para contar as histórias vividas por Gordo (como os amigos queridos o chamavam)! Obrigado, Simioni, por ser lençoense e por levar o nome de nossa cidade a bordo de seu famoso avião T-6. Uma ótima leitura! Foto: Reprodução Revista Motor 3, Junho de 1982, edição nº 24
CARTA AO LEITOR C A R TA A O L E I TO R
ABRIL EM MINHA VIDA Este é um período intenso. Como, há muitos anos, atuo na área de comunicação, devido às festividades que comemoram a emancipação político administrativa de Lençóis Paulista, meu trabalho sempre esteve correlacionado com a história, com os personagens, com o cotidiano, com a rotina da cidade. Há uma frase que gosto de citar quando me refiro à nossa estimada comunidade: brava gente lençoense! Mas não vim falar de dados técnicos ou de datas históricas. Vim falar daquilo que sinto, hoje, especialmente, sobre o mês de abril. Para começar, nasci há 38 anos. Ontem foi o meu aniversário! E, com a graça de Deus, estou aqui, inquieto e vivo, trabalhando e com saúde. Quer presente melhor? A barba e os cabelos começam a ficar brancos, mas não ligo. Ah, mentira! Pelo menos um pouquinho, incomoda! Desde menino, gosto de completar idade nova nesta época. Quisera fosse dia 28, mas isso não me deixa triste. Foi nesse tempo que a piadinha mais sem graça que conto teve sua origem. Digo assim, pregando uma peça nos amigos: – Como você não foi convidado para o meu aniversário do ano passado se convido a cidade inteira? Vou levando até que a pessoa perceba que é um trote e que estou falando da Fa-
cilpa. É tão péssima a piada que só eu quem rio. Tantas vezes marchei com meu uniforme azul sobre um sapato preto lustroso pela minha tão querida Rua 15, a nossa velhinha centenária. Saudosista, recordo dos desfiles que aconteciam ali e me perco, por um momento, em pensamentos e alegrias distantes. Hoje, quando vejo as crianças desfilando pela Avenida Padre Salústio, penso na responsabilidade que temos sobre elas. É o futuro da cidade que está passando por ali, sorrindo e acenando as mãozinhas que logo ganharão o mundo. Papo de vereador, alguns dirão. A verdade é que hinos e desfiles cívicos sempre despertaram em mim do bairrismo ao patriotismo. Gostava de ouvir, todo dia, na sala de aula, o hino nacional. Lembro bem. Sentia e sinto um orgulho diferente, que só o coração pode explicar. É também o mês mais triste da minha vida. Dona Vanda, minha mãe, partiu faz 14 anos, dessa para outra na véspera do meu aniversário. Eu sei! Já contei isso por aqui! Mas como ser marcado por esse fogo e esquecer? Para quem escreve – querida leitora, estimado leitor – a lágrima e o sorriso sempre estão atados. É como se a lágrima salgada percorresse a face e se encer-
rasse em um sorriso doce. Dos desejos que tenho, conhecer as maravilhas do mundo é um sonho bem recorrente. Gosto de viajar, através do pensamento, por países e culturas que só conheço por fotos e livros. Mas eu sei, sempre soube que nasci no lugar certo, mesmo que muitas vezes, seja um crítico da minha cidade e do meu país. Meus amores e meus amigos estão aqui. Nossas famílias plantaram sementes que germinaram dando origem a árvores com raízes profundas, que tem, ao longo de 158 anos, dado frutos viçosos por entre galhos frondosos que se abraçam, se entrelaçam e estreitam-se. Este é o meu canto! O nosso canto mais precioso do planeta! Aqui, sobre as terras continentais da América do Sul! Aqui, cravada no coração do estado mais próspero do país! Aqui, por entre os caminhos bucólicos do centro oeste paulista! Aqui, sobre o aquífero Guarani! Aqui, onde a casa da gente é cada rua! Aqui, onde cada rua tem uma história! Aqui, onde cada história tem um rosto! Aqui, onde cada rosto é uma vida importante para esse exército do bem que é o povo lençoense. Aqui, nesta terra amada que guarda o cheiro doce da nossa infância, entrego meu coração em festa!
ANDERSON PRADO DE LIMA Diretor da Revista O Comércio
EXPEDIENTE A REVISTA O COMÉRCIO é uma publicação de Prado & Medola Empreendimentos Editoriais e Publicitários LTDA ME. // CNPJ: 10.744.028/0001-97 DIRETORES Anderson Prado de Lima [prado@revistaocomercio.com.br] // Breno Corrêa Medola [breno@revistaocomercio.com.br] DEPARTAMENTO COMERCIAL Patrícia Prado de Lima // Regina Mello // Ricardo Milanezzi JORNALISTA RESPONSÁVEL Anderson Prado de Lima [MTB 75.180/SP] REDAÇÃO Angelo Franchini Neto [MTB 66.026/SP] // Beatriz de Souza Vieira [MTB 81.167/SP] DIAGRAMAÇÃO E ARTE-FINAL Leonardo Mariano Bovo // Vinicius Humberto de Castro FOTOGRAFIA Cíntia Fotografias FINANCEIRO E DISTRIBUIÇÃO Juraci Rodrigues TIRAGEM 5 mil unidades CIRCULAÇÃO Lençóis Paulista AGRADECIMENTO Espaço Cultural Cidade do Livro, João Thiago Domingues, José Lenci Neto, Leandro Orsi Brandi, Marcos Rogério Vieira, Monica Edo, Silviane Ap. S. Sanches Rodrigues, Stefano Jusepe Ferrati Rua Machado de Assis, nº 36 // Vila Antonieta I // Lençóis Paulista // CEP: 18.682-570 // (14) 3264-8187 // ocomercio@revistaocomercio.com.br // revistaocomercio.com.br. Os artigos assinados são de responsabilidade de seus autores, portanto, podem corresponder (ou não) à opinião desta revista. Data desta publicação: 28.ABR.16.
04
A B R .16
C1
alto
Voando
José Ângelo Simioni levou o nome de Lençóis Paulista para o mundo, através de suas manobras inconfundíveis e seu talento ímpar
O luto da aviação “Uma perda lastimável, nosso pai, nossa mãe na aviação acrobática, no paraquedismo, na aviação pequena em geral. Não tenho palavras para definir o estado em que nos encontramos, de choque, pela perda do amigo, devido a esse acidente que para nós foi uma surpresa, uma vez que o Simioni voava muito bem. Era um piloto nato e esse tipo de acrobacia que ele fazia com seu T-6, sinceramente, nunca me deu susto em nada. Ele voava com uma perfeição e com uma técnica incomparáveis. Simioni era um autodidata, nunca ninguém o ensinou. Ele aprendeu tudo como um perfeito acrobata e um piloto perfeito em tudo”. Coronel Braga no Jornal Tribuna Lençoense, de 1983.
C2
Em seu avião T-6, Simioni desbravou os céus de vários países do mundo C3
06
A
lcançar o céu, chegar onde qualquer ser humano pensou em um dia chegar. Atravessar as nuvens, ficar alguns poucos metros mais próximo do sol, das estrelas e da lua. Ver o mundo pequenino e perceber que somos apenas um minúsculo ponto em meio à imensidão do planeta. Desafiar as leis da física e colocar para voar uma máquina mais pesada que o ar. Sentir aquele friozinho na barriga inenarrável. Ah, a aviação realmente é apaixonante! Cada detalhe fazia a diferença para José Ângelo Simioni. Nascido em 7 de abril de 1942, no atual bairro Morumbi, antigo Cortume, em Lençóis Paulista, sempre teve uma vida bastante humilde e, por isso, estudar foi um dos principais objetivos de sua vida. Após terminar o ginásio em sua terra natal, cursou científico em Botucatu e aprendeu a pilotar aviões. Mal sabia o que viria pela frente: o que parecia apenas um hobby se transformaria em uma grande paixão. Logo em seguida, foi para São Paulo, onde iniciou o curso superior de Engenharia Metalúrgica. Começou a frequentar o Campo de Marte e parou com a graduação devido à paixão pela aviação. Após três anos de namoro, se casou em 1971 com Olinda do Prado Simioni, com quem teve três filhos: Letícia, Priscila e Renato. A família morou na casa dos pais de Olinda por um tempo, mas logo se mudou para um imóvel no Jardim Humaitá, próximo ao batalhão da Polícia Militar. A vida de Simioni era dedicada ao trabalho e à aviação e, por isso, não conviveu o tempo que gostaria ao lado da esposa e dos filhos. Viajava frequentemente a outros países do mundo a negócios, conhecendo lugares incríveis e inesquecíveis. Era chamado pelo nome em aeroportos, restaurantes e hotéis de todo o mundo, resultado de sua popularidade, talento e simpatia. Iniciou na terra de seu avô, José Boso, o seu grande sonho: a construção do aeródromo em conjunto com a Prefeitura Municipal de Lençóis Paulista, que foi responsável pela terraplanagem do terreno. Ali se desenvolveu um dos berços da aviação acrobática e desportiva do Brasil. “Nesse aspecto (acrobacias aéreas), Lençóis Paulista era um oásis no deserto. Lá havia aviões e se fazia acrobacia. O ambiente era gostoso, daqueles que agrada especialmente ao aviador. Nos finais de semana, o dia era dedicado ao voo e o anoitecer a memoráveis churrascadas”. Esse trecho do livro Sonho de Voar, do piloto de acrobacias Decio Corrêa, mostra bem a importância de Lençóis Paulista no cenário da aviação desportiva. Após algum tempo do aeroporto já ins-
a b r .16
C1 Arquivo pessoal - Olinda Simioni // C2 Arquivo pessoal - João Domingues // C3 Divulgação
História e vida
P E R F I L NOME José Ângelo Simioni
Márcia Mammana
CIDADE NATAL Lençóis Paulista Ousadia e seriedade: a combinação que fazia das acrobacias de Simioni um espetáculo à parte
PROFISSÃO Piloto de acrobacias aéreas e revendedor Cessna DATA DE FALECIMENTO 9 de outubro de 1983 C4
Uma jovem que muito tinha a viver e pilotar. Essa era Márcia Aliberti Mammana, nascida em 17 de janeiro de 1955. Formou-se em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, aos 23 anos. Fez parte da Federação dos Bandeirantes do Brasil e se destacou por dar assistência aos pobres da região de Vila Madalena. O que mais chama a atenção na vida de Márcia é que ela, mesmo muito jovem, foi a primeira mulher a praticar acrobacia aérea. Juntamente com um grupo de amigos do Aero Clube, fundou o Grupo de Acrobacia de São Paulo. Ao lado da Esquadrilha da Fumaça, o grupo empolgou o público com suas acrobacias e ajudou a promover e divulgar a aviação civil brasileira. Márcia sempre esteve presente nas apresentações de Simioni, junto com todo o grupo de amigos que também fazia acrobacias aéreas. Em 9 de outubro de 1983, aos 28 anos, Márcia faleceu realizando o seu grande sonho: voar com o Simioni, no mesmo avião. Carlos Edo, um grande aviador amigo de Gordo, conta que Márcia, no auge de sua carreira na aviação acrobática, uma semana antes do trágico acidente, gravava para o Fantástico como a única mulher acrobata do Brasil. Simioni e Carlos tentavam chegar a Santos, mas a meteorologia os impedia. Carlos, Simioni e Márcia passaram o final de semana de 2 de outubro de 1983 no Aeroclube de Campinas, debaixo de chuva, mas sem deixar de voar e saltar.
C4 Arquivo pessoal - Armando Caversan
talado e em pleno funcionamento, Gordo Simioni, como era chamado pelos amigos, construiu uma das maiores oficinas de aeronaves da época e foi revendedor da Cessna no Brasil. Inúmeros paraquedistas que vinham de todos os cantos do Brasil e alguns até do exterior concentravam-se em todos os finais de semana para saltar nos Beech bee de Simioni, no Aeroporto de Lençóis Paulista, que viria anos mais tarde a ser chamado de Aeródromo Municipal José Boso. Foi nessa época, em Lençóis Paulista, que nasceu o Circo Aéreo em 1981. Simioni contava com a presença acrobática de Alberto Bertelli (o mais lendário piloto brasileiro de acrobacias aéreas de todos os tempos), Coronel Antonio Arthur Braga (o Coronel Braga), que acumulou o maior número de horas voadas em aeronaves North American T-6 em todo o mundo, Carlos Edo (futuro líder do Circo Aéreo), Fernando Almeida, entre outros. Simioni arrematou da Força Aérea Brasileira todas as peças e carcaças referentes aos aviões utilizados por ela, como o N/A T-6, Beech bee, Douglas DC-3, Consolidated PBY-Catalina, e até de alguns caças. Foi considerado o maior incentivador e disseminador de T-6 no Brasil até aquela época. O grande aviador lençoense Simioni faleceu no dia 9 de outubro de 1983. Naquele fatídico dia, após já ter realizado uma apresentação, Simioni fez um segundo voo com o seu North American T-6 PT-KSZ, o inesquecível T-6 de ronco forte, frente xadrez e fuselagem prateada. A demonstração transcorria normalmente, mas após uma hammerhead seguida de um snap roll em mergulho, o avião não teve altura suficiente para recuperar, terminando por bater no solo próximo ao estacionamento do aeroporto. Simioni e Márcia Mammana, piloto que estava com ele no avião, faleceram com o impacto. Existem diversas teorias a respeito do acidente, mas o certo é que não passam de suposições. Ninguém nunca soube ao certo o que ocorreu dentro do cockpit da aeronave naquele momento. Para a aviação acrobática, a perda de ambos pode ser considerada uma das maiores, já que os dois fizeram história na acrobacia aérea.
L E N ÇÓ I S PAU L I S TA 158 A N O S
07
C1
FAMÍLIA
O outro lado U
m homem dos ares, um homem do mundo, um homem de família. Apesar da correria do dia a dia (pudera, o lençoense era apaixonado pelo que fazia e viajava constantemente a negócios), José Ângelo Simioni dava o melhor de si para a esposa Olinda do Prado Simioni e os três filhos: Renato, Priscila e Letícia. Gentilmente, a família topou o desafio de contar um pouco da intimidade e do dia a dia de Simioni ao lado de cada um. Desafio, porque a saudade e a emoção insistem em bater no coração, 33 anos após o terrível acidente que vitimou o piloto. E foi através desse bate papo que descobrimos outras paixões de Simioni, tais como literatura, quadrinhos e cinema.
Olinda
Nascida em Lençóis Paulista, conheceu Simioni através de um amigo em comum. “A cidade era muito pequena naquela época. Sabia que ele havia feito curso de pilotagem em Botucatu e conhecia o seu espírito aventu-
O Simioni foi mais do que um piloto hábil, foi uma época na aviação
reiro través de histórias. Existiam algumas lendas sobre o Simioni, mas eu não sabia quais eram verdadeiras”, conta. Olinda lembra que o passado do piloto lençoense foi de muita luta. “Ele era um rapaz pobre, mas muito ousado, aventureiro e à frente de seu tempo”. Ao todo foram três anos de namoro até que, em 1971, o casal decidiu unir os laços em matrimônio. “Moramos na casa dos meus pais durante um tempo e depois construímos uma casa grande, no Jardim Humaitá, próximo ao batalhão da Polícia Militar”. Ali, Simioni e Olinda viveram boa parte dos 12 anos em que estiveram juntos. Aos poucos vieram os filhos, e a família estava formada. A professora aposentada viajou bastante a
C1 Arquivo pessoal - Olinda Simioni
Literatura, quadrinhos, cinema e família: as outras paixões por trás do piloto que revolucionou uma era na acrobacia desportiva
da lenda
08
D E Z . 15
C1
C1
C1
C1 Arquivo pessoal - Olinda Simioni
bordo dos aviões do marido e conheceu lugares incríveis, como as ilhas paradisíacas do Caribe. “Certo dia, estávamos pernoitando em San Martim e ele queria muito conhecer São Bartolomeu, mas a pista de pouso era mínima, entre o mar e um morro. Decidimos ir e o pouso foi no limite”. Apesar desses momentos de aventura, Olinda confessa que, em certo momento, sentiu que a paixão do marido pela aviação poderia ter um fim trágico. “Eu entrava um pouco no jogo, mas era muito risco. Um dia, estávamos voando sobre Amazônia e a aeronave balançou bastante. Naquele momento, pensei: tenho três filhos, não posso correr mais riscos”. A vida de Simioni era de viagens, sem uma rotina definida. E isso fez com que o piloto vivesse menos ao lado da família do que ele realmente gostaria. “A relação com os três filhos era boa, mas não tão próxima devido às circunstâncias. Mas é claro, tem o outro lado da história. Ele era uma pessoa avançada para o seu tempo, com conhecimento de viagens e do mundo, algo que era meio inusitado para uma cidadezinha como Lençóis Paulista na época. Não cheguei a ser entendida em aviação, mas todos diziam que ele tinha um talento especial. Talento esse que também o fez subestimar o risco”. Outra característica marcante em sua personalidade era o espírito de liderança, que o fazia aglutinar as mais variadas pessoas, seja nos eventos de aviação ou em qualquer lugar que estivesse. “Certas expressões usadas por ele eram imitadas e viraram moda, como por exemplo: Fala bicho!”. A saudade de Simioni fica clara nos olhos de Olinda. “Quando eu dava aulas, o Simioni passava com o avião sobre a escola, em rasante. Eu já sabia que era ele e os alunos ficavam agitados. São muitas histórias que ficaram marcadas e que vou levar comigo”, finaliza.
L e n çó i s pau L i s ta 158 a n o s
09
FAMÍLIA C1
Letícia
Após nascer e crescer em Lençóis Paulista, Letícia se mudou para Ribeirão Preto aos 17 anos, para estudar Psicologia na USP (Universidade de São Paulo). De lá, foi para Botucatu, onde fez pós-graduação e construiu sua carreira. Atualmente, mora e trabalha em São Paulo. Letícia define o pai como uma pessoa irreverente e diferente. “Lembro-me da casa sempre cheia de amigos (alguns estrangeiros), do senso de humor, do gosto pela literatura, quadrinhos e cinema”, revela. Um desses amigos é Carlos Edo, que ainda mantém contato com toda a família. “Eu tinha consciência da profissão ‘diferente’ do meu pai. No entanto, não acompanhava suas apresentações. De alguma maneira, era o que tirava ele de casa, então, eu não gostava muito”. A psicóloga tinha apenas nove anos quando o pai faleceu e não esconde a frustração por não tê-lo conhecido melhor. “Meu pai não viveu muita coisa, morreu antes do movimento pelas Diretas, da morte do Senna, do impeachment do Collor, da internet. Eu queria saber a opinião dele sobre essas coisas todas, uma vez que era muito inteligente e sagaz. Eu convivi muito pouco ao lado dele, a maior parte da minha vida (para não dizer toda) foi sem ter um pai presente”.
Priscila
Bancária na Caixa Econômica Federal (agência Lençóis Paulista) desde 2002, Priscila lembra muito bem de seu pai. “A característica que mais me recordo é a de ser brincalhão, sempre com o mesmo tipo de roupa, camisa branca e calça escura. Levava eu e minha irmã à banca de revistas e comprava muitos gibis. Ele adorava gibis”, afirma. Gordo, como era chamado Simioni, adorava comer. E um de seus alimentos preferidos era alface. “Ele comia uma bacia sozinho”. No dia do acidente, Priscila, que tinha sete anos, estava em casa. “Muita gente, entre parentes e amigos, entrava e saía de casa. Não deixaram eu e minha irmã assistir o Fantástico naquele dia (o
Lembro-me das apresentações no aeroporto de Lençóis Paulista. Seus rasantes eram impressionantes
programa noticiou o acidente). No dia seguinte, minha mãe nos deu a notícia”. Priscila não acompanhava os eventos de que o pai participava, pois era muito pequena. No entanto, ela faz questão de dizer que voou algumas vezes com ele. “Na época, não tinha noção da importância do meu pai. Quando jovem, depois de escutar e ler muita coisa, tive a real ideia do que ele havia feito. Alguns poucos lençoenses conhecem e valorizam o que ele fez, mas penso que poderia até haver maior reconhecimento de seu papel na aviação lençoense e do tanto que ele promoveu o nome da cidade lá fora”.
C1 Arquivo pessoal - Letícia Prado
Gostaria de saber como seria a minha vida adulta ao lado dele
10
D E Z . 15
C1
Renato
Renato trabalha com desenvolvimento de games e simuladores e tem o próprio estúdio na cidade de Maringá (PR). Quando Simioni faleceu em 1983, tinha apenas três anos, então, as memórias são poucas, mas ricas. “Acompanhava ele quase todas as manhãs ao aeroporto. Eu era alvo de brincadeiras das figuras que circulavam por lá. Uma vez, me convenceram que iam me colocar para saltar de paraquedas. Lembro-me do pavor até hoje”, brinca. Claramente, o filho mais novo de Simioni vê o pai como um ídolo e um exemplo a ser seguido em vários aspectos. “Era empreendedor na área, teve várias iniciativas tanto nos negócios como no estímulo do voo acrobático e da aviação civil”. Através dessa influência do piloto lençoense, Renato conheceu grandes nomes da aviação. “Alguns dele foram presenças constantes durante a minha infância e tiveram papéis importantes. Os principais foram Carlos Edo, o famoso ‘Argentino’, criador do Circo Aéreo. O outro foi o Laércio Oliver, que infelizmente faleceu recentemente e que trabalhou com o meu pai e depois com a minha mãe”. Questionado sobre a falta que o pai faz em sua vida, Renato demonstra clara emoção. “Como eu era muito novo quando ele faleceu, de certa forma, cresci acostumado com esta ausência. O que mais fez e faz falta é justamente a referência paterna. Tenho um filho de sete anos e sei hoje como este papel é importante. Fica alguma dúvida sobre como as coisas teriam se desenvolvido se ele estivesse vivo”.
C1 Arquivo pessoal - Armando Caversan
Meu pai literalmente viveu para a aviação
L e n çó i s pau L i s ta 158 a n o s
11
C1
AEROPORTO
A SEGUNDA
Voos, diversão e muito trabalho: essa era a vida de Simioni no Aeroporto Municipal de Lençóis Paulista
A
segunda casa. Essa é a melhor definição para a relação de José Ângelo Simioni com o Aeroporto Municipal José Boso (que leva o nome de seu avô). Inicialmente, o então aeródromo havia sido construído apenas para o aviador lençoense decolar e pousar os seus aviões. Para isso, construiu nas terras de seu avô uma pista de pouso em conjunto com a Prefeitura Municipal, que foi responsável pela terraplanagem do terreno. O aeródromo localizava-se (e ainda está localizado) em uma cicatriz de terra no meio imenso e verde canavial. Era um modesto campo de pouso, base de manutenção da aviação agrícola. Aos poucos os hangares foram sendo construídos e o aeródromo começou a ganhar forma. Logo Simioni conseguiu a concessão para vender peças da empresa de aviação Cessna. Na época, o espaço era dividido entre Prefeitura Municipal, o grupo Zilor e o próprio Simioni. O Aeroporto Municipal foi inaugurado oficialmente em
C1 Arquivo pessoal - Leandro Orsi
CASA
À esquerda, inauguração de um dos hangares, com a presença do João Novaes e, mais ao fundo, Simioni
12
A B R .16
C1
Hoje, são 1.260 metros de pista asfaltada e pronta para receber pequenos aviões e jatos executivos C2
C1
C1
C1 Arquivo pessoal - Armando Caversan // C2 Arquivo pessoal - Leandro Orsi
Aeroporto Municipal sempre esteve repleto de paraquedistas, pilotos e amantes da aviação
28 de abril 1970, data do aniversário de 112 anos de Lençóis Paulista, na administração do ex-prefeito Antonio Lorenzetti Filho. E foi ali que Simioni manteve acesa a chama daquela aviação dos velhos tempos, romântica e fascinante. Por um tempo, muitos chamavam o Aeroporto Municipal de Lençóis Paulista de “Força Aérea de Lençóis”, devido ao grande número de aviões militares arrematados por Simioni. Deliciosos churrascos no hangar do lençoense, na alegre companhia de muitos outros pilotos e paraquedistas, marcavam o local. O movimento nos fins de semana não se limitava a voos acrobáticos dos T-6. Um incrível grupo de paraquedistas tinha ali seu ponto de encontro, de onde partiam para a alucinante aventura do salto em grupo, quase um minuto de queda livre sobre o canavial, até a abertura de seus coloridos paraquedas retangulares. E também os pilotos apaixonados pelo voo acrobático aprendiam algumas delícias do balé aéreo. Pouco tempo depois, nascia o Circo Aéreo. Em 1983, ano da morte de Simioni, a pista do aeroporto ainda era de terra. Anos mais tarde, o grupo Zilor comprou terras de José Boso, aumentou a pista de pouso de 900 metros para 1.260 metros e a asfaltou. Considerado um dos melhores espaços para pouso e decolagem, o local recebe aviões de pequeno porte e jatos executivos dos mais diversos cantos do Brasil. Hoje, há no aeroporto uma placa em homenagem a Simioni, pioneiro da aviação em Lençóis Paulista. “Seu talento de aviador, sua audácia sem par, sua perícia, aliada a uma extraordinária personalidade, projetaram o nome dessa cidade para muito além de suas fronteiras”, diz. Prova da importância desse incrível lençoense.
L E N ÇÓ I S PAU L I S TA 158 A N O S
13
C2
ACROBACIA
testemunha O CÉU É A
facebook.com/docinhosdaclaudinha
99669-6807
3263-1288 //
99734-7465
facebook.com/wiz.paulista
3264-2268 //
99781-2296
3263-2705
facebook.com/kakomouratattoo
99886-9159
TERRAPLENAGEM Aterro - Desaterro Limpeza de terreno Locação de Munck e Caçamba Remoção de entulho
Seu evento com um toque especial!
99845-1041
99795-0992 // 99827-5537
3263-4003
3264-1819 // 3263-0711
3269-3808
3263-1974
3264-4430 // 3264-4483
3268-1322
3264-3707 // 99712-3588
3263-6809 // 7811-6159
3263-2920
3264-8399
3298-2974 // 99761-2219
3298-2974 // 99761-2219
3264-9252 //
99715-1507
José Ângelo Simioni foi um dos maiores incentivadores da acrobacia aérea no Brasil e no mundo
C1
C1
L
C1 Arquivo pessoal - João Domingues // C2 Arquivo pessoal - Armando Caversan
ooping, reversão, meio oito cubano... Essas são algumas manobras realizadas em apresentações de acrobacias aéreas. Pra quem vê, espetáculo. Para quem realiza, emoção à flor da pele. Viver perigosamente, sentir o coração disparar, frio na espinha, enfim, tudo isso chamava a atenção do ilustre lençoense José Ângelo Simioni. Muitos dizem por aí (e com razão) que a acrobacia aérea se divide em dois períodos: antes e depois de Simioni. Ao lado dos amigos Alberto Bertelli, Carlos Edo e Coronel Braga, o lençoense ajudou a mudar a história do esporte no Brasil e no mundo. Simioni foi um grande acrobata e suas manobras eram classificadas como muito perigosas. O céu de Lençóis Paulista é a grande testemunha da destreza e sabedoria desse quarteto fantástico, tanto que foi na cidade que se inicia um dos berços da aviação acrobática e desportiva do Brasil. Com as mortes de Bertelli, Simioni e Coronal Braga, apenas Carlos Edo prossegui com o trabalho e, hoje, ao lado da equipe do Circo Aéreo, não deixa a acrobacia aérea desaparecer. Além dele, a Esquadrilha da Fumaça encanta o público com suas apresentações memoráveis.
Coronel Braga, Bertelli e Simioni arrebanhavam fãs em suas apresentações; trio, juntamente com Carlos Edo, mudou a história da aviação acrobática
Mais sobre acrobacia aérea
Acrobacia aérea é um esporte radical praticado com pequenos aviões, planadores e eventualmente com helicópteros, que envolve manobras aéreas em formações de múltiplas aeronaves ou em solo.
A prática requer do piloto muita experiência e responsabilidade, já que qualquer erro em uma acrobacia pode ser fatal, tanto para o piloto quanto para quem observa. Hoje, em alguns países do mundo, é obrigatório o uso de paraquedas em conjunto com sistema de ejeção. Muitos pilotos escolhem voar em competições de acrobacia aérea como um esporte e até consideram a “diversão” uma profissão. O invento dessa modalidade esportiva foi creditado ao piloto militar russo Piotr Nesterov. No passado, apenas militares realizavam esse tipo de voo, mas alguns grupos de civis realizam acrobacias aéreas por entretenimento e diversão. No Brasil, a acrobacia aérea se deu ainda na década de 1920, predominantemente praticada por pilotos militares. Em
1952, foi fundada a Esquadrilha da Fumaça, no Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, e nos anos seguintes destacou-se o acrobata aéreo Alberto Bertelli, mais especificamente no Aeroclube de São Carlos, e depois no Aeroclube de Rio Claro.
O treinamento
Acrobacias aéreas são ensinadas a pilotos militares como forma de desenvolverem habilidades de voo precisas para uso tático em combates. Toda manobra requer treinamento e prática para evitar acidentes. Tais acidentes são raros, mas podem resultar em fatalidades. Acrobacias rasantes exigem muito conhecimento e prática, por isso, pilotos de shows aéreos precisam comprovar suas habilidades antes de realizarem apresentações abaixo de uma determinada altitude.
facebook.com/glauce.pedro.l
3264-8309 //
98100-5056
3263-0257 //
99872-4993
3263-0320 // 99647-0994
facebook.com/mecanica.milani
99771-3431
3264-3615 // 99608-2662
LAVA RÁPIDO
Milenium 3264-3435
3264-8420
3263-7112
99812-8882
99885-1167 //
99851-2214
Mateus
Prado de Lima
Especialista em Implantes Dentários 3263-5324 //
99707-1642
3263-2310 // 3263-3903
3263-0989
3269-3800
3269-3800
99737-8505
3264-6404
Consultora de Beleza Mary Kay
3263-0759 // 99701-1852
98156-7608 //
99764-0952
3263-4750 // 99897-4560
PARCERIA C1
P E R F I L NOME Carlos Alberto Edo Palma PROFISSÃO Empresário do ramo aeroviário IDADE 67 anos NA AVIAÇÃO DESDE 1978
amigos MAIS QUE
Amigos para sempre: esses são Carlos Edo e Gordo Simioni
Relação entre Carlos Edo e Simioni era pautada em churrascos, feijoadas, viagens e muita aviação
C2
“O Simioni está sempre presente em nossas vidas, já que nosso hangar foi batizado com o nome dele em 1998”
Histórias e passagens “Lembro de que estava em uma importante reunião na minha agência de publicidade, quando a secretaria interrompe para me passar uma ligação do Simioni. Ele me pedia para, de imediato, ir à Monark buscar um envelope de documentos, levar para o Campo de Marte e me encontrar com ele. De nada adiantou meu argumento, e depois de uma desculpa esfarrapada, larguei a reunião no meio e parti pro ‘centrão’ de São Paulo atender ao pedido: missão dada missão cumprida”! Simioni tinha sobre Carlos Edo uma espécie de imã, do qual era impossível se desassociar. “Chego ao Hangar Fontoura com minha família para pegar meu Navajo e passar
16
C1
fim de semana nem sei aonde, quando... Surpresa: o avião não estava lá. O Gordo tinha tido uma pane no avião dele e achou por bem pegar emprestado o meu, sem lembrar de me avisar! Tente imaginar a reação da minha ex esposa diante das minhas gargalhadas do apronte que o Gordo tinha nos proporcionado! Dessas histórias existem centenas, umas mais hilárias que as outras, mas estas servem para demonstrar o quanto eu me considerava afortunado de ter o Gordo como amigo”.
A B R .16
C1 Arquivo pessoal - Carlos Edo // C2 Arquivo pessoal - José Lenci
J
osé Ângelo Simioni era um homem aventureiro, de caráter e decidido. Inconfundível, incomparável e ímpar. Amigos definiam o grande aviador lençoense como a lenda que marcou uma era. E tais elogios não vinham de quaisquer pessoas: Alberto Bertelli (o mais lendário piloto brasileiro de acrobacias aéreas de todos os tempos), Coronel Antonio Arthur Braga (que acumulou o maior número de horas voadas em aeronaves North American T-6 em todo o mundo) e Carlos Alberto Edo Palma (líder do Circo Aéreo) são alguns dos grandes nomes da aviação que se curvaram a Gordo Simioni. Carlos Edo, aliás, é o único que continua vivo desses grandes nomes. Gentilmente, ele topou falar um pouco dessa relação com o lençoense. Carlos Edo começou na aviação em 1978, por inspiração de dois grandes amigos, Rene Werner, de Blumenau, e João Batista Bravo Caldeira, de Passos (MG). Orientado totalmente ao lazer, foi guinando para profissão com o decorrer dos anos, principalmente pela participação em demonstrações em eventos, como rodeios, corridas de carros, festas de aeroclubes, etc. Durante o curso de piloto, no Aeroclube de Jundiaí, o instrutor Zequinha Dippolito apresentou a Carlos Edo uma aeronave North American T-6, que repousava na pista da Fazenda Pabreu. “Fiquei literalmente embasbacado com o avião a ponto de, naquele dia, jurar que sabe Deus quando eu teria um daqueles. Motivado por essa ideia, escutei que em Lençóis Paulista havia um aviador que possuía vários T-6’s. Juntei coragem e, ao lado de outro amigo, encarei a proa de Lençóis Paulista, onde fui friamente recebido por uma turma que me olhava como marciano (o sotaque argentino ainda era maior que hoje). Solenemente, lancei a pergunta: ‘me falaram que aqui tem um T-6 a venda, confere?’ Resposta do aparente chefe da turma: “aqui nós não vendemos, nós compramos!” Meti o rabo entre as pernas e voltei para Jundiaí, com-
C2
C1
C1
anos, no fundo do hangar do Aeroclube de Campinas, chegando por isto a travar seu motor. Pensava: se isso pode acontecer com o Gordo, que era o Ayrton Senna dos T-6’s, o que sobra para mim”? O enterro de Simioni, em Lençóis Paulista, com o Aymoré sobrevoando respeitosamente o Cemitério Municipal, foi tão brutalmente emocionante que Carlos Edo achou que nunca mais iria voar. “Felizmente e, talvez, como um tributo inconsciente, recuperei as forças e aqui estou, com 67 anos, fazendo o que tanto amo, que é voar”. Em 1997, Carlos Edo abandonou a profissão de publicitário e, no mesmo ano, se tornou piloto profissional com licença de PLA (Piloto de Linha Aérea). É empresário no ramo de taxi aéreo e possui uma oficina/hangar de manutenção em Campinas (Campo dos Amarais). “Continuamos com as apresentações, porém, em um ritmo muito mais lento, face à situação econômica do nosso país e a falta de um patrocínio máster. Contamos com o apoio da BR Aviation, que nos fornece combustível e óleo lubrificante, mas continuamos a procura de uma empresa de grande porte que valorize nossa atividade”. Hoje, Carlos Edo confessa que mantém contato com a família de Simioni, mas com menos assiduidade do que realmente gostaria. “Eles estão sempre presentes no meu coração. Juntas, nossas famílias passaram um belo Réveillon em Florianópolis (SC) e já os visitei em Lençóis Paulista algumas vezes. Mantenho contato com todos via Facebook e acompanho o crescimento desses filhos maravilhosos que ele (Simioni) e Olinda tiveram”. A aviação é parte fundamental na vida de Carlos Edo, que deixa um importante recado a todos que têm o sonho de, um dia, voar. “Tenho a sorte de ter uma linda esposa que, além de exímia paraquedista, se tornou piloto de show aéreo, voando comigo na ala da esquadrilha e compartilhando todas as coisas boas que isso nos traz (infelizmente, de algumas tristezas também). Ela é hoje a única mulher piloto de T-6 no Brasil, e é notável o quanto inspira outras mulheres a deixar os preconceitos de lado e partir para cima dos sonhos”.
C1 Arquivo pessoal - Carlos Edo // C2 Arquivo pessoal - José Lenci
pletamente abalado. Meses depois, estando em Bariloche, na Argentina, o presidente do Aeroclube de Jundiaí, que era dono do T-6 da Fazenda Pabreu, me ligou e me pediu confirmação quanto a minha intenção de comprar o avião. Na volta, fechei o negócio com ajuda de meu conterrâneo Alex Roig”. Segundo Carlos Edo, quem não ficou nem um pouco feliz com esse desfeito foi exatamente o Simioni, que literalmente queria vê-lo morto por ter comprado o PT-KRC. “Aí entra na novela outro de meus grandes amigos, o Comandante Aymoré Santos Mattos Júnior, que se dispôs a jogar uma pá de cal nesse imbróglio. Fomos os dois para Lençóis Paulista, onde fui formalmente apresentado à lenda! Para minha surpresa, ele engoliu o mal estar e foi com a minha cara, porque a partir desse momento, nos tornamos mais que amigos. Éramos dois dos poucos membros do MCT (Movimento dos Com T-6), do qual ele era, sem dúvida alguma, o presidente”. Apesar do pouco tempo de convívio, Carlos Edo garante: foram anos de ouro de sua vida. “Posso dizer que, desde que conheci o Gordo e Lençóis Paulista, minha vida mudou 1.000 %. Descobri uma aviação que nem sonhava que existia, me tornei paraquedista, viajei para tudo que é canto, inclusive de Beech Bi para os Estados Unidos. Fiz amigos que conservo até hoje, me descobri como aviador cultuando a aviação de antigamente. Comi os melhores churrascos e feijoadas da minha vida. Convivi com ícones da aviação, como Bertelli, Braga, Ribeiro Júnior, Portugal Motta, Vilarinho, Walter Alemão, Ulisses, Paes de Barros e Fernando Almeida (que me perdoem outros não mencionados, por pura emoção)”. Além de compartilharem voos locais em Lençóis Paulista, Carlos Edo e Simioni viajaram bastante até para Estados Unidos, onde o lençoense tinha uma confortável casa “pé na areia”, em Pompano Beach (Flórida, EUA) e, junto, um Chevrolet Caprice surrado, mas em pleno funcionamento. Essa parceria de sucesso terminou se forma trágica e com Carlos Edo como testemunha ocular. “Fiquei tão abalado que abandonei meu T-6 por mais de dois
L E N ÇÓ I S PAU L I S TA 158 A N O S
17
C1
o braรงo direito
mestre C1 Arquivo pessoal - Armando Caversan
Aprendendo com o
18
a b r .16
Piloto do grupo Zillo Lorenzetti, Armando teve o privilégio de trabalhar com Simioni, com quem viveu grandes histórias
C1
V
Durante o período em que trabalhou com Simioni, Armando pilotou mais de 80 modelos diferentes de aeronaves C1
C1
C1 Arquivo pessoal - Armando Caversan
oar com José Ângelo Simioni foi um privilégio para poucos. Presenciar situações inusitadas e acompanhar o Gordo em suas missões, então, nem se fala. O piloto Armando Caversan é um desses sortudos que ganhou a confiança de Simioni e voou alto ao lado da lenda lençoense. E pensar que essa parceria de trabalho e de muitas histórias duraria apenas quatro anos e meio, tempo em que Amando trabalhou com Simioni. Bom, antes de contar um pouco dessa parceria, que tal conhecer um pouco mais de Armando? Nascido em Macatuba, morou no sítio dos pais por um bom tempo. Em uma dessas andanças pela região, encontrou um panfleto com a propaganda da AFA (Academia da Força Aérea), com cursos em Guaratinguetá (SP). “Resolvi dedicar todo o meu esforço nesse objetivo e deixei de lado os estudos do curso científico”. No entanto, dez dias antes do exame da AFA, em São Paulo, Armando recebeu uma péssima notícia. “Recebi uma carta dizendo que a inscrição não havia chegado a tempo e que não poderíamos prestar a prova”. A decepção foi grande. Armando acabou se mudando para São Paulo, onde tentou crescer profissionalmente em outro ramo. “Assim que cheguei à capital, visitei um primo que estava aprendendo a voar através de um curso na Praia Grande (SP). Ele me convidou a participar, mas eu não tinha condições financeiras na época”. Mesmo assim, aceitou o desafio. O primeiro voo como aluno foi inesquecível e, ao mesmo tempo, confuso. “Eu sentei no banco, decolei por cima do mar e fui olhar do lado, pois nunca havia saído do chão. O Sr. Haroldo, meu instrutor, estava junto e me deu uma bela bronca. Disse que, para aprender a voar, teria que olhar para frente”. Em 1972, conseguiu o seu brevê (licença de piloto). “No ano seguinte, tirei a minha
L E N ÇÓ I S PAU L I S TA 158 A N O S
19
o braço direito C1
C1
virar de cabeça para baixo, parar o motor, virar para lá e para cá. Travei no banco e passei um medo enorme”. A volta dessa mesma viagem, antes passando por Catanduva, também deixou Armando apreensivo. “Quando chagamos próximos a Pederneiras, o Simioni perguntou onde eu morava. Eu apontei e ele me questionou: ‘já passou de avião lá’? Respondi que não. Ele se ajustou no banco e desceu em rasante. Meus pais escutaram o barulho e foram ver o que era. Quando apontaram na porta, deram de cara com o avião. Minha mãe quase morreu e meu pai fazia sinal para parar, pois ela realmente estava passando mal”, conta, aos risos. Pronto, Armando estava aprovado no teste final para contratação. E muito trabalho estava por vir. O início dos anos 70 foi marcado pelo auge na importação de aviões de
C1 Arquivo pessoal - Armando Caversan
carteira de motorista”. Um belo dia, já trabalhando em Mogi das Cruzes (SP), Armando decidiu visitar uma tia, que por coincidência (ou não) é irmã da mãe de Simioni. “A minha tia disse que havia falado de mim para o Simioni e perguntou se eu queria conhecê-lo. Respondi que sim, pois já havia ouvido falar a respeito desse famoso piloto”. A intenção de Simioni já era contratar Armando e nem a inexperiência do macatubense foi um empecilho. “Ele era muito sério e me perguntou ‘e aí, quantas horas de voo você tem’? Eu respondi 40. Ele disse que era muito pouco, mas eu queria começar, largaria tudo para fazer o que gostava”. Após muita conversa, os dois entraram em um acordo. A primeira “missão” de Armando não era nem um pouco simples: encontrar seis aviões Beagles comprados por Simioni e que estavam no porto de Santos. “Eu teria que localizá-los e trazê-los para Lençóis Paulista, em caminhões. Pensei comigo ‘encontrar seis aviões, é tranquilo’. Quando cheguei lá, havia um monte de caixas enormes, foi muito difícil”. Apesar da dificuldade, Armando conseguiu cumprir com o prometido e chegou a Lençóis Paulista de madrugada. N outro dia, o engenheiro da fábrica já estava no aeroporto para montar os aviões. Já o primeiro voo com o acrobata foi tenso e, ao mesmo tempo, engraçado. “Em um sábado, o Simioni decidiu ir a Marília com o avião do Mario Zilo. Ele e o Azevedo estavam na frente, cochichando e dizendo um ao outro: ‘mas nesse avião é assim, assado’. O Azevedo perguntou: ‘e o rapaz ali atrás’? Simioni respondeu: ‘não dá nada, ele é piloto’. De repente, eu vi o bicho
20
a b r .16
C1
Notícia da morte “Era um domingo à tarde. Eu estava em casa e o Vicente Boso me ligou. Ele perguntou se eu estava sozinho e disse que o Simioni havia caído com o avião, havia sido forte. O Vicente não quis falar, mas ele já sabia que havia sido fatal”. Foi dessa forma que o Armando recebeu a notícia da morte do amigo. “Após desligar o telefone, liguei para Piracicaba, onde confirmaram a morte do Simioni e da Márcia”. Para Armando, um acidente nunca tem apenas uma causa. “O público estava muito entusiasmado. O Simioni fez a sequência programada, deu duas voltas em parafuso e recuperou tudo isso, mas saiu muito baixo. Quando percebeu, trouxe o nariz do avião para cima, mas não deu tempo”. O amigo ainda revela que Simioni sabia o que estava fazendo. “Cansei de vê-lo realizando essas manobras aqui, em Lençóis Paulista. Além disso, ele conhecia o avião que pilotava. O Gordo foi uma pessoa que viveu a aviação e sabia o que fazia”, complementa.
O Simioni era um piloto 200% e difícil de descrever
nel Rodrigues em São Paulo para fazer a prova. E assim fiz. O coronel perguntou quem havia me mandado e eu respondi que era o Simioni. Ele brincou: ‘ah, o Simioni não sabe nada nem pra ele’. Em 1974, eu já tinha o plano de voo”. Além do já conhecido T-6, Simioni era apaixonado pelo modelo Beech Bee, um avião militar que também rendeu grandes histórias. “Um dia, ele comprou o primeiro Beech Bee. No primeiro voo, fomos para a Praia Grande (SP), tomamos banho de mar, almoçamos e viemos embora. Simioni gostou tanto que decidiu participar de um leilão de 23 Beech Bee’s re-
alizado pela FAB (Força Aérea Brasileira). Eu estava ao lado dele quando o Brigadeiro anunciou que éramos os vencedores.”. Em 1978, Armando deixou o seu antigo trabalho para iniciar uma carreira de sucesso na ZL Aviação Agrícola, mas a convivência com o amigo continuou. Hoje, Armando é piloto do Grupo Zillo Lorenzetti. As lembranças de Simioni são tão fortes que fazem Armando se arrepiar, prova da ligação de ambos. Saudades daquela época? Muita. “Os voos eram umas aventuras, mas para ele eram normais. Era impressionante a sensibilidade que tinha para voar”, finaliza.
C1 Arquivo pessoal - Armando Caversan
pequeno porte. Naquela época, muitas pessoas abandonavam os seus empregos para trabalhar nesse ramo e, com isso, o setor inflacionou. “Alguns meses depois de eu começar a trabalhar com Simioni, o governo brasileiro decidiu fechar a importação”, conta Armando. No entanto, Simioni já tinha negócios fechados e precisava entregar, no Brasil, 20 aviões novos comprados nos Estados Unidos. “Um dia, Simioni propôs a Mario Zilo viajarmos aos Estados Unidos. Inicialmente, Mario recusou, mas Simioni insistiu e disse que pagava a despesa. Todos nós topamos”. Armando pilotou o avião na ida e na volta. “Nesse trajeto, ele deu todas as instruções para que eu pilotasse um avião bimotor”. Ao chegar a Lençóis Paulista, Simioni disse para Armando fazer o voo de check, em São Paulo. “Ele disse para eu procurar o Coro-
L E N ÇÓ I S PAU L I S TA 158 A N O S
21
MOMENTOS
C1
Armando Caversan narra uma de muitas histórias vividas ao lado de Simioni Ida
E
UMA VIAGEM
C1 Arquivo pessoal - Armando Caversan
AOS EUA
u, Simioni, Carlito e Armando Egreja estávamos em dois aviões. Saímos de Lençóis Paulista para buscar um avião nos Estados Unidos. Quando chegamos próximos a Belém (PA), descobrimos que o aeroporto estava fechado no visual (nós só voávamos no visual). - Vamos tocando, chegando lá daremos um jeito – ponderou Simioni. Também não tínhamos carta aeronáutica, somente mapa rodoviário. Logo, avistamos um cara na mesma situação. Ele não sabia o procedimento e pediu para a torre dar as dicas. Aproveitamos, pegamos um papel e anotamos todas as proas e frequências para o procedimento. O Simioni pousou atrás do cara e, nós, logo em seguida. No outro dia, decolamos para Martinica, uma ilha francesa. Após uma parada para abastecer em Cayenne, na Guiana Francesa, começamos a sentir um cheiro de queimado e nosso rádio sumiu. Então, o desligamos. E agora? Não dá para falar com o Simioni! Ele, então, se afastou de nós com o seu avião. Tudo coisa da cabeça do Gordo. Quando as nuvens passaram, vimos ele lá longe, bem distante. Aos poucos, começou a se aproximar. Passamos Barbados e ele grudou em nós, tanto que dava para o ver falar. Pegamos o microfone e mostramos que havia pifado. Fez sinal para que o seguíssemos. Quando chegamos a Martinica, entramos no circuito atrás do Simioni. Ele fez uma curva e pousou, mas estava vindo um Jumbo, não dava para nós pousarmos. Eu disse: - Carlito, vamos pousar em frente ao Jumbo e o fazer arremeter? Deixamos o Jumbo passar. Depois, já no chão, o Simioni tirou sarro de nós. - Sorte que vocês não foram atrás do jumbo, senão ia dar problema.
22
A B R .16
C1
Volta
C1
C1 Arquivo pessoal - Armando Caversan // C2 Arquivo pessoal - João Domingues
C2
Eu, Azevedo, Carlito e Simioni decolamos de Miami e passamos abastecer em Barbados, onde descansamos. No outro dia, às 2h, chegamos ao aeroporto e estava tudo fechado. Mesmo assim, demos partida no avião, mas um rapaz chegou e perguntou para onde iríamos sem plano de voo. Então, montamos o plano de voo e decolamos. Eu e o Azevedo fomos pilotando, enquanto Simioni e Carlito ficaram atrás, dormindo. Nós não usávamos GPS, apenas bússola. De Barbados a Cayenne, na Guiana Francesa, eram 4h30 de voo, das quais 3h50 sobre o mar. Quando nivelamos, o Azevedo me perguntou: – Você está tranquilo? - Sim - respondi. – Vou dormir um pouco. Não saia do rumo e siga em frente – alertou Azevedo. Após quase 2h de viagem, vi algumas luzes, parecia uma cidade pequena. Mas estávamos no mar ainda. Aquilo foi chegando cada vez mais próximo. Eu acordei o Azevedo e perguntei: - O que é esse troço? Uma cidade? - Você saiu da rota? – perguntou Azevedo. - Não – respondi. - Ah, chama o Gordo lá – pediu Azevedo. Chamamos o Simioni. Ele colocou o ‘carão’ e perguntou qual era o problema. - Poxa, tem uma cidade ali na frente – comentei. - Quanto tempo de voo? – perguntou o Gordo. - 2h e temos mais 2h e meia para chegar a Cayenne – informei. Simioni nos tranquilizou. - São barcos de pesca. Os caras aqui localizam o cardume, formam círculos em volta e ficam com mastro aceso. Aos poucos, chegamos sobre as luzes e eram realmente vários barcos enfileirados em círculo. Se o Simioni fosse uma pessoa que não tinha confiança no que falava, todos nós ficaríamos loucos. Logo começou a clarear o dia e paramos abastecer em Cayenne.
L e n çó i s pau L i s ta 158 a n o s
23
C2
C1
CIRCO AÉREO “Lençóis é um espetáculo, se cercar vira hospício e se cobrir vira circo”; após a frase dita por Simioni, nascia o Circo Aéreo
... SE COBRIR VIRA CIRCO “L
ençóis é um espetáculo, se cercar vira hospício e se cobrir vira circo”. Essa frase, dita por José Ângelo Simioni no auge da acrobacia aérea em Lençóis Paulista, mostra e comprova a importância da cidade no cenário da aviação brasileira e mundial. E foi na Cidade do Livro que nasceu o Circo Aéreo. A partir dessa frase de Simioni, o grupo de amigos passou a chamar a trupe de Circo Aéreo Cinzano, o patrocinador da época. Os aviões, entre eles o lendário DC-3, consomem muito combustível. Se os acrobatas seguissem com esses modelos, quebrariam rapidamente. Carlos Edo, publicitário, piloto, amigo de Simioni e um dos fundadores do Circo Aéreo, teve a brilhante ideia de uniformizar toda a equipe, inclusive os paraquedistas. Além disso, os aviões também foram pintados com as cores do patrocinador. A partir daí, o Circo Aéreo começou a vender demonstrações de forma mais sistemática e profissional. A ideia de profissionalizar a trupe deu certo, e a Cinzano topou a empreitada, patrocinando por dois anos as apresentações no estado de São Paulo. Simioni fazia parte da trupe junto com o PT-KRC (avião de Edo), o DC-3 PP-AJD e depois o Beech Bee PT-BSZ, do qual saltavam dez paraquedistas. Foi nessas andanças que Edo conheceu a atual esposa, amiga e sócia dos ares,
C2
C2
C2
C1 Arquivo pessoal - Armando Caversan // C2 Divulgação
Idealizado por Simioni, Carlos Edo e mais um grupo de amigos, Circo Aéreo leva alegria e emoção aos amantes de acrobacias aéreas
Monica Pinho Edo, também fundamental para o desenvolvimento do Circo Aéreo. Em 1983, Simioni faleceu, mas deixou muitos ensinamentos para os demais pilotos. O Circo Aéreo interrompeu suas atividades por um período, mas logo voltou ao trabalho, com apresentações memoráveis. A confirmação veio no filme Mercenários, que utilizou um dos aviões do Circo Aéreo (o Albatroz) em uma das cenas mais importantes e marcantes desse grande sucesso do cinema. O filme brasileiro VIP’s também conta com cenas gravadas com aviões da trupe. Mesmo com perdes irreparáveis, o Ciro Aéreo continua firme e forme em busca de seu principal objetivo: encantar o público. Do céu de Lençóis Paulista para o mundo, do sonho de um grupo de amigos visionários para a realidade. Preparem o picadeiro, porque o circo está chegando.
24
A B R .16
C1
A MÁQUINA C1
A MÁQUINA ESCOLHIDA T -6. Apesar de ter pilotado centenas de aviões diferentes, esse é modelo que encantou e fez José Ângelo Simioni voar longe. O avião norte americano é monomotor e conta com trem de aterragem convencional. A denominação T-6 Texan, pela qual o avião ficou famoso, só foi adoptada pelas Força Aérea dos Estados Unidos em 1948. Até aí, suas várias versões tiveram várias designações, quer de fábrica quer dos diversos utilizadores. O T-6 foi um dos aviões mais utilizados pelas diversas forças armadas mundiais. No Brasil, a nacele (designação
normalmente dada ao suporte do motor nas aeronaves em que o mesmo é fixado na asa) do modelo foi modificada pelo piloto veterano da Segunda Guerra Mundial, Pedro de Lima Mendes. O T6 vinha causando muitos acidentes aéreos no Brasil, e em muitos deles o piloto não conseguia saltar de paraquedas por não conseguir expelir a nacele. Vendo isso, Lima Mendes projetou um novo tipo de nacele para o T-6, enviando o protótipo para a North American, cujo modelo passou a ser usado no mundo todo. Porém, em 1947, Lima Mendes morreu em acidente aéreo envolvendo
C1 Arquivo pessoal - Armando Caversan
Entre tantos aviões pilotados, Simioni escolheu o modelo T-6 como o seu grande favorito
dois T-6, não conseguindo saltar por um problema na nacele que criara. No Brasil, a FAB (Força Aérea Brasileira) operou a versão AT-6D entre 1947 e 1976. O T-6 serviu a FAB por 34 anos e, foi fabricado sob licença no Brasil entre 1946 e 1951, em Lagoa Santa (MG). No total, 81 unidades foram produzidas em Lagoa Santa, somando-se ao total mundial de 15.495 aviões. O modelo foi utilizado em missões de treinamento avançado, tiro, bombardeio, patrulha e demonstração aérea. Esta última, na equipe de demonstração aérea da FAB, a Esquadrilha da Fumaça, onde efetuou cerca de 1.270 apresentações ao longo de 23 anos de serviço ativo. Com o avião, a esquadrilha exibiu-se em todos os estados brasileiros e em outros países, como Uruguai, Paraguai, Argentina, Guiana, Venezuela, Panamá e Guatemala. O Museu Aeroespacial tem em seu acervo a aeronave matrícula FAB 1552, voada pelo Coronel Antônio Arthur Braga, recordista mundial de horas de voo em aviões T-6, comandante da Esquadrilha da Fumaça e amigo de Simioni. Outro modelo T-6 conhecido nacionalmente é o T-6 PT-KSZ, que entrou para a FAB em 1948 e recebeu a matrícula FAB1497. Foi aposentado em 1976 e adquirido por Simioni no ano seguinte, quando recebeu a matrícula civil PT-KSZ. Considerado o T-6 civil mais bonito do Brasil, foi acidentado com perda total em 9 de outubro de 1983, na cidade de Limeira (SP), vitimando Simioni e a piloto de acrobacias Márcia Mammana, que também estava na aeronave.
L E N ÇÓ I S PAU L I S TA 158 A N O S
25
CONTOS E LENDAS
C1
Orientação por placas
Simioni vivia para voar. Após cumprir com uma de suas várias missões (que, neste caso, era buscar um “passageiro” em Campinas), o lençoense deu de cara com um mau tempo. Chuva, vento, trovões, raios... tudo e mais um pouco. Para se orientar, Gordo dava rasantes beirando a rodovia para ver as placas de trânsito. Logo, chegou ao seu destino. C2
Mala voadora
José Ângelo Simioni precisou sair de Lençóis Paulista para concluir os seus estudos. Em Botucatu, cursou científico e aprendeu a pilotar. Eu São Paulo, iniciou a graduação em Engenharia Metalúrgica, mas parou por conta da paixão pela aviação. Corre pela cidade de Lençóis Paulista que, quando Gordo voltava de seus estudos (a bordo de um de seus primeiros aviões), passava sobre o sítio em que nasceu e cresceu, no Cortume (atual Jardim Morumbi), dava rasantes e jogava a sua mala cheia roupas para a mãe lavar.
Avião manco
Em um domingo à tarde, o Gordo iria voltar para São Paulo com um avião emprestado de Valter Alemão, outra pessoa muito querida pelo piloto lençoense. Simioni decolou e fez uma volta para dar um rasante em cima do carro. Os amigos viram que ele estava baixo e fizeram sinal para subir. Não deu outra, o trem de pouso pegou no para-brisa e arrancou a perna do avião. Quando o Gordo fez a curva e passou sobre eles novamente com o avião, todos faziam sinal de que havia arrancado o trem de pouso. Ele não voltou e foi direto para Botucatu. Em Lençóis Paulista, o pessoal ficou sem saber o que havia acontecido. Ligaram em Botucatu e perguntaram se por acaso o José Ângelo estava lá. Eles disseram que sim e que havia pousado em uma roda só. Depois, foi para São Paulo de carona. Após angustiantes horas, entrou em contato e pediu para que os amigos levassem a perna do avião a Botucatu.
Certa vez, Simioni comprou um avião DC-3, que é considerado de porte razoável (para não falar grande). O mecânico, então, deixou a máquina pronta na FAB (Força Aérea Brasileira). Em uma bela sexta-feira, Simioni e Armando foram a São Paulo para buscar a mais nova aquisição. Quando chegaram à capital paulista, o coronel ligou e disse que estava em Lençóis Paulista para entregar o avião. Simioni pediu para o coronel ficar em Lençóis Paulista para que desse a ele um duplo (autorização de voo). No entanto, o militar disse que precisava ir embora naquele momento. Diante disso, Simioni não poderia voar com o DC-3 até que tivesse a homologação necessária. Não poderia. Pois bem, após chegar a Lençóis Paulista, Simioni e Armando de despediram com a promessa de trabalhar no dia seguinte. Quando Armando chegou ao aeroporto no sábado pela manhã, o motor do DC-3 já estava virando. Dali a pouco, o Gordo parou na cabeceira do aeroporto e levantou voo. Quando chegou para o pouso e tocou as rodas no chão, parecia que Simioni voava com aquele avião há dez anos. No domingo, já colocou mais de 20 pessoas na aeronave para sobrevoar Lençóis Paulista.
C1 Arquivo pessoal - Leandro Orsi // C2 Arquivo pessoal - João Domingues
C2
DC-3 lotado
26
A B R .16