Revista Ragga #55

Page 1

#55 , NOVEMBRO , 11 , ANO 6

NÃO TEM PREÇO

REVISTA

TALENTO EDIÇÃO

, SELTON MELLO, DIRETOR, ROTEIRISTA E PROTAGONISTA DE O PALHAÇO. AMADO PELA CRÍTICA E PELO PÚBLICO, ELE PROVA QUE A UNANIMIDADE PODE SER INTELIGENTE

Encontro marcado

O cineasta Paulo Michline relembra o dia em que encontrou Steve Jobs

Antes do fim

Artes e ofícios cada vez mais raros

E mais: .On the road em Paris .Occupy Wall Street .Sebastian Vettel




camisetas, bodies e

acessórios que vao tirar

voce do serio! Í vendas exclusivamente pelo site

www.tshit.com.br





Existem várias maneiras de ver Minas. Mostre a sua. Fotografe belezas que só a sua cidade tem e envie para o site. Um júri de especialistas seleciona as 8 melhores que vão para votação popular na internet. As vencedoras de cada seletiva competem ao final em mais uma eleição popular. O grande vencedor ganha uma moderna câmera digital e sua foto é divulgada nos veículos dos Diários Associados.

Participe: www.paisagensmineiras.com.br


SUA CIDADE ENTRA COM O CENÁRIO.

Você entra com o seu olhar.

PROMOÇÃO:

PATROCÍNIO:




EDITORIAL

Ativar!

É bem comum, no Brasil, centenas de milhares de jovens e crianças esbarrarem suas canelas em campos de terra na disputa por uma bola e, claro, por um lugar ao sol no glamouroso e milionário universo do futebol mundial. Dessa centena de milhares, alguns poucos conseguirão. E aí vem a pergunta: o campo, a bola e as canelas estavam ali para todos, o que faz alguns poucos conseguirem entre tantos que tentaram? Muitos dirão: treino, dedicação, acesso, oportunidade, sorte. Concordo que esses elementos ou que um pouco de cada, juntos, são necessários para a ascensão ao sucesso. Mas existe um fator que é essencial e determinante: o talento. Sem esse tempero, a mistura não dá liga. E diferente de qualquer lição transmissível, o talento é nato. Vem no DNA. É improviso, não se ensina, não tem fórmula, não segue regras; ao contrário, foge delas. Não importa o segmento — artes, esportes, moda, negócios —, lá estará ele, em toda sua admirável diversidade e sem hora para dar as caras. Na minha humilde (porém insistente) interpretação existencial, acabei acreditando que o talento é um componente instalado em todos na linha de montagem, mas que fica ali, esperando ser ativado a qualquer hora, seja aos 2 ou 90 anos, ou podendo até mesmo, em al-

guns casos, nunca ser descoberto. Não foi o que aconteceu com Sebastian Vettel, que aos 7 descobriu o dele e aos 23 tornou-se o mais jovem campeão mundial de Fórmula 1 da história. Também não foi o caso do camarada aí da nossa capa. Selton Mello ativou o seu, ou melhor, os seus talentos adormecidos (sim, lá na linha de montagem isso às vezes acontece) na infância, e entre gravações, lançamentos de filme e fotos, conversou com a gente para o Perfil desta edição. Agora, calma... Se você ainda não descobriu o seu, pode contar com a sorte de alguém descobri-lo para você. Em algumas páginas adiante, os caça-talentos contam como isso costuma funcionar. Sozinho ou com a ajuda de alguém, o importante mesmo é seguir procurando. Seu talento está aí, pode acreditar. Boa leitura! Lucas Fonda — Diretor Geral lucasfonda.mg@diariosassociados.com.br

28

34

44

Vettel é o bicampeão mais jovem da Fórmula 1

Eles vivem de descobrir e burilar o talento alheio

Profissões que estão cada vez mais raras

50

66

74

Sobre um encontro com Jobs em pessoa

De Nova York, impressões do movimento que quer reocupar o mundo

Ainda é cedo

Olheiros

Gênio

Fora do comum

Está dominado

Selton tem tudo — mas quer mais Com aval da crítica e do público, ele segue inquieto: “duvidar, entrar em crise é combustível para a criação”

já é de casa DESTRINCHANDO

20

ESTILO , Gustavo Greco QUEM É RAGGA

48

40

ON THE ROAD , Paris

52

RAGGA GIRL , Marcela Melo Maia EU QUERO , Talento

64

58


Marina Teixeira


Oakley chega

A BH fotos Ana Slika

Grife levanta bandeira na capital mineira Belo Horizonte agora é uma das seis cidades brasileiras a ter uma loja da grife de roupas e acessórios Oakley, o que mostra a boa fase do mercado mineiro. No mês passado, foi inaugurada no DiamondMall, no Bairro de Lourdes, região nobre da cidade, a Oakley Store, que abre suas portas apresentando a linha “Califórnia Culture Collection”, inspirada na cultura do surfe e do skate. As peças foram pensadas e desenvolvidas para homenagear quem vive o estilo de vida das ruas e praias californianas.

,14



CAIXA DE ENTRADA < Cartas >

< Expediente >

Edição de outubro

DIRETOR GERAL lucas fonda [lucasfonda.mg@diariosassociados.com.br] DIRETOR DE COMERCIALIZAÇÃO E MARKETING bruno dib [brunodib.mg@diariosassociados.com.br] DIRETOR FINANCEIRO josé a. toledo [antoniotoledo.mg@diariosassociados.com.br] ASSISTENTE FINANCEIRO nathalia wenchenck GERENTE DE COMERCIALIZAÇÃO E MARKETING rodrigo fonseca PROMOÇÃO E EVENTOS isabela daguer EDITORA sabrina abreu [sabrinaabreu.mg@diariosassociados.com.br] SUBEDITOR bruno mateus REPÓRTERES bernardo biagioni. flávia denise de magalhães JORNALISTA RESPONSÁVEL sabrina abreu – mg09852jp NÚCLEO WEB guilherme avila [guilhermeavila.mg@diariosassociados.com.br] damiany coelho ESTAGIÁRIOS DE REDAÇÃO diego suriadakis izabela linke DESIGNERS anne pattrice [annepattrice.mg@diariosassociados.com.br] bruno teodoro marina teixeira marcelo andrade FOTOGRAFIA ana slika bruno senna carlos hauck carol vargas romerson araújo ILUSTRADOR CONVIDADO rafael cerveglieri [flickr.com/rafael-nc] ARTICULISTA lucas machado COLUNISTAS alex capella. cristiana guerra. henrique portugal kiko ferreira. lucas buzzati. rafinha bastos COLABORADORES cameron barnes. paula huven. paulo machline RAGGA GIRL MODELO marcela melo maia FOTOS fernando biagioni PRODUÇÃO meria cristiane MAQUIAGEM dill dias CAPA paula huven REVISÃO DE TEXTO vigilantes do texto IMPRESSÃO rona editora REVISTA DIGITAL [www.revistaragga.com.br] REDAÇÃO rua do ouro, 136/ 7º andar :: serra :: cep 30220-000 belo horizonte :: mg . [55 31 3225-4400]

Laerte Coutinho Via e-mail Recebi essa última Ragga, que tem o Rodolfo e o Serginho Groisman. Muito legal, mesmo. Parabéns. E agradeço! Beijo, Laerte. João Paulo de Deus @joao_pauloddeus // Via Twitter Não vejo a hora de ler a entrevista com o #fantastico @oserginho que está na @revistaragga deste mês! Enio Souza @enioleonardo // Via Twitter @RodolfoAbrantes na capa da @revistaragga de outubro #Imperdivel! Débora Blanda @bibiblanda // Via Twitter Acabei de ler a entrevista do @RodolfoAbrantes na @revistaragga Mto boa =)) No busão ou na cama Tito @Titoonez // Via Twitter Compartilhando minha @revistaragga no busão, sai zoião. Breno Nunes @BananadaBH // Via Twitter Vou ler minha @RevistaRagga e depois dormir... Chega de trabalhos e estudos por hoje. Beijos, galera! Nos vemos pelo mundo aí! *-* Ragga Girl Gabriel Hamdan @dghamdan // Via Twitter Lindas as fotos da Michelle Capriss, estão de parabéns! Que gata!

< PARA ANUNCIAR >

bruno dib [brunodib.mg@diariosassociados.com.br] rodrigo fonseca [rodrigoalmeida.mg@diariosassociados.com.br] < SAIBA ONDE PEGAR A SUA >

www.revistaragga.com.br < FALA COM A GENTE! >

@revistaragga redacaoragga.mg@diariosassociados.com.br

O CONTEÚDO DIGITAL DA RAGGA VOCÊ CONFERE NO PORTAL UAI:

AUDITADO POR:

TIRAGEM: 10.000 EXEMPLARES

Os textos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não expressam necessariamente a opinião da Ragga, assim como o conteúdo e fotos publicitárias.


Facebook.com/OakleyBrasil

Venice, CA

Inspirada nas praias, ruas e nas pessoas que vivem esta vida diariamente.

CALIFORNIA CULTURE COLLECTION


FOTOS: arquivo pessoal

COLABORADORES Paulo Michline é cineasta paulistano, 44 anos, torcedor do Santos, pai da Joana e cliente da Apple desde 1984. Usou todos os produtos da marca, incluindo os fracassados Lisa e Newton. Ele já se encontrou com o próprio Steve Jobs, em Nova York. E sobre as lembranças daquele dia, escreveu pra gente — uma edição sobre talento não poderia deixar Jobs de fora.

Nascida em Belo Horizonte em 1982, Paula Huven vive no Rio de Janeiro desde 2006. Fotógrafa, pesquisadora, mãe, artista etc. Gosta de fazer retratos, fotografar paisagens e pensar na relação das pessoas com os (seus) lugares. São dela as fotos de Selton Mello, na capa e na seção Perfil. paulahuven.com

Cameron Barnes já fotografou o conflito israelo-palestino, a Primavera Árabe, no Cairo, as Olimpíadas de Vancouver e Beijing, o distrito do sexo de Bangkok e, mais recentemente, o movimento Occupy Wall Street, do qual tem participado ativamente. Com seu trabalho, ele quer diminuir a distância entre a fotografia artística e o fotojornalismo. Suas impressões sobre os protestos em Nova York e a truculência policial estão na matéria A rua é nossa. cameronbarnes.com

SCRAP por Alex Capella

SA

fale com ele: alexcapella.mg@diariosassociados.com.br *A coluna Scrap S/A foi fechada no dia 20 de outubro. Sugestões e informações para a edição de dezembro, entre em contato pelo e-mail da coluna.

O skatista Bob Burnquist vai lançar um tênis brasileiro com sua assinatura. Residente na Califórnia há mais de quinze anos, até agora, o carioca que mudou o curso do skate nacional só havia dado seu aval a marcas estrangeiras. Mas depois de submeter o tênis Urgh a um exaustivo test drive em megarrampas de nove andares de altura, ele decidiu assinar uma parceria com a marca que, em 2012, comemora 30 anos de trajetória no mercado de skate brasileiro.

/ Circo de qualidade / A rapaziada do Circo da Meia Noite receberá, no mês de dezembro, no Rio de Janeiro, o prêmio Qualidade Brasil 2011, que incentiva a qualidade nas empresas com destaque na gestão e resultado final junto ao mercado consumidor. Nada mais justo para quem vem resgatando, desde 2000, a essência das apresentações circenses, seguindo a tendência do teatro contemporâneo europeu, com diversos números que se adaptam à estrutura dos eventos e leva o público a participar do espetáculo. ,18

/ Conceito sustentável / A Green Co. acaba de inaugurar uma loja no Boulevard Shopping, no Bairro Santa Efigênia, na Região Leste de BH. O projeto, com o conceito de sustentabilidade, foi criado com o objetivo de ilustrar ao máximo o estilo da marca. Alguns pontos foram destacados, como a forração em bambu, o piso em ladrilho hidráulico com o “selo” da marca e paredes feitas com fibras naturais de diversas sementes. Para completar, a iluminação é totalmente de LED e os móveis foram feitos com madeira de demolição e chapas de ferro reutilizadas.

IMAGEM: DIVULGAÇÃO

/ Parceria no skate /



ARTIGO

O Osama do Bang-bang por Lucas Machado ilustração Rafael Cerveglieri

“Bem, eu poderia parecer com Robert Ford / Mas eu me sinto exatamente como Jesse James” Trecho da música Outlaw blues, de Bob Dylan

Enquanto a maioria dos fãs da banda Legião Urbana esperam o filme Faroeste Caboclo, que passará nas telas ainda este ano, pegue sua arma, conte até 10 e preste atenção na última news que veio do Velho Oeste. A notícia que circula há tempos nos Estados Unidos é que o famoso bandido americano Jesse James pode não ter morrido aos 35 anos, como toda a imprensa americana informou. Mas aí você pensa: quem é esse tal de Jesse James? Pode ter certeza que não é o ex da atriz Sandra Bullock, que a traiu com uma modelo e ganhou as páginas de fofoca. A não ser que haja algum cinéfilo nos lendo, que conheça de faroeste e tenha uns aninhos a mais, com certeza poucos aqui chegaram a conhecer essa lenda. Jesse James foi o “fora da lei” mais famoso e procurado dos Estados Unidos. Filho de um agricultor, comerciante de cânhamo e pastor, James cresceu no condado de Clay, no estado de Missouri, que foi devastado pela Guerra Civil, conflito que marcaria para sempre sua vida. Ele não atuava em filmes e gibis, ao contrário, foram feitos vários filmes e gibis sobre sua história, inclusive enquanto ele era vivo. O diferencial é que ele era o famoso ladrão sabonete — sempre quando estavam prestes a pegá-lo, ele escapulia em grande estilo. Seu nome oficial era Jesse Woodson James. O bonitão, ao lado do seu irmão mais velho Frank, obteve a façanha de roubar o primeiro banco norte-americano. Porém, sua expertise ultrapassava as instituições financeiras. Entre trens e diligências, com pouco mais de 20 anos de idade, ele era mais procurado do que Osama Bin Laden foi um dia em terras ianques. Delegados, vigilantes e xerifes passaram anos e anos tentando pegá-lo, vivo ou morto, principalmente pela recompensa, que era altíssima. James, que não foi preso nem bombardeado, sumiu de repente. O curioso é que quando se prende um foragido de efeito, de alta periculosidade, a primeira coisa que se faz é escancarar

a cara dele em jornais e revistas. É só você imaginar um grande jornal estampando a seguinte frase: “Che Guevara aparece morto”. Sem foto, é praticamente impossível ter certeza se a notícia é verdadeira ou não. Voltando a James, a história verdadeira — pelo menos uma das versões — é que ele foi morto, em 1882, aos 35 anos, com dois tiros covardes pelas costas, enquanto limpava um quadro em sua casa. O autor dos disparos seria Robert Ford, membro de uma antiga quadrilha, que, com certeza, queria abocanhar sozinho a bolada de algum roubo. Depois disso, James nunca mais foi esquecido. Não só pelas suas façanhas, mas pelos filmes que fizeram e fazem parte do folclore do Oeste americano. Quem gosta do gênero deve conhecer alguns deles, como: Jesse James – Lenda de uma era sem lei, de 1939, com Tyrone Power no papel de James; e Quem foi Jesse James?, de 1957, com Robert Wagner. O primeiro, por sinal, teve uma continuação em 1941, em A volta de Frank James, com Henry Fonda tentando capturar os assassinos do seu irmão. Brad Pitt também deu vida ao “fora da lei” no cinema em O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford, de 2007. Depois dos 10 passos, coloque sua arma no chão e leia uma segunda versão da história: de fato, James sofreu o atentado, mas não morreu. Fingiu-se de morto, mas, como de costume, na calada da noite, deu o perdido e mudou-se para uma cidade chamada Gransbury, no Texas. Tratou de trocar de nome para J. Frank Dalton — com o qual viria a morrer apenas em 1951, com 104 anos. O juiz da cidade autorizou a exumação do cadáver de Dalton para a análise de DNA, para confrontá-lo com o advogado, parente de Jesse. Se for verdade, estaremos diante de um fato histórico, em terras americanas, e poderemos até começar a acreditar que James Dean e Elvis Presley não morreram.

Seu nome oficial era Jesse Woodson James. O bonitão, ao lado do seu irmão mais velho Frank, obteve a façanha de roubar o primeiro banco norte-americano

J.C. manifestações: articulista.mg@diariosassociados.com.br | Twitter: @lucasmachado1 | Comunidade Orkut: Destrinchando | facebook.com/lucastmachado ,20


NOLLIE IN TO BANK / FOTOS: CAMILO NERES

JAY ALVES

CVO

Lanรงado pela Converse em 1961. Relanรงado em 2010.


ILUSTRADOR CONVIDADO

Rafael Cerveglieri [flickr.com/rafael-nc rafael.cerveglieri@gmail.com]

Rafael Cerveglieri, de 25 anos, ilustra para alguns dos maiores veículos de comunicação do país, como o jornal Folha de S. Paulo e as revistas Capricho e Arquitetura & Construção, da editora Abril. Artista visual de formação, abusa de símbolos em seus trabalhos, mas sempre buscando a suavidade com traços orgânicos, cores leves e situações oníricas.

Quer rabiscar a Ragga? Mande seu portfólio para annepattrice.mg@diariosassociados.com.br



COLUNA

,reflexões reflexivas do twitter

RENATO STOCKLER

Bolsa Luís Vitão, Corsa 98 e um apê no Leblon

< RAFINHA BASTOS >

Tenho saído narigudo em algumas imagens. Essas câmeras fotográficas enganam muito

RAFAEL CERVEGLIERI

é jornalista e ator de comédia stand-up

Nova lei: Quem for parado pela polícia e não aceitar fazer o teste do bafômetro leva um hidrante no ânus. Falecer transando deve ser confuso. O cara não sabe se está morrendo ou tendo o maior orgasmo da história. Tem como eu bloquear o recebimento de tweets que contenham as palavras ‘otário’, ‘idiota’, ‘matar’ e ‘bieber’? Segunda-feira. Tentem não cometer crimes, por favor.

Nunca conheci um Guto com mais de 20 anos e um Onofre sem netos.

Piratear o produto tudo bem, chamar a bolsa de “Luis Vitão” é que fode tudo. “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e um Corsa 98 cor prata (automático)”.

,24

fale com ele: rafinhabastos.mg@diariosassociados.com.br

Comi Patê de Tofu. Isso é o mais próximo que eu chegarei de fazer sexo com a Fernanda Takai. Vc aceita transar só c/ esta pessoa nos próximos 60 anos? Perguntou o padre realista. Consolo é um Olho pra apartamento no multidão Leblon e não um indignada e pênis de borracha. canto: Cadê o #romantismo grito da galera? No universo dos atrasados, a frase “já tô chegando” significa “nem saí de casa”. Nada mais lindo do que uma mulher que sabe dançar. E nada + broxante do que uma desengonçada que acha que sabe. Sabe como o português gira uma lâmpada? Com destreza, competência e, principalmente, cidadania.



COLUNA

,provador

ELISA MENDES

De mãos dadas sob o sol

< CRIS GUERRA >

RAFAEL CERVEGLIERI

41 anos, é redatora publicitária, ex-consumidora compulsiva, ex-viúva, mãe (parafrancisco. blogspot.com) e modelo do seu próprio blogue de moda (hojevouassim.com.br)

Para os 30, fiz planos de casar e ter filhos. Para os 40, imaginei usar roupas de tons sóbrios. Aposentar aos 55. Mas nada disso me aconteceu

,26

Minha avó viveu até os 95 anos. Dias depois de sua morte, encontrei em seu armário um pote de creme anti-rugas da Avon, ainda com o lacre. E um quadrinho pequeno, de madeira, com os dizeres: "Em algum canto do coração, temos sempre vinte anos." Minha avó foi embora antes de envelhecer. Se o corpo denotava o tempo, a cabeça acompanhava mudanças complexas. E mesmo perdendo a cada golpe uma companhia de vida e de amor, ela mantinha nos olhos uma avidez de aprender que era de criança. Não se via uma senhora de idade, mas uma menina risonha. Sete anos sem ela. Sete anos de tempo passando em mim. E o que o tempo nos faz a cada um é tão inesperado e particular. O tempo passa voando à minha frente. Mas é ele encostar em mim pra ficar devagar. Com você também é assim? Vinte e quatro horas num dia não chegam. E se eu me pego pensando em envelhecer, rapidinho o pensamento escapa. Tenho tempo pra isso não. Gastar com isso é que talvez envelheça.

fale com ela: crisguerra.mg@diariosassociados.com.br

Eu era criança quando pensei no tempo. E como demorou. Para os 30, fiz planos de casar e ter filhos. Para os 40, imaginei usar roupas de tons sóbrios. Aposentar aos 55. Mas nada disso me aconteceu. Fiz foi amar sem descanso. Talvez por isso eu me sinta tão viva. Decidi que não vou ficar velha. Amar até sempre. Trabalhar até quase isso. Manter o estresse em movimento, pra não ouvir o tempo gritar. E de vez em quando dormir — que é quando o tempo silencia, mas não para. Quanto mais o tempo passa, mais simples se tornam as coisas. Agora é que sei. Encontro amigos dos meus pais que há muito eu não via e vejo em alguns deles as marcas claras dos anos. Penso: se os visse todos os dias, o impacto não seria o mesmo. Como não me assustam tanto os sinais do tempo em mim, nos amigos que vejo sempre. Amar é treinar essa eternidade: estar sempre juntos e não ver o tempo passar. O outro não envelhece, só ganha mais significado. Torna-se cada vez mais parte de nós mesmos. Tanto, que já não sabemos mais separar. A sua ou a minha velhice? Então acho que o amor é isso: magia que faz o tempo parar. E decido que quero amar muito e tanto mais. Para me manter sempre hoje. Amém.


Nova SavaSSi. MaiS ModerNa, MaiS Segura e Muito MaiS charMoSa.

em toda obra é assim, primeiro vem o incômodo, mas depois ficam os benefícios. Na Savassi, um dos mais importantes pontos turísticos da cidade, a Prefeitura de Belo horizonte está melhorando tudo: a iluminação, o mobiliário urbano, as calçadas e o paisagismo. tudo vai ficar novinho para você. a Prefeitura pede desculpas pelo transtorno, mas garante que com a nova Savassi, a cidade inteira vai ganhar. Prefeitura de Bh. Não para de trabalhar por você.


ESPORTE ,automobilismo

,28


Getty Images/Mark Thompson

PRO DÍ GIO

Sebastian Vettel se consagra como o bicampeão de Fórmula 1 mais jovem de todos os tempos. E ele só tem 24 anos por Diego Suriadakis

Cronômetro, relógios, planilhas, estatísticas. Nem a precisão dos números tem tido sossego para definir o talento alemão, de 24 anos, Sebastian Vettel. Garoto de Heppenheim, região vinícola do estado alemão de Hesse, Vettel está mesmo acostumado com outra bebida de uva, o champanhe. Na temporada 2011, em 17 corridas disputadas, ele já levou onze, além do título de bicampeão por antecipação e do Mundial de Construtores para a sua equipe, a Red Bull Racing – Renault. Precoce em alta velocidade, o moleque faturou seu primeiro ponto no ranking oficial na elite do automobilismo mundial com exatamente 19 anos e 349 dias. Na temporada 2010, sagrou-se o mais jovem campeão – agora também é o bicampeão mais jovem, superando o inglês Lewis Hamilton — do mundo, além de já ter sido o mais jovem a vencer um GP, a fazer uma pole position e a chegar ao pódio — quando tinha apenas 21 anos. ,29


REGINALDO LEME, comentarista da Rede Globo, desde 1972 trabalhando com F-1, presenciou as oito conquistas mundiais de pilotos brasileiros. GETTY IMAGES/ CLIVE MASON

Em 2006, na Fórmula 3 europeia

GEPA PICTURES/ HANS SIMONLEHNER

Vettel entrou por uma equipe B — a Toro Rosso, também da Redbull, e aconteceu com ele a carreira perfeita. É um cara que é rápido sem errar, tem discernimento e é também simpático ao dar entrevistas. É um cara que amadureceu muito rápido.”

Red Bull Racing Team, entrosamento de alta performance

O Vettel é um garoto excepcional e tem um carro excepcional. Mas, além disso, ele é bom em acertar, regular o carro. Não é só guiar. Existe uma afinidade entre ele e Guillaume Rocquelin, o engenheiro da equipe.” TONINHO DA MATTA, ex-piloto, 14 vezes campeão em categorias nacionais de carros de turismo

,30


Rádio Jovem Pan, desde 2004 cobre todas as corridas in loco

Ele é rápido e, apesar da pouca idade, é um líder. Sabe se concentrar em detalhes que no fim fazem a diferença. Outro lado bacana é o pessoal. Vettel não mudou nada, continua a mesma pessoa. Um sujeito simples. É daqueles ídolos que merecem estar onde está.”

GEPA PICTURES/ MATHIAS KNIEPEISS

LEMYR MARTINS, repórter da

GETTY IMAGES/ CLIVE MASON

Sebastian Vettel tem o talento de assimilar as coisas muito rapidamente. Sua precocidade em aprender as coisas superou a de Ayrton Senna, Michael Schumacher ou Alain Prost.”

Do pódio direto para o mar após dobradinha com Mark Webber em Mônaco

FELIPE MOTTA, repórter da Rádio

É um piloto jovem e promissor. Um grande talento, sem dúvida nenhuma. Corre com um carro superior e por numa equipe que está bem entrosada. Em mais algumas temporadas poderá se afirmar entre os grandes nomes do automobilismo mundial.” CACÁ BUENO, piloto tri-campeão da Stock Car Brasil

GETTY IMAGES/ MARK THOMPSON

Jovem Pan, desde 2004 cobre todas as corridas in loco

Capacete com as estrelas do bicampeonato. Vettel já usou 14 pinturas diferentes na temporada

,31


CULTURA

De VOLTA Ben Harper volta ao Brasil, no início de dezembro e, desta vez, passa por BH

Para encerrar a turnê de divulgação do álbum Give till it’s gone, o cantor e compositor norte-americano Ben Harper volta ao Brasil entre 3 e 10 de dezembro e, desta vez, passa por BH — além de outras cinco capitais: Porto Alegre, Florianópolis, Brasília, Rio e São Paulo. Com 10 milhões de discos vendidos, dois Grammys e uma coleção de hits emplacados ao longo de 17 anos de carreira, a julgar pelos outros países pelos quais a turnê passou, a promessa é de uma apresentação que mescle canções novas e as mais conhecidas. Uma expectativa à parte fica por conta da execução de Boa sorte/Good luck, que ele gravou, em 2007, com Vanessa da Mata, uma das músicas mais tocadas no país nos últimos cinco anos.

Serviço >> Chevrolet Hall Av. Nossa Senhora do Carmo, 230 - Belo Horizonte 06 de dezembro (terça-feira) Horário: 22h 31 2535 3818 ticketsforfun.com.br

>>

,32


,33

DIVULGAÇÃO


TALENTO

por Sabrina Abreu fotos Paula Huven

RAFAEL RAMOS Aos 32 anos, Rafael Ramos é um dos produtores musicais mais renomados do país. Ainda adolescente, ficou conhecido por ter sido o primeiro a apostar no sucesso dos Mamonas Assassinas. Para ele, tudo depende do esforço: “Com um artista bom, muita concentração, suor e, às vezes, lágrimas, dá para conquistar um resultado expressivo”.

,34

CAÇATALENTOS Em 1995, um adolescente apaixonado por novidades musicais buscou fitas demo no carro de seu pai, profissional da indústria fonográfica, que sempre recebia amostras de trabalhos de artistas iniciantes. Sem pretensão de encontrar um potencial talento, ele só queria se divertir escutando “sons diferentes dos que já conhecia do rádio”. O garoto era Rafael Ramos e seu pai, João Augusto Soares, então diretor artístico da gravadora EMI. A demo era de uma banda que ficou conhecida, naquele mesmo ano, como Mamonas Assassinas. E o resto é história. Rafael colocou para torcar a mistura de rock e letras cômicas em seu quarto, deu risada, achou bom e mostrou para os amigos. “Logo estavam todos cantando”, conta com o sotaque carioca bem carregado. Por insistência dele, Dinho e seus companheiros tiveram uma chance na EMI. Mas Rafael faz questão de minimizar sua participação e, elegantemente, dá o crédito pelo lançamento bem-sucedido a João Augusto – que não aceita e insiste que foi, sim, do filho a responsabilidade pela contratação do quinteto de Guarulhos. E ele também não pode desvincular seu nome de outros artistas que estouraram graças à sua intervenção. Hoje, aos 32 anos, Rafael fez do hábito de garimpar talentos entre cantores e músicos sua profissão: tornou-se produtor musical e influenciou a carreira de muita gente. Como Pitty. O lançamento de Máscara, primeiro single da carreira solo da cantora, alavancou as vendas do disco Admirável chip novo, que vendeu mais de 40 mil cópias, em 2003. De novo, ele fez a diferença, detectando que era hora de ela entrar em estúdio novamente. Entre os anos 1996 e 2000, Rafael foi sócio do selo Tamborete, que chegou a lançar dezenas de títulos, incluindo o da banda InKoma, que tinha Pitty como vocalista. Quando o grupo chegou ao fim, ela seguiu compondo e registrando novas canções num gravadorzinho, sem planos sobre o que fazer com o material, até que recebeu uma ligação do produtor e aceitou voltar a gravar. A parceria entre os dois segue firme: o Agridoce, projeto paralelo de Pitty e do guitarrista Martin, lançado em outubro, leva a assinatura do carioca na produção. Relaxado, costuma dizer que a profissão o escolheu e ele foi se deixando levar: “Na música, só estudei bateria. Não estudei para ser produtor, mas os caras da [banda] SexNoise quiseram que eu os produzisse, porque eu era o único que já tinha entrado em estúdio com as próprias bandas [a adolescente Baba Cósmica e Jason, de som mais pesado]. Depois vieram pedidos de outros conhecidos e não parei mais”. A predileção de Rafael é pelos artistas novos, com os quais tem “muita coragem de trabalhar, com loucuras, ao invés de fazer o que já está rolando no cenário”. Perguntado sobre a receita para o sucesso de um disco, Rafael responde que não sabe, ao certo. Mas tem a ver com o esforço: “Tenho cinco trabalhos novos de artistas bons, no computador, e a certeza de que, com mutia concentração, suor e, às vezes, lágrimas dá para conquistar um resultado bem expressivo”. Com a confiança de quem já acertou muito e, apesar da pouca idade, tem uma carreira longa, ele faz suas apostas: Vivendo do ócio e Boys in Drama vão bombar [ambos lançados pelo selo Deck Disc, de João Augusto, pai de Rafael. E conclui: “Também tem a banda Uó e o Criolo, de quem sempre gostei e que já está estourando”.


,35


CAÇATALENTOS por Alex Capella fotos Carlos Hauck

FREDERICO BELÉM Pode-se dizer que a missão de Frederico Belém é “caçar” os melhores profissionais para a área dos negócios. Responsável pelo escritório em Belo Horizonte de uma empresa especializada em consultoria em recursos humanos, Frederico brinca: “Saímos à caça. Se o profissional está empregado, a empresa que se cuide”.

,36

Na antiguidade, mais do que uma legião de soldados, para se ter poder, um reino deveria ter “talentos”. A palavra significava “moeda”. Isso explica em parte porque os caçadores de talentos, conhecidos como headhunters, vêm ganhando espaço até fora dos grandes centros. Afinal, toda empresa quer possuir em seus quadros profissionais sob medida para transformar trabalho em dinheiro. Não há números sobre o mercado de headhunting em Minas. Mas não é tão incomum se deparar com algum caçador de talentos pelas ruas de Belo Horizonte. Além da abertura de empresas especializadas em recrutamento de executivos, a capital mineira vem atraindo a atenção de quem atua no ramo em outras capitais. A movimentação se dá em função dos investimentos feitos, principalmente, pelos setores minerador e siderúrgico. Os dois segmentos, puxados pela demanda internacional, sofrem com a carência das chamadas lideranças técnicas, ou seja, profissionais para atuar na gerência de plantas, produção, manutenção, manufatura, logística, engenharia e obras. “Belo Horizonte vem recebendo grande volume de recursos e, consequentemente, as empresas estão demandando bons profissionais”, diz Frederico Belém, responsável pelo escritório da Fit RH Consulting na capital mineira. Apesar do acirramento do mercado, Belém faz questão de lembrar que esse “caçador” de talento não anda armado pelas selvas urbanas e nem arranca a cabeça de suas vítimas para seus clientes. Porém, como todo bom caçador, precisa conhecer bem o território e usar armas modernas de seleção para abater suas presas, no caso, os candidatos que representam seu campo de trabalho. “Conhecer o mercado e ter relacionamento é fundamental para o trabalho do headhunter”, afirma. Agora, mesmo com a injeção de investimentos na indústria instalada em Minas, quem conhece o mercado do estado sabe de suas limitações. Por isso, parte significativa dos candidatos selecionados para vagas de média e alta gerência nas empresas locais sai de outras companhias, de outros estados ou até de fora do Brasil. “Busquei um profissional que atuava em Moçambique para uma posição de diretoria em uma multinacional com operação em Minas”, revela Belém. O headhunter, contudo, garante que os mineiros têm bagagem para concorrer com executivos do eixo Rio-São Paulo. Segundo ele, Minas, além de um parque industrial diversificado, possui respeitado núcleo educacional. “A Fit entrevista, em média, cinco candidatos por dia. Muitas empresas, com sede em outros estados, constantemente assediam os executivos de Minas”, assegura. Aqueles que passam pela seleção tornam-se profissionais disputados. Tanto que a procura maior que a oferta está levando as empresas a ajustarem seus pacotes de benefícios. Consequência disso é que os salários dos executivos estão cada vez mais altos. Além de salários, as empresas têm aberto os cofres e negociado vantagens, como o aumento no percentual de remuneração associada ao desempenho – uma espécie de seguro contra os caçadores que, muitas vezes, se tornam uma espécie de “ladrões de talento”. “Saímos à caça. Se o profissional está empregado, a empresa que se cuide”, brinca Belém.



CAÇATALENTOS por Bruno Mateus fotos Carlos Hauck

RENATO NEVES Renato Neves é treinador de futebol há mais de 40 anos. Descobriu jogadores como Ronaldo Luís, Palhinha e Euller — este último, aos 17 anos, jogava no Venda Nova e foi para o América-MG em troca de um mobiliário novo e algum dinheiro. Renato bate o pé: “É na várzea que se descobre jogador”.

,38

Ele já foi jornaleiro, trocador de ônibus, serralheiro e mecânico. Entre 1962 e 1966, jogou nas categorias de base do Atlético-MG, mas uma contusão no joelho o fez desistir do sonho da bola e por os pés no chão. A realidade de ter que ganhar grana e se sustentar falou mais alto. Aos 20 anos, iniciou a carreira como treinador. Desde então, Renato Neves Sobrinho, de 62, respira futebol e, além de ter comandado equipes juvenis em clubes da capital e times amadores, descobriu talentos que fizeram a alegria de algumas das maiores torcidas do país. No fim dos anos 1980, o atacante Euller jogava no Venda Nova, clube amador de Belo Horizonte. Renato o viu jogar uma vez, o suficiente para ver no Filho do Vento, como posteriormente ficou conhecido, qualidades para se tornar um grande jogador e o levar para o América-MG. “Achei que era bom de bola demais. Eu disse: ‘O América tem alguns jogadores aqui que vão vencer, você é um deles’. O domínio de bola dele em velocidade me chamou atenção.” Euller jogou em grandes clubes como Atlético-MG, São Paulo, Palmeiras e Vasco, tem no currículo títulos nacionais e internacionais e vestiu a camisa da Seleção Brasileira. Além do atacante Euller, as carreiras do lateral-esquerdo Ronaldo Luís e do meio-campo Palhinha tiveram o dedo e o olhar de Renato. Foi ele quem indicou os jogadores, que estavam no Santa Tereza, para o América-MG, onde começaram a carreira profissional e de lá saíram, em 1992, para grandes clubes, como o São Paulo – os dois foram bicampeões da Copa Libertadores da América e do Mundial Interclubes pelo clube paulista. Além de ter colecionado vários títulos no futebol amador, quando o assunto era revelar talentos, Renato tinha credibilidade. “Sempre me ligavam: ‘Olha, tem um menino bom de bola aqui’. E eu ia lá ver”, lembra. Hoje, descobrir aquele jogador que pode brilhar nos gramados, na opinião de Renato, é mais difícil. “O menino bom de bola de 15 anos já tem a figura do empresário. Isso dificulta um pouco as coisas”, afirma. Outra barreira é a escassez de campos de várzea em Belo Horizonte: “Esses espaços acabaram, agora se está buscando retomar essa cultura. Há 20 anos, o olheiro saía de casa e, só pela manhã, num raio de cinco quilômetros, rodava 16 campos”. Um bom porte físico, noção de espaço, colocação dentro de campo, habilidade e domínio de bola são características essenciais para quem quer se dar bem nos gramados. Segundo Renato, há 30 anos valorizava-se mais a habilidade, hoje a história é um pouco diferente: “É uma correria danada. Os clubes valorizam muito a força física. Não sou contra, mas deve-se aliar qualidade técnica a preparo físico”. Disponibilidade de tempo é fundamental para o olheiro, que assim poderá ir aos campos e quadras em busca dos tão procurados craques. “É na várzea que se descobre o jogador”, aponta. Nos mais de 40 anos trabalhando com futebol, os amigos que fez são sua maior alegria, mas Renato não esconde que ver um atleta que foi descoberto por ele fazer sucesso tem um gosto especial. “Esse aí tem a minha mão”, diz, estampando um sorriso de missão cumprida.



ESTILO

GUSTAVO greco por Lucas Machado fotos Carlos Hauck

O que seria do design mineiro sem essa figura marcante e completamente simples? Começo pelo fim, pois essa é a minha conclusão. Gustavo Greco, proprietário e diretor de criação da Greco Design, fundada em 2005, é formado em direito, com pós-graduação em gestão e estratégia de marketing na PUC Minas. Além da passagem pela publicidade, é designer por paixão. Para Gustavo, inspiração e criação não são inefáveis. “Trabalhamos para resolver problemas específicos dos nossos clientes. O universo simbólico desse cliente é o nosso repertório.” Este ano, a Greco Design venceu quatro categorias no concurso Creativity + Commerce, da Print Magazine, revista norte-americana especializada em design e uma das mais importantes do setor. Os trabalhos premiados foram o de sinalização da Fundação Dom Cabral, a identidade visual da loja multimarcas Boudoir, o cartaz do Instituto Ayrton Senna e o relatório anual da Mendes Júnior. Nas horas de lazer, Gustavo gosta de estar com os amigos e viajar. Ele tem arriscado com sucesso algumas experiências na cozinha e pratica ioga quase todos os dias. Sobre o que esperar do futuro, ele diz que “mais importante é ficar atento às mudanças que acontecem ao nosso redor e nos municiar das novas tecnologias que auxiliem processos criativos”. “Não importa se desenhada a lápis ou em um tablet de última geração: uma grande ideia será sempre uma grande ideia”, completa. É isso: o início realmente justifica o fim. < Kit sobrevivência >

< Gustavo usa > tênis Prada calça Diesel camisa Kenzo anel Comprado de um designer de joias com o primeiro salário

tapete de ioga

orquídea coca light

material de escritório ,40

pantone – the plus series

J.C.


NOVOS CURSOS:

• Engenharia Mecânica • Engenharia de Bioprocessos • Tecnologia de Mineração

melhoresanos.unibh.br


NOITE ADENTRO

A Camarim, festa mensal que rola em Belo Horizonte há dois anos, não poderia ficar de fora de uma noite tão especial para a banda mineira Jota Quest, que comemorou 15 anos de estrada e sucessos com um show em Belo Horizonte, no mês passado. Num Chevrolet Hall lotado, o Espaço Premium Camarim marcou presença na turnê J15 – 15 anos Na Moral, que começou em abril e passará por 15 capitais — BH foi a décima terceira e o show contou com a participação de Falcão, d’O Rappa, e Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos, ex-companheiros de Renato Russo na Legião Urbana. fotos Carlos Hauck e Luiza Ferraz


,43


TALENTO

SEM PERDER A TERNURA

JAMAIS por Bruno Mateus fotos Carlos Hauck

Profissionais com talentos escassos no mercado resistem a um mundo cada vez mais digital e levam adiante seus ofícios “Vocês são do Ibama? Vieram buscar um bicho em extinção?”, brinca, ao abrir a porta, o homem que sustenta uma vasta barba branca. O tipógrafo Ademir Matias de Almeida, de 63 anos, não fez a piada à toa — hoje, são raros os profissionais de sua área. Quando criança, sempre esteve em gráficas, lançando um olhar curioso em meio às máquinas e ao barulho do trabalho. Pode até ser que ele não tivesse ideia, mas foi naqueles idos que a tipografia ganhou espaço na sua vida e se transformou em profissão e paixão. Matias herdou a arte dos pais, que também eram tipógrafos, e até hoje não quer saber de fazer outra coisa. Desde 1979, mantém a Matias Tipografia, na Zona Leste de Belo Horizonte. Ele já teve seis funcionários, entretanto, com a redução de trabalho, ficou impossível mantê-los. Hoje, a mulher o ajuda, fazendo o acabamento do material e a entrega para o cliente. Ele explica que, do ponto de vista tecnológico, a tipografia pura — aquela feita tradicionalmente à mão — está defasada, o que ,44

justifica a diminuição de trabalho, além de ser um processo moroso. “Não está tendo volume significativo, já foi muito melhor. O tipógrafo puro está penando, é o último dos moicanos. Não tem quantidade suficiente de trabalho”, diz. Quando convém, ele também usa ferramentas digitais, mas nunca deixa de lado a arte que aprendeu com os pais. “Minha paixão é a tipografia pura”, afirma. A demanda é, em sua maioria, de convites de casamento. Ele faz o envelope e a impressão. Folhinhas, receituários e cartões de visita também estão entre os serviços feitos em sua gráfica. Um ponto positivo é que o maquinário não estraga com facilidade: “Uso máquinas de 30, 35 anos, e funcionam perfeitamente”. Se forem produzidas 600 folhinhas, por exemplo, o custo é a metade do lucro. Para convites de casamento, o preço depende da quantidade, do tamanho e da gramatura do papel. Ainda que considere irreversível a realidade nem tão animadora do tipógrafo, até porque não se fabricam mais as máquinas e é preciso comprá-las usadas, para Matias, ultimamente, tem havido um movimento de resgate da profissão. Oficinas e workshops — voltados principalmente para designers gráficos e artistas visuais — são um alento para a tipografia: “É uma forma de divulgar, de mostrar o fundamento. Se a pessoa realmente se interessar, ela vai buscar aprender mais”. Apesar


por Paulo Machline ilustração Rafael Cerveglieri

Para não deixar a profissão acabar, Matias ministra cursos e workshops para universitários e interessados em tipografia

de todas as adversidades, Matias já sabe que aquele olhar de criança curiosa não foi em vão. “Gosto do que faço e vou fazer enquanto estiver vivo.” ,Agulha e linha na mão

Filho de pai comerciante e mãe dona de casa, foi pelos ensinamentos do tio que o alfaiate Onofre Vieira Aquino, de 72 anos e há 50 na profissão, fez sua primeira calça, ainda quando morava em Mirabela, no Norte de Minas. O incentivo do pai fez diferença numa época em que Onofre tinha duas opções: o comércio ou o trabalho na roça. E estudar, ele confessa, nunca foi seu forte. Foi aos 21 anos em Montes Claros, onde morou até 1989, que aprendeu tudo — fazer colete, paletó, cortar, tirar medida — com Wilson Drummond, “um grande alfaiate”. “Agradeço a ele, a Deus e ao meu pai todos os dias”, diz, lembrandose das pessoas que o ensinaram o ofício, incluindo Hermano Blade, outro alfaiate famoso de BH, para onde se mudou no fim

dos anos 1980. Naqueles tempos, a profissão era valorizada, havia muita demanda. “É arte das mais difíceis, ser um bom alfaiate não é para qualquer um. É preciso muita concentração, tempo e paciência, além de habilidade”, enumera. Hoje, o cenário é mais desanimador. Sentado no banquinho próximo a Onofre, Sincero Consentino de Oliveira, alfaiate há quase 70 anos, não se segura: “A profissão era valorizada, tinha um destaque. Hoje, todo esse valor foi embora”. Concorrência das fábricas de roupa — “comprar roupa pronta ficou muito fácil” —, a popularização do jeans e o pouco ou nenhum incentivo à profissão são fatores, segundo Onofre, que podem levar a um quadro irreversível: “[A profissão] Está praticamente acabando. Os próprios donos de alfaiataria não querem ensinar ninguém. Tem muita gente que quer aprender, mas não tem aonde ir. A solução é ensinar as pessoas, caso contrário a profissão vai acabar”, prevê. A valorização financeira também pode evitar que o alfaiate suma do mercado. Onofre diz que se paga mal em Belo Horizonte, diferentemente de São Paulo. De cinco dias a uma semana é o tempo médio que ele gasta para fazer um terno completo — calça, paletó e colete. O preço depende da alfaiataria e do material usado. Onofre fez muitos ternos para políticos, mas nenhum deles era tão exigente quanto o técnico de futebol Vanderlei Luxemburgo, para quem fez duas encomendas. “Ele conhece, sabe de tudo”, lembra o alfaiate, para quem o cliente exigente é o melhor cliente. ,O afinador de piano

O som do piano francês da década de 1950 reverbera e preenche a sala. O ouvido atento, minucioso, é capaz de perceber qualquer imperfeição. Nesse momento, tudo some ao redor de Guido Franco, de 68 anos, e a única coisa que importa é a relação dele com o instrumento. Técnico afinador de piano há 45, Guido foi incentivado pelo tio, Afonso Franco, “quando tinha uns 20 anos”. Hoje, é requisitado para afinar pianos para festivais de jazz, para a Escola de Música da UEMG e para ninguém menos que Arthur Moreira Lima. “Tem muita demanda, não posso reclamar, sou bastante solicitado, afinal, 45 anos [de experiência] é bastante tempo. Sou muito feliz com minha profissão, faço o que gosto”, comenta. Para Guido, a profissão não mudou muito. O piano modificou pouco, mas a qualidade do material de manutenção melhorou sensivelmente, além da facilidade para se comprar peças, que vêm principalmente dos Estados Unidos e da Alemanha. “Ficou mais fácil im,45


portar peças, chegam na porta de casa. E mais barato também”, diz. O piano tem 88 notas e Guido regula uma por uma. Ele alerta que é importante respeitar o que a fábrica fez, pois tudo tem a medida certa. Bom ouvido, habilidade nas mãos e muita, muita paciência são fundamentais. “São duas horas e meia para afinar um piano. Se a pessoa não tiver paciência, nem adianta mexer.” Segundo Guido, deve haver nove ou 10 afinadores em Belo Horizonte. Pode parecer pouco, mas é o suficiente, pois “não tem mercado para 20, 30 afinadores”. Ele também não se queixa da grana: “Financeiramente não é ruim, mas não é que eu vá ficar rico”. O afinador comemora o interesse dos jovens pela profissão, principalmente aqueles que estão nas escolas de música. Este ano, Guido ficou seis meses sem trabalhar por conta de um problema de saúde. Ele não via a hora de ser liberado pelo médico. Enquanto tiver saúde e puder caminhar, não pensa em parar. “Fico muito feliz quando vou afinar o piano de um pianista famoso, de alguma banda. Penso: ‘Também fiz parte desse show’”. Guido, na profissão há 45 anos, já afinou o piano de ninguém menos que Arthur Moreira Lima

Alfaiate há cinco décadas, Onofre fez dois ternos para o exigente Vanderlei Luxemburgo



QUEM É

,48


fotos Ana Slika, Bruno Senna, Carlos Hauck, Clarissa Lanari, Henrique Queiroga e Romerson AraĂşjo

,49


TALENTO

,50


Eu e

MR. JOBS Um encontro com o homem da Apple num hotel em Nova York, às duas da manhã por Paulo Machline ilustração Rafael Cerveglieri O ano era 1985. Estudava perto de Nova York e recebi uma visita de meu pai. Ele era um empresário conhecido, morreu num acidente de helicóptero em 1994. Foi um industrial arrojado, construiu a primeira fábrica na Zona Franca de Manaus, no começo dos anos 1970. Sempre que me visitava pedia que o acompanhasse em seus compromissos. Era divertido, interessante e às vezes surreal. Visitamos o presidente Bush pai, empresários, industriais, jornalistas e de vez em quando ainda sobrava tempo para assistirmos shows. Ele odiava as peças da Broadway e sempre envergonhava minha mãe quando roncava na plateia. Nessa visita, ligou logo que chegou, avisando que teríamos uma reunião com o dono da Apple. Achei incrível, eu era louco por Macs. A sensação de ter Mac naquela época nos diferenciava, era o “computer for the rest of us”. No dia seguinte, almoçamos no Peter Luger, uma casa de carnes no Brooklyn. Descobri que a reunião seria naquela noite, no lobby do hotel Pierre, em Manhattan. O horário era esquisito: duas da manhã. Era a única brecha na agenda de Jobs. O objetivo era explorar a possibilidade de fabricar Macs no Brasil. Chegou a hora do encontro. Meu pai usava terno, como sempre, eu não. Lá estava Mr. Steve Jobs, sozinho e sem a tradicional gravata borboleta. Foi uma emoção, era como conhecer o Mick Jagger. Ele era um pop star, para os poucos usuários de Macs da época já era um semideus. Tomava água e lia revistas. Conosco estava Richard Herson, homem da Apple para América Latina e conselheiro das duas empresas (Apple e a do meu pai). Nos cumprimenta(*)

mos, meu pai pediu um uísque e eu uma Coca-Cola. A primeira impressão que tive é que Steve estava muito branco. Ele definitivamente não tomava sol há muito tempo. Lembro-me de contar aos meus amigos que o “cara era verde!”. Estaria mentindo se falasse que ele foi simpático. Foi educado e direto. Afinal de contas, eram duas da manhã! Fomos direto ao assunto. Meu pai não falava inglês e fui o tradutor (situação que se repetiria anos depois num encontro com Bill Gates, que obviamente não é e nunca será um herói para mim). Apresentamos nossas ideias, ouvidas atentamente por ele. Falamos do potencial do mercado interno brasileiro, bem como o de exportação para a América Latina. Ele não se empolgou com nosso pitching, ao contrário, ficou sério, ouvindo. Quando falou, concordou que o Brasil seria uma grande potência mundial, disse que a carga tributária era imensa e isso prejudicaria os investimentos internacionais. Criticou a corrupção. Ele não estava contente com o Brasil, pois além de ser um mercado quase inexistente para a Apple, uma empresa chamada Unitron estava fabricando um clone não autorizado do Mac, conhecido como Unitrosh. Não havia a menor possibilidade de ele investir um centavo aqui antes de resolver esse assunto. Quando falou sobre isso, ficou transtornado e, nós, um pouco constrangidos, mesmo sem termos nada a ver com o assunto. O negócio não saiu, nunca mais o vi pessoalmente. Nosso encontro durou pouco mais de uma hora. Ele me fez apenas uma pergunta direta: o que eu iria fazer na faculdade. Respondi: “Cinema”. Ele sorriu e disse: “Cool”. No dia de sua morte, recebi telefonemas de amigos que influenciei para usarem Macs. Eles me agradeciam por isso. Foi uma sensação interessante e de alguma forma senti que contribui para que as pessoas conhecessem a Apple e melhorassem suas relações com os computadores. Posso dizer que usei todos os produtos Apple, incluindo os fracassados Lisa e Newton. Mr. Jobs tem influência na minha vida como Copolla, Antonioni, Italo Calvino, Caetano Veloso, Godard e outros artistas desesperados e de inspiração infinita. Obrigado, Steve Jobs, por me fazer sentir e pensar diferente.

Esse artigo foi escrito num MacBook Pro de 15’’, HD 1TB, RAM 8GB, projetado em Cupertino e fabricado na China.

,51


ON THE ROAD ,paris

Paris em dia de sol, em verรฃo de frio. Tudo estranho, mas disfarรงado

,52


Arquitetura da Decadência texto e fotos Bernardo Biagioni

Paris em verão de desconstrução e desassossego Frio, e aqui vamos dobrando à esquerda logo depois dos arcos do Jardim Tuileries, de frente para o Museu do Louvre, caminhando agora na orla do Sena que corre meio trôpego cortando a cidade em dois filetes encantados de histórias. São mais ou menos duas pontes até enfim alcançarmos o acesso à Pont Neuf, um pedaço de terra que avança sobre o rio, em formato de lança. Antes, os Rastas ficavam na Passarelle des Arts, que corta o nosso horizonte em dois, mas, por implicações da Lei, o pau agora quebra debaixo das árvores dessa pequena e simples península. Logo abaixo de um outdoor imenso com o retrato de Richard Gere. Parece que é daqui que os jovens vêm ver a casa cair, em Paris, neste segundo verão desta década. Hoje deve ter uns cinquenta e poucos deles, estirados em cangas hippies coloridas, partilhando violões, pão, vinho e grossos cigarros enquanto desenrolam conversas inflamadas sobre o futuro do planeta. A decadência é iminente, logo se vê. Ainda que, quando tudo acabe, eles ainda vão poder continuar atravessando as noites tomando vinho francês. Os cafés estão vazios e o tal amor parisiense hoje anda um tanto sem jeito, um tanto sem lugar. Era de se esperar que, com o Amor mudando, como mudou, não correspondendo mais às nossas aspirações vespertinas, Paris também teria que mudar. Tornar-se ainda mais libertina, talvez. E render-se a uma vida de tropeços e sacrilégios, desamor e paixão desesperada. Quase uma nova forma de cantar no meio do Coro que se tornou o mundo. Está tudo em mudança, olha só. Tudo por conta de uma reviravolta temperamental da sociedade global. Do Povo. Há agora essa descrença em torno da nossa representação política, em torno das leis, rotina, e das normas instituídas. Sarkozy parece uma promessa arrependida de tornar as coisas um pouco mais legíveis, um tanto mais elegantes. Por onde anda a Carla Bruni? Se a Grécia caiu, França, como é que você não ia cair também? Liberté, Égalité, Fraternité. Eles ensinaram isso para o Velho

Continente, nos idos da iluminação profunda, e agora essas mesmas letras estão pichadas na entrada da Passarelle des Arts. Os jovens gritando. O circo se fechando. A polícia não quer mais compactuar com piqueniques e rodas de violão. Uma tentativa desesperada da política em realinhar toda a população em torno de um velho credo. Ordem e Progresso. Na Era da internet, da Revolução Digital. Como a polícia grita, todo mundo aqui está gritando. Os melhores quadros de Paris estão nas ruas. Banksy, Space Invader e o artista oculto que anda espalhando desenhos de gritos e lágrimas em cada quarteirão. Arte contemporânea muito mais inspiradora do que alguns quadros cultuados por analfabetos funcionais de classe média, que hoje sustentam toda a “economia” europeia. É melhor poupar os vinte euros de livros e guias turísticos para colar na Colette, na rua paralela com o Louvre, e ver quantas revistas você consegue levar para casa. A arte de Paris hoje faz parte de uma arquitetura da decadência. Trânsito, muros coloridos, lojas caras e vazias, carros sendo multados na Champs-Elysées e turistas viciados em percursos desgastados pelo tempo. Isso só conforta quem está há anos na estrada atrás de uma resposta que seja mais puritana. Porque os jovens mesmo estão enfiando álcool abaixo em campos, parques e boates como o Social Club, mais ou menos perto da Notre Dame, que oferece atrações internacionais de relevância estranha, toda semana. Assistimos Diplo lá, um dia.

,53


ON THE ROAD ,paris Sentar, deitar, e ver a Torre Eiffel cair. Vai que cai

ERA DE SE ESPERAR QUE, COM O AMOR MUDANDO, COMO MUDOU, NÃO CORRESPONDENDO MAIS ÀS NOSSAS ASPIRAÇÕES VESPERTINAS, PARIS TAMBÉM TERIA QUE MUDAR. TORNAR-SE AINDA MAIS LIBERTINA, TALVEZ Entardecer e escurecer no Jardim de Tuileries, colado no Louvre


Arco do Triunfo, imponente nesta fotografia meio torta

Mas, de alguma maneira, a Pont Neuf faz parecer bonito tudo isso. As tintas que escorrem pela parede criam uma miscigenação de cores e desamores. O sorriso dos Rastafáris, alguns imigrantes e ilegais, levam a crer que tudo faz parte de uma matemática do vento, “uma hora para levantar, uma hora para cair”, e, talvez, quando o ano dobrar, teremos uma nova geração se enfileirando para descer essas escadas que serpenteiam até o rio. Uma geração que viu o pau quebrar, a economia cair. E que mudou as coisas. A verdade é que sempre teremos Paris. Mesmo na decadência ou na solidão. No amor deste tempo em particular, que se manifesta sem tanto carinho nas andanças mundanas. Que seja pelos olhos de Woody Allen ou pelos versos de Serge Gainsbourg. Nos contornos de Brigitte Bardot ou nos filmes do italiano Bertolucci. Nos contos de Piaf. Porque no fim é tudo simples e pura poesia. Paixão além da conta. E todos os outros anseios. Se você for ver.


SANGUE TIPO, NOS OLHOS

Reprocução internet / Webventure

TALENTO

Ele é campeão do Iron Biker Brasil 2011 na categoria sub30. Mas, entre as piscinas na infância e os 103 quilômetros percorridos de bike pelas montanhas de Minas, o trajeto de Lucas Mendes foi grande. E cheio de pódios por Diego Suriadakis

Bigbike, 2011


Ela era nadadora. Chegou a ser campeã sul-americana. Ele era bom nadador. E também se interessou por um esporte que se iniciava, o esqui aquático. Se conheceram na equipe de natação do Minas Tênis Clube, casaram e tiveram três filhos. Lucas Mendes nasceu primeiro. E foi direto para a água. “Lá em casa, a natação foi obrigatória até os 10 anos de idade e meu primeiro esqui aquático eu ganhei aos seis”, diz o garoto de roupa social, óculos, hoje com 27 anos. “Meus pais sabiam dos benefícios do esporte. Disciplina, dedicação, o trabalho de equipe, a vitória e a derrota”. Por isso, quando a palavra talento surgiu na conversa, Lucas sorriu, quase num deboche: “Eu sou é sangue nos olhos, sou dedicado mesmo, sempre me cobrei muito”. ,A vida em clima de competição

Lucas nadou na equipe do Minas Tênis de 1993 a 2001. Foi campeão mineiro infantil em 1998, até que começou a frequentar festinhas de quinze anos: “Aí descobri a confusão do mundo”. Rebeldia e muito heavy metal foram consumindo sua disciplina para a pesada rotina das piscinas. Fim dos anos 1990, ele encanou em andar de wakeboard. Mais heavy metal, mais velocidade na água. Resultado: 2001, campeão do Circuito Brasileiro Juvenil de Wake. Após um intercâmbio na Austrália — e surfe em ondas grandes, com pouca técnica e muito braço —, Lucas teve um período de contusões, entre 2003 e 2005. O wakeskate surgia nessa época. E Lucas, que andava meio de molho com as contusões, ia treinando quando podia, e ganhando campeonatos “experimentais” do novo esporte. E escutando mais e mais heavy metal. “Com a música, um sentimento, uma energia crescia.” Resultado: 2006, campeão mineiro e brasileiro de wakeskate, primeiro colocado em todas as etapas que correu.

Em 2007, resolveu dar um gás na carreira profissional — é administrador de empresas. Mudou-se para São Paulo e, no final de 2008, comprou uma bike e botou na cabeça que ia correr uma prova grande. Se inscreveu em uma em junho de 2009. Sentiu na pele a dificuldade em ser competitivo no pedal. Já ia abandonando a ideia, mas mais uma vez o heavy metal bateu. Lucas voltou para BH e focou no mountain bike. Em 2010, obteve bons resultados e subiu ao pódio em todas as corridas das quais participou. Em 2011, o treino foi mais pesado. “Mas não é tanto quando comparado ao que os atletas de ponta encaram. São fases. Às vezes treino muito, às vezes relaxo.” Resultado: Iron Biker 2011, campeão na categoria Maratona M6.

EM 2007, LUCAS RESOLVEU DAR UM GÁS NA CARREIRA PROFISSIONAL — É ADMINISTRADOR DE EMPRESAS. MUDOU-SE PARA SÃO PAULO E, NO FINAL DE 2008, COMPROU UMA BIKE E BOTOU NA CABEÇA QUE IA CORRER UMA PROVA GRANDE

Campeão Mineiro na piscina, 1998

FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

Surfe de lagoa: fisioterapia

Adrenado depois de um campeonato de Wake, 2008

,57


Ragga modelo Marcela Melo Maia fotos Fernando Biagioni

Breve história de quase tudo* por Diego Suriadakis

Todos estão num mesmo plano. Os giros vão numa mesma direção. É claro, observe. Um mistério.

,58


,59


Quando a distância entre dois dobra de tamanho, é quatro vezes menor a atração de um pelo outro. Cálculos: F=GmM/r2. Se não puder tirar proveito disso, ao menos aprecie a elegância da fórmula.

,60


Um físico é uma forma de átomos pensarem sobre átomos ou sabemos quase nada sobre o que se passa sob nossos pés? E se ela viesse se aproximando, o que faríamos?

Evaporaríamos. Veja o destino de uma poça d’água num dia de verão. Virou nuvem. Voltará em chuvas.


Um impulso natural tão comum. Cientistas, esses sabem que a vida é mais inevitável do que pensamos.

GIRL (*)

Breve história de quase tudo é um livro de Bill Bryson, lido matematicamente e relido milimetricamente por Marcela. Para descrevê-la, lançamos mão de seus trechos.

MODELO Marcela Melo Maia House Models FOTOS Fernando Biagioni PRODUÇÃO Méria Cristiane MAQUIAGEM Dill Diaz AGRADECIMENTOS Santíssima Brechó e Cine Pizza ORIENTAÇÃO Bolha


Nテグ DEIXE A ROTINA TE ABDUZIR.


CONSUMO

1

2

Ele é nato ou inato? Todo mundo tem algum talento ou há quem vague pela Terra sem ser bom em nadinha que seja? (Acho que não). Se cada um tem o seu, o melhor é encontrá-lo e se dedicar a ele, treinando, repetindo, transpirando — não basta estar inspirado.

talento FOTOS: DIVULGAÇÃO

4

,64

3


5

1. < Está registrado > Toda boa ideia fica melhor registrada no papel. É nele que a letra de música, o croqui de uma nova peça de roupa ou o discurso de um orador se aperfeiçoa. Para guardar palavras e traços, um produto da papelaria Patrícia de Deus é ideal. A marca realizou um concurso entre novos artistas mineiros, e as vencedoras, Thereza Nardelli e Maiana Abi, criaram em conjunto este caderno. O detalhe importante é o fato de as folhas serem presas por um elástico (e não por aspiral ou grampo), sendo destacadas sem rasgar nenhum pedacinho. R$ 48 patriciadedeus.com.br 2. < Para exibir > Do desenho que sua namorada achou lindo à receita de bolo criada por você mesmo e que faz sucesso entre as vizinhas: pintar a parede com Suvinil fundo magnético é certeza de poder exibir o fruto de sua inspiração e transpiração para quem visitar sua casa. Adicione a essa lista as fotos da última viagem ou a planta baixa daquele prédio sustentável que você idealizou antes do segundo período da faculdade. Cabe tudo. Mostre-se. R$ 80,08 (1l) varejaodastintas.com.br

6 4. < Para inspirar > Homem renascentista, Leonardo da Vinci foi engenheiro, matemático, inventor. Mas seu talento mais reconhecido ainda é a arte de pintar. O livro Leonardo Da Vinci: The complete paintings and drawings reúne amostras preciosas de diferentes fases da carreira do gênio. O preço do exemplar de capa dura não é nenhuma pechincha. Mas trata-se de um título para guardar para sempre. US$ 764.84 (versão em capa dura) amazon.com

3. < Para estimular > Mancala Macuna é um jogo egípcio de tradição milenar. Enquanto tenta capturar o maior número de peças e ganhar a partida, o jogador exercita técnicas de estratégia e planejamento — um bom jeito de exercitar o próprio talento, também. Este, com tabuleiro em madeira e peças feitas de sementes, é da Origem. R$ 97 origem.com.br 5. < Atacar! > Que tal lançarmos uma campanha pelo fim da expressão “fulano ataca de DJ”? Bom começo é descobrir que 1) Apertar o play e deixar rolar o setlist de músicas preferidas não faz de ninguém um DJ (o nome disso é “apertador de play”) e 2) Se for para tocar, preferencialmente, é bom escolher um equipamento respeitável. Estão aí CDJ2000 e o mixer djm 2000 que não me deixam mentir. Preço sob consulta somalternativo.com.br

6. < Tente outra vez > Dentro do escritório, atrás da pilha de papéis, você não diria que está insatisfeito. Mas, no fundo, ainda existe o desejo secreto de voltar às aulinhas de educação artística e se envolver, de novo, com as tintas, os pincéis, a tela branca e todas as possibilidades que ela inspira. Pois bem, pare de pensar e compre logo seu primeiro cavalete. Este é da Kalunga. R$ 35 kalunga.com.br

,65


NA GRINGA ,nyc

A RUA É NOSSA Um olhar sobre o movimento que ocupou, a partir de Wall Street, as esquinas do mundo

Nascido em San Diego e radicado em Nova York, o fotógrafo Cameron Barnes acampou no coração financeiro americano, participou da marcha na Ponte do Brooklyn e dos confrontos na Times Square. Seu texto e as imagens que registrou refletem as palavras de ordem que ele, ao lado de milhares de jovens mundo afora, tem repetido desde os fins de setembro: OCUPE TUDO. Um chamado à “luta contra as corporações que controlam, diariamente, nossas vidas e bolsos”. O movimento com múltiplos objetivos, surgido como Occupy Wall Street, se alastrou pelos cinco continentes, se apoderando do espaço em frente à catedral de Saint Paul, em Londres, ou sob o Viaduto do Chá, em São Paulo, e poderia, de fato, ser rebatizado de, como prefere Barnes, “occupy everything”. ,66


Aglomeração em Zucotti Park, em fins de outubro

,67


Fúria contra a máquina: manifestantes enfrentam os policiais que “seguem ordem de alguma intocável, inalcançável figura”

“Ser parte de 99% de alguma coisa significa ter grande poder. O único desafio em relação a isso é convencer a maioria a não duvidar — com aquela dúvida sempre implantada em nossos cérebros por meia dúzia de CEOs. Nada nunca ocorreu no mundo como o Occupy Movement, quando consideramos a quantidade de países e cidades participantes que o movimento conseguiu abranger. Ele não poderá ser ignorado pelos livros de história, no futuro. O problema que percebi, sendo parte dele, é que muitas pessoas estão confusas com a quantidade de objetivos que estamos tentando atingir. Há tantos participantes nas ruas e eles sempre incluem novas reivindicações à lista. Essas fotos são parte de vários aspectos do estilo de vida da ocupação. De cândidos cliques tirados de dentro do Zucotti Park, até longos dis,68

paros da câmera em direção às pessoas amontoadas em frente aos policiais, quando estes estavam prestes a quebrar o pau. A maioria das fotos foram tiradas em Wall Street, algumas em ruas laterais do Distrito Financeiro. Nelas, vi incontáveis atos de brutalidade policial, incluindo dúzias de detenções sem absolutamente nenhuma razão, um manifestante sendo perseguido por um policial de motocicleta, um monte de jornalistas que tiveram suas câmeras esmagadas por cassetetes, um homem sendo arremessado sobre uma pilha de esterco de cavalo e, depois, preso. Entre milhares reunidos um pouco distante do ponto central do movimento, na Times Square, no sábado, 15 de outubro, testemunhei algo diferente das detenções típicas e das investidas dos casse-


tetes, uma coisa que fala muito mais alto do que as ações que os policiais estão tomando: aquelas que eles não estão tomando e/ou com as quais não sabem como lidar. Uma mãe com seu bebê se viu no meio de um cercado, abarrotado de gente, numa área onde houve as mais pesadas detenções naquele dia. Quando a mulher pediu socorro, imediatamente, todos os protestantes ao redor abriram espaço — um espaço praticamente impossível de conseguir — e gritaram uns para os outros, avisando: “Há um bebê aqui e sua mãe está tentando sair”. Quando ela, finalmente, chegou até a frente do cercado, pediu a uma policial que, por favor, abrisse as barricadas e permitisse que ela passasse, em segurança. E a resposta foi NÃO. Todos conhecemos o Departamento de Polícia de Nova York, a essa altura. Todos estão somente seguindo ordens de alguma intocável, inalcançável figura — então, não posso culpar apenas aquela oficial, nesse caso, por ter dito não imediatamente. Ninguém tinha permissão de passar pela barricada, a não ser os jornalistas com o crachá amarelo de imprensa — e, mesmo com isso, tinham sorte se conseguissem sair. Mas me pergunto o que leva alguém a seguir ordens a ponto de simplesmente não tomar decisões humanamente corretas que qualquer indivíduo são deveria entender e tomar. Além das prisões corriqueiras, foram esses os momentos que me concentrei em fotografar, para mostrar como realmente tem sido o dia a dia no Ground Zero. Nossos protestos são ilimitados e estão apenas crescendo. Por favor, seja você também parte da história, lute contra as corporações e a mentalidade de Wall Street, que controla, diariamente, nossas vidas e bolsos. OCUPE TUDO!”

Partindo de Wall Street, os manifestantes chegam a Times Square. E querem avançar mais


livra RADA

Piaf: Uma vida, Carolyn Burke (Editora LeYa)

Mesmo quase 50 anos depois de sua morte, Edith Piaf continua sendo um dos símbolos mais brilhantes da cultura francesa de todos os tempos. Após, em 2007, ganhar uma belíssima cinebiografia [Piaf, um hino ao amor, de Olivier Dahan], chega às livrarias Piaf: Uma vida, escrito pela australiana Carolyn Burke e lançado no fim de outubro no Brasil pela editora LeYa. Da infância num bordel parisiense e do início da carreira cantando nas ruas de um bairro de classe trabalhadora ao reconhecimento mundial ainda em vida, Piaf, autora de mais de 100 canções, entre elas La vie en rose e Non, je ne regrette rien, viveu entre amores e tragédias, refugiou-se nas drogas e no álcool e encantou plateias com seu talento incomparável. O livro perpassa todos esses momentos e outros menos conhecidos dessa cantora carismática e genial, que é, sem um fio de dúvida, uma das maiores vozes do século passado. E assim será para sempre.

por Bruno Mateus

Steve Jobs by Walter Isaacson (Companhia das Letras)

Lobão – Cinquenta anos a mil (Nova Fronteira)

Morto no início do mês passado, Steve Jobs tornou-se uma espécie de deus nesses tempos de iPad e iPhone. Cofundador da Apple, Jobs revolucionou o mundo da tecnologia e até a maneira de se consumir cultura na era digital. A morte do executivo visionário deixou milhões de órfãos, que fizeram luto e até missa de sétimo dia em redes sócias. Eles agora têm à disposição a biografia autorizada pelo próprio empresário, que teve o lançamento adiantado no Brasil, de 21 de novembro para 24 de outubro.

Lobão é frequentador assíduo dos noticiários sobre cultura pop nacional desde os anos 1980, seja por lançamentos de seus discos ou pelas polêmicas com outras figuras do meio artístico — ninguém escapa à língua afiada e inteligente do cantor. Já frequentou, também, páginas policiais, tribunal, prisão e Comando Vermelho. E é ele mesmo quem conta todas essas histórias em sua autobiografia, lançada no fim do ano passado, escrita com a ajuda do jornalista Cláudio Tognolli.

divulgação

imagens: DIVULGAÇÃO

Biografias

PRATA CASA

da

por Lucas Buzatti

PAZ-ME Olha isto: www.bandapazme.blogspot.com www.myspace.com/bandapazme Saia da garagem! Convença-nos de que vale a pena gastar papel e tinta com sua banda. Envie um e-mail para redacaoragga.mg@diariosassociados.com.br com fotos, músicas em MP3 e a sua história.

,70

“Rock rural”, “pop refinado”, “Sá e Guarabira com distorção”. Tentar estabelecer um rótulo musical bem delimitado nunca foi a do Paz-me. Pelo contrário; a banda nasceu da união de vertentes diversas, de acordo com a influência de cada integrante. Do rock dos anos 1980 ao baião, passando pelo hard rock, o jazz e o reggae. “O que temos em comum é que gostamos muito de misturar estilos dentro de uma mesma canção”, explica o baixista Charles Galvani. Assim como mesclar gêneros, cantar em

português foi natural desde a formação, em 2000. Após um hiato de três anos, o Paz-me voltou em 2008, e atualmente conta, também, com Flaviano “Fly” Ferreira no teclado, Raufe Pereira, nos vocais e guitarra e Scott Ferreira na bateria. De volta à cena independente mineira, lançaram o competente videoclipe de Aqui não cai não, divulgado nas redes sociais, ambiente em que a banda transita bem. Apenas uma amostra do aguardado primeiro disco, que sai em 2013.



COLUNA

A MÚSICA E O TEMA

CHOCOLATE AMARGO Talento, fama e vocação por Kiko Ferreira

Maria Tereza Correia/em - d.a press

Darrin Zammit Lupi/reuters

Originais: João Bosco, que pôde se dar ao luxo de fugir da escola de música formal e Roberta Sá (abaixo), exceção num mar de talentos questionáveis dos reality shows

,72

Há um caso clássico de identificação de talento nato na música brasileira. Quando ia gravar um de seus primeiros, e ótimos discos, o mineiro João Bosco conseguiu contar com arranjos do gaúcho Radamés Gnatalli (vale uma consulta no Google), um ídolo desde sempre, com sólida formação musical. Quando ficou de frente com o maestro, João confessou, envergonhado, que não sabia ler música. E pediu dicas de como e onde estudar. Radamés foi contra a ideia, pois achava que, se João entrasse numa escola formal, poderia corromper o estilo, sair do foco, perder parte da originalidade. Alguém já disse que vocação é diferente de talento. É possível ter vocação, estudar anos e anos um instrumento, aprender técnica e tocar peças de difícil execução, mas de maneira burocrática, automática, sem alma ou originalidade. E é o oposto disso que Gnatalli viu em João Bosco. Um talento original, que pode se dar ao luxo de escapar da escola formal. Em tempos de Big Brother, A fazenda e outros shows de faz de conta disfarçados de realidade, a fama e a capacidade de fazer promoção de si mesmo vem antes do talento. O sujeito fica famoso e, depois, procura alguma nesga de talento para ampliar seus quinze minutos regulamentares de fama. Raros são os casos, como o da hoje atriz Grazi Massafera, em que a fórmula se justificou. A alfinetada de Carmem Verônica, defendendo beleza com talento, vale para poucos casos: “A bunda cai, mas o talento fica”. Na maior parte dos casos, a exuberância “artística” cai junto com implantes e músculos sustentados à custa de horas diárias de malhação. O filósofo popular Faustão reconheceu: “Talento e magnetismo não se compram na esquina”. E mesmo assim ele comanda, com

inquestionável magnetismo, uma esquina por onde passam muitos artistas sem talento, mas com pose e fama de sobra. Afinal, a era do politicamente correto, do excesso de regras e oportunidades de inclusão, faz com que qualquer sujeito que tenha participado de uma oficina de teatro, de uma aula de tambor, seja logo considerado artista, agente cultural, membro da classe artística. Mesmo que só consiga, mal mal, seguir uma ordem unidade ou acompanhar um tema de dois acordes e ritmo sem variação. Henry van Dyke, numa destas citações que pulam na internet toda vez que tratam do tema, antecipou a atual era do vale tudo na arte: “Use os talentos que você possui. As matas seriam muito silenciosas se só cantassem os pássaros de cantos mais bonitos”. Na Wikipédia, as definições de talento são todas adequadas a um tempo em que música costuma ser um misto de marketing e atitude. A primeira definição é: “uma feira de recrutamento”. A segunda, “uma unidade monetária”. E a terceira e última, numa colocação sintomática num período em que a mediocridade está espalhada democraticamente na nuvem, é “aptidão ou capacidade humana notável”. Felizmente, com exceção de uma Roberta Sá, que esteve no começo do programa Fama, e Suzan Boyle, que realmente canta com técnica e emoção, a maioria dos eleitos de projetos como Ídolos, America’s got talent e Britain’s got talent não vai pra frente. Mas sempre sobra um Abba, que surgiu num concurso de talentos, para lembrar que a regra permite desvios e carreiras milionárias. Mas, na maior parte das carreiras artísticas que andam por aí, o talento não passa de um chocolate de sabores variados.


PROFISSIONAIS, AMADORAS, ANALÓGICAS, DIGITAIS. A RAGGA DE JANEIRO SERÁ DEDICADA EXCLUSIVAMENTE ÀS FOTOS. TEM UMA IMAGEM QUE MERECE SER PUBLICADA? ACESSE RAGGA.COM.BR E SAIBA COMO ENVIÁ-LA PARA A REDAÇÃO. AS MELHORES SAEM NA REVISTA.


A SIMPLICIDADE QUE O FAZ GRANDE por Sabrina Abreu fotos Paula Huven

Talento da TV revelado na infância, Selton Mello é roteirista, diretor e ator de O Palhaço, longa que lhe garante, aos 38 anos, certeza da relevância de sua arte para a posteridade Selton Mello está na minha frente, mas é maior do que o homem que vejo. Com seu mais recente trabalho, O Palhaço, ele conquistou a medida do artista definitivo, atemporal e fez por merecer a classificação de excelente no ofício que escolheu. Ou no ofício que o escolheu. Na tela, seu olhar e presença estão em tudo. É o diretor, o roteirista (ao lado de Marcelo Vindicatto) e o ator principal do filme que conta a história de Benjamin, palhaço que entra em crise e deixa de ver sentido no que faz, mas ao longo de uma viagem em busca da própria identidade recobra o prazer no exercício de sua profissão. Um enredo simples. E, segundo Selton, é a simplicidade que o faz grande. Selton Mello é muitos ao mesmo tempo — como somos, afinal, todos nós. E essa é a justificativa para seu segundo longa como diretor ser leve, luminoso e doce, tão diferente do melancólico Feliz Natal, de 2008, cuja trama era centrada nos problemas de uma família com dificuldades de comunicação. Benjamin e Valdemar (o maravilhoso Paulo José) são os palhaços Pangaré e Puro Sangue, líderes da trupe do Circo Esperança, que tem membros pelos quais é impossível não sentir empatia; seja pelo companheirismo que os cerca, pela escassez material que têm que superar para manter o espetáculo em andamento ou por seus modestos desejos: um sutiã GG, o adiantamento de um pagamento. Foram talhados para se comunicar com o grande público. E conseguiram atrair mais de 180 mil espectadores nos três primeiros dias de exibição comercial — a melhor bilheteria de seu fim de semana de estreia. Selton Mello é acostumado com o sucesso. São dele interpretações memoráveis como a de Chicó (O auto da compadecida, 2000) e André (Lavoura arcaica, 2001). Seu rosto é um dos mais valiosos da publicidade brasileira e ele é ator de destaque na TV, na qual estreou aos 8 anos, e no cinema nacional, tendo participado de 29 produções. Apesar disso, parece trabalhar para promover O Palhaço como se fosse sua primeira chance. Ou a única. O esmero na divulgação inclui viagens para conferir de perto a reação do público durante a exibição do filme, em diferentes cidades — Gramado, Paulínia, Rio, Recife, Belo Horizonte —, num ritmo ,74

meio de saltimbanco, como o do próprio personagem que criou e ao qual deu vida. B enjamin passa o filme viajando, com seu modesto sonho de consumo fixo na mente: quer um ventilador. Também quer encontrar um amor e saber quem é ele mesmo — o que nunca é pouca coisa. Selton tem pressa e um assessor de imprensa onipresente, que avisa: a entrevista, num hotel em São Paulo, vai ser mais curta do que o esperado, e, na pré-estreia de BH, não vai dar tempo de conversar muito, infelizmente. Quem me dera o próprio Selton fosse onipresente, para eu poder fazer todas as per-


guntas da minha pauta e mais algumas que surgissem pelo caminho. Sorte é que as respostas que mais contam estão em seu trabalho. Benjamin começa sua saga triste, precisando dormir, precisando de paz. Mais tarde, numa cena em cima da carroceria de um caminhão que carrega boias-frias, parece ter reencontrado a capacidade de sonhar de olhos abertos, enquanto é acariciado por um vento que nenhum ventilador seria capaz de produzir. Selton diz ter duvidado muitas vezes de seu próprio talento, mas encontrou, na direção, nova rajada de ar e vontade de seguir em frente. Talento revelado quando criança, ele foi ator mirim até os

13 anos. Na adolescência, experimentou o ostracismo, ficou temporariamente esquecido da TV e do público. Pode ser que essa experiência o motive a cuidar de cada trabalho como se fosse o último. Pode ser que, por isso, não se engane com as armadilhas da fama e prefira ser um artista, em vez de uma celebridade. O ostracismo, ele nunca mais vai experimentar. Arrisco uma previsão, diante do Circo Esperança, obra-prima prematuramente realizada aos 38 anos, celebrada pela crítica, abraçada pelo público: Selton e Benjamin têm lugar garantido na posteridade. Quem quer que se interesse pelo cinema brasileiro tomará conhecimento deles. E se divertirá com eles. ,75


É POSSÍVEL COMPARAR SEU TRABALHO DE DIRETOR EM O PALHAÇO COM O DE SEU PRIMEIRO LONGA [FELIZ NATAL, 2008]?

SIM, sim. E a diferença é a calma. No primeiro, você está meio desesperado para fazer um filme. Mas, depois que fez o primeiro, relaxa. Já fez um, fica mais tranquilo, seguro, pleno, sabe como tudo funciona, já não é nenhuma novidade. Acho que essa calma e essa segurança passaram para a tela. O Palhaço é uma história muito simples: um cara, um palhaço que está achando que perdeu a graça e, ao longo do filme, vai recobrando esse prazer no que faz — portanto, uma história simples. E eu contei também de uma maneira simples, sem penduricalhos ornamentais, sem atrativos estéticos rebuscados. Só uma história contada ali. E é essa simplicidade que o faz grande. Acho que isso é que está chegando nas pessoas, o filme está causando grande encantamento [nas mostras em que foi exibido, antes de entrar no circuito comercial, dia 28 de outubro]. Vivemos uma época muito violenta, cínica, dura e o cinema tem retratado muito isso e quase nada de doçura, de ternura, de boa mensagem e de um filme que faz bem para o espírito — esse é O Palhaço. As pessoas estão falando “ai, que bom, obrigado”. Estão saindo contentes por terem visto alguma coisa doce. NÃO É NOVIDADE, JÁ FOI MUITO DITO, QUE VOCÊ TEVE UMA CRISE...

TENHO VÁRIAS, sempre tive. Mas, às vezes, as pessoas se referem a um caso, como se só tivesse tido aquele. Vira e volta eu penso se eu deveria estar fazendo isso ou outra coisa, vira e volta me acho medíocre e penso “o que estou fazendo aqui?”. Aí, crio uma outra coisa que me deixa absolutamente empolgado, e volta o prazer pela criação. Então, na verdade, crise existe sempre. MAS, VOLTANDO A ESSA CRISE ESPECÍFICA, FAMOSA, QUE FOI A QUE VOCÊ TEVE, EM 2008, DURANTE AS GRAVAÇÕES DE JEAN CHARLES: QUANDO ESTAVA PERDENDO O PRAZER EM ATUAR. COMO CONSEGUIU RECOBRAR ISSO?

NÃO SEI, acho que é a vida. Tropeça aqui, vai adiante, seguindo, dia a dia. Também porque você, geralmente, fica assim: “Preciso trabalhar menos, ficar mais tempo ocioso”. Depois, fica ocioso e começa a se perguntar: “O que estou fazendo aqui?”. Se sente inútil parado. A gente nunca está satisfeito e essa insatisfação é o combustível para seguir criando, em qualquer área de criação — música, artes plásticas. Ela é que te move para o próximo. Não gostei disso, o que eu poderia ter feito melhor? Vai para o próximo, aperfeiçoa isso, piora numa coisa, recobra noutra, assim vai caminhando. VOCÊ DIRIGIRIA UM FILME CUJO ROTEIRO NÃO FOSSE ESCRITO POR VOCÊ?

DIRIGIRIA. Na verdade, estou vivendo um pouco isso na Mulher invisível, que é um seriado derivado do filme que foi para a TV, e agora estou gravando de novo, a gente volta ao ar este mês. Sou um dos diretores da série e acontece isso que você está dizendo, não escrevo a série, mas dirijo. A DÉBORA FALABELLA ESCREVEU SOBRE ISSO NA REVISTA ALFA, CONTANDO QUE VOCÊ DIRIGIU UM CAPÍTULO DA SÉRIE COM OS OLHOS BRILHANDO. SEGUNDO ELA, “PARECIA MUDADO, ESTAVA MAIS FELIZ”.

ELA É DEMAIS. É verdade. Estou me sentindo muito mais pleno dirigindo, estou mais entusiasmado com isso. Em O Palhaço, junto as duas coisas. Talvez eu tenha encontrado uma fórmula muito boa para fazer uma coisa que eu queria muito, dirigindo — que é algo que está me ,76

dando prazer — e atuando. Talvez, no próximo filme, eu tenha um papel menor, ou nem atue. Acho que, a partir de agora, vou intercalar maneiras de trabalhar. VOCÊ TEM 38 ANOS, MAS JÁ RECEBEU UMA HOMENAGEM EM GRAMADO [PRÊMIO CIDADE DE GRAMADO, NESTE ANO]. QUANDO SE PENSA EM HOMENAGEM LÁ, A GENTE ESPERA QUE APAREÇA UM DINOSSAURO, MAS VOCÊ É BEM JOVEM.

MAS VOCÊ SABE O QUE ACONTECE? Eu mesmo tenho um pensamento dúbio sobre isso. Ao mesmo tempo em que penso: “caramba, sou muito novo”, aos 8 anos eu já estava no set, então são 30 anos de carreira. Sou novo, mas sou veterano também. Já fiz muita coisa: novela, teatro, dublagem, já passei por várias fases da carreira, fazendo coisas distintas. É uma coisa interessante de observar. Acho até que, muito por isso, a direção veio na minha vida. Chega uma hora em que é preciso estar sempre se reinventando, procurando uma coisa nova para manter o brilho no olho, se não vai ficando assim: “Ah, isso eu já fiz, já não tem mais graça”. A direção entrou na minha vida para dar uma oxigenada, uma animada. E é fato: aconteceu mesmo. UM PASSATEMPO QUE TENHO É LER O COMENTÁRIO QUE AS PESSOAS FAZEM NO SITE DA FOLHA — PORQUE, EM GERAL, É BEM AMARGA A REPERCUSSÃO SOBRE TUDO, DAS MATÉRIAS DE INTERNACIONAL ÀS DE FOFOCA.

POR ISSO QUE, ao contrario de você, gosto pouco de ler isso [risos]. Faz muito mal. MAS, NO QUE DIZ RESPEITO A VOCÊ, SÓ ACHEI ELOGIO. NA MATÉRIA SOBRE A HOMENAGEM EM GRAMADO, POR EXEMPLO, VOU LER TRÊS COMENTÁRIOS QUE ERAM OS PRIMEIROS: “MUITÍSSIMO MERECIDO”; “MERECE TUDO DE BOM. ELE É DEMAIS” E “SELTON ENRIQUECE NOSSAS TELAS. DE GRANDE CAPACIDADE INTERPRETATIVA E CRIATIVA, FICAMOS AGUARDANDO SUAS NOVIDADES. FELICITACIONES”. TOMAR CONHECIMENTO DESSAS FRASES FAZ DIFERENÇA NA SUA VIDA, OU NO SEU DIA?

FAZ, sim, com certeza. Um negócio que foi acontecendo naturalmente na minha trajetória é que nunca fui, no meu período da TV, o galã, o herói da novela. Até fiz também, mas fiz mais personagens diferentes: o vilão, o maluco, o desorientado, o esquisito, o cômico. Fiz um pouco de tudo. Tenho um negócio com o


O PALHAÇO FICOU MUITO LINDO, TENHO MUITO ORGULHO. SE EU NÃO TIVESSE NADA A VER COM ELE, SE ALGUÉM TIVESSE FEITO, É UM FILME QUE GOSTARIA DE VER

público e isso é muito precioso, um público muito diversificado curte o meu trabalho. Ao contrário, por exemplo, do cara que faz o galã, esse é amado pelas mulheres, mas os homens pensam “ele é um ator mediano”. Os caras curtem meu trabalho, crianças curtem, senhoras gostam de mim. É muito legal. Se você sair comigo, no aeroporto, vai ver que pessoas de muitas classes sociais e idades curtem. Um por causa de um negócio, outro por causa de outro, O auto da compadecida, a criançada adora. A mulher invisível, também, [a criançada] acha aquilo engraçado. Então, acho que tem a ver com isso que você leu, um público variado acompanha o meu trabalho ao longo da minha vida. E é maravilhoso. Ao mesmo tempo, tenho uma cara que se presta a muita coisa como ator, posso ser um judeu ou um nordestino.

PELO FATO DE TER NASCIDO EM PASSOS, ter sido criado em São Paulo e viver no Rio, meu sotaque é de lugar nenhum. Tenho facilidade de ser um mineiro, paulista, carioca, ser mais velho, ser mais novo. E tenho uma cara comum, parece que as pessoas pensam que sou um primo delas, o netinho daquela senhora, um cara possível, tem uma intimidade.

E TEM O LANCE DO SOTAQUE TAMBÉM.

SÃO TRÊS ATORES de Passos no filme. Na verdade, cinco: eu

QUAL FOI A ÚLTIMA VEZ QUE VOCÊ FOI A PASSOS?

ANO PASSADO. Fiz uma mostra dos meus filmes. Passos ainda tem um cinema resistente, lindo aliás, todo reformado, chamado Cine Roxy. E resistência, né? Porque hoje em dia estão todos virando igreja, supermercado. Fiz a mostra com a renda revertida para o Hospital do Câncer da cidade. E foi muito legal, além da alegria de estar na minha cidade e tudo, conheci alguns atores de lá que levei para o filme. É MUITO LEGAL A DIVERSIDADE DO ELENCO. CONTA SOBRE ISSO.

,77


A MINEIRICE É UMA BENÇÃO. O MINEIRO NASCE LOW PROFILE


e meu irmão [Danton Mello], uma atriz que faz uma participação pequena e dois atores que fazem papéis enormes. A Pritty Borges faz uma menina por quem meu personagem fica encantado, ele passa o filme todo sonhando com ela. O Renato Macedo é uma figura extraordinária, mede 1,96m e é magrinho, faz parte da trupe do circo [interpreta o palhaço B orrachinha] e todo mundo fica perguntando onde o encontrei. É muito legal levar atores de Passos para o filme. E Passos é personagem do filme: a personagem da Pritty é de lá e começa o filme perguntando “o circo vai em Passos?”. Aí, meu personagem passa o filme inteiro querendo ir até a cidade, atrás da menina. Esse filme é uma grande homenagem à minha cidade, a Minas, à minha profissão, ao artista circense. É um filme que presta várias homenagens. E VOCÊ TEM FAMÍLIA EM PASSOS AINDA?

A MAIOR PARTE ESTÁ LÁ. Também tenho família em Nepomuceno e em Divinópolis. VI COMENTÁRIOS QUE VOCÊ FEZ SOBRE OS TRABALHOS DO FESTIVAL SELTON MELLO [PRODUÇÕES DE ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO DE PASSOS. O FESTIVAL HOMENAGEIA SELTON E O TEM COMO PARTE DO JÚRI]. VOCÊ GRAVOU SUAS CONSIDERAÇÕES, POSTOU, ELOGIOU OS QUE ACHOU MELHOR. NO PROGRAMA ALTAS HORAS, UM DIRETOR AMADOR DE FILMES B QUIS LHE DAR UMA CÓPIA DE UM TRABALHO DELE E VOCÊ FEZ A MAIOR QUESTÃO DE RECEBER. DÁ A IMPRESSÃO DE QUE VOCÊ É BONZINHO, PARECE SER BEM GENTE BOA POR AGIR ASSIM. É ISSO MESMO?

RECEBO ESSAS COISAS O TEMPO TODO, me dão muita coisa e vejo tudo. Sou gentil, respeitoso com as pessoas, elas gostam do meu trabalho, querem se aproximar. Acho muito estranho quando alguém se incomoda com isso, porque ser ator é um trabalho público. Se você for sair na rua e ficar incomodadíssimo, deveria fazer outra coisa.

E VOCÊ TEM ANSIEDADE EM RELAÇÃO A ISSO, AINDA? SE PREOCUPA COM ISSO?

TENHO, me preocupo com isso de apresentar outra boa coisa. Por exemplo, o que vou fazer no meu próximo filme, não sei ainda, mas gostaria de tratar de muitos assuntos. Aliás, queria dar outro crédito aqui, por ser uma revista mineira. Tive a alegria de contar com um artista de BH maravilhoso, o [videoartista] Conrado Almada. Ele fez uma coisa linda para O Palhaço: os desenhos dos créditos do filme, no início e no fim, são animados com desenhos da gente. Com aquela delicadeza que é característica do Conrado. Foi uma felicidade contar com o talento dele, aquele acabamento no presente, aquele laço de fita que faltava. Demonstra um carinho a mais com o filme, não é simplesmente tela preta e o nome em branco. VOCÊ É BEM CAPRICHOSO. SOU. E FICOU PENSANDO NESSE DETALHE, ALGUÉM DEU A IDEIA, OU VOCÊ VIU NUM FILME E QUIS FAZER ALGUMA COISA PARECIDA?

FIQUEI PENSANDO NISSO. Sempre quis fazer uns créditos com animação, porque acho que emprega valor ao filme. E a Vânia Catani, produtora do filme e que também é mineira, falou: “Você conhece o Conrado Almada?”. E eu disse, na hora, “fechou”, porque já conhecia o trabalho dele, lembrei na hora dos clipes do Skank [Seus passos, Sutilmente e Noites de um verão qualquer]. Perfeito. VOCÊ TAMBÉM JÁ DIRIGIU VIDEOCLIPES.

JÁ e é uma delicia de fazer. Colocar as imagens na música é mais livre, não tem texto. Delírio audiovisual. E TAMBÉM TOCA. TOCO, mas nisso estou bem fraco, não tenho tocado nada. O QUE VOCÊ FAZ, ALÉM DE TRABALHAR LOUCAMENTE?

MAS SE VÊ MUITO O CONTRÁRIO ACONTECENDO.

É, mas, nesse sentindo, a mineirice é uma benção também. O mineiro nasce low profile, convivo com muitos cariocas, porque é no Rio que vivo. Carioca fala muito, tira muita onda, promete mais do que cumpre — de uma maneira geral. O mineiro vai lá e faz, ele faz as coisas, não fica cantando de galo. É natural, não faço nenhum esforço para isso. Tem uma coisa discreta de não se expor tanto. No momento, estou muito exposto, porque estou dando muita entrevista por causa de um trabalho. Mas, quando acabar isso daqui, mineiramente que recolherei um pouco. É uma época em que está tudo invertido. As pessoas vão à revista e falam de tudo, com quem casaram, que trocaram de carro. Eles ligam para avisar que estão indo ao cinema, para um paparazzo saber. Mas e a consistência do trabalho? Sempre digo isso e repito: entrar na profissão é difícil, mas é razoável. Você pode fazer um bom teste, dar uma sorte e conseguir entrar. O difícil é permanecer, é, com 30 anos de carreira, as pessoas ainda escreverem isso [os comentários positivos no site da Folha]. Principalmente aqui, no Brasil, não adianta você fazer um grande sucesso, tem que fazer 30 grandes sucessos ao longo da sua vida. Tem que estar sempre mostrando serviço, essa é a realidade em que a gente vive. Porque se você faz um agora, não adianta. Tem que estar sempre mandando bem.

[Risada.] TRABALHO LOUCAMENTE. Este foi um ano em que trabalhei muito. Quando estou mais tranquilo, sei lá, jogo basquete, ando de bicicleta. Vou ao cinema, saio com os amigos, nada demais. Viajo pouco, porque já viajo tanto trabalhando, que tenho uma preguiça enorme de ter que fazer a mala, ir para o aeroporto, enfrentar fila. DEPOIS, CHEGANDO À OUTRA CIDADE, TEM QUE PASSEAR. PARA QUE MEXER COM ISSO [RISOS]?

PARA QUÊ? Dá trabalho, penso: “Ai, que vontade de ficar quieto em casa” [risos]. O QUE ACHA DO HUMOR NA TV BRASILEIRA, ATUALMENTE?

BEM VARIADO, com muitas coisas boas. Especialmente gosto do Marcelo Adnet e da turma dele. VOCÊS DOIS CANTANDO JUNTOS É MUITO BOM. FICOU MUITO LEGAL. E você é a maior rata de internet, sabe tudo.

O Adnet é muito talentoso, como também aquela turma toda, a Tata Werneck, Dani Calabresa. Também gosto muito do Canal Viva. E SE VÊ DE VEZ EM QUANDO ALI?

JÁ ME VI. De vez em quando, acontece. ,79


A GENTE NUNCA ESTÁ SATISFEITO E ESSA INSATISFAÇÃO É O COMBUSTÍVEL PARA SEGUIR CRIANDO E COMO É SE VER?

É NORMAL, CRESCI FAZENDO ISSO. Às vezes penso “mandei mal”, isso aqui poderia melhorar. Outras vezes, acho legal. É interessante ver, é parte do fazer. TEM UM PERSONAGEM MAIS QUERIDO?

TEM TRABALHOS ESPECIAIS, O Cheiro do ralo, Lavoura arcaica, O auto da compadecida. E O Palhaço entrou nessa galeria. E é legal porque, quando me perguntavam os filmes mais importantes, eu falava filmes dos outros. Agora, tenho prazer de falar o meu. Porque O Palhaço ficou um filme muito lindo, tenho muito orgulho dele, é um filme que eu gostaria de assistir. Se eu não tivesse nada a ver com ele, se alguém tivesse feito, é um filme que gostaria de ver. E o personagem Benjamin é lindíssimo. Ele tem uma pureza, uma maneira de enxergar a vida. Ele é muito cativante e entrou na minha galeria dos personagens mais importantes. QUE BOM. E ESTÁ FELIZ DE O PESSOAL TER DECLINADO O CONVITE PARA FAZÊ-LO?

O WAGNER [Moura] e o Rodrigo [Santoro] não aceitaram o convite.Foi ótimo, no fim das contas. Se não, eu não teria feito [risos]. Eles me deram essa força, sim.

TV GLOBO

ARQUIVO PESSOAL

VOCÊ PENSA EM ATUAR EM FILMES FORA DO BRASIL? O RODRIGO SANTORO, CADA VEZ MAIS, TEM CONQUISTADO PAPÉIS DE DESTAQUE.

PENSO NISSO, mas tenho uma preguiça de começar tudo de novo. Admiro muito o Santoro, porque ele investiu nisso. Dez anos atrás recebeu um convite, viajou, foi a Los Angeles, ficou lá três meses fazendo 200 testes para passar em um. Fazia alguma coisa, voltava. Sou fã dele, a gente já falou sobre isso. Ele quis isso, se dedicou. Exige uma dedicação que acho que não tenho. Acho louco chegar num outro país, ter que me apresentar, dizer quem eu sou, as pessoas não fazem ideia do que represento. E sou muito grato pelo que conquistei aqui, acho muito grande, muito lindo ser um cara respeitado no meu país todo. Posso não abraçar o mundo, mas abracei o Brasil. Então, penso nisso assim: “Se eu fizer um negócio que um dia passar lá, falarem ‘uau, quem é esse cara, vem aqui’”, vou com prazer. Agora, ir para lá ficar tentando do começo, não tenho essa disponibilidade emocional. E, SE FOR, VOCÊ DEIXA DE FAZER UM MONTE DE COISAS LEGAIS AQUI.

UM MONTE DE COISAS LEGAIS, principalmente agora que também já estou dirigindo. Da estreia como ator infantil (em 1979) até A força de um desejo (de 1999), foram 15 novelas. Mas Selton se afastou do gênero, enquanto se aproximava do cinema

,80

QUAIS SEUS FILMES MAIS QUERIDOS, COMO ESPECTADOR?

PARIS TEXAS [1984], o primeiro O poderoso chefão [1972], e Laranja mecânica [1971], para falar três grandes trabalhos.


Entre os personagens preferidos, André (de Lavoura arcaica), Lourenço (O Cheiro do ralo) e Benjamin (O Palhaço): “Antes, quando me perguntavam os filmes mais importantes, eu falava os dos outros. Agora, tenho prazer de falar do meu”

UMA VEZ, PERGUNTARAM SOBRE SEU IRMÃO E VOCÊ RESPONDEU QUE ELE É MAIS TRANQUILO EM RELAÇÃO À CARREIRA, MAS INVESTIU EM OUTRAS COISAS. TEVE FILHOS, POR EXEMPLO. VOCÊ PENSA EM SER PAI?

Edison Vara/Pressphoto

TENHO VONTADE, mas também não penso nisso. Se algum dia for acontecer, vai acontecer. Talvez eu passe por essa existência sem ter filhos e tudo bem, sem maiores problemas. Ou talvez eu tenha mais velho. Porque o homem tem essa vantagem.

divulgação

EM RELAÇÃO A FILMAR, VOCÊ JÁ AFIRMOU QUE É BOM, PORQUE FAZ COM QUE PENSE MENOS NA IDEIA DA MORTE. ESSE É UM PENSAMENTO RECORRENTE?

NÃO. Só quis dizer que a gente pensa menos em besteira quando está ocupado. Menos besteira, só isso. Não fica acreditando muito nessas coisas que você lê na internet, não [risos].

DiulgaÇÃO/Ag. O Dia

É BOM, tem muita coisa boa que vem nesse bojo [pensa um pouco]. É bom, sim. É bom ser, em qualquer profissão. Um advogado quer ser bem-sucedido e respeitado pelo que faz, então é a mesma coisa na minha profissão.

REPRODUÇÃO

EM MEU NOME NÃO É JOHNNY, A PERSONAGEM SOFIA, QUANDO ENCONTRA SEU PERSONAGEM, PERGUNTA SE É BOM SER FAMOSO. É BOM SER FAMOSO?

mais Selton >> Está no ar a segunda temporada de A mulher invisível, na TV Globo. Em dezembro, estreia nos cinemas a comédia Billi Pig, de Eduardo Belmonte

>>

PARA ENCHER OS OLHOS O Palhaço tem detalhes que merecem um espectador atento

>>

>>

>>

Os nomes dos personagens principais são homenagens a grandes artistas do circo brasileiro. Benjamin Savalla Gomes, interpretado por Selton, evoca Benjamin de Oliveira (18701954), ex-escravo e fundador de um circo-escola, e o palhaço Carequinha (1915-2006), cujo verdadeiro nome era Savalla Gomes. Valdemar, personagem de Paulo José, é homônimo do Palhaço Arrelia (1905-2005). São muitas as participações especiais feitas por atores que andavam meio sumidos, como Luiz Alves Pereira Neto, mais conhecido como Ferrugem, que faz um funcionário da prefeitura, e Jorge Loredo, criador do Zé Bonitinho, vivendo o dono de uma loja de ventiladores e piadista nas horas vagas. O destaque é Moacyr Franco, como delegado. O papel lhe valeu o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante no Festival de Cinema de Paulínia, em julho. Além de Passos, terra natal do diretor, o filme homenageia Montes Claros: o nome da cidade onde a produtora Vânia Catani nasceu pode

Ao lado de Paulo José, na homenagem que recebeu em gramado: jovem veterano

ser lido numa placa, em primeiríssimo plano. E Nepomuceno, onde Selton também tem família, é citada na história. >>

Raro encontro na tela: os irmãos Danton e Selton se encontram em uma cena rápida, mas importante na trama.

>>

Os créditos iniciais e finais foram ilustrados pelo videoartista Conrado Almada: vale ficar até o finalzinho para não perder nenhum traço.

PARA CURTIR O longa tem uma funpage alimentada pelo próprio Selton: facebook.com/opalhacoofilme. “Cuido dessa página com muito carinho, como tudo mais nesse filme”, ele contou para a plateia que assistiu a pré-estreia em BH. ,81


CRÔNICO Luciano Tiara

Luciano Tiara, o Cafa Sorridente, é asmático, DJ, escritor, roteirista, ator, jornalista da contracultura e mentiroso. Tem muito medo, mas um tanto suficiente de coragem. twitter.com/cafasorridente

Sobre asmas e pais Absolutamente nada a ver com o que vou escrever, mas o vô Zimmerman cantava uma canção que a vó Caetana regravou (versão essa, que ficou bem melhor do que a original): “Standing on the waters casting your bread While the eyes of the idol with the iron head are glowing.” Mas o tema do texto não é esse. Que é: vou ser pai a qualquer momento. Inclusive, escrevo estas mal traçadas linhas na véspera (ou antevéspera) do nascimento de minha primogênita. E no momento em que essa página for lida, Teresa será uma recém-nascida. Ou até mais velha. Isso é o belo da literatura. Ser vivo, o papel, o texto — o ajuntamento de sujeito e predicado. A metamorfose do homem diante da iminente paternidade já foi tema de um (s)cem número de obras ficcionais e/ou profundamente autorais. Tem os caça níqueis hollywoodianos em que atores de barriga protuberante esquivam-se da responsabilidade, até entender que a vida só tem sentido quando sua carga genética é passada adiante. E teve aquele outro personagem de faz de conta que disse: “Crescei-vos e multiplicai-vos”. O que me lembra de um colega que me disse certa feita (há mil years ago): “Para a biologia, você só existe se gerou descendência”. Sabe-se lá se isso é verdade ou donde ele tirou essa informação. De todo jeito, isso me causou forte impressão. Na adolescência, eu tinha um daqueles pânicos estilo Woddy Allen — “E se por ventura eu for infértil? Estéril? Isso significaria que não existo? Que sou nulo biologicamente? Como atingir a imortalidade nesse caso?”. Se Deus não existe, e a vida é passageira, como existir além da matéria? Desde então, me orientei por duas lógicas. A saber: 1) O autodestrutivo: é o mote do Clube da Luta (leitura recomendadíssima, aliás): “Você só se conhece ao se colocar no limite extremo”. Autodestruição como caminho para o autoconhecimento.

2) O covarde: motivado por extrema carência, eu quis ser conhecido. Dormir no sonho de outrem, que minha palavra repercuta na sensibilidade alheia. ** Mas isso não importa. Tudo que é sólido desmancha no ar. E papai morreu em meus braços — no dia do aniversário de mamãe. E por outra coincidência, Teresa quase nasce nessa mesma data (dois anos depois). Eu, metido a ler sinais sobrenaturais e significados, via nisso uma continuação, uma sentença de repetição. ** Donde se concluí que a vida é o império do aleatório. A tal “mudança muito estranha, mais pureza, mais carinho mais calma, mais alegria, no meu jeito de me dar” não se dá na epifania. Se dá no dia a dia, quando ao se olhar no espelho, vai se reconhecendo e se conhecendo, um centímetro por amanhecer. E vem daí o desespero, a sanha absoluta por viver. Pela filha, sim. Mas ela também vai errar muito. Eu vou. Todos nós vamos errando. Nos moldando diante das circunstâncias. A consciência e a capacidade de se alegrar e entristecer é elástica. Papai falava pra mim sempre um versinho: “Quem passou a vida em brancas nuvens E em plácido repouso adormeceu, Quem não sentiu o frio da desgraça, Quem passou pela vida e não sofreu Foi espectro de homem, não foi homem, Só passou pela vida, não viveu.” E por mais simplista que seja, acho que condensa tudo isso. Mas não há motivo para chorar. De maneira geral, existe mais risada, mais beijo, mais canção. E isso me alivia a noite.

E NO MOMENTO EM QUE ESSA PÁGINA FOR LIDA, TERESA SERÁ UMA RECÉM-NASCIDA. OU ATÉ MAIS VELHA. ISSO É O BELO DA LITERATURA. SER VIVO, O PAPEL, O TEXTO ,82


Atitude Comportamento Estilo 24hs na sua TV por assinatura


.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.