#53 , SETEMBRO , 11 , ANO 6
NÃO TEM PREÇO
REVISTA
COMIDA No boteco com Xico Sá
Sobre mulheres, futebol, assombração, política e cerveja. Desce mais uma
Ativismo à mesa Espalhados pelo mundo, veganos defendem que bicho não é alimento
E mais: .Larica Total
.Ragga Night Run .Londres em chamas
Proibidão Helvécio Ratton filma a relação do mineiro com o queijo e sua polêmica legislação
SeuS filhos
merecem maiS do
que girafinhas, hipopótamos e arco-íris.
bodies e camisetas que vão tirar você do sério
vendas exclusivamente pelo site
www.tshit.com.br
l E v a t En t s u s o . t a n o E b v a E c i s u m a so toc u E v a m o s
Porq ar: n i b m co sonora
o a c i u l o P E m E b tam . o a c i u Pol
EDITORIAL
VOCÊ TEM FOME DE QUÊ? De comida! E depois, sim, podemos pensar em ter fome de outras coisas. Na pirâmide das necessidades vitais, a comida ocupa a base. Não alcançamos qualquer outro objetivo sem antes passarmos por ela. Não se vive sem comer, simples assim. Comida é muito mais do que algumas misturas calóricas. Comida é cultura, ciência, arte, economia. Fazendo uma analogia maluca, o mundo é, na verdade, um grande prato de comida. Quase tudo é comestível e quase tudo precisa comer. Ou seja, nesse grande prato, meu amigo(a), se correr o bicho pega e se ficar o bicho come. Se alimentar é realmente um ato selvagem. Basta assistir a uns minutos de algum documentário animal e ver que, para não morrer de fome, é preciso matar. E não é diferente com os seres humanos, a diferença é que não precisamos mais sair de casa com uma lança afiada, voltar sujos de sangue e só então alimentar a família. Nossa selvageria está disfarçada em embalagens divertidas, práticas e resfriadas. É a vantagem (ou desvantagem) de ocupar o topo da cadeia alimentar. Agora, dizer até onde essa liderança vai durar já são outros quinhentos. O alimento, ou melhor, a falta dele, ou melhor ainda, a má distribuição dele ainda é um dos grandes problemas da humanidade. Pensar que mais de um bilhão de pessoas em 29 países passam fome em pleno século 21 é surreal. Pensar que, só no ano passado, cinco bilhões de frangos, 32 milhões de porcos e 29 milhões de cabeças de gado foram sacrificados só no Brasil,
também é surreal. Alguns vão ler os números acima e digeri-los como simples estatísticas, outros já procuram ajudar de alguma forma, como é o caso do pastor Maurício, líder de um grupo de voluntários que ajuda a alimentar moradores de rua e que contou com o apoio da equipe da Ragga e da Pão.com para distribuir sanduíches e refrigerantes no Centro de BH. Outros já passam a readequar a sua própria alimentação, evitando fazer parte de uma estatística sangrenta, retirando a carne do menu principal, como conta a repórter Maíra Vasconcelos em uma matéria sobre as organizações veganas, que apoiam a eliminação total da industrialização e consumo de animais “não humanos”. O japonês Hiromasa Sugamori já prefere fazer arte, esculpindo atraentes pratos de comida e revestindo o alimento de plástico para expor nas vitrines de restaurantes do mundo todo, atraindo algumas boquinhas salivantes em busca do real conteúdo. A comida também ajudou a temperar o divertido batepapo com o jornalista Xico Sá, que, entre um gole e outro de cerveja, foi nos contando sobre sua vida, e a gente te conta na seção Perfil. Não se esqueça: você é o que você come. Clichê ou não, vale a pena lembrar disso quando der a próxima garfada. Boa leitura! Lucas Fonda — Diretor Geral lucasfonda.mg@diariosassociados.com.br
BÚSSOLA
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SOMOS TODOS ANIMAIS
RECEITA INFALÍVEL Paulo Tiefenthaler mescla humor e criatividade no Larica total
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QUEM MEXEU NO MEU QUEIJO? Mercado do queijo minas é tema de documentário de Helvécio Ratton
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AQUI, NESTA MESA DE BAR
Pet shop no Rio oferece cardápio para clientes caninos
já é de casa DESTRINCHANDO
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BOM PRA CACHORRO
18 54 56
QUEM É RAGGA
Num papo com Xico Sá, tudo é assunto: do casamento ao cachorro-quente passando pela tapioca
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ESTILO , Thaís Brait
RAGGA GIRL , Juliana Pedrosa
ON THE ROAD , Londres
EU QUERO , Comer
70
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BRUNO SENNA
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Movimento vegano diz não à exploração dos animais
STOCK.XCHNG
CAIXA DE ENTRADA < Cartas >
< Expediente >
Ragga de Agosto
DIRETOR GERAL lucas fonda [lucasfonda.mg@diariosassociados.com.br] DIRETOR DE COMERCIALIZAÇÃO E MARKETING bruno dib [brunodib.mg@diariosassociados.com.br] DIRETOR FINANCEIRO josé a. toledo [antoniotoledo.mg@diariosassociados.com.br] ASSISTENTE FINANCEIRO nathalia wenchenck GERENTE DE COMERCIALIZAÇÃO E MARKETING rodrigo fonseca PROMOÇÃO E EVENTOS isabela daguer EDITORA sabrina abreu [sabrinaabreu.mg@diariosassociados.com.br] SUBEDITOR bruno mateus REPÓRTERES bernardo biagioni. flávia denise de magalhães JORNALISTA RESPONSÁVEL sabrina abreu – mg09852jp NÚCLEO WEB guilherme avila [guilhermeavila.mg@diariosassociados.com.br] damiany coelho DESIGNERS anne pattrice [annepattrice.mg@diariosassociados.com.br] bruno teodoro. marina teixeira. marcelo andrade FOTOGRAFIA ana slika. bruno senna carlos hauck. carol vargas. romerson araújo
Rafael Sandim @rafaelsandim // Via Twitter Indico a @revistaragga deste mês. Duas entrevistas ótimas, com Laerte e outra com Fernando Grostein Andrade. Aproveita que é free. Carla Cruz @cruzcarla // Via Twitter A @revistaragga de agosto está imperdível. Leitura obrigatória a entrevista com o cartunista Laerte. Wander Veroni @wanderveroni // Via Twitter Gostei de duas pautas da @revistaragga: a entrevista com o cartunista Laerte e a matéria falando sobre a vida do @sandermecca. Sensacional! Rômulo Santos @luckyb4stard // Via Twitter Na coluna ‘On the road’ deste mês: Amsterdã, a cidade sem lei: http://bit.ly/oLgngG. Viagem duplamente insana e texto foda!
ILUSTRADOR CONVIDADO estúdio EL [estudioel.art.br] ESTAGIÁRIOS DE REDAÇÃO diego suriadakis izabela linke ARTICULISTA lucas machado COLUNISTAS alex capella. cristiana guerra henrique portugal. kiko ferreira lucas buzzati. rafinha bastos COLABORADORES elisa mendes. fernando biagioni maíra vasconcelos. vinicius lacerda RAGGA GIRL MODELO juliana pedrosa FOTOS fernando biagioni PRODUÇÃO méria cristiane MAQUIAGEM dill diaz CAPA FOTO bruno senna MAQUIAGEM carol lagamba REVISÃO DE TEXTO vigilantes do texto IMPRESSÃO rona editora REVISTA DIGITAL [www.revistaragga.com.br] REDAÇÃO rua do ouro, 136/ 7º andar serra. cep 30220-000. belo horizonte. mg 55 (31) 3225 4400
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Making of: nossa capa-homenagem a Secos e Molhados. Top 10: músicas sobre comida. Para harmonizar: cerveja que é levedada ao som de música clássica. Pão, refrigerante e sorrisos. Confira como foi mais uma ação do Ragga Sangue Bom. Nem só de pão: Relato da Jornada Mundial de la Juventud, por Gabriel Azevedo, sub-secretário da juventude do Governo de Minas Gerais.
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R QU A T O N I VA ESTA ILUSTRAÇÃO PENSANDO EM VOCÊ.
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© 2011 Doctor’s Associates Inc. SUBWAY® é uma marca comercial registrada de Doctor’s Associates Inc. Imagem meramente ilustrativa.
ILUSTRAÇÃO: ELVIS MOURÃO.
R PARAR DE OLHA
ARTIGO
O efêmero também pode permanecer por Lucas Machado ilustração akasonífera
Jum Nakao, estilista e diretor de criação
Mesmo com tanta tecnologia, ainda conseguimos, graças a grandes gênios, ver a arte ser criada com as mãos e grandes ideias. Resolvi colocar nestas linhas a criatividade de um gênio da moda como foco. Há algum tempo, o homem vem usando a criação contra as ameaças à natureza. Prossegue elaborando sistemas culturais mais sofisticados e abstratos, com o objetivo de compensar suas frustrações. Agora chegou a vez de compreender que a acumulação insensata de dinheiro, poder e objetos permanece sendo incapaz de satisfazer suas necessidades. Resolvi buscar um case o qual mostra que, com dedicação, criatividade e coletividade pode-se quebrar paradigmas até mesmo dentro de um dos segmentos mais vaidosos e glamourosos do mercado: a moda. Não tem quase uma pessoa sequer que vive esse mundo em plena expansão, que não tenha ouvido falar nesse nome: o estilista brasileiro Jum Nakao. Formado em artes plásticas, o estilista brasileiro fez estágio na Council of Fashion Designers de Tóquio e no Studio on Limits Inc, de um dos maiores estilistas de todos os tempos, Issey Miyake, responsável por uma fase de grande inovação na moda, nos anos 1980, na chamada corrente japonismo. Nakao simplesmente assinou projetos para a Nike, foi diretor de criação de estilo da Zoomp e mudou o conceito de eletrodomésticos da Brastemp — essas geladeirinhas que vemos por aí com diversas marcas estampadas, vintage. Mas não foram apenas esses trabalhos que levaram o estilista ao seu ápice e, sim, seu desfile-performance em 2004, no São Paulo Fashion Week. Durante seis meses, Jum e sua equipe criaram looks de papel vegetal, uma das mais célebres visões criativas do mundo da moda, que ficou conhecida como “costura do invisível”. Segundo o estilista, a coleção transcendeu o olhar para além do objeto da moda. “Não havia um que estivesse assistindo ao desfile, mesmo os mais desinformados, que não ficasse boquiaberto, principalmente no
ponto alto da apresentação, quando as modelos com caras de bonecas Playmobil rasgaram suas roupas frente ao público”, comenta. Um dos maiores feitos de Nakao foi levar o mundo da moda a pensar que ela vai muito além das passarelas e da futilidade. O desfile foi considerado pelo Galliera (Museu da Moda de Paris) como um dos mais representativos trabalhos de moda do século 20. Depois de ser conhecido mundo afora, Jum foi convidado para apresentar seu trabalho na França, o berço da moda. Ele não parou de ousar e usar a sua criatividade — elaborou figurinos para a minissérie da Rede Globo Hoje é dia de Maria, de 2005, que misturava folclore, personagens de teatro e música popular brasileira. Em seguida, lançou o livro e DVD A costura do invisível, documentário que Nakao assinou retrata toda a sua criação que projetos para a encantou o mundo fashion e Nike, foi diretor mostra o desfile que parou o SPFW, em 2004. de criação de Hoje, Jum atua em vários estilo da Zoomp segmentos da arte e da cultura, produzir designs de pee mudou o adora ças de arquitetura e é professor conceito de de pós-graduação em direção eletrodomésticos e criação de moda, na Fundação Armando Álvares Penteado da Brastemp (FAAP). Em todas as entrevistas, ele sempre lembra que a educação deve vir em primeiro lugar e que quem supervaloriza o fator econômico esquece o mais importante da sociedade: a sua cultura. Em suas aulas e workshops, ensina que o profissional de moda não deve preparar-se apenas para produção de roupas, mas para entrar em outras discussões, como arte, história, sociedade e política, que são aspectos fundamentais para a evolução humana. É isso aí, precisamos buscar fatos efêmeros que permanecem, nos inspirar em líderes criativos e, mais do que isso, saber que já havia nas antigas grandes gênios que usavam e abusavam da criatividade na música, na literatura, inclusive na moda. Devemos aprender a viver novos ares, ver filmes que não temos costume, revistas e exposições. Viver entre o passado e futuro, com evidências em novas estratégias e linguagens, e o mais importante: de uma forma cada vez mais lúdica. Fui...
manifestações: articulista.mg@diariosassociados.com.br | Twitter: @lucasmachado1 | Comunidade do Orkut: Destrinchando ,18
J.C.
RENATO SOUZA
SAND OX
FS BOARDSLIDE / FOTOS: MARCELO MUG
FOTOS: arquivo pessoal
COLABORADORES Apaixonado pela profissão que escolheu, o jornalista Vinícius Lacerda trabalha como gestor de comunicação no Instituto Cidades Criativas. Seu grande interesse é escrever sobre iniciativas que resultem no bem-estar das pessoas. Ele narra suas descobertas em seu blog sobreboasideias.com
Fernando Biagioni sabe se comunicar sem ter que dizer nada. Suas imagens são apenas a prova de que o momento capturado uma vez existiu. As fotos não têm uma visão crítica sobre a sociedade, muito menos sobre a política. Longe disso. É uma viagem à nostalgia. Um diário de bordo, sem legendas, escrito em um trem, com bilhete de ida, seguindo para o lado errado. Tudo em filme, impresso em um laboratório na cozinha. Obviamente. fernandobiagioni.tumblr.com
Maíra Vasconcelos é jornalista. Em pele institucional de comunicadora, trabalha para o site internacional de agronegócio engormix.com; com ares poéticos, escreve sob o pseudônimo Barbará V. no blog San Telmo y Yo, do jornal argentino La Nación; o inconformismo social é retratado na coluna Versos de Falópio, no Mundo Ela. Além de jamais abandonar as intervenções nas áreas de pobreza. jornaliskra.blogspot.com
SCRAP por Alex Capella
SA
fale com ele: alexcapella.mg@diariosassociados.com.br *A coluna Scrap S/A foi fechada no dia 20 de agosto. Sugestões e informações para a edição de outubro, favor entre em contato pelo e-mail da coluna.
/ Street view / / Receita nova /
IMAGENS: DIVULGAÇÃO
/ Rip Curl /
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Fabricante de roupas de borracha desde 1969, a Rip Curl conta com três segmentos de wetsuits, com diferentes tecnologias e matérias primas: Ultimate, Core e Classic. Em qualquer uma das três linhas, o atleta encontra peças manga longa, manga curta e variações de cores, com destaque para o flúor. A marca oferece ainda garantia vitalícia nas costuras das peças da coleção wetsuit, porque possui assistência técnica própria, instalada em seu escritório. A empresa renovou a parceria para estampar sua marca na contracapa da Ragga até setembro de 2012.
Com a mudança de posicionamento da marca, a Academia Fórmula, instalada na Savassi, deixará de ser direcionada aos consumidores de alta renda para abrigar também os púbicos B e C. A holding Bodytech, controladora da unidade, pretende fazer o mesmo nas demais espalhadas pelo Brasil com cardápio de atividades mais reduzido. Com isso, o gasto médio mensal por aluno a partir do conceito econômico da Fórmula ficará em R$ 110.
/ Sem fronteiras /
Depois de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, a Google começou a captar cenas da Floresta Amazônica para o serviço de fotografia panorâmica do site. O projeto, inédito em área de floresta, é chamado de Street View na Amazônia e estará disponível na internet daqui a quatro meses. Tumbira, a primeira comunidade visitada, fica a 80 quilômetros em linha reta de Manaus ou a uma hora e meia de barco. Vinte e três famílias moram no local, que tem uma igreja, uma escola e um campo de futebol. As “ruas” são os lagos que desembocam no igarapé Tumbira, braço do Rio Negro.
A Nextel planeja triplicar sua base de assinantes até 2015, impulsionada pela entrada da empresa na terceira geração (3G) da telefonia móvel. A operadora tem atualmente 3,7 milhões de clientes, mas todos eles são usuários dos serviços de rádio-chamadas. A companhia pretende inaugurar sua rede 3G no segundo semestre do próximo ano. Os serviços de 3G vão estrear nos estados em que a operadora já atua (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás, Bahia, Brasília, Ceará, Pernambuco e Espírito Santo).
ILUSTRADOR CONVIDADO
Estúdio EL [eldesign.art.br]
Fazemos ilustrações, vídeos, jogos (ou games, para a geração pós-Y) e amor. Todos os dias acordamos e vestimos nossas roupas, colocando um braço de cada vez, para CHANFRAR todos os nossos trabalhos de maneira CABRIOCRÁRIA (in Guimarães Rosa). Nós somos Raquel, Gabriel e Pedro Leitin. Nós somos o Estúdio EL.
Quer rabiscar a Ragga? Mande seu portfólio para annepattrice.mg@diariosassociados.com.br
COLUNA
,reflexões reflexivas do twitter
RENATO STOCKLER
MAU EXEMPLO E LOJINHAS DE IOGURTE
< RAFINHA BASTOS >
ESTÚDIO EL
é jornalista, ator de comédia stand-up e apresentador do programa CQC (Custe o Que Custar)
Meu celular tem tudo: alarme, agenda, câmera etc. O dia que essas maquininhas fizerem ligações vai ser foda
O videogame influencia a conduta? Bobagem. Já viu alguém por aí pisando em tartarugas e buscando princesas?
Toda vez que apareço na TV, uma gaúcha aponta p/ a tela e diz: em 2001, esse cara me levou pro motel e broxou.
Agora tem lojinha de iogurte chique por todo canto. Desde quando comida de hospital é tendência?
As fotos nas redes sociais mostram como as mulheres são criativas na hora de esconder a barriga.
Só em novela é que os cafés da manhã têm sorrisos, animação e conversas produtivas. Hotel x motel: por causa de uma letrinha, vc tá fodida.
Desconfio que eu não seja um bom exemplo para as crianças.
Me rendi ao Iphone e ao Ipad. Vou ali chupar uma rola e já volto. Comida árabe em estômago judeu não podia dar certo. Tá rolando a Faixa de Gaza no meu estômago. Aliás, “Faixa de Gazes”. Perdão é uma palavra muito forte. Será que Deus aceita um “foi mals ae”?
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fale com ele: rafinhabastos.mg@diariosassociados.com.br
“Sexo não é tudo na relação”, disse o jovem cabeludo de pele macia ao entrar na cela com 46 detentos.
Deus é bom... Se fosse ótimo, mudava a hora da missa de domingo das 6h pras 14h.
Qual a minha posição sexual favorita? Não sei. Tem alguma que envolva lasanha? Frestas de sofá escondem gratas surpresas. Acabo de achar ali um sobrinho, hoje com 6 anos. Tá triste? Sem grana? Sem futuro? Vc podia estar pior. Podia estar na Dança dos Famosos.
Facebook.com/OakleyBrasil
MELHORE
SEU DESEM DESEMPENHO Oakley Blade. A melhor bermuda para surfar. Projetada com tecnologia de dupla camada. A camada interna apresenta uma bermuda de compressão de alta performance que reduz a fadiga muscular e oferece verdadeiro conforto durante as longas sessões de surf. Isso se traduz em uma recuperação mais rápida dos músculos doloridos e nenhum risco de assaduras. Ao mesmo tempo, a camada externa lhe dá flexibilidade inigualável, repelência da água e um peso quase inexistente. Oakley Blade faz exatamente o que você faz na água. REAJA MAIS RÁPIDO. RECUPERE-SE MELHOR. PRO SURFER: JADSON ANDRE.
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COLUNA
,provador
ELISA MENDES
Programa de índio
Andar em bandos faz parte de um tempo de crescimento e construção de identidade, mas não me parece uma escolha madura depois de uma determinada idade
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ESTÚDIO EL
< CRIS GUERRA >
40 anos, é redatora publicitária, ex-consumidora compulsiva, ex-viúva, mãe (parafrancisco. blogspot.com) e modelo do seu próprio blogue de moda (hojevouassim.com.br)
Nunca fui muito fã de turmas. Tive as minhas ao longo dos anos, mas sempre ficava incomodada ao me perceber frequentando o mesmo grupo por muito tempo. Andar em bandos faz parte de um tempo de crescimento e construção de identidade, mas não me parece uma escolha madura depois de uma determinada idade. Cultivei, sim, amizades tête a tête que já duram décadas. Verdadeiras e cada vez mais raras. Pessoas que frequento mais por seus universos particulares do que por suas ações em bando. Moram em meu coração ricos e pobres, da zona norte e da zona sul, de esquerda e de direita, engajados e fúteis, roqueiros e sertanejos, socialites e intelectuais de esquerda, esportistas e nerds, patricinhas e naturalistas. Crentes, católicos, judeus, umbandistas e ateus. Mal humorados crônicos e bobos de plantão. Alguns se parecem mais comigo, outros me complementam. Não sou nem um, nem outro. Sou todos eles, juntos ou alternados. E assim fui enriquecendo minha existên-
fale com ela: crisguerra.mg@diariosassociados.com.br
cia, feita de cenas minhas e dos que passam por mim. Se em meus últimos instantes de vida eu vir passar um filme em minha cabeça, talvez os instantes tenham que se prolongar: são muitos os personagens que merecem destaque. Olhando pela janela, observo os mais reservados — vejo neles a elegância que não tenho. Fecham-se na segurança do seu mundo, falando menos e ouvindo mais. Constroem opiniões sólidas sobre fatos e pessoas com as quais nunca conviveram — e sobre essas bases edificam suas vidas. Só frequentam aqueles com quem comungam formas de pensar, lugares frequentados, prazeres cultivados, partidos políticos, roteiros de viagens, músicas, livros e filmes. Mantêm suas cabeças erguidas e, assim como elas, suas impressões sobre o que vem de fora. Enrijecem suas opiniões a cada dia, só para evitar o risco do novo. E assim evitam as maiores e mais maravilhosas surpresas. Programa de índio é se isolar em sua tribo, delimitando seu espaço para acabar sufocado na mesmice. Há sempre algo de bom a trazer do outro, mesmo depois de poucos minutos de contato. A vida nos oferece a cada pessoa um mundo novo — abrir a porta ou não é escolha de cada um.
ESPORTE ,skate
Jay Ă mesa por Diego Suriadakis fotos Fernando Biagioni
O skatista Jarbas Alves aceitou nosso convite para um piquenique
Snack na Praça da Liberdade. Croocked grind, na página ao lado
Jarbas “Jay” Alves é um glutão. Quando convidado para um piquenique, foi logo sugerindo o conteúdo da cesta: “Uma coisa mineira, assim, um pão de queijo, um tropeiro...”. Tropeiro, Jay? Com o cara, não tem mesa ruim. Falando em mesa, a picnic table gringa, obstáculo sempre presente nos vídeos de skate americanos, já tirou o sono de muito garoto brasileiro. E, falando em sono, no dia marcado para o tal piquenique, Jay almoçou demais, dormiu. Lá pelas cinco e tanta da tarde, quando o sol já deslizava pelas bordas dos edifícios, ele apareceu na Praça da Liberdade. Aqueceu o corpo rapidinho e partiu para cima da mesa. Literalmente, claro. A segurança na execução das manobras é constante no rolé do cara. Nenhuma maçã ou tangerina, nenhum quitute fora ameaçado. Não pelo skate! Jarbas é mineiro, sim. Subiu no carrinho aos 13 anos e vai envelhecer com as rodinhas sob seus pés. Aos 15, a avó, muito cuidadosa, não o deixava sair para andar. Ele resolveu passar uma temporada em São Paulo com a mãe, na Freguesia do Ó. Virou mesmo foi freguês das ruas do bairro, das sessões de skate madrugada adentro e assim começou a pensar no esporte de outra maneira. A cultura de rua do skate ia empanturrando o moleque. Teve que voltar para BH, tinha que ganhar a vida, se virar.
Pensou em deixar o carrinho. A vida então lhe ofereceu um doce: sua nova casa ficava ao lado da extinta 501 Skatepark. Jarbas entendeu o recado. Ali ia evoluindo seu rolé, fazendo amigos e tomando refrigerantes nas pausas das sessions. Entre um gole e outro conheceu Maurício FLG, então dono de uma marca de shapes. Foi seu primeiro apoio no esporte. Mudou de pista. Contratado para dar aulas de skate para a criançada na também extinta pista Radical Green, ele mais andava que trabalhava. “Você quer andar ou trabalhar, Jay?”, lhe descascou o patrão. Óbvio. Aprendia várias manobras por dia, ganhava corpo, chamava a atenção de atletas e empresários do skate, quebrava tudo nos campeonatos amadores. E assim foi. Agora, na carteira de trabalho tem assinado: “skatista profissional”. Atleta da Converse, criou uma consciência gorda sobre seu ganha-pão e se preocupa com os rumos do esporte. “Numa época na qual um ídolo, vencedor de campeonatos, divide a atenção da mídia com o skatista de rua, a nova geração tem que se conscientizar de que, antes de tudo, o skate é diversão.” Sentado à mesa, com uma broa na mão, Jay não está satisfeito: “O skate é um estilo de vida que te pede para ir além. Uma escada maior, um cano mais alto, uma manobra ainda mais técnica”. Certo dia vendeu o carro, que desligou do nada, quando estava a caminho de uma pista. Comprou passagem, voou. Europa. Estrogonofe em Barcelona, chili em Copenhague, macarronada em Praga. Comeu no rolé! Se jogou tanto nos picos europeus que um osso de seu tornozelo se soltou. Mas isso ele já digeriu, tá inteiro de novo. “Tô no apetite total.”
“O SKATE É UM ESTILO DE VIDA QUE PEDE PARA IR ALÉM. UMA ESCADA MAIOR, UM CANO MAIS ALTO, UMA MANOBRA AINDA MAIS TÉCNICA”
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COMIDA
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NÓS E ELES Movimento vegano lembra que a vaca, o porco e o frango são “os outros animais”, ao lado de nós mesmos. Para seus seguidores, bicho não é comida
por Maíra Vasconcelos ilustração Estúdio EL
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Tomados pela reflexão e pensar comprometidos com o seu entorno, foram assaltados pelo desejo, esses motores da vida, rumo a tentar transformar e interagir de modo diferente com a realidade social. Veganos consideram injusta as relações entre “humanos e não humanos”. E têm uma filosofia de vida guiada pelo objetivo de “não explorar e não violentar” os animais. Assim, guardadas as consideráveis diferenças entre os tipos de ativismo, organizações e movimentos veganos lutam por igualdade e direito dos animais – com início nos Estados Unidos, Canadá e Europa, mas em número crescente também na América Latina. No Chile, no Brasil e na Argentina são realizados encontros e feiras para atualização, debate e divulgação de ideias em prol do direito animal. ,Por aqui
FOTOS: JOSEP LAGO/AFP PHOTO
Organizações veganas de enfoque abolicionista vivem, discutem e pensam a sociedade a partir de lógicas contrárias ao atual sistema econômico: apoiam a eliminação total da industrialização e consumo de animais “não humanos”, e qualquer tipo de regulação dentro da atividade de exploração agropecuária (sempre que falam animais, fazem questão de frisar que estão se referindo aos “não humanos”, para não deixar esquecer que os humanos são também animais). O Homus Vegetus, liderado pelo cientista político, escritor vegano e ativista chileno Alejandro Ayala Polanco, promove, desde 2006, o “La fonda vegana del huaso vegetariano”. O encontro foi idealizado em contraposição às festividades de
Fotos da exposição “carne humana”, contra o consumo de carne animal, em Barcelona
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independência do país, realizadas em setembro e denominadas “la fonda”, devido à exposição de animais para rodeios e circos, além do consumo massivo de produtos de origem animal. “Promovemos a consciência, o respeito e a cooperação. Não podemos esperar que as mudanças venham de instituições que têm interesses econômicos e desejam perpetuar a exploração animal”, disse Polanco. Ele ressaltou também que a festa vegana tem sido noticiada pelos principais meios de comunicação chilenos, o que ajuda a difundir o movimento, pois o veganismo no país ainda é desconhecido pelo grande público. “As pessoas distantes ao nosso movimento estão conhecendo o veganismo e isso gera explicações constantes”, contou o escritor e ativista, vegano há 11 anos. Em Buenos Aires, há um ano e meio, um grupo de veganos promove a feira “La contra flecha”, com apoio do movimento também argentino “Zoomorfosis”. De caráter abolicionista, reprovam intervenções científicas como a inseminação artificial e todas as demais práticas da indústria da produção animal. “Promovemos oficinas de comida ou limpeza pessoal para produzir sabão e perfume
REPRODUÇÃO
ecológicos; também contamos com a apresentação de um médico naturopata”, contou Marisa Cupaciolo, de 39 anos, vegana há três, que confecciona a própria roupa, sempre com desenhos de animais. ,Abolicionistas do “bem-estar
animal”
Segundo a fundadora da primeira organização de direitos animais da América Latina (Ánima), com enfoque abolicionista, consolidada em 2000, a advogada, especializada em filosofia do direito e ética para os direitos animais, Ana Maria Aboglio, “os outros animais” continuam sendo tratados e vistos como seres inferiores, independentemente do cuidado, hoje, prestado pela indústria. Os abolicionistas são contra qualquer intervenção que sujeite os animais às condições de consumo e exploração — e contra a normatização de práticas de produção e manejo animal, regras científico-acadêmicas inseridas na denominada área do bem-estar animal, usadas por empresas ou instituições de pesquisa científica do setor agropecuário, público ou privado. Para eles, esse “bem-estar animal” é uma falácia. “Não é o que sugere, o termo deveria chamar-se ”administração de animais para determinado fim” em vez de “bem-estar animal”.
Ser vegano não é o máximo que podemos fazer pelos outros animais. É o mínimo”, frisou Ana Maria, autora do livro Veganismo: Prática de justiça e igualdade, de 2009. ,Animais de laboratório
Segundo a investigadora do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA), da Argentina, Alejandra Romera, na Espanha e nos Estados Unidos as indústrias são obrigadas por lei a formar o comitê de ética, constituído por um médico veterinário, um investigador, um advogado e um especialista em ética. Atualmente, na América Latina, novas propostas, normatizações e inspeções que envolvem o uso de animais para teste de produtos em laboratórios são realizadas por meio de comitês de ética. Instituições científicas do setor agropecuário buscam consolidar como obrigatórios esses meios de regulação. “A indústria tem que justificar o porquê da utilização dos animais, o número de animais envolvidos com o experimento e volumes de sangue devem ser controlados. O máximo permitido para que o animal não corra perigo”, explicou Romera. Nos Estados Unidos, a Farm Sanctuary há 25 anos atua junto à aprovação de leis para regular e controlar o manejo e produção de animais no campo. A organização também aposta em programas de educação, intervém diretamente e resgata animais em situação desumana — milhares, em diferentes cidades dos estados de Nova York e da Flórida —, além de desenvolver programas de educação. “Vamos continuar resgatando os animais, mas também reduzir o número de animais sistematicamente abusados pela indústria de alimentos”, afirmou o presidente da Farm Sanctuary, Gene Baur. ,33
FOTOS: DIVULGAÇÃO
Folheto do movimento chileno lembra: “Todos queremos ser livres e não sofrer”. Ao lado, o presidente da Farm Sanctuary Gene Baur
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,No Brasil
,Mitos
Refletir sobre os caminhos percorridos entre o alimento no campo até chegar ao prato para ser consumido é um gesto político pensado no sentido grego da palavra, é viver bem em comunidade, combater as relações de domínio sobre o outro. Assim definiu o psicólogo de Brasília, com ênfase em psicanálise, Fernando de Barros, de 32 anos, vegetariano há 13. “Ser vegetariano não passa pela boca, é ver o mundo desde outra perspectiva. Quero viver em uma polis o menos violenta possível. Os frangos não mais conhecem o sol, são máquinas, já não são animais”, afirmou Barros. Para ele, comer é satisfazer prazeres aliados ao desfrute de um encontro social, enquanto alimentar está relacionado aos processos fisiológicos dos nutrientes. “Um caminho produz comida e não nutrientes. O bom é o tempero colocado na carne, quem come carne sem sal e crua?”, indagou pensativo. Para o jornalista de Bombinha (SC), Gustavo Wenceslau, de 24, vegetariano há 10 e que há oito mantém o site VidaVegetariana.com, o ativismo é uma consequência do vegetarianismo, é uma luta coletiva em prol de uma ideologia. “Queremos mostrar ao mundo que é possível ser vegetariano e ser saudável, contar o que há por trás da indústria da carne e o tratamento dado aos animais”, reivindicou Wenceslau. Para ele, “a luta” pelo vegetarianismo e cuidado ao animal deve ter como finalidade posicionar o Brasil nos mesmos patamares alcançados nos Estados Unidos, Canadá e países da Europa.
“Não existe um único argumento sequer que justifique o consumo de alimentos de origem animal, por atletas ou não. São mitos, nada mais que mitos, mas que continuam fazendo um estrago enorme”. As palavras são do catarinense triatleta, ultramaratonista e promotor da filosofia vegana Daniel Meyer, último campeão do Multisport Brasil/90km (corrida em trilha, canoagem, mountain bike), que se refere ao fato de muitas pessoas acharem que quem pratica esporte de alta performance necessita consumir proteína animal. O veganismo, as ultramaratonas e o triathlon apareceram em simultâneo na vida do atleta, há cerca de sete anos, tempo em que conquistou, entre outros, nove títulos nas primeiras três posições. “As pessoas não estão comendo carne ou bebendo leite por necessidade, estão satisfazendo seus paladares”, argumentou Meyer.
REFLETIR SOBRE OS CAMINHOS PERCORRIDOS ENTRE O ALIMENTO NO CAMPO ATÉ CHEGAR AO PRATO PARA SER CONSUMIDO É UM GESTO POLÍTICO
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JOHN BUTLER TRIO
fotos Carlos Hauck
Com o apoio da Ragga, mais de duas mil pessoas viram de perto o Winter Sports & Music Festival, dia 27 de agosto, na Lagoa dos Ingleses. Atletas de várias modalidades, fotógrafos consagrados em esportes radicais e artistas se confraternizaram, unindo esporte e arte. Desde a tarde os participantes mostraram adrenalina, disposição e técnica na arte e no esporte. Os resultados nas quatro modalidades disputadas foram: no wake surf venceu Jorge Barbi, e no skate, Jerfferson Bill. André Wanderley levou no wakeskate e Vinicius Lima, o “Vinicin”, ficou em primeiro lugar no wake. Em seguida, para incendiar a festa, os australianos do John Butler Trio fizeram uma nova e radical prova de resistência. em um espetáculo de duas horas e meia de êxtase e delírio. ,36
LUCAS NISHIMOTO
CULTURA
OFERECIMEN TO
REALIZAÇÃO
PROM OÇÃO
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APOI O CULTURA L
PATROC ÍNIO
Sanduba Sangue Bom por Guilherme Ávila fotos Bruno Senna
Em mais uma noite fria de agosto, com o apoio da sanduicheria Pão.com, integrantes da redação da Ragga e uma equipe de voluntários habituados a entregar refeições para pessoas que estão em situação de rua em Belo Horizonte distribuíram pães e refrigerantes aos moradores das imediações da Praça da Estação. Além da doação de alimentos, essa iniciativa do projeto Ragga Sangue Bom buscou entrar em contato com as diferentes realidades dessas pessoas que muitas vezes são invisíveis para a sociedade. De prancheta em punho, o líder dos voluntários, Pastor Maurício do Amor Divino Costa, explica que uma das intenções do seu grupo em participar de ações desse tipo é justamente a possibilidade de encaminhar e acolher essa parcela da população em instituições como albergues e casas de recuperação. ,38
< Olha isto > Para mais informações sobre o projeto Ragga Sangue Bom, acesse o blog da redação: dzai.com.br/revistaragga/ blog/daredacao < E também > amopao.com madrugadadocarinho.com.br
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COMIDA
De MENTIRINHA por Sabrina Abreu
O japonês Hiromasa Sugamori é mestre na arte de esculpir réplicas perfeitas de pratos. Quem olhar suas criações fica com água na boca. Mas se morder, quebra o dente ,40
Nos restaurantes do Japão, mais que para uma linha do cardápio, o cliente aponta para a réplica do prato e escolhe o que quer comer. Do sushi à sopa, está tudo na vitrine, com traços fiéis ao que será servido. “As reproduções estão em todo lugar por lá e, hoje, já começam a aparecer no Brasil, no bairro paulistano da Liberdade”, comenta o advogado William Ken Aoki, filho de japoneses que já morou por dois anos no país. “As esculturas são iguaizinhas aos pratos, sem tentar melhorar o aspecto como fazem as fotos publicitárias. Mostram as proporções e cores do que vamos comer. Eles não têm problema com o Código de Defesa do Consumidor por causa disso”, completa, rindo. O ofício de esculpir alimentos exige prática e, muitas vezes, é passado de geração em geração. Poucos são os professores. Hiromasa Sugamori, de 53 anos, é um deles e viaja pelo mundo ministrando palestras e workshops sobre o tema — esteve em São Paulo, Recife, Manaus e Belém em agosto. Quem repara o café, o pudim de leite e o sanduíche que parecem de verdade nem imagina que ele trabalhava feliz numa fábrica de motores automotivos, quando, em 1992, mudou de ramo só porque tinha que se dedicar aos negócios da família — a reprodução de alimentos — quando seu pai adoeceu. Mas o que era obrigação familiar virou prazer. E Sugamori, referência no assunto. Por e-mail, ele respondeu algumas perguntas sobre suas criações.
INSTITUTO JAPÃO/DIVULGAÇÃO
Qual foi o maior desafio da sua vida de escultor? Acredito que a palestra com demonstração no Brasil tenha sido o maior desafio da minha vida. As réplicas de alimentos ainda têm uma história recente mesmo no Japão, e a preocupação em realizar esse tipo de evento num país onde o nível de conhecimento sobre o assunto, o idioma e a cultura são diferentes, era muito grande. Porém, o público brasileiro demonstrou um interesse acima do esperado. Outro desafio foi a produção de réplicas médicas (ferimentos, queimaduras, amputações de mãos e pés), o que foi bastante estressante. Encarei o pedido como um desafio para realizar um trabalho sem relação com a área de alimentos, que fosse útil para a área médica.
FOTOS: INSTITUTO JAPÃO/DIVULGAÇÃO
Qual seu prato preferido? Sushi. O que acha das esculturas que faz dele? Costumo fazer muitas réplicas de sushis, mas, pessoalmente, sempre encontro defeitos no produto final. Eu daria nota 8 para as melhores réplicas. Além do plástico, pode-se dizer que paciência é um ingrediente fundamental para fazer réplicas perfeitas de comida? O plastissol é um material com muitas possibilidades a serem exploradas. Portanto, costumo realizar diversos testes quanto às formas de utilização. Quanto à paciência, tenho uma preocupação constante em manter a qualidade sem tornar o processo ainda mais complexo. Fazer réplicas de comida dá fome? Antigamente, de vez em quando, sentia fome. Hoje, quando estou produzindo réplicas de alimentos ardidos, costumo sentir ardência na boca e chego até a transpirar. Às vezes, sinto o cheiro do alimento.
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SUA NOITE, SEU TEMPO
RAGGA NIGHT RUN: NOITE É PARA CORRER fotos Bruno Senna e Marina Teixeira
Terceira edição da prova teve circuito inédito no Belvedere. Em 2012 tem mais
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O que fazer com o tempo é uma escolha cada dia mais valiosa. E várias pessoas souberam aproveitar bem o próprio tempo no último 6 de agosto. Foi essa a data da terceira edição da Ragga Night Run, uma corrida de rua noturna que busca aliar saúde, convivência, bem-estar e diversão. E que, apesar de ser a que tem pegada mais jovem nas provas de rua, faz sucesso entre gente de todas as faixas etárias. A etapa do bairro Belvedere, em Belo Horizonte, não foi diferente das anteriores — na Praça da Liberdade e no condomínio Alphaville. Os 2,5 mil participantes que prestigiaram o evento puderam vivenciar uma experiência agradável em duas opções de circuito — 5 e 10km —, divididos entre as categorias feminino e masculino. Para jovens de todas as idades. A Ragga Night Run no Belvedere foi uma realização da Ragga Agência de Comunicação Integrada, do jornal Estado de Minas e dos Diários Associados. O evento contou com o patrocínio da Subway, apoio do Boulevard Shopping, Água INGÁ, Gatorade, Café 3 Corações, Copa Air Lines, L’acqua di Fiori, Cia Atlhetica, Moove e a organização da Quanta Sports. A próxima corrida já está marcada para fevereiro de 2012, mas o local ainda é segredo.
COMIDA
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Sem frescura
por Bruno Mateus fotos Elisa Mendes
Paulo Tiefenthaler, ator e apresentador do Larica total, despreza o glamour da gastronomia usando criatividade e humor como ingredientes principais Sushi de feijoada, yakisoba que vira yakisobra, mistoquente gratinado, frango total flex, moqueca de ovo e bolinho de Miojo. Adicione uma boa pitada de humor, outra de criatividade e um punhado de improvisação. Pode parecer coisa de cozinheiro excêntrico ou receita para sacanear o seu primo babaca. Mas passa longe disso. E dá certo. Quem garante é Paulo Tiefenthaler, apresentador do Larica total, que se prepara para entrar na terceira temporada, no ano que vem, pelo Canal Brasil. “É importante dizer que todas as receitas do Larica funcionam e são receitas sérias. É bom falar isso. Pega a receita e vê se dá certo. Tem pessoas que acham que o programa é uma sátira, mas não é”, explica. Paulo, que no programa assume a persona de Paulo Oliveira, faz questão de lembrar os companheiros de guerrilha gastronômica: os diretores e editores Caíto Mainier e Felipe Abrahão, que se juntam ao próprio Paulo e a Leandro Ramos como roteiristas. E o programa conta ainda com a consultoria do chef Mário Richard. “É como se o Larica fosse uma banda, e os outros não aparecessem”, conta. ,Culinária gonzo
Para entender o Larica total é preciso voltar em 2006, quando um casal amigo de Paulo, Terêncio Porto e Adriana Nolasco, teve a ideia. Terêncio quis brincar de apresentar um programa de culinária para a mulher e fazer um curtametragem, mas o projeto não foi adiante. Um ano e meio depois, começaram a desenvolver um piloto para a TV. “Um amigo perguntou se eu toparia fazer e eu disse: ‘agora, já!’. O primeiro episódio é o piloto. O segundo foi gravado muito depois”, diz. O Larica estreou em outubro de 2008, no Canal Brasil. A primeira temporada inteira foi feita com uma faca de cortar pão. Na segunda, “comprei um facão bom de carne, na promoção”. Segundo Paulo, o grande lance do programa está em aproximar a culinária de todos: “Não estou ali para ensinar a fazer comida, estou dividindo o erro. O Larica total coloca na horizontal, de igual para igual, o problema que é cozinhar em casa. A cozinha que a gente vê nos programas de televisão é muito falsa. Isso não atinge, não comunica, só se impõe. Cozinha tem essa coisa, é você lidar com cadáver o tempo inteiro. É peixe, frango. Limpar um frango é um negócio sério”. O público também envia sugestão de receitas, como o estrogonofe de salsicha, ideia de uma jovem advogada de São Paulo.
O carioca criado em Copacabana, nascido na Suíça, mas que com 10 dias veio para o Brasil “numa cestinha no avião”, também é ator, cineasta, roteirista e diretor de teatro, além de apresentador do Rock gol, da MTV. “Estou tocando três projetos, sempre correndo atrás. É a rotina da não linearidade, da coisa não estável. Tem esse lado meu que as pessoas não sabem.” ,Livro, larica e sacanagem
Entre o Cataflam e as dores na lombar, Paulo solta em primeira mão: “Vai ser lançado na Bienal do Livro de Porto Alegre, em novembro, O livro de receitas do mundo maravilhoso do Larica total. As receitas são todas da audiência. Pode anotar isso aí”. E para matar aquela fome característica que acomete quem dá umas baforadas por aí? O apresentador deixa três segundos hitchcockiano no ar, mas se rende: “Chocolate é imbatível. Trufas molinhas, brownies, brigadeiro. É difícil achar um brigadeiro bom, a maioria é ruim. Faz uma campanha aí: ‘O pessoal do Larica quer descobrir qual é o melhor brigadeiro do Brasil. Podem mandar no Twitter’”. Há quem experimente uma relação mais íntima e profunda com comida. Relação que extrapola a cozinha. Chega ao quarto, à cama. “Calma, cara, calma [risos]. Já usei sorvete, chocolate. Tem uma sorveteria famosa aqui no Rio que tem um chocolate que já usei”, admite. Para o tal do “pegar pelo estômago” que tanto dizem por aí, Paulo dá uma noção própria para isso: “Pelo estômago já peguei algumas almas. Peguei pelo lado externo do estômago, com massagens dedilhadas de três dedos, em cima do umbigo. É meu lugar preferido, devagarzinho”, ri, mostrando o lado ator sacana que mora em Paulo Tiefenthaler.
O PÚBLICO TAMBÉM ENVIA SUGESTÃO DE RECEITAS, COMO O ESTROGONOFE DE SALSICHA, IDEIA DE UMA JOVEM ADVOGADA DE SÃO PAULO
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COMIDA
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Tempos atrás, no balcão de uma lanchonete do Leblon, no Rio de Janeiro, a atriz Vera Fischer surgiu subitamente. Era o início de uma madrugada quente de verão. O símbolo da pornochanchada nacional pediu um “peru mineiro”. Assim, sem pudor. Não havia mais ninguém no estabelecimento, além de mim, da loura e do rapaz da chapa, com cara de paraibano. Olhei para um lado e para o outro e, meio encabulado, fantasiei. Veio-me à cabeça aquelas cenas tórridas protagonizadas pela atriz no cinema. Poderia nascer ali mais uma das loucuras cometidas pela musa que, cansada de contracenar com os canastrões cariocas, desejaria experimentar algo genuíno das montanhas de Minas. Viajei. Alguns segundos depois, o sujeito com pinta de paraibano disparou: “E o que a senhora vai beber para acompanhar o sanduíche?”.
Polêmico mercado de queijo é tema de documentário de Helvécio Ratton por Alex Capella foto Marina Teixeira
A decepção foi imediata. Foi difícil constatar que a atriz saiu de casa de madrugada apenas para comer um combinado de peito de peru acompanhado de queijo feito em Minas, maliciosamente rebatizado pela freguesia. Enquanto me refazia do choque, o rapaz da lanchonete ainda esnobou: “O queijo está fresquinho. Chegou hoje da Serra da Canastra”. Para os mineiros, ter o queijo Canastra fresco direto da fazenda na mesa é uma situação comum. Agora, mesmo sem saber, a atriz catarinense chegada à iguaria de Minas estava cometendo mais um delito na sua vida conturbada. É que a legislação sanitária impede que a produção de queijo cru original em Minas Gerais deixe o estado. Por isso, conforme estimativas dos produtores, 95% do queijo vendido em outros estados saem das terras mineiras de maneira ilegal. Essa contradição é o tema do documentário O mineiro e o queijo, ou é melhor nem falar nisso, do cineasta Helvécio Ratton, produção que, além de poesia, traz de volta aos cinemas uma temática de cunho político. O filme, com estreia prevista para 30 de setembro, aborda as controvérsias que existem na cadeia do queijo, especialmente aquele conhecido como “queijo minas”, proibido de ser vendido fora do estado. A legislação, criada na década de 1950, determina que o “queijo minas” original, por ser feito com leite cru, precisa ser curado por 60 dias, ao contrário do queijo industrial, feito com leite pasteurizado. O tempo de cura modifica as características do queijo, fazendo com que os produtores busquem saídas para comercializar a produção. Isso acabou gerando uma indústria de contrabando do inocente “queijo minas” para estados como São Paulo e Rio de Janeiro, grandes consumidores do produto. “O que acaba sendo levado para fora são os produtos de segunda e terceira linhas, que não têm a mesma qualidade em função de uma concepção sanitarista anacrônica”, denuncia Ratton, que foi buscar no Serro, no Alto Paranaíba e, principalmente na Serra da Canastra, regiões que conservam a arte do verdadeiro “queijo minas”, uma coleção de histórias para o documentário. Nessas regiões, o cineasta encontrou pessoas simples, que fazem do queijo o sustento de uma vida inteira. Gente como o produtor João Carlos Leite, de São Roque de Minas, na Região da Serra da Canastra, que tem a matéria-prima no nome, mas não consegue entender a legislação feita pelos homens de gravata. Também, isso não é para qualquer um. Afinal, o Ministério da Agricultura diz que o queijo deve ser maturado por 60 dias, mas uma lei esta-
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RUSTY MARCELLINI GILBERTO OTERO
Troca de produtos: a produtora Simone Magalhães e o diretor Helvécio Ratton, ao lado de produtores artesanais de São Roque de Minas
A LEGISLAÇÃO, CRIADA NA DÉCADA DE 1950, DETERMINA QUE O “QUEIJO MINAS” ORIGINAL, POR SER FEITO COM LEITE CRU, PRECISA SER CURADO POR 60 DIAS, AO CONTRÁRIO DO QUEIJO INDUSTRIAL, FEITO COM LEITE PASTEURIZADO
ricardo lima
GILBERTO OTERO
O produtor Luciano Machado apresenta o queijo canastra real em Medeiros, região da Canastra
dual de Minas estabelece que o produto deve ficar por apenas 21 dias na maturação. Para a Vigilância Sanitária, o tempo se faz necessário para que as bactérias “boas” vençam as “ruins”. Os pesquisadores ouvidos pelo cineasta dizem que há um contrassenso sem qualquer base científica nesse tipo de imposição. “Fizeram uma legislação nos gabinetes de Brasília sem ouvir o produtor”, critica João Carlos, há 46 anos fabricando os “canastrões” que agora estrelam o documentário. Mas, para se fazer essa constatação, não é preciso se cercar de livros ou de microscópios. Basta percorrer as cidades mineiras para ,50
se perceber que o “queijo minas” faz parte da base da alimentação dos mineiros. Com a experiência de quem tem 40 anos na lida da fabricação do queijo, o produtor Luciano Machado, do município de Medeiros, também na Serra da Canastra, resume bem o imbróglio. “Comer queijo não pode fazer mal e nem pode ser crime. Se fizesse mal, teríamos uma epidemia em Minas. E se fosse crime, teríamos um monte de gente presa. Afinal, se a gente levar em conta o tanto de gente que vende e come queijo”, lembra o produtor de sotaque bem mineiro, livrando a barra da atriz Vera Fischer de mais um entrevero na vida.
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fotos Carlos Hauck
Em agosto do ano passado, a Casa da Insanidade Mental, que funciona há 15 anos em Tiradentes, abriu suas portas em Belo Horizonte com a festa Insanidade Mental, que rola bimestralmente. A última edição, no Niágara, teve como atrações a banda Del Rey — reunião dos integrantes do Mombojó e VJ China, da MTV —, que cantou os sucessos de Roberto Carlos, o grupo de folia de reis da Vila Acaba Mundo e o Bloco Avacalha, além dos DJ’s Insano e Pemba. Em outubro, a Insanidade Mental invade o Parque das Mangabeiras.
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ESTILO
thaís brait por Lucas Machado fotos Carlos Hauck
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Thaís Brait é carioca, tem 26 anos, nascida e criada no Leblon, na cidade do Rio de Janeiro. Formou-se em moda pela Senai/CETIQT e fez MBA em gestão de moda na UniverCidade, também na capital fluminense. Como estilista, iniciou sua carreira como assistente de várias marcas de moda praia, quando aprendeu todo o processo de criação de coleções de ponta a ponta. Em seguida, construiu, juntamente com uma sócia, a própria marca feminina de vestidos, a Duchesas. Thaís também atuou durante um bom tempo como personal stylist. “Essa profissão tem muito espaço no Rio, mas requer muito tato e sensibilidade, tem que estar muito aberta a ouvir seu cliente e saber como colocar suas ideias. Na verdade, você se transforma quase em uma psicóloga, mas o lado bom é que você constrói seu tempo”, afirma. Depois da experiência como personal, ela foi chamada para a grife masculina Aviator e começou a desenhar e assinar coleções. Trabalhou na marca durante cinco anos, até se casar com o mineiro Leonardo Augusto Dib e Silva, quando veio morar em Belo Horizonte. “Adoro as pessoas em BH, fazer academia. Gosto muito das coisas simples e adoro viajar”, diz. Para conhecer melhor o trabalho da estilista, vai a dica: thaisbraitt.blogspot.com.
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Fogo em Londres por Bernardo Biagioni
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BEN STANSALL/afp
Sempre pareceu que ia terminar em fogo. De um jeito ou de outro. Basta fechar os olhos para perceber que as chamas virão entre uma brisa e outra, como um grito no meio da escuridão, e não é nada que se possa evitar, entender ou escapar. Vai acontecer e pronto. Uma hora ou outra. Cedo ou tarde. Sem que haja tempo de se esconder e pegar as coisas e correr para o próximo trem que parte da estação. É Londres. E Londres não está sempre cinza à toa. São cinzas. Sobras e restos das almas que saíram de casa ontem para respirar um pouco. Saíram para ver se confortam e acalantam um pouco da paixão e medo que rodopia suas almas em barulho e silêncio, em delírio e desassossego. Um carretel de sentimentos soltos, tensos e intensos, trôpegos e tropeçados, duas milhões de dúvidas que giram e correm e andam e morrem na velocidade que bate as duas miligramas de Methadrone no seu estômago vazio e castigado. Tudo então são fragmentos. Tudo então é fogo. ,O Sentimento
Ontem teve fogo e frio nas ruas de Londres. As cicatrizes ficam para ninguém poder esquecer
Amor e medo. Pânico e delírio. A casa começou a cair diretamente do Reino Unido
Mas não parecia que seria hoje, aqui e agora, sem avisar e sem nenhuma previsão. Dez horas da noite e a polícia inteira está começando a fazer fila entre a Oxford Street com a Regent. Ninguém na rua, a não ser eu e um fotógrafo sem câmera, obviamente perdidos, obviamente extasiados por um sentimento particular que circula em camadas oblíquas pelos prédios pardos da Rainha. Tem cheiro de sangue e tem cheiro de guerra. E os policiais não avisam, não entregam. Mas vocês deveriam estar em casa, estrangeiros. Mas como podemos saber? Parece um dia comum, um dia de amor e uma noite de medo, e as duas milhões de dúvidas estão apenas começando a circular de verdade entre as nossas cabeças — esta aqui é a cidade que dita os princípios do mundo —, veja bem. Os princípios da música e os princípios da Música. É Londres que dita os compassos do Sentimento da juventude contemporânea, cinza e preto, amor e medo — outra vez — e olha lá. Um suspiro aqui é capaz de se desdobrar em tempestade no mundo. Nada que se possa escapar, estrangeiros. E também não é nada que seja fácil assimilar por completo. Nem mesmo se você passar seis meses ou um ano se enfiando pelos becos estreitos de Camden Town, pelas ruas largas e claras de Notting Hill, pelas estações de metrô vazias e tensas e escuras e sombrias pela noite. Nem mesmo se você estiver indo ou voltando entre um verão e outro. E nem se for a sua cidade preferida, onde você compra os seus óculos de armação retangular, mantém alguns amigos, conhece alguns bares, quebradas e baladas de bebida barata. Entende Londres quem é de Londres. Quem sabe que aqui corre uma linha tênue entre as Ordens e o Progresso, onde uma Crise pode significar uma Crise no Mundo, seja ela econômica, política ou social. Os imigrantes estão tomando todos os cargos da cadeia produtiva do trabalho, e sua habitação desordenada está horizontalizando a cidade para norte e sul e leste e oeste. Os guetos estão crescendo. A angústia está crescendo. Um nó no peito se desdobrando em fúria contida, que uma hora vai precisar explodir. ,57
MELHOR QUE NOS RECOLHAMOS MESMO, DE QUALQUER MANEIRA. ESTA NOITE NINGUÉM É DE NINGUÉM EM LONDRES. E AMANHÃ NÃO VAI SER OUTRO DIA. NÃO É COM ÁGUA QUE SE APAGA O FOGO QUE QUEIMA A ALMA
Morteza Nikoubazl/Reuters
Protestos pela morte de Mark Duggan, em Tottenham. Quando a revolta começou a dobrar
,London Riots
E parece mesmo que vai explodir – e vai ser aqui, e agora. Cento e cinquenta carros da polícia estão finalmente enfileirados de ponta a ponta da avenida, duzentos homens fardados em branco e azul andando de um lado para o outro, escopetas e escudos armados, todos pálidos e descansados para o confronto. Preparados para matar. Preparados para morrer. Começou dois dias antes — talvez três —, quando um policial matou Mark Duggan, um londrino de 29 anos que, supostamente, estava planejando uma vingança para a morte de seu sobrinho. Esse tiro — talvez dois — foi o estopim do grito que andava guardado nos guetos há algum tempo. Um grito amargurado e cansado, que só cresceu depois que o governo britânico baixou uma série de medidas contra os imigrantes, cortando benefícios e aumentando impostos. Porque a Europa está em crise e os caminhos estão ficando complicados. E porque O Sentimento de Londres está agravando e se perpetuando em músicas indóceis e pouco assimiláveis. O dubstep, por exemplo. O post-dubstep, outro exemplo. Que alimentam uma cadeia de... amor e medo, e todos querem fugir, ,58
Ki Price/afp
ON THE ROAD ,londres
e todos querem ficar mais perto, tracionando ainda mais a linha tênue que regula a tensão iminente que paira no ar. A morte de Mark Duggan colocou muita gente na rua para... queimar! E não eram jovens-classe-média-festivos-e-políticos, prontos para defender o país, a igualdade e a fraternidade. Quer dizer, pode ser que seja isso. Mas essa frente de comando que tomou Tottenham — e começou a avançar — é formada, sobretudo, por desempregados, imigrantes ilegais, moleques revoltosos contra um futuro pouco promissor e, claro, outras dúzias de bandidos questionáveis. E eles colocam fogo em tudo e, bem, saqueiam lojas de marca. É só o começo da queda do capitalismo — uma das crises que ainda vão derrubar esse regime depreciativo e malevolente, corrupto e traiçoeiro. Nada que seja possível escapar, evitar ou fugir, estrangeiros. E todo mundo sabe disso. Até mesmo esses guardas azuis e fardados com seus rostos impassíveis e indolentes. Bem parecidos com o regime que defendem. ,Toque de recolher
Melhor que nos recolhamos mesmo, de qualquer maneira. Esta noite ninguém é de ninguém em Londres. E amanhã não vai ser outro dia. Não é com água que se apaga o fogo que queima a alma. Não é a polícia que vai controlar o Sentimento que corre solto e tenso e intenso pelos cordões da borda de força centrífuga que giram as ruas e as esquinas da cidade vazia e iluminada. Londres vai queimar até que o fogo não tenha mais o que respirar.
BEN STANSALL/afp
Morteza Nikoubazl/Reuters
A polícia pede para evitar as ruas do Centro hoje, diz a jornalista da CNN, com as veias saltando pelas laterais. O primeiro-ministro cancelou as férias na Itália e está voltando para a cidade. E ela continua: Os rebeldes só avançaram até Brighton e Liverpool porque a polícia não estava preparada para esse ataque. Temos certeza que logo, porém, teremos o controle de volta. Errado. Vocês não terão o controle de volta, Senhorita da Verdade. Ninguém vai ter o controle de volta. Os prédios estão condenados. Os monumentos estão com novas cicatrizes de guerra. Pelo menos cinco pessoas morreram. E não precisamos saber muito para saber que ainda há muito para queimar. Aqui e acolá. Certo é que as London Riots ainda vão avançar. Talvez não hoje, talvez não amanhã. Talvez só avancem mesmo quando este ano dobrar e na Europa for inverno, quando fica difícil fugir, evitar ou escapar. Isso é História. Isso é fato. O Sentimento está vivo. E ainda há muito para gritar. Amor e medo. E voilà.
Alguns manifestantes das London Riots quebraram lojas e ainda levaram alguns discos de dubstep para casa
QUEM É fotos Ana Slika, Carlos Hauck e Romerson Araújo
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comida
Restaurante de cachorro por Vinícius Lacerda ilustração Estúdio EL
Não entenda mal: nesta casa do Rio de Janeiro, a clientela é composta só por caninos
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Pet Delícia Rio de Janeiro Rua Anita Garibaldi, 60 – lj. A Copacabana (21) 2236 4493 petdelicia.com.br Valor médio: A refeição pode variar de R$ 6 a R$ 20 de acordo com a cidade
carol camanho/divulgação
carol camanho/divulgação
Outro fato importante é que os alimentos servidos pelo Pet Delícia obedecem os padrões exigidos pelo Ministério da Agricultura e foram elaborados com ajuda de especialistas em nutrição animal, o que garante a qualidade dos produtos. O veterinário Bruno Galli, que trabalha diariamente com cães, aprovou a comida ao ler o documento disponibilizado para profissionais da área no site do próprio restaurante. “As necessidades estão sendo supridas na formulação apresentada na ração sendo, portanto, uma boa forma de alimentação”, afirma. Mesmo que para alguns a produção de alimentos para cães possa soar como algo desnecessário, a atitude não é nada mais que uma manifestação de cuidado. Afinal, é normal cuidar daquilo que amamos, não é mesmo?
arquivo pessoal
Se você é o que você come, o seu cachorro também será o que ele comer, correto? Para muita gente, a máxima faz sentido. Preocupada com seu filhote, a historiadora e criadora de cães Roberta Câmara, junto a seu marido, o sueco Jorgen Behlbom, abriu o Pet Delícia, no Rio de Janeiro, um espaço para degustação de alimentos naturais dedicado ao público canino, em 2010, depois de retornar de uma temporada de seis meses em Paris. Com comedouros em madeira para os pratos serem degustados na hora e opções de comida congelada (preços entre de R$ 6,50 a R$ 9), a sede funciona no tradicional bairro de Copacabana e faz parte de um segmento comercial ainda incomum para os brasileiros. Mas, em países como os EUA e o Canadá, é normal encontrar lojas que ofereçam alimentação natural para cães e outros animais. Esse tipo de estabelecimento aumentou, principalmente, depois do “Escândalo das Rações”, de 2007 – quando substâncias cancerígenas contaminaram animais alimentados com produtos industrializados na Alemanha, Reino Unido e Holanda. No Brasil, esse cuidado vem crescendo também, como aponta a aceitação dos produtos do Pet Delícia, que já podem ser encontrados em cidades como São Paulo e Florianópolis e logo devem chegar a Brasília. “Em Belo Horizonte já existe a demanda de alguns pet shops, e logo os criadores da capital mineira terão uma ração mais saudável para seus cães”, afirma Roberta. Quem teve uma boa experiência com a comida natural foi Thomas, um poodle de 13 anos de idade. Sua dona, a tradutora de filmes Lúcia Pestana, sofria junto com ele toda vez que ele tinha um ataque por causa de colite. “Quase toda semana ele tinha dores e parava de comer. Depois que passou a se alimentar com uma comida balanceada, tudo isso passou”, afirma a criadora que, além de Thomas, cria Fina, uma jack russel, também cliente da loja carioca. Mas, afinal, o que há de errado com as tradicionais rações compradas em pet shops e drogarias? “As rações secas são feitas com subprodutos. Nos surpreendemos com a qualidade das que são oferecidas aqui no Brasil”, comenta a dona da loja. Ao contrário disso, os alimentos naturais para cães são cozidos e feitos com ingredientes frescos. Coração de frango, moela, abobrinha, semente de linhaça, arroz integral e algas são alguns dos alimentos dos pratos. E nada de conservantes e corantes. Para aumentar ainda mais a abrangência de consumo, é possível comprar o produto congelado, que dura até seis meses, ou fresco, que pode ser degustado no local.
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Ragga modelo Juliana Pedrosa fotos Fernando Biagioni
Belladonna por Diego Suriadakis
Ela chegará num dia vinte e três, ainda este mês. Quatro minutos após o relógio preguiçoso sussurrar as seis da manhã, ela virá. Depois disso ela dançará, descalça e sem nenhuma pressa, por trinta e sete segundos. Em tua direção, ao teu redor. Tu não perceberá nada. Nenhum pássaro em voos suspeitos, nenhum besouro fora de lugar. Ela já vai estar inteira em ti. O ar ficará mais molhado, mais vento correrá. Teus olhos verão mínimas variações de cor. Em teus ouvidos, outros tons. E tu, tu não perceberá nada. Ela é assim: passeará por tuas manhãs, pulará tuas janelas, subirá por tuas escadas, deitará à tua mesa, e tudo aparentará a mais perfeita ordem. E ela, ela inteira em ti. Quando uma abelha se aproximar, não tenha medo. Veio por ela. É inofensiva, inocente, pura. Quando a chuva encontrar teu corpo, não corra. Veio para ela. É quente, viva, ventura. Julianas, angélicas, cerejeiras, magnólias, gardênias, íris, rosas: Juliana. É encontro já marcado, não tens como fugir. Só o fluir, o florir. Ela toda em ti. E tu, tu não perceberá nada.
Lenรงo (usado como top) Mercado e lingerie Santa Liga
ChapĂŠu Mercado, camiseta Rip Curl e lingerie Santa Liga
Lingerie Santa Liga
FOTOS Fernando Biagioni PRODUÇÃO Méria Cristiane MAQUIAGEM Dill Diaz MODELO Juliana Pedrosa House Models Agency
N達o deixe a rotiNa te abduzir.
CONSUMO
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A gente pode até não querer só comida. Mas, com certeza, quer comida. Muita e variada. Para oferecer, para enfeitar. Diga-me o que comes, onde preparas o que comes, como se relaciona com o que comes e eu — não lhe direi quem és — mas formarei uma ideia a teu respeito.
comer
por Sabrina Abreu
FOTOS: DIVULGAÇÃO
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1. < O nome certo > Dezoito centímetros de diâmetro e 85 anos de história. Basta bater os olhos no inconfundível esmaltado sobre o ferro fundido e a assinatura na tampa: Le Creuset é o nome. Para muita gente, um luxo vindo da Bélgica. Para outros, um item de primeira necessidade, se a intenção for cozinhar a sério. Mas, numa coisa, uns e outros concordam: é mais que apenas uma panela. R$ 459 lecreuset.com.br
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2. < Bem-viver > O tempero da vida (Grécia, 2003) conta a história de um avô que ensina ao neto, por meio da comida, lições para o cotidiano. Dividido entre a Turquia e a Grécia, com paisagens e pratos primorosos, o filme é de encher os olhos. E aumentar o apetite pela vida. R$ 14,90 americanas.com.br 3. < Trabalhada na estampa > Estampa de fruta e de comida está na moda, até Anna “poderosa” Wintour foi fotografada vestindo a tendência. Não sabe quem é essa mulher? Ok. Mas presta atenção nos Doritos da Cavalera e nas frutinhas da Folie. Lançamento Primavera/Verão das marcas. Camiseta: R$ 134 cavalera.com.br Folie: R$ 139,90 folieloja.com.br
4. < Mais um > Não é Dia dos Namorados nem nada, mas segue outra dica para agradar a mina: Cherry Biscuit 4-Port Hub forma doce, com cerejinha em cima e tudo. Para ela achar fofo. Para ela lhe chamar de fofo. E, ah, também para usar quatro portas-USB ao mesmo tempo. US$ 15 usb.brando.com
5. < Pode brincar > “Para de brincar com a comida”, um adulto falou, interrompendo, pela metade, aquela cabeleira feita com macarrão que você tinha penteado com tanto carinho, no prato do almoço. Já passou muito tempo, mas, se o trauma tiver ficado, dá para aliviá-lo com o prato com rosto para intervenções alimentícias. Em cerâmica e com nome pomposo. R$ 49,90 tshit.com.br ,71
COLUNA
,frente digital: o programa dos artistas independentes
WÉBER PÁDUA
Falando com o Frente, o músico Ortinho, ex-frontman da banda pernambucana Querosene Jacaré, atualmente em carreira solo, lançando seu terceiro disco, Herói trancado.
< HENRIQUE PORTUGAL >
produtor e tecladista da banda Skank twitter.com/ programafrente
Pernambuco sempre foi grande exportador de talentos para o Brasil e para o mundo. Como é a cena atual no estado? É uma cena mais ampla, mais aberta para o interior. Nos anos 1990, era mais centralizada na capital, e atualmente vejo esse movimento se espalhando por todo o estado, o que é muito legal. Mudou a forma de ser independente dos anos 1990 para os dias de hoje? Está bem diferente. Com o avanço da tecnologia, as coisas se tornaram mais fáceis, tanto para produzir quanto para divulgar seu trabalho. Hoje, há mercado para a música independente, há menos preconceito também. O independente tomou corpo. Não há como falar de música atual sem citar o artista independente.
Em Herói trancado, você assina 80% das canções e divide outras parcerias. Como foi produzir esse trabalho? O fácil desse disco foi gravar. O processo de chegar ao estúdio é que foi demorado. Comecei a montar o repertório, encontrar os parceiros certos para concluir músicas inacabadas. Ele foi produzido por mim e Yuri Queiroga. Passamos um período longo trabalhando arranjos, sacando as referências musicais, pesquisando timbres, buscando a sonoridade do disco. Fomos para uma fazenda e passamos um mês, descobrindo o que queríamos até chegar ao estúdio certo, onde tiraríamos o som que o trabalho pedia. Ele é um divisor de águas para mim, adoro esse disco. Considero-o meu melhor trabalho.
DICAS DE CDS
QUAL É A DA MÚSICA
Artista: Porcas Borboletas Disco: A passeio
Música: Resquícios Composição: Gustavo Lago Banda: Rocknova Disco: Diante
Selo: Mais Brasil Música
Artista: Peixoto & Maxado Disco: I wanna shoyu Selo: Radiola Records
DICA DE LIVRO Retrato de um viciado quando jovem Autor: Bill Clegg Editora: Cia. das Letras 216 páginas
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O que mudou desde o Ilha do destino, seu primeiro disco, para Herói trancado, seu último e recém-lançado trabalho? Muita coisa. No Ilha do destino, fundi a música regional com o pop. Já o Herói trancado é um disco de rock ‘n’ roll, com referências claras do rock dos anos 1960 e 1970, sem nenhum vestígio de regionalismo. É basicamente rock ‘n’ roll.
fale com ele: contato@frentedigital.com.br
Não costumo ter muita habilidade para falar sobre minhas composições. Em grande parte delas, tornome tão próximo de mim mesmo que, tolamente, me sinto vulnerável. No caso da canção Resquícios, não foi diferente. Nela, a música foi, simultaneamente, composta com a letra, que diz respeito a um episódio da vida em que era fundamental desligar-se de fatos passados com olhos voltados para um futuro promissor. Relações interpessoais são demasiadamente ternas e acredito que minha sensibilidade e inspiração são fortemente influenciadas por elas.
Se não vou ligar pra lhe esquecer, não dá Não vou mais deixar você Não vou mais deixar você se desculpar Ainda é cedo pra se despedir Não traz esse medo pra eu redimir Buscar o sentido e achar a ilusão Sonhei um romance em minha solidão Fruto do descaso ou da incompreensão Eu acordei antes do final feliz Achei que seria o que sempre quis Esquece o que foi e abra-se o agora Se são resquícios, por que não jogar fora? Se eu consigo, não custa tentar Sei que é preciso um esforço a mais Mas não sei por que você não o faz... não o faz... Se estou aqui
CRISTIANO LAGO
DIVULGAÇÃO
#FALANAFRENTE
COLUNA
A MÚSICA E O TEMA PRATOS FEITOS por Kiko Ferreira
O CRUZEIRO/ EM/D.A PRESS
UNIVERSITY OF DUNDEE/AFP PHOTO
De Liverpool a Salvador: George Harrison e Caymmi (abaixo) se renderam às tentações gastronômicas e escreveram músicas sobre o tema
Uma das melhores músicas sobre comida da música brasileira é, infelizmente, pouco conhecida. Trata-se de Feijoada total, do Premê, uma das dezenas de canções narrando a mais festiva das refeições brasileiras. Tem um começo hilário: “Mataram Luiz Fernando, aquele porco joia, corpo joia, viveu me amando”, em clima de marcha fúnebre. Mas, terminada a introdução, segue uma convocação aos amigos, com nomes como Origovaldo, Tolerinho, Aligrocêncio e Brajola, e a narração do processo, do tempero à degustação, com direito, ao final, “a sonhar, sonhar e sonhar”. A mistura de feijão e partes pouco nobres do corpo rendeu a famosa Feijoada completa, de Chico Buarque; o “provei o famoso feijão da Vicentina”, de Paulinho da Viola; e, a mais completa, Feijoada à minha moda, de Vinicius de Moraes. Além de desfilar, com precisão e riqueza de detalhes, suas preferências na, digamos, condução dos trabalhos, o poetinha exige vigiar o cozimento “tomando nosso uísque on the rocks” e, ao final de todo o processo, solicita: “Evidentemente, uma rede e um gato pra passar a mão”. Da mesma turma do Premê, que pode ser classificada como a porção bem-humorada da chamada Vanguarda Paulista dos anos 1980, vem o Língua de Trapo. Liderado pelo humorista, publicitário, compositor e vocalista Laert Sarrumor, que você encontra nas estantes das livrarias de aeroporto compilando piadas para disfarçar medo de avião, o grupo cometeu a deliciosa Concheta. Naquele paulistês italianado que rendeu boa parte da obra de Adoniran Barbosa, a música é um convite “romântico” que merece reprodução: “Querida Concheta, estou a te ligare, prá te convidare, prá manjare com me! Comê unas brajola, quêjo provolone e na radiola, a Rita Pavone! Dispois unas pizza, tipo califórnia, tutti mezza-mezza, má que bruta esbórnia! Concheta, vita mia; ricorda aquele giorno? Aquele giorno que nós fumo no ristorante, no ristorante do Grupo Sérgio? Você falô per me, ah, sua mundana, você falo per me: facciamo l’amore, facciamo l’amore lá no meu beliche! E io te dice, má logo agora que eu
misturei cocomero com aliche, você vem me falá de amore? De séquiço? Me tô cuma bruta dolore no duodeno, e você folô per mê: ma vá, toma um sar de fruta Eno! E a dolore foi aumentando, aumentando, aumentando e io gritei pro garçom: chega de spaghetti, suspende a escarola, leva o capelleti, tira o gorgonzola; trás um sar de fruta! Dio, Dio, tuttameia, questa pastaciutta, me deu diarreia!”. Finíssimo como o Constipation blues, que seria algo como Blues da prisão de ventre. Vale procurar no YouTube o dueto de Screamin’ Jay Hawkins e Serge Gainsbourg, “cantando” a música, que tem todos ruídos que o tema promete. Hawkins é aquele de I put spell on you. E Gainsbourg, o responsável pelo clássico erótico Je táime mois non plus. Até Sandy, a devassa, e Júnior, o bom moço, já usaram o tema em Eu quero é mais, parceria de outro docinho, a Lilian, da dupla Leno & Lilian, com o quase sempre romântico Carlos Colla: “Eu queria ter um dia pra comer só porcaria, três quilos de sorvete dentro de uma melancia”. Daí começa a comilança, que passa por pizzas, 15 sanduíches, uma piscina cheia de Coca-Cola e um cachorro-quente com cinco salsichas e... chantilly. E a esbelta dupla ainda desafiava a lógica do show bizz: “Se eu ficar gordo, muito gordo, tudo certo”. Para não dizer que esquecemos dos clássicos, vale lembrar O comilão, de Erasmo Carlos, que teve direito a clipe no Fantástico; Chocolate, de Tim Maia, um devorador de coxinhas, quibes e outros itens da baixa gastronomia, que ganhou sabor extra na gravação de Marisa Monte; Comida, dos Titãs, que prega diversão e outros prazeres além da cesta básica; Vatapá, de Caymmi; Savoy truffle, que George Harrison fez para o Álbum branco dos Beatles; Banquete de lixo, de Raul Seixas e Marcelo Nova, sobre um caso (verídico?) de um dia em que o Maluco Beleza teria revirado latas de lixo em Nova York à procura de comida, acompanhado por um mendigo vestido de palhaço. Todo o menu pode ser encontrado na internet. Para ver, ouvir, decorar e degustar. Bom apetite!
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livra RADA
DEZ ANOS QUE ENCOLHERAM O MUNDO, Daniel Piza (Editora LeYa)
por Bruno Mateus
102 minutos, Jim Dwyer e Kevin Flynn (Editora Zahar)
A história secreta da Al-Qaeda, Abdel Bari Atwan (Editora Larousse)
Com relatos de sobreviventes do ataque ao World Trade Center, 102 minutos, dos jornalistas americanos Jim Dwyer e Kevin Flynn, apresenta com fidelidade e realismo impressionante o inferno na parte Sul de Manhattan naquela manhã. O livro, de 2005, percorre os 102 minutos entre o impacto do primeiro avião e a queda da segunda torre e mostra as transcrições de telefonemas, e-mails e pedidos de socorro, trazendo à tona detalhes importantes do dia em que a Nova York — e o mundo — parou.
Escrito pelo jornalista de origem árabe Abdel Bari Atwan, um dos poucos a conseguir entrevistar Osama bin Laden pessoalmente, em 1996, A história secreta da Al-Qaeda, lançado em 2009, é, além do resultado da experiência do autor com o líder-fundador da Al-Qaeda, um mergulho na vida do homem que já foi o mais procurado do mundo. Se por um lado Abdel desmonta alguns mitos sobre Bin Laden, por outro reafirma o ódio e desprezo que este sentia pelos Estados Unidos.
Igor Marotti / divulgação
imagens: DIVULGAÇÃO
11 DE SETEMBRO
Já se passaram 10 anos dos atentados de 11 de setembro e, de lá pra cá, muita coisa aconteceu e outras tantas mudaram a maneira como vivemos. Facebook virou mania — até quando não se sabe —, Saddam Hussein e Osama Bin Laden estão mortos, um metalúrgico chegou à presidência do Brasil e o debate ecológico ganha cada vez mais importância. A partir do ataque às Torres Gêmeas, o escritor, jornalista e tradutor Daniel Piza propõe uma reflexão sobre a primeira década deste breve século e seus principais acontecimentos. Mas, segundo o próprio autor, Dez anos que encolheram o mundo, lançado em maio deste ano, “não pretende ser apenas uma retrospectiva”. Daniel comenta os fatos mais relevantes sob o ponto de vista de diferentes áreas, como economia, política, cultura, comportamento, ciência, tecnologia, meio ambiente e esportes. O livro é valioso para quem quer entender um pouco esta época tendo à luz os acontecimentos de um passado recente.
PRATA CASA
da
por Lucas Buzatti
TEMPO PLÁSTICO Olha isto: tempoplastico.bandcamp.com myspace.com/tempoplastico Saia da garagem! Convença-nos de que vale a pena gastar papel e tinta com sua banda. Envie um e-mail para redacaoragga.mg@diariosassociados.com.br com fotos, músicas em MP3 e a sua história.
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“Essa coisa de falar que o tempo é muito corrido é uma escolha nossa”, filosofa o vocalista e tecladista Fábio Gruppi sobre um dos significados do nome Tempo Plástico. O outro tange ao tempo musical, às levadas quebradas e moldáveis. A banda se formou quando Fábio, o guitarrista Claudio Moreira, o baixista Felipe Prado e o baterista Eduardo Drummond se encontraram na faculdade de comunicação, há cerca de cinco anos. Pilhados, resolveram investir no próprio estúdio — o da TV Queijo
Elétrico, outro projeto da trupe — e gravaram, em julho, o primeiro EP, Olho que fuma, com cinco faixas. Recentemente, o rock puro e direto do grupo foi rasgado mata adentro, em um show sem público num sítio, onde tocaram as músicas do álbum e outras duas inéditas. A gravação em vídeo deve ser lançada até o fim do ano. Este mês, eles saem em turnê pelo interior de São Paulo e, em novembro, gravarão um novo disco, mais cheio, com 10 músicas. O tempo não para.
COLE ESTA IDEIA
PAM AYALA
GUILhERME NEVES
CÁSSIO GRÓES
sofia gomes
FILIPE THALES
FILIPE THALES
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PERFIL
{ ENQUANTO
mestre Antテエnio
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Nテグ VEM
Não que Xico Sá esteja aguardando o pleno funcionamento da chapa. Ele sabe que o cardápio, mesmo antes das seis da tarde, já funciona a mil. Eis algumas das opções: cartas de amor, mulheres, homens, PC Farias, seu ofício de cronista, picles, pastrami, pães e livros por Diego Suriadakis e Sabrina Abreu fotos Diego Suriadakis Jornalista abusado, cronista ritmado, torcedor engajado, que papo furado. Nada de rótulos. Rótulo é dúvida: Serra Malte, Original? Original, gelada. A prosa já está rolando, chegue mais, puxe uma cadeira e peça um copo que, temos certeza, não ficará vazio um minuto. O homem não se importará em servi-lo. Xico Sá já serviu para muita empreitada em sua vida de narrador. O menino que respondia cartas de amor dos ouvintes da rádio Vale Cariri, em Juazeiro do Norte, aos 18 anos, partiu de casa. Enfrentou a faculdade de jornalismo no Recife e nunca foi buscar o diploma. Foi para o cerrado e trabalhou na sucursal da Editora Abril, em Brasília, até que chegou a hora de cumprir o destino dos destemidos de sua terra: embarcado em um pau-de-arara de luxo, chegou em São Paulo empregado. São anos de labuta diária: investidas jornalísticas que pintariam páginas e páginas de romance policial, parcerias líricas com Mundo Livre S.A. e Nação Zumbi, crônicas futebolísticas, crônicas sobre machos e fêmeas, crônicas de salão e sertão. E figura ainda na bancada do esportivo Cartão verde, da Rede Cultura, no sofá do Saia justa, do GNT, e em cadeiras de bar, naturalmente. Na Mercearia São Pedro, rua Rodésia, 34, na Vila Madalena, Xico está no Crato, quer dizer, em casa. Com refinado tratamento boêmio-literário-existencial ministrado por mestre França, o garçom, mestre Antônio, o capitão da chapa, e todo o destacamento que ali trabalha, o homem vai falando sem parar. Assunta sobre o homem moderno, empreiteiras e a Mulher de Minas. Não deixa de cumprimentar os passantes e amigos do bar e, é claro, pede petiscos. Servido? SABRINA: ESCREVER NA INTERNET, DIARIAMENTE, FAZ AS PESSOAS ACHAREM QUE LHE CONHECEM, SE SENTIREM ÍNTIMAS?
XICO: A PRÓPRIA LINGUAGEM DA INTERNET dá essa impressão. Tem até muita confusão, acham que a leitura é sempre uma narrativa confessional, 100% verdade, não consideram nem o exagero do cronista, a hipérbole. Mas dou razão ao leitor, porque a gente se aproveita muito disso. É igual aquela coisa de filme baseado em fatos reais. O filme se aproveita pra caralho disso, como o Assalto ao Banco Central, faz um puta alarde de que a história foi tirada de algo real. Aí, na hora que sai a primeira crítica falando que é inverossímil, que
os fatos não batem, o cara fala “ah, mas é ficção”. Acho que no meu caso é parecido. Em muitos momentos vou lá e choro as pitangas, longe da ficção ou do lirismo. Acho que é bom explicar só para as pessoas com quem estou me relacionando para não ir por água abaixo em nome de uma coisa que é meu trabalho. Mas, para o resto, é uma confusão saudável de leitor, deixa o pau cantar. DIEGO: VOCÊ ACHA QUE ESTÁ ROLANDO UMA ENCARETADA NO MUNDO? XICO: ESTÁ E A RESISTÊNCIA É MÍNIMA. Está se espalhando mesmo sertão adentro. Começou com o cigarro, passou para a comida, está em tudo, num cuidado generalizado. A parte que mais me incomoda ainda é a da cosmética [risos]. E também é uma briga melhor para mim, porque tem um inimigo mais declarado ali, mais fácil de estabelecer a peleja que faço muito: do “macho-jurubeba” com o metrossexual. Essa cartilha é muito generalizada. Pensei que fosse um fenômeno de classe média. Hoje, é muito mais de periferia. Primo meu que mora em São Mateus, aqui na periferia, ou lá no Crato tem um percentual de gasto com beleza maior do que o [do cara] da classe média. Ele pinta o cabelo o tempo todo, faz relaxamento, faz as unhas, usa hidratante para a pele, toda essa coisa, creme para as mãos. Falo para ele o mesmo que o pai dele diz: “Porra, tá se afrescalhando mesmo. Para o Ceará você não volta mais” [risos]. O homem sofre mais nisso do que a mulher. Ele fica numa caixa — e estou tomando cuidado para não falar gaiola e você pensar na Gaiola das loucas [risos]. Se ele vai para qualquer ladinho, não é mais homem. Vive muito fechado. Mulher pode flexionar mais para lá e para cá. S: EM 1993, TRÊS ANOS SÓ ANTES DO COMEÇO DESSA SUA INVESTIGAÇÃO PROFUNDA SOBRE A ALMA DO METROSSEXUAL...
CALMA que metrossexual não tem alma, isso tá errado risos]. S: [RISOS] ... VOCÊ ESTAVA FAZENDO A SÉRIE DE REPORTAGENS DO PC FARIAS [XICO FOI O REPÓRTER QUE MAIS ENTREVISTOU O TESOUREIRO DA CAMPANHA DE COLLOR, CHEGANDO A REVELAR O ESCONDERIJO DELE NAQUELE ANO]. COMO VOCÊ CONSEGUE SER VERSÁTIL ASSIM? PRIMEIRO, por causa daquela coisa de Guimarães Rosa: “Sapo pula por necessidade, não por boniteza”. Era muito isso. Foram algumas demissões, tive que mudar de ramo. Para valer, minha origem é essa, o cronista, mais ligado à literatura do que ao jornalismo sério. S: CONTA DESSA ORIGEM. COMECEI FAZENDO, ainda moleque, um programa de rádio, em Juazeiro do Norte, interior do Ceará. Era chamado Temas de amor, programa de aconselhamento. Eu tinha 15 para 16 anos, mal conhecia uma mulher, tinha comido mais cabra do que mulher — formação rural, toda a minha geração foi iniciada assim. Eu ajudava o Jevan Siqueira [radialista]. Ele sabia que eu escrevia uns poemas, umas coisas e comecei a auxiliar no programa. Ele começou a me passar umas cartas. Muitas eram sobre o filho da puta que vinha para São Paulo e largava a mulher [no Nordeste], prometia voltar e não voltava. Esse clássico da safadeza dos homens. Eu condenava os caras. Pelo menos, já tinha essa sensibilidade de ficar do lado da ,77
mulher. Só confortava: “Ele vai voltar”. Respondia e colocava uma música que tinha a ver com a história. Fazia um truque, terminava dizendo, por exemplo, “detalhes tão pequenos de nós dois” e entrava o Roberto Carlos cantando. Todo final de carta emendava numa música romântica. Foi esse o início dessa história. Vi que minha ligação era com o mundo literário, queria ser mais escritor do que jornalista, depois vi que não existe essa coisa, que a gente tem que trabalhar. Cheguei em Recife, bateu a realidade da vida, fui para dentro da redação. Comecei fazendo futebol no Jornal do Comércio, depois fui fazer polícia, quando a editoria de polícia era uma das principais editorias. Formei na Universidade Federal e, enquanto estudava, sempre voltava no fim de semana para Juazeiro. Ainda trabalhava na rádio. S: O QUE VOCÊ ESTAVA LENDO NESSA ÉPOCA? GRACILIANO RAMOS. O que me fez despertar para querer escrever na vida foi Graciliano Ramos. Bateu, fodeu. Depois, comecei a ler muito Balzac, e tudo o que faço tem muito a ver com aquele retrato de mulher que ele tem.
Caricaturas dos frequentadores da Mercearia São Pedro ilustram as mesas com os traços de Rafael Grampá, Rafael Coutinho e dos gêmeos Fábio Moon &Gabriel Bá. Olha nosso entrevistado ali
D: VOCÊ VENCEU A FACULDADE DE JORNALISMO EM RECIFE. COMBATEU LÁ?
COMBATI, formei aos 22. Até porque não trabalhava mesmo se não fosse formado — mas até hoje não fui buscar [risos]. Quando caiu [a obrigatoriedade de se ter] o diploma [para exercer a profissão de jornalista], quis fazer uma reportagem em busca do diploma que não valia mais nada, só para pendurar na parede. Assim que cheguei em Recife, comecei a trabalhar, no começo, na Mesbla. Era um exímio datilógrafo e trabalhava no crediário. Consultava o SPC, mas liberava todo mundo. Sabia que não ia ficar muito tempo lá, tinha essa coisa do comunismo na cabeça, fingia que estava consultando a ficha, mas, quanto mais fodida a família, mais eu liberava — dava um trabalho danado fingir, colocava o telefone na orelha, com toda a dramaturgia de quem estava consultando. S: COMO FOI A DECISÃO DE MIGRAR PARA SÃO PAULO? MUITA GENTE DA FAMÍLIA morava aqui: quatro tios, uns 50 primos, mas vieram para trabalhar como peãozada. Fui o primeiro que se formou. Para os meus pais, foi um orgulho, mas, ao mesmo tempo, é uma baita sacanagem, porque, apesar de ter tido toda minha trajetória estudando em escola pública, era preciso escolher em quem você ia investir o pouco dinheiro que tinha. Há um darwinismo filho da puta nisso e saí na frente. Os outros não foram. São seis irmãos em casa. Depois, claro, as mulheres que são foda — os homens não são foda nesse sentido — se formaram. Me impressiona muito quando viajo, em qualquer hotelzinho onde eu fique, sempre vejo as mulheres estudando, participando de seminários e elas são maioria, mesmo quando é um ofício mais masculino. Foi o caso: quando chegou faculdade em Juazeiro, minhas irmãs, mesmo já casadas e com filhos, depois de 30 anos, foram estudar. Mas, antes de São Paulo, fiquei um ano em Brasília — meu chefe na sucursal da Abril em Recife foi transferido e fui também. Lá, tive que usar gravata, nunca tinha usado uma gravata na vida, uma tristeza do cão. Mas aguentei até vir para cá, que era o desejo inicial. Viria fatalmente. Em relação ao resto da família que chegou antes, vim numa condição luxuosa, um cara que já tinha ascendido socialmente, uma ,78
migração de luxo, sem pau-de-arara — como os primeiros tios, de avião. Cheguei aqui com emprego, já ganhando uma grana, outra história. S: E FICAVA PENSANDO NESSAS DIFERENÇAS? FICAVA, porque eu ia a muito almoço, como vou até hoje, tenho muito contato. Não pareço, mas sou família pra caralho [risos]. Tinha um conflito, uma história na cabeça que é complicado de resolver. Ia lá na Zona Leste, no bairro São Rafael, onde moram os primeiros que chegaram para trabalhar na indústria automobilística. Quando encontrava, comia com a primarada. No mesmo dia, ia jantar no [restaurante] Spot com o povo da Folha [de S. Paulo], que tinha uma certa sofisticação paulistana. Quando tinha um dia de eu almoçar em casa — outra coisa de homem do interior é sair da casa mãe e falar “lá em casa”, se referindo à casa da mãe. Teve
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essa coisa de pegar um voo lá e chegar aqui de noite e repetir o mesmo jantar, só que vindo da origem, mesmo. E tinha um banzo quando chegava no Crato, já estava num outro mundo e ia para lá. Acontecia de um parente perguntar: “Está triste? Não está gostando mais daqui não?”. S: E ISSO MUDOU? MUDOU, não sinto mais tristeza. Nem fiz muita análise — fiz mal e porcamente, quase forçado pelas mulheres —, mas foi a psicanálise indiretamente que acabou com isso. Puta preconceito de macho nordestino falar “agora tá indo para o terapeuta” [imita uma voz feminina]. Quem mais me zoava na época era o Cláudio Assis, o diretor de cinema que é muito meu amigo, sou padrinho do filho dele. O Cláudio e todos os meus amigos me zoavam. D: FOI CASADO QUANTAS VEZES? CINCO. Morei junto. Meu último casamento foi com uma mineira. Passei a ter um amor pela mineira de uma forma maluca, que loucura aquilo, que raça é aquela? Bom demais. Fiquei com uma tese de que a mineira pode ser a mais louca e a mais moderna do mundo mas tem um quintalzinho de uma suavidade que dá um próprio clima. E é de verdade, tem um quintalzinho com um pezinho de pimenta. Fiquei com um encanto muito forte. Fiquei meio maluco e na paranoia, procurando só mineira depois.
S: COMO FOI O COMEÇO NA CIDADE? AQUI A INTERMEDIAÇÃO é o trabalho. Se o cara chegar sem trabalho, o tempo em que está avulso é uma dificuldade do cão. Hoje em dia, é uma pergunta do Brasil inteiro, mas, antigamente, era coisa do paulistano querer saber “o que você faz?”. A primeira menina que namorei foi do trabalho. A negociação passa muito pelo trabalho, no começo. Mas eu notava muito a dificuldade de não olhar no olho na calçada. Aqui, todo mundo tem muito mais cuidado. S: FOI FÁCIL SE ADAPTAR À COMIDA DAQUI? SIM, sempre comendo nas casas das tias. E tem também a boa comida nordestina aqui. Boa mesmo. Tem vários pratos, o mais afetivo é o baião de dois, mais terno. O clássico do Cariri é com pequi e queijo coalho derretido por cima, muito molhadinho. Depois foram fazer um baião de dois muito enriquecido — gosto também, mas foi ficando muito cheio de coisinha. Igual ao cachorro-quente de rua: uma carrocinha colocou milho, a outra colocou ervilha, aí não tem mais cachorro-quente, porque virou uma riqueza. Aí dá um trabalho do caralho, porque o cara pede “completo, menos o milho”, “com tudo, menos com nãosei-o-que”. A incompreensão que eu tenho foi quando colocaram purê de batata. Aí não
dá: massa com massa. Aí é demais, mata. A tapioca também acompanhei muito quando chegou na rua em São Paulo. Chegou acanhada, mas duas semanas depois estava com doce e com tudo. Aqui, tudo vira pizza. Comida, aqui, é igual escândalo: vira pizza, vão colocando muitas coisas. Tapioca gosto com, no máximo, queijo coalho e pronto. Com uma manteiga mineira Aviação. D: NA LATA, SEMPRE. NA LATA. Meu pai, mesmo nas maiores crises de dinheiro, se acabasse a manteiga Aviação, estava falido para a comunidade [gargalhadas]. Tinha que comprar. D: QUANTOS SÃO SEUS TIMES DO CORAÇÃO?
TENHO TRÊS. Os primeiros jogos que vi no campo não foram nem do Icasa [de Juazeiro do Norte], que vim a torcer depois, já que fui morar em Juazeiro, nem do Sport, quando fui morar no Recife. Foi do Santos. Meu primeiro time é o Santos. Gosto de ir para campo, então criei amor pelo Sport e pelo Icasa também. Meu time de formação, de guri, é o Santos. Eu vinha aqui [a São Paulo] e meu tio tentava me fazer corintiano. Meu pai nunca gostou de futebol e meu tio tentou se aproveitar dessa coisa. E tu já comeu? [Xico se dirige à Sabrina.]
S: FIM DE RELACIONAMENTO TEM QUE SER SOFRIDO. NÃO É? TEM QUE SOFRER e por muito tempo. É um luto da porra. Demorei muito tempo. Só fui me recuperar um verão depois. Se não estiver purgando aquela dor, não existiu. S: TEM VONTADE DE TER FILHOS? NÃO TIVE FILHOS, mas criei dois, da mesma namorada, um tinha 6 meses e o outro, 1 ano e pouco. Viraram companheiros para sempre. Duas vezes, as meninas engravidaram e não quiseram, porque eram muito novas. Se elas quisessem, eu ia querer também. Já estava ali mesmo o bichinho, vâmo simbora. Às vezes, quando vou a um aniversário de filhos de amigos, penso que idade poderiam ter os meus. Mas não é uma tristeza, só um pensamento.
A fartura de São Paulo acrescenta ingredientes novos ao baião de dois, à tapioca, ao cachorro-quente. E Xico reclama: “aqui, comida é igual escândalo: tudo acaba em pizza”
S: VAMOS COMER AGORA. EM RELAÇÃO À COMIDA, você [Sabrina] entra em qualquer violência, na boa? Vou fazer uma média de violência. Gosto de tudo aqui. Entra um cara da chapa, às seis da tarde, que é mestre Antônio, torcedor do Náutico, pernambucano, a gente pode pedir qualquer coisa pra ele. Pede calabresa apimentada, com queijo, com não-sei-o-que. Mas a gente manda mesmo, a partir das 22h, quando entra Marquinhos, que é o mecenas, responsável pela curadoria literária do boteco. D: A PARTIR DAS SEIS DA TARDE, A FICÇÃO COMEÇA A ENTRAR MAIS PESADA NA VIDA DO CABOCLO? PARA MIM, muda tudo. A culpa vai embora. A noite é como se fosse uma desculpa. Como trabalho em casa, tenho flexibilidade do cão. Ontem [um domingo], por exemplo, tive um almoço e não bebi nada. Sábado, quase não bebi e tô aqui bebendo na segunda-feira. Final de semana é quando eu menos bebo. Tendo a pisar mais pesado — e acho que é uma tendência universal — no dia em que mais trabalho, na terça à noite, a partir das onze e meia da noite. S: VOCÊ É CRÍTICO COM RELAÇÃO A VOCÊ MESMO, QUANDO SE VÊ NA TV? TELEVISÃO, não vejo. Jamais. Nunca vi um programa Saia justa, nem nunca vou ver. Senão, não vou fazer o próximo. Fazia na MTV até o ano passado, uma crônica semanal com o Casé, fiz por dois anos. Também não via. Não me acho viável para a televisão, não devia estar lá. Caí no programa de esportes por ser cronista esportivo, por ter uma afinidade com a bancada, com o Sócrates. E no Saia justa por falar de homem e mulher. Não gostava da minha voz, quando tirava [transcrevia] entrevistas. Xico escolhe opções no cardápio. Será? Um pernilzão? Vocês já comeram pernil aqui? Só tem quando mestre Antônio chega. Então, vamos fazer meio a meio para ajudar a moça [Sabrina]. Acho que a velha Porção Mercearia mesmo [um combinado com pão, tomate seco, picles, pastrami, azeitonas e queijos], tem a cara do lugar e agrada a moça, vai ter uma parte mais leve. A preocupação é com as moças. S: MUITO OBRIGADA [RISOS]. E QUANDO VOCÊ LÊ ALGUMA COISA ANTIGA QUE TENHA ESCRITO, TAMBÉM É CRÍTICO? NO DIA SEGUINTE, já me sinto envergonhado, nem abro o jornal. Total. Muito raro ter uma daquelas em que eu acerto o personagem bem, acertei na mão, as pessoas leram, deu certo. Acontece assim, uma vez por mês. Escrevo trinta crônicas e só gosto de uma mesmo pra valer. João Carlos Albuquerque, apresentador da ESPN, que dividia a mesa conosco, faz uma observação: NÃO DEVERIA ME METER, MAS COMO EU JÁ ESTAVA SENTADO E VOCÊS QUE CHEGARAM, VOU FALAR UMA COISA SOBRE O XICO.
EU VOU PARA O BANHEIRO para não ouvir missa de corpo presente. Tá de sacanagem? JOÃO: O XICO NOS ANOS 1940, 1950, SERIA UM GUIMARÃES ROSA, UM JOÃO CABRAL DE MELLO ,80
FIM DE RELACIONAMENTO É UM LUTO DA PORRA. SE NÃO ESTIVER PURGANDO AQUELA DOR, NÃO EXISTIU NETO. ELE TEM UM ESTILO ÚNICO, ELE É RITMADO, MEIO CORDEL. MAS, HOJE, COM ESSA QUANTIDADE DE BLOGUEIROS E COLUNISTAS, CRONISTAS, TUDO PULVERIZADO DE UMA TAL MANEIRA, VOCÊ LÊ E NÃO SABE NEM QUEM ESCREVEU. ...
O entrevistado volta à mesa. S: EM 1993, NO DIA QUE SAIU A MATÉRIA REVELANDO O ESCONDERIJO DO PC, A COLUNA OMBUNDSMAN DA FOLHA FEZ UMA PERGUNTA SOBRE O QUE É O FURO: UM REPÓRTER — VOCÊ — QUE APUROU UMA HISTÓRIA E A PUBLICOU, SURPREENDENDO, DE MANHÃ, O PÚBLICO LEITOR DE UM DOS MAIORES JORNAIS DO PAÍS, OU UMA TV — A GLOBO — QUE DÁ A MESMA MATÉRIA, À NOITE, PRECEDIDA POR CHAMADAS AO LONGO DO DIA TODO? A GLOBO MARCOU BOBEIRA, porque tinham a história. Mas achavam que estavam sozinhos. Tinham 40 produtores, em Londres, atrás do PC, sabiam que ele estava lá e dormiram com uma notícia dessas, por causa da soberba. Soberba global. Até mesmo as chamadas, só deram depois da Folha, porque acreditavam que só eles sabiam. Desconsideraram que eu estava atrás do cara há dois anos, tinha uma história de construção de fonte com ele, com o advogado dele. Foi uma mancada sem limite, né? Vinda de uma emissora que acha que vai furar todo mundo. Chegou o homem [diz, referindo-se ao mestre Antônio, que adentra o bar. Segundo Xico, muda toda a configuração alimentícia do lugar]. S: VOCÊ FICOU PREOCUPADO COM A POSSIBILIDADE DE A GLOBO DAR O FURO? EU IA ME COBRAR e o jornal ia me cobrar, porque, do boy a Otávio Frias Filho [presidente da Folha], todos perguntavam. O Otávio até perguntava de forma mais relaxada do que o boy. O boy dizia “porra, cadê o PC”? Seria um baque neste aspecto [outro veículo jornalístico dar a notícia], por haver essa expectativa. Eu só fiz uma aposta certa. Ao invés de ir para Londres — e eu poderia ter viajado o mundo inteiro com o dinheiro da
S: SENTIA MEDO, EM MACEIÓ? NADA, tranquilaço. Tinha a coisa da Polícia Federal. Eu saía do hotel e os caras colados atrás. Teve escuta, uma porrada de coisa. Começaram a se incomodar, porque saía no jornal e a Polícia Federal não sabia onde ele estava. Também ficaria irritado no papel deles. Eu tinha medo, por superstição, do que chamavam à época da ‘Maldição de Arapiraca’: uma feiticeira tinha dito que ia morrer gente e começou a morrer mesmo. Quem estava perto do caso morreu, inclusive jornalistas. Morreu um cara em Salvador que tinha tido só uma rápida conexão com ele. E haja morrer nêgo. Fiquei com medo do sobrenatural, total. S: E O COLLOR? ALGUMA VEZ VOCÊ JÁ O VIU POR AÍ, NA SUA VIDA DE JORNALISTA? NÃO. Quando o PC morreu, ainda fiz umas duas ou três coisinhas, mas tentei me desligar. Ficava muito escravo do caso. As editoras queriam me encomendar livros, mas eu não quis. Gastei dentro do jornal mesmo. Me parecia muito oportunismo. Neste momento, João Calos intervém novamente: É MUITO HUMILDE!
NÃO BATEU. Não vou em cima do cadáver. Tenho outro jeito para ganhar dinheiro. Nem lembrava de fazer livro, e as editoras ficavam lembrando: por que tu não faz “Na lama com PC”? Porque eu estava com o cara direto, tomei porres, convivi com ele. Tristeza por ele ter morrido não teve. Já achava que ia morrer, mais dia menos dia, porque eu sou leitor de ficção policial e deu a lógica. D: E O QUE VOCÊ LEU DE FICÇÃO POLICIAL? LEIO muito os americanos: Dashiell Hammett, Raymond Chandler. Pensei, é claro que esse cara vai morrer. A própria morte de dona Elma, a mulher dele, foi muito mais esquisita. Uma coisa de coração, uma mulher nova e ela é que tinha ameaçado chutar o balde. Alguma coisa assim: ‘venham pra cima da gente, vocês vão ver, a gente acaba com a República’. S: QUEM ESTARIA SENDO AMEAÇADO QUANDO ELA DEU ESTA DECLARAÇÃO?
ção civil. O político é muito transitório. O cara é de um partido, negocia uma coisa aqui, negocia uma emenda ali, recebe aquele dinheiro, cai fora, perde o ministério, depois volta. A classe política não é o grande mal — claro que é um mal danado para o país, mas é transitório. O grande mal é a classe permanente. São os mesmo empreiteiros, os mesmos empresários. O político é um ladrão de galinha em relação às empreiteiras. As maiores empreiteiras do país não sabem o que é espera. As mesmas do caso PC estão agora de novo no Ministério do Transporte. O elenco da novela é fixo. S: QUAL É SUA POSIÇÃO EM RELAÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS? NESSE PONTO, sou muito anarquista. Se puder burlar meus próprios contratos, vou burlar. O cara do Acre não vai deixar de ler meus livros, porque não consegue encontrar. Mando para ele. D: TEM UMA COISA NO CORDEL, DA MUSICALIDADE, DA TRADIÇÃO ORAL, QUE FAZ O RELATO — E POR QUE NÃO O JORNALÍSTICO — PERDURAR NO TEMPO. COMO É, PARA VOCÊ, PERDURAR, SER LEMBRADO? SOBRE UMA SUPOSTA eternidade ela é feita todo dia, agora. Antes era assim: você construía uma obra. Isso também é um caminho, mas mais difícil, coisa para gênio. Como não sou gênio, acordo e boto pra foder, escrevo todos os dias. O gênio escreve com a solenidade de guardar, alguns têm noção de que são importantes mesmo, daquele jeito deles. Eu tenho urgência de amostramento, como um camelô mesmo. Não acreditar em eternidade, não acreditar que vá ficar. Mas se todo dia for lembrado, vou ser lembrado por todo o tempo [risos]. Se todo dia alguém me ler e disser alguma coisa, não estou precisando nem de morrer. Essa urgência de acordar e escrever é isto: quero, naquele dia, ser lembrado.
O POLÍTICO É UM LADRÃO DE GALINHA EM RELAÇÃO ÀS EMPREITEIRAS
{ Dois tempos: discurso empolgado numa mesa da Flip 2009 sobre tema do qual é íntimo: literatura e boemia. Abaixo: como DJ na noite da Rua Augusta, em 2008
FOTOS: ARQUIVO PESSOAL
Folha atrás dele — só fui em um Buenozairezinho e depois me instalei em Maceió. Morei lá. Se o advogado tá lá, se a mulher tá lá, as putas dele tão lá, o mundo dele tá lá.
OS PRINCIPAIS ameaçados eram os empreiteiros, para variar. Os empresários em geral, mas dentro destes principalmente a constru,81
CRÔNICO Jacques Fux
Professor, escritor e doutor em literatura comparada e francesa. Autor do livro Literatura e matemática: Jorge Luis Borges, Georges Perec e o OULIPO, lançado no mês passado
Repentinamente ela surgiu diante dos meus olhos que não mais pararam de segui-la. Tínhamos muitos amigos em comum e, por isso, um primeiro approach estava garantido. Seus lindos olhos negros, talvez olhos de jabuticabas, encantaram-me. Suas paixões e seus interesses me chamaram a atenção: era capaz de curtir Nirvana, Metallica e também as belíssimas canções de Bach. Algumas pequenas informações me fizeram crer que Carol também gostava muito de viajar, dançar e cantar. Talvez coincidências, acasos ou o próprio destino estivessem colocando Carol em uma das muitas veredas do meu caminho. Assim, cada vez mais meu interesse ia aumentando. Aos poucos, mais e mais afinidades iam sendo descobertas (ou inventadas). Carol gostava, assim como eu, de Tarantino, Al-
Carol
modóvar, Bergman, David Lynch e Lars Von Trier. Apesar de rechaçar o sofrimento, de tentar evitar ao máximo sofrer (evitando, assim, viver), Carol se comovia diante das belas coisas da vida. Não era medo que ela sentia: era falta de vontade de dar batalha (bem parecida comigo). Carol era esportista, despojada, determinada. Amava as Leis, o Direito, as Letras, mas não deixava que a arrogância e a prepotência do dinheiro tomassem conta de sua sensibilidade e de sua música. Música que, por sinal, era capaz de elevar sua alma. De acender suas paixões. E de produzir monstros. Sim, muitas vezes diante do sono da razão, Carol produzia e criava seus monstros (eu também!). Carol despertava meu desejo. Estava seduzido. Enfeitiçado. Cutucado. Às vezes, Carol não me respondia. Irônica, deixava-me imaginando uma resposta ou inventando alguma desculpa para seu desaparecimento. Tinha hábitos e disponibilidade noturnos, o que mostrava, a meu ver, sua sedução pela Lua. Com toda certeza poderia afirmar que Carol conhecia Baudelaire, Prévert e Flaubert. Também poderia inferir com base em suas amizades, livros e lugares frequentados que se encantara com as narrativas de Riobaldo, que vivera as inexplicáveis dores e alegrias humanas de Proust e que se perdera nos labirintos dos sonhos e das perturbações humanas de Joyce. Comentários, sugestões, indicações e postagens criaram inúmeras (e talvez incontáveis) histórias. Carol, sempre presente, preocupava-se com a saúde e a alegria de suas centenas de amigos. Frequentava e convidava seus amigos (e os amigos deles) para festas, comemorações, passeatas e protestos. Às vezes, participava e apoiava diferentes manifestações. Chorou com a morte e a perda de Amy, vibrou com a vinda do Paul McCartney ao Brasil, não curtiu o escândalo no Ministério do Turismo e aguardou, ansiosamente, o desfecho da última novela da Globo. E o encanto foi diminuindo lentamente. A realidade (que também é uma doce ilusão) foi se tornando mais e mais cruel. A imaginação virou utopia. A invenção; alucinação. O real; fantástico. Foi então que me dei conta de que o virtual, hoje, nada mais é do que a versão contemporânea do mito de Narciso. E eu acabei me admirando (e me apaixonando) pelo meu próprio perfil refletido no espelho de uma quase desconhecida.
Carol despertava meu desejo. Estava seduzido. Enfeitiçado. Cutucado. Às vezes, Carol não me respondia. Irônica, deixava-me imaginando uma resposta ou inventando alguma desculpa para seu desaparecimento ,82