PUBLICAÇÃO bimestral • 192 • março/abril ‘11
FARMÁCIA PORTUGUESA
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PUBLICAÇÃO bimestral • 192 • março/ABRIL‘11
FARMÁCIA PORTUGUESA
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Manifestação de vitalidade e coesão
O Centro de Congressos de Lisboa foi palco, durante os dias 25 e 26 de Março, de uma evidente prova de união e de vitalidade colectiva das farmácias de oficina. Prova-o o número recorde de participações no 10.º Congresso Nacional das Farmácias: 2.300 participantes, em representação de 1.600 farmácias.
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farmácias mais preparadas para o futuro
Os farmacêuticos de oficina deram mais uma prova de que estão mobilizados para vencer a crise económica ao participarem massivamente nas workshops organizadas em complemento das sessões plenárias do congresso: ao todo, foram 1.755 as presenças, distribuídas pelos quatro temas em discussão.
04 EDITORIAL 07 sessão de abertura
Insustentabilidade do sistema de saúde Unsustainability of the health system
14 Painel I
Tendências de organização dos sistemas de saúde Trends in health system organization
35 sessão
de encerramento Apelo à organização
colectiva Appeal for collective organization
40 conclusões 45 cocktail 46 expofarma
19 painel II
49 cArtoon
Política e comparticipação dos medicamentos medicines Reimbursement policy
25 Painel III
serviços e sustentabilidade da farmácia pharmacy services and sustainability
quase oito mil visitantes Nearly eight thousand visitors
50 desta varanda
from this balcony
30 debate
política de comparticipações e sustentabilidade da farmácia medicines reimbursement policy and pharmacy sustainability
Farmácia portuguesa
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FARMÁCIA PORTUGUESA
EDITORIAL
Propriedade
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Dr. Francisco Guerreiro Gomes Sub-Directores
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Coordenadora Redactorial
Drª Rosário Lourenço Email: rosario.lourenco@anf.pt Coordenadora Redactorial adjunta
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Redacção: Edifício Lisboa Oriente Av. Infante D. Henrique, 333 H, Escritório 49 1800-282 Lisboa Tel.: 21 850 81 10 - Fax: 21 853 04 26 Email: farmaciasaude@lpmcom.pt Consultora Comercial
Sónia Coutinho soniacoutinho@lpmcom.pt Tel.: 96 150 45 80 Tel.: 21 850 81 10 - Fax: 21 853 04 26
Distribuição gratuita aos associados da ANF Assinaturas 1 Ano (12 edições) - 50,00 euros Estudantes de Farmácia - 27,50 euros Contacto: Margarida Lopes Telef.: 21 340 06 50 • Fax: 21 340 06 74 Email: margarida.lopes@anf.pt
Impressão e acabamento RPO - Produção Gráfica, Lda. Depósito Legal n.º 3278/83 Isento de registo na ERC ao abrigo do artigo 9.º da Lei de Imprensa n.º 2/99, de 13 de Janeiro
Penso que melhor que um texto elaborado para explicar aos leitores a opinião pessoal sobre a situação em que nos encontramos e os “porquês” desse facto, é inscrever frases adequadas que temos lido. “Com politicas assim, Portugal não precisa de inimigos” Bruno Faria Lopes Jornal i, 08 de Abril de 2011
“As tendências são claras e inquietantes. Nenhuma acção hoje significa nenhuma cura amanhã”
(a propósito da resistência aos antibióticos estar a tornar-se cada vez mais forte e muitas infecções já não serem curadas com a mesma facilidade) Margaret Chan, Directora Geral da OMS Jornal i, 08 de Abril de 2011
“Portugal vai ser o único país da UE em recessão até 2012” Jornal O Sol, 15 de Abril de 2011
“Rumo: precisa-se Não só Passos Coelho parece não ter grandes ideias sobre o futuro. O Presidente da República talvez também tivesse a obrigação de apontar caminhos e abstém-se quase sempre de o fazer. Faz muitas críticas, levanta problemas, mas raramente apresenta soluções.” José António Saraiva Revista Tabu, Jornal O Sol, 15 de Abril de 2011
Periodicidade: Bimestral Tiragem: 5 000 exemplares
Distribuição
FARMÁCIA PORTUGUESA é uma publicação da Associação Nacional das Farmácias Rua Marechal Saldanha, 1, 1249-069 Lisboa
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Francisco Guerreiro Gomes
10.º CONGRESSO ANF O Centro de Congressos de Lisboa foi palco, durante os dias 25 e 26 de Março, de uma evidente prova de união e de vitalidade colectiva das farmácias de oficina. Prova-o o número recorde de participações no 10.º Congresso Nacional das Farmácias: 2.300 participantes, em representação de 1.600 farmácias.
Número recorde de participantes
Manifestação de vitalidade e coesão Esta adesão massiva dos farmacêuticos portugueses é tanto mais significativa por acontecer num momento em que o sector atravessa um contexto de dificuldades económicas, fruto da actual conjuntura do país mas também da onda de medidas penalizadoras adoptadas desde 2005. O próprio tema do congresso – a “Política Social do Medicamento” – reflectiu esta realidade: a política do medicamento, com baixas administrativas de preços e reduções nas comparticipações, tem vindo a ameaçar quer a acessibilidade dos cidadãos a um bem essencial, quer a sustentabilidade das farmácias. E, em última instância, a fazer questionar o sector sobre até quando estarão as farmácias em condições de assegurar um serviço de qualidade se as receitas continuarem em queda e os custos em alta. Ao longo dos dois dias de trabalho, fez-se o retrato da política do medicamento em Portugal, dos seus constrangimentos e debilidades, para, a partir da com-
paração com reformas bem sucedidas internacionalmente, se delinearem novos rumos e apresentarem propostas de mudança. Especialistas nacionais e internacionais, na área da farmácia, da investigação e da economia, enriqueceram o debate com o contributo da sua experiência. Deputados de todos os quadrantes partidários fizeram ouvir as suas opiniões, num debate vivo, em que a argumentação acabou por ser dominada pela prescrição por DCI. Estava-se em vésperas da última reunião da Comissão Parlamentar de Saúde antes da dissolução do parlamento e em sede da especialidade uma proposta de lei do CDS nesse sentido aguardava votação. Acabaria por ser chumbada e a legislatura a terminar sem avanços nesta matéria, já que a proposta do governo havia sido anteriormente inviabilizada pelo Presidente da República. Outras questões, não de somenos importância, estiveram em foco neste congresso. Nas workshops que complementaram as sessões plenárias,
debateram-se alguns dos desafios que o sector enfrenta para contornar os actuais obstáculos à sustentabilidade: a economia da farmácia, a organização funcional e os recursos humanos, a organização do espaço - merchandising e gestão de categorias e a implementação de serviços foram as temáticas propostas. Também aqui se registou uma afluência muito significativa: mais de 1.700 presenças nas oito sessões realizadas (duas por cada tema). Das workshops os participantes saíram, certamente, munidos de conhecimentos e ferramentas que os ajudarão a evidenciar-se pela positiva, contribuindo para uma maior diferenciação e competitividade da farmácia. Do congresso, no seu todo, colheram uma perspectiva realista da actual situação do sector, mas também uma mensagem de optimismo e esperança quanto ao caminho a trilhar. E, sobretudo, uma mensagem de determinação e de confiança no maior activo das farmácias de oficina: a união.
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10.º CONGRESSO ANF Farmácia Lídia de Almeida, Lisboa
Congresso mostrou união da classe Foi o tema – “A política social do medicamento” – o principal motivo que levou Sónia Santos, da Farmácia Lídia de Almeida, em Lisboa, a inscrever-se no 10º Congresso Nacional das Farmácias. Porque são questões que sente no seu dia-a-dia de farmacêutica, quer no que respeita ao impacto da política do medicamento na economia da farmácia, quer no que respeita ao impacto nas decisões dos utentes. “Não está fácil”, é o comentário que faz, ao recordar a preocupação dos utentes com os preços dos medicamentos ainda antes de aviarem a receita: “Quase que fazemos receitas por orçamento”. Saiu do congresso um tanto ou quanto deprimida, por via das apresentações que traçaram um retrato entre o pessimista e o realista. No entanto, a exposição de soluções em curso noutros países mostrou-lhe que há alternativa. E que essa alternativa passa pelos serviços, que – reconhece – a ANF tem estado a dinamizar. Assim tem de ser para enfrentar a rápida mudança de regras a que se tem assistido no sector. Pela sua parte, agora que conta com o reforço de mais uma farmacêutica, está apostada em reanimar na farmácia os programas de cuidados farmacêuticos. Quanto à elevada participação neste congresso, Sónia Santos considera que ela revela que os farmacêuticos estão todos preocupados com a actual situação. Mostra – resume – a união da classe.
Farmácia Sena Padez, Fundão Farmacêuticos presentes “em peso”
Teresa Padez, da Farmácia Sena Padez, no Fundão, é presença habitual nos congressos da ANF. A este não podia faltar dada a actualidade do tema principal. As questões sociais associados ao medicamento há muito que a preocupam, a partir da experiência quotidiana: os utentes já não aviam a totalidade da receita, optando pelos medicamentos prioritários e diferindo os demais o máximo possível. Além disso, estão confusos e não compreendem o porquê de tantas alterações nos preços e medicamentos, obrigando a um trabalho permanente de explicar que não é a farmácia a responsável por tamanha oscilação. São mudanças que não beneficiam nem a farmácia nem o utente e Teresa Padez tem mesmo dúvidas de que beneficiem o Ministério da Saúde… Da sua participação no congresso elege, em particular, as workshops, uma oportunidade de aprendizagem, de ouvir ideias novas que podem ajudar a evoluir e melhorar, em proveito da própria farmácia mas também dos utentes. Mas deixou o Centro de Congressos de Lisboa pessimista, sobretudo por verificar no contacto com colegas que muitos outros partilham as mesmas dificuldades. Alguns estão pior. As farmácias – diz – “estão a passar um mau bocado”. Talvez por isso, este tenha sido dos congressos mais participados de sempre.
Farmácia Azevedo Carvalho, Cabeceiras de Basto Serviços farmacêuticos são o futuro
Desde que é proprietária e directora técnica da Farmácia Azevedo Carvalho, há sete anos, que Maria Manuela Carvalho participa nos congressos da ANF. E fá-lo porque constituem sempre uma oportunidade de aceder a informação importante para a profissão, de aprender e de ficar actualizada. Este ano, a esta razão juntou-se uma outra: a actualidade do tema. Foi “um aliciante extra” para quem enfrenta, no dia-a-dia, as consequências da constante alteração na política de preços e comparticipações. Como proprietária, enfrenta maiores dificuldades na gestão da farmácia. Como farmacêutica de balcão, lida com a necessidade de explicar a situação aos utentes: “Tento transmitir-lhes que as alterações são decisões do governo a que a farmácia é alheia, mas há sempre o risco de sermos considerados responsáveis, acho que essa ideia pode ficar nalguns utentes”.
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Do congresso levou para Cabeceiras de Basto o conhecimento da realidade de outros países e o reforço de competências nas áreas da gestão da farmácia e dos recursos humanos, temas das duas workshops a que escolheu assistir. Ficou também com a certeza de que o caminho para o futuro da farmácia são os serviços farmacêuticos. Na sua, por enquanto, só disponibiliza os serviços essenciais, dado que se transferiu para a sede de concelho há apenas dois anos e está ainda em fase de estabilização. Mas depois tenciona investir nos serviços diferenciados, porque acredita que é a forma de a farmácia se diferenciar dos demais pontos de venda de medicamentos e produtos de saúde. Ainda sobre o congresso, Maria Manuela Carvalho considera que a elevada participação registada este ano passou para o exterior uma mensagem importante: de união e de força.
Insustentabilidade do sistema de saúde
Farmácias não podem ser responsabilizadas
Maurício Barbosa, Bastonário da OF; David da Hora Branco, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da ANF; Jorge Torgal, Presidente do Infarmed; João Cordeiro, Presidente da ANF
Na sessão de abertura do 10.º Congresso Nacional das Farmácias, o presidente da ANF deixou bem claro que o sector não pode ser responsabilizado pelo estado actual do país e do sistema de saúde. Pelo contrário, as farmácias têm funcionado como bode expiatório nas políticas governamentais e os medicamentos como bombo da festa sempre que é preciso atacar a despesa. Foi perante uma plateia repleta de farmacêuticos que se desenrolou a sessão solene de abertura do 10.º Congresso Nacional das Farmácias. Uma afluência que foi sublinhada ao longo do evento pelos diversos intervenientes, desde logo o presidente da Mesa da Assembleia Geral da ANF, David Hora Branco, a quem couberam as palavras inaugurais do congresso, na manhã de 25 de Março.
Salientando que o elevado número de inscrições – mais de 2.300 – é prova do enorme interesse que o evento despertou entre a classe farmacêutica, David Hora Branco evocou os anteriores congressos da associação para afirmar a sua convicção de que todos eles foram relevantes para o avanço qualitativo da profissão, para o acrescento e optimização dos serviços prestados pelas farmácias e para a valorização da sua vertente
social. Os congressos – disse – são os locais e os momentos adequados à reflexão e à discussão, ao debate de ideias, ao rasgar de novos horizontes, ao afrontamento de novos desafios, à definição de novos objectivos. São, em suma, “a demonstração de um indomável querer, a evidência de uma forma muito própria de ousar, perspectivando a transformação de cada arreliante contrariedade numa nova oportunidade de
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10.º CONGRESSO ANF
Para David Hora Branco, este foi o congresso da coesão e da unidade para ultrapassar com sucesso e segurança a instabilidade da crise política, económica, financeira e social.
interesse associativo e de excelência profissional”. O presidente da Mesa da Assembleia Geral deteve-se em particular no primeiro congresso, há quase 30 anos, comparando-o a um engenho explosivo que, ao deflagrar, ocasionou uma autêntica revolução no sector. Desde então, as farmácias viveram em contexto de sucesso profissional e rentabilização económica, conhecendo “anos de inusitada prosperidade sem prejuízo dos cidadãos e do Estado”. Esse crescendo foi claramente interrompido, assistindo-se a uma enorme regressão por acção e por omissão do poder político constituído, “pressionado por clientelismos bem identificados”. “Assistimos incrédulos e impotentes ao tornado devastador da demagogia, sofremos o terramoto terrível da liberalização absurda, o tsunami monstruoso da aplicação de medidas legislativas que tudo submergem e destroem”, descreveu, justificando que a legislação “desadequada e absurda” aprovada deixou cerca de mil farmácias em risco de sobrevivência, sendo que muitas delas estão já técnica e financeiramente falidas.
O congresso da coesão É este o cenário do 10.º congresso, nas palavras de David Hora Branco, o congresso da coesão e da unidade para ultrapassar com sucesso e segurança a instabilidade da crise po-
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lítica, económica, financeira e social. São – disse – tempos muito difíceis, mas não impedirão as farmácias de erguerem a sua voz para gritar a sua indignação e proclamar as razões da sua razão e preconizar linhas de acção para o futuro. E – sublinhou – para que a luta possa redundar num êxito é preciso “a união consciente de todos em torno de um objectivo redentor, não rejeitando riscos nem sacrifícios”: “Só unidos, firmes e determinados conseguiremos a força necessária para a resistência, o combate e a vitória”. Importa – prosseguiu – que todos e cada um se unam em redor da direcção nacional e “de quem lidera com todo o mérito”: “É preciso que subalternizemos os objectivos menores que alguns persistem em perseguir em benefício do bem comum, daquilo que nos fará sobreviver e prosperar colectivamente”. O mesmo tom crítico face às políticas que têm fustigado o sector, não obstante os seus contributos para a saúde em Portugal, esteve presente na intervenção do bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Carlos Maurício Barbosa. O pessimismo perante o estado actual da economia do país dominou as suas primeiras palavras: “Todos gostaríamos que o congresso se desenrolasse em clima de optimismo e esperança, mas o facto é que atravessamos tempos de incerteza, em que os constrangimentos financeiros, que mandam mais do que tudo o mais, vieram e virão condicionar drasticamente as políticas sociais.
Temos de estar preparados para piores tempos do que aqueles que vimos conhecendo”. Os farmacêuticos – continuou – têm de estar conscientes de que o estado social, que tanto progrediu e bem, está agora sob atenta análise, submetido a severas revisões e triagens, na óptica da contenção da despesa pública e do seu financiamento. É “uma autêntica e incerta prova de fogo”. Defendendo a ideia de que na actual política do medicamento a sustentabilidade das finanças públicas se sobreleva a factores como a eficiência do sistema e a equidade social, o bastonário sustentou que esta é uma “dura realidade” que os farmacêuticos devem perceber: “Não a desejamos, mas não podemos enfiar a cabeça na areia. Devemos procurar contribuir para que o efeito social negativo (destas políticas) seja o mais atenuado possível”. Debruçando-se de seguida sobre o sector, Carlos Maurício Barbosa deixou uma palavra de reconhecimento à ANF pelo “importante papel no desenvolvimento e modernização” das farmácias, modelares na União Europeia.
Momentos de incompreensível adversidade As farmácias – precisou – constituem um “excelente exemplo de
Carlos Maurício Barbosa, Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos
como o serviço público, no sentido de serviço ao público, não tem de ser prestado pelo Estado, pode ser prestado por privados sujeitos a uma eficiente e exigente regulação estatal”. A propósito, afirmou que uma visão estatizante do sector como a que se perspectiva nos Açores não é a que serve melhor os interesses dos cidadãos e do Estado, além de flagelar uma tradição da cultura portuguesa. Os farmacêuticos são vistos pelos portugueses como os profissionais de saúde que lhes estão mais próximos, a eles se devendo em larga medida a acessibilidade ao medicamento e a garantia da sua qualidade e segurança, a promoção da sua adequada utilização, de modo a que sejam alcançados os resultados clínicos desejados. A esta prestação respondem os portugueses com uma elevada satisfação e um elevado grau de confiança. Não obstante, “o sector tem vivido momentos de incompreensível adversidade impostos pelos decisores políticos”. Ao ponto de se ter alterado os estatutos da própria Ordem, sem consultar os farmacêuticos, só para conferir natureza legal ao que se pretendia aprovar. É – criticou – “a
época do rolo compressor, em que os fins parecem justificar os meios”. Aos presentes, deixou uma questão: “Em que medida beneficiaram os cidadãos e o Estado?”. A resposta é “negativa e desoladora”. A palavra de ordem que liderou as mudanças iniciadas em 2005 era – lembrou – a concorrência. E a concorrência “é bem-vinda, desde que não ponha em causa os princípios da qualidade e da segurança, nem estimule o consumismo de medicamentos. Não é só preço, é também qualidade, competência, confiança, proximidade, aspectos muito caros aos farmacêuticos”. Há muito que as farmácias estavam em concorrência, uma sã concorrência, boa para os cidadãos. “Pretender fomentar a concorrência pela via dos preços pode ser artificioso, ilusório e, pior do que tudo, pode ferir um dos alicerces da confiança”. E a confiança não deve ser menorizada, antes pelo contrário, deve ser respeitada, robustecida. A propósito, sublinhou que a Ordem esteve e está “frontalmente contra” a retirada do preço da embalagem, “decisão incompreensível”, geradora de desconfiança e conflitos e que
reduz a transparência. Esta decisão “feriu de morte a credibilidade de todo o circuito do medicamento aos olhos do público”. Os ventos de liberalização que sopraram em Portugal nos últimos anos ditaram também outro modelo de propriedade da farmácia, contrário ao entendimento da Ordem de que a indivisibilidade da propriedade e da direcção técnica é a que melhor protege os cidadãos e garante a autonomia e independência do exercício profissional. Quanto à liberalização de medicamentos não sujeitos a receita médica, o resultado foi que mais de 70 por cento desse mercado é agora detido pelas grandes superfícies que – alertou – “lutam poderosamente pelo alargamento da lista”. Em sinal contrário, a Ordem advoga a chamada terceira lista, de medicamentos não sujeitos a receita médica mas de dispensa exclusiva em farmácia segundo critérios técnicos e científicos. Estes pontos de vista foram apresentados ao governo, mas – lamentou o bastonário – quando tudo indicava uma confluência de posições, assistiu-se no Orçamento para 2011 à escolha de outro caminho, o de
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João Cordeiro, Presidente da ANF
alargamento da lista”. “Não desistiremos”. A Ordem não desistirá também de ver abandonado o regime de instalação de farmácias de dispensa ao público em hospitais do SNS, modelo que já demonstrou que não cumpriu e não vai cumprir nenhum dos objectivos.
Cortes avulsos não garantem sustentabilidade Retomando a questão da crise económico-financeira, Maurício Barbosa afirmou que as medidas de austeridade podem justificar-se em face da actual conjuntura, mas não é com cortes avulsos e pontuais que se garante a sustentabilidade do sistema. Sobre os preços dos medicamentos, que têm sido alvo desses cortes, deixou a opinião de que é fundamental que todos os agentes económicos tenham viabilidade, essencial no caso das farmácias para que os farmacêuticos possam exercer a profissão de forma irrepreensível. Medidas estruturais são necessárias, nomeadamente a obrigatorie-
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dade de prescrição por DCI “no mais curto prazo possível” e a adopção de protocolos terapêuticos em ambulatório de modo a racionalizar a prescrição e os custos. O país deve ainda apostar e investir no reforço da competência dos farmacêuticos, alargando a sua intervenção no sistema de saúde. Os farmacêuticos têm uma capacidade muito superior à sua utilização actual, o que prefigura uma situação de “desperdício social”.
Estado gasta muito e gasta mal A actual situação do país e as medidas que têm fustigado o sector das farmácias foram igualmente o pano de fundo da intervenção do presidente da direcção da ANF, João Cordeiro. Portugal – começou por dizer – “vive na ansiedade da crise e na incerteza quanto ao seu fim”, uma crise que se agrava por “falta de consenso político quanto às medidas que são necessárias para a ultrapassar”. Há – acusou – “falta de verdade na política” e “é cada vez mais difícil acreditar nas instituições e nos seus
responsáveis”. O Estado está a arruinar o país porque “gasta muito e gasta mal, porque faz política com a vida das empresas, porque não respeita os empresários nem os mercados”. Era “preferível, mais sério e mais útil” que criticasse os seus próprios erros, nomeadamente os que tem cometido no SNS, uma “obra notável da democracia” mas que se revelou incapaz de evoluir, “fechou-se sobre si próprio, fechou-se à iniciativa privada, transformando-se num gigante administrativo, centro de confluência de interesses de vária ordem, de políticos a profissionais”. João Cordeiro criticou o facto de o Estado se ter assumido como prestador, regulador e financiador, hostilizando os prestadores privados. “A ideologia continua a dominar o SNS”. Exemplo do predomínio da ideologia sobre a racionalidade das soluções é a criação de farmácias de dispensa ao público nos hospitais do SNS: criou-se um negócio simulado na saúde, não se resolveu problema nenhum no acesso ao medicamento. Nenhuma das seis até agora instaladas cumpriu as suas obrigações financeiras: “Quanto custa ao Estado a aventura destas seis farmácias?”,
Jorge Torgal, Presidente do Infarmed
questionou. O Estado – continuou – “é o grande patrão da saúde em Portugal, mas um mau patrão”: “É arrepiante ver a forma como são geridos os grandes hospitais, como se gastam milhões e milhões de euros em iniciativas que não resolvem os problemas, são apenas obra de fachada…”. “Muitos falam em desperdício, muito poucos parecem querer evitá-lo, muitos alimentam-se desse próprio desperdício”, acusou.
Farmácias mergulhadas em crise O presidente da ANF sublinhou, a propósito, que o saneamento financeiro da saúde não é um problema da despesa com medicamentos em ambulatório, que está controlada, mas um problema de gestão do SNS e da despesa sem limites das suas instituições, nomeadamente dos hospitais. O mercado de ambulatório cresceu abaixo da taxa de inflação, já o hospitalar cresceu a um ritmo cin-
co vezes superior ao do ambulatório. A redução deveria, pois, ser feita no mercado hospitalar, mas não é isso que está a acontecer. Prova disso é o recente protocolo com a indústria farmacêutica, que prevê cortes de 14 por cento no ambulatório mas de apenas dois por cento nos hospitais. “Não se compreende a solução!”. Não se compreende também a “discriminação a que têm sido sujeitos os preços dos medicamentos no ambulatório, sujeitos a seis cortes desde 2005. “Sempre que é preciso fazer face a problemas na saúde, a solução é sistematicamente reduzir os preços em ambulatório aprovados pelo próprio Estado. É mais fácil do que reduzir a despesa do sector público”, criticou. Mas “não há economia que resista”, “as farmácias estão mergulhadas numa crise que até há pouco julgavam inimaginável”. O sector – recordou – entrou no regime democrático sob suspeita de ser protegido pelo regime corporativo, viveu os últimos 30 anos sob ameaça permanente, mas foi resistindo, com um nível de excelência que é motivo de orgulho
e admiração de muitos. “Éramos um mau exemplo neste país”. E, por isso, inesperadamente, a anterior legislatura iniciou um processo de destruição aos alicerces do sector, a pretexto da defesa da liberdade económica e que “serviu apenas para que os hipermercados passassem a vender medicamentos” e para que os jovens farmacêuticos, anteriormente candidatos naturais à propriedade da farmácia, sejam cada vez mais assalariados. O sector foi “resistindo razoavelmente, embora com dificuldades”, até que o agravamento da crise do país se abateu sobre as farmácias “de forma implacável”: João Cordeiro deu conta da situação “gravíssima” – 450 farmácias com fornecimentos suspensos pelos grossistas, 186 processos judiciais para regularização de dívidas, 462 acordos para regularização de dívidas, com processos e acordos a envolverem o montante de 165 milhões de euros. “Como foi possível chegar a esta situação?”, perguntou, para admitir que pode haver muitas explicações, mas “o que ninguém pode, em cons-
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A ANF está à vontade para dar o seu contributo, tem investido na procura de soluções que confiram segurança ao sistema, enquanto o ministério tem andado aos ziguezagues.
ciência, é responsabilizar as farmácias”. Os serviços prestados são de qualidade, os medicamentos dispensados são aqueles que o governo autoriza e os médicos prescrevem, alem de que as farmácias não têm interferência nas decisões sobre preços e comparticipações e possuem a margem mais baixa de toda a União Europeia.
Querelas partidárias têm adiado soluções A crise das farmácias é uma realidade, que começou por ter origem na “ausência de vontade política para diagnosticar, enfrentar e resolver os problemas”. Querelas partidárias têm adiado sucessivamente as soluções sobre temas como os direitos dos doentes, o mercado de genéricos, os preços e comparticipações, a dispensa de medicamentos de uso hospitalar, a prescrição por DCI… Sobre este assunto, disse João Cordeiro que é justo reconhecer que o governo aprovou finalmente um diploma e que o mesmo fez o Parlamento. Mas, “o que é certo é que, apesar de se arrastar há mais de 20 anos e de haver amplo consenso, o problema não está resolvido” –
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o Presidente vetou inesperadamente o diploma do governo e o Parlamento continua a discutir na especialidade uma lei aprovada na generalidade há quase seis meses. “É assim que as coisas se passam no nosso país”. Retomando a política de preços e comparticipações, o presidente da ANF criticou o governo por aprovar a metodologia mas não a cumprir, umas vezes não permitindo a actualização, outras aprovando preços casuisticamente, contrariando as regras em vigor, outras ainda reduzindo-os administrativamente sempre que as necessidades orçamentais o exigem. É “uma situação inadmissível e imoral”, tendo em conta que o Estado é o principal cliente do sector do medicamento, seja por via directa da aquisição para os hospitais públicos, seja por via indirecta da comparticipação de preços em ambulatório. Aliás, cerca de 80 por cento das vendas das farmácias são a beneficiários do SNS. É, pois, “preciso parar para pensar, sob pena de se afundar o sector numa crise sem precedentes e, sobretudo, sem solução”. O Estado não é capaz de resolver os problemas de fundo, mas o controlo orçamental não se consegue com cortes no ambulatório. Tão caótico como o regime de preços é o de comparticipações.
São tantas as regras que é difícil compreendê-las, aplicá-las e prever as suas consequências. O sistema precisa de um “regime simples, fiável e compreensível para os doentes e de fácil aplicação pelas farmácias”. Precisa de instrumentos de gestão que permitam conhecer a natureza exacta da despesa pública com as comparticipações. De outra forma, “a despesa é dificilmente controlável e a tentação de encontrar bodes expiatórios será irresistível”. Assim acontece com as publicitadas fraudes com receituário, “tema recorrente que tem servido essencialmente para manipular a opinião pública e afastar as atenções dos portugueses dos verdadeiros problemas da saúde”, sem que sejam tomadas medidas para as prevenir. “Cada um tem de assumir as suas responsabilidades e os governos não são os menos responsáveis”, defendeu. A ANF está à vontade para dar o seu contributo, tem investido na procura de soluções que confiram segurança ao sistema, enquanto o ministério tem andado aos ziguezagues. Exemplo disso é a experiência de prescrição electrónica em Portugal, interrompida sem que tenha sido avaliada, sem que tenha sido dada qualquer explicação pública: o seu fim é um mistério que continua por
explicar, tanto mais que o governo a introduziu de novo na legislação. “Somos forçados a concluir que nem todos estão interessados no controlo da despesa com medicamentos”, frisou. A ausência de frontalidade está também patente na retirada do preço das embalagens: foi uma surpresa, uma medida tomada no segredo dos gabinetes, que não tinha sido apresentada e que não foi objecto de qualquer discussão. “Quem seriam os beneficiários? Os prejudicados são fáceis de identificar…”, comentou João Cordeiro, sustentando que o Estado deve explicar bem as suas decisões em vez de recorrer a subterfúgios. Com esta medida, tornou-se mais difícil o conhecimento e a comparação dos preços e, como tal, a opção por medicamentos mais baratos, o que destrói a confiança no sistema. A resposta foi uma das maiores petições de sempre, com a qual as farmácias estiveram solidárias. Já é tempo – sublinhou – de o Ministério da Saúde identificar os problemas e adoptar as soluções. Pelo seu lado, as farmácias estão com a mesma determinação de sempre na procura de soluções para os seus problemas: “Somos pessoas
sérias e não admitimos ser enxovalhados como temos sido algumas vezes. O país não chegou à situação em que está por nossa responsabilidade. As farmácias não contribuíram para o endividamento do Estado, o Estado é que tem contribuído para o nosso endividamento. Não é justo fazer sofrer as farmácias”. Para o presidente da ANF, a redução dos preços e comparticipações não pode continuar a ser o bombo da festa, tanto mais que a despesa tem estado a cair drasticamente em ambulatório. É na reforma do SNS que o Estado deve procurar economizar.
Só com solidariedade é possível sobreviver A finalizar, retomou uma mensagem que já havia sido deixada pelo presidente da Mesa da Assembleia Geral: a coesão e a solidariedade do sector e a força da sua organização foram construídas num tempo de crise e foi graças a essa união que o sector conseguiu desenvolver-se e prestar uma assistência farma-
cêutica de qualidade nos últimos 30 anos. “Estamos de novo numa época de crise, porventura mais grave. Devemos aprender com o passado. Só reforçando a nossa solidariedade conseguiremos sobreviver”. Afirmando-se muito preocupado com todas as farmácias, seus proprietários, famílias e colaboradores, João Cordeiro frisou ter fé e força de vontade para continuar a lutar pela estabilidade do sector. “Acredito que vamos ultrapassar as dificuldades”. E a participação massiva no congresso é disso “um sinal de esperança”.
Ministra ausente O encerramento da sessão inaugural esteve a cargo do presidente do Infarmed, Jorge Torgal, em representação da ministra da Saúde, Ana Jorge, que um imprevisto impediu de estar presente. A ministra – disse – “afirma o seu respeito pelas associações do sector, em particular por esta, pela sua dimensão e pela importância que tem tido, tem e terá para os portugueses. E acredita que, qualquer que seja a evolução do SNS, a ANF terá um contributo preponderante para a sua sustentabilidade e para uma melhor saúde dos portugueses”.
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10.º CONGRESSO ANF Tendências de organização dos sistemas de saúde
O desafio de racionar os recursos sem prejudicar a eficiência Esta foi uma das ideias transversais ao debate sobre as “Tendências de organização dos sistemas de saúde”. Um debate em que emergiu ainda a necessidade de separar a contratação da separação de serviços, em nome da sustentabilidade do sistema. O olhar do economista Rui Diniz, administrador da José de Mello Saúde (JMS), foi o ponto de partida para o debate sobre as “Tendências de organização dos sistemas de saúde” com que o 10.º Congresso Nacional das Farmácias prosseguiu logo após a sessão inaugural. Antes de apresentar as suas ideias para o sistema português, Rui Diniz começou por fazer o enquadramento da evolução dos sistemas a nível internacional, para sublinhar que é inegável a obtenção de cada vez melhores resultados em saúde. O aumento da
esperança média de vida e a diminuição do número de anos de vida potencialmente perdidos trazem grandes benefícios para os cidadãos, mas ao mesmo tempo assiste-se a um crescimento muito significativo da despesa total em saúde: em 1975 ficava-se pelos 5 por cento do Produto Interno Bruto (PIB), sendo actualmente próxima dos 10 por cento. Se esta tendência se mantiver, a despesa pode atingir os 16 por cento do PIB em 2030. Coloca-se uma questão face a este cenário: é um facto que a saúde é uma prioridade a que é preciso alocar re-
cursos, mas até que ponto é sustentável ou não continuar com este ritmo? O maior desafio que se coloca aos sistemas é, pois, na óptica do economista da JMS, como continuar a promover uma saúde de crescente qualidade, com mais e melhor acesso, com mais e melhores ganhos, e ao mesmo tempo garantir a sustentabilidade. E isto porque a opção de gastar menos e ter menos ganhos em saúde não é aceitável. Certo é, no entanto, que não se pode chegar a 2030 com quase 20 por cento da riqueza gerada num ano destinada a despesas com saúde.
João Cordeiro, Presidente da ANF; Miguel Gouveia, Economista da Univ. Católica; Rui Diniz, Administrador da José de Mello Saúde; Paulo Baldaia, Jornalista; Jorge Torgal, Presidente do Infarmed; Rosário Zincke, Representante da Ass. Alzheimer Portugal na Plataforma Saúde em Diálogo
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Em busca de respostas para este dilema, o sistema inglês encetou há menos de um ano uma reforma, a maior de sempre. Com um sistema de saúde (NHS) fundamentalmente público, enveredou-se pela criação de comités independentes para contratualização de cuidados, pela atribuição de orçamentos aos médicos de família, pelo aumento da concorrência, por maior regulação, pela conversão dos hospitais públicos em empresas, pelo enfoque na qualidade clínica, pelo aumento da transparência do sistema. Hoje há mais concorrência, mais descentralização, mais regulação. E continua-se a proporcionar boa saúde reduzindo os custos. A reforma na Alemanha começou em 1996. A partir do sistema de seguros de saúde, obrigatório, incentivou-se a concorrência entre seguradoras privadas e de natureza pública, permitindo a escolha dos cidadãos, sendo que as seguradoras têm de aceitar todos os candidatos. Em face desta mudança, a despesa alemã cresceu a um ritmo inferior à média da OCDE, mas não foi considerado suficiente pelo que, em Janeiro de 2011, foram introduzidas novas medidas visando reduzir os custos em 11 biliões de euros anuais - mais contribuições das empresas e das pessoas, limitação clara da despesa total e com medicamentos, programas de melhoria da eficiência hospitalar. Também aqui o objectivo foi conseguir mais concorrência, mais escolha, mais regulação, mais eficiência.
Separar o pagador do prestador deve ser prioridade Situando-se em Portugal, Rui Diniz fez uma breve descrição do sistema de saúde, em que a responsabilidade maior pelo financiamento e pela contratação pertence ao Estado, com os subsistemas e as seguradoras a
Rui Diniz, Economista, Administrador da José de Mello Saúde
Situando-se em Portugal, Rui Diniz fez uma breve descrição do sistema de saúde, em que a responsabilidade maior pelo financiamento e pela contratação pertence ao Estado, com os subsistemas e as seguradoras a desempenharem um papel complementar.
desempenharem um papel complementar. Os mecanismos utilizados pelo Estado e pelos sistemas complementares são “em tudo semelhantes à primeira vista mas manifestamente diferentes”. As seguradoras de saúde recebem o
dinheiro dos segurados, definindo de forma clara quais as coberturas a que cada beneficiário tem direito e fazendo uma gestão muito criteriosa da utilização dos serviços. É – sublinhou – o controlo típico de um contratador, que a nível público não é feito: confunde-se gratuitidade com utilização sem limite, o que gera custos, pelo menos para alguns, a alocação de recursos não é feita em função dos serviços procurados mas dos custos que os prestadores têm de cobrir. Para o economista, o sistema tem sido pensado apenas numa dimensão, ou na da sustentabilidade ou na dos ganhos em saúde, mas é importante olhar de uma forma mais completa, incluindo o ponto de vista da eficácia, da acessibilidade, do nível de serviço. Também Portugal se debate com o dilema de uma eficácia crescente e uma despesa igualmente crescente. Como ultrapassar esse dilema ocupou a segunda parte da sua intervenção, o que fez separando “o que se deve fazer” de “quem deve fazer”. “Estamos mais vezes de acordo sobre o que é necessário ser feito do que sobre quem deve fazer”, justificou. Na sua opinião, a “prioridade imediata” deve ser separar de forma clara a responsabilidade da contratação da responsabilidade da prestação. “Não é possível mudar o sistema sem isso”. Só assim se garante transparência ao sistema. Depois dessa separação, é crucial reforçar a função de quem contrata, “a mais difícil do sistema”, com mais gente, mais capacidade, mais recursos: “Quem gere uma população de dez milhões tem de ter capacidade para comprar, para controlar, não se pode limitar a distribuir o dinheiro, tem de o controlar”. De seguida, há que reforçar o papel dos cuidados primários, elemento central no controlo da despesa: é preciso garantir uma saúde de qualidade com menos custos, direccionando as pessoas para o sítio certo. Na mesma linha, importa melhorar a eficiência
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Na óptica de Miguel Gouveia, uma das razões por que se gasta em demasia é porque há imensa demagogia na saúde. Deu como exemplo a comparticipação a 100 por cento de medicamentos, que levou à fraude e, mesmo que não tivesse levado, gerou certamente desperdício. Miguel Gouveia, Economista da Universidade Católica Portuguesa
dos prestadores: existem hospitais a fazer as mesmas coisas com diferenças de custos na ordem dos 25 por cento, pelo que é fundamental transversalizar as boas práticas para que o sistema não fique dependente da qualidade individual. E aumentar a capacidade de gestão do sistema passa também por aumentar a transparência, publicando os dados de gestão, os outcomes clínicos, comparando hospitais, tornando esses resultados visíveis para a população. No entanto, estas medidas orientadas à gestão, apesar de necessárias, não serão suficientes para garantir a sustentabilidade a prazo. Factores como o envelhecimento da população e a inovação tecnológica vão contribuir para um maior crescimento da despesa. É preciso – propôs – garantir cada vez mais incentivos à prevenção, à gestão das doenças crónicas, a um maior envolvimento dos cidadãos nas decisões. É preciso que as pessoas percebam o que os seus actos significam e que sejam incentivadas a gastar de forma mais eficiente. Já sobre quem deve fazer o que é preciso fazer, o economista defendeu que a evolução deve ser gradual, com a definição das políticas e dos programas
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de saúde públicos a caber ao Estado, financiado maioritariamente por impostos, com os privados a manterem-se em regime de complementaridade mas com a possibilidade de crescerem. Já a prestação de cuidados deve ter o envolvimento crescente dos privados, por exemplo na gestão de hospitais públicos para que possam beneficiar de melhores práticas, trazer mais gente ao sistema, introduzir mais concorrência pela positiva. O papel de pagador e contratador deve continuar a ser desempenhado pelo Estado, com Rui Diniz a afirmar que seria um salto demasiado rápido se passasse já para os subsistemas e para os privados. Para já, deve manter-se o Estado, mas com mais recursos, melhores instrumentos.
Doentes querem ser mais informados A intervenção do economista da JMS foi o mote para ouvir as opiniões do economista Miguel Gouveia, do presidente do Infarmed, Jorge Torgal, do
presidente da ANF, João Cordeiro, e da representante da Associação Alzheimer Portugal na Plataforma Saúde em Diálogo, Rosário Zincke. Com moderação do jornalista Paulo Baldaia, a primeira palavra foi dada precisamente aos doentes. Rosário Zincke concordou com a ideia, deixada pelo economista, de que é preciso dar mais voz aos doentes no processo decisório. Quanto mais informados – afirmou – mais capacidade terão para reclamar os seus direitos, para reclamar uma saúde de qualidade de acordo com as necessidades. E essas necessidades não envolvem apenas cuidados, mas também apoio social: os doentes carecem de ser vistos como um todo. Outro economista usou da palavra a seguir. Miguel Gouveia, da Universidade Católica Portuguesa, voltou a pegar no tema da sustentabilidade para defender que não é apenas um problema da saúde, é do país, que está a crescer com uma taxa muito próxima do zero, com a produtividade a tender também para o zero, o défice público a acumular-se, o endividamento externo a aumentar e o das famílias também. “Nunca tivemos um orçamento equilibrado em democracia e a situação
Rosário Zincke concordou com a ideia de que é preciso dar mais voz aos doentes no processo decisório. Quanto mais informados – afirmou – mais capacidade terão para reclamar os seus direitos, para reclamar uma saúde de qualidade de acordo com as necessidades.
piorou nos últimos anos. Vivemos uma dúzia de anos perdidos, à custa de nos endividarmos, pelo que ninguém pode pensar que na próxima dúzia de anos não vamos pagar pelo que fizemos”, advertiu, chamando ainda a atenção para um previsível aumento da conflitualidade social. “Ninguém vai querer pagar a crise”.
Saúde é vítima óbvia dos cortes orçamentais Focando-se na saúde, afirmou que os gastos com o sistema são o principal problema orçamental do país, pelo que é inevitável que a saúde seja uma vítima especial nos ajustamentos que é preciso fazer. E porquê? Porque todos os anos o país gasta mais do que devia. “É óbvio que se há um sítio em que se deve cortar é na saúde”. E os medicamentos não são “nem piores nem melhores” do que o resto das despesas de saúde no respeito à disciplina orçamental. Na óptica de Miguel Gouveia, uma das razões por que se gasta em demasia é porque há imensa demago-
gia na saúde. Deu como exemplo a comparticipação a 100 por cento de medicamentos, que levou à fraude e, mesmo que não tivesse levado, gerou certamente desperdício. “Os recursos são caros e, mesmo que queiramos proteger socialmente uma fatia da população, tornar a preço zero o que é caro é convidar ao desperdício, Foi uma loucura total. Nem os países ricos o fazem”. Outro exemplo foi a disseminação de serviços de urgências e maternidades, “distribuídos pelas aldeias para fazer com que amigos ganhem eleições”. É preciso ter consciência de que este comportamento sai caro. É preciso terminar com “experiências feitas com muito boas intenções mas que falharam”: entre elas, incluiu os hospitais empresa. Perante este cenário, entende Miguel Gouveia que é preciso dar passos no sentido da sustentabilidade, que é já uma doença crónica para os portugueses mas de que actualmente se sofre um episódio agudo, “sinal de algum grau de irreversibilidade”. Na sua opinião, todos os intervenientes na área da saúde, independentemente dos seus interesses legítimos, terão de fazer sacrifícios e esses
Rosário Zincke, Representante da Associação Alzheimer Portugal na Plataforma Saúde em Diálogo
sacrifícios não serão consensuais. “Vai ser feio, vai haver grupos que vão lutar para não pagar os custos. No meio, os mais fracos podem ficar prejudicados. Mas, se conseguirmos que isso não aconteça, pelo menos haverá uma luz ao fundo do túnel”.
Resultados positivos Depois deste cenário entre o realismo e o pessimismo, nas palavras do moderador, foi a vez de o presidente do Infarmed, Jorge Torgal, dar a conhecer a sua visão. O que fez recordando que a Constituição confere o direito e a equidade de acesso à saúde a todos os cidadãos e reafirmando os ganhos em saúde obtidos nos últimos anos. A produtividade do sistema tem vindo a crescer e as despesas estão abaixo da média da OCDE. O facto de existirem mais de 280 unidades de saúde familiar em funcionamento é um sinal de que a reforma dos cuidados primários está a ser bem sucedida. Sinais de sucesso são também a criação de mais de 4.700 camas de cuidados continuados, a redução em 23 por cento das listas de espera
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para cirurgia, a liderança do país em transplantação hepática e renal. Há um capital adquirido, a que importa dar continuidade. Reconhecer que são necessários cortes, mas com racionalidade. Seguindo o exemplo inglês, que introduziu uma reforma mas sem reduzir o orçamento da saúde. Sobre a política do medicamento, disse que se tem conseguido uma redução efectiva da despesa e, nos últimos seis meses, pela primeira vez também a nível hospitalar onde “por via da entrada de medicamentos inovadores é muito difícil controlar o preço”. Quanto aos genéricos, sublinhou que ultrapassaram a quota de 20 por cento no conjunto total dos medicamentos. Ainda a propósito, refutou as críticas ao protocolo assinado com a Apifarma, argumentando que é um acordo “importante no âmbito dos medicamentos de marca, porque estabiliza a despesa e prevê baixas voluntárias para 2012 e 2013”. Pegando de novo nas suas afirmações iniciais, Jorge Torgal sustentou que a saúde é uma área fulcral para o país, em que “há resultados positivos sem incrementos de custo relevantes e até com quebra das curvas crescentes” da despesa. Há ainda assim necessidade de contenção de custos, o que tem de conduzir a uma melhoria da qualidade de gestão das instituições públicas, de que
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as farmácias são “um parceiro muito importante”. Quanto ao Infarmed, é o garante da qualidade e tem, como regulador, um papel na mudança em saúde.
Falta avaliação das medidas A última intervenção deste debate pertenceu ao presidente da ANF, que defendeu a necessidade de libertar a saúde da componente política e ideológica, para que assim se imponha a racionalidade de gestão. Em nome dessa racionalidade, sustentou que não é possível tomar decisões políticas sem avaliação, exemplificando com a situação do hospital Amadora-Sintra, cuja gestão privada o Estado cancelou. “Num determinado momento, o poder político decidiu que devia terminar o projecto e pôs uma cruz em cima, sem avaliação”, lamentou. Foi igualmente crítico do fim da experiência de prescrição electrónica em Portugal: “Com uma carta de um parágrafo, um ministro teve a possibilidade de a terminar, sendo certo que no programa de governo desse mesmo ministro estava lá a receita electrónica”. Esta era – afirmou – uma experiência que fornecia indicadores poderosíssimos sobre o sistema de saúde, indicadores que fazem
Jorge Torgal , Presidente do Infarmed
Jorge Torgal sustentou que a saúde é uma área fulcral para o país, em que “há resultados positivos sem incrementos de custo relevantes e até com quebra das curvas crescentes”.
falta para que as estruturas possam ser avaliadas. João Cordeiro aludiu ainda a uma promessa eleitoral do Partido Socialista – a de comparticipar os genéricos a 100 por cento para uma fatia da população idosa, criticada anteriormente pelo professor Miguel Gouveia – para rejeitar que se faça política e se tente ganhar votos com o dinheiro público: “Quando se fizeram as contas e se viu que custava 74 milhões de euros, teve de se eliminar a promessa”. Deixou, a finalizar, um apelo aos partidos para que respeitem a saúde e a libertem das suas querelas.
Política e comparticipação dos medicamentos
É urgente reavaliar e actualizar sistema português
João Silveira, Vice-Presidente da ANF; Isabelle Adenot, Presidente da OF de França; Francisco Batel Marques, Prof. da Fac. de Farmácia da Univ. de Coimbra; Sirpa Peura, Directora do Departamento de Farmácia da Ass. das Farmácias Filandesas; Mário Beja Santos, Representante dos Consumidores na Plataforma Saúde em Diálogo
A comparticipação de medicamentos em Portugal assenta em bases ultrapassadas, tendo-se tornado, por via de medidas avulsas, um sistema complexo e caótico que não oferece transparência e rigor e nem garante equidade. Este foi o retrato traçado durante o painel sobre “Política e comparticipação de medicamentos”, em que emergiu o contraste com as realidades francesa e finlandesa. Um dos pontos mais críticos e sensíveis de qualquer política de medicamentos é o sistema de comparticipação. Daí que lhe tenha sido reservado o segundo painel do primeiro dia do 10.º Congresso Nacional das Farmácias. Moderado pelo professor Francisco Batel Marques, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, proporcionou aos congressistas a oportunidade de conhecerem melhor o sistema francês, pela voz da presidente da Ordem dos Farmacêuticos de França, Isabelle Adenot, e a realidade finlandesa, apresentada pela directora para os Assuntos Farmacêuticos da Associação das Farmácias Finlandesas,
Sirpa Peura. Constituiu ainda o momento de ouvir o vice-presidente da ANF, João Silveira, que apresentou as propostas da associação para Portugal, com o comentário final a pertencer a Mário Beja Santos, representante dos consumidores na Plataforma Saúde em Diálogo. Foram do moderador as primeiras palavras da sessão, para justificar por que é que a política de comparticipação é tão crítica: desde logo porque engloba decisões de natureza tão distinta como as de ordem técnico-científica, de avaliação farmacoterapêutica dos medicamentos, de ordem económica, relacionadas com o custo em que o pagador está disposto a
incorrer em troca dos ganhos em saúde associados a cada medicamento, e ainda de ordem política, associadas à decisão de quando pagar, quanto pagar e como pagar. Sobre o sistema actual, disse Batel Marques que se baseia em escalões de comparticipação em que está ausente a racionalidade e a coerência: “É um poço de incoerência. Não se vê nenhuma razoabilidade”, criticou, para se referir nomeadamente aos regimes especiais. O sistema – acrescentou – é de muito difícil análise, necessitando urgentemente de uma reavaliação profunda, tanto mais que assenta em bases desactualizadas, que remontam à década de 80.
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Situando-se na comparticipação propriamente dita, Isabelle Adenot explicou que a decisão é tomada por uma comissão da transparência que tem como critério o “serviço médico prestado” por cada medicamento. Isabelle Adenot, Presidente da Ordem dos Farmacêuticos de França
“Serviço médico prestado” é critério em França Depois desta introdução, a bastonária francesa apresentou o sistema em vigor no seu país, sistema esse que é baseado na solidariedade, financiado em 65 por cento pelas contribuições das empresas e dos trabalhadores e no restante pelos impostos. A segurança social suporta 75 por cento dos custos dos cuidados de saúde, os seguros complementares respondem por 13,8 por cento, ficando 9,4 por cento à responsabilidade dos próprios doentes. Em França, como nos demais países, o crescimento dos encargos com a saúde é uma realidade, correspondendo em 2009 a 9,2 por cento do PIB, num valor por cidadão da ordem dos 2.651 euros. Quanto à despesa com medicamentos, correspondia, no mesmo ano, a 17 por cento do total da despesa em saúde, com cada cidadão a ser responsável por 543 euros. Situando-se na comparticipação propriamente dita, Isabelle Adenot explicou que a decisão é tomada por uma comissão da transparência que tem
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como critério o “serviço médico prestado” por cada medicamento: em linha de conta entram a eficácia e os efeitos secundários, o lugar do medicamento na estratégia terapêutica, a gravidade da doença a que se destina e o seu interesse para a saúde pública (impacto em termos de mortalidade, morbilidade e qualidade de vida). Há ainda um segundo critério – a “melhoria do serviço médico prestado”, mediante o qual o medicamento candidato à comparticipação é comparado com os que já existem no mercado. E aqui há quatro níveis: o medicamento ou contribui para um progresso terapêutico elevado, ou causa uma melhoria importante em termos de eficácia terapêutica e/ou redução dos efeitos adversos, ou causa uma melhoria moderada ou não causa qualquer melhoria. Neste último caso, não será comparticipado, a não ser que gere economia de custos no tratamento. Em função dos dois critérios principais, os medicamentos são enquadrados em quatro taxas de comparticipação: 100 por cento para os insubstituíveis, 65 por cento para aqueles cujo “serviço médico prestado” seja elevado ou importante, 30 para os que geram um “serviço médico” moderado ou fraco e 15 para alguns com “serviço médico” ligeiro.
Esta decisão é válida por cinco anos, sendo depois submetida a uma reavaliação para eventual renovação.
Preço influencia margem da farmácia Há ainda a questão do preço, que em França é fixado pelo Comité Económico dos Produtos de Saúde, por princípio através de um acordo contratual com o laboratório fabricante. Se não houver acordo, o preço é fixado automaticamente. Para a definição do preço, toda a cadeia do medicamento entra em linha: ao preço do fabricante, definido por acordo com o Estado, juntam-se as margens do grossista e da farmácia. Esta última é composta por vários elementos: um valor fixo de 0,53 euros e um valor variável inversamente proporcional ao preço (de 26,1 por cento para medicamentos até 22 euros, de 10 por cento entre os 22 e os 150 euros, e de 6 por cento para medicamentos mais caros). O IVA é de 2,1 por cento. Em França, há também alguns regimes especiais: os medicamentos para
Sobre o sistema actual, disse Batel Marques que se baseia em escalões de comparticipação em que está ausente a racionalidade e a coerência: “É um poço de incoerência. Não se vê nenhuma razoabilidade”, criticou.
as 30 principais doenças crónicas são comparticipados na totalidade, o que faz com que cerca de 16 por cento da população consuma 60 por cento das comparticipações. Esta proporção – assinalou – está a ser alvo de grande debate público em França, defendendo-se a sua revisão. Em 2009, as despesas com medicamentos atingiram os 35,4 mil milhões de euros, com um crescimento de apenas dois por cento face ao ano anterior. Para esta “estabilização” contribuiu uma política de descomparticipações (“uma grande lista”), a penetração crescente dos genéricos (12 por cento em valor e 26 por cento em volume), a baixa de preços e o desenvolvimento de “grandes condicionantes”. Nesse ano, cada doente passou a assumir 0,5 cêntimos por cada embalagem dispensada (independentemente da comparticipação): “As pessoas passaram a ser sensíveis ao número de embalagens”. A contenção de custos envolveu também acordos entre a segurança social e os médicos, mediante os quais estes vêem a sua remuneração bonificada em função da racionalidade na prescrição. Em França, estão em curso medidas de combate ao défice crónico da despesa com medicamentos, ao mesmo tempo que se discute qual o equilíbrio entre
a solidariedade e a fatia da despesa que deve caber aos doentes. Há actualmente “um sentimento crescente de desigualdade no acesso ao medicamento”.
Regras muito restritas na Finlândia Depois da realidade francesa, seguiu-se a realidade finlandesa, trazida ao congresso pela directora para os Assuntos Farmacêuticos da Associação das Farmácias Finlandesas. Sirpa Peura começou por retratar o seu país à luz da cobertura farmacêutica: 5,4 milhões de habitantes, cerca de 800 farmácias, uma farmácia por cada 6.600 pessoas, cerca de 50 milhões de receitas dispensadas anualmente. Entrando no tema do painel, explicou que o sistema de comparticipação é totalmente financiado pelas contribuições de empresas e trabalhadores, abrangendo todos os residentes no país, não apenas os naturais. As regras são muito restritas: é preciso que o produto seja um medicamento, que seja necessário, que seja prescrito por um médico e destinado ao tratamento de uma doença. Só em casos excepcio-
Francisco Batel Marques, Professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra
nais um medicamento não sujeito a receita médica é comparticipado, o mesmo acontecendo a alguns preparados do foro dermatológico ou nutricional para o alívio de condições crónicas ou muito graves. Além disso, os medicamentos em causa carecem de ter um “preço razoável” confirmado, preço esse que é previamente discutido com os fabricantes. Outra regra implica a aquisição para três meses da embalagem mais económica. São três os escalões de comparticipação na Finlândia: um básico, de 42 por cento, para medicamentos destinados ao tratamento de doenças de curta duração, um especial inferior, de 72 por cento, que abrange medicamentos para doenças crónicas, e um especial superior, de 100 por cento, para medicamentos essenciais à vida, como os oncológicos ou a insulina. Apesar da comparticipação total, o doente deve suportar um encargo de três euros por receita. Paralelamente, há um limite anual para a despesa com medicamentos: em 2011 é de 675,39 euros por doente. Se o doente exceder este limite, os medicamentos que adquira depois são comparticipados a 100 por cento, mas com o pagamento de 1,5 euros por receita. Trata-se – explicou Sirpa Peura
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Sirpa Peura começou por retratar o seu país à luz da cobertura farmacêutica: 5,4 milhões de habitantes, cerca de 800 farmácias, uma farmácia por cada 6.600 pessoas, cerca de 50 milhões de receitas dispensadas anualmente.
– de “garantir que ninguém compra medicamentos de que não precisa”. Em 2009, a factura das comparticipações ascendeu a quase dois mil milhões de euros, tendo o escalão básico sido responsável por 55 por cento do valor comparticipado. Quanto à despesa total, ascendeu a 470 euros por doente, sendo que 70 por cento beneficiaram de comparticipação.
Substituição genérica e preço de referência controlam a despesa Sirpa Peura debruçou-se de seguida sobre o papel dos farmacêuticos neste sistema: desde 1970 existe entre as farmácias e a segurança social um acordo ao abrigo do qual as farmácias recebem adiantado cerca de 80 por cento do valor de comparticipações estimado para cada mês. Tal como cá, os doentes beneficiam da comparticipação no acto da dispensa. As farmácias recebem ainda um valor associado a cada dispensa (handling fee). Desde Abril de 2003 que vigora na
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Finlândia a substituição genérica, obrigatória para as farmácias que são, assim, obrigadas a tomar a iniciativa de substituir o medicamento prescrito por um equivalente mas mais barato. O sistema é voluntário para os doentes e também os médicos podem recusar a substituição. Todavia, de acordo com a responsável pela associação finlandesa, abrangia em 2009 quase 70 por cento das receitas. No primeiro ano, a poupança conseguida foi na ordem dos 88,3 milhões de euros, estimando-se, a partir daí, uma poupança anual entre os 30 e os 36 milhões. Ainda assim, o governo considerou insuficiente este resultado, tendo introduzido em Abril de 2009 o sistema de preços de referência. O preço de referência é igual ao valor do medicamento mais barato acrescido de 1,5 euros quando o preço mais baixo é inferior a 40 euros; se o medicamento mais barato custar 40 euros ou mais o preço de referência é esse valor somado de dois euros. O preço de referência está associado à substituição genérica, abrangendo 54 por cento das receitas comparticipadas. Se o doente não aceitar a substituição e optar por um medicamento mais caro, tem de pagar a diferença. Em consequência desta medida, a competição pelo preço entre medicamentos
Sirpa Peura, Directora do Departamento de Farmácia da Associação das Farmácias Finlandesas
de marca aumentou ainda mais, diminuindo o peso na factura do Estado. Em 2009, as poupanças chegaram aos 110 milhões de euros, 76 para a segurança social e 46 para os doentes. Com a particularidade de os doentes terem pago 12 milhões por via da recusa na substituição. Outra consequência foi a descida progressiva da margem das farmácias: de 9,11 por cento em 2004 para 8,26 em 2010. O Estado – comentou Sirpa Peura – “ficou feliz com os resultados, conseguiu as poupanças que queria, e para os doentes a acessibilidade ao medicamento não mudou. Para as farmácias não foi tão bom, houve reflexos na economia da farmácia, que está a negociar a forma de mudar a remuneração baseada na margem para um sistema em que a intervenção seja reconhecida”.
Em Portugal, dinheiro deve acompanhar o doente Outras regras são as que vigoram em Portugal e sobre elas falou o vice-presidente da ANF João Silveira. Na sua
Na sua óptica, o sistema de comparticipação deve ser equitativo, justo, transparente, exequível, compreensível e controlável. João Silveira, Vice-Presidente da ANF
óptica, o sistema de comparticipação deve ser equitativo, justo, transparente, exequível, compreensível e controlável, qualificativos que – concluiria mais à frente - o sistema português não reflecte: é um sistema cego, complexo, não compreensível pelos parceiros e pelos doentes, pouco transparente, de difícil aplicação e difícil controlo, profundamente instável e gerador de desconfiança entre doentes e profissionais. É um sistema de tal ordem complexo que, casos há, em que a comparticipação se faz em função da embalagem. Em matéria de transparência, chegou-se ao ponto de eliminar o preço das embalagens, situação entretanto reposta por intervenção do parlamento após petição pública. Foi em nome da transparência que o governo criou o centro de conferência de facturas, um investimento de 30 milhões de euros que deveria ter gerado uma poupança de sete milhões só em salários. “Todos conhecemos resultados da eficiência e da competência da conferência do receituário, com devoluções por razões burocráticas que não fazem sentido, enquanto os problemas efectivos ficam por detectar”. Há – criticou – um “caos fundamentado em medidas sem fundamento, podendo pensar-se mesmo se não é propositado” e que tem levado à degradação
económica das farmácias e, mais grave ainda, à desconfiança dos doentes. “Se fôssemos reconhecidos com justiça, deveríamos ser considerados heróis nacionais por suportarmos o impacto destas medidas”. Ao sistema actual, em que a comparticipação se faz muitas vezes em função da entidade emissora do receituário, João Silveira contrapôs um sistema baseado na situação fisiopatológica e económica do doente. O dinheiro – disse – deve acompanhar o doente. E o doente deve ter livre escolha, para optar nomeadamente entre o ambulatório e o hospital em função da sua conveniência. Os grupos terapêuticos devem manter-se como base do sistema, mas ajustados à realidade. E os regimes especiais devem envolver um pagamento simbólico, como existe noutros países, no entendimento de que “a gratuitidade pela gratuitidade não é desejável”. Em matéria de avaliação económica, o vice-presidente da ANF reconheceu que não resolver a equação valor-preço não é fácil, até porque o valor de um medicamento varia, desde logo de cidadão para cidadão. Porém, é determinante fazer corresponder um valor a um preço concreto, uma vez que está em causa a afectação de recursos escassos. É também uma questão de
justiça social. Sobre os genéricos, reafirmou a ideia de que contribuem para a contenção da despesa, não obstante estarem a ser sujeitos a uma pressão exagerada: essa pressão baseada no preço faz com que – alertou – se esteja a perder valor em relação a medicamentos de eficácia e segurança demonstradas mas que, devido à vulnerabilidade económica, acabam por sair do mercado e ser substituídos por outros não tão conhecidos e sempre mais caros. A propósito, lamentou que a dispensa por DCI seja “um grande romance no país” e recordou que, quando foi primeiro-ministro, Cavaco Silva propôs uma legislação que proibia a utilização da marca na receita para, ao fim de 20 anos e como presidente, vetar uma lei razoável e equilibrada, menos fundamentalista do que aquela que aprovara. O sistema – advogou – precisa de estabilidade, não de medidas atrás de medidas, tomadas sem avaliação do impacto, que só causam descalabro. O que não pode acontecer é ser o sector farmacêutico a pagar a crise, como se o medicamento fosse o grande problema do país e a panaceia para resolver os problemas orçamentais da saúde. “Não podemos olhar para o medicamento apenas pela factura final do mês. Parece que é a única verba que o
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Para Beja Santos, os genéricos são estratégicos na inclusão, o que o leva a acreditar que, “mais tarde ou mais cedo”, a prescrição por DCI irá acontecer, em nome do bom senso e da racionalidade.
ministério tem para cortar, mas o acesso ao medicamento não pode ser visto como um mero exercício logístico”.
Doentes querem ser auscultados Sempre que há alterações na política de comparticipações, os doentes e utentes de saúde são afectados. Em nome deles, interveio neste painel Mário Beja Santos, representante dos consumidores na Plataforma Saúde em Diálogo. Começou por colocar a questão de saber se o sistema é justo e transparente, para responder ele próprio que basta ver a actual quantidade de regimes para se perceber que não criam nem equidade nem transparência. O medicamento — disse – é um bem comum que reclama um sistema que prime pela racionalidade económica e que possa ser auditado, um sistema que provoque inclusão, solidariedade e universalidade, em cuja organização os utentes participem. E – sustentou – para um sistema gerador de inclusão é fundamental que seja definido o estatuto de doente crónico e o conceito de doença crónico. Essa é a matriz para trabalhar com justiça
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e equidade: “Tem de se dar prioridade aos medicamentos essenciais à sobrevivência e tratar generosamente os medicamentos para tratamento da doença prolongada”. Não obstante, colocou reticências à comparticipação a 100 por cento, defendendo que existem alternativas para responder à situação dos mais carenciados. Para Beja Santos, os genéricos são estratégicos na inclusão, o que o leva a acreditar que, “mais tarde ou mais cedo”, a prescrição por DCI irá acontecer, em nome do bom senso e da racionalidade. Transparência e rigor fazem igualmente falta ao sistema, por oposição ao “aparecimento súbito e incompreensível” de medidas: “A decisão política não pode continuar a exercer o seu poder como um imperador bizantino”. O sistema deve criar equilíbrio entre todos os actores – o decisor político, que participa na definição do preço, no regime de comparticipação e na política racional do medicamento, o laboratório, que espera os benefícios advenientes da investigação e da comercialização de um produto eficaz e seguro, os profissionais de saúde, uns que prescrevem e devem estar conscientes dos encargos com a saúde, outros que
Mário Beja Santos, Representante dos Consumidores na Plataforma Saúde em Diálogo
dispensam com conselho e, sempre que possível, propondo o medicamento mais barato, e o doente/utente/consumidor que tem o direito de se tratar capazmente e a responsabilidade de evitar usos abusivos ou desperdícios, não ignorando os deveres da solidariedade e os cuidados com os gastos em saúde. Em relação aos utentes/doentes/consumidores, que representava neste painel, considerou que o seu direito maior é o da acessibilidade ao medicamento e que a sua responsabilidade decorre da aceitação de um regime que controle o quê e quanto, passando por participar num regime de comparticipação do princípio ao fim – para que todos sejam tratados da mesma forma, para que se trate igual o que é igual, para que quem tem de pagar no sistema tenha mesmo condições para o fazer. Mário Beja Santos defendeu, a finalizar, equidade com participação, justiça com a responsabilidade de colaborar na universalidade. Tem – concluiu – de haver uma mudança de estratégia, que passe por ouvir os doentes e torná-los parceiros, elementos activos no quadro de decisão. Ser auscultado é, sem margem para dúvidas, um direito e uma responsabilidade que os doentes reclamam.
Ema Paulino, Direcção da ANF; Tricia Kennerly, Directora dos Assuntos Públicos de Saúde - Alliance Boots; Carlos Lobo, Vice-Reitor da Univ. de Lisboa; Dominique Jordan, Presidente da pharmaSuisse
Serviços e sustentabilidade da farmácia
Remuneração pela prestação é o futuro Em defesa da economia da farmácia e até da qualidade dos serviços, a remuneração deve assentar na prestação e não em função da margem. Esta foi a principal conclusão do painel sobre “Serviços e sustentabilidade da farmácia”, retirada a partir da análise de duas experiências em curso na Europa. A sustentabilidade da farmácia é um assunto incontornável na discussão do sistema de saúde em Portugal, desde logo porque o sector, como os demais da economia nacional, sofre o impacto da actual crise económico-financeira, mas também porque a este condicionalismo se juntam decisões políticas que se têm repercutido negativamente sobre a actividade farmacêutica. Dada a pertinência, não podia o 10.º Congresso Nacional das Farmácias deixar de suscitar discussão em torno do actual modelo de remuneração da farmácia e das alternativas possíveis, à luz da experiência de países como o Reino Unido e a Suíça. Coube a Carlos Batista Lobo, vice-reitor da Universidade de Lisboa, moderar este painel, que contou com as intervenções de Tricia Kennerly, directora de Assuntos Públicos de Saúde da
Alliance Boots, de Dominique Jordan, presidente da pharmaSuisse, e de Ema Paulino, membro da direcção da ANF. Antes de dar a palavra aos oradores, o moderador teceu algumas considerações sobre a importância de analisar o problema como um todo e não parcelarmente: “Muitas vezes, fruto da preocupação diária, tendemos a analisar parcelas de um problema e, como somos demasiado analíticos, tendemos a alcançar conclusões que podem parecer as mais indicadas num determinado segmento mas que, analisando todo o sector, poderão originar desequilíbrios”. A propósito de sustentabilidade, afirmou que o sector das farmácias é essencial para a sociedade e para a economia, numa óptica de eficiência produtiva, de acesso, de disponibilidade e de qualidade. E é um sector de tal
forma regulado que se esquece que é privado: “Se nos esquecermos disso poderemos atingir modelos de operação extremamente gravosos”, alertou. No sector farmacêutico há – defendeu – um imperativo de eficiência ao nível da rede. Aproveitando a dispersão geográfica e a proximidade com os utentes, importa uma prestação de serviços de forma mais eficiente. E isto porque a economia da própria farmácia é “o elo mais fraco” da cadeia da distribuição de medicamentos, tendencialmente comprimida entre o interesse do doente e os elos superiores. A farmácia está, além disso, numa posição muito delicada por ser a face visível de todo um sistema que nela desagua. O que – reconheceu – pode dar ideias erradas sobre a sua rentabilidade. Sendo um sector privado, é essencial que a regulação não ponha em causa
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Tricia Kennerly, Directora de Assuntos Públicos de Saúde — Alliance Boots
o que é “mais crucial” num sector privado: o incentivo ao empreendimento, ao investimento: “Se esse incentivo for colocado em causa, toda a economia do sector ruirá”. Há, pois, que devolver às farmácias esse incentivo, o que, na óptica de Carlos Batista Lobo, passa pela sustentabilidade e, neste âmbito, pela remuneração.
Inglaterra: volume da dispensa já não é resposta E foi sobre remuneração que se pronunciou Tricia Kennerly. Antes, porém, recordou como os sistemas de saúde estão a mudar por toda a Europa, gerando novas oportunidades de intervenção farmacêutica: ao nível da prestação de um serviço acessível e conveniente, da capacidade de lidar com os principais problemas de saúde pública, da informação ao doente, capacitandoo para tomar melhores decisões de saúde, da promoção de serviços online que reforcem o contacto directo. Em Inglaterra, o sector é regulado contratualmente ao abrigo de legislação adoptada em 2005, altura em que as autoridades de saúde reconheceram que era necessário alterar o modelo de remuneração: introduziram então um sistema misto, que combina um valor fixo por acto e um valor variável em função dos serviços prestados. Essa remuneração tem em conta três
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Foi sobre remuneração que se pronunciou Tricia Kennerly. Antes, porém, recordou como os sistemas de saúde estão a mudar por toda a Europa, gerando novas oportunidades de intervenção farmacêutica.
níveis de serviços farmacêuticos: essenciais, ligados à dispensa e à informação; avançados, que envolvem, por exemplo, a gestão da terapêutica; e de valor acrescentado, negociados localmente. As farmácias – recordou – não estavam preparadas, pelo que levaram tempo a adaptar-se a este novo modelo. Não foi apenas a estrutura remuneratória que mudou. O governo propôs tornar os medicamentos mais acessíveis, tendo criado nomeadamente a figura da prescrição farmacêutica e da prescrição online: este último modelo permite que o doente complete um questionário de saúde, avaliado depois por um médico que envia a prescrição para a farmácia da escolha do doente. A farmácia é remunerada por este serviço. Neste contexto, a Boots lançou uma série de ferramentas de apoio, nomeadamente um serviço de avaliação de saúde online, com conselhos e, se necessário, encaminhamento para um serviço de saúde. “Encorajamos os doentes a saber mais sobre a sua saúde, a serem mais responsáveis”, explicou Tricia Kennerly. Certo é que o WebMD se tornou o portal de saúde mais visitado no Reino Unido desde que foi lançado, em finais de 2009. Em consequência, o papel do farmacêutico está a mudar: já não é só a dispensa de medicamentos, é também apoiar os doentes na toma de medicamentos, é promover a adesão à terapêutica, desenvolver uma agenda de prevenção que inclua a disponibilização
de testes e rastreios, é promover campanhas de saúde pública em domínios como a cessação tabágica, a vacinação e a gestão do peso. Seguir este caminho é fundamental na medida em que o modelo de financiamento baseado no volume da dispensa provou já não ser suficiente. O volume de prescrição está a crescer a quatro ou cinco por cento ao ano o que, associado à crise económica, que tem impacto em todos os orçamentos, faz com que os governos deixem de financiar as farmácias com base na dispensa. Num clima de pressão económica, a capacidade de aumentar o rendimento desta forma não é sustentável. A resposta é a evolução para um modelo baseado em serviços de valor acrescentado: o fee por item tenderá, assim, a ser substituído por um fee por serviço, podendo chegar-se a um modelo de capitação, em que a farmácia é remunerada anualmente em função dos doentes que tem registados, independentemente do número de tratamentos ou de doenças. A responsável da Boots estima que, no prazo de dez anos, os serviços sejam responsáveis pela maior parte da remuneração da farmácia: a pressão sobre a margem vai continuar a aumentar, o mesmo acontecendo com os custos suportados pelos próprios doentes, na medida em que o Estado tenderá a deixar de comparticipar medicamentos não essenciais. Contudo, este modelo coloca desafios à farmácia: obrigará a redesenhar a far-
De acordo com Dominique Jordan, os médicos com autorização de dispensa constituem um entrave à instalação de farmácias: numa região onde exista um destes médicos o ratio é de uma farmácia por 12 mil habitantes, contra os habituais 3.555. Dominique Jordan, Presidente da pharmaSuisse
mácia para acolher os novos serviços, a introduzir mais eficiência e produtividade no processo de dispensa, a treinar a equipa para prestar esses serviços, a promover esses serviços e envolver os doentes, a reforçar a ligação a outros profissionais de saúde. “Parece simples, mas não se deve subestimar a mudança”. Pelo meio, há que garantir que a reputação da farmácia se mantém intacta e que os farmacêuticos podem continuar orgulhosos da qualidade de serviço que prestam: “Quando se é uma multinacional e se tem uma marca, a imagem é muito importante, mas quando se é uma farmácia independente também deve ser, sobretudo porque é a saúde que está em jogo”. Porém, “haverá vencedores e vencidos”: vencedores serão os que abraçarem a mudança, vencidos os que continuarem a negociar com base no preço e na dispensa de medicamentos prescritos.
Suíça: remuneração por serviços reposicionou farmacêuticos Outra experiência – a de um sistema de remuneração baseado na prestação com 20 anos - foi a que levou ao congresso Dominique Jordan, presidente
da pharmaSuisse. Antes, porém, deu a conhecer o ambiente em que se inserem as farmácias suíças: existem 1.733 farmácias para quase oito milhões de habitantes, o que perfaz uma farmácia por cada 4.491 pessoas; além disso, há cerca de quatro mil médicos autorizados a dispensar medicamentos (num total de quase 16 mil médicos do país), existindo também a possibilidade de envio postal. Drogarias, veterinários, supermercados e outras lojas e “hospitais em ambulatório” podem também dispensar medicamentos, o que fracciona muito o mercado. O Estado intervém no sector apenas de forma subsidiária, havendo liberdade de abertura e propriedade de farmácias, o que significa que cadeias e cooperativas coexistem com farmácias independentes, detidas ou não por um farmacêutico. Cerca de mil são independentes, metade das quais sociedades anónimas para minimização de riscos. De acordo com Dominique Jordan, os médicos com autorização de dispensa constituem um entrave à instalação de farmácias: numa região onde exista um destes médicos o ratio é de uma farmácia por 12 mil habitantes, contra os habituais 3.555. Têm, além disso, impacto na economia da farmácia: entre 2000 e 2010 as farmácias perderam quota de mercado, quer em valor, quer em volume, quota essa que foi transferida para os médicos. Não obstante, cerca de dois terços do mercado pertencem ainda às farmácias. Focando-se depois na remuneração da
farmácia, recuou até aos anos 90 para justificar como a “liberalização à americana” veio mudar o enquadramento legal, introduzindo a convicção de que o mercado livre tudo resolve. A lei vigente até 1996 considerava que um mercado do medicamento regulado, com preços fixos e margens, era do interesse da população, valorizando a existência de um tecido farmacêutico cobrindo todo o território e incentivando uma farmácia de proximidade. O que a desregulamentação trouxe foi a ausência de controlo dos medicamentos, a desregulação de preços, a liberalização dos canais de distribuição, a concorrência acima de tudo (“mas sem importações paralelas”). Criou-se uma margem comercial “absurda e aleatória”, regressiva em percentagem mas crescente em valor e sem qualquer relação com a responsabilidade do farmacêutico face à perigosidade dos medicamentos: por exemplo, a margem de um medicamento de utilização terapêutica alargada era muito superior à de um medicamento com elevado risco associado à sobredosagem. O cálculo da margem naqueles termos fez com que oito por cento dos medicamentos mais caros fossem responsáveis por 30 por cento do rendimento da farmácia. O que causou uma clara distorção do mercado: desta forma os farmacêuticos não tinham qualquer incentivo para dispensar medicamentos mais baratos, nomeadamente genéricos. Além disso, implicou uma explosão dos custos públicos com medicamentos.
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As farmácias estão a sofrer daquilo que Ema Paulino designou como “dores de crescimento”. Significa isto que “chegou a altura de debater novas formas de remuneração”, com a vantagem de já existir conhecimento sobre outras experiências e de ser possível aprender com modelos que funcionam. Ema Paulino, Membro da Direcção da ANF
O modelo começou a ser questionado, na mesma altura em que uma resolução do Conselho da Europa veio defender que a remuneração dos farmacêuticos não podia assentar apenas no preço e no volume dispensado, devendo evoluir com base no serviço profissional prestado. Urgia encontrar uma solução simples, com base em parâmetros fiáveis, reprodutíveis e fáceis de controlar. Ou seja, uma solução que conferisse credibilidade ao sistema. A discussão em torno do modelo envolveu também uma reflexão sobre a actividade da farmácia, na qual foram identificados dois tipos de serviço: uma prestação intelectual associada ao tempo e à competência do farmacêutico e uma prestação mais logística, relacionada com a estrutura necessária para a dispensa de medicamentos. A lei foi alterada para contemplar a remuneração assente na prestação, com a segurança social a contemplar serviços como o aconselhamento associado à dispensa de uma prescrição médica, a dispensa de medicamentos prescritos fora do horário normal de funcionamento da farmácia, a substituição genérica. Para estes serviços serem remunerados há que negociar uma convenção tarifária, que define o modelo de re-
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muneração, nomeadamente atribuindo pontos a cada prestação e fazendo equivaler cada ponto a um valor monetário. A título de exemplo, a dispensa entre as 21 e as 07:00 vale 17 pontos, a toma acompanhada corresponde a 20 pontos, os mesmos da substituição genérica, com cada ponto a valer 0,85 euros sem IVA. O sistema tem sido revisto periodicamente, tendo a última actualização acontecido em 2010 e envolvido, designadamente, novas possibilidades de intervenção farmacêutica como a renovação de receitas médicas. De acordo com o presidente da pharmaSuisse, o futuro passa por desenvolver ainda mais os serviços, com actividades de promoção da saúde e prevenção da doença e com cuidados de saúde integrados. Certo é que — enfatizou – a remuneração dos serviços foi o ponto de partida para o reposicionamento dos farmacêuticos no sistema e condição essencial para que o seu saber científico seja credível, porque é neutro e independente. Com a vantagem de contribuir – e tem contribuído – para o controlo dos custos no canal farmácia. “Como distribuidor de medicamentos, a farmácia não tem qualquer futuro porque é facilmente substituível”, alertou, contrapondo que o futuro passa por pres-
tações cada vez mais atractivas e úteis para os doentes.
Portugal: futuro está nas Farmácias Portuguesas Depois das experiências inglesa e suíça, foi a vez de Ema Paulino, directora da ANF, apresentar propostas para Portugal neste domínio. Antes, porém, de falar do futuro da remuneração farmacêutica, recuou aos anos 50 para reviver uma farmácia que assentava na manipulação e para relembrar como o aparecimento e desenvolvimento de medicamentos industrializados veio mudar o sector, exigindo novas formas de organização para assegurar a acessibilidade. As cooperativas farmacêuticas vieram dar resposta a essa necessidade. Com o 25 de Abril, outro marco importante na vida das farmácias: o associativismo renovado por via da ANF. Quase de seguida, fazia-se novamente história com a criação do Serviço Nacional de Saúde, onde assentam os pilares da prestação de cuidados com equidade, qualidade, acessibilidade e solidariedade. O caminho percorrido desde então não
se fez sem dificuldades e disso são prova os atrasos dos pagamentos do SNS, que anos a fio ultrapassaram os limites do razoável: “Só através da união as farmácias conseguiram vencer essa situação”. E hoje a farmácia prima pela proximidade à população, pela confiança que a população nela deposita, pela organização, pela rede de competências que soube adquirir para os quadros farmacêuticos e todos os seus colaboradores, pela rede tecnológica e, sobretudo, pela humanização de cuidados que vão ao encontro das necessidades das pessoas.Hoje, o farmacêutico é reconhecido como um especialista e um conselheiro. Com uma intervenção profissional alargada nos domínios da promoção da saúde e do bem-estar e da prevenção da doença, do rastreio e do diagnóstico precoce, de uma efectiva gestão da terapêutica que acrescenta valor à dispensa de medicamentos. Hoje, a farmácia é comprovadamente uma porta aberta para o sistema de saúde. E o objectivo é estar cada vez mais integrada no sistema, nomeadamente através da dispensa de medicamentos por enquanto ainda exclusivos do hospital, assim contribuindo para aumentar a acessibilidade. Não obstante, colocam-se problemas de sustentabilidade, com a volatilidade das medidas políticas a terem um
impacto bastante significativo nas farmácias. O mercado de medicamentos em ambulatório está praticamente estável no que respeita à despesa. O que – alertou – coloca um problema: como manter a qualidade do serviço prestado e até o modelo de negócio com um modelo de remuneração por margem? Até agora – disse – este modelo tem permitido que as farmácias prestem serviços gratuitos à população, serviços esses cujo valor está calculado em mais de 76 milhões de euros por ano (só para os três actos mais importantes). Mas a estabilidade do mercado, com tendência para a regressão, diminui a rentabilidade das farmácias. O que vai acontecer? As farmácias estão a sofrer daquilo que Ema Paulino designou como “dores de crescimento”. Significa isto que “chegou a altura de debater novas formas de remuneração”, com a vantagem de já existir conhecimento sobre outras experiências e de ser possível aprender com modelos que funcionam. E com outra vantagem: “As farmácias portuguesas estão preparadas para qualquer sistema, têm capacidade técnica e estrutural”. Mas será preciso olhar para as actividades que as farmácias desenvolvem e pensar que, se calhar, algumas deixarão de fazer sentido – como a gestão de stocks, que pode ser entregue a
uma entidade externa, libertando a equipa para tarefas com mais valor acrescentado. Será preciso superar as dores de crescimento: “Tenho a convicção de que, embora cada um tenha a sua independência e individualidade, todos juntos somos mais fortes”. Para a directora da ANF, o sector tem de continuar a agir de forma organizada, defendendo, além dos seus interesses próprios, os interesses da população. Para o futuro, há uma equação que é preciso mudar: é que se é verdade que o medicamento traz resultados em saúde, mais verdade é que acrescentando a farmácia ao medicamento se multiplicam os ganhos em saúde. É essa a meta de um novo projecto da associação: planos de acompanhamento da saúde do doente, de que farão parte pacotes de serviços adequados às necessidades de cada um – é o PASS (Plano de Acompanhamento à Sua Saúde). Caminhando neste sentido, a farmácia e os serviços farmacêuticos servirão para equilibrar a balança entre os gastos com medicamentos e os ganhos em saúde, transformando os gastos num investimento e originando poupança para o sistema. E o caminho para lá chegar “está nas Farmácias Portuguesas”.
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A palavra aos partidos políticos
Aparente unanimidade em torno da prescrição por DCI Num debate que era sobre política de comparticipações e sustentabilidade da farmácia, a prescrição por DCI acabou por ser o centro das atenções. Com os olhos postos na última sessão do parlamento antes da dissolução. Porque a política do medicamento e da farmácia emana, em boa parte, do poder legislativo, o 10.º Congresso Nacional das Farmácias reservou a tarde do seu segundo e último dia para ouvir o que têm a dizer os partidos com assento parlamentar sobre a comparticipação de medicamentos e a sustentabilidade da farmácia. No debate, participaram os deputados Rui Prudêncio, pelo PS, Clara Carneiro, pelo PSD, Teresa Caeiro, pelo CDS-PP, Bernardino Soares, pelo PCP e João Semedo, pelo BE.
Ao introduzir o tema, o moderador, o jornalista da SIC Mário Crespo, relembrou que mais de um terço das farmácias enfrentam sérias dificuldades, que mais de um quarto têm fornecimentos cortados por alguns fornecedores e que mais de um quinto estão na lista negra de instituições de crédito. Isto num universo – frisou – em que o Estado é o cliente n.º 1. Recordou ainda a sucessão de medidas que, desde 2005, afectou o sector, oriundas de um ministério (o de Correia de Campos) com uma filosofia muito
orientada para o controlo do fluxo de dinheiro. Em consequência, gerou as primeiras situações de ruptura com as farmácias, que responderam com “um empreendedorismo de assinalar”.
BE denuncia impacto social das políticas Este foi o ponto de partida para ouvir as opiniões e propostas partidárias.
João Semedo, Grupo Parlamentar do BE; Teresa Caeiro, Grupo Parlamentar do CDS-PP; Rui Prudêncio, Grupo Parlamentar do PS; Mário Crespo, Jornalista; Clara Carneiro, Grupo Parlamentar do PSD; Bernardino Soares, Grupo Parlamentar do PCP
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O primeiro a usar da palavra foi João Semedo (BE), para dizer que “é difícil saber por que ponta pegar num assunto que tem muitas pontas soltas e que vão continuar soltas nos próximos meses por razão da situação política”. Disse acreditar que alguns dos projectos que dizem respeito às farmácias poderiam ser aprovados antes da dissolução do parlamento se os partidos proponentes e os que as suportam assim o quiserem. Estava a referir-se à prescrição generalizada por DCI, à reposição do preço nas embalagens e a alterações relativas ao registo e à transferência de farmácias (ver caixa). João Semedo reconheceu a dificuldade que muitos portugueses sentem para conseguirem pagar na farmácia os medicamentos que lhes são prescritos, considerando ser este um factor social importante que tenderá a manter-se e até a acentuar-se se não forem tomadas medidas. A propósito, criticou o governo por negar que não tem havido impacto social das sucessivas alterações à política do medicamento com o argumento de que o volume de medicamentos vendidos tem aumentado: “O governo não quer olhar para os números com olhos de ver”. Na sua opinião, é fácil imaginar o que aconteceria às farmácias se a política do Estado abandonasse o dever de comparticipar o preço do medicamento. Afirmando que “não faltam na sociedade portuguesa forças que defendem o fim da comparticipação”, sublinhou que o Bloco de Esquerda defende a sua manutenção porque é uma forma de assegurar o acesso de
grande parte dos cidadãos ao medicamento e porque constitui um instrumento essencial para manter a actividade das farmácias e o serviço público que prestam. Admitiu, no entanto, um modelo diferente do actual, mas nunca um em que a comparticipação dependa da condição socioeconómica do doente.
CDS denuncia falta de coragem políica Críticas ao governo ouviram-se também pela voz de Teresa Caeiro (CDS-PP), que lamentou que muitas das reformas anunciadas não tenham saído do papel. Antes da crise – declarou – havia um grave problema de sustentabilidade do SNS, sendo que uma componente grande se prendia com os encargos com medicamentos. A situação agravou-se, num país que se destaca por ser aquele em que cada cidadão mais paga directamente para os cuidados de saúde. Em seu entender, só com “coragem, lucidez e, sobretudo, tendo em conta a justiça social” se ultrapassa esta situação. Mas, o que aconteceu foi “exactamente o contrário”: não houve reformas e sempre que os responsáveis políticos se depararam com a opção de poupar no erário público optaram por fazê-lo penalizando os doentes. Exemplo disso são a baixa administrativa do preço e a redução das comparticipações. “É inaceitável”. Não houve – frisou – coragem política para promover reformas, apesar do Compromisso com a Saúde assinado
em Maio de 2006 pelo governo. O CDS “insistiu constantemente” para que fossem assumidas medidas como a dispensa em dose individual, benéfica para o Estado e para o doente. Insistiu também na prescrição pelo princípio activo, assunto sobre o qual “tem existido muito ruído de fundo”: “Diz-se que a esmagadora maioria das receitas já são passadas pelo princípio activo, mas não é verdade. Embora esteja previsto na lei, não é aplicado no dia-a-dia, é facilmente contornável, retirando ao cidadão a liberdade de escolher”.
PS quer ideologia de lado para resolver problemas Respondendo às críticas, o deputado socialista Rui Prudêncio afirmou que o seu partido defende um equilíbrio entre a necessidade da dispensa do medicamento e a necessidade de comparticipar. E argumentou que os preços dos medicamentos baixaram mais do que as comparticipações. Na sua óptica, é preciso deixar a ideologia de parte e resolver “o problema das farmácias”: “O país, o Estado, os portugueses têm de definir o que querem da farmácia, se é como um qualquer supermercado de venda de medicamentos ou se é uma entidade que presta um serviço público. E se presta temos de encontrar forma de pagar esse serviço”.
Porque a política do medicamento e da farmácia emana, em boa parte, do poder legislativo, o 1.0º Congresso Nacional das Farmácias reservou a tarde do seu segundo e último dia para ouvir o que têm a dizer os partidos com assento parlamentar sobre a comparticipação de medicamentos e a sustentabilidade da farmácia. Farmácia portuguesa
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Mário Crespo, Jornalista da SIC
PSD contra ímpetos de combate à factura Pelo PSD, a deputada Clara Carneiro defendeu que “a primeira coisa que qualquer governo tem de ter em mente” é que o medicamento é um instrumentos vital e pedra angular de um sistema de saúde moderno, é a tecnologia que mais ganhos em saúde tem trazido às populações. Portugal – acrescentou – “precisa de uma política verdadeira e bem objectivada do medicamento, com uma visão integradora, sem remendos, sólida, estável”. Na sua opinião, há muitos anos que não existe uma política de comparticipação, apenas “ímpetos voluntaristas de combate à factura “O desespero de combater a factura levou a que actualmente tenhamos uma miríade de diplomas”. É “uma manta de retalhos, em que ninguém se entende”.
PCP elogia avanço nas ideias Por sua vez, Bernardino Soares (PCP) pegou na prescrição por DCI para se congratular com a evolução partidária nessa matéria: “A presença nos sucessivos congressos das farmácias permite-me fazer alguma avaliação do progresso nas ideias e nos factos. Há uns
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Bernardino Soares, PCP
Teresa Caeiro, CDS-PP
anos, era o único partido a defender a prescrição por DCI e hoje já ninguém tem coragem para frontalmente dizer que não quer. Depois, entre o discurso e a prática vai uma grande distância, mas é de assinalar este ganho”. No mesmo tom, recordou que também esteve muito isolado em congressos anteriores da ANF na rejeição da ideia de que a liberalização da propriedade fosse solução para algum problema: “Hoje, já vai havendo umas dúvidas, levantadas mesmo entre aqueles que, acerrimamente, defenderam essa medida”. Dois exemplos que permitem acreditar que “é possível avançar para as boas ideias”, nomeadamente a da prescrição por DCI. Os diplomas do PCP e do BE, “nitidamente os melhores” foram chumbados na generalidade, mas isso – assegurou – não impedirá os comunistas de contribuir para que o que fique na lei seja o mais avançado possível. Bernardino Soares assumiu, nesse momento, o compromisso de dar prioridade à aprovação do diploma do CDS-PP sobre a matéria em sede de comissão parlamentar (ver caixa). Centrando-se na sustentabilidade das farmácias, disse não haver qualquer interesse em que a rede seja afectada pelas políticas públicas. Na sua opinião, coloca-se um problema de acesso, porque “o governo olha para os utentes e para o acesso aos medicamentos como o que se põe no almofariz e se vai macerando até estar desfeito”. Exemplo disso são os cortes nas com-
participações, que, num ano, atingiram os 250 milhões de euros. É certo – admitiu - que o Estado “não pode pagar tudo em todas as situações, mas o dilema não poder ser entre pagar o Estado ou pagar o doente”. Há “claros indícios” – continuou – de que vai haver outra revisão em baixo dos preços e das comparticipações. Uma conclusão que emana do recente protocolo entre o governo e a Apifarma, de que o PCP se mostrou bastante crítico. E um dos aspectos que denunciou relaciona-se com o mecanismo de devolução previsto caso a despesa com medicamentos seja ultrapassada: “Ninguém diz se o sistema de devolução alguma vez funcionou em protocolos anteriores. Também não se diz como será considerado em termos fiscais o dinheiro que eventualmente seja devolvido. Há opções que até podem tornar vantajosa (para a indústria) a devolução”.
Esperança na aprovação da prescrição por DCI Alinhando com o deputado comunista, também o parlamentar do Bloco de Esquerda garantiu que o seu partido faria todos os esforços para assegurar que a legislação sobre a prescrição por princípio activo fosse tão longe quanto possível: “Há dois partidos que a podem inviabilizar, mas confiamos que
João Semedo, BE
Clara Carneiro, PSD
Rui Prudêncio, PS
a aprovação na generalidade tenha algum significado, o mesmo para a reposição do preço nas embalagens. Era bom que a legislatura acabasse com alguma coisa de positivo”. Tal como Bernardino Soares, também João Semedo denunciou que “todos os ganhos que o Estado obteve em poupança relativamente ao valor da despesa pública tiveram como fonte o bolso do utente”: “O governo não quer aceitar, o PS rejeita a ideia, mas basta fazer as contas, há uma evidência clara”. Na sua óptica, algumas condições de sustentabilidade do sector do medicamento não estão nas farmácias, nos fabricantes, nos distribuidores nem nos doentes: “Há muitas formas de diminuir a despesa do Estado sem prejuízo para quem fabrica, para quem distribui e para quem paga. Nada impedirá, por exemplo, que o Estado comparticipe um único medicamento por grupo terapêutico. Só isso traduziria uma poupança de muitos milhões de euros”. O que não pode acontecer – sustentou – “é que a política do medicamento esteja presa num jogo muito oportunista de mediação de interesses, dando um bocadinho a este e um bocadinho a outro”. Associando a comparticipação dos medicamentos à sustentabilidade da farmácia, declarou que “àqueles que tremem quando pensam que a prescrição por DCI significa entregar o controlo do mercado ao sector das farmácias tem de se pedir um esforço de inteligência para saberem que nada impede que
as farmácias sejam remuneradas de outra forma que não uma margem percentual”.
Pelo PS, Rui Prudêncio limitou-se a dizer que o partido não iria obstaculizar a votação do diploma: “Votaremos de acordo com as nossas orientações” (ver caixa). E recordou que o governo apresentou um projecto sobre a DCI que viria a ser inviabilizado pelo Presidente. Justificando ter votado negativamente os projectos dos restantes partidos, argumentou que “não fazia sentido estar a legislar em dois sítios ao mesmo tempo” (governo e parlamento). Retomando a questão das farmácias nos hospitais, o deputado socialista disse que “mais grave” foi a aprovação de legislação que prevê a dispensa gratuita de medicamentos para 72 horas após alta hospitalar. O PS – precisou – votou contra uma medida que, em sua opinião, terá impacto na farmácia comunitária. O projecto em causa foi apresentado pelo Bloco, com João Semedo a responder em sua defesa neste debate: “Ao longo de seis anos, o PS habituou-se a que, quando uma medida é do PS e é boa, é popular, quando é de um partido da oposição mas também é boa é populista”. Em seu entender, aquela medida tem “um enorme alcance” de âmbito humanitário e não o peso financeiro que Rui Prudêncio lhe atribuiu. Mas, para o deputado socialista, está “aberta a porta a que a dispensa gratuita passe a 100 horas…”. No pingue-pongue dos argumentos, a parlamentar centrista acusou o colega socialista de estar “tão preocupado” com esta medida e não tão preocupa-
Farmácias nos hospitais criticadas por (quase) todos Bernardino Soares revelou-se ainda crítico da instalação de farmácias em hospitais do SNS, classificando o valor das dívidas como um escândalo: “E isto é uma criança recém-nascida. Se a deixam crescer, o próximo governo vai ter um problema gravíssimo para resolver”. A prescrição por DCI acabou por dominar o debate. Teresa Caeiro voltou a pegar no assunto para lembrar que a iniciativa em cima da mesa – então a aguardar votação na especialidade – tinha a chancela do CDS. E, a propósito, desafiou os outros deputados a dizerem por que discordavam da proposta centrista: “Diz exactamente que é obrigatória a prescrição pelo princípio activo e que se o médico tiver alguma motivação técnica terá de a justificar”. Em resposta, João Semedo recordou ter votado favoravelmente esta proposta, mas insistiu na ideia que os diplomas do PCP e do BE, chumbados, eram melhores. A única crítica – precisou – é que a lei tem de dizer que a justificação do médico tem de ser verificada, mas isso não impedirá o seu partido de viabilizar o diploma centrista.
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Prescrição por DCI inviabilizada
do com as farmácias nos hospitais, que “funcionam de forma leonina”, incapazes de fazer face aos encargos. Ao que Rui Prudêncio respondeu que cabe ao Infarmed fazer uma avaliação do projecto para depois se tomarem decisões. Quando a palavra lhe foi de novo dada, a representante do PSD no debate, farmacêutica de profissão, considerou que as farmácias nos hospitais são “a situação menos anti-qualidade que existe no país”. “Ninguém precisava”. Foram uma promessa eleitoral: “Promete-se sem se pensar no que se promete”, acusou. Clara Carneiro acusou igualmente o PS de não ter tido preocupação em fazer uma política de qualidade, conseguindo arrasar com um sector que é o único organizado na saúde: “Na gravidade da situação do país, as farmácias conseguem prestar um serviço de excelência porque não são pagas pelo Estado. Se fosse, não existiam”. “As farmácias mantêm-se, mas até quando?”, questionou, defendendo que o governo tem de abrir os olhos, radiografar o país e perceber que esta rede é o seu grande aliado. Tem de ver nas farmácias um elemento vital, disposto a acrescentar o seu saber a toda a cadeia de valor dos serviços de saúde. O futuro da farmácia – sustentou – passa
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pelo reconhecimento do seu papel no SNS. Esta é uma discussão que – para o parlamentar socialista – carece de ser despojada de ideologias, pois só assim é possível encontrar outras formas de remuneração da farmácia. Na ronda pelos partidos, coube a Bernardino Soares voltar a pronunciar-se, o que fez insistindo na prescrição por DCI, para criticar o PSD por ter apresentado um projecto “recuadíssimo” e para acusar o governo de ter ido a correr aprovar um decreto em conselho de ministros quando descobriu que o parlamento tinha agendado um debate sobre o assunto. “Foi vetado pelo Presidente, mas não o conhecemos, não sabemos se era a verdadeira DCI”. Dirigindo-se depois a Clara Carneiro deixou uma interpelação: “Se tem tanta confiança nas farmácias, por que não tem confiança na prescrição por DCI?”. A prescrição por DCI acabou, assim, por ser dominante num debate convocado para abordar a política de comparticipação de medicamentos e a sustentabilidade da farmácia. Um debate caracterizado pelo diálogo animado entre os participantes e que motivou viva reacção da plateia que enchia o auditório do Centro de Congressos.
O debate entre os cinco deputados aconteceu a escassos dias da última reunião da Comissão Parlamentar de Saúde. Nela estiveram, de facto, em discussão temas fulcrais como a prescrição por DCI e a reposição do preço nas embalagens. A 6 de Abril subiram ao plenário parlamentar, para votação final. Com desfechos diferentes. O projecto de lei do CDS que instituía a prescrição obrigatória por DCI foi chumbado, com os votos contra do PS e do PSD. Já o projecto de lei do Bloco de Esquerda que restabelece a obrigatoriedade de indicação do PVP na rotulagem dos medicamentos foi aprovado, mas com os votos contra do PS. Aprovado, igualmente com os votos negativos do PS, foi também o projecto de lei do PSD relativo ao regime de transferência de farmácias. O diploma legal aprovado fixa critérios para a transferência, uma vez cumpridas as distâncias para as farmácias mais próximas, ao invés do actual mecanismo automático de autorização. Os pareceres desfavoráveis das câmaras municipais são vinculativos, não podendo o Infarmed decidir em sentido contrário. É reintroduzida a possibilidade de as farmácias que se situem a uma distância inferior à distância mínima legal declararem por escrito a sua não oposição. É ainda introduzida a possibilidade de as farmácias situadas em concelhos com uma capitação inferior à capitação mínima legal poderem transferir-se para os concelhos limítrofes, para permitir uma distribuição mais uniforme.
Sessão de encerramento
Farmácias só devem contar consigo próprias mas unidas
João Cordeiro, Presidente da ANF; Maurício Barbosa, Bastonário da OF; António Couto dos Santos, Presidente da Comissão Parlamentar de Saúde; David da Hora Branco, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da ANF; Maria da Luz Sequeira, Vice-Presidente da ANF
Esta foi a principal mensagem deixada pelo presidente da ANF no encerramento do congresso. Só a organização colectiva ajudará a superar as dificuldades: prova disso foi a ampla participação nos dois dias de trabalhos. Um elogio à participação massiva dos farmacêuticos marcou a sessão de encerramento do 10.º Congresso Nacional das Farmácias. O primeiro a assinalar a “evidência desse grande êxito” foi o presidente da Mesa da Assembleia Geral da ANF, David da Hora Branco, que aproveitou para agradecer a todos quantos contribuíram para esse sucesso. Agradeceu, desde logo, aos convidados que aceitaram o convite para estar presentes: ao presidente do Infarmed, que representou a ministra da Saúde e cuja presença se revestiu de “elevado significado”, ao presidente da Comissão Parlamentar de Saúde, autor da última intervenção do congres-
so, ao bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, pela “palavra esclarecida e esclarecedora” que proferiu na sessão inaugural. Agradeceu, igualmente, a duas “figuras carismáticas” da ANF, o presidente da direcção e a vice-presidente, que, com “o entusiástico apoio” da restante direcção e da estrutura associativa, têm vindo a realizar “um trabalho excepcional”, que muito “honra e dignifica” a associação. Teve ainda uma palavra de agradecimento para os convidados que moderaram e intervieram nas sessões do congresso, para os demais convidados que, embora não participando directamente nos traba-
lhos, assistiram ao seu decorrer. David da Hora Branco não esqueceu os membros dos órgãos sociais da ANF, que estiveram presentes numa “demonstração de efectiva e inequívoca solidariedade”, nem os sócios, farmacêuticos e seus colaboradores que participaram activamente no evento, conferindo-lhe “enorme representatividade”. Aos jovens farmacêuticos deixou a mensagem de que, com eles, o futuro da profissão está verdadeiramente assegurado e “é muito promissor”. Finalmente, destacou o “formidável” quadro de assessores e consultores da associação, os funcionários que a servem com classe e
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João Cordeiro, Presidente da Direcção da ANF
dedicação, e os membros da equipa responsável pelo planeamento e concretização de um congresso com elevada qualidade. Um congresso profícuo no debate e que, por isso, redundou num valioso pacote de conclusões, dadas a conhecer pela vice-presidente da associação, Maria da Luz Sequeira, e apresentadas em texto isolado nesta mesma edição. Usou depois da palavra o presidente da direcção, João Cordeiro, para assinalar, como já havia feito David da Hora Branco, a dimensão do congresso, “a maior manifestação colectiva do sector das farmácias de todos os tempos”. Uma participação com “um significado evidente”, o de que as farmácias estão preocupadas com a situação do país e do sector.
João Cordeiro desmonta argumento do “lobby” Esta manifestação de força e união serviu para João Cordeiro justificar
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um dos rótulos com mais frequência colocado à ANF - o de lobby: “Seremos um lobby, seremos duros na discussão, mas somos sempre leais com os nossos interlocutores. Seremos um lobby, mas são os outros que vão sempre conseguindo satisfazer os seus interesses”. A prescrição por DCI – sublinhou – tem o consenso de todos os partidos, o governo aprovou um diploma, o parlamento aprovou outro, mas o problema continua por resolver: “Todos sabemos quem não quer a DCI e porquê. Mas o lobby somos nós”. O preço – continuou – foi retirado das embalagens dos medicamentos por decisão preparada secretamente pelo governo sem nunca ter sido anunciada, a opinião pública reagiu tendo sido apresentada uma das maiores petições de todos os tempos concretizada em poucos dias, o governo aprovou um diploma repondo a obrigatoriedade, mas o problema continua por resolver. “Todos sabemos quem não quer o preço nas embalagens e porquê. Mas o lobby somos nós”. O governo assinou um acordo “curioso” com a Apifarma, adiando
a actualização de preços no ambulatório. A indústria afirmou-se disponível para reembolsar se o limite da despesa for ultrapassado, mas “há dois pormenores que atrapalham este acordo”. Primeiro, este é o quinto acordo celebrado com os mesmos princípios e em nenhum dos anteriores a indústria pagou aquilo a que se comprometeu. Segundo, é certo e sabido que a despesa com medicamentos em ambulatório em 2011 ficará abaixo da meta prevista no acordo à custa dos genéricos, pelo que a indústria de marca comprou a custo zero a manutenção dos preços. “Mas o lobby somos nós. O que gostaríamos era de ter visto um acordo desta natureza para a despesa nos hospitais, que cresce a um ritmo cinco vezes superior ao ambulatório, mas não vimos”. Qual é – questionou – o racional de pagar para evitar a redução dos preços? “No sector das farmácias não temos possibilidade idêntica, porque temos a margem mais baixa da Europa. Mas o lobby somos nós”. Na mesma linha, denunciou que há quem consiga fortunas em subsídios do Estado a pretexto da ino-
António Couto dos Santos, Presidente da Comissão Parlamentar de Saúde
vação científica, há quem consiga apoios à indústria nacional mas produza no Canadá, há quem consiga aprovar em sete dias preços de medicamentos ainda não aprovados em nenhum outro país, há quem consiga aprovar comparticipações sem qualquer estudo de avaliação, há quem consiga aumentar os preços quando todos os outros são obrigados a baixá-los. “Mas o lobby somos nós”. “É a nossa frontalidade que nos trai, mas não vamos mudar a nossa forma de estar”, concluiu. A actividade das farmácias é integralmente desenvolvida em Portugal, o que obriga a reagir de forma contundente à agressão e suspeição com o que o sector é tratado, por comparação com a delicadeza, compreensão e até subserviência que é dispensada a outros. As farmácias pagam anualmente 56 milhões de euros em impostos sobre o rendimento, quando a indústria pagou em 2009 apenas nove milhões, menos do que o que pagou em donativos ao abrigo da lei do mecenato. “Mas o lobby somos nós”. Dirigindo-se aos deputados presentes, João Cordeiro disse que as farmácias continuarão a colaborar com a Comissão Parlamentar de Saúde, um fórum de moderação face às vicissitudes de um governo
de partido único. E há três questões em cima da mesa: a revisão da metodologia de formação do preço dos medicamentos, que carece de ser mais simples e mais fácil de controlar, a revisão do regime de comparticipações, já que o actual é difícil de compreender e aplicar, e a possibilidade de dispensa em ambulatório de medicamentos até agora exclusivos dos hospitais, uma questão que se arrasta há anos sem que haja razões técnicas ou de saúde pública que o justifiquem. Exortou-os, enquanto representantes do povo, a lutarem pela atribuição do poder aos doentes, considerando inadmissível que, sobretudo numa situação de crise, se continue a negar aos doentes o direito de tomarem decisões sobre a sua própria saúde. “O único poder que têm é o de não adquirirem os medicamentos prescritos por dificuldades financeiras”. Prova disso é a conta na farmácia, uma realidade crescente. “Os detractores do direito de escolha costumam dizer, para assustar os decisores políticos, de que isso significaria a passagem do poder para as farmácias. E têm ido mais longe, lançando boatos: que o presidente da ANF é proprietário de um laboratório de genéricos e que a defesa desta solução é uma forma de defender interesses pessoais. É uma insinuação completamente
falsa e os seus autores sabem-no bem. Mas vale tudo”, acusou. Voltando-se depois para os farmacêuticos presentes na plateia, o presidente da ANF disse sentir ansiedade quanto ao momento presente e dúvidas quanto ao futuro, mas deixou uma mensagem de optimismo: “É importante que não nos deixemos vencer e que acreditamos que temos argumentos para confiar no futuro da farmácia”. Fazendo um balanço dos últimos anos de políticas, criticou o governo por enviar para o sector sinais contraditórios que não permitem identificar uma doutrina coerente: desde 2005 as farmácias têm sido penalizadas sem que se oiça uma voz alternativa apelando ao bom senso. Ao mesmo tempo que penaliza o sector, o governo exige-lhe a mais elevada qualidade de serviços, mas não é viável reduzir as receitas e aumentar os custos: “Não há milagres”. As decisões – defendeu - têm de ser tecnicamente justificadas. Quando assim não acontece, a tentação de cumprir agendas pessoais é muito grande e os resultados só podem ser negativos. Se o governo quer serviços farmacêuticos de qualidade tem de dar condições económicas e financeiras para que as farmácias possam responder a esse objectivo. Não pode querer farmá-
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10.º CONGRESSO ANF cias abertas com serviços de saúde encerrados, farmácias onde não há médicos: o sistema de saúde não pode ser constituído por peças isoladas, tem de ser articulado. E, a propósito, recordou como a deslocalização de algumas farmácias sobressaltou recentemente os “guardiões da democracia”, que acordaram para os males da liberalização. “Lamento que tenham acordado tão tarde. Em 2005, todos cederam perante a demagogia das ideias liberalizantes que conduziram à triste situação em que nos encontramos”, denunciou, reclamando uma política coerente e que salvaguarde a viabilidade das farmácias.
Só organização colectiva permitirá vencer a crise Para João Cordeiro, o caminho traçado nos últimos 30 anos está pre-
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sentemente em causa. Desde 2005, foi um caminho com menos receitas e mais custos, tendo chegado a hora de percorrer o caminho inverso. Há, nomeadamente, que remunerar as farmácias com dignidade. “Não é um caminho fácil, mas não temos alternativa. Não devemos contar com ninguém, a não ser com nós próprios. Não contemos com o Estado para resolver os nossos problemas”. Deixou, no entanto, uma referência elogiosa aos bancos que têm ajudado a ANF a vencer as dificuldades, com confiança e compreensão: sem a banca dificilmente as farmácias teriam resistido. Ainda assim, é preciso que não haja ilusões: “Temos de ser nós, com a nossa organização colectiva, a construir soluções e a minimizar os efeitos da crise que nos atinge”. E alertou para a sobrevalorização excessiva dos interesses privados, que conduz ao individualismo: “Essa atitude não resultou no passado e não irá resultar no futuro.
As farmácias são pequenas demais para enfrentarem isoladamente os problemas complexos que têm pela frente”. O que deu força e capacidade de intervenção à ANF foi representar a voz e os interesses profissionais e económicos de todos: “Aquilo que nos une é muito mais do que aquilo que nos possa separar”. É, pois, precisa uma visão colectiva e de médio e longo prazo, para deixar às gerações vindouras uma farmácia melhor do que a recebida das gerações anteriores. Esse é, nomeadamente, o objectivo do Projecto + Futuro, que, através da transferência do património empresarial para as farmácias, se propõe reforçar os interesses comuns, permitindo enfrentar o futuro com mais possibilidade de sucesso. Terminando como começara, o presidente da direcção elogiou a “excelente manifestação colectiva de vitalidade do sector” que foi o congresso: “Não ficamos parados à espera das soluções”.
Nova edição de Direito Farmacêutico
A sessão de encerramento do congresso foi o momento escolhido pelo presidente da ANF para apresentar publicamente a nova edição do livro Direito Farmacêutico, da autoria de Abel Mesquita, Coordenador Geral da Associação.
Poder político não pode ser insensível A intervenção de João Cordeiro antecedeu a do presidente da Comissão Parlamentar de Saúde, o deputado social-democrata António Couto dos Santos, convidado a encerrar o 10.º Congresso Nacional das Farmácias. O que fez dando conta da importância que a comissão reconhece às farmácias, aos farmacêuticos e à ANF como um dos agentes associativos de maior relevância no sector do medicamento e da saúde. Tal como o presidente da ANF havia manifestado, também o deputado salientou o diálogo com a associação, “um parceiro sólido, bem preparado, firme e com visões muito claras sobre as matérias”. É um “lobby transparente na defesa da classe que representa”. Centrando-se no congresso propriamente dito, recordou que a saú-
“Apesar de corrermos o risco de ficar rapidamente desactualizado, é um livro precioso para todos. É imprescindível ter este documento na farmácia para consulta”, considerou. No prefácio, também o autor faz menção à profusa produção legislativa: “Actualmente, é difícil manter uma colectânea de leis actualizada durante muito tempo. Legisla-se todos os dias. Bem ou mal, pouco
importa. Há diplomas que nunca chegam a ter aplicação prática, mas publicam-se! O sistema jurídico é permanentemente instrumentalizado pelo poder político, o que tem como consequência uma fúria legislativa permanente. O sector farmacêutico não foge à regra”. Em dois volumes, esta quarta edição da obra será oferecida às farmácias pela equipa de Gestores de Associados que as visitam regularmente.
de tem grande influência na opinião pública e nas opções políticas dos cidadãos e que, “talvez por isso, os políticos tenham deixado de pensar o sector em termos estratégicos e se deixem arrastar por decisões precipitadas e não fundamentadas, traduzindo respostas a impulsos gerados pelos ciclos eleitorais ou pela mediatização dos actos ou ainda pela pressão das contas públicas”. Contudo, a estratégia política para a saúde não pode resultar da soma das ideias de blocos de interesses ou de personalidades reconhecidas pelo sistema: deve ser definida pelos políticos depois de ouvida a sociedade. Para Couto dos Santos, o Estado tem de definir com clareza o que pretende do SNS e qual o modelo de financiamento subjacente. Não pode continuar a responder às dificuldades do financiamento com o aumento das dívidas a fornecedores, com pressões sobre determinados agentes do sistema de uma forma desarticulada e muitas vezes não explicando.
Sobre as farmácias, sustentou que o país dispõe de um serviço farmacêutico exemplar, moderno, tecnicamente diferenciado, bem distribuído geograficamente e avaliado positivamente pelos agentes e pelo cidadão. Mas esse serviço tem custos para as farmácias, que são confrontadas com exigências crescentes, com requisitos legais rígidos sem que a sua intervenção seja valorizada pelo Estado. O poder político – defendeu - não pode ser insensível à situação em que as farmácias se encontram. A profissão farmacêutica tem um valor social alicerçado em séculos de história, pelo que “manda o bom senso que não seja desperdiçado em conflitos recorrentes e práticas menos adequadas”. À organização do congresso, o presidente da Comissão Parlamentar de Saúde deixou o convite para que transmita ao parlamento e aos partidos as conclusões deste congresso. Para memória futura e para eventual incorporação nos programas eleitorais e nas propostas legislativas.
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Maria da Luz Sequeira, Vice-Presidente da ANF
Conclusões As conclusões do 10.º Congresso Nacional das Farmácias, que decorreu sob o lema “Política Social do Medicamento”, são as seguintes:
Sobre Tendências de Organização dos Sistemas de Saúde 1. Os ganhos em saúde têm aumentado de forma clara e consistente a nível internacional, o que levou a um aumento da esperança média de vida e à diminuição do número de mortes evitáveis. 2. Esta melhoria tem sido acompanhada por um aumento significativo da despesa. Caso esta tendência de crescimento se mantenha, o peso da saúde no PIB tornar-se-á muito significativo, colocando em causa a sustentabilidade dos sistemas de saúde. 3. Urge, por isso, implementar uma política de rigor e transparência,
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reforçar as estruturas de gestão dos sistemas de saúde, conducentes à integração de cuidados e crescimento controlado dos custos. 4. Compete aos Governos, sem constrangimentos políticos e/ou ideológicos, aplicar as medidas que, sustentadas numa cultura de avaliação criteriosa, sejam economicamente indiscutíveis e permitam uma melhor organização dos sistemas de saúde. 5. É fundamental que haja uma clara separação de funções entre a entidade que financia, contrata e a entidade que presta os cuidados de saúde, seja ela pública ou privada. 6. O Estado deve centrar-se na regulação, no financiamento, na garantia da qualidade dos serviços prestados e na total transparência da informação. 7. Este modelo tem de ser necessariamente flexível e adaptado ao
progressivo envelhecimento da população, recorrendo a programas de gestão de doenças crónicas que permitam importantes ganhos, quer a nível da qualidade, quer a nível da eficiência. 8. Aos doentes devem ser dadas as competências que lhe dêem poder de decisão e o aproximem dos profissionais de saúde. 9. Deve-se apostar em melhor informação e mais formação aos doentes e às suas associações representativas, para que, como consumidores de bens e serviços em saúde, tomem as suas decisões, exercendo livremente os seus direitos e deveres. 10. As farmácias portuguesas devem saber interpretar as necessidades e os anseios dos doentes, para que sejam parte integrante das soluções impostas por uma sociedade cada vez mais atenta à eficiência e qualidade dos sistemas de saúde.
Urge implementar uma política de rigor e transparência, reforçar as estruturas de gestão dos sistemas de saúde, conducentes à integração de cuidados e crescimento controlado dos custos.
Sobre Política de Comparticipação dos Medicamentos 11. A complexidade do regime vigente no nosso país, as sucessivas alterações legislativas e a necessidade da constante actualização de preços, a que se associa a retirada do preço das embalagens dos medicamentos, exigem a adopção de um novo regime de preços e comparticipações. 12. O novo modelo deve ser justo, simples, transparente, compreensível, exequível e controlável. 13. É urgente que o Governo institua uma criteriosa política de avaliação económica do medicamento, não só da sua qualidade, segurança e eficácia, mas também da análise custo-benefício, custo-efectividade, custo–utilidade, em particular nos chamados medicamentos inovadores. 14. A comparticipação de medicamentos deve ser feita em função da situação económica do doente e da sua situação fisiopatológica. 15. O Governo deve implementar sistemas de informação que monitorizem e acompanhem a prescrição, dispensa e facturação dos medicamentos, e dispor de bases de dados que identifiquem os prestadores, os utentes, com a
respectiva identificação do regime de comparticipação. 16. O doente deve ser um parceiro activo e deve ser auscultado e envolvido nas medidas das políticas de comparticipação. É urgente a definição de doença crónica e de estatuto de doente crónico. 17. As barreiras ainda existentes ao nível do acesso ao medicamento, caso da dispensa exclusiva de medicamentos em meio hospitalar para patologias como o cancro, doenças neuro–degenerativas, HIV/ /Sida, tuberculose, entre outras, devem ser abolidas e imperar a livre escolha do doente. 18. A prescrição pela Denominação Comum Internacional (DCI), tantas vezes adiada, e os medicamentos genéricos são estratégicos como contributo para a contenção da despesa, devidamente enquadrados numa correcta política de preços e comparticipações.
Sobre Serviços e Sustentabilidade da Farmácia 19. As farmácias portuguesas assumiram há largos anos a prestação de serviços farmacêuticos como uma prioridade. Pela sua proximidade às populações, confiança, credibilidade, rede de competên-
cias e intervenção profissional centrada no doente, a farmácia é hoje uma porta aberta do sistema de saúde. 20. A implementação de serviços associados à administração de medicamentos, seguimento da terapêutica, prevenção do risco e promoção da saúde e bem-estar reposicionou o farmacêutico no sistema de saúde. 21. Estudos recentes estimam que as farmácias portuguesas praticam anualmente 38,8 milhões de actos farmacêuticos, não pagos directamente, valorizados em 76,5 milhões de euros pelos utentes. 22. O Estado deve assumir a valorização económica destes serviços como um investimento e remunerar as farmácias e os farmacêuticos pela sua intervenção e contribuição no potenciar de ganhos em saúde e redução dos custos públicos. 23. Em muitos outros países, o modelo de intervenção profissional das farmácias é remunerado também pela prestação de serviços que acrescentem valor à dispensa. 24. O Estado deve reflectir e estudar diferentes modelos de remuneração da farmácia e da prestação de serviços, pois ele é o garante da sustentabilidade do sector farmacêutico e do próprio sistema de saúde português.
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Workshops com elevada participação
Farmácias mais preparadas para o futuro
Workshop 1 - Economia da Farmácia
Os farmacêuticos de oficina deram mais uma prova de que estão mobilizados para ultrapassar a situação económica-financeira que o país atravessa ao participarem massivamente nas workshops organizadas em complemento das sessões plenárias do congresso: ao todo, foram 1.755 as presenças, distribuídas pelos quatro temas em discussão. Cada workshop contou com duas sessões, em horários distintos, de modo a dar oportunidade a cada pessoa de participar em duas, de acordo com os seus interesses. A mais participada, com quase 600 presenças, foi a sessão sobre economia da farmácia. A elevada adesão dos farmacêuticos justifica-se pela crise em que o sector vive, desencadeada com as alterações legislativas que se têm sucedido desde 2005. As farmácias estão a sofrer o impacto da drástica redução do mercado de medicamentos e do valor das comparticipações, vendo as receitas cair
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Workshop 2 - Organização Funcional e Recursos Humanos da Farmácia
enquanto os custos fixos continuam a crescer. Muitas enfrentam já o risco de sobrevivência. Foi esta problemática que esteve em foco, não numa perspectiva alarmista, mas numa perspectiva prática, de evidenciar a melhor forma de utilizar os instrumentos já disponibilizados para a gestão da farmácia. Para este objectivo contribuíram Carlos Mocho, director-geral da hmR, que apresentou os mais recentes indicadores do mercado; Carlos Grenha, revisor oficial de contas e consultor da ANF para a análise económico-financeira, que fez uma introdução aos elementos contabilísticos a que as farmácias devem cada vez mais estar atentas; e Hugo Maia, farmacêutico e responsável pelo projecto de optimização logística da Alliance Healthcare, que deixou sugestões de optimização da logística da farmácia, nomeadamente no relacionamento com os fornecedores. Foi uma sessão orientada para a prá-
tica, que se propôs alertar para os caminhos que ajudarão as farmácias a superar o actual momento. Igualmente pertinente para a gestão da farmácia é a organização funcional e os recursos humanos, tema da segunda workshop a que assistiram mais de 330 farmacêuticos. Visou abordar o funcionamento da farmácia ao nível da ergonomia dos fluxos e das actividades, bem como o desenvolvimento das competências dos colaboradores tendo em conta a necessidade de criar sinergias e melhorar a eficiência. Partiu do pressuposto óbvio que a satisfação da equipa é essencial para o funcionamento da farmácia, como fonte de credibilidade junto dos utentes e, em última instância, fonte de negócio. Todavia, a credibilidade tem de ser sustentável, pois só assim se atinge a meta final: a satisfação do utente. Esta ideia foi desenvolvida com uma vertente muito prática por Ana Maia, com vasta actividade docente na área
Workshop 3 - Organização do Espaço - Merchandising e Gestão de Categorias
dos recursos humanos, nomeadamente como colaboradora da ANF na formação e consultoria. E como, cada vez mais, ferramentas como o merchandising e a gestão de categorias ganham relevo na diferenciação das farmácias foi-lhes reservado uma workshop específica. O tema motivou o interesse de mais de 360 farmacêuticos, sensibilizados para a importância de gerir o espaço físico da farmácia de forma a gerar tráfego e vendas. Sem deixar de estar alicerçada no saber técnico e científico do farmacêutico, a farmácia tem, cada vez mais, de ir ao encontro da forma de pensar e decidir do consumidor. Só assim ganhará em competitividade. Beneficia já de uma relação de confiança com o utente, a partir da qual deve ascender a outro nível de excelência, tirando partido das técnicas de gestão de categorias e de merchandising. Depois desta introdução, os participantes tiveram oportunidade de ouvir
Workshop 4 - Implementação de Serviços na Farmácia
dois elementos do Departamento de Marketing da ANF – Aníbal Oliveira e Cátia Alexandre – abordar os aspectos mais conceptuais da gestão do espaço farmácia de modo a aumentar a eficiência, as margens e as vendas e reduzir os custos. O conhecimento do cliente foi aqui apresentado como crucial para esta nova atitude da farmácia. Estes conceitos foram depois vertidos na prática por Armando Mateus, da Nexius, empresa com larga experiência em gestão de categorias, que deu a conhecer dois casos de sucesso – um no Brasil e outro em Espanha. Nesta sessão, os participantes foram convidados a adoptar uma nova atitude na gestão da farmácia. Atitude essa que passa crescentemente pela disponibilização de serviços farmacêuticos, em foco na quarta workshop deste congresso. Os mais de 450 participantes nas duas sessões sobre o tema ficaram habilitados a identificar e concretizar as etapas
de implementação de um serviço nas suas diversas vertentes: técnica (relacionada com os recursos e as competências inerentes ao serviço), de adaptação das infra-estruturas e equipamentos da farmácia, de divulgação do serviço junto dos utentes, de utilização das ferramentas de informação disponíveis e, finalmente mas não menos importante, da valorização económica. As farmácias participantes ficaram na posse de documentos que as ajudarão a dar seguimento à informação adquirida nesta sessão, nomeadamente uma check-list de apoio à implementação de um novo serviço e uma ferramenta para cálculo do custo desse serviço e sua consequente valorização. Cada uma das workshops dotou os participantes de conhecimentos e instrumentos que valorizarão a sua intervenção profissional e contribuirão para a diferenciação da farmácia, sempre importante mas mais ainda no actual contexto.
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Apresentação de Posters
Dois posters premiados Neste congresso, à semelhança do anterior, as farmácias foram convidadas a dar a conhecer, sob a forma de poster, o seu trabalho de intervenção farmacêutica. Foram apresentados 32, seis dos quais rejeitados. E dois deles distinguidos. O prémio de melhor prémio foi atribuído ao trabalho “Farmacovigilância - contributo dos farmacêuticos na região Centro nos últimos dez anos”, da autoria de Nuno Craveiro, Carlos Alves, Carlos Fontes Ribeiro e Francisco Batel Marques. Na entrega do prémio, o presidente da comissão científica do congresso, José Aranda da Silva, ressalvou o facto de este trabalho estar em ligeira vantagem por os seus autores serem investigadores. Uma menção honrosa – “muito honrosa” – foi concedida ao poster “Prevalência de dislipidemias em doentes com hipotiroidismo em acompanhamento no Sifarma 2000”, de Raquel Moreno, Juliana Silva, Lina Rodrigues e Susana Seixas, da Farmácia Moderna, de Macedo de Cavaleiros. José Aranda da Silva agradeceu aos farmacêuticos por, no meio da pressão do dia-a-dia, terem tido tempo para apresentar posters ao congresso.
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Lugar ao convívio Cada congresso da ANF é sempre um momento decisivo de reflexão sobre o futuro do sector da farmácia de oficina em Portugal. Mas é também um momento de encontro entre farmacêuticos de todo o país, que partilham um quotidiano profissional mas estão, muitas vezes, separados pela geografia. Daí que a organização do evento reserve sempre um espaço para o convívio. Este ano não foi excepção: no dia 25, os participantes e convidados reuniram-se para um cocktail nas antigas cavalariças do palácio que alberga o Hotel Pestana Palace, em Lisboa, para um fim de tarde descontraído. No rescaldo do primeiro dia do congresso, reinou assim a boa disposição, inspirada por artistas do Chapitô.
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Quase oito mil visitantes na Expofarma A edição de 2011 da Expofarma, que decorreu em paralelo com o 10.º Congresso Nacional das Farmácias, contou com quase oito mil visitantes durante os três dias de exposição. Ocupando uma área de 2.366 m2 do Centro de Congressos de Lisboa, aquela que é a maior feira da farmácia em Portugal acolheu 83 expositores do sector, que tiveram oportunidade de apresentar às farmácias as suas mais recentes propostas em produtos, equipamentos e soluções. Cada edição da Expofarma constitui um espaço de inovação e modernidade, um momento de excelência na interacção entre os profissionais de farmácias e os seus fornecedores. Uma interacção que, como habitualmente, extravasou as fronteiras do profissional, prosseguindo, a título mais informal, na Noite da Farmácia, este ano no Forte do Bom Sucesso, em Belém. Com a animação a cargo do artista Rouxinol Faduncho, a noite foi também de prémios: o melhor stand da Indústria Farmacêutica foi o da Ratiopharm, a Mepha conquistou o prémio para o stand com Melhor Design e a Labesfal Genéricos sagrouse Expositor do Ano. Os laboratórios Pierre Fabre mereceram o prémio Antiguidade. Foi igualmente atribuído o prémio Responsabilidade Social, este ano à Associação de Doentes com Lúpus, membro da Plataforma Saúde em Diálogo, da qual os farmacêuticos também estão representados através da ANF. Com o patrocínio do BES, o prémio tem o valor monetário de 10 mil euros, destinando-se a apoiar as actividades desenvolvidas pela associação na prestação de cuidados e na promoção dos direitos dos doentes. Para a directora comercial da Expofarma, Isabel da Fonseca, o facto de a exposição ter decorrido em paralelo com o congresso da ANF constituiu uma mais-valia.
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10.º CONGRESSO ANF
Participantes satisfeitos com congresso Foram os temas que motivaram a grande maioria dos participantes no 10.º Congresso Nacional das Farmácias: assim o indicaram 67,8 por cento dos respondentes ao inquérito de avaliação da satisfação promovido pelo CEFAR em colaboração com a Escola de Pósgraduação em Saúde e Gestão. Outros 16,1 por cento juntaram aos temas os oradores. Atendendo ao grau de satisfação demonstrado, não saíram defraudados: 98,5 por cento dos respondentes afirmaram-se muitos satisfeitos ou satisfeitos com o programa, com 93,7 por cento a manifestarem a mesma opinião relativamente às workshops que decorreram em paralelo. Estes foram também os dois aspectos considerados mais importantes no congresso: 98,8 por cento responderam que o programa foi o mais importante e o mesmo fizeram 96,2 por cento em relação às workshops. Escalpelizando o programa, o inquérito debruçou-se sobre a opinião dos participantes sobre cada uma das sessões. E a sessão 4, sob a forma de debate com representantes dos partidos com assento parlamentar, foi a que reuniu mais consenso: 95,1 por cento afirmaram-se muito satisfeitos ou satisfeitos. Seguiu-se a sessão sobre os “serviços e a sustentabilidade da farmácia”, com um grau de satisfação global de 94,3 por cento. Já a sessão “tendências de organização dos sistemas de saúde” deixou 93,7 por cento dos respondentes muito satisfeitos ou satisfeitos. Quanto à sessão acer-
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ca da política de comparticipação dos medicamentos, foram 92,8 por cento os respondentes que ficaram satisfeitos ou muito satisfeitos. Os oradores também geraram um elevado grau de satisfação, sobretudo os deputados: 96,5 por cento dos respondentes ficaram satisfeitos ou muito satisfeitos com a exposição do debate. Igualmente elevada foi a satisfação proporcionada pelas duas primeiras sessões do congresso, que obtiveram 94,2 por cento cada. Um pouco menos, mas igualmente positiva, foi a receptividade à sessão 3, com 92,3 por cento dos respondentes a terem ficado satisfeitos ou muito satisfeitos. No que respeita às workshops, a melhor classificada foi a centrada na “organização funcional e recursos na farmácia”, com 93 por cento dos respondentes a atribuir-lhe “bom” ou “muito bom”. Este era um inquérito destinado a aferir a opinião dos participantes no congresso e, como tal, foram-lhes igualmente pedidas sugestões: 30,8 por cento dos respondentes gostariam, de em próximos congressos, ter mais tempo para debate e colocar questões aos oradores. Tópicos como o “acesso às workshops” e o “local de realização do congresso” receberam 7,7 por cento dos comentários cada. As opiniões dos farmacêuticos constituem oportunidades de melhoria, sendo importantes para, em congressos futuros, ir ao encontro das suas expectativas e interesses.
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DESTA VARANDA
As farmácias na mão dos credores As farmácias foram consideradas nas últimas décadas um exemplo de prosperidade económica, sustentabilidade financeira e qualidade de serviço. Os inquéritos à opinião pública confirmavam regularmente este juízo das populações sobre as farmácias. Nada parecia perturbar o sector, que se mostrava bem organizado e mobilizado em torno de projectos de modernização da actividade global da farmácia. O sector funcionava bem e a baixo custo. As farmácias portuguesas são aquelas que têm a margem de distribuição mais baixa entre todos os países da União Europeia. Entretanto, sem razões económicas ou sociais que o justificassem, a partir de 2005, foi desencadeado um ataque sistemático ao sector, com o óbvio propósito de o destruir. Desde a liberalização da propriedade, até à autorização da venda de medicamentos fora das farmácias e à redução das margens, as medidas sucederam-se a um ritmo vertiginoso, evidenciando vontade de perseguir e pressa em agir. Paralelamente, os medicamentos em ambulatório foram o alvo preferencial da política de austeridade do Ministério da Saúde. As farmácias entraram rapidamente num ciclo inverso, em que a sua situação económica e financeira se foi degradando progressivamente entre 2005 e 2010. O sector de farmácias está hoje na mão da banca e dos fornecedores. Crescem continuamente os incumprimentos de farmácias, os processos judiciais para cobrança de dívidas e as insolvências. De um clima de confiança passou-se a um clima de desconfiança. A oferta de farmácias já é hoje superior à procura, o que era inimaginável até há
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pouco tempo e é sempre um dos sinais mais preocupantes para qualquer sector de actividade. A crise das finanças públicas repercutiu-se violentamente nas farmácias. Os Governos não foram capazes de impor austeridade a si próprios e aos serviços do Estado. Só têm sido capazes de impor austeridade aos outros. O Ministério da Saúde não foge à regra. A despesa pública com medicamentos nos hospitais do SNS continua a crescer e o Ministério da Saúde tem-se mostrado incapaz de controlar esse crescimento. Inversamente, a despesa pública com medicamentos nas farmácias está a descer a um ritmo alucinante, pela via da redução dos preços e das comparticipações. Nos primeiros quatro meses de 2011, o mercado das farmácias reduziu 12% e a despesa do SNS em comparticipações reduziu 22%! A equidade nos sacrifícios é, por isso, uma das questões fundamentais que o programa de resgate financeiro assinado com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional coloca aos responsáveis políticos. O Estado tem de dar o exemplo. As farmácias e os grossistas entraram já em situação de ruptura financeira. E a própria indústria farmacêutica, apesar da sua maior capacidade económica e financeira, acabará também por sofrer as consequências. É lamentável que tenhamos chegado a esta situação. Medidas indispensáveis foram inexplicavelmente adiadas. A prescrição por DCI e os genéricos são, apenas, dois exemplos. Aquilo que os responsáveis políticos, durante duas décadas, não foram capazes de fazer por sua própria iniciativa, tornou-se uma evidência indiscutível e por eles imediatamente aceites no momento em que essas
medidas foram inscritas no documento da troika. Perdemos anos e anos a adiar o inadiável. Somos todos responsáveis. Mas o grau de responsabilidade não é o mesmo. As farmácias têm reclamado sempre que a despesa pública seja adaptada às disponibilidades financeiras do Estado. Nunca nos opusemos a qualquer medida de contenção orçamental. Manter-nos-emos fiéis a estes princípios. Mas, é preciso equidade. As farmácias já estão a participar na recuperação do deficit das contas públicas preconizado no acordo com a União Europeia e o FMI. A redução das comparticipações (-22%) e do mercado das farmácias (-12%) está a ter um efeito devastador em todo o sector. É preciso moderar a dureza das medidas que estão a atingir as farmácias. Todos os sectores da saúde têm de participar na redução da despesa. Particularmente, os hospitais do SNS, que consomem anualmente mais de mil milhões de euros em medicamentos, não podem ficar isentos do programa de redução da despesa com medicamentos. As farmácias continuarão, entretanto, à procura da sua sobrevivência. Sabem, agora, como é importante uma forte organização associativa para reduzir o impacto da crise. Acredito que ainda temos energias para resistir. E temos, também, obrigação de acreditar. Embora isso seja cada vez mais difícil.
João Cordeiro
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