P U B L I C A Ç Ã O t r i m e s t r al • 2 0 1 • j a n / f e v / m a r ‘ 1 3
FARMÁCIA PORTUGUESA
Nutrição
Estrutura associativa
O Bê-Á-Bá da crise explicado ao poder político
muito mais do que uma questão de saúde
conversa com...
entrevista
entrevista
Teresa Caeiro: «Há espaço para a intervenção farmacêutica crescer»
davide carvalho: «A obesidade é um problema social»
Carlos Maurício Barbosa: Palavra de ordem no novo mandato: «integração»
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CONGRESSO MUNDIAL
FARMACÊUTICOS DE
LÍNGUA PORTUGUESA JUNTOS EM DEFESA DA SAÚDE
LUANDA 29 A 31 DE MAIO 2013 SIMPÓSIO SATÉLITE
SaO TOMÉ e PRÍNCIPE 27 DE MAIO 2013
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www.afplp.org
ÍNDICE
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Last Minute
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editorial
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noticiário
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última Hora
News
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Diz-me o que comes e dir-te-ei que saúde tens Tell me what you eat and I tell you how health you are
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entrevista
Carlos Maurício Barbosa: Palavra de ordem no novo mandato: «integração» Carlos Maurício Barbosa: Word of order on the new mandate: ‘integration’
anf
Operação: informação Intervention: information
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entrevista
Davide Carvalho: «A obesidade é um problema social e é como tal que deve ser combatida» Davide Carvalho: «Obesity is a social problem and is as such that should be tackled»
30 conversa com...
Teresa Caeiro: «Há espaço para a intervenção farmacêutica crescer» Teresa Caeiro: «There’s place for pharmaceutical intervention to grow»
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nutrição
flashes
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55
consultoria fiscal
consultoria jurídica
Compensação em caso de cessação de contrato de trabalho Compensation in case of cessation of contract work
consultoria de gestão
Cross e up selling na obesidade e excesso de peso Cross and up selling in obesity and overweight
Unidades de Saúde Familiar Novos indicadores de desempenho Family Health Unit New performance indicators
O OE 2013 e a Farmácia 2013 State Budjet and the Pharmacy
em foco
Nutrição - Muito mais do que uma questão de saúde Nutrition - More than a health issue
política de saúde
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desta varanda From this balcony
3
última hora Órgãos sociais da ANF
Quatro de maio é dia de eleições João Cordeiro apresentou a sua demissão do cargo de presidente da Direção e esta, apesar de legitimada pelos estatutos para continuar em funções, resolveu pedir ao presidente da Mesa da Assembleia-Geral a convocação de eleições. Assim será a 4 de maio, dia em que as farmácias irão eleger os novos órgãos sociais da ANF. O histórico líder da ANF já havia anunciado que este seria o seu último mandato à frente dos desígnios da associação, mas o momento das despedidas do cargo, a que foi sistematicamente reconduzido pelos colegas durante perto de quatro décadas, viria a ser antecipado pela decisão de se candidatar à presidência da Câmara Municipal de Cascais nas próximas eleições autárquicas. João Cordeiro cessou funções no dia 28 de fevereiro, tendo a Direção, que se mantém em pleno exercício das suas competências até à tomada de posse dos novos órgãos sociais, designado o vice-presidente Paulo Duarte para o cargo de presidente interino. Embora à data de fecho desta edição não fossem ainda conhecidas as listas candidatas, é muito provável Propriedade
que o leitor tenha já tomado contacto com as mesmas, uma vez que o limite para a apresentação das equipas proponentes a escrutínio era o dia 3 de abril. Decorre agora um período de um mês, onde são expostos os programas de ação, findo o qual serão eleitos os responsáveis da Mesa da Assembleia-Geral, do Conselho Disciplinar, do Conselho Fiscal e da Direção da ANF para o triénio 2013/2015.
Na hora do “até já” Um dos últimos atos de João Cordeiro enquanto presidente da Direção traduziu-se na condução de uma série de reuniões descentralizadas com as farmácias, às quais, em face da situação atual do sistema de saúde, fortemente influenciada pelo prograProDUÇÃO
ma de assistência financeira ao país, considerou ser sua obrigação transmitir a sua visão sobre o passado, o presente e o futuro do setor. Na rápida viagem no tempo que assim se proporcionou em cada um destes «encontros de amigos» - título seu -, muito concorridos e emotivos, sublinhou as pessoas que o acompanharam e «a enormidade das conquistas feitas», algo que «nos passa despercebido no dia-a-dia», disse. Pela mesma ordem de razões, já antes, em circular aos associados, João Silveira, presidente da AssembleiaGeral, teria considerado que «com a inteligência, a intuição, a capacidade de trabalho e a liderança que lhe reconhecemos, o João Cordeiro vai ficar na história da farmácia. Haverá uma história do setor antes e depois dele». Impressão e acabamento RPO - Produção Gráfica, Lda.
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Distribuição gratuita aos associados da ANF
FARMÁCIA PORTUGUESA é uma publicação da Associação Nacional das Farmácias Rua Marechal Saldanha, 1, 1249-069 Lisboa
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EDITORIAL
Novos desafios 1 - Se necessárias forem explicações para as palavras que hoje
aqui deixo, direi simplesmente que há alturas em que os temas se impõem por si mesmos, e esta é uma delas. Tal como acontece, se calhar com banal frequência, entre os demais mortais, contactei primeiro com o João Cordeiro e só mais tarde o conheci. Em 1980, quando adquiri a minha farmácia e me fiz associada da ANF, passei a participar nas assembleias e a imagem que daí retirava dele não era das mais simpáticas: reconhecia-lhe uma liderança forte e via nele alguém de inteligência e visão estratégica, mas parecia-me pouco afável, mesmo agressivo, para quem o contraditasse. Quando a partir de 1997, altura em que me surpreendeu com um convite para integrar a Direção, comecei a lidar mais de perto com ele, pude descobrir que aquela imagem dura, distante, por vezes fria que projetava, não passava de uma carapaça que o protegia dos seus próprios sentimentos. O João é uma pessoa de âmago bondoso, um cordeiro que veste a pele de lobo. Tivemos uma ligação de trabalho bastante estreita, nem sempre pautada pela sintonia de pontos de vista, mas com bom senso e diálogo chegámos invariavelmente a bom porto. Trata-se de um homem com uma tremenda capacidade de trabalho, de um grande estratega, dotado de um invulgar sentido visionário. Mas humilde o suficiente para mudar a sua linha de pensamento se confrontado com melhor opinião, o que não invalida, porém, de que quando equaciona uma questão que considera vital não abdica de a defender intransigentemente custe o que custar. 5
EDITORIAL
A ele, e àqueles de que soube rodear-se, se deve o percurso que fez a Associação, levando-a a atingir o patamar em que hoje se encontra. É muito a ele que se deve a transformação das farmácias e da própria profissão, que estava descrente e descredibilizada e reencontrou o seu orgulho e fulgor. Compreendo que os mais novos possam ter alguma dificuldade em perceber a profunda transformação que nas ultimas décadas mudaram por completo a face e o coração do nosso setor, mas não tenho dúvidas que jovens e menos jovens, todos temos que lhe estar gratos pela sua absoluta dedicação e espírito associativo. A obra que fica fala por si... Tive o privilégio de fazer parte das suas equipas, e tenho de lhe agradecer toda a confiança que em mim depositou, porque sempre me apoiou no desenvolvimento dos projetos em que acreditava e que, apesar do muito trabalho que me deram, foram extremamente gratificantes, até pelos resultados daí advindos. Por outro lado, admiro o seu espírito de lealdade. É fiel aos seus princípios ético-profissionais e leal para com os seus amigos, de quem gosta profundamente e para quem tem sempre tempo, tanto nas boas como nas más horas. 2 – Na história da profissão haverá sempre um antes e um depois de
João Cordeiro.
Agora que está de saída de presidente da Direção da ANF, onde defendeu a causa dos farmacêuticos e parte para se dedicar à causa dos seus conterrâneos, num acto de cidadania, deixa atrás de si algo muito diferente do que encontrou: uma casa orientada, estruturada, com cabeça, tronco e membros, que garante condições a quem o suceda para fazer um bom trabalho. A ANF, pela força das circunstâncias, vai entrar numa nova fase. Que depois do adeus de João Cordeiro o seu exemplo de dedicação à nossa causa e a sua capacidade empreendedora sejam inspiração para que novos talentos possam emergir para revitalizar o futuro do setor. Novos talentos que sigam o seu exemplo, e das suas equipas, que souberam dar o seu melhor, enquadrados por verdadeiro espírito associativo e que muitas vezes colocaram os interesses da classe acima dos seus próprios interesses individuais.
Maria da Luz Sequeira 6
NOTICIÁRIO
X Congresso Mundial de Farmacêuticos dos Países de Língua Portuguesa - lUANDA, 30 E 31 DE maio de 2013
“Juntos em Defesa da Saúde”
Entre os dias 30 e 31 de maio de 2013, a cidade de Luanda recebe o X Congresso Mundial de Farmacêuticos de Língua Portuguesa. Promovido pela Associação de Farmacêuticos dos Países de Língua Portuguesa (AFPLP), este evento levará ao Centro de Convenções de
Talatona, em Angola, farmacêuticos vindos de todo o mundo lusófono. O programa do Congresso inclui sessões dedicadas ao circuito do medicamento, à regulamentação do setor farmacêutico, à intervenção dos farmacêuticos nos Sistemas de Saúde e à formação pré e pós-graduada.
Estarão presentes representantes da OMS África, do Governo de Angola e dos setores da saúde e do medicamento de todos os países lusófonos. Em simultâneo com o Congresso, realiza-se a Feira Lusófona de Saúde, que permitirá o contato e o intercâmbio, entre empresas, farmacêuticos e outros profissionais, dando a conhecer toda a oferta de mercado do setor. O evento contará ainda com um Simpósio Satélite em São Tomé e Príncipe, a decorrer durante a manhã do dia 27 de maio, que pretende promover a profissão farmacêutica e a farmácia naquele País, dando relevo à sua capacidade de intervenção nos Sistemas de Saúde. Toda esta informação, e muito mais, poderá ser encontrada no sítio da AFPLP, em www.afplp.org.
Alliance healthcare conquista
“Investors in People” A Alliance Healthcare tornou-se, em janeiro, na primeira empresa portuguesa a obter a certificação “Investors in People”, concluindo com sucesso o processo de adaptação desencadeado há um ano e meio pelo atual CEO, Fernando Melo. A certificação, conferida pela organização de origem britânica fundada há cerca de 20 anos, assegura um sistema de gestão dos recursos humanos assente em boas práticas, cujo objetivo é a melhoria do desempenho da empresa através das suas pessoas, com contínua focalização na concretização dos respetivos objetivos. Em Portugal apenas a multinacional de logistica TNT possui tal certificação, que em todo o mundo distingue cerca de 800 empresas. 7
NOTICIÁRIO
Programa Farmácias Portuguesas
Aumenta atratividade pelos rebates E reforça campanha de CRM personalizada
Tendo como principal objetivo a fidelização de clientes e o desenvolvimento do negócio das farmácias, o Programa Farmácias Portuguesas iniciou o ano com a comunicação de um fator de relevância e de agrado para os seus aderentes: o aumento do valor pago por ponto rebatido de €0,04 para €0,045. A alteração tomará efeito com a 11.ª edição da Revista Farmácias Portuguesas, disponível a partir de abril, e trará benefícios às farmácias em mais de uma forma. 8
Primeiro pelo resultado direto do aumento de 12,5% do valor recebido por ponto rebatido e segundo porque a alteração do valor permitirá reduzir os pontos necessários para o rebate dos produtos, o que os tornará ainda mais atrativos para os consumidores, aumentando certamente o nível de rebate por pessoa e a fidelização às farmácias. Tal fato conduzirá também a um maior interesse das marcas, mantendo assim o foco dos seus investimentos no canal farmácia.
Após três campanhas desenvolvidas em 2012, o Programa Farmácias Portuguesas volta a disponibilizar esta ferramenta às farmácias e reforça-a em termos de número de campanhas e de facilidade em participar. São ao todo cinco oportunidades ao longo do ano para cada farmácia, tendo a primeira sido já enviada no passado mês de março, com o tema “Dedicamos este mês aos bebés.”. Segundo ofício circular enviado em janeiro, as restantes quatro campanhas terão os seguintes temas: • abril, com reforço em maio – Emagrecimento/Adelgaçantes • junho, com reforço em julho – Solares • outubro/novembro – Frio • dezembro – Natal Esta informação permite a negociação atempada com as marcas para que cada farmácia possa desenvolver as suas próprias ações e comunicar com o apoio desta ferramenta. Para facilitar o acesso a esta ferramenta e para não se perderem oportunidades de comunicação com os consumidores, o período de inscrição em cada uma das campanhas passou também a ser comunicado através do B2B. Se ainda assim houver farmácias que não se inscrevam, o Programa irá enviar a campanha para todos os clientes dessas farmácias, mantendo a frase pré-definida. Lançada no Verão de 2012, a campanha de CRM personalizada é gratuita para as farmácias aderentes ao Programa e permite terem uma “ponte” de comunicação directa por e-mail com os seus consumidores.
FARMÁCIA PORTUGUESA • 201 • jan/fev/mar‘13
Orçamento do Estado para 2013 Foi publicada no Diário da República de 31 de dezembro a Lei n.º 66B/2012 pela qual a Assembleia da República decreta a aprovação do Orçamento do Estado para o ano de 2013. No setor da saúde, serão tomadas medidas que conduzem a poupanças de cerca de 180 milhões de euros. A maior parte virá da prossecução das reformas na área do medicamento. As medidas previstas para a política do medicamento são: • Promoção da prescrição, dispensa e utilização de medicamentos genéricos, nomeadamente através da conclusão do processo de implementação e dinamização da prescrição por Denominação Comum Internacional (DCI) e do reforço da monitorização da prescrição e da dispensa de medicamentos;
• Promoção do acesso ao mercado de medicamentos genéricos; • Reforço da monitorização da utilização dos medicamentos, potenciada pela publicação das normas e orientações clínicas relativas ao medicamento; • Continuação da publicação e promoção de normas de orientação clínica, tanto no que se refere ao medicamento como relativamente a MCDT, e respetivo sistema de auditoria da sua implementação; • Consolidação, disseminação e monitorização da prescrição eletrónica, com implementação do processo de desmaterialização da prescrição e da faturação de medicamentos e MCDT; • Promoção de eficiência e aumento da capacidade negocial na aquisição de medicamen-
Brincar aos farmacêuticos
Experimentar ser farmacêutico é agora possível aos mais novos na Farmácia Saúde. Este espaço está englobado no parque temático KidZania, no Centro Comercial Dolce Vita Tejo, na Amadora, e permite às crianças vivenciar as experiências ligadas à atividade destes profissionais. Na farmácia, os pe-
quenos farmacêuticos realizam testes de diagnósticos que irão suportar o seu aconselhamento sobre cuidados de saúde, preparam ainda, um kit de primeiros socorros para o hospital da cidade e produzem um creme. Este projeto conta com a parceria da ANF, da OF, da Apifarma e da Glintt, entre outros.
tos, dispositivos médicos e outros bens e serviços, através de aquisições partilhadas e/ou centralizadas; • Monitorização centralizada do consumo intra-hospitalar de medicamentos e MCDT, com vista à otimização de recursos e análise custo-benefício; • Monitorização do acordo com a indústria farmacêutica em relação à limitação de encargos públicos com medicamentos em ambulatório e meio hospitalar; • Realização da revisão anual de preços com base em preços internacionais, e monitorização da remuneração de distribuidores farmacêuticos e de farmácias; • Implementação de novas formas de monitorização e de prevenção da fraude.
V Jornada de Recolha de Medicamentos
Resultados
No âmbito da V Jornada de Recolha de Medicamentos, iniciativa do Banco Farmacêutico que decorreu no passado dia 16 de fevereiro, foram doados perto de 9 mil medicamentos e produtos de saúde, em 111 farmácias de diferentes áreas geográficas. Este ano, apesar de ter aumentado o número de voluntários nas farmácias aderentes, a quantidade de medicamentos recolhidos foi menor, muito provavelmente devido às dificuldades e incertezas em relação ao futuro que os portugueses estão a viver. Os medicamentos angariados vão beneficiar mais de 50 mil doentes apoiados por 69 Instituições de Solidariedade Social. Uma vez mais, as farmácias e a ANF associaram-se à Jornada de Recolha de Medicamentos, uma iniciativa de reconhecido mérito, que contribui para a minimização das desigualdades no acesso ao medicamento por parte das populações mais carenciadas. 9
NOTICIÁRIO
Aníbal Cunha
CONGRESSO FIP 2013 – Irlanda
Towards a future vision for complex patients
Figura Eminente da Universidade do Porto em 2012 Museu faz um balanço muito positivo da sua participação
Este ano, a FIP colocará em debate no seu 73.º Congresso o papel do farmacêutico na gestão dos doentes, principalmente aqueles que necessitam de cuidados extra, derivados da complexidade da terapêutica instituída, associada à fragilidade da sua saúde, quer física quer mental. Os responsáveis pelo programa do Congresso, enfatizam que os doentes estão a tornar-se cada vez mais complexo à medida que envelhecem e consequentemente desenvolvem inúmeras doenças crónicas que obrigam a múltiplos tratamentos. Por sua vez, esta situação contribui para a necessidade de os cuidados aos doentes serem prestados de uma forma cada vez mais integrada, em efetiva colaboração entre a equipa dos profissionais de saúde. No seio da equipa, o farmacêutico tem um papel importante, em assegurar a utilização segura e racional dos medicamentos, principalmente tendo em consideração a gestão da com10
plexa terapêutica destes doentes. Durante as sessões do Congresso, serão debatidas quais as necessidades destes doentes em particular, e de que forma estas necessidades vão sendo supridas pelos elementos que constituem a equipa de saúde. Discutir e encontrar soluções para o futuro da intervenção junto destes doentes, através de uma prática colaborativa entre os diferentes profissionais de saúde será o desafio para todos os participantes. Como tem sido habitual nos anos anteriores, a ANF associa-se àquele que é o maior evento farmacêutico internacional, promovendo a sua divulgação junto dos colegas. Consulte o programa do congresso que este ano decorre em Dublin, na Irlanda, entre 31 de agosto e 5 de setembro, e as propostas das agências de viagem para a deslocação ao evento, no ANFOnline (menu Documentação / submenu Diversos).
Terminou, no dia 13 de dezembro de 2012, a exposição organizada pelo Museu da Farmácia na Reitoria da Universidade do Porto, inserida no âmbito das homenagens a Aníbal Cunha, e o balanço não poderia ser mais positivo. «Foram batidos todos os recordes de visitantes», revela o diretor do Museu, João Neto, acrescentando que «mais de 10 mil pessoas marcaram presença na exposição, fazendo desta, entre todas as que foram realizadas, desde há dez anos, no âmbito das Figuras Eminentes da Universidade do Porto, a mais participada de sempre». É um saldo extraordinário, e que teve outras repercussões: «este sucesso permitiu que o Museu da Farmácia se reposicionasse na cidade do Porto, porque através dele gerou-se toda uma nova consciência da nossa presença e do nosso trabalho na Invicta, e inclusive da existência e da afirmação de um roteiro da saúde na cidade, que veio preencher um vazio. Isto, para nós, é muito importante em termos estratégicos». Mas, ainda mais significativo, foi o cimentar da «relação com a Faculdade de Farmácia, e o reconhecimento que esta atribui ao Museu enquanto parceiro na divulgação da profissão, da sua história e do seu património».
FARMÁCIA PORTUGUESA • 201 • jan/fev/mar‘13
Mais funcionalidades ao seu alcance
Chegou o seu novo ANFOnline!
O segundo trimestre de 2013 marca a disponibilização do novo ANFOnline a todas as farmácias filiadas na ANF. Com o nome que já conhece e acessível pelo mesmo endereço (www.anfonline.pt), o portal tem agora novas funcionalidades, que vão ao encontro do que as farmácias precisam em cada momento. O novo ANFOnline foi concebido com vista a assumir-se como uma ferramenta de trabalho da farmácia, com elevada interatividade, modernidade e consistência, capaz de aproximar ainda mais as farmácias da sua Associação. Parte das funcionalidades existentes no atual ANFOnline é transposta para o novo sistema, tendo sido criadas outras, inovadoras, que pretendem dar resposta às necessidades das farmácias, com destaque para a comunicação interativa e integrada (permite comunicação
escrita e visual em tempo real - via Skype), através de uma nova plataforma de contato entre as farmácias e o Universo ANF, e entre as próprias farmácias. No âmbito das principais novidades, salientamos a possibilidade de acesso direto ao ANFOnline através do Sifarma (sem necessidade de efetuar uma nova autenticação), o motor de pesquisa transversal a todo o portal (com opções avançadas), o acompanhamento do relacionamento da farmácia com a ANF (permite aceder ao histórico dos contatos), o reforço da componente de informação às farmácias, a apresentação de indicadores de desempenho por farmácia (para uma análise sucinta e imediata), entre outras funcionalidades de grande utilidade. Ainda ao nível das novidades, há a possibilidade de subscrever conteúdos, dos quais receberá notifi-
cação. É disponibilizada uma área de vídeos ANF, incluindo tutoriais e a cobertura de eventos associativos. A partir de agora, tem acesso a um feed alargado de notícias nacionais (de Imprensa, Rádio e TV) sobre a saúde, o medicamento e o setor das farmácias. Também pode criar os seus próprios favoritos, quer se trate de conteúdos do novo ANFOnline, quer se trate de links para sítios externos. O novo sistema garante a acessibilidade e a usabilidade. Apresenta um design alinhado com as novas tendências, suportado por uma base tecnológica avançada, que permite a visualização e a navegação através dos principais browsers, e a compatibilidade com os dispositivos móveis da última geração. Estas são algumas das razões pelas quais contamos com a sua visita diária ao novo ANFOnline! 11
ANF Operação: informação
O BÊ-Á-BÁ da crise explicado ao poder político A Direção exortou os delegados de círculo e zona a serem os motores de um movimento de informação e alerta da classe política para a crise do setor que abarcasse todos os representantes do poder local e dos partidos com assento na Assembleia da República. A mobilização foi grande e dela fazemos aqui um retrato por amostragem, mas o trabalho está longe de se considerar terminado. É imprescindível que cada farmacêutico de oficina assuma, por inteiro, que esta é uma causa própria e se envolva: não é difícil, é aliás bastante fácil, há recetividade por parte da generalidade da classe política e, infelizmente, muitos motivos para avançar.
A sabedoria popular dita que a distância que nos separa do coração é diretamente proporcional à que nos separa da vista, e não será despropósito dizer que assim tem acontecido, infelizmente, com o poder político central, que se tem revelado cego para as situações aflitivas que já grassam 12
entre as farmácias. Confrontada com esta realidade, a Direção Nacional da ANF resolveu pedir o apoio da assembleia geral de delegados para encurtar distâncias e tornar concreta uma situação que centralmente continua a ser vista com uma certa abstração; é que o país pode ter, quando as-
sim nos convém, o tamanho de um universo, mas uma freguesia ou um concelho não. O repto passou, portanto, por criar uma ampla ação de informação das bases locais do poder, político mas não só, sobre a situação de crise por que o setor atravessa; chegar a todos os
FARMÁCIA PORTUGUESA • 201 • jan/fev/mar‘13
decisores e influenciadores, na esperança de que este movimento periférico alcance S. Bento. E a estrutura associativa respondeu-lhe, tomando em mãos o desígnio de acordar consciências. É um trabalho monstruoso ou, como referiu Miguel Silvestre, presidente da Delegação Centro da ANF, «de formiga». Por vezes, é preciso ser-se leão e rugir mais alto, outras ter a paciência de Jó para lidar com os ultras São Tomés da vida que, mesmo vendo, se negam a crer! Mas, os autores dos casos que nos foram relatados foram unânimes em considerar que não só o balanço das iniciativas já tomadas foi extremamente positivo, no sentido em que os seus interlocutores passaram a ter, alguns, uma noção, outros, uma noção correta da situação da farmácia, como afirmaram que iriam continuar neste esforço e exortam todos os farmacêuticos a engrossar o caudal desta água que, só aparentemente mole, se propõe furar e quebrar a pedra.
A importância da petição A estratégia de informação e alerta para a crise do setor, que envolveu diferentes iniciativas, conheceu uma nova dimensão com a campanha Farmácia de Luto: gerou interesse no tema por parte da população e uma oportunidade para expor a realidade. Antonieta Dias, delegada de círculo em Lisboa, comenta que, até então, «estávamos todos no nosso casulo e as pessoas achavam que a farmácia estava muito bem de saúde, não se apercebiam da dimensão das nossas dificuldades». O que, não obstante os vários sinais, é compreensível se se levar em conta,
«A maioria dos políticos está um bocado desajustada ou descontextualizada do setor da farmácia e do medicamento. Perdura a imagem de uma realidade diferente, com alguma estabilidade e privilégio adicional, que permitiria ao setor viver num patamar diferente da restante economia», afirma Miguel Silvestre, Presidente da Delegação Centro da ANF conforme diz Raquel Moreno, delegada de círculo em Macedo de Cavaleiros, que «durante muitos anos se passou a imagem de que este era um setor inabalável». Por isso, ultrapassada a primeira reação, que foi temer que alguém afeto ao estabelecimento tivesse morrido, veio o choque, o medo do encerramento da sua farmácia e a vontade de agir para o impedir – assim foi por todo o país. «Mesmo os meus utentes que são analfabetos queriam assinar a petição! Houve alturas em que pareciam mais motivados que a própria classe». Em Borda do Campo, freguesia
da Figueira da Foz, conta a delegada de círculo Paula Miranda que a consternação da população foi grande perante a iminência de mais uma perda. «A própria freguesia é uma daquelas que o Governo resolveu anular! Oficialmente, temos uma extensão de saúde, mas a médica entrou de baixa há três anos e ainda não arranjaram quem a substituísse. A farmácia é o único contacto que as pessoas têm com a Saúde, pelo que somos um pouco de tudo e mais não podemos fazer. Sentimos, claro, o peso dessa responsabilidade e a angústia de, se calhar, um dia, também não podermos participar, e os utentes assistem diariamente ao nosso empenho e às nossas dificuldades. Reduzimos consideravelmente os stocks e, com a compreensão das pessoas, vamos gerindo a sua medicação de modo a irmos orientando os plafonds junto do fornecedor».
«Estas iniciativas foram um pontapé de saída para que nós, farmácias e farmacêuticos, começássemos a comunicar com os políticos que estão à nossa volta», diz Antonieta Dias, Delegada de Lisboa 13
ANF
Sim, é notório e transversal que, de um modo geral, as pessoas estão preocupadas com o encerramento da sua farmácia, mas, lamenta Antonieta Dias, «depois fazem um ponto e pensam nelas, na sua situação económica, nas dificuldades que sentem na aquisição dos medicamentos». E, acresce Marco Almeida, delegado de círculo em Odivelas, não ajuda que «qualquer coisa que baixe o preço seja visto como positivo, independentemente dos custos que isso possa vir a ter a muito breve prazo». A campanha continua, até porque, tal como observa André Barrigas, delegado de círculo de Castelo de Vide, não há ainda resposta. «Os utentes entram na farmácia, perguntam-me qual foi o andamento da petição e ficam indignados por ter assinado um documento para serem ouvidos na Assembleia da República, para que fosse debatido e impedido o eventual encerramento das farmácias, e as pessoas que eles elegeram e que os deveriam representar ainda não terem feito nada».
tamente alheados do problema. «Curiosamente», conta Antonieta Dias, o «presidente comentou connosco que já tinha estranhado o facto de agora aparecerem menos pessoas na Junta a pedir auxílio para aquisição de medicamentos por incapacidade económica, e que, agora, entendia porquê. Eles são praticamente gratuitos!».
«A farmácia é o único contacto que as pessoas têm com a Saúde, pelo que somos um pouco de tudo e mais não podemos fazer. Sentimos, claro, o peso dessa responsabilidade e a angústia de, se calhar, um dia, também não podermos participar», afirma Paula Miranda, Delegada da Figueira da Foz
isso é bom, mas pouco se sabe sobre a nossa estrutura de custos e como ela é afetada. Foi por aí que expus a situação, explicando que, se não formos sustentáveis, o acesso aos medicamentos ficará dificultado, usando como exemplo uma farmácia do concelho que já encerrou, os casos de desemprego que se verificam na zona, as falhas cada vez mais correntes nos stocks… Quando somos mais concretos, mais terrenos, as pessoas passam a ver a realidade de um modo diferente, tanto que, no final, o presidente indignava-se perante esta situação depois do enorme esforço feito para que o concelho tivesse mais farmácias».
Juntas de Freguesia: o alvo mais “à mão” Era pois preciso fazer mais e assim se dinamizou a ação de informação que alguns delegados já vinham desenvolvendo, visando o poder político local, concelhio e distrital. Nesta, os presidentes das Juntas de Freguesia foram, muito naturalmente, os primeiros aludidos, pois, tal como testemunha Antonieta Dias, estão mais perto da população e conhecem as farmácias; e existem, diz Francisco Faria, delegado de círculo em Santo Tirso, «relações de proximidade». Os entrevistados referiram, de um modo geral, que estes atores estão muito recetivos e comple14
A informação abre, de facto, horizontes. Francisco Faria conta que, na sua freguesia, o presidente da Junta até já se tinha dado conta das dificuldades, «porque trabalha na banca, mas não percebia como é que elas tinham surgido e o motivo por que continuam a acentuar-se». Cátia Sousa Marques, delegada de círculo do Seixal, revela que foram os “pormenores” que deixaram o autarca da Junta, em Corroios, mais alerta. «As notícias na Comunicação Social não bastam para que se entendam os problemas das farmácias. O utente paga um valor menor, e
Rita Domingues e Raquel Moreno num encontro casual com João Semedo sensibilizaram-no para a atual situação do setor e alertaram-no para a existência de um desequilíbrio entre a poupança no ambulatório e na parte hospitalar, a que ele se comprometeu transmitir onde e quando lhe fosse possível
FARMÁCIA PORTUGUESA • 201 • jan/fev/mar‘13
A recetividade à informação e preocupação com o seu significado refletiu-se, depois, no facto de quase todos estes contactos terem resultado noutros, por iniciativa dos próprios autarcas. Antonieta Dias aguarda feedback da documentação escrita que compilou - com a ajuda dos serviços da ANF, tal como aconteceu, aliás, em todos os casos escutados a pedido do presidente da Junta para entregar aos seus homólogos em assembleia municipal; Cátia Sousa Marques foi convidada a intervir na assembleia de freguesia, «com enorme interesse da parte de todos os representantes políticos presentes»; e José Furtado, delegado em Monchique, assumiu a sua própria condição de autarca, membro da assembleia municipal local, tendo exposto «amplamente» o tema «por duas vezes, não só diante do presidente da Câmara, mas também do presidente da assembleia municipal, os presidentes das juntas de freguesia e os membros eleitos pelos vários partidos políticos».
Câmaras Municipais: o passo seguinte Para parte importante dos delegados da ANF, os responsáveis máximos nas Câmaras Municipais foram os visados seguintes, capítulo onde surgiram as primeiras e diferentes dificuldades. Há quem tente e não tenha ainda conseguido um contacto, como é o caso de Cátia Sousa Marques no Seixal, ou de Marco Almeida em Odivelas. Este último comenta que «estamos a falar de uma Câmara Municipal que tem promovido cartões de descontos, inclusive lançou e depois interrompeu um projeto de doação de medicamentos. Procuramos, neste momento, marcar, por via
«Durante anos generalizou-se a ideia de que isto era um negócio maravilhoso, que não sofria de qualquer problema, e enquanto esse quase dogma persistir, continuará a ser muito popular tomar medidas que penalizem ainda mais o setor», é a opinião de Marco Almeida, Delegado de Odivelas direta, uma reunião com a Sra. presidente, porque temos falado com técnicos ou responsáveis por departamentos que despacham responsabilidades e as 33 farmácias de Odivelas continuam sem ser ouvidas». Há quem tenha reunido e exposto e explicado e argumentado a situação, deparando-se, a todo o tempo, com uma incredulidade inflexível do outro lado. Ana Sofia Lopes viveu essa experiência em Pinhel. «Éramos cinco colegas e o presidente da Câmara recebeu-nos muito bem, escutou-nos, mas manteve-se cético. Mesmo depois de termos assumido, cara a cara, que tínhamos prejuízo, que não sabíamos quanto tem-
po mais iríamos conseguir ter a porta aberta, embora dissesse que compreendia que pudéssemos estar a atravessar uma fase complicada, não concretizou que o setor está em risco. Até compreendo: o concelho perdeu população, tem 9.500 habitantes, e mantém as cinco farmácias. Ora, as pessoas pensam que, se estão abertas, é porque dá! Não se tem noção do esforço imenso que fazemos para ter os medicamentos para dispensar e conseguir pagar as contas todas». Não obstante, diga-se, «talvez por haver eleições à porta, enviou cartas às entidades que lhe indicámos como sendo importantes, que me surpreenderam pela qualidade em face do que havia sido a reunião. Uma delas foi para o INFARMED, de onde já se obteve resposta e que menciona qualquer coisa como: conseguiu-se uma poupança muito significativa e a nossa situação é compensada com o
«Nas reuniões que fizemos apresentámos os nossos casos singulares, que foi importante para destruímos uma eventual ideia de coisa ensaiada», esclarece Ana Sofia Lopes, Delegada de Pinhel 15
ANF
Municípios, Fernando Ruas, o qual «tinha uma ideia do setor muito distante da realidade atual e ficou muito impressionado com o que lhe expusemos. Foi extremamente importante que sustentássemos o nosso argumentário em estudos credíveis e cientificamente validados, os quais foram bastante valorizados e apreciados nesta sessão».
João Almeida, Francisco Faria e Ana Cristina Gaspar da Delegação Norte da ANF reuniram com elementos dos partidos e dos órgãos de soberania, considerando que dessas reuniões «resultou que passassem a ter a nossa informação como verdadeira» facto do Estado e os utentes terem poupado dinheiro». E há quem considere o saldo positivo. As restantes reuniões de Ana Sofia Lopes correram bem, designadamente em Figueira de Castelo Rodrigo, onde foi igualmente acompanhada pelos colegas com farmácias na zona, «o que foi importante, porque quando apresentamos os nossos casos singulares, destruímos uma eventual ideia de coisa ensaiada». Esteve ainda na Câmara Municipal da Guarda, mas desta feita com as igualmente delegadas deste Circulo, Maria Arlete dos Anjos e Carolina Mosca, com quem havia coordenado o plano de ação. Carolina Mosca comenta que tanto esta como as reuniões que realizou correram bem, «as pessoas já haviam tido contacto com o tema através da Comunicação Social, mas, verdadeiramente, não tinham um conhecimento exato da situação e revelaram-se muito surpreendidas. Posso dizer que, em Almeida, um dos colegas que me acompanhou referiu que a sua situação 16
era insustentável, estava um caos, e que, se fechasse, o concelho ver-se-ia apenas com uma farmácia, sendo provável que o estado do colega da outra não fosse melhor que o seu. Aí o presidente ficou muito preocupado, porque representaria uma área enorme sem acesso ao medicamento». Francisco Faria relata-nos outros casos: «na Trofa, as farmácias do concelho uniram-se e todas, mesmo as não associadas da ANF, subscreveram um documento que foi levado a uma reunião com o presidente da Câmara, o qual aguarda discussão em assembleia municipal; em Santo Tirso reunimos com o Eng. Castro Mendes, que aproveitou uma visita do deputado Manuel Pizarro às urgências para lhe entregar a documentação». Cátia Sousa Marques reporta o caso de Palmela, onde quase todas as farmácias do concelho se juntaram para falar com o presidente da Câmara. E Augusto Meneses, delegado em Viseu, alude à reunião com o responsável da Câmara de Viseu e também presidente da Associação Nacional de
Os deputados e outros representantes políticos Dos autarcas passaram, depois, para os representantes locais dos vários partidos com assento parla-
«As notícias na Comunicação Social não bastam para que se entendam os problemas das farmácias. O utente paga um valor menor, e isso é bom, mas pouco se sabe sobre a nossa estrutura de custos e como ela é afetada», comenta, Cátia Sousa Marques, Delegada do Seixal
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mentar, alguns deles deputados da Assembleia da República. As experiências são diversas, embora se identifiquem pontos comuns em todas. Rita Domingues e Raquel Moreno concertaram iniciativas nos seus círculos, em Bragança e Macedo de Cavaleiros, e optaram por uma abordagem conjunta aos agentes políticos. Raquel Moreno testemunha que reuniram com os dois deputados eleitos pelo PSD, Adão Silva, que já foi secretário de Estado da Saúde, e Maria José Moreno, com evidente décalage de conhecimento entre os dois, mas igual disponibilidade para interceder pelo setor. «Ofereceramse para colocar uma questão ao Governo, o que está a ser ultimado, mas deram-nos a entender que não seria possível muito mais da parte deles». Rita Domingues acrescenta ainda que, apesar de mais conhecedor, «o Dr. Adão Silva ficou pasmo com a disparidade do esforço entre ambulatório e hospitalar. E nenhum dos dois tinha noção das consequências que daí advieram». As duas farmacêuticas dão ainda o exemplo de que as oportunidades se criam, pois saídas da assembleia de delegados na ANF, em novembro, estando na Estação do Oriente à espera do comboio, encontraram, por casualidade, o deputado do Bloco de Esquerda e membro da Comissão de Saúde da Assembleia da República João Semedo. Rita Domingues recorda que «ele estava a tomar café e nós fomos ter com ele, identificámo-nos, explicámos de onde vínhamos, e falei-lhe do stress em que todos andamos. Procurei explicitar a nossa situação, enquanto representantes de um conjunto de farmacêuticos que comprou farmácia e que está a ter muita dificuldade em cumprir as suas obrigações e manter uma equipa com qualidade. Aliás, disse-lhe mesmo que eu já tive de dispensar uma pessoa e que não sei o que vai acontecer este ano se nada mudar».
«Não é preciso tomar medidas preventivas, depois logo se cura! E esta é a atitude do Governo face às farmácias, mas também aos tribunais, às finanças, às freguesias…», afirma, José Furtado, Delegado de Monchique No decorrer do que definem como uma «conversa de circunstância», conseguiram «sensibilizar o deputado. Ele tinha um conhecimento mais profundo da problemática do setor, mas não tinha noção do desequilíbrio entre a poupança no ambulatório e na parte hospitalar, pelo que prometeu ficar alerta e transmitir o nosso apelo onde e quando lhe fosse possível». Já na zona Centro, Paula Miranda revela que, «juntamente com os colegas, decidimos começar pelo deputado e responsável local do PS, João Portugal, o qual, infelizmente para nós, nunca esteve disponível para reunir. Falámos por telefone, mas continuamos a insistir num encontro pessoal, porque o problema mantém-se e sendo ele responsável pela população que o elegeu, vai ter que nos ouvir». Igual desalento é tes-
temunhado por Ana Sofia Lopes e Carolina Mosca, que dão conta de uma reunião agendada com os deputados do PSD, «a qual desmarcaram quando já íamos a caminho, e entretanto ainda não conseguimos agendar outra». Ana Sofia diz ainda que «tínhamos agendada uma reunião com o deputado do PS, na Guarda, mas ele não apareceu, porque, como me disse depois quando lhe telefonei, se esqueceu! Foi marcada nova data». Mais sorte teve depois Paula Miranda, «quando alargámos o âmbito das nossas abordagens aos representantes dos partidos políticos. Falei com o responsável local da concelhia do PSD, que ficou chocadíssimo com a situação, sobretudo no nosso concelho, cuja gravidade desconhecia em absoluto, mas para além de levar a mensagem ao presidente da distrital, em Coimbra, assegurou-nos que nada poderia fazer por nós». Mais consequente foi o contacto com o responsável local do PCP, «que mostrou preocupação, embora lamentando não ter qualquer tipo de representatividade nas reuniões de Câmara. Mas comprometeu-se a fazer chegar, de algum modo, a mensagem ao presidente». Quando pensou que a história tinha terminado por ali, «passados uns dias, ligaram-me e propuseram uma visita da deputada Rita Rato à farmácia, durante a qual constatámos que estava muito bem informada, não só acerca da situação a nível nacional, mas também bem contextualizada sobre a realidade que se vive no nosso distrito. Mostrou-se muito interessada e prometeu estar atenta, levar a informação ao Dr. Bernardino Soares, e sempre que possível defender a nossa situação nos debates da especialida17
ANF
Para André Barrigas, Delegado de Castelo de Vide: «Os políticos vivem demasiado para si e de menos para a população, esquecem-se de desempenhar o papel para que foram eleitos, e muitos são meras sombras do Governo, que traça objetivos e não escuta ninguém» de na Assembleia da República. Fiquei realmente muito satisfeita com a postura do PCP». Lucília Simões, Augusto Meneses e Hugo Ângelo, que uniram esforços nesta ação, confirmam que, «apesar de não ter deputados eleitos pelo distrito de Viseu, fomos recebidos pelo PCP na sua sede, onde pudemos constatar que eram os que estavam mais dentro dos problemas das farmácias. Fizeram muitas perguntas e viemos a saber, posteriormente, que tinham feito chegar aos representantes do partido na Comissão de Saúde todas as respostas que lhes demos». Não obstante, conforme faz notar Hugo Ângelo, no que se refere ao acolhimento, 18
têm uma impressão geral positiva. «Tivemos uma primeira reunião com o Dr. Helder Amaral, do CDS-PP, neste caso através do contacto estabelecido por uma colega em Tondela. Desconhecia grande parte dos nossos problemas, mas os deputados têm alguma dificuldade em aprofundar certos domínios muito específicos e técnicos como o nosso, pelo que agradeceu e considerou crítica a informação que lhe levámos, e assumiu o compromisso de transmitir aos colegas no grupo parlamentar da saúde todas as questões que nós referimos». Estiveram depois com os deputados do PSD, João Carlos Figueiredo e Pedro Alves, «que a dada altura interromperam a reunião para, à nossa frente, estabelecer contacto com o colega que estava responsável pela área da saúde no PSD, procurando saber em que ponto estava o estudo da avaliação do impacto da revisão das margens… Pode não parecer, mas esta pressão, que é consequência das reuniões que vamos desenvolvendo, tem um impacto forte». Lucília Simões aponta ainda as reuniões com José Junqueiro e Cátia Pinto, do PS, os quais, mais uma vez, tentaram entender quais eram os nossos problemas, e recorreram depois ao mecanismo de colocar questões ao ministro, onde perguntavam quais eram os impactos das medidas tomadas para a farmácia, se conhecia as conclusões do estudo do professor Pita Barros e se havia medidas pensadas para corrigir efeitos». E quais foram as respostas? «Fomos recentemente ao site da Assembleia da República e confirma-se que estão lá registadas as perguntas, mas resposta não há ainda nenhuma». André Barrigas também está à espera de respostas. «Marcámos reuniões com deputados de todos os partidos com assento parlamentar, mas só fomos recebidos ainda pelo
PSD». Sobre como correu o encontro, «surreal» é epiteto que salta na classificação. «Uma das citações do deputado foi que as margens regressivas não tinham tido o impacto esperado pelo Governo! Dizer isto quando se ultrapassaram os valores de poupança objetivados, contas apresentadas pelo presidente da ANF numa ocasião em que o mesmo deputado estava presente, conforme tive, aliás, oportunidade de lhe referir, só nos permite concluir que há uma enorme falta de respeito pelas pessoas que têm à frente. Os políticos vivem demasiado para si e de menos para a população, esquecem-se de desempenhar o papel para que foram eleitos, e muitos são meras sombras do Governo, que traça objetivos e não escuta ninguém». José Furtado corrobora, a isso o obriga a sua experiência pessoal. «Os responsáveis políticos compreendem, ficam preocupados, mas não fazem nada. Não tomam atitudes, não tomam posição, o Governo é que decide. Daqueles com quem contactei, que eu tenha conhecimento, nem levaram o assunto superiormente. Cada um que se governe! Sabe, isto vai andando, e desde que vá andando… Depois, se a farmácia fechar, na altura logo se vê. Não é preciso tomar medidas preventivas, depois logo se cura! E esta é a atitude do Governo face às farmácias, mas também aos tribunais, às finanças, às freguesias…». Carolina Mosca conta ainda que já tinha enviado, no início do ano passado, por iniciativa própria, uma petição individual para a Assembleia da República, pois «a partir do momento em que tive acesso às previsões sobre o agudizar da situação no setor, resolvi fazer um alerta». A relatora do processo foi Paula Santos, do PCP, Carolina foi ouvida pelos vários elementos da Comissão de Saúde, mas «apesar de estarem todos conscientes do impacto das medidas
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sobre as farmácias, a resposta, já então, foi só uma: não há dinheiro!».
Delegações: apoio e intervenção As delegações do Norte e do Centro da ANF, para além de terem prestado apoio a toda a estrutura nas suas reuniões, estiveram elas mesmas envolvidas no contacto com o poder político. «PCP, PS, PSD e CDS-PP, a todos pedimos agendamento de reuniões», conta João Almeida, presidente da Delegação Norte, comentando que, «por comparação, é sempre mais complicado chegar aos partidos que estão envolvidos na governação, porque ficam mais recatados, do que àqueles que estão na oposição, mas não é de todo impossível». Na concelhia do PS foram recebidos por Manuel Pizarro, o qual para além de deputado e membro da Comissão de Saúde, é também candidato à Câmara Municipal do Porto, e tem a particularidade de já ter sido secretário de Estado da Saúde. Quando solicitaram agendamento com a distrital do PSD na Invicta, foram acolhidos pelo deputado Miguel Santos, também ele na Comissão de Saúde. «Estavam ambos claramente mais alertados para a situação, mas nenhum parecia compreender bem a sua gravidade», adianta, secundado por Francisco Faria, também elemento da direção da Delegação Norte, que acrescenta que «o Dr. Miguel Santos, inclusive, manifesta um à vontade preocupante com a possibilidade de muitas farmácias fecharem. Parece-lhe natural, são as leis do mercado a funcionar. Encara-nos como se estivéssemos num mercado aberto, com produtos banais, como quaisquer outros. Aliás, isso também
aconteceu na reunião havida em Braga, com o CDS, onde fomos fortemente comparados com a restauração. Isto, obviamente, não faz nenhum sentido, mas o discurso da coligação neste momento é esse».
Carolina Mosca, Delegada do Sabugal, enviou, no início do ano passado, por iniciativa própria, uma petição individual para a Assembleia da República, pois «a partir do momento em que tive acesso às previsões sobre o agudizar da situação no setor, resolvi fazer um alerta»
Ao contrário dos dois deputados mencionados e excetuando os representantes políticos do PCP, «que conheciam bem não só os nossos números como ainda tinham complementado essa informação com outros dados, as restantes pessoas com quem já estivemos reunidos, nomeadamente nas distritais do PS e do CDS em Braga e no Porto, e o Dr. Luis Filipe Menezes, na Câmara de Gaia, nenhuma fazia a mínima ideia que o setor está a atravessar uma crise tão negativa. Ficaram verdadeiramente impressionados e todos se prontificaram para encetar, quer a nível partidário quer a título municipal, ministerial, camarário, etc., iniciativas para disseminar o assunto até instâncias superiores, o que, nalguns casos, já aconteceu». No fundo, continua João Almeida,
«julgo que podemos dividir entre quem já tem o problema identificado e procura soluções, e aqueles que só agora se deram conta de que existe um problema», mas todos os interlocutores partiram de uma base inicial de preconceito relativamente ao setor: «para todos era natural o corte acentuado nas margens, porque para todos as margens eram acima do normal. Ou seja, foi importante falar com cada uma destas pessoas, porque daí resultou que passassem a ter a nossa informação como verdadeira». Na Delegação do Centro, conforme testemunha Miguel Silvestre, passou-se um pouco do mesmo. «Decidimos solicitar audiência aos órgãos distritais de cada um dos partidos políticos, tendo tido recetividade, de modo diferente, por parte de todos eles. Foi simples e rápido com o PCP, que foi logo o primeiro a responder ao repto, o PSD e o PS também foram céleres e bastante recetivos, com o PP ainda não conseguimos reunir, apesar de várias insistências, e o BE justificou o atraso na resposta devido à alteração da estrutura e dos representantes locais». Dita a sua avaliação que «a maioria dos políticos está um bocado desajustada ou descontextualizada do setor da farmácia e do medicamento. Perdura a imagem de uma realidade diferente, com alguma estabilidade e privilégio adicional, que permitiria ao setor viver num patamar diferente da restante economia. Muitos desconhecem as alterações que foram feitas pelos sucessivos Governos em matéria de política do medicamento e, claro, as suas consequências. Embora destaque o PCP pela positiva, pois eram quem detinha a informação mais precisa e mais sensata, a experiência tem-me vindo a confirmar que os políticos são generalistas e pouco percebem nalgumas especialidades, mesmo alguns daqueles que deve19
ANF A quebra do mito e reposição da verdade
Lucília Simões, Augusto Meneses e Hugo Ângelo, Delegados da zona de Viseu, uniram esforços nesta ação e fizeram-se ouvir junto dos partidos políticos, PCP, CDS-PP, PSD, PS, considerando que o esforço não foi em vão, e a pressão exercida junto destes elementos teve um forte impacto
riam ter obrigatoriamente um nível de informação diferente, mais pormenorizada. Por isso julgo que estas reuniões foram muito importantes, onde reconheço que houve preocupação, atenção e debate».
Para lá da política: a Igreja, a Banca, os amigos… Houve ainda quem se tivesse preocupado em ir para além do poder político. André Barrigas, por exemplo, revela que marcou reuniões com os agentes bancárias da sua zona, «com os quais as farmácias têm tido um relacionamento próximo, e que serão parte dos prejudicados caso venha a ocorrer algum agravamento da situação do setor». Em troca, ficou com o registo da sua preocupação, «mas é um alerta importante». Lucília Simões conta que, por sugestão dos colegas numa das assembleias de círculo, «marcámos uma entrevista com o Sr. Bispo, pelo qual fomos muito bem recebidos, tendo 20
sido, inclusive, elogiados pelo modo como estamos a conduzir a comunicação dos nossos problemas». E, acrescenta Hugo Ângelo, «disponibilizou-se para abordar o tema em encontros onde iria participar, um com o economista João César das Neves, outro com o ator Ruy de Carvalho, e um outro com os jovens empresários católicos». Paula Miranda também considerou que a Igreja era importante na sua localidade, pelo que envolveu o padre de Borda do Campo na sua ronda de contactos. Hugo Ângelo e Augusto Meneses receberam reportagens de canais de televisão nas suas farmácias; já com João Almeida foi ele próprio ao Porto Canal conceder uma entrevista. Mas o campeão das iniciativas próprias é José Furtado: escreveu a vários órgãos de poder, incluindo o Presidente da República, o primeiro-ministro, o ministro da Saúde, os deputados da Assembleia da República, publicou em jornais locais e levou o tema à tertúlia mensal que organiza num grupo de amigos.
Há unanimidade entre os delegados entrevistados em considerar de grande utilidade as reuniões e os encontros tidos com cada um dos agentes políticos. Serviu para «desmontar ideias preconcebidas», diz Francisco Faria, «que levam muitas vezes à tomada de medidas populistas», reforça Marco Almeida. «Durante anos generalizou-se a ideia de que isto era um negócio maravilhoso, que não sofria de qualquer problema, e enquanto esse quase dogma persistir, continuará a ser muito popular tomar medidas que penalizem ainda mais o setor», explica. João Almeida concorda: «fomos muito bem recebidos por toda a gente e abriram-se portas de comunicação muito interessantes e, independentemente das iniciativas que estes nossos interlocutores venham a ter, deduzo que dificilmente serão negativas, tudo o que possa advir será ou positivo ou nulo». E nas palavras de Antonieta Dias e José Furtado, resumimos uma ideia por todos partilhada. Diz ela que «este foi um pontapé de saída para que nós, farmácias e farmacêuticos, começássemos a comunicar com os políticos que estão à nossa volta», o que ele completa, sublinhando que «temos os números, temos as provas de que as farmácias estão em tremendas dificuldades, muitas delas com grandes prejuízos e que já tinham razões para estarem mais que fechadas e só não o fazem, penso eu, porque há uma questão ética que se quer salvaguardar. Vale a pena pressionar e mostrar as nossas razões!». Mas acima de tudo, reforça Augusto Meneses, importa a coerência entre a palavra e a ação. «Acabará por ser inconsequente o esforço que se está a fazer se continuarmos a assistir a práticas de colegas que nada mais fazem que contrariar as nossas palavras».
conversa com...
Teresa Caeiro
«Há espaço para a intervenção farmacêutica crescer» Foi no magno edifício que nasceu com o auspicioso título de Mosteiro de S. Bento da Saúde e que hoje dá pelo nome de Palácio de S. Bento que nos encontrámos com a deputada e vice-presidente do CDS-PP, Teresa Caeiro, para falar, precisamente, sobre a saúde, ou falta dela, do setor da farmácia. A crise está aí e não há como fugir dela, apesar de muito o desejarmos, mesmo nas conversas! Mas quem foi que decretou que os assuntos graves só podem ser abordados de modo sisudo? Longe disso! Adiada por diversas vezes, a entrevista com a também vice-presidente da Assembleia da República acabaria por acontecer no momento certo: o problema de saúde que motivou o atraso do encontro tê-la-á levado a ser uma inadvertida [risos] «mas grande consumi-
dora dos serviços da farmácia», o que veio reforçar a sua «boa opinião sobre o setor». Um piropo simpático seguido, num tom mais sério, pela rotunda declaração: «não o digo apenas para fazer frete à revista da ANF; é o que sinto. Considero que as farmácias são
um elemento estruturante do sistema de Saúde e que acumulam a virtude, insuficientemente enaltecida ou valorizada, de estarem muito próximas da população, não apenas no seu aspeto geográfico, capilar, que pretendemos que se mantenha por todo o território 21
conversa com...
nacional, mas também na sua vertente social». Sendo, como perceciona, porventura pouco divulgada, esta é, no entanto, uma dimensão das farmácias plenamente sentida pelos cidadãos. «Aquelas pessoas fazem parte da nossa vida, acompanham-na, e com elas estabelecem-se relações de confiança e de cumplicidade que são inegáveis. Há uma grande segurança no facto do nosso farmacêutico nos conhecer, conhecer o nosso histórico, assim como deve ser louvada a assistência e mesmo o carinho que devotam à população mais idosa, mais vulnerável pela sua condição tantas vezes solitária e que encontra, como todos somos certamente testemunhas, um enorme amparo nas farmácias». Essa importante característica, «de profundo conhecimento e acompanhamento das populações», aliada «ao extraordinário progresso a que assistimos nos últimos anos na qualidade do seu funcionamento, traduzido, por exemplo, pelo modo muito pioneiro como se informatizaram, pela claríssima melhoria dos próprios estabelecimentos ou pela grande agilidade no fornecimento», levam Teresa Caeiro a considerar que existe um potencial de recursos no setor que está subaproveitado. «Há espaço para crescer, designadamente ao nível da articulação com os cuidados de saúde primários, no apoio aos doentes, em especial àqueles que sofrem de patologias crónicas. Vejo como muito vantajoso um modelo em que, sem se substituir ao médico de família, mas antes trabalhando em parceria com o mesmo, o farmacêutico 22
«O decisor político tem sempre de ter em conta todas as partes intervenientes, desde a indústria farmacêutica, passando pelos grossistas, as farmácias e os doentes, e fazer um jogo de equilíbrios. Compreendo a situação difícil das farmácias, mas a realidade é que todas as partes cederam»
comunitário pudesse ser responsável pela monitorização da condição do doente, com ganhos reais em saúde e uma clara poupança de recursos para todos os intervenientes». Uma ideia que faz todo o sentido, dado o momento do país, dada a evolução sociodemográfica, dada a sua lógica assistencial… Mas que não avança! Porquê? «Julgo que por que, em Portugal, há uma grande resistência à delegação de competências, a qual inquina toda a articulação que é essencial existir entre as diferentes entidades para um verdadeiro funcionamen-
to em rede. Assim houvesse essa vontade!».
«O Ministério não deixará que o setor colapse» Na sala da vice-presidente da Assembleia da República são servidos cafés, e “nos entretantos”, a conversa prossegue. Acredita Teresa Caeiro no paradigma nacional de assistência farmacêutica? Reflete e diz: «tenho uma opinião sobre o tema que eu mesma acho curiosa, porque, de certo modo, colide com a minha estrutura de pensamento, que é mais liberal. Julgo que o anterior regime de propriedade era muito restritivo e muitas vezes me questionei sobre o motivo de as farmácias terem de obedecer, ao contrário de outras atividades, a regras de capitação. Mas à medida que, fruto das minhas funções, fui conhecendo melhor o setor da saúde, fui também compreendendo as farmácias, e concluí que, de facto, elas não são uma atividade comercial comparável às demais». Por isso: «sim, concordo com o nosso modelo de farmácia». E, no entanto – contrapomos -, ele está em risco, a rede está a esboroar-se sob os efeitos de uma crise acentuada. «Mas estamos a viver uma situação inevitável, infeliz e lamentável», diz, «que é a de termos um país que, em 30 anos, está pela terceira vez submetido a um pedido de resgate financeiro internacional. Que não haja enganos: há, efetivamente, uma perda de soberania, que torna este período doloroso. E o setor das farmá-
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cias não pode ser desenquadrado do resto do país, que está a atravessar uma etapa de ajustamento duríssimo». Ainda assim, recorda, «ultrapassado o equívoco que levou a considerar que as farmácias estariam a passar por uma situação de grandes constrangimentos devido a uma alavancagem dos espaços e investimentos muito avultados, a verdade é que tem havido um esforço, por parte do Ministério da Saúde, para aliviar a pressão sobre aquelas com menor fluxo financeiro, através de medidas como o atenuar de alguns requisitos legais de exercício, quer do ponto de vista dos horários quer dos recursos humanos e respetivas qualificações». Uma gota de água, arriscamos sugerir, muito pouco producente. «Mas estou certa de que o Ministério da Saúde irá tomar as medidas necessárias para que o setor das farmácias não colapse. Aliás, devo dizer que tenho total confiança na capacidade técnica e também na sensibilidade política e social do senhor ministro que, temos de reconhecer com honestidade, tem conseguido implementar reformas de uma forma inteligente de modo a cumprir com os objetivos que nos são impostos, com claríssimos benefícios para a população. Veja-se a obrigatoriedade de prescrever por DCI! Ainda estamos a meio caminho, é certo, mas foi um meio caminho muito difícil de trilhar. Falo por experiência própria, há anos que luto por essa medida e sei bem os obstáculos que enfrentei, os constrangimentos, os revezes de últi-
ma hora… Deu-se aqui um grande passo». De resto, assumindo a sua pele de deputada, sublinha que «o decisor político tem sempre de ter em conta todas as partes intervenientes, desde a indústria farmacêutica, passando pelos grossistas, as farmácias e os doentes, e fazer um jogo de equilíbrios. Compreendo a situação difícil das farmácias, mas a realidade é que todas as partes cederam». Sim, admite que o setor ambulatório mais que o hospitalar, «algo a merecer uma nova abordagem, mas também aí penso que nem todas as potencialidades estão a ser exploradas, inclusive pelas farmácias, que podiam dispensar alguns medicamentos até agora exclusivos dos hospitais». Apesar da transversalidade dos efeitos da crise, e apesar de «as medidas mais penalizadoras resultarem do memorando de entendimento, que obrigou a uma compressão da despesa com medicamentos para o famoso 1%», Teresa Caeiro reconhece que tem de ser feito pelo Governo «um esforço maior no sentido do crescimento económico, para evitar o aniquilamento não só das farmácias, mas de todo o nosso tecido empresarial e económico. Como elemento de um partido que integra a coligação, posso dizer que a tutela está sensível ao problema das farmácias e que, pessoalmente, considerando a sua importância na sociedade e o potencial de mais-valias que encerram, tanto para o Sistema de Saúde como para o próprio Estado, estarei muito atenta à sua evolução».
«Há espaço para crescer, designadamente ao nível da articulação com os cuidados de saúde primários, no apoio aos doentes, em especial»
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flashes Serviço remunerado em Inglaterra
Relatório da OCDE:
Intervenção do farmacêutico melhora adesão à terapêutica
Portugal cortou na saúde mais do que o previsto no memorando de entendimento
No âmbito do New Medicine Service (NMS), serviço financiado pelo Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS), a decorrer nas farmácias de Inglaterra, foram recrutados cerca de 224 mil doentes, entre outubro de 2011 e setembro de 2012, a quem tinha sido prescrito um novo medicamento para a Hipertensão, Asma/DPOC, Diabetes, ou um medicamento anticoagulante. Cerca de 18% dos doentes não estava a cumprir a terapêutica prescrita, sendo que a intervenção dos farmacêuticos nas farmácias, junto destes doentes, permitiu que um terço passasse a cumpri-la. Também no quadro do serviço NMS, os farmacêuticos prestaram mais de 366 mil atos de aconselhamento. A intervenção dos farmacêuticos no âmbito deste serviço remunerado consiste no acompanhamento dos doentes no início da terapêutica, esclarecendo-os acerca da doença em causa e dos medicamentos prescritos para a mesma, realçando os benefícios para a saúde que resultam da toma correta desses medicamentos. A ação dos farmacêuticos permitiu minimizar o abandono da toma dos medicamentos, melhorando a qualidade de vida dos doentes e diminuindo o desperdício com medicamentos.
A redução do orçamento do SNS foi superior ao previsto no memorando de entendimento com a troika, refere a OCDE no relatório “Health Spending Growth at Zero - Which countries, which sectors are most affected?”, divulgado no dia 29 de janeiro. Segundo o relatório, em 2010, nos países da OCDE, a despesa em saúde, em termos reais, teve um crescimento médio de 0,0%, pela primeira vez desde 1960. Resultados preliminares de 2011 evidenciam a mesma tendência de desaceleração do crescimento da despesa em saúde (média OCDE de +0,7%), sendo que em Portugal a despesa em saúde decresceu 5,2%. O relatório dá, ainda, exemplos das medidas de contenção da despesa com medicamentos implementadas pelos países da OCDE, salientando, em Portugal, as reduções nos preços dos medicamentos, as compras centralizadas e a elaboração de guidelines. A OCDE menciona ainda, entre outras medidas, incentivos ao desenvolvimento do mercado de genéricos (em vários países) e incentivos aos médicos para prescreverem racionalmente (na Hungria).
Grécia
Farmácias sem medicamentos A Grécia está a atravessar atualmente um sério problema de escassez de medicamentos, que obriga os doentes a percorrem várias farmácias até conseguirem adquirir as terapêuticas que lhes são prescritas. Esta situação deriva essencialmente de, por um lado, as farmácias não terem capacidade para ter em stock medicamentos com elevado custo devido à difícil situação económica-financeira em se encontram, e por outro lado o próprio mercado grego deixou de ser atrativo para muitas companhias farmacêuticas pelos preços praticados: cerca de 20% inferior ao mais baixo preço no espaço europeu. A dificuldade no acesso aos medicamentos, cerca de 300 moléculas, muitos de suporte de vida, está a gerar o pânico entre os doentes.
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NUTRIÇÃO
dossiê
Diz-me o que comes e dir-te-ei que saúde tens
A nutrição tem vindo a ganhar relevância crescente numa sociedade que, ao mesmo tempo que se preocupa crescentemente com a aparência física, também descuida, em face do ritmo de vida frenético atual, a alimentação saudável e a necessidade de exercício físico regular. Neste cenário coexistem duas realidades, onde muitos são os que enveredam por medidas drásticas de redução de peso, com resultados pouco duradouros, e que podem ser potencialmente perigosas para o seu bem-estar
físico, a par de uma incidência preocupante de doenças relacionadas com a alimentação, onde se destacam, as do foro cardiovascular. Neste dossier, dedicado ao tema da Nutrição, com especial enfoque na Obesidade, abordamos esta realidade nas suas várias vertentes e considerando que a dieta portuguesa tem vindo progressivamente a afastar-se dos princípios da variedade, equilíbrio e moderação, deixam-se recomendações úteis para uma desejada aproximação ao consumo recomendado pela
Roda dos Alimentos. Note-se que as farmácias são locais de eleição para informar e aconselhar a população sobre nutrição e alimentação saudável, podendo ainda propor a suplementação alimentar adequada a cada caso particular. Destaque também para a entrevista com o endocrinologista do Hospital de São João, Prof. Davide Carvalho, que nos traz a sua visão sobre o modo como a obesidade deve ser encarada pela sociedade e os custos que lhe são imputados. 25
NUTRIÇÃO
entrevista Davide Carvalho, presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade
«A obesidade é um problema social e é como tal que deve ser combatida» O estereótipo de beleza atual assenta na magreza, mas a verdade é que nunca fomos tão gordos como agora, porque nunca, como agora, recebemos tantos estímulos para comer, e fomos tão condicionados ao conforto de não nos movermos. A obesidade, conforme nos conta Davide Carvalho, é um flagelo social e, como tal, só alterando o paradigma comportamental da nossa sociedade ela pode ser combatida. Até lá, continuará a matar.
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FARMÁCIA PORTUGUESA - A Organização Mundial de Saúde considera que a obesidade é a epidemia global do século XXI. Portugal enquadra-se nesta mesma realidade? Davide Carvalho - Sim. Temos assistido, nos últimos anos, a um crescimento marcado da prevalência da obesidade. Os dados nacionais mais recentes apontam para que 14,2% da população portuguesa seja obesa, com uma prevalência de 3,4% entre as mulheres e de 15% nos homens. Se considerarmos igualmente o excesso de peso, a percentagem passa para 53,8. Estes números enformam, de facto, um cenário bastante preocupante, tanto mais que, se compararmos os dados de 1995 com os de 2003, assistimos a um aumento da prevalência da obesidade e pré-obesidade entre os homens, que passou de 50,2% para 60,2%. É um agravamento dramático! Torna-se depois absolutamente inquietante perceber que Portugal é um dos países com maior prevalência de obesidade infantil - cerca de um terço das nossas crianças sofre de obesidade e excesso de peso - o que significa que a situação tenderá, muito provavelmente, a agravar-se nos próximos anos. FP - Tratando-se, em termos de Saúde Pública, de um tema major, pode assim dizer-se que as políticas de abordagem ao mesmo têm vindo a falhar? DC - A obesidade é, fundamentalmente, uma doença social, pelo que se combate, sobretudo, provocando alterações de comportamento, promovendo o aumento da atividade física e desincentivando o excesso alimentar. E o que é facto é que não se têm obtido grandes
resultados, pelo que não restam dúvidas de que algo falhou. FP - O quê, por exemplo? DC - São inúmeras as circunstâncias que contribuem para a situação atual. O marketing agressivo das grandes cadeias de restauração, que opera precisamente em sentido contrário, é uma delas, a que acresce a associação a marcas de refrigerantes e bebidas açucaradas cujo consumo disparou nos últimos anos – curiosamente, depois, para se desculpabilizarem, patrocinam atividades desportivas!
«Há um número infinito de situações que se conjugam, depois, com a falta de consciência dos nossos governantes para a importância do combate à obesidade, daí que não tenhamos conseguido reduzir a sua prevalência»
Por um lado, ingerimos muitas calorias, por outro não nos mexemos. As pessoas hoje saem de casa no carro e é no carro que entram no emprego. A própria arquitetura dos edifícios e das cidades é desincentivadora do exercício. As escadas foram substituídas por elevadores, já não precisamos de
nos deslocar para falar com o colega ou o vizinho, fazemo-lo por telefone ou por e-mail, e mesmo nos tempos de lazer, em casa, algo tão simples como mudar o canal da televisão já não implica levantarmo-nos do sofá, porque temos o comando na mão. E depois é a vida agitada que levamos e que faz com que deixemos de ter tempo para as refeições. Comemos qualquer coisa apressadamente, sem grande noção do quê, acabando por ingerir uma quantidade de calorias muitíssimo superior do que se estivéssemos sossegadamente a fazer uma refeição normal. Há um número infinito de situações que se conjugam, depois, com a falta de consciência dos nossos governantes para a importância do combate à obesidade, daí que não tenhamos conseguido reduzir a sua prevalência. Ainda há dias, o senhor secretário de Estado dizia - e muito bem - que os portugueses devem contribuir com um estilo de vida mais saudável para evitar o aparecimento da diabetes. Mas a questão é que, antes da diabetes, já apareceu a obesidade. É a ela que se ficam a dever 80% dos casos de diabetes tipo 2, pelo que o combate tem de ser feito antes, numa fase mais inicial. O mesmo é dizer que é necessário mudar o paradigma. FP - Diria que a obesidade não é encarada, pelo poder político, como uma doença em si mesma e, por isso, não tem a atenção e intervenção devidas? DC - Diria antes que ainda não existe a consciência de que prevenir a obesidade é muito mais económico do que tratá-la. Os custos que lhe são inerentes são um aspeto muitíssimo importante, uma vez que é responsável por 80% dos 27
NUTRIÇÃO
entrevista
casos de diabetes tipo 2, por 35% das doenças cardíacas e 55% dos casos de hipertensão. A obesidade mata, todos os anos, cerca de um milhão de pessoas. Em Portugal, um estudo realizado em 2002 pelo professor João Pereira, revelava que cerca de 2,5% do total da despesa com saúde era imputado à obesidade, o que correspondia, nesse ano, a 297 milhões de euros. Ou seja, custava a cada pessoa ativa cerca de 61 euros, sendo o custo de cada obeso de 334 euros. Em custos indiretos, eram mais cerca de 200 milhões de euros, ou seja, 1,7% das despesas em saúde. Esta era a realidade em 2002; estamos em 2013 e, tal como referi, a prevalência tem vindo a aumentar dramaticamente, o que significa que o mesmo acontece aos custos.
«No meu ponto de vista, a colaboração dos farmacêuticos deverá ser efetiva ao longo de todos os estágios da obesidade, desde a prevenção, passando pelo diagnóstico, até ao acompanhamento do tratamento, quer da obesidade quer das complicações que lhe são inerentes» 28
FP - É possível que a crise funcione, neste caso, como “um mal que vem por bem”? DC - Não. Não posso apontar já quais serão os resultados concretos, mas há estudos que nos asseguram que é entre as pessoas de menor nível socioeconómico e sociocultural que a prevalência da obesidade é maior. Se por um lado é certo que os indivíduos com menores dificuldades económicas cuidam, habitualmente, mais da sua imagem, por outro, no que diz respeito à alimentação, trata-se sobretudo de uma questão de racionalidade económica: os alimentos que fornecem calorias mais baratas são as gorduras e os que fornecem calorias mais caras são os produtos hortofrutícolas. Logo, é mais caro comer fruta, hortaliças e legumes do que, por exemplo, manteiga, e com o agravar da crise, o que se procura é o mais
barato. A ingestão calórica será, ao contrário do que se poderia pensar, maior, ou seja, vamos ter mais obesidade. Depois, a crise gera desemprego, pelo que às calorias mais baratas vamos ver somada uma maior inatividade e sedentarismo. Até porque, políticas efetivas de estímulo ao exercício, tão importantes para prevenir precocemente a obesidade, como o aumento do número de horas de atividade física junto das crianças em idade escolar, em face da situação financeira do país não só foram abandonadas, como os programas em curso ainda viram reduzidos os apoios… FP - Por que é que há mais homens obesos do que mulheres? DC - A explicação comummente aceite é a de que as mulheres se preocupam mais com a sua imagem e cuidam-se mais, vão mais ao médico. E ainda bem que o fazem, porque embora esteja geralmente associada a um grande risco cardiovascular, a gordura abdominal, típica nos homens, é ainda mais perigosa para a mulher. FP - São também as senhoras quem mais faz dieta, especialmente por motivos estéticos… DC - A questão essencial a considerar no tratamento da obesidade é que o sucesso a longo prazo passa necessariamente por uma alteração nos comportamentos e estilo de vida, e isso é muito difícil. Quando se faz um programa alimentar muito restritivo durante um curto espaço de tempo, perde-se tecido adiposo, mas também muscular, e ao retomar os hábitos antigos, a pessoa acaba por engordar novamente, mas
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já não repõe a massa muscular. É este o grande drama das dietas sazonais. Com a prática de exercício físico isso não só não acontece, como estudos recentes ainda nos mostram que a atividade é promotora da diferenciação de certos adipócitos, transformando o tecido adiposo beije em castanho, o qual dissipa calor, libertando a energia em excesso ao invés de a acumular. Até há pouco tempo, julgava-se que este tecido, característico dos bebés e animais que hibernam e graças ao qual conseguem manter a temperatura corporal, era inexistente nos seres humanos adultos, mas percebeu-se agora que a atividade física promove o seu aparecimento. Admite-se, até, que a curto prazo o paradigma do tratamento farmacológico da obesidade possa vir a mudar, sendo os medicamentos anorexiantes ou saciantes substituídos por outros, promotores da conversão do tecido adiposo beije em castanho. Em suma, o que temos de ser capazes de fazer é ajudar a interiorizar a necessidade de uma modificação na forma como nos posicionamos perante a vida. Comemos mais do que nos mexemos, pelo que o tratamento da obesidade implica as duas coisas: restrição da ingestão e aumento da atividade física. FP - De que forma podem as farmácias contribuir para que o combate à obesidade se torne mais eficaz? DC - No meu ponto de vista, a colaboração dos farmacêuticos deverá ser efetiva ao longo de todos os estágios da obesidade, desde a prevenção, passando pelo diagnóstico, até ao acompanhamento do tratamento, quer da obesidade
quer das complicações que lhe são inerentes. Por exemplo, ao nível da prevenção, seria muito importante que, numa fase ainda precoce, aconselhassem as pessoas no sentido de procurarem ajuda, porque é nessa altura que é mais fácil atuar. Mas, acima de tudo, tratando-se de um flagelo social, só uma mudança social o poderá resolver, pelo que todos os esforços que possam desenvolver no sentido da modificação de comportamentos junto da população e alertando as autoridades locais para a necessidade de se criarem condições de apoio a essa alteração, são essenciais.
«A crise gera desemprego, pelo que às calorias mais baratas vamos ver somada uma maior inatividade e sedentarismo»
Davide Carvalho sugere
E porque não… …Incentivar o cultivo de hortas sociais? Acontece, por exemplo, em Lisboa, e além de as pessoas se manterem ativas, aumenta o seu acesso a produtos hortofrutícolas. …Criar um imposto sobre as gorduras e os açúcares? Há países na Europa que criaram o chamado “Fat tax”, um imposto sobre os produtos alimentares ditos pouco saudáveis e ricos em gordura e açúcar. …Fazer reverter este imposto para baixar o preço dos alimentos mais saudáveis? Não só se desincentivava o consumo de alimentos altamente calóricos como se aumentava o acesso a outros mais saudáveis. …Incentivar programas de voluntariado que aumentem a atividade física? Por exemplo, em Inglaterra, à hora de entrada e de saída dos miúdos das escolas, as pessoas reformadas vestem coletes sinalizadores e vão para as ruas, ajudar a travessia das crianças nas estradas. Aumenta-se a segurança, as pessoas mexem-se, sentem-se úteis, contactam com os mais novos e ajudam-nos a ver os mais velhos como parceiros. Só vantagens e sem custos! 29
NUTRIÇÃO
em foco
Nutrição Muito mais do que uma questão de saúde
A Alimentação Saudável O princípio basilar da alimentação passa pela satisfação das necessidades de todos os nutrientes fundamentais ao correto funcionamento do organismo, desde a obtenção de energia, ao seu crescimento e manutenção. Falamos de macronutrientes (hidratos de carbono, proteínas, gorduras e água), que existem em maior quantidade, e micronutrientes (vitaminas e minerais). Qualquer regime alimentar deve ser, assim, completo, equilibrado e variado, evitando carências e excessos alimentícios que conduzam a riscos para a saúde. A Roda dos Alimentos e a pirâmide alimentar da OMS, são representações que ajudam a escolher e a combinar os alimentos que deverão ser consumidos diariamente e constituem uma referência obrigatória 30
quando se fala de hábitos e culturas alimentares. Em Portugal, recomenda-se planear as refeições diárias de acordo com as orientações da Roda dos Alimentos, adaptada à realidade nacional.
Como se utiliza a Roda? Na Roda, os alimentos encontram-se divididos em sete grupos, de acordo com as suas propriedades nutricionais, e ao centro está representada a água. O seu formato em círculo, facilmente associado a um prato, e a forma como os alimentos são combinados, ajudam à sua seleção, bem como à das quantidades, tendo em vista uma alimentação saudável. Dentro de cada grupo, os alimentos podem e devem ser regularmente substituídos uns pelos outros.
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Gorduras e óleos (2%) 1a3 porções /dia
3a5 porções /dia
Laticínios (18%)* 2a3 porções /dia
Frutas (20%)
A água está representada em todos os grupos e recomenda-se 1,5 a 3 litros por dia
Carne, 1,5 a 4,5 porções pescado e ovos (5%) /dia 1a 2 porções Leguminosas /dia (4%)
3a5 porções /dia Hortícolas (23%) *A generalidade da população deve consumir 2 porções, com exceção das crianças e adolescentes que necessitam e 3 porções
4 a 11 Cereais e derivados porções e tubérculos (28%) /dia
Figura 1: Roda dos Alimentos Nota: As crianças entre um e três anos devem guiar-se pelos limites de porções inferiores e os homens fisicamente ativos e rapazes adolescentes pelos limites de porções superiores. A restante população orienta-se pelos valores de porções intermédias.
Quanto à ingestão de sal e potássio, recomenda-se que não ultrapasse 5g de sal (cloreto de sódio), ou seja, não mais do que 2g de sódio por dia, e inclua, pelo menos, 3.510mg de potássio por dia.
As necessidades energéticas As necessidades energéticas variam de acordo com o género, a idade, o peso, a estatura e a atividade física, sendo importante manter o equilíbrio entre o consumo e o gasto energético. Uma alimentação ponderada é aquela em que a energia consumida (Kcal) tem origem em 55 a 75% de hidratos de carbono (açúcares simples, no máximo 10%), 15 a 30% de gordura (a saturada, não superior a 10%; colesterol inferior a 300mg; gordura trans, no máximo 1%) e 10 a 15% de proteínas. Importa referir que os hidratos de carbono fornecem 4Kcal/g e os lípidos 9Kcal/g, as proteínas 4Kcal/g e o álcool 7Kcal/g.
Medidas caseiras para uma porção (plano alimentar 1300 a 3000Kcal)
Cereais e derivados, tubérculos (28%)
1 Pão/broa (50g) ou 1 e ½ batata média – tamanho médio (125g) ou 5 Colheres de sopa cereais de pequeno-almoço (35g) ou 6 Bolachas – tipo Maria/ água e sal (35g) ou 2 Colheres de sopa de arroz/massa crus (35g) ou 4 Colheres de sopa de arroz/massa cozinhados (110g)
Hortícolas (23%)
2 Chávenas almoçadeiras de hortícolas crus (180g) ou 1 Chávena almoçadeira de hortícolas cozinhados (140g)
Fruta (20%)
1 Peça de fruta – tamanho médio (160g) que equivale a:1 maçã média, 3 rodelas de ananás, 3 ameixas, 1 banana, 1 fatia de melão ou melancia com 160g, 15 bagos de uvas ou 10 morangos (estas quantidades serão iguais se a fruta for cozinhada)
Laticínios (18%)
1 Chávena almoçadeira de leite (250 ml) ou 1 Iogurte ou 1 e 1/2 iogurte sólido (200g) ou 2 Fatias de queijo (40g) ou ¼ Queijo fresco – tamanho médio (50g) ou ½ Requeijão - tamanho médio (100g)
Carnes, pescado e ovos (5%)
Carnes/pescado crus (30g) ou Carnes/pescado cozinhados (25g) ou 1 Ovo – tamanho médio (55g)
Leguminosas (4%)
1 Colher de sopa de leguminosas secas cruas (ex: grão-de-bico, feijão, lentilhas) (25g) ou 3 Colheres de sopa de leguminosas cruas (ex: ervilhas, favas) (80g) ou 3 Colheres de sopa de leguminosas secas/frescas cozinhadas (80g)
Gorduras e óleos (2%)
1 Colher se sopa de azeite/óleo (10g) ou 1 Colher de chá de banha (10g) ou 4 Colheres de sopa de nata (30ml) ou 1 Colher de sobremesa de manteiga/margarina (15g) 31
NUTRIÇÃO
em foco
Valor energético total recomendado no adulto saudável/dia
Museu da Farmácia
Nutrição saudável e divertida no Clube da Sara
Recomendável
Mulher
1500Kcal - 1800Kcal
Homem
2000Kcal - 2500Kcal
As necessidades energéticas totais diárias devem ser obtidas de modo faseado, ao longo de cinco a seis refeições: ao pequeno-almoço (15%), a meio da manhã (5%), ao almoço (35%), a meio da tarde (15%) e ao jantar (30%). No caso de o indivíduo se deitar três horas depois do jantar, deve considerar-se ainda uma pequena ceia. Procurando dar resposta às inúmeras solicitações, quer dos associados quer das escolas, o Museu da Farmácia iniciou um novo projeto de educação para a saúde, enquadrado nos ateliês do Clube da Sara, dedicado à alimentação saudável e luta contra a obesidade. Conforme conta Paula Basso, curadora do Museu, «arrancámos com o novo tema em dezembro do ano passado. Já tínhamos o folheto da roda dos alimentos para disponibilizar às farmácias e servir-lhes de apoio nas iniciativas que fazem nas escolas, mas sentimos que não era suficiente, que havia a necessidade de algo mais, daí “puxarmos” o tema para ateliê e, também, para as festas de aniversário que organizamos no Museu». Com a colaboração do departamento de Serviços Farmacêuticos da ANF e em parceria com a DiverCook, o Museu da Farmácia disponibiliza um pacote de seis ateliês nesta área temática da alimentação saudável. São eles: “Pequeno-almoço com energia” e “Frutas e legumes”, para crianças em idade pré-escolar e do primeiro ciclo de ensino; “A roda dos alimentos”, “A cozinha mediterrânica, “Química na cozinha” e “Colherada de moléculas”, para crianças do primeiro e segundo ciclos de ensino. Os ateliês, que têm todos a duração média de uma hora, conjugam a alimentação com a ciência, e nalguns casos a ciência molecular, procurando assim cativar mais a atenção dos miúdos para a importância de uma alimentação saudável, demonstrando que esta pode ser também muito divertida. «Além de uma apresentação sobre o tema, os monitores promovem diferentes atividades práticas, que passam muito por cozinhar com as crianças e fazer provas de gosto. Nas festas de aniversário, passa-se o mesmo, mas o ambiente é muito mais lúdico». «A obesidade é um tema sério e um grave problema de saúde pública, pelo que apostar na edução para uma correta nutrição faz hoje mais sentido que nunca. Para obter mais informações sobre este projeto, consulte a página do Clube da Sara, no site da ANF, em www.anf.pt. 32
Alguns aspetos nutricionais a ter em conta No que se refere aos alimentos industrializados, importa atender à informação mencionada no rótulo. Neste contexto, o Valor Diário de Referência (VDR) dos nutrientes é a orientação para a maioria da população saudável e adulta.
Nutriente
Valor diário de referência para 2000 Kcal
Proteínas
50g
Hidratos de carbono
270g
Lípidos/Gorduras
70g
Lípidos saturados/ Gorduras saturadas
20g
Fibra
25g
Sódio
2,4g
Açúcares
90g
Gorduras polinsaturadas totais
16g
Ácidos gordos ómega-6
14g
Ácidos gordos ómega-3
2,2g
Gorduras monoinsaturadas
34g
FARMÁCIA PORTUGUESA • 201 • jan/fev/mar‘13
Índice Glicémico (IG) de alguns alimentos Elevado (>60)
Médio (40 – 60)
Baixo (<40)
Glicose
100
Sumo de laranja
57
Maçã
36
Bebidas desp.
95
Batata cozida
56
Pera
36
Batata assada
85
Pipocas
55
Iogurte magro
33
“Corn Flakes”
84
Banana
53
Ervilhas
33
Bolo de arroz
82
Uvas
52
Leite magro
32
“Cheerios”
74
Arroz branco
47
Damasco seco
31
Mel
73
Lactose
46
Feijão verde
30
Cenoura
71
Laranja
43
Lentilhas
29
Pão
70
“All Bran”
42
Leite gordo
27
“Fanta”
68
Esparguete
41
Cevada
25
“Mars”
68
Sumo de maçã
41
Frutose
23
Sacarose
65
Esparguete
41
Amendoins
14
Fonte: Foster-Powell K, Brand MJ. International table of glycemic index. American Journal of Clinical Nutrition; 62 Suppl. 871-893
Os alimentos que apresentam hidratos de carbono na sua composição podem ser classificados consoante o seu Índice Glicémico (baixo IG, médio e elevado), o qual reflete a velocidade de digestão e absorção destes macronutrientes, quando comparado com um alimento padrão. Ainda que controverso, vários trabalhos realizados sugerem que os alimentos de baixo IG, a curto prazo, exercem efeito positivo no controlo do peso, na saúde e prevenção da doença.
Aconselhamento sobre alimentação saudável As bases para uma alimentação saudável são: • Fazer cinco a seis refeições por dia, sem saltar nenhuma. Não estar mais do que três horas e meia sem comer; • Tomar sempre o pequeno-almoço antes de sair de casa; • Comer calmamente e mastigar muito bem os alimentos; • Ingerir água com abundância, pelo menos, um litro e meio a três litros por dia;
• Aumentar consumo de fibras • Consumir hortícolas e frutas frescas da época; • Variar a escolha de vegetais e tornar os pratos coloridos; • Para preservar os nutrientes, não cozer em excesso os hortícolas; • Consumir sempre sopa, por ser rica em legumes e hortaliças; • Juntar legumes às sanduíches; • Consumir diariamente leguminosas, como feijão, ervilhas, grão, favas, lentilhas, entre outras, no prato ou na sopa; • Consumir pão escuro, de mistura ou integral, em vez do pão tradicional branco, que é, geralmente, de baixo conteúdo em fibra; • Optar por cereais de pequeno-almoço ricos em fibra não açucarados; • Alternar o consumo de massa e arroz branco com as suas versões integrais, que são ricas em fibras; 33
NUTRIÇÃO
em foco
• Reduzir consumo de gorduras: • Retirar a pele dos alimentos antes de os confecionar e também no prato; • Nas saladas, usar pão torrado em vez de frito; • Evitar consumo regular dos seguintes alimentos com elevado teor de gordura: rissóis, folhados, quiches, produtos de pastelaria e confeitaria (ex. croissants, bolas de Berlim), bolachas, chocolates, determinados tipos de queijo, produtos de charcutaria (ex. salsichas, fiambre, chouriço), refeições fast food, batatas fritas e aperitivos, molhos (ex. natas, maionese e mostarda); • Reduzir a quantidade de gordura para cozinhar, preferindo o azeite; • Evitar fritar os alimentos e optar por cozer, grelhar ou estufar • Reduzir o consumo de sal • Não levar o saleiro para a mesa; • Evitar consumir alimentos com elevado teor em sal, tais como: produtos de charcutaria e alimentos curados ou fumados (ex. fiambre, chouriço), sopas instantâneas, caldos concentrados (ex. caldos de carne), salgadinhos (ex.: rissóis); alimentos enlatados, molhos (ex.: soja, ketchup), folhados, determinados tipos de queijo, refeições prontas a consumir (ex.: pizzas, lasanhas), margarinas, manteigas, batatas fritas de pacote e outros aperitivos, azeitonas, águas minerais gaseificadas;
• Diminuir a quantidade de sal que se adiciona durante a confeção dos alimentos; • Lembrar que o glutamato monossódico e o bicarbonato de sódio acrescentam aos alimentos quantidades significativas de sódio; • Lavar os alimentos enlatados, como o feijão e outros, para remover algum sódio; • Substituir o sal da confeção por ervas aromáticas, especiarias ou sumo de limão; • Beber as bebidas alcoólicas com moderação e apenas a acompanhar as refeições.
O excesso de peso e a obesidade O excesso de peso e a obesidade resultam de um desequilíbrio entre o consumo de alimentos e a atividade física, mas o seu risco pode ser aumentado também por fatores genéticos e psicológicos, e alguns fármacos (antipsicóticos, bloqueadores beta, lítio, valproato de sódio, corticoides, entre outros). A obesidade é uma doença crónica e tem um impacto direto na qualidade de vida, estando associada a uma elevada morbilidade e mortalidade. É um fator de risco para inúmeras doenças, de que são exemplo a diabetes tipo 2, as doenças cardiovasculares, os distúrbios respiratórios, as patologias osteoarticulares e vários tipos de cancro (colorretal, próstata, mama, endométrio e bexiga).
Excesso de peso
Risco de saúde relacionado com IMC IMC (Kg/m2)*
Classificação
Risco de doenças associadas
<18,5
Baixo peso
Baixo**
18,5 – 24,9
Peso normal ou recomendável
Médio
25,0 – 29,9
Pré-obesidade
Aumentado
30,0 – 34,9
Obesidade Classe I
Moderado
35,0 – 39,9
Obesidade Classe II
Grave
≥40,0
Obesidade Classe III *
Muito grave
*As instruções para cálculo do IMC, medição de peso, estatura e perímetro abdominal podem ser consultados no “Guia CheckSaúde”, disponível em ANFOnline, através do menu Documentação/Serviços Farmacêuticos; **Os indivíduos de baixo peso, apesar de serem considerados com baixo risco de doenças associadas, têm um risco aumentado de ter outros problemas de saúde. 34
FARMÁCIA PORTUGUESA • 201 • jan/fev/mar‘13
Avaliação e controlo do peso Para avaliar o excesso de peso e a obesidade recomenda-se o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC) e a medição do perímetro abdominal. Não há um peso ideal, e sim uma zona ou intervalo ideal dado pelo IMC (18,5 a 24,9Kg/m2). Para a redução do peso é essencial ter em consideração o IMC inicial. Assim: - Em doentes com IMC 25-35Kg/m2 recomenda-se uma redução entre cinco a 10% do valor inicial durante três a seis meses. - Em doentes com IMC> 35Kg/m2 recomenda-se uma redução de 15 a 20%.
Perímetro abdominal (cintura) (cm)*
Risco de complicações
Homens
Mulheres
Aumentado (risco de obesidade abdominal)
≥ 94
≥ 80
Muito aumentado (obesidade abdominal instalada)
≥ 102
≥ 88
*As instruções para medição do perímetro abdominal, peso, estatura e cálculo de IMC podem ser consultadas em “Guia CheckSaúde”, disponível em ANFonline.
Exemplos práticos de como reduzir 200 a 500Kcal/dia Porções
• Até menos 250Kcal: Começar as refeições principais sempre com um prato de sopa, de forma a conseguir utilizar apenas um prato de sobremesa com os alimentos do segundo prato.
Opções no cozinhado
• Até menos 200Kcal: Reduzir a quantidade de gordura do refogado. • Até menos 250Kcal: Preferir frango ou peru e retirar a pele e gorduras visíveis. • Até menos 300Kcal: Substituir a batata frita por batata cozida ou arroz.
Opções na escolha do tipo de carnes
• Até menos 200Kcal: Optar por carne branca em substituição da carne vermelha ou enchidos.
Opções na escolha de fibra
Até menos 300Kcal: No “prato principal”, reduzir a quantidade de carne/peixe e acompanhamento (arroz, batata, massa…) para metade, substituindo por legumes ou salada.
• Até menos 300Kcal: Ao cozinhar um empadão, bolonhesa ou jardineira, optar por soja em substituição da carne.
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NUTRIÇÃO
em foco Recomendações alimentares para o adulto preocupado com o peso Ter sempre em consideração …. A redução do consumo de calorias diário • Diminuir o tamanho das porções ingeridas. Utilizar pratos mais pequenos. • Excluir as gorduras visíveis e reduzir as invisíveis. • Preferir laticínios magros; • Evitar os refrigerantes calóricos e outros produtos ricos em açúcares adicionados. • Aprender a preparar as refeições com menos gordura.
O aumento da saciedade • Preferir alimentos que apresentem mais volume. O volume do alimento proporciona o preenchimento gástrico e, muitas vezes, torna a digestão mais lenta e, também a saciedade metabólica (ex.: salada, hortaliça). • Aumentar os níveis de proteína magra para cerca de 25% do valor calórico total. Aumentar a ingestão de proteína vegetal (soja, leguminosas, etc.) ou proteínas animais mais magras (peixe, carne de aves sem pele, clara de ovo, etc.). • Comer sopa e/ou salada diariamente. • Escolher sempre cereais integrais ou pouco processados. Os grãos integrais são mais ricos em fibra e hidratos de carbono, de absorção mais lenta. Os cereais mais refinados e processados têm uma absorção mais rápida de açúcar no sangue e não ajudam a promover a saciedade.
…E nunca esquecer Evitar ter fome durante o dia • Tomar sempre o pequeno-almoço. • Planear o dia alimentar com antecedência. • Fazer refeições intercalares (meio da manhã, meio da tarde e ceia).
Alterar hábitos e rotinas • Ter sempre um plano de emergência de alimentos para não ter fome. • Analisar o que se come durante o dia. Verificar em que altura do dia tem mais apetite e ativar o plano de emergência sempre que necessário. • Fazer registo do dia alimentar. • Vigiar o peso. • Dedicar mais tempo à compra e confeção dos alimentos. • Aumentar a atenção durante a refeição. Evitar ler, ver televisão, etc., durante as refeições. Tem-se mais cuidado com a quantidade e qualidade dos alimentos, para além de se passar a mastigar mais lentamente e conseguir sentir saciedade. • Praticar exercício físico.
A perda de peso de cerca de 0,5 kg/semana implica um défice energético de 3500Kcal/semana ou, pelo menos, 500Kcal/dia. Para assegurar essa redução, o regime alimentar deve ser planeado de forma a reduzir, no mínimo, 600Kcal/dia. Para emagrecer de forma saudável, a perda e a manutenção do peso em níveis ideais deve ocorrer a longo prazo. Os resultados ótimos não se compadecem com mudanças relâmpago, nem com perdas de peso acentuadas em apenas algumas semanas.
Suplementos alimentares na perda de peso Sendo inquestionável o benefício da toma de suplementos alimentares (SA) em situações que reconhecidamente beneficiam de suplementação polivitamínica e multimineral, como dietas hipocalóricas para perda de peso corporal, em que a suplementação permite manter o equilíbrio do estado nutricional, há que ter presente que estes produtos não devem nunca ser usados como substitutos de uma dieta diversificada e cuidada. Para além do posicionamento como complemento do 36
regime alimentar, são inúmeros os SA apresentados enquanto promotores da perda de peso, suportando a sua ação em mecanismos diversos. O aconselhamento profissional destes produtos determina que seja sempre evidenciado o facto de os mesmos só resultarem em alterações significativas no peso ou na composição corporal se utilizados enquanto complemento de uma dieta hipocalórica e de um aumento significativo da atividade física. Pelo seu enquadramento como géneros alimentícios, os suplementos alimentares não são submetidos a uma avaliação prévia à sua colocação no mercado. Tal significa que, não só a sua eficácia não foi, na generalidade dos casos, comprovada, como não podem ser considerados isentos de riscos (reações adversas, contra indicações, interações), sendo suscetíveis de uma marcada intervenção por parte da farmácia, tanto no despiste e prevenção de aspetos de segurança, como no aconselhamento do produto mais indicado para as necessidades de cada utente em particular. A análise técnica e científica elaborada pelo CEDIME sobre a composição de cada SA com CNP (Código Nacional de Produto) atribuído pela ANF tem por objetivo assegurar o acesso a informação abrangente relativa à composição e principais características dos SA disponíveis nas
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Mercado
Suplementos Alimentares de Emagrecimento e Anticelulíticos meses de 2012, verificou-se um decréscimo do mercado em análise face ao período homólogo, quer em volume, de 15,6% (Gráfico 1), quer em valor, de 11,2% (Gráfico 2). O Top 20, em volume, vale cerca de 58% dos produtos vendidos no ano de 2012. Destaca-se no primeiro lugar o Depuralina Aspira Gorduras, seguido do Bioativo Slim Duo, que ocupa as duas posições seguintes (Tabela 1).
1.000.000
20.000
800.000
16.000
-15,6% Milhões de €
N.º de Embalagens
O mercado dos Suplementos Alimentares de Emagrecimento e Anticelulíticos traduziu, em 2012, um total de 662 mil embalagens vendidas, correspondendo a 16 milhões de euros. No mesmo período, este grupo de produtos figurou 1,3% das vendas em volume e 3,0% em valor no total dos Produtos de Saúde. No mercado dos Suplementos Alimentares, representou 8,9% em volume e 14,0% em valor. No acumulado dos 12
600.000 400.000 200.000 -
785.318
662.847
2011
2012
12.000 8.000 4.000 -
Gráfico 1 – Crescimento homólogo em volume (2012 vs 2011)
-11,2%
18.417
16.349
2011
2012
Gráfico 2 – Crescimento homólogo em valor (2012 vs 2011)
Tabela 1 – Top 20 de Suplementos Alimentares de Emagrecimento e Anticelulíticos, em volume, no ano de 2012 #Rank
Nome do produto
1
Depuralina Aspira Gorduras Total Cáps x45
2
BioActivo Slim Duo Cáps 60 + Comp 30
3
BioActivo Slim Duo Cáps 80 + Comp 40
4
Xls Medical Comp Liposinol 60
5
BioActivo Slim Precise Comp 60
6
Drenafast Sol Oral 500ml
7
EasySlim Sol Oral Depur Max 500ml
8
Bioarga Emagrec Cáps 150mg 30
9
EasySlim Sol Oral Drena Ativa 500ml
10
EasySlim Lipo3 Comp 60
11
Drenafast Frutos Tropicais Sol Oral 500ml
12
Arkocapsulas Orthosiphon Cáps 50
13
Xls Medical Comp Redut Apetit 60
14
Arkocapsulas Laranja Amarga Cáps 50
15
Lipotrol 10 Comp 30
16
Dietlimao Comp 50
17
EasySlim Cáps Blocker SOS 60
18
EasySlim CLA + Chá Verde + Erva Mate Cáps 50
19
BioActivo Cla Triplo Cáps 90
20
EasySlim Sol Oral Celulite Reducer 500ml
Fonte: Sistema de informação hmR; análise CEFAR
37
NUTRIÇÃO
em foco
farmácias, com particular destaque para aspetos de segurança associados aos constituintes ativos. O cumprimento das recomendações expressas na informação que acompanha o produto assume particular importância, de modo a minorar os riscos associados, por exemplo, à toma de medicamentos para patologias subjacentes ou à toma em conjunto com outros SA com ações sobreponíveis, o que pode resultar em efeitos desagradáveis (ex.: insónia, em resultado de um aporte excessivo de cafeína) ou mesmo potencialmente graves (ex.: desequilíbrio hidroelectrolítico, em resultado de efeitos diurético e/ ou laxante excessivo). As ações alegadas por estes SA, são diversas e inerentes aos ativos que os integram: • Diurética, por exemplo: Equisetum arvense (cavalinha); Orthosiphon spicata (chá-de-java); • Aumento do gasto energético, por exemplo: Fucus vesiculosus (bodelha); Spirulina maxima (espirulina); Citrus sinensis (laranja amarga); • Moderadores do apetite e/ou laxantes: Plantago ovata (ispagula); Amorphophalus konjac (glucomanano); Hoodia Gordonii; Goma guar; • Aumento da oxidação da gordura e/ou diminuição da sua síntese, por exemplo: CLA; Camellia sinensis (chá verde); Garcinia cambogia (ácido hidroxicítrico); L-carnitina; • Modulação do metabolismo glicídico, por exemplo: picolinato de crómio; • Diminuição da absorção de gordura, por exemplo: quitosano. Em paralelo com os SA, estão igualmente disponíveis produtos similares, mas que, pela natureza da sua ação, são classificados com Dispositivos Médicos. São produtos que contêm, na sua composição, fibras não absorvidas pelo organismo, com capacidade variável de diminuição do apetite (sensação de estômago cheio), retenção de lípidos ou de hidratos de carbono, reduzindo a sua absorção (Exemplos: Linha XLS Medical®; Linha Obesimed®; BioActivo SlimPrecise®; Formoline L112®; GlucoLess Ever Fit®). Apesar de estes produtos não serem absorvidos, a sua dispensa merece, igualmente, que sejam tidos em consideração aspetos importantes para uma utilização segura. Pela sua ação, podem interferir com a absorção de medicamentos, devendo as tomas ser afastadas, podem alterar os níveis glicémicos em diabéticos, e não devem ser utilizados em caso de perturbações graves do trânsito gastrintestinal. O seu uso deve ser acompanhado de uma ingestão aumentada de água e pode ser necessária suplementação multivitamínica e mineral, para compensar eventuais perdas por interferência na absorção destes nutrientes. 38
MITOS × “A água engorda de acordo com o momento em que se ingere”. Falso. Na realidade, a água não fornece calorias. × “Os alimentos ricos em hidratos de carbono, como o pão, são os que mais engordam”. Falso. Os hidratos de carbono são fonte fundamental de calorias e base de uma alimentação equilibrada, quando ingeridos de acordo com as quantidades recomendadas. Por outro lado, são mais saciantes que as gorduras e fornecem menos calorias. × “Os alimentos integrais não engordam”. Falso. Os alimentos integrais são mais saudáveis por conterem fibra, contudo, a quantidade de calorias que fornecem é similar. × “O consumo de água durante as refeições engorda”. Falso. A água é uma bebida rica em minerais que não engorda nem emagrece antes, durante ou depois das refeições, uma vez que não fornece energia. × “A água gaseificada engorda”. Falso. O anidrido carbónico que se adiciona para obter água com gás não fornece energia. Deve ser desaconselhada em indivíduos com excesso de peso ou obesidade, e hipertensos, devido ao conteúdo de sódio.
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Dietas e mitos As “dietas milagrosas”, com ou sem comprimidos, carecem de rigor científico e prometem uma perda de peso rápida. No entanto, podem causar desnutrição proteica, deficiência de vitaminas e minerais, alterações metabólicas graves e, quando se terminam, o peso é recuperado rapidamente (efeito iô-iô, ou seja, frequentes perdas de peso seguidas de ganho). As dietas dissociativas propõem evitar combinações de alimentos específicos. Permitem comer todos os alimentos, mas nunca na mesma refeição. As dietas exclusivas baseiam-se na restrição de algum nutriente. Neste grupo incluem-se as dietas cetogénicas, que evitam o consumo de hidratos de carbono e potenciam o consumo de proteínas e gorduras, e as dietas hiperproteicas, que não recomendam os hidratos de carbono e gorduras.
• Informar sobre a escolha segura de medicamentos não sujeitos a receita médica, suplementos alimentares e substitutos de refeição, sempre que solicitados; • Garantir o uso correto, seguro e efetivo dos medicamentos e suplementos alimentares, caso aplicável; • Referenciar a consulta de nutrição e/ou médica, quando necessário. Este dossiê foi elaborado pelo Departamento de Serviços Farmacêuticos, com os contributos do CEDIME, CEFAR e MUSEU
Intervenção na farmácia A intervenção da farmácia no excesso de peso e obesidade abrange as seguintes áreas: 1. Prevenção do excesso de peso e obesidade a todos os utentes da farmácia. • Divulgar as recomendações da alimentação saudável e atividade física; • Informar quais são os valores normais de peso, estatura, IMC, perímetro abdominal e reforçar as consequências da obesidade; • Recomendar o controlo regular de peso (por exemplo, mensal); • Informar sobre os fatores que podem aumentar o risco de vir a ser obeso. 2. Identificação precoce de indivíduos com excesso de peso ou obesidade • Medir peso, estatura e perímetro abdominal e calcular IMC; • Medir glicemia, colesterol, triglicerídeos, quando necessário; • Avaliar risco cardiovascular; • Identificar fatores de risco de obesidade; • Entregar ao utente os registos das avaliações realizadas; • Educar e aumentar a consciencialização do utente para os benefícios da alimentação saudável, adequada às necessidades; • Divulgar a alimentação saudável para a redução e controlo de peso; • Monitorizar os doentes: peso, estatura e perímetro abdominal, calculo de IMC e parâmetros bioquimicos, se necessário;
Bibliografia •
FCNAUP, Instituto do Consumidor, DGS. A Nova Roda dos Alimentos. 2003 • Instituto Nacional de estatística. Balança Alimentar Portuguesa 2003 – 2008. Destaque novembro 2010 • Mahan LK, Escott-Stump S: Krause´s Food § Nutrition Therapy. Saunders, Elsevier.12ª Ed. Princípios para uma Alimentação Saudável. Direcção Geral de Saúde 2005. Ministério da Saúde • Associação Nacional das Farmácias. Intervenção farmacêutica na obesidade. Guia prático. 2007. • Teixeira P., Silva M. Repensar o Peso: Princípios e Métodos Testados para controlar o seu peso, Lidel 2009 • Eurotrials. Boletim Informativo n.º 30 – Doenças Cardiovasculares. Eurotrials, junho 2010. • Scottish intercollegiste Guidelines Network (SIGN). Management of obesity. Quick reference guide. 2010. • Associação Portuguesa dos Nutricionistas. Pressão arterial: cultive um saudável estilo de vida. Maio 2012; • Associação Portuguesa dos Nutricionistas. Envelhecimento active. Um guia para o ajudar a sentir-se sempre jovem. Abril 2012. • Candeias V. Fibras. Divisão de promoção e Educação para a Saúde. Direção Geral de Saúde • Candeias V. Gorduras alimentarem. Direção Geral de Saúde 39
NUTRIÇÃO
consultoria de gestão
Cross e up selling na obesidade e excesso de peso Os problemas nunca andam isolados e o momento da dispensa de medicamentos ou produtos de saúde para a perda de peso pode ser o indicado para a identificação de necessidades secundárias dos utentes, e que podem representar potenciais vendas acrescidas para a farmácia. Saiba então mais sobre as técnicas de cross e up selling, através das quais se podem e devem criar sinergias face às precisões de ambos os interlocutores negociais.
A intervenção dos farmacêuticos na obesidade pode ser desencadeada em diversas situações, que passam, por exemplo, pelo pedido de alguma informação por parte do utente; pela solicitação da medição do peso, estatura e IMC ou perímetro abdominal; pela identificação, por parte da equipa da far40
mácia, de indivíduos com fatores de risco; pela apresentação, por parte do utente, de problemas de saúde relacionados com a obesidade e a dispensa de suplementos alimentares e dietéticos, anti-hipertensores, antidislipidémicos, etc. A dispensa de medicamentos ou
produtos de saúde indicados para a perda de peso representa um contexto propício para o estabelecimento de uma relação alargada com o utente, abrindo-se um novo campo de atuação que poderá situar-se num simples contributo para um ajustamento das expectativas ou servir para motivar e monitori-
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zar a evolução dos resultados atingidos. Ambos os casos cooperam para que se alcance a tão almejada fidelização do utente. No âmbito deste diálogo, três grandes fatores se propiciam: • O reforço do aconselhamento não farmacológico, que passa pela reeducação alimentar e adoção da prática regular de exercício físico, com vista a um gasto calórico que favoreça a perda de peso; • A identificação e gestão, sempre que possível, dos efeitos adversos resultantes dos medicamentos/produtos ou do regime alimentar restritivo adotado e, se necessária, a adequação do(s) produto(s) inicialmente recomendado(s). • O cross e o up selling.
Cross selling Quer o cross selling quer o up selling constituem técnicas endógenas da venda que são utilizadas ancestralmente, mas por vezes de forma pontual e não como estratégia de gestão do negócio e da satisfação do cliente e respetiva fidelização. Visam satisfazer as necessidades dos clientes de forma criteriosa e, paralelamente, potenciar as vendas na farmácia. A técnica de Cross-Sell (venda cruzada) consiste em identificar e sugerir um ou mais produtos/serviços complementares à aquisição inicial, com o objetivo de aumentar a satisfação das necessidades do cliente. Pode decorrer da identificação de necessidades que, embora desconhecidas do cliente, são efetivas, e de cuja satisfação ficaria privado se não fosse informado, ou de necessi-
dades identificadas pelo cliente, aumentando o seu nível de satisfação. Diz-se do cross selling que é direto quando se sugere a aquisição de um produto ou serviço complementar que reforça a ação do principal, aumentando o nível de conforto e satisfação do cliente. Tem, no fundo, a ver com a situação concreta que conduziu o cliente à farmácia: a alguém com uma infeção na garganta que pretende aviar uma receita de um antibiótico e paracetamol, podem ser sugeridas pastilhas para garganta, etc.
A técnica de Cross-Sell consiste em identificar e sugerir um ou mais produtos/serviços complementares à aquisição inicial, com o objetivo de aumentar a satisfação das necessidades do cliente
Vejamos, no âmbito da obesidade e excesso de peso, um dos casos típicos na farmácia, passível de cross selling. Uma mulher, de 55 anos, pós-menopáusica, dirige-se à farmácia com uma receita médica de ácido alendrónico 70mg. Solicita dinhei-
ro trocado para se poder pesar, comentando que «a roupa não me serve». Acompanhando a doente à balança, onde está incorporado um estadiómetro, e com auxílio de uma tabela de IMC, obtemos os seguintes dados: - Peso: 72kg - Altura: 1,56m - IMC = 29,6Kg/m2 Questionada sobre sintomatologia associada e outras patologias existentes, a senhora refere alguns sintomas vasomotores característicos e insónia, para a qual tem indicação médica de lorazepam. Perante uma situação tipo como esta, dispomos, na farmácia, de várias possibilidades de venda e de cross selling: • Suplementos alimentares para perda de peso: lipolíticos (CLA, L-carnitina, Garcinia cambogia, guaraná, café verde, chá verde, laranja amarga, erva mate, etc.), drenantes (cavalinha, Orthosiphon, rainha dos prados, ananás, dente de leão, pés de cereja, etc.); • Suplementos alimentares para redução da apetência para o consumo de açúcares (por exemplo, o crómio); • Dispositivos médicos na perda de peso (phaselite, fiboqol, liposinol, redusure, L112, OMTEC, etc.); • Medicamentos não sujeitos a receita médica, como o Orlistato (este recomendado para IMC superior a 28Kg/m2); • Chás drenantes; • Adoçantes; • Pedómetro. 41
NUTRIÇÃO
consultoria de gestão
Cross selling marginal
Existe uma regra de ouro: nunca se deve usar o cross selling antes de resolver o problema inicial, sob pena de criar um vazio nas expectativas do cliente e gerar atitudes defensivas. A resolução da situação cria uma relação de empatia e confiança com o cliente e derruba as suas barreiras defensivas.
42
Mas o cross selling também pode ser do género marginal, ou seja, consistir na sugestão de um produto ou serviço marginal à situação que conduziu o cliente à farmácia. Por outras palavras, não é direcionado para a resolução da situação principal, mas para outras entretanto identificadas. Apontam-se dois momentos específicos: - O aconselhamento do farmacêutico pode decorrer da situação inicial e, por isso, funcionar como um complemento informativo, contribuindo, ao mesmo tempo, para a fidelização do cliente, já que deixa implícita a demonstração de um certo nível de preocupação. Um exemplo básico: a uma senhora a quem foi prescrito um antibiótico e que toma a pílula, poderão ser-lhe sugeridos preservativos como reforço de proteção anticoncecional.
- O aconselhamento do farmacêutico decorre da observação de algum facto ou é veiculada por comentários do cliente, extra situação inicial, ao longo do atendimento. Daí que quase toda a informação é pertinente e passível de gerar uma cross sell. Voltando ao caso da utente de 55 anos, pós menopáusica que mencionámos anteriormente, poderiam ser considerados para cross selling marginal os seguintes produtos/serviços: • Suplementos alimentares com fitoesteróis (Isoflavonas de Soja) para auxílio no alívio de sintomatologia associada à menopausa, assim como saco de gelo, água termal, toalhetes refrescantes, gel ou solução de lavagem íntima adequada à menopausa, lubrificantes e suplementos alimentares para disfunção sexual. • Suplementos alimentares energéticos, com ação estimulante, como resposta a quadro de fraqueza e astenia resultante de dieta restritiva (ginseng, fucus…). • Suplementos vitamínicos e minerais: zinco, cobre, vitamina A (manter flexibilidade da pele), vitamina C e E, selénio, coenzima Q10 (ação antioxidante). • Suplementos para patologias osteoarticulares associadas ao envelhecimento: glucosamina, condroitina. • Suplementos para queda cabelo, champôs, máscaras capilares e tintas. • Cremes de corpo e rosto: adelgaçantes, hidratantes, refirmantes, antiestrias, antirrugas; proteção solar; produtos de maquilhagem…
• Peças de roupa interior absorvente, com características de um produto antialérgico, lavável e reutilizável, com capacidade de absorção para mulher com pequenas perdas de urina e pequenas secreções. • Cinta modeladora. • Ansiolítico MNSRM ou suplemento alimentar com ação em estados de ansiedade ou de alterações de humor. • Medicamentos NSRM ou suplementos alimentares com ação na sintomatologia associada a efeitos adversos à toma de outros medicamentos ou produtos para emagrecer (exemplo: toma de psillium para reduzir a diarreia associada à toma de orlistato). • Para esta situação específica seria útil também a recomendação sobre a avaliação regular dos parâmetros relacionados com o risco cardiovascular, apresentando os serviços farmacêuticos e propondo a avaliação de todos os outros parâmetros necessários para verificar o risco (sexo, idade, tabagismo, pressão arterial e colesterol total). • Em caso de se considerar necessário para a utente, poderemos também apresentar o serviço de consulta de nutrição.
Up selling A técnica de Up sell (venda vertical) consiste em sugerir um adicional valorativo (incrementar mais valor) para o produto/serviço em causa. Por exemplo, na aquisição de uma embalagem maior de um determinado produto, o preço relativo será mais baixo, ou num caso distinto, o produto que tem a associada a oferta de outro. O up selling tem três objetivos principais: potenciar a satisfação do cliente relativamente ao investimento efetuado, fidelizá-lo à farmácia e ao produto, e permitir à farmácia racionalizar a comercialização e gestão dos seus stocks.
A quem, quando e como usar estas técnicas? Basicamente, estas técnicas de vendas dirigem-se a todos os clientes. Contudo, é importante referir que a tipologia do cliente pode originar, dentro da mesma situação, necessidades diferentes e, consequentemente, sugestões diferenciadas para uma cross sell. Tanto se destinam ao cliente direto (destinatário da 43
NUTRIÇÃO
consultoria de gestão
terapêutica) como ao cliente indireto (cliente não destinatário da terapêutica mas que pode ser alvo de outras necessidades). A sua utilização tem um timing próprio, sob pena de ser contraproducente e afastar o cliente. Cada atendimento é um caso diferente, e o momento ideal depende de uma série de variáveis: o tipo de situação, os produtos ou serviços envolvidos, o tempo disponível para o atendimento, o tipo de cliente e a sua relação com a farmácia, entre outras. Mas existe uma regra de ouro: nunca se deve usar o cross selling antes de resolver o problema inicial, sob pena de criar um vazio nas expectativas do cliente e gerar atitudes defensivas. A resolução da situação cria uma relação de empatia e confiança com o cliente e derruba as suas barreiras defensivas.
O cross selling direto deverá ser efetuado na sequência da situação que levou o cliente à farmácia; o marginal pode ser também nessa sequência ou apenas no final, dependendo de caso para caso. Quanto ao como utilizar as técnicas, a sugestão tem primeiro que
estar devidamente contextualizada, caso contrário corre o risco de estar a sugerir algo que nada tem a ver com as necessidades do cliente. Depois, deve ser justificada com uma argumentação bem fundamentada.
Os segredos do bom uso do cross e up selling Conheça bem os produtos com que trabalha. Pratique uma boa escuta ativa: ouvir e observar reflexivamente. Conduza o atendimento tendo como objetivo incrementar vendas. Use a informação no momento certo. Ajude o cliente a resolver o seu problema (desbloqueia os processos defensivos) e só depois sugira outros produtos. Seja honesto e respeite a decisão do cliente. Autores: Isabel Lima e Graça Parreira, formadoras no Curso de Cross Selling da Escola de Pós-graduação em Saúde e Gestão
Cursos de Cross Selling Existem cursos de cross selling desenvolvidos pela Escola de Pós-graduação em Saúde e Gestão em que podem aprofundar os conhecimentos e treinar a técnica de cross selling em várias situações do balcão da farmácia. Curso
Local
Data
Duração
Preço *
Cross Selling e Up selling na Farmácia (Farmacêuticos)
Lisboa
8 e 9 de Abril
14h
200€
Cross Selling e Up selling na Farmácia (Farmacêuticos)
Lisboa
23 e 24 de Maio
14h
200€
Cross Selling e Up selling na Farmácia (Farmacêuticos)
Coimbra
15 e 16 de Abril
14h
200€
Cross Selling e Up selling na Farmácia (Colaboradores não farmacêuticos)
Porto
18 de Abril
6h
80€
Cross Selling e Up selling na Farmácia (Farmacêuticos)
Porto
12 e 13 de Junho
14h
200€
* O valores apresentados são para associados da ANF. Aos preços apresentados acresce IVA a taxa legal em vigor. 44
ENTREVISTA
Carlos Maurício Barbosa, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos
Palavra de ordem no novo mandato: «integração»
Maurício Barbosa passou o seu primeiro mandato à frente da Ordem dos Farmacêuticos a reconstruir pontes e a recuperar caminhos, em meio de uma crise profunda no país, que atingiu fulgurantemente o setor. Trabalho árduo que compensa em resultados e experiência adquirida e que pretende agora canalizar para a obtenção de um grande desígnio: uma maior integração dos farmacêuticos na prestação de cuidados de saúde no país, através de novas áreas de intervenção profissional. FARMÁCIA PORTUGUESA - Em termos genéricos, que balanço faz do primeiro mandato? Carlos Maurício Barbosa - Nestes três anos, procurei unir os farmacêuticos e estabilizar a Ordem, e sinto que isso foi conseguido. Hoje a situação é claramente diferente, para melhor, em relação à que encontrámos em 2009, e julgo que isso é reconhecido generaliza-
damente, o que me deixa particularmente satisfeito, apesar de alguns aspetos que perduraram e que urge resolver, designadamente ao nível de aquisições que foram feitas dentro da Ordem dos Farmacêuticos (OF). FP - Refere-se ao edifício da Gago Coutinho? CMB - Sim, minimizámos forte-
mente os encargos financeiros para a OF com a hipoteca, mas é uma situação que ainda não conseguimos resolver integralmente. Espero que o possamos fazer durante este mandato, porque queremos avançar com uma nova sede. Há muitos anos que este projeto se arrasta, e tinha até já sido encontrada, com o Dr. Aranda da Silva, uma boa solução, com a compra de 45
ENTREVISTA
um imóvel no Parque das Nações, mas a direção seguinte vendeu-o e comprou a Gago Coutinho, que não serve os interesses da OF. Agora, dada a conjuntura atual, temos primeiro de vender a Gago Coutinho, e depois, então, recomeçaremos tudo de novo. É mais um aspeto de uma sina que nos calhou ao longo do mandato: a de reiniciar muitas coisas, algumas até que já haviam estado bem encaminhadas no passado e que foram, entretanto, distorcidas. FP - O Colégio de Especialidade em Farmácia Comunitária inclui-se nesse lote? CMB - Sim, foi outro caso gerador de grande perturbação e que inclusive fraturou a profissão. Coube-nos unir, e para tal foi necessária, logo em 2009, uma atitude muito firme de suspensão de todo esse processo. Os quatro Colégios existentes sempre nos honraram e prestigiaram pelo rigor com que atribuíam os títulos de especialista, e o mesmo não se podia dizer da forma como estavam a ser feitas as coisas ao nível da Farmácia Comunitária, que foram precipitadas para que se criasse um facto consumado antes da nossa chegada. Quando começámos a trabalhar o tema, criou-se, porém, uma oportunidade de abordagem mais transversal, através do recurso a uma figura estatutária que nunca foi explorada: a atribuição de competências farmacêuticas. Estamos, por isso, a construir um edifício em que o acesso a uma especialidade só será possível depois da aquisição obrigatória de um determinado número de competências, ao mesmo tempo que estaremos a disponibilizar uma ferramenta aos nossos membros que lhes permita aumentar a sua competitividade no mercado de trabalho. E, de 46
modo paulatino, mas alicerçado, quem adquirir competências na área da Farmácia Comunitária poderá vir, mais tarde, a ter uma especialidade. FP - O relacionamento com as restantes instituições parceiras do setor, está sanado? CMB - Sim, mas exigiu muito trabalho. Aqui é importante que revivamos um pouco do passado para perceber que as relações da OF estavam muito más. Ao longo destes três anos, uma das minhas grandes preocupações foi que a OF reconquistasse o lugar que lhe cabe por direito e por dever e recuperasse o seu bom princípio de auscultação e de diálogo, que é essencial para que ela própria se faça depois ouvir. Orgulho-me muito de o ter conseguido e ao final apenas de um mandato, pois não foi essa a Ordem que encontrei em 2009.
«Precisamos mudar o paradigma de remuneração das farmácias, centrando-o no ato farmacêutico praticado e não no produto que transacionam» Claro que nem sempre a posição que assumi foi bem compreendida por alguns colegas, que pretenderiam que a OF tivesse um discurso mais sindical (e temos maus exemplos noutras Ordens) ou patronal. Mas a sua grande missão, e é esse o meu azimute, é a defesa dos superiores interesses dos cidadãos
e, no nosso caso, dos doentes. Naturalmente que representamos os farmacêuticos e, como tal, temos que prestigiar e dignificar sempre a profissão, e defender e elevar os seus valores, mas sempre que eu intervenho, procuro deixar bem claro que o que me move é a nobre missão da Ordem. FP - Reconhece, porém, que com a Ordem dos Médicos a relação não é das mais saudáveis? CMB - As Ordens na área da Saúde têm, quanto a mim, a obrigação especial de pensar em primeiro lugar nos cidadãos, designadamente os doentes. E aqui, por vezes, distanciamo-nos. Nos últimos três anos tive primeiro como colega bastonário o Dr. Pedro Nunes, com quem estabelecemos a melhor das relações e, entretanto, a direção e o bastonário mudaram, e sem querer fazer nenhum juízo de intenções, sinto que a OM atual nem sempre põe à frente os superiores interesses da população e do país, e houve situações em que, de facto, se apresentou como uma entidade conservadora do Status quo. Ora, para nós, isso não faz qualquer sentido, especialmente numa altura em que todos temos que recriar, renovadamente, o Sistema Nacional de Saúde. Isso foi visível, por exemplo, no tema da prescrição obrigatória por DCI. Tratámos o assunto sempre no plano técnico e científico, e defendemos que era algo importante também no plano económico e financeiro, quer para os portugueses quer para o Estado. Recusámos qualquer exploração sobre a matéria e quando a verdade científica era mal tratada, respondíamos através da sua reposição. Devo, de resto, salientar o apoio incansável do professor José Morais, e também relevar a
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enorme coragem política do ministro, que fez o que outros só anunciaram ou tentaram fazer durante vinte e tal anos. Essa batalha foi ganha, hoje a prescrição obrigatória por DCI é um facto, pelo que se ataca agora a liberdade de decisão do doente na escolha do medicamento, através de mecanismos mais ou menos dissimulados, o que é inaceitável e só podemos ver como uma incompreensível cedência do ministro a pressões ocultas que se sentiram derrotadas. O Despacho publicado a 10 de dezembro é uma boia atirada a um náufrago, mas se o ministro não o revogar, como esperamos que venha a acontecer, posso dizer que estaremos em condições para agir judicialmente procurando a sua anulação, porque, efetivamente, ele contraria a Portaria que lhe está subjacente e mesmo a própria Lei aprovada na Assembleia da República. FP - As Normas de Orientação Terapêutica (NOT) enformam outro episódio de celeuma. CMB - Sempre defendemos a criação de medidas que objetivassem a racionalização, a transparência e a congruência da prescrição e, por isso, sentimo-nos na obrigação de apresentar uma proposta concretizando esse princípio, para o que criámos um grupo de trabalho, liderado pela Prof.ª Margarida Caramona, ainda antes de a Troika vir a Portugal e fazer uma recomendação precisamente nesse sentido. Entretanto, o ministro entra em funções e convoca-nos para uma reunião, em junho de 2011, onde lhe entreguei um primeiro draft das NOT e, dois meses mais tarde, ele dá início ao projeto Normas de Orientação Clínica (NOC), ao nível
da Direção-Geral da Saúde (DGS). A OM, que sempre havia recusado a necessidade destas normas, pois, como afirmou o seu bastonário, bastava a boa prática médica, “mudou de ideias” e aceitou trabalhar o tema, mas acredito que uma das condições terá sido que o grupo de trabalho fosse restringido à DGS e à OM. Não vi problema nisso, o mais importante era que as normas fossem criadas e aplicadas. FP - E foram? CMB - Foram criadas, muitas, verdadeiros tratados de clínica, mas que em grande parte não chegam sequer à terapêutica, que é o que se pretende. São bons compêndios de estudo que permitirão a Portugal dizer, quando forem as avaliações da Troika, que fez o trabalho de casa. Não duvido que o objetivo do ministro fosse retirar das NOC todo o seu potencial, mas a própria máquina do Ministério muitas vezes impossibilita-o de concretizar as suas ideias. Aliás, quando criou este grupo na DGS, o ministro veiculou-lhe a nossa proposta de NOT, mas ela não foi, depois, tomada em consideração. Como somos pragmáticos e achamos que não basta às NOT existir, é preciso que sejam implementadas, continuámos o nosso trabalho e, em abril, apresentámo-lo publicamente, o que foi, novamente, muito mal entendido pela OM, e mesmo a DGS não olhou para a nossa iniciativa com a maior das simpatias. Mas, no geral, a recetividade foi excelente, mesmo na área médica, como o atestam as muitas cartas amáveis que recebi de pessoas de muita responsabilidade, muito prestigiadas e consagradas, e o trabalho foi consequente.
FP - Consequente, em que sentido? CMB - Muito recentemente dei o meu parecer sobre uma Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica que o ministro quer formar e que visa a realização de um formulário nacional de medicamentos, tanto para ambiente hospitalar como ambulatório, com NOT! Isto reconhece o nosso contributo, ao mesmo tempo que reconhece que as NOC feitas pela OM e a DGS não estão a ser usadas. Subscrevo integralmente a proposta porque ela é pragmática e estrutural: efetivamente, Portugal, ao nível do SNS, não pode ter todos os medicamentos à disposição dos prescritores, mas um conjunto selecionado por uma comissão nacional, paritária, que funcionará ao nível do INFARMED, e que será formada com igual número de médicos e farmacêuticos, num total de 24 elementos. Sinto que o ministro acolhe as nossas propostas, mas porque elas fazem sentido e são sérias. Não chegámos à OF com o objetivo de tentar que nada mude, e nisto sou muito claro: a OM, neste mandato, tem passado o tempo a defender o Status quo. É contra qualquer alteração e com isso perde algum do respeito que havia granjeado, porque não é sério reconhecer que a situação do país é muito má e muito difícil, que é necessário, de facto, fazer alguns ajustamentos, mas quando chega à altura: “Alto, not in my garden!”. FP - Considera, então, que os governantes entendem bem a missão da Ordem? CMB - O ministro Paulo Macedo, tal como antes a ministra Ana Jorge, sabe bem diferenciar a Ordem das associações setoriais. Sei, no que respeita ao ministro da Saúde, que age na convic47
ENTREVISTA
«Foram criadas muitas normas de orientação clínicas, verdadeiros tratados de clínica, mas que em grande parte não chegam sequer à terapêutica, que é o que se pretende. São bons compêndios de estudo que permitirão a Portugal dizer, quando forem as avaliações da Troika, que fez o trabalho de casa» 48
ção de que está a fazer o melhor para o país e que me reconhece essa mesma convicção, embora haja divergências de abordagem e mesmo na amplitude de visão: ele pensa na sustentabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde, e eu penso na sustentabilidade financeira de todo o Sistema Nacional de Saúde. Aliás, devo dizer, sem querer, de modo algum, colocar-me em “bicos de pés”, que até setembro passado, altura em que tivemos uma reunião com o ministro sobre a situação económica e financeira das farmácias, ele sempre negou que houvesse um problema no setor. Através de uma intervenção tranquila e serena, demonstrando que o nosso interesse é a defesa do acesso de qualidade dos cidadãos ao medicamento e às funções intangíveis, de caráter social, do farmacêutico, ele reconheceu que, de facto, existe uma crise no setor e percebeu que a Ordem não quer um modelo em que as farmácias se transformam em meros pontos logísticos, sem farmacêuticos. FP - E o Governo, quer? CMB - Hoje tenho a noção de que o ministro da Saúde não quer isso para o país e não quer ver destruída a nossa rede de assistência farmacêutica, mas agora é preciso traduzir essa vontade em atos. Quanto a nós, asseguro que este será um dos temas que irão nortear a atividade neste novo mandato. FP - E que medidas sugere a Ordem que sejam adotadas? CMB - Precisamos mudar o paradigma de remuneração das farmácias, centrando-o no ato farmacêutico praticado e não no
produto que transacionam. É a dimensão do ato que deve ser valorizada, em conformidade com a sua essência de unidade de saúde, a qual, por seu turno, deverá ser melhor aproveitada pelo Estado, através de uma maior integração na rede de cuidados, assente numa mais expressiva cooperação interprofissional. Integração é a palavra-chave! Por outro lado, o abaixamento do preço dos medicamentos é um fenómeno global e irreversível, mas é preciso travar a espiral deflacionista, acionando mecanismos estabilizadores, por exemplo, tornando obrigatória a condição de uma quota de mercado mínima para que um medicamento seja aceite no grupo dos cinco mais baratos. Vamos continuar a batalhar pela implementação de uma terceira lista de MNSRM, porque é uma questão de saúde pública importante, e outro aspeto muito relevante tem a ver com os medicamentos que até ao momento têm estado a ser dispensados nos hospitais sem que exista qualquer razão técnica para tal, e que podem vir para a farmácia, com claras vantagens de acessibilidade para os doentes. Outro assunto que trabalhámos no primeiro mandato, está muito avançado ao nível do medicamento, mas não chegou a ver a luz do dia por faltar ainda a parte analítica, é a lei do exercício profissional. No caso das farmácias, hoje a propriedade já não é um exclusivo da profissão, e o que se pretende é dotar os farmacêuticos, especialmente aqueles que são diretores técnicos, de meios que lhes garantam autonomia e independência das pressões do poder económico nas suas decisões de natureza técnica e científica. Continuamos também a postular a
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criação de uma carreira farmacêutica ao nível do SNS, que por várias vezes esteve perto de se concretizar, quer pelo Dr. Aranda da Silva quer por nós, em conjunto com a Dra. Ana Jorge. Em suma, há um conjunto de medidas pelas quais pugnaremos e de cuja implementação deverão resultar novas áreas de intervenção para os farmacêuticos. FP - …Tão mais necessárias numa altura em que o setor enfrenta uma inédita situação do desemprego. CMB - Sim, é uma novidade. Mas veja-se: fala-se muito da reforma da Saúde, mas há outras áreas, como o Ensino Superior, onde ela também é necessária. Em Portugal temos nove cursos de Ciências Farmacêuticas, cinco públicos e quatro privados, que formam, todos os anos, entre 800 a 900 farmacêuticos. Até há pouco tempo, a Farmácia Comunitária era, de longe, o grande empregador - dos 12 mil inscritos na OF, 8 mil são farmacêuticos comunitários. Tinha saúde económica e quando precisava de recursos humanos, optava por farmacêuticos. Com a crise que assola o setor, em especial nos dois últimos anos, as farmácias têm-se debatido com enormes dificuldades para conseguir manter as suas equipas, e obviamente têm sido incapazes de acolher os novos farmacêuticos, o que tem reflexos imediatos na empregabilidade. Hoje estamos a formar mestres que não têm lugar na profissão, facto com o qual, por ser uma novidade, não sabemos conviver, como o fazem outras áreas. Considerando esta situação, lançámos, no mandato anterior,
um programa de estágios na Indústria Farmacêutica, que tem corrido muito bem, e criámos o Observatório para a empregabilidade no setor farmacêutico, coordenado pelo Prof. Fernando Ramos, e que tem membros da OF das diferentes áreas profissionais e também da APJF e da APEF. O objetivo passa por se fazer uma caracterização permanente do perfil de empregabilidade do setor nas diferentes regiões do país, criando uma plataforma de contacto entre quem procura e quem disponibiliza trabalho nas nossas áreas de intervenção.
«Com a crise que assola o setor, em especial nos dois últimos anos, as farmácias têm-se debatido com enormes dificuldades para conseguir manter as suas equipas»
E depois, para além disto, adotámos outro tipo de medidas, como alguns benefícios para os novos membros que se inscrevem na OF, a possibilidade de suspensão da inscrição de todos os que perdem o seu trabalho, a redução das quotizações… Penso que a OF é talvez a única Ordem que
tem vindo a olhar para a realidade exterior e a retirar daí consequências. FP - Termina, em breve, o prazo para a apresentação da revisão dos estatutos das ordens profissionais. Que novidades se esperam ao nível da OF? CMB - Bom, as ordens passam a ter uma tutela que, no nosso caso, será o Ministério da Saúde, e há um certo grau de perda de independência. Por exemplo, alguns regulamentos internos, como a criação de especialidades, passam a ter de ser aprovados na tutela, e passamos a estar obrigados à prestação de contas e submissão do relatório de atividades à tutela, à Assembleia da República e ao Tribunal de Contas, mas não considero que sejam questões muito problemáticas. Claro que quisemos aproveitar o momento para rever os estatutos também nas partes em que achamos que devemos melhorar e que decorrem, essencialmente, da própria dinâmica da profissão. FP - Trabalha, neste mandato, com uma Direção Nacional renovada. CMB - Sim, e julgo que é uma equipa bastante forte, composta por pessoas com grande experiência e com provas dadas. Estou animado de muita energia por ter este grupo a trabalhar comigo, e tem mesmo de ser para conseguir acompanhar o seu ritmo. [Risos] Mas tenho uma vantagem que, naturalmente, não tinha antes, que é, desde logo, conhecer a “casa” muito bem, e isso permite-me trabalhar com outra qualidade e outro grau de eficiência. 49
política de saúde Unidade de saúde Familiar
Avaliação de desempenho estende-se a novas áreas A reestruturação da rede de cuidados primários avança, assim como se aperfeiçoa e alarga o edifício já montado, assente no que se revelou uma ferramenta de eficácia: a contratualização de serviços e metas, a par da introdução de graus de independência organizacional e técnica. Continuamos a analisar esta evolução, com especial enfoque nas que, em 2013, veem ampliado o seu leque de indicadores a novas patologias.
Parece complexo, mas, na verdade, a reforma em curso da rede prestadora de cuidados de saúde primários tem a simples missão de, com os mesmos ovos e usando uma receita diferente, obter uma muito melhor omeleta; ou, por outras palavras, reorganizando os recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis, alcançar ganhos de eficiência e uma maior proximida50
de ao cidadão que se traduzam na redução do intervalo entre o estado de saúde atual da população e aquele que é desejável. Toda a reengenharia de que o sistema foi alvo, e de onde sobressaem, pela originalidade conceptual, a criação dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) e as Unidades de Saúde Familiar (USF), resume-se a novos modos de tra-
balho e de relacionamento entre atores, que já existiam mas foram reorganizados. Os ACES, por exemplo, vieram substituir as sub-regiões de saúde, e as USF são uma espécie de upgrade dos velhinhos centros de saúde – os que ainda se mantêm nesse modelo são hoje chamados de Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP).
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A rede encontra-se assim estruturada: as Administrações Regionais de Saúde têm vários ACES na sua dependência e estes têm, por sua vez, tutela sobre um determinado conjunto de unidades funcionais, onde se incluem USF, UCSP, Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC), Unidades de Saúde Pública (USP) e Unidades de Recursos Assistenciais Partilhados (URAP). Porém, cada uma destas, assentando numa equipa multiprofissional, está dotada de autonomia organizativa e técnica, e passou a relacionar-se com as estruturas acima de si já não através da tradicional linha de comando e intendência vertical, mas com base na assunção de compromissos e responsabilidade pelo seu cumprimento, por intermédio de um mecanismo de contratualização de cuidados por objetivos. No caso das USF, o shift da mudança completa-se com a agregação de um sistema de incentivos que recompensa as melhores práticas e a observância das metas contratadas. Estes incentivos podem assumir um caráter institucional, sendo transversais a todas as USF, ou financeiro, específicos das que são modelo B e atribuídos aos profissionais que lá operam.
Os indicadores A definição de prioridades assistenciais para toda a rede assenta, naturalmente, no Plano Nacional de Saúde e nas necessidades particulares de cada região – apuradas, estas, por meio de informação demográfica e epidemiológica referente a cada ACES -, o que se traduz em três eixos: prioridades de âmbito nacional, de caráter re-
gional ou ainda local, cuja identidade e operacionalização se encontra vertida num conjunto de indicadores. São eles que servem de base à contratualização com as USF e que constituem, igualmente, uma métrica de avaliação do seu desempenho para acesso aos incentivos: definem a atividade (tipificada em quatro grandes categorias - acesso, desempenho assistencial, eficiência ou desempenho económico, e satisfação), ao mesmo tempo que fornecem parâmetros para a monitorização, acompanhamento, avaliação e comparação dos resultados alcançados.
No caso das USF, o shift da mudança completa-se com a agregação de um sistema de incentivos que recompensa as melhores práticas e a observância das metas contratadas
Desde que foi publicada a Portaria nº. 301/2008, que veio regular os critérios e condições para a atribuição de incentivos às USF, que a lista de indicadores usados na contratualização tem vindo a ser continuamente alvo de aperfeiçoamentos, em benefício de um cada vez maior rigor e transparência nas avaliações. No entanto, mantiveram-se, até 2012, as grandes áreas de in-
tervenção: saúde da mulher e planeamento familiar, saúde materna, saúde infantil e juvenil, hipertensão, diabetes e rastreio oncológico.
Alargamento a novas áreas Em face dos bons resultados alcançados, pretendeu-se, muito naturalmente, que as melhorias assistenciais fossem replicadas noutras áreas e patologias e, por esse motivo, no decurso do ano passado, passaram a considerar-se, a título experimental, também as doenças respiratórias e de saúde mental, as doenças cardiocerebrovasculares e metabólicas, doenças neoplásicas, bem como os hábitos tabágicos e o consumo alcoólico. A experiência neste período de arranque serviu para a criação de um histórico, em cima do qual se alicerçaram metas que incorporam, agora, novos indicadores para 2013. No total, as USF terão uma matriz de 22 indicadores para atribuição de incentivos institucionais, negociados a partir de uma base composta por 100 e de modo proporcional ao desenho da rede: 14 serão de âmbito nacional e partilhadas por todas as USF do país; quatro serão emanados da sua ARS e comuns às restantes USF na sua área de influência; e outros quatro derivam do seu ACES, sendo que, destes, dois são comuns a toda a zona por ele coberta e outros dois de âmbito estritamente local, específicos da realidade da própria USF. A estes, e no caso das USF modelo B, acrescem os indicadores de desempenho em atividades de vigilância de enfermeiros e assistentes técnicos, e as atividades específicas contratadas com os médicos. 51
consultoria fiscal
O OE 2013 e a farmácia Numa altura em que, para o Estado, cobrar depressa é quase tão importante como cobrar muito, não espanta que uma boa parte das medidas de caráter fiscal, trazidas pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro (OE 2013), se tenham centrado, preferencialmente, sobre o aumento, por efeito direto ou indireto, dos impostos que são arrecadáveis através de retenção na fonte.
A retenção na fonte No seu universo relacional - empregados, consultores, senhorio, credores e detentores do capital, se sociedade -, as farmácias, enquanto entidades devedoras de rendimentos sujeitos, por parte dos respetivos titulares, a IRS/IRC, estão obrigadas a reter e a entregar ao Estado uma parte do imposto que, em teoria, se devia aproximar do que o seu titular teria de pagar se submetesse a tributação apenas essa parcela do rendimento. Com a utilização do mecanismo de retenção na fonte e com a consequente aproximação do momento em que ocorre o facto gerador ao 52
momento da entrega efetiva do imposto, o Estado arrecada, por antecipação, o que só mais tarde arrecadaria, se tivesse de quantificar a dívida a partir dos valores declarados. Abastece, assim, de forma mais regular a sua Tesouraria.
Os rendimentos do trabalho dependente Taxas de retenção Por efeito acumulado: • Da alteração da estrutura das taxas do IRS (diminuição de oito para cinco escalões); • Do aumento das taxas correspondentes a cada um dos escalões;
• Da diminuição dos valores e dos limites das deduções à coleta (despesas de saúde, de educação, etc.); • E do aumento da taxa adicional (agora, de solidariedade); O valor do IRS que a Administração Fiscal e Aduaneira (AT) liquidará no próximo ano (2014), com base na declaração de rendimentos de 2013, será, em princípio, mais elevado do que o imposto que seria exigível se, a esses mesmos rendimentos, aplicasse as regras previstas para o ano anterior. É esse o motivo que justifica, e determina, o ajustamento que é feito, todos os anos, nas taxas e tabelas de retenção na fonte.
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As tabelas aplicáveis às remunerações de 2013 constituem anexos ao Despacho nº 796-B/2013, de 14 de janeiro, do ministro do Estado e das Finanças. Se medirmos o resultado desse ajustamento, por comparação entre as taxas de retenção aplicáveis aos rendimentos de 2012 e de 2013, tendo como referência um agregado familiar tipo (contribuinte casado com dois dependentes), poderá concluir-se que, para remunerações mensais entre mil e 4 mil euros, a taxa de retenção sofre um incremento médio de cerca de 3,5%.
Taxa adicional de solidariedade
as importâncias que terão de reter aos seus trabalhadores, em conjunto com o IRS. Cálculo da retenção da sobretaxa de IRS: O valor sobretaxa a reter pelas entidades devedoras dos rendimentos do trabalho deve corresponder a 3,5% sobre a parte do rendimento que, depois de deduzidas as retenções do IRS e as contribuições obrigatórias para a Segurança Social, exceda o valor da retribuição mínima garantida (atualmente, 485 euros).
Algumas das remunerações acessórias mais comuns
Sobretaxa em sede de IRS
Subsídio de Refeição. Até aqui, estava sujeita a IRS a parte dos subsídios de refeição que excedessem: • 20% do limite legal (5,12 euros/ dia) se pagos em dinheiro; • 60% do limite legal (6,83 euros/ dia) se pagos através de vales ou títulos de refeição. A partir de 2013, só o segundo desses limites (subsídios pagos através de vales e títulos de refeição) se mantém, alinhando-se o primeiro (pagos em dinheiro) ao limite legal (4,27 euros)ii.
A Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, criou, ainda, uma sobretaxa extraordinária de 3,5%i, incidente sobre o rendimento coletável de IRS apurado na liquidação final, acrescido de alguns rendimentos sujeitos a taxas especiais. No que respeita a esta sobretaxa, a responsabilidade das empresas, enquanto entidades devedoras de rendimentos do trabalho dependente, está limitada apenas ao conhecimento das respetivas regras de quantificação, para, conhecendo-as, poderem determinar, com exatidão,
Ajudas de custo. Embora se tenham mantido todos os limites até aos quais as importâncias recebidas a esse título não estão sujeitas a IRS (50,20 euros; 43,39 euros; e 39,83 euros, tendo em conta o respetivo nível salarial), o reconhecimento do direito de as receber passa pela verificação de um pressuposto importante: entre o domicílio necessário do trabalhador e o local de realização do trabalho terá de haver, no mínimo, 20Km, ou 50Km de distância se o trabalho se prolongar por dias sucessivos.
Esta taxa adicional (agora, dita de solidariedade), aplicável à parte do rendimento coletável que exceda 80 mil euros (antes, sobre o que excedia 153,300 euros), tem, agora, em vez de um, dois escalões: • 2,5%, sobre o excedente de 80 mil euros até 250 mil euros (170 mil euros); • 5%, sobre o excedente de 250 mil euros.
Subsídios de transporte. São também mantidos os limites até aqui em vigor para determinação da parte não tributada em IRS relativamente aos subsídios de transporte pagos por deslocação em transporte público ou em viatura própria. Neste último caso (situação mais comum), continua aplicável o limite de 0,36 euros/Km.
Segurança Social Membros dos Órgãos Estatutários. Os membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas, que exerçam funções de gerência ou de administração, veem agora ampliadas as suas garantias de proteção social, com a cobertura, até aqui inexistente, de situações de eventual desemprego. Esta proteção será feita nos termos do Decreto-Lei nº 12/2003, de 25 de janeiro, diploma publicado muito recentemente. Consequentemente, a taxa contributiva aplicável aos referidos membros passa dos atuais 29,6% para 34,75% (23,75% para a sociedade e 11% para as pessoas que estejam no exercício desses cargos). Empresários em nome individual. A proteção ao desemprego, referida na alínea anterior, é extensível, também, aos empresários em nome individual e aos titulares de estabelecimentos de responsabilidade limitada (EIRL), fixando-se, para ambos, a taxa contributiva de 34,5%.
Retenção na fonte sobre o trabalho independente Os honorários, avenças ou quaisquer outras remunerações pagas ou colocadas à disposição dos seus titulares, relativamente a atividades 53
consultoria fiscal
(prestações de serviços) exercidas sem qualquer subordinação hierárquica e funcional (rendimentos da categoria B), estão, a partir de 1 de janeiro deste ano e em quase todos os casos, sujeitas à taxa de retenção de 25% (em 2012, a taxa era, para esses mesmos rendimentos, de 21,5%). O aumento desta taxa de retenção, de 21,5% para 25%, é justificado pela necessidade de a ajustar ao efeito acumulado: • Do aumento das taxas gerais do imposto; • Da diminuição das deduções à coleta; • Da inexistência de retenção da sobretaxaiii. E também porque, para o regime simplificado (no qual se enquadra a maioria dos trabalhadores independentes), o coeficiente a aplicar ao rendimento bruto para a determinação do rendimento coletável desta categoria (rendimentos da categoria B), passou de 70% para 75%. Embora as empresas devedoras destes rendimentos sejam igualmente responsáveis por essa retenção, a utilização, por parte do seu titular, da “fatura-recibo eletrónico”, emitida através do Portal das Finanças, apresenta-se como
i
ii
v vi iii iv
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um elemento facilitador, na medida em que a entidade pagadora se limitará a confirmar a taxa que foi aplicada na fatura-recibo eletrónica.
Situações em que a retenção é dispensada Relativamente ao IRS: Os trabalhadores independentes que aufiram, ou prevejamiv auferir, rendimentos não superiores a 10 mil eurosv continuam a estar dispensados de retenção de IRS (artigo 9º do DecretoLei nº 42/91 de22 de janeiro). Relativamente à Sobretaxa: Contrariamente ao que acontece com os rendimentos do trabalho dependente (categoria A) e pensões (categoria H), os rendimentos do trabalho independente não estão sujeitos à retenção da sobretaxa.
Retenção na fonte sobre os rendimentosprediais (rendimentos da categoria F) Quando a atividade for exercida em espaço arrendado, a farmácia deve, no momento do pagamento da renda ou da sua colocação à disposição do senhorio, reter e entregar ao Estado 25% do valor dessa renda. A taxa em vigor em 2012 era
de 16,5%. Como para esta categoria de rendimentos a taxa de retenção do IRC (aplicável quando o senhorio seja pessoa coletiva) já tinha, em outubro passado, sido alterada para 25%, o aumento agora introduzido na taxa do IRS, através da Lei do OE 2013, levou à unificação das taxas.
Retenção na fonte sobre os rendimentos de aplicação de capitais As taxas liberatórias sobre os rendimentos de capitais (por exemplo, juros de depósitos à ordem ou a prazo) passaram, quase todas, de 21,5% para 28%. As Farmácias que sejam propriedade de pessoas coletivas sujeitas a IRC, devem passar a aplicar a taxa liberatória de 28% (antes 26,5%) aos seguintes rendimentos: • Juros ou outras formas de remuneração dos suprimentos; • Lucros distribuídos ou adiantamentos por conta de lucrosvi; • Lucros atribuídos e não levantados. J. A. Campos Cruz (Consultor ANF)
Artigo 187º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro. Como não foi incorporada no Código do IRS, a sobretaxa vigorará apenas em 2013. Prolongar a vigência da sobretaxa passa por voltar a incluir preceito idêntico no próximo OE. A ANF disponibiliza aos seus associados a possibilidade de adesão, feita em condições vantajosas, a um protocolo para a aquisição de títulos de refeição (ofício-circular nº 1796/2012). Para os rendimentos do trabalho independente não há retenção na fonte. No ano do início de atividade, com base na estimativa feita na declaração de registo de início de atividade. Limite para a aplicação do regime especial de isenção – artigo 53º, CIVA. Os lucros distribuídos a pessoas singulares podem ser englobados por opção do beneficiário. Nesse caso, englobarão apenas 50% do rendimento distribuído (artigo 40º-A, CIRS)
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Compensação em caso de cessação de contrato de trabalho
O Código do Trabalho foi alterado pela Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, tendo uma das alterações introduzidas incidido sobre o montante da compensação devida ao trabalhador em caso de cessação do contrato de trabalho. Assim, no caso de cessação de contrato de trabalho, o montante da compensação variará, desde logo, consoante o contrato de trabalho 1
tenha sido celebrado até 31 de outubro de 2011 (inclusive) ou após esta data1.
Contratos celebrados até 31 de outubro de 2011 (inclusive) O montante da compensação devida ao trabalhador corresponderá, em regra, à soma da compensação ob-
tida pelas duas seguintes parcelas: a) Em relação ao período de duração do contrato até 31 de outubro de 2012, o trabalhador terá direito a uma compensação correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades (“RBD”) por cada ano completo de antiguidade; b) Em relação ao período de duração do contrato após 31 de outu-
A compensação aqui prevista é aplicável nos seguintes casos: a) cessação de contrato de trabalho em regime de comissão de serviço (quer por resolução do trabalhador quer por iniciativa do empregador, quando o trabalhador tenha sido admitido para trabalhar em comissão de serviço); b) resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, no caso de transferência definitiva de local de trabalho, com prejuízo sério para o trabalhador; c) caducidade do contrato de trabalho por morte do empregador, extinção de pessoa coletiva ou encerramento da empresa; d) cessação do contrato de trabalho por iniciativa do administrador da insolvência; e) despedimento coletivo; f) despedimento por extinção do posto de trabalho; g) despedimento por inadaptação. 55
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bro de 2012, e até à data da cessação do contrato de trabalho, o trabalhador terá direito a uma compensação correspondente a 20 dias de retribuição base e diuturnidades2(“RBD”) por cada ano completo de antiguidade (sendo a fração de ano calculada
proporcionalmente), não podendo, no entanto, a retribuição base e diuturnidades a considerar para este cálculo ser superior a 20 vezes o salário mínimo nacional (“SMN”)3. Porém: I. O montante total da compensa-
ção obtida da soma das parcelas a) e b) não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades. II. Se o montante obtido pelo cálculo referido em a) for igual ou superior a 12 vezes a “RBD” do trabalhador ou a 240 vezes
Exemplos de cálculo de compensação: Dados
Cálculo Compensação a)
Cálculo Compensação b)
Montante Total da Compensação
Exemplo 1 Data admissão: 31.10.2005
Período entre 31.10.2005 e 31.10.2012 = 7 anos
Período entre 01.11.2012 e 30.04.2013 = 6 meses
Data cessação: 30.04.2013
• 7 anos x 1.500 euros = 10.500 euros
• RBD = 1.500 euros/30x20 = 1.000 euros
11.000 euros
Ÿ 1.000 euros: 12 x 6 meses = 500 euros
RBD = 1.500 euros
Exemplo 2 Data admissão: 31.10.1997
Período entre 31.10.1997 e 31.10.2012 = 15 anos
Período entre 01.11.2012 e 30.04.2013 = 6 meses
Data cessação: 30.04.2013
• 15 anos x 1.500 euros = 22.500 euros
• RBD = 1.500 euros/30x20 = 1.000 euros
22.500 euros (Por força da regra descrita em (II)
• 1.000 euros: 12 x 6 meses = 500 euros
RBD = 1.500 euros
Exemplo 3 Data admissão: 31.10.2010
Período entre 31.10.2010 e 31.10.2012 = 2 anos
Período entre 01.11.2012 e 30.04.2013 = 6 meses
Data cessação: 30.04.2013
• 2 anos x 1.500 euros = 3.000 euros
• RBD = 1.500 euros/30x20 = 1.000 euros
RBD = 1.500 euros
2 3
4.500 euros (Por força da regra descrita em (I)
• 1.000 euros: 12 x 6 meses = 500 euros
O valor diário da “RBD” é o resultante da divisão por 30 da “RBD”. Estando atualmente o SMN em 485 euros, a retribuição base e diuturnidades a considerar não pode ser superior a 9.700 euros.
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FARMÁCIA PORTUGUESA • 201 • jan/fev/mar‘13
o “SMN”, o trabalhador já não tem direito à compensação resultante do cálculo da alínea b). III. Se o montante obtido pelo cálculo referido em a) for inferior a 12 vezes a “RBD” do trabalhador ou a 240 vezes o “SMN”, o montante total da compensação não poderá ser superior a estes valores.
Contratos celebrados a partir de 1 de novembro de 2011 (inclusive) O trabalhador terá, em regra, direito a uma compensação correspondente a 20 dias de retribuição base e diuturnidades (“RBD”) por cada ano completo de antiguidade. Porém, a) O montante da “RBD” a considerar para efeitos de cálculo não pode ser superior a 20 vezes o SMN. b) O montante total da compensação não pode ser superior a 12 vezes a “RBD” ou, quando se aplique o limite referido na alínea a) anterior, não pode ser superior a 240 vezes o SMN. c) Em caso de fração de ano, o montante da compensação é calculado proporcionalmente.
Compensação devida no caso de caducidade de contrato de trabalho a termo (incluindo o que seja objeto de renovação extraordinária) e no caso de contrato de trabalho temporário Também nos casos acima identificados o montante da compensação variará consoante este tenha sido
celebrado até 31 de outubro de 2011 (inclusive) ou após esta data.
Contratos celebrados até 31 de outubro de 2011 (inclusive) a) Em relação ao período de duração do contrato até 31 de outubro de 2012 ou até à data da renovação extraordinária, caso seja anterior a 31 de outubro de 2012, o montante da compensação corresponde a três ou dois dias de retribuição base e diuturnidades (“RBD”) por cada mês de duração, consoante a duração total do contrato não exceda ou seja superior a seis meses, respetivamente. b) Em relação ao período de duração a partir da data referida na alínea anterior e até à data da cessação do contrato de trabalho, o trabalhador terá direito a uma compensação correspondente a 20 dias de retribuição base e diuturnidades (“RBD”) por cada ano completo de antiguidade (sendo a fração de ano calculada proporcionalmente), não podendo, no entanto, a retribuição base e diuturnidades a considerar para este cálculo ser superior a 20 vezes o salário mínimo nacional (“SMN”).
Porém: a) O montante da “RBD” a considerar para efeitos de cálculo não pode ser superior a 20 vezes o SMN. b) O montante total da compensação não pode ser superior a 12 vezes a “RBD” ou, quando se aplique o limite referido na alínea a) anterior, não pode ser superior a 240 vezes o SMN. c) Em caso de fração de ano, o montante da compensação é calculado proporcionalmente.
Contratos celebrados a partir de 1 de novembro de 2011 (inclusive) O trabalhador terá, em regra, direito a uma compensação correspondente a 20 dias de retribuição base e diuturnidades (“RBD”) por cada ano completo de antiguidade.
Elaborado por: Eduardo Nogueira Pinto e Eliana Bernardo, advogados PLMJ – Sociedade de Advogados 57
DESTA VARANDA
Acreditar no Futuro A minha colaboração com a Revista Farmácia Portuguesa, através da rúbrica Desta Varanda, chega agora ao fim. A colaboração permitiu ao Presidente da ANF dirigir-se aos leitores da Revista sobre os grandes problemas do setor de farmácias em cada momento, sem as limitações naturais da abordagem institucional desses problemas. Com a cessação daquelas funções, faz todo o sentido que termine a colaboração com a Revista. As próximas eleições para os órgãos sociais da ANF marcam, indiscutivelmente, o início de uma nova fase da vida associativa. A transição geracional que oportunamente anunciámos aos associados será definitivamente consolidada nessas eleições. Acredito profundamente no futuro das nossas farmácias e olho com muita admiração aqueles que se disponibilizaram para assumir doravante os destinos da associação. Fazem-me recordar o grupo de jovens farmacêuticos que nos anos 70 constituíram a Associação Nacional das Farmácias e assumiram os seus destinos. Foi um percurso de várias décadas, cujo balanço será feito mais tarde, quando a distância dos acontecimentos permitir uma visão objetiva desse período da vida das farmácias. Por agora, apenas farei uma breve referência a esse passado para lembrar algumas marcas que, a meu ver, o caraterizaram. Em primeiro lugar, o espírito associativo do setor. As farmácias têm um grande sentido do seu interesse coletivo. Sem esse espírito associativo, não teria sido possível percorrer o caminho de modernização e afirmação social das farmácias das últimas décadas. Em segundo lugar, a nossa estrutura associativa. É altura própria de enaltecer as virtualidades dessa estrutura, assente no princípio da proximidade e envolvendo centenas de associados no exercício de funções associativas. É uma estrutura muito descentralizada da qual me permito destacar o papel histórico que os Delegados de Círculo e de Zona, bem como as Delegações do Norte e de Centro, têm desempenhado desde a criação da ANF. Em terceiro lugar, a nossa hierarquia de valores. As farmácias compreenderam e assumiram desde muito cedo que, antes dos seus interesses particulares, o seu futuro exigia que estivessem sempre ao lado dos doentes e das suas necessidades. Em quarto lugar, a nossa independência. A ANF nunca se deixou partidarizar. As nossas soluções foram sempre estudadas, coerentes, fundamentadas e defendidas com a mesma determinação fosse qual fosse o partido político no poder. 58
João Cordeiro
Trabalhámos todos os dias, todos os anos, para que as farmácias e os seus proprietários tivessem uma vida melhor. Foi uma honra ter sido eleito sucessivamente para presidir aos destinos da nossa Associação. Tive sempre o apoio e as condições de que precisava. Agradeço a colaboração que todas as equipas dirigentes me deram ao longo destes anos. Agradeço também a todos os colaboradores da ANF a dedicação e a qualidade do seu trabalho. Acredito que as farmácias vão dar as mesmas condições à nova geração de dirigentes associativos. Merecem-no! Têm visão de futuro e são muito dedicados ao interesse coletivo. Para eles, deixo aqui o testemunho do meu apreço e os votos das maiores felicidades. As reuniões descentralizadas com os associados, que decorreram no passado mês de fevereiro, constituíram para mim um forte sinal de esperança porque as farmácias continuam unidas e mobilizadas em torno de um ideal comum. Guardo dessas reuniões, que marcaram o termo do exercício das minhas funções diretivas, uma grata recordação pelas palavras amigas, por vezes até emocionadas, com que me distinguiram. Obrigado a todos.
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