Farmácia Portuguesa 204

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P U B L I C A Ç Ã O t r i m e s t r al • 2 0 4 • O U T / N O V / D E Z ‘ 1 3

FARMÁCIA PORTUGUESA

O novo contrato social para a Farmácia

Entrevista

congresso ANF

conversa com

Rosário Zincke: “Água mole em pedra dura…”

expofarma: Edição de 2013 foi um sucesso

João Semedo: No reino da paz podre



FARMÁCIA PORTUGUESA • 204 • OUT/NOV/DEZ‘13

ÍNDICE

04

16

05

editorial

06

noticiário

10

62

última Hora

Conversa com

anf

11.º Congresso Nacional das Farmácias

Prémio João Cordeiro: Inovação em Farmácia

O novo contrato social para a Farmácia

12

68

CONSULTORIA JURÍDICA

Acórdão do Tribunal Constitucional e as Farmácias de Oficina

56

CONSULTORIA de gestão

Utilizar ferramentas de análise da performance da Farmácia

entrevista

Rosário Zincke: “Água mole em pedra dura…”

15

João Semedo: No reino da paz podre

71 72

58

Flashes

CONSULTORIA FISCAL As devoluções

74

homenagem

entre nós

Maria Irene Noronha da Silveira

em foco

Patologias de Inverno

3


última hora

ANF lança novo software de apoio à gestão em 2014 Uma das necessidades identificadas pelas farmácias passa pelo incremento de ferramentas auxiliares à gestão do negócio, algo que assume particular relevância no momento atual. A ANF está, por isso, a promover o desenvolvimento de um software de apoio à decisão, que facultará indicadores de gestão às farmácias, devendo chegar ao setor no final do primeiro semestre de 2014. Desde há muitos anos que as farmácias dispõem de software de apoio às suas operações, designadamente às compras, às vendas, à faturação, aos stocks, etc., como acontece com o Sifarma. Porém, não dispunham ainda de uma ferramenta que, integrada com esse software lhes permitisse fazer uma análise cuidada do seu negócio e, através dela, tomar decisões mais sustentadas. Espera-se agora que esta situação possa vir a mudar já no final do primeiro semestre do próximo ano, quando for lançado o novo sistema de gestão de indicadores, promovido pela ANF. Este encontra-se em fase avançada de desenvolvimento e, conforme comenta Miguel Lança, chief information officer da ANF, «permitirá às farmácias monitorizar, através de um conjunto de indicadores, de que forma se está a desenrolar o negócio» e deixa espaço para «a tomada de decisão estratégica assente em evidência». A nova ferramenta recebe como input os dados operacionais existentes nos sistemas locais (Sifarma) e, com base em cálculos e cruzamentos automáticos, gera indicadores de análise, como a margem bruta em percentagem e valor, os cash-flows, o break even point mensal, etc., possibilitando, ainda, outras leituras mais “finas”, como a rentabilidade por colaborador, por posto de trabalho, por produto, por laboratório, etc. De referir que o processo de disponibilização de indicadores garante «a confidencialidade dos dados». «Os sistemas de suporte à decisão já têm alguns anos, mas são, apesar de tudo, razoavelmente recentes quando comparados com os sistemas de suporte à operação. Porém,

Propriedade

Diretora \ Dr.ª Maria da Luz Sequeira

Coordenadora Redatorial Dr.ª Rosário Lourenço Email: rosario.lourenco@anf.pt

Assinaturas

Consultora Comercial Sónia Coutinho soniacoutinho@newsengage.pt Tel.: 961 504 580

1 Ano (4 edições) - 50,00 euros Estudantes de Farmácia - 27,50 euros

ProDUÇÃO

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conselho editorial \ Dr. Nuno Vasco Lopes Dr.ª Filipa Duarte-Ramos \ Dr. Duarte Santos Coordenadora do Projeto Dr.ª Maria João Toscano

dado o momento que o setor atravessa, com todas as contingências económicas e financeiras que as farmácias enfrentam, justifica-se a aposta da ANF», porque trará robustez à gestão da atividade das farmácias, salienta Miguel Lança. O chief information officer da ANF destaca ainda as características user friendly do sistema. «Estamos em crer que, para trabalhar com a ferramenta que iremos disponibilizar, a formação necessária será mínima. Ou seja, em poucas horas a farmácia ficará apta para poder interagir com a mesma. O que não significa, no entanto, que fique automaticamente apetrechada para poder interpretar os indicadores que serão disponibilizados. Aí, a formação em Gestão é, objetivamente importante para tirar o maior partido possível deste software».

Periodicidade: Trimestral Tiragem: 3 000 exemplares

Distribuição gratuita aos associados da ANF Edifício Lisboa Oriente Av. Infante D. Henrique, 333 H, 37 1800-282 Lisboa Tel.: 218 504 060 - Fax: 210 435 935

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Depósito Legal n.º 3278/83 Isento de registo na ERC ao abrigo do artigo 9.º da Lei de Imprensa n.º 2/99, de 13 de Janeiro Distribuição

FARMÁCIA PORTUGUESA é uma publicação da Associação Nacional das Farmácias Rua Marechal Saldanha, 1, 1249-069 Lisboa

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EDITORIAL

2013-2014: há anos mais iguais que outros? Nós, que dedicamos a nossa vida profissional à Saúde, vimos aumentar o nosso pessimismo e a nossa frustração a cada dia que passou do ano que agora finda. E para o que agora chega não se perspetivam horizontes mais idílicos. O nosso setor, resistindo até ao limite, como nós tão bem sabemos, procura a todo o custo não soçobrar. Será, aliás, a capacidade de resistência das farmácias a nota mais positiva a registar num 2013 terrível para a Farmácia. Apesar de todos os alertas e de todos os sinais, pouco ou nada foi feito pelo poder político de modo a travar, ou mesmo atenuar, as dificuldades económicas e financeiras do setor, pelo que convivemos hoje com um grave problema de acesso ao medicamento, com sérias repercussões para os doentes. Todos o reconhecem, a começar pela tutela, que perante as flagrantes evidências deixou de poder negar a crise que ajudou a instalar e passou o ano a dizer que, de facto, algo teria de ser feito pelas farmácias, pois que, de facto, tinham atingido o patamar mais baixo possível e que, de facto, não tinham mais capacidade económica para se manter no atual quadro. Porém, de facto, pouco ou nada fez! Recentemente assistimos ao anúncio de uma alteração nas margens de comercialização dos medicamentos, mas restam dúvidas quanto à sua positividade para o setor, assim como vimos comunicado que a dispensa de medicamentos genéricos poderá ser objeto de remuneração adicional às farmácias, eventualidade que, para já, não passa disso mesmo. Ou seja: pouco ou quase nada foi feito.

O nosso sentido de resistência e de sobrevivência levou-nos a uma reinvenção de nós próprios. Fiéis ao nosso espírito de sempre, temos proposto múltiplos caminhos alternativos e sinérgicos, geradores de mecanismos de sustentabilidade para as farmácias e de poupança e eficiência de recursos para o Estado. Mas nenhum foi até agora, consequente junto da tutela. E isso é igualmente um facto. À data de fecho desta edição, do Orçamento Geral do Estado para 2014 conhecem-se apenas propostas. O que se sabe de concreto é que a tendência de austeridade será mantida e até, em alguns casos, agravada. O ano de 2013, foi de profunda mudança também na ANF, com a saída do seu líder histórico, João Cordeiro, e a posterior eleição da atual equipa diretiva, dirigida por Paulo Duarte. Embora seja ainda cedo para fazer balanços, constatamos que a nova equipa procura atualizar conceitos e encontrar e demarcar o seu próprio percurso, como se pode avaliar, por exemplo, através do sucesso que foi o 11.º Congresso Nacional das Farmácias, onde, talvez pela primeira vez, foi possível assistir à concordância generalizada de todos os parceiros do setor, inclusive o político, quanto à mais-valia do alargamento do contributo das farmácias no sistema de saúde. Desejo, à nova Direção, sucesso e sorte no novo ano, deles dependerá em grande parte o sucesso e a sorte das farmácias. Desejo a todas as Farmácias Portuguesas, e às suas equipas, muito Boas Festas. E que 2014 nos traga, pelo menos, alguma esperança!

Maria da Luz Sequeira 5


noticiário Lançamento do Capítulo Português do ISPOR em dublin

Avaliação Económica do Medicamento e Outcomes Research Durante a Conferência Europeia da International Society for Pharmacoeconomics & Outcomes Research (ISPOR), que decorreu em novembro em Dublin, teve lugar a sessão de lançamento do Capítulo Português do ISPOR. Perante uma plateia de portugueses que exercem a sua atividade na área da Avaliação Económica do Medicamento, quer na indústria farmacêutica quer em entidades reguladoras, bem como em agências de avaliação de tecnologias de saúde e em centros de investigação, Carlos Gouveia Pinto, professor no CISEP/ ISEG, disse que o Capítulo Português do ISPOR «nasce da ideia de reunir o conhecimento do que é feito por portugueses no domínio da Avaliação Económica do Medicamento e Outcomes Research e de congregar a academia, centros de investigação, consultoras, indústria e reguladores sob um mesmo Fórum, fiel ao espírito do ISPOR e sob a sua chancela». De notar que, para além de Gouveia Pinto, que a preside, integram ainda a atual Direção do Capítulo Português do ISPOR Luís Silva Miguel do CISEP/ISEG, Céu Mateus da Escola Nacional de Saúde Pública e Mónica Inês dos Laboratórios Pfizer Portugal. Presente na ocasião, Hélder Mota Filipe, vice-presidente do Infarmed, sublinhou a disponibilidade da entidade para colaborar com o Fórum, cuja criação saudou. Pretende-se que este, à semelhança dos seus congéneres regionais, venha a discutir matérias, em contexto multidisciplinar, num plano científico de apoio

à tomada de decisão no país nos domínios da Avaliação Económica do Medicamento e Outcomes Research, sendo igualmente seu objetivo trazer a Portugal, num futuro próximo, a Conferência Europeia do ISPOR. Participante habitual na Conferência Anual do ISPOR, o CEFAR, através de Suzete Costa e Inês Teixeira, também compareceu no lançamento do Capítulo Português, a convite da sua Direção. No âmbito das comemorações dos 20 anos do CEFAR, em 2014, teremos oportunidade de revisitar este tema na Revista e abordar os highlights da Conferência Europeia do ISPOR.

Revista Farmácias Portuguesas Outono/Inverno 2013/14 A 12.ª Revista Farmácias Portuguesas, na sua edição Outono/Inverno 2013/14, já disponível nas Farmácias Portuguesas, aborda como tema de capa a Higiene Oral, especialmente dedicada a manter a saúde oral dos pequenotes sempre impecável. Adicionalmente, inclui uma entrevista ao Prof. Doutor Agostinho Marques (Pneumologista, Diretor do Serviço de Pneumologia do Hospital de São João, no Porto), onde são focadas as principais 6

questões sobre a gripe - riscos, sintomas e prevenção. Também são expostas as vantagens da administração da vacina nas Farmácias Portuguesas aderentes à campanha, onde se alia o conforto à segurança. Esta 2ª edição de 2013 inclui mais de 580 opções de Serviços e Produtos de Saúde e Bem-Estar, que estarão disponíveis para rebate até 31 de março de 2014, de marcas com reconhecimento, implantação e da preferência do mercado.

OUTONO/INVERNO 2013/14 N.º 12

Higiene oral

BONS HÁBITOS PARA UM SORRISO SAUDÁVEL DESDE CRIANÇA mais de

580

produtos e serviços para si

VACINAÇÃO A PREVENÇÃO É NUCLEAR DESCONGESTÃO NASAL NARIZINHO DESENTUPIDO


FARMÁCIA PORTUGUESA • 204 • OUT/NOV/DEZ‘13

Artigo publicado no Diário de Coimbra, 3 de Outubro de 2013

Deixem-nos Trabalhar Senhor Diretor, Ao longo da minha vida profissional tenho-me dedicado à Farmácia Comunitária. Aprendi que em saúde, como em qualquer área de atividade, em equipa valemos mais e conseguimos melhores resultados – no nosso caso, mais e melhor saúde para os utentes. Não existe nenhuma guerra aberta entre os vários profissionais de saúde. Na verdade, passam os seus dias a cuidar empenhadamente da saúde dos nossos cidadãos, em articulação, cada um com as suas competências e com o seu contributo próprio; trabalham em conjunto para os melhores resultados em saúde. Porém, o Sr. Bastonário da Ordem dos Médicos parece apostar definitivamente numa linha belicista, de apelo constante ao conflito – como pude presenciar num curso de pós-graduação em que participei. No último painel do curso – Envelhecimento Ativo, mais vida por menos custo, o moderador foi precisamente o Sr. Bastonário da Ordem dos Médicos. Iniciou o tema apelando eloquentemente aos colegas para estarem atentos, porque as farmácias andavam a trocar os medicamentos das receitas por outros mais caros e a enganar os utentes. Pediu-lhes para recolherem o máximo de dados sobre todas as trocas de medicamentos, para ele poder promover posteriores publicações… Não pude deixar de intervir, enquanto farmacêutica, assim pedi a palavra: “Agradeço ao Prof. Veríssimo o excelente conteúdo do curso, que aliás já frequento há 3 anos, com aplicação prática de alguns conhecimentos na minha farmácia. Gostava de reforçar as palavras do último orador, Dr. Ermida, quanto ao papel das equipas de saúde e aos bons exemplos alcançados nos EUA, onde há muitos registos de ganhos em saúde. Conheço bem a realidade desses colegas e era bom que também nós conseguíssemos trabalhar em equipas multidisciplinares. Mas, estou muito triste, pelas palavras do Sr. Bastonário da Ordem dos Médicos, Prof. José Manuel Silva, porque nós não fazemos substituições nas nossas farmácias, nem enganamos os doentes. Gostava de esclarecer que andamos todos um pouco perdidos: os sistemas informáticos – com diferentes programas nos hospitais, centros de saúde e farmácias – dificultam a atuação dos vários profissionais, podendo inclusivamente despoletar a ocorrência de erros. Assim, passo a explicar: os médicos, só têm que prescrever por CNPEM, ou seja, Código Nacional para a Prescrição Eletrónica de Medicamentos. Todos os medicamentos têm um CNPEM próprio. Quando o utente chega à farmácia, este código permite visualizar todas as opções de que dispõe, para o próprio poder decidir.

No nosso caso, todos os utentes têm registo dos medicamentos que tomam e as substituições resultam das alterações de prescrição que os médicos fazem; estes referem que, muitas vezes, prescrevem o que por defeito surge no início da lista – nem sempre sendo fácil de selecionar. Esclareço, também, que acabei de consultar 6 fornecedores e nenhum tem o medicamento Atorvastatina 40 mg Azevedos, que o Sr. Professor se dignou a publicar na página comprada do Correio da Manhã, o que prova que ninguém o podia vender. Já agora, esclareça-me o que pode a farmácia fazer quando os seus colegas prescrevem: - Montelucaste Tetrafarma (medicamento suspenso), não havendo outro mais barato… - Ácido Alendrónico Arrowblue (laboratório que encerrou)… - E por fim: ninguém, a não ser por erro, ou por não dominar o programa informático, prescreveria agulhas para canetas de insulina invocando a “Exceção B: reação adversa” – recebi esta receita há dois dias na minha farmácia. Parece que o problema é transversal a todos os profissionais. Infelizmente, também há falta de humanismo em alguns profissionais de saúde, que nunca deviam ter ingressado na profissão de médico, enfermeiro ou farmacêutico, entre outras. Contudo, existem muitos que são bons profissionais e eu só peço: deixem-nos trabalhar como equipa. Na minha farmácia temos seguimento farmacoterapêutico e fazemos reconciliação da terapêutica dos utentes, pedindo colaboração do Centro de Saúde de S. Julião, Buarco e Hospital da Figueira da Foz. Estão nesta sala muitos médicos com quem colaboro, aos quais pode perguntar se alguma vez os enganei. Está na hora de darmos as mãos e trabalharmos em equipa, para bem do utente. Por favor, Sr. Professor, peço mais uma vez: DEIXEM-NOS TRABALHAR… Após a minha intervenção seguiram-se aplausos dos participantes. Tenho, pois esperança no futuro das equipas de Saúde… Não posso, porém, deixar de fazer nota do facto do Sr. Bastonário da Ordem dos Médicos – depois das graves acusações sobre todos os farmacêuticos e na sequência dos apelos ao conflito e à discórdia que lançou a esta plateia – perante as questões objetivas que lhe coloquei, se ter refugiado no muito tempo que alegadamente lhe tomaria a resposta para nada me esclarecer. Anabela Mascarenhas, Diretora Técnica da Farmácia Saúde – Figueira da Foz 7


NOTICIÁRIO Prémio AMBIENTE 2013

VALORMED distingue 57 farmácias A VALORMED premiou as farmácias que mais se destacaram na recolha de embalagens vazias e medicamentos fora de uso, durante o ano de 2012. A cerimónia de entrega dos prémios decorreu no dia 17 de outubro, na Estufa Fria, em Lisboa. As farmácias premiadas foram selecionadas em todos os distritos do continente e das regiões autónomas, levando em consideração a conjugação de

diversos fatores, nomeadamente o esforço, a dedicação, o empenho e o envolvimento ao longo de 2012 neste projeto em defesa do ambiente e da saúde dos portugueses. Este é o reconhecimento, pela VALORMED, da ação das farmácias para estimular os cidadãos a depositar nos pontos de recolha as embalagens vazias e os medicamentos fora de uso.

Aveiro

Beja

Farmácia Simões Roque, Barrô

Farmácia Fonseca, Beja

Farmácia Verdemilho, Aradas

Farmácia Fialho, Ferreira do Alentejo

Farmácia Paiva, Espinho

Farmácia Fonseca, Beja

Braga

Bragança

Farmácia de Joane, Joane

Farmácia Atlântico, Campo Redondo

Farmácia Carmo, São Pedro Merelim

Farmácia Bragança, Mirandela

Castelo Branco

Coimbra

Farmácia Silva Domingos, Vila de Rei

Farmácia Santo André, Vila Nova de Poiares

Farmácia Diamantino, Fundão

Farmácia Fonseca, Lousã

Farmácia Mousaco Torrão, Ferro

Farmácia Galvão, Arganil Farmácia Borges, Semide

Évora

Faro

Farmácia Paços, Évora

Farmácia Amparo, Portimão

Farmácia Nova, Vendas Novas

Farmácia Ilda, Mexilhoeira Grande

Guarda

Leiria

Farmácia Patrício, Gouveia

Farmácia Lis, Marrazes

Farmácia Central, Sabugal

Farmácia Magalhães, Alcobaça

Farmácia Albuquerque, Moimenta da Serra

Farmácia Confiança, Atouguia da Baleia Lisboa

Farmácia Veritas, Paço de Arcos

Farmácia Central, Bobadela

Farmácia Sacoor, Nova Oeiras

Farmácia Central de Carnaxide Lda., Carnaxide

Farmácia Paula de Campos, Portela

Farmácia do Fórum Sintra, Alto do Forte

Farmácia Uruguai, Lisboa

Farmácia Nova Odivelas, Odivelas

Farmácia Rodrigues Garcia, Agualva

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Portalegre

Farmácia Alcoitão, Alcoitão

Farmácia Elvas, Portalegre

Farmácia Pinto Leal, Massamá

Farmácia Freixedas, Castelo de Vide


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Porto

Região Autónoma dos Açores

Farmácia Nova de Valbom, Pinheiro d'Aquem

Farmácia Santa Casa da Misericórdia da Maia, Maia

Farmácia Ferreira da Silva, Senhora da Hora

Farmácia da Misericórdia, Angra do Heroísmo

Farmácia de Gondarém, Porto Região Autónoma da Madeira

Santarém

Farmácia do Caniço, Caniço

Farmácia Carlos Pereira Lucas, Entroncamento

Farmácia Cristo Rei, Caniço

Farmácia Pereira Martins, Lapas

Setúbal

Viana do Castelo

Farmácia Parreira, Lavradio

Farmácia do Jardim, Valença

Farmácia do Fogueteiro, Amora

Farmácia Afifense, Afife

Farmácia Cerqueira, Cova da Piedade Vila Real

Viseu

Farmácia Borges de Figueiredo, Ribeira de Pena

Farmácia Viso, Viso Sul

Farmácia Mesquita, Vila Real

Farmácia da Lajeosa, Lajeosa do Dão

Propostas para a Saúde no guião para a reforma do Estado A proposta de guião com orientações para a reforma do Estado, aprovada no Conselho de Ministros de 30 de outubro e apresentada no mesmo dia pelo Governo, dedica atenção particular à área da saúde. Entre os eixos da reforma na saúde que o Governo considera prioritários, destacam-se os mais relevantes para o setor: - Continuar a reforma da política do medicamento para aumentar o acesso e a qualidade na terapêutica, mantendo as diretrizes e medidas que têm vindo a ser tomadas, assentando essencialmente na aplicação de normas de orientação clínica, na implementação do formulário nacional do medicamento e no reforço da monitorização e do controlo da prescrição, dispensa e conferência em ambulatório e hospitalar; - Redução da carga de doença, como fator essencial para garantir a sustentabilidade do sistema de saúde e

do SNS a longo prazo, atuando sobre os principais determinantes de saúde, de forma a promover a saúde e prevenir as doenças. - Acompanhamento das reformas por uma nova estrutura funcional do Ministério da Saúde, separando o financiamento da prestação de cuidados, tendo por base as funções essenciais do Estado nesta área: regulação, financiamento e prestação pública de cuidados. O guião integra, ainda, o conjunto de medidas adotadas ao longo do atual mandato governativo. No âmbito do medicamento, o Governo destaca a definição de padrões de qualidade através de normas de orientação clínica, o enfrentamento das “rendas excessivas e consentidas na política do medicamento”, o avanço da prescrição por DCI e a reorganização dos cuidados primários.

Loja do Coração no Colombo A Loja do Coração, uma iniciativa da Glintt e da Cegedim, em parceria com a Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC), esteve aberta ao público na praça central do Centro Comercial Colombo, em Lisboa, nos meses de novembro e dezembro. Exclusivamente dedicada à saúde cardiovascular, proporcionou aos visitantes experiências diferentes e gratuitas, dando a conhecer o coração e

ajudando a prevenir as doenças cardiovasculares. A Loja do Coração é a primeira iniciativa integrada na Feira da Saúde, que decorre de 16 a 18 de Maio de 2014, na FIL Expo. Sendo um projeto dirigido a toda a população, pretende-se através da divulgação de informação de qualidade incentivar a adoção de estilos de vida saudáveis e a prevenção da doença. 9


ANF

REGULAMENTO INTRODUÇÃO

Incentivar a inovação e o empreendedorismo Numa altura em que o setor procura reinventar-se, a Direção da ANF decidiu criar um prémio para apoiar o desenvolvimento de projetos inovadores em Farmácia, mas também homenagear aquele que foi o seu maior impulsionador. O Prémio João Cordeiro nasce igualmente inspirado no seu espírito empreendedor e visionário, resultando numa fusão perfeita entre os valores do passado e a vontade de construir o futuro. A Direção da ANF escolheu o momento da sessão de encerramento do 11.º Congresso Nacional das Farmácias para apresentar, publicamente, a sua iniciativa de instituição do “Prémio João Cordeiro: Inovação em Farmácia”, que será atribuído, pela primeira vez, no próximo ano de 2014. Na génese deste galardão estão dois objetivos, ligados entre si de modo absolutamente intrínseco. O primeiro, homenagear aquele que é considerado o líder histórico da Associação e visto como a personalidade que mais contribuiu para o progresso da Farmácia em Portugal. João Cordeiro presidiu à construção de um universo associativo forte, que conduziu à unidade do setor e à sua independência, e empenhou-se permanentemente pela sua modernização e pela qualidade dos serviços prestados pelas farmácias à população. Moldou, inquestionavelmente, a realidade. O segundo nasce assim inspirado na visão empreendedora singular de 10

João Cordeiro e propõe-se a apoiar e premiar, anualmente, novos projetos, conceitos, tipologias e soluções para as farmácias portuguesas. Poderão candidatar-se a este Prémio entidades individuais ou coletivas, públicas ou privadas, entre os meses de janeiro e março de cada ano. Os projetos serão selecionados em função do seu caráter de inovação e excelência, da estimativa de impacto e pelo valor acrescentado para a atividade da farmácia. Para além deste, serão ainda atribuídos, em 2014, dois outros prémios, na área do desenvolvimento profissional e de instrumentos de gestão. O júri será constituído por personalidades de reconhecido relevo no país e no setor de Farmácia e os premiados, para além de um valor monetário para investimento no desenvolvimento dos projetos, beneficiarão também de apoio na sua implementação pelas estruturas do universo ANF. Para mais informações, consulte o regulamento aqui publicado.

A Associação Nacional das Farmácias deliberou instituir o Prémio João Cordeiro destinado a premiar projetos inovadores cuja implementação promova o desenvolvimento das farmácias. Ao atribuir ao prémio o nome de João Cordeiro, pretendeu a ANF prestar homenagem à visão empreendedora do líder histórico das Farmácias para que o seu exemplo seja um estímulo ao desenvolvimento do setor. O presente regulamento define as regras de candidatura e atribuição do prémio, nos termos seguintes: Artigo 1.º Objetivo Apoiar e premiar projetos originais que promovam o espírito de inovação e desenvolvimento nas farmácias portuguesas. Artigo 2.º Nome e Periodicidade O prémio designar-se-á “Prémio João Cordeiro – Inovação em Farmácia” e será atribuído anual-mente. O prémio será atribuído pela primeira vez em 2014. Artigo 3.º Prémios adicionais Para além do “Prémio João Cordeiro – Inovação em Farmácia”, poderão ser atribuídos prémios adicionais em áreas temáticas. Em 2014, serão atribuídos dois prémios adicionais com as designações seguintes: Prémio João Cordeiro • Desenvolvimento Profissional Prémio João Cordeiro • Instrumentos de Gestão


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Artigo 4.º Elegibilidade Podem candidatar-se aos prémios entidades individuais ou coletivas, públicas ou privadas. Artigo 5.º Apresentação de Candidaturas Os processos de candidatura deverão ser submetidos à ANF através do endereço eletrónico (anf@anf.pt) ou pela entrega na sede da ANF, na Rua Marechal Saldanha, n.º 1, em Lisboa, entre 1 de janeiro e 31 de março de cada ano. O processo de candidatura deverá ser estruturado nos seguintes termos: • Identificação do prémio a que se candidata, inovação em farmácia ou prémio adicional. • Resumo do projeto e apresentação das razões da candidatura à luz do objetivo central do Concurso e do impacto da implementação do mesmo no universo das farmácias (máximo de 2 páginas com fonte de tamanho 12 e espaçamento simples entre as linhas). • Apresentação de um Business Plan de acordo com um modelo a disponibilizar pela ANF. Artigo 6.º Critério de Avaliação das Candidaturas As candidaturas serão avaliadas por um Júri, segundo os critérios seguintes: • Adequação do produto em causa ao objetivo central do concurso. • Característica inovadora do produto que o diferencie pela sua excelência e lhe confira vantagens competitivas nos mercados onde se propõe competir. • Inserção do processo de desenvolvimento e comercialização

do produto objeto do projeto numa estratégia global de inovação na farmácia. • Cumprimento das regras impostas pela legislação em vigor nos mercados aos quais o produto ou produtos se dirigem. • Avaliação de impacto prático em eficiência, eficácia e produtividade da farmácia. • Viabilidade e sustentabilidade económica do produto ou produtos objeto do projeto. Artigo 7.º Instrução dos processos de candidatura O Júri será coadjuvado por uma equipa executiva da ANF na recolha, sistematização e análise de informação relativa a cada dossier de candidatura. O Júri e a equipa executiva poderão consultar os concorrentes bem como as entidades que disponham de informações consideradas relevantes para o processo de tomada de decisão. Artigo 8.º Constituição e competências do Júri O Júri será constituído por um número de personalidades de reconhecido relevo no País e no Setor de Farmácias, nomeados pela Direção da ANF, até um máximo de doze e um mínimo de oito membros. As decisões do Júri serão tomadas por maioria simples dos membros presentes na reunião, tendo o Presidente voto de qualidade. A decisão do Júri não é suscetível de recurso. O Júri poderá não atribuir prémios ou atribuí-los Ex aequo a mais do que uma candidatura. Compete ao Presidente do Júri convocar e dirigir as reuniões.

O Júri reunirá na sede da ANF que, para o efeito, disponibilizará instalações e apoio adequados. Artigo 9.º Valor dos Prémios O valor dos prémios é o seguinte: •“Prémio João Cordeiro – Inovação em Farmácia”: € 20.000 (vinte mil euros). • Prémio adicional temático: € 12.500 (doze mil e quinhentos euros). • O prémio poderá ser disponibilizado por tranches, de acordo com o critério do Júri, em função do cumprimento das principais fases do projeto. Artigo 10.º Outros apoios Os premiados beneficiarão também de apoio à implementação dos seus projetos, por parte das estruturas do Universo ANF, a definir de acordo com a especificidade de cada caso. Artigo 11.º Entrega dos Prémios A decisão do Júri e a sua divulgação terão lugar no prazo de três meses a contar do termo do prazo para apresentação das candidaturas. A entrega dos prémios terá lugar em sessão pública, em data a definir pelo Júri. Artigo 12.º Vigência e revisão O presente regulamento vigora por tempo indeterminado, podendo ser revisto a todo o tempo pela Direção da ANF. A revisão do regulamento não se aplica aos processos de candidatura que estiverem em curso. 11


ENTREVISTA

Rosário Zincke, Presidente da plataforma saúde em diálogo

“Água mole em pedra dura…” A Plataforma Saúde em Diálogo apresentou, recentemente, a “Declaração de Lisboa”, um documento que concentra e dá visibilidade à força de 15 anos de trabalho e que, ao mesmo tempo, se anuncia como uma afirmação de intenções e da estratégia para o seu alcance. As prioridades apontadas são, afinal, ao nível de um humanismo quase primário, e o poder político escusa de se escudar na crise. Trabalho e vontade são o que é preciso, pois segundo Rosário Zincke, presidente da direção, há muito que deve e pode ser feito e que não representa custos. FARMÁCIA PORTUGUESA - A Plataforma Saúde em Diálogo tem, desde março, novos órgãos sociais. Quais são os seus principais objetivos? Rosário Zincke – Decidimos olhar para o trabalho que havia sido feito ao longo dos 15 anos de existência 12

da Plataforma, por acharmos que era altura de arrumar ideias, ou seja, ao invés de criar coisas novas, propomo-nos aproveitar toda a riqueza do trabalho que já estava realizado, sistematizando-o num único documento, ao qual chamámos “Declaração de Lisboa” - pela

simples razão de ter sido assinado em Lisboa! –, e que apresentámos publicamente a 23 de outubro. FS - Como avalia o seu impacto? RZ - Gostávamos de já ter tido um feedback mais positivo, mas temos consciência de que o nosso


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trabalho é de persistência e que as coisas demoram tempo. Não obstante, ligaram-me recentemente da Presidência da República a pedir para enviar a Declaração, o que acho que é um bom sinal. Devo dizer que, para este documento, nos inspirámos um pouco no que tem sido a performance da Alzheimer Europe, que é, também ela, uma associação de associações, e cujo êxito está no facto de ter as suas ideias muito bem arrumadas: sabe exatamente quais são as suas linhas de atuação, está atenta àquilo que se passa à sua volta, a nível social, político e económico, e tira partido desses momentos para falar de si, dos seus objetivos, prioridades e iniciativas. É isso que estamos a fazer agora na Plataforma. FS - Diria que a Plataforma era uma casa desarrumada? RZ - Não. O que encontrámos foi uma organização sólida, com um trabalho muito sério, ao qual faltava apenas dar um toque de visibilidade. Queremos, agora, dizer que existimos e que temos uma enorme utilidade na vida económica, política e social deste país, e foi por esse motivo que apareceu a “Declaração de Lisboa”, onde chamamos a atenção para o que é a Plataforma Saúde em Diálogo, para a importância de congregar 41 associações de doentes, de promotores de saúde, de defesa do consumidor e de profissionais, e onde definimos os nossos objetivos, estratégia e prioridades. Ao nível dos objetivos, focamo-nos em diferente grupos de destinatários, desde logo os doentes e utentes de saúde: queremos que eles detenham a informação necessária para tomar decisões livres e esclarecidas na área da saúde e queremos um acompanhamento mais solidário e efetivo das pessoas doentes e dos seus familiares.

Os decisores políticos, e a sociedade de um modo geral, são outros destinatários, pelos quais pretendemos ser reconhecidos como um parceiro, assim chamando a atenção para a Plataforma e as associações que a integram, bem como para a importância do diagnóstico precoce, da promoção da saúde e, mais uma vez, da informação. As nossas prioridades assentam em dois aspetos essenciais, a começar pelo estatuto do doente crónico. Trata-se de um assunto já antigo mas que, apesar da resolução, há dois anos, da Assembleia da República, convidando o Governo a legislar sobre esta matéria, ainda não está resolvido. FS - Terá a crise que o país atravessa contribuído para que o processo não avançasse? RZ - Possivelmente, mas a crise não pode servir de desculpa, porque há muitas coisas que se podem fazer sem que isso se traduza em custos. FS - Nestes dois anos, houve algum feedback do Governo relativamente ao estatuto do doente crónico? RZ - Não, mas julgo que uma das razões talvez seja porque a resolução da Assembleia da República ligou a questão do estatuto do doente crónico a uma outra, que tem a ver com a revisão da tabela nacional de incapacidades. Não há dúvida que é preciso atuar neste campo, porque a tabela está muito pensada na ótica dos acidentes de trabalho e a realidade é bem mais vasta, mas juntar os dois temas acabou por ser contraproducente. A decisão da Plataforma de desligar os assuntos não foi despropositada. Por outro lado, dentro do estatuto do doente crónico há múltiplos subtemas. A prioridade passa por definir o que é a doença crónica,

«A crise não pode servir de desculpa, porque há muitas coisas que se podem fazer sem que isso se traduza em custos » o que não será complicado, dado que já existe na Lei Nacional dos Cuidados Continuados Integrados uma descrição bastante boa, que vai buscar muito do que é a definição da OMS e que nos agrada, porque realça o impacto social da doença nas pessoas afetadas e nos seus familiares. Quais deverão depois ser consideradas as doenças crónicas é que poderá ser um pouco mais complexo, mas para além de já existir trabalho feito nisto, contamos com a colaboração imprescindível das associações que integram a Plataforma. Onde reconheço que poderão existir maiores dificuldades, por se tratar de algo mais ambicioso, será na determinação das medidas específicas que deverão ser tomadas relativamente a este grupo. Mais simples, mas indispensável, é a criação do cartão do doente crónico. Pelo menos uma das nossas associações já tem experiência neste campo, através do cartão do doente raro, e a nossa ideia é aproveitar muito do trabalho que foi feito a esse propósito para não partirmos do zero. FS - A criação do estatuto do cuidador informal é outra das batalhas por que a Plataforma se bate. RZ - Sim, sabemos, e há estudos que o provam, que cerca de 80% dos cuidados prestados aos doentes são-no em casa, pelas famílias. Estas pessoas enfrentam desafios enormes para conjugar tais responsabilidades com uma vida 13


ENTREVISTA

-lhes algum tempo, mas serem verdadeiramente ouvidas implica, também, que façam um esforço de maturidade e se consigam unir, e é por isso que a Plataforma é tão importante. Se formos 50, a falar cada uma por seu lado, tornamo-nos pouco eficazes. É muito importante encontrar pontos comuns e focar as nossas forças nisso.

ativa, e não recebem nenhum tipo de apoio ou proteção, além de algumas previsões espalhadas pela legislação do trabalho. O mesmo acontece com aquelas que já estão reformadas e que têm a árdua tarefa de cuidar de alguém muito dependente. A realidade é tão absurda que dita que se deve privilegiar a permanência das pessoas no seu domicílio, criando boas condições para que assim seja, mas, ao mesmo tempo, os poucos apoios que existem são exclusivos para a colocação em lares. Ora, é imprescindível que os decisores percebam que, como vamos depender cada vez mais destes cuidadores informais, algumas medidas têm de ser tomadas. FS - Qual é o vosso calendário de ação? RZ - Apresentámos agora a “Decla-ração de Lisboa” e temos algumas ações planeadas para o próximo ano. Na primavera queremos fazer uma conferência sobre a importância das associações, tema que julgamos que nessa altura poderá estar mais maduro e que importa debater na ótica do papel que desempenham na sociedade portuguesa e as suas vertentes. 14

Posteriormente, mais para o final do ano, pensamos fazer uma exposição, em moldes ainda a estudar, na Assembleia da República, dedicada aos estatutos do doente crónico e do cuidador informal. Entretanto, temos pedidos de audiências junto do ministro da Saúde e do ministro da Segurança Social, tencionamos reforçar os protocolos que temos com as universidades, nomeadamente com as faculdades de Medicina e Farmácia, e queremos trabalhar muito na área da formação. FS - As associações de doentes são verdadeiramente ouvidas? RZ - É politicamente correto reunir com as associações, dedicar-

«Seria muito interessante que os farmacêuticos participassem nas ações de formação que temos previstas »

FS - De que modo é que as farmácias e os farmacêuticos se podem encaixar mais, numa perspetiva colaborativa, no trabalho da Plataforma Saúde em Diálogo? RZ - Devo, antes de mais, dizer que já o fazem, através da ANF, que é o grande apoio da Plataforma. Temos todo o auxílio logístico de que necessitamos e acesso a uma estrutura “cinco estrelas”, que nos permite focarmo-nos naquilo que é verdadeiramente essencial. Mas as farmácias, como são um serviço de proximidade em quem as pessoas confiam, podem desempenhar um papel muito importante de sistematicamente encaminhar as pessoas para as associações. Nós vivemos ainda num modelo muito clínico, mas os doentes e os seus cuidadores precisam de mais que isso, necessitam de apoio social, de quem tenha tempo para as ouvir e partilhar experiências que, sendo comuns, são específicas daquela doença. Por outro lado, seria muito interessante que os farmacêuticos participassem nas ações de formação que temos previstas, no âmbito da literacia, dos direitos e de formas muito concretas de lidar com as mais diversas patologias.


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homenagem

Maria Irene Noronha da Silveira

Um retrato da determinação Faleceu Maria Irene Noronha da Silveira, depois de uma luta de anos pela sobrevivência à doença. A determinação daquela que, entre muitas outras coisas, foi a única mulher bastonária da Ordem dos Farmacêuticos é aqui recordada por João Silveira. estava decidida numa causa, levava a sua avante contra tudo e contra todos. Vários são os exemplos que nos deixou, quer como mulher quer como académica, quer ainda como farmacêutica».

«Uma força da natureza»

Maria Irene Noronha da Silveira faleceu em Coimbra, no dia 16 de novembro, vítima de doença prolongada, sua indesejada companheira durante mais de 20 anos e contra a qual combateu com a mesma audácia que aplicou em outras lutas da sua vida, certamente de significado menos gigante, mas de enorme importância. João Silveira, presidente da Mesa da Assembleia-Geral da ANF, que com ela privou na Ordem dos Farmacêuticos e de quem era amigo, recorda «uma mulher de grande determinação. Ela era uma força da natureza e se

Irene Silveira era uma mulher de pergaminhos vários. Destacou-se na área académica. Na Universidade de Coimbra, de que foi vice-reitora, era professora catedrática da Faculdade de Farmácia e foi responsável pelo Laboratório de Bromatologia, sendo uma referência nesta área. Mas foi pela Ordem dos Farmacêuticos que os laços com João Silveira se estreitaram. «Acompanhou-me desde o primeiro momento da minha candidatura a bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, e o seu apoio foi estruturante na renovação da nossa Ordem e na afirmação dos farmacêuticos em Portugal. Durante três anos, assumiu a presidência da Secção Regional de Coimbra da Ordem dos Farmacêuticos, mas poucos acreditavam nesse desfecho quando resolveu aceitar candidatar-se, porque era uma mulher que ia contra o histórico status quo da região Centro. Venceu essas eleições com 70% dos votos graças à sua determinação, porque a partir do momento em tomou a decisão, não mais parou de desenvolver contactos para convencer as pessoas da razão da sua, e da nossa, candidatura». Na Ordem, foi também presidente da Assembleia-Geral, e mais tarde,

«quando entendeu candidatar-se a bastonária, mais uma vez foram muitos os que opinaram que ela não teria a menor hipótese de ser eleita e, mais uma vez, ela provou como estavam enganados. Infelizmente, a doença, sob cuja sombra viveu durante 20 anos e que voltava à sua presença de tempos a tempos, desenvolveu-se, e a professora foi obrigada a abdicar do cargo». João Silveira testemunha que, desde então, a sua vida foi uma constante luta de sobrevivência e prolongamento de tempo, «e no quadro da sua situação física, apenas pela sua determinação, pelo seu querer viver, pela força com que estava agarrada à vida e aos seus, conseguiu resistir». «A última vez que estivemos juntos foi em setembro, no Dia do Farmacêutico, em Lisboa, porque apesar da sua condição debilitada, fez questão de estar presente nas celebrações. Nessa ocasião fui gentilmente homenageado com a Medalha de Honra da Ordem dos Farmacêuticos, e a sua intervenção na altura marcou-me profundamente. Fez questão de estar também no jantar, onde tive a felicidade de partilhar a mesma mesa que ela e o que é um facto é que, do princípio ao fim, estivemos na companhia de uma mulher com uma força interventiva e animadora que quase esmagava os restantes. Para mim, isto diz bastante acerca da força interior da Prof.ª Irene, que foi de facto uma mulher fantástica, tanto como académica como farmacêutica, e que continuará a ser uma referência para todos nós». 15


11.º Congresso Nacional das Farmácias

Quando o objeto não é a ideia mas o seu sentido O conceito de novidade, contendo, no seu ADN, características disruptivas, tem a particularidade de causar, inicialmente, estranheza. Não foi para trazer novidades que o 11.º Congresso Nacional das Farmácias foi desenhado, e o seu tema, “O Novo Contrato Social para a Farmácia”, também não era, em si mesmo, novo. Tem sido, como é sabido, propalado amiúde pela Direção da Associação Nacional das Farmácias, resumindo a sua visão de uma estratégia para o futuro do setor. E foi precisamente nessa especi16

ficidade que residiu a brutal robustez dos trabalhos, concedendo-lhes um alcance, inquestionavelmente, inovador. Durante dois dias, escrutinou-se o contexto da Farmácia portuguesa em círculos cada vez mais concêntricos, sempre com a preocupação de trazer para dentro do debate aquilo e aqueles que a rodeiam, e de olhar as melhores práticas, em cada um dos grandes temas, no mundo para lá das nossas fronteiras. A cada momento, o permanente exercício de perscrutação de falhas

ou lacunas, fundamentos e forças, e a constante resposta a sublinhar a certeza da justiça e da pertinência das propostas feitas. O 11.º Congresso Nacional das Farmácias ficará para a história não como um evento de novidades, mas como aquele onde se consolidaram ideias e solidificaram propósitos, aquele a partir do qual toda e qualquer estranheza relativamente ao “Novo Contrato Social para a Farmácia” deixou de ter sentido. Convidamo-lo a confirmar isso mesmo nas páginas seguintes.


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Sessão de abertura

Espírito inconformado A sessão solene de abertura dos trabalhos de mais um Congresso Nacional das Farmácias permitiu vincar a postura do setor perante a situação atual: a sua crise é real e atinge laivos de brutalidade. O reposicionamento é possível e desejável no quadro do país. As farmácias estão prontas para um novo contrato social com o Estado.

A sessão de abertura foi presidida por Maria Antónia Almeida Santos, presidente da Comissão Parlamentar de Saúde, e contou com a presença do Secretário de Estado da Saúde, Manuel Teixeira. O mote do Congresso foi lançado pelo presidente da Mesa da Assembleia-Geral, João Silveira, embora atingisse o seu apogeu, mais tarde, com o discurso do presidente da Direção, Paulo Duarte. «As farmácias são a unidade de saúde de maior proximidade e mais fácil acesso, são uma porta aberta de grande profissionalismo, humanidade e sem barreiras», à imagem do próprio congresso, «que reflete no seu programa e diversidade de oradores o mesmo espírito de abertura

à sociedade, aos parceiros e aos doentes», afirmou João Silveira. A sustentabilidade, conforme fez notar, iria ali servir de fio condutor, atravessando todos os painéis, o que só teria razão de ser se «for tratada num sentido lato e não apenas no quadro do orçamento do SNS. Se for pensada ao nível da saúde na comunidade e na busca do indivíduo por melhores resultados clínicos, humanos e económicos, âmbito em que nos preocupam as consequências em saúde pós-Troika e a previsível degradação dos principais indicadores. Se for pensada ao nível do medicamento, garantindo a sua qualidade, segurança e eficácia a preços razoáveis, aproveitando, obviamente, os genéricos, mas tendo consciência que os preços não podem baixar até

ao “inferno”, e garantindo o acesso à inovação farmacêutica, que tanto tem contribuído para a melhoria da qualidade e aumento da esperança de vida de todos nós». O medicamento, comentou, considerado até há pouco tempo «a panaceia para todos os males, parece ter-se tornado agora na sua causa. Temos de o recolocar no devido lugar e parar de destruir valor». O momento é de crise, e não apenas económica, também de valores. Portugal vive sob um programa de assistência há quase três anos, «mas pouco fizemos para atacar as causas da nossa desgraça. As crises trazem oportunidades para avaliar situações, para ir à causa das coisas, falar verdade, aprender com os erros, corrigir o que está mal. 17


Espero que esta não seja mais uma oportunidade perdida para o nosso país», muito embora os sinais sejam sombrios, já que «o Estado, principal responsável dos nossos males, endividamento e ineficiência, continua praticamente na mesma ou pior, alimentando-se da burocracia que diariamente vai criando, constituindo a principal barreira ao desenvolvimento».

Louvor ao mérito com atribuição de Insígnias Ainda com a palavra, João Silveira realçou que «uma profissão afirma o seu prestígio e dignidade no quotidiano da sua atividade, cumprindo a sua missão no seio da sociedade em que está inserida», mas também «pela humildade de reconhecer entre os seus pares aqueles que se distinguem pelas suas qualidades humanas, pelo seu trabalho e dedicação às causas, neste caso concreto às causas da saúde e da farmácia, que acabam por ser uma única». Feito este enquadramento, o Presidente da Mesa da Assembleia-Geral anunciou a atribuição das Insígnias da ANF aos colegas Maria da Luz Sequeira, Francisco Guerreiro Gomes e a David Hora Branco», que lhes forem entregues por João Silveira e Paulo Duarte. ( Ver páginas 22 e 23)

A coragem e resiliência das farmácias Era chegado o momento do discurso do presidente da Direção, Paulo Duarte, em torno do qual se vinha gerando alguma expectativa, muito por se tratar do primeiro Congresso de Paulo Duarte enquanto líder da Associação Nacional das Farmácias. Paulo Duarte iniciou o seu discurso por uma felicitação às farmácias e respetivas equipas «pela coragem com que têm resistido à crise que atravessamos» e também pela resiliência na superação de obstáculos, bem conhecidos da ANF e que, 18

«A Direção da ANF está consciente das suas responsabilidades e das dificuldades de todos nós. O que pudermos fazer em benefício das farmácias, faremos», garantiu Paulo Duarte muitas vezes, nada têm a ver com a crise do país. Em causa estão «dificuldades gratuitas, algumas a roçar o absurdo». Somos diariamente sujeitos a uma chuva miudinha de novos pontos e alíneas, muitas vezes incoerentes e inexequíveis, normalmente para aplicar logo no dia seguinte». É, considerou Paulo Duarte, uma «estranha forma de o Estado se relacionar com as empresas e a sociedade», e que, conforme notou, tem o único mérito de gerar consenso, pois «há muito que estamos todos de acordo: é preciso vencer a burocracia», algo urgente nos dias que correm, em que «já temos graves problemas para resolver». Um deles reside na permanente dificuldade das farmácias adquirirem os medicamentos de que necessitam, agravada pela continuada prescrição de referências «que pura e simplesmente não estão disponíveis no mercado». Para o demonstrar, a ANF fez um levantamento junto de 50% das farmácias e concluiu que as mesmas não conseguiram adquirir, só no recente mês de setembro, dois milhões de embalagens de genéricos receitados pelos médicos ou pedidos pelos doentes, «mais de 3200 apresentações de medicamentos genéricos não foram, sequer, fornecidas ao mercado», sendo que «dos 20

Paulo Duarte, presidente da ANF

genéricos com maior dificuldade de aquisição, 11 tinham um dos cinco preços mais baixos». Em suma: «está a ser pedido às farmácias que resolvam, na própria hora, falhas de abastecimento no mercado impossíveis de ultrapassar». Relativamente aos genéricos, disse «as farmácias não têm lições a receber de ninguém». Há 20 anos que reclamavam uma lei que garantisse aos portugueses o acesso a medicamentos com a mesma qualidade e mais baratos». Iniciaram, na década de 90, «praticamente sozinhas, com a hostilidade de muitos e a indiferença do Estado», um combate responsável pela criação do mercado de genéricos, o qual demorou um quarto de século a dar os primeiros resultados. Mais: o setor avisou, «com décadas de antecedência», para os graves riscos de erros, atrasos e omissões de uma política eleitoralista na área da Saúde. «Sabíamos que a insustentabilidade dessa política iria abater-se sobre as farmácias, mas também sobre todos os portugueses». O Estado,


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porém, e durante décadas, «adiou as reformas inevitáveis e gastou sem limites, como se o país vivesse na maior das abundâncias» e, «quando acordou, Portugal estava falido». «Teria sido melhor prevenir a saúde financeira do país, do que entregá-lo agora no “serviço de urgência” da Troika!». As farmácias estão, por isso, em crise, «mas de consciência tranquila».

falta de reconhecimento do Estado Até porque, para além do mais, o setor desenvolveu-se e modernizou-se ao longo dos últimos 40 anos investindo nisso os seus próprios recursos e colocando-se sempre ao lado de todas as soluções favoráveis aos doentes e contribuintes portugueses. A população reconhece-o, mas o Estado não: antes penaliza o esforço diário das farmácias para garantir que os utentes continuam a ter acesso aos fármacos, seja por «retificações absurdas de receituário, assentes num formalismo incompreensível que ignora a realidade atual do circuito do medicamento», seja por, juntamente com os doentes, serem «confrontadas todos os dias com receituário que transforma em regra situações a que a lei atribui caráter excecional».

Não o reconhece porque, quem governa, é inconsequente nas políticas que implementa, como o prova a imposição de uma austeridade que supera já os 300 milhões de euros, quando o acordo da Troika «exigia das farmácias e dos grossistas uma contribuição de 50 milhões para a redução da despesa pública com medicamentos. Nós já pagámos seis vezes a “taxa moderadora” acordada com os credores internacionais». Ao contrário do próprio Estado, que não concorreu ainda para qualquer diminuição do dispêndio com o consumo de medicamentos nos hospitais que tutela. «Até hoje, a Saúde contribuiu com 1.200 milhões de euros para a redução da despesa pública prevista no Orçamento Geral do Estado, dos quais 600 milhões de euros foram conseguidos à custa da redução da despesa com medicamentos em ambulatório e, destes, mais de 300 milhões foram à custa dos grossistas e das farmácias. Ora, nem os medicamentos em ambulatório pesam metade do orçamento da Saúde, nem a distribuição pesa metade da despesa com medicamentos em ambulatório. A injustiça é evidente», acusou Paulo Duarte. O poder político, porém, aparenta otimismo, «parece comprazer-se com a circunstância de continuarem, na sua

grande maioria, abertas ao público». Acontece que, conforme observou, ter as portas abertas não é sinónimo de cumprimento da sua função se, concomitantemente, não tiverem medicamentos. «Iludir esta situação com a abertura de novas farmácias pode ser politicamente tentador mas só agrava o problema», do qual, de resto, os responsáveis da política de Saúde têm consciência, caso contrário não se entenderia «que esta semana tenha sido publicado um regulamento com procedimento urgente para a abertura de postos farmacêuticos móveis nos locais de encerramento de farmácias, ainda que temporários». A ANF não se opõe a soluções de emergência para assegurar a acessibilidade da população aos medicamentos, «mas melhor seria adotar as soluções que já propusemos para evitar o encerramento de farmácias». E ainda sobre a falta do reconhecimento do Estado, a vacinação contra a gripe é dele exemplo paradigmático. «As farmácias portuguesas são elogiadas internacionalmente pelo serviço de vacinação, pela inovação em que ele se traduziu, pela qualidade com que é prestado, pela sua acessibilidade às populações, pela confiança dos doentes neste serviço e pelos seus resultados. Mas, em Portugal, o Ministério da Saúde, em vez de incentivar a sua colaboração neste domínio, preferiu criar um serviço alternativo e concorrente. Perdem os doentes, que são obrigados a deslocar-se ao centro de saúde para efeitos de vacinação; perde o Ministério da Saúde, que não atinge os objetivos de cobertura vacinal; e perde o erário público pelas vacinas adquiridas e não administradas». Os doentes reconhecem o valor das farmácias, os resultados de estudos, inclusive do próprio INSA, comprovam a larga preferência dos utentes pela vacinação nas suas instalações. O Estado, não. E se assim não fosse, haveria muito mais que as farmácias poderiam já estar a fazer no domínio do uso racional dos medicamentos e da adesão à 19


terapêutica, na melhoria da situação atual nas áreas dos medicamentos hospitalares, da vacinação, dos doentes polimedicados, dos antidiabéticos orais, do desperdício, entre tantas outras coisas com benefício também… para o próprio Estado!

A necessária mudança de atitude do Estado A realidade, tal como bem demonstra cada novo dia, mudou. «O equilíbrio em que assentou o funcionamento da atividade de Farmácia de Oficina nas últimas décadas, o “contrato social” de direitos e obrigações entre o Estado e as farmácias foi destruído e ainda não foi substituído por nenhum outro», referiu Paulo Duarte. A ANF propõe, assim, a construção de um novo “contrato social”, em que o Estado e as farmácias se comprometam a assegurar uma assistência farmacêutica de qualidade às populações, mas de acordo, necessariamente, com um novo modelo, onde «as farmácias querem assumir mais responsabilidades, prestar mais serviços à comunidade», em que estão «disponíveis para partilhar os riscos das novas soluções, porque têm a certeza do seu valor acrescentado para a sociedade». Mas querem também «ser justamente compensadas de acordo com o valor que a sua intervenção representar para o Sistema de Saúde e para os portugueses». As farmácias querem também ser tratadas com equidade: «o critério de remuneração que for aplicado para uns deve ser aplicado para todos». Querem, enfim, hoje, «como quisemos sempre, construir o futuro». Chegado a este ponto, o presidente da ANF particularizou o seu discurso. Primeiro, saudou a disponibilidade, «recentemente manifestada», do bastonário da Ordem dos Médicos «para cooperar connosco na defesa desses grandes valores», relembrando que apesar de o confronto ser um recurso disponível 20

e ao alcance da Associação, ele só será usado «quando definitivamente estivermos convencidos que é a única solução». Essa não é «a nossa política. A confrontação que desejamos é a de ideias». Depois, dirigiu-se aos responsáveis do Ministério da Saúde, ali representados pelo secretário de Estado Manuel Teixeira, reconhecendo «a coragem que tiveram para aplicar uma política de austeridade, impopular, mas necessária para salvar o país da bancarrota», mas formulando o desejo de que «essa coragem política se mantenha agora para retificar o que deve ser retificado, decidir o que tiver de ser decidido, para implementar uma política de Saúde estável e coerente, que respeite os interesses do Estado, que respeite os doentes, mas que respeite também os setores de atividade indispensáveis à subsistência do Sistema de Saúde». Por fim, falou para os associados da ANF. «Estamos numa encruzilhada. Temos de ser fortes para vencer as dificuldades e eu sei que os associados são fortes nas suas convicções. Temos de estar unidos porque a união faz a força e nós sempre es-

Manuel Teixeira, secretário de Estado da Saúde

tivemos, estamos e estaremos unidos. Temos de ser determinados e eu conheço a vossa determinação. Não devemos ser pessimistas, porque o pessimismo é uma dificuldade acrescida para vencer as dificuldades. Mas, também ninguém nos pode exigir que sejamos otimistas em relação ao futuro. O que nos pode ser exigido é que sejamos responsáveis e, isso, nós seremos seguramente. A Direção da ANF está consciente das suas responsabilidades e das dificuldades de todos nós. O que pudermos fazer em benefício das farmácias, faremos. Com a nossa unidade, com a razão que nos assiste, com a confiança das populações, estou certo que acabaremos por vencer a crise e construir um futuro melhor».

objetivos e medidas do Governo Usou da palavra em seguida o secretário de Estado da Saúde, Manuel Teixeira, com um discurso que, apesar de repetir, em grande parte, algumas ideias já anunciadas noutras ocasiões, aqui e ali prometia abertu-


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ra ao diálogo e consenso, e mesmo a um certo grau de compromisso. Manuel Teixeira referiu-se expressamente à mais-valia da intervenção farmacêutica em prol da saúde, para descrever depois «o momento excecionalmente difícil e exigente» que se atravessa e que «obriga a medidas muitas vezes impopulares», nomeadamente ao nível da política do medicamento, mas que «o Ministério tem assumido de modo consciente e transparente, focado no principal desígnio do Estado: promover e alcançar poupanças públicas e proteger o acesso da população ao medicamento». Para tal, relembrou algumas dessas medidas, como a prescrição e dispensa dos medicamentos por DCI, que classificou como uma reforma estrutural, entre outras que, no seu conjunto, «deram já alguns resultados impressivos, de que é exemplo o facto de mais de um quarto das embalagens vendidas em farmácia ser de medicamentos genéricos». Disse também que a tutela reconhece, particularmente, «o substancial contributo das farmácias, que enfrentaram e enfrentam significativas reduções de rentabilidade e, em casos limite, a inviabilidade de funcionamento», bem como outras grandes dificuldades. Todavia, notou que se tivessem sido outras as opções do Governo, se este tivesse escolhido transferir os encargos para os utentes ou ignorar as famílias nas poupanças, «os doentes deixariam de ter acesso aos medicamentos e o circuito deixaria de funcionar, o que levaria a consequências mais significativas que a diminuição da sua rentabilidade». O Ministério não ignora, de facto, os problemas do setor da farmácia, e tem, por isso, «procurado tomar medidas para aliviar a pressão» dos seus encargos. Entram neste cômputo a diminuição e flexibilização dos horários mínimos de funcionamento,

assim como do número mínimo de farmácias de serviço noturno, a eliminação do regime de reforço de turno e a criação de um regime excecional de funcionamento para as farmácias mais pequenas. «Reconhecemos que não são medidas estruturais que solucionem os problemas, mas são sinal da nossa atenção e sensibilidade», afirmou o secretário de Estado, acrescentando que «reafirmamos, aqui, a nossa disponibilidade para o diálogo, e assumimos, de forma clara, a necessidade de encontrar soluções inovadoras que correspondam à manutenção de uma trajetória de poupança e sustentabilidade e de proteção de acesso dos doentes aos medicamentos».

Disponibilidade para avaliar propostas Manuel Teixeira garantiu que, neste sentido, o Ministério da Saúde se compromete «a avaliar as propostas que contribuam para um horizonte alargado de sustentabilidade», reforçando, contudo, «que será impossível um regresso ao passado», assim como não serão assumidos «compromissos impossíveis de cumprir». A disponibilidade da tutela é para «discutir medidas inteligentes», como «o alinhamento de incentivos ou a partilha de ganhos no crescimento do mercado de genéricos, como retribuição ao empenho das farmácias no seu desenvolvimento», algo que o Governo considera mesmo «oportuno». Adicionalmente, «de modo mais estrutural», o Governo está também disponível para avaliar as oportunidades de melhoria da função das farmácias enquanto espaço de saúde, «potenciado pela sua distribuição muito equilibrada pelo território, assente em serviços de apoio à sociedade, como são exemplo a troca de seringas e a substituição narcótica, correspondendo a uma visão articulada, sinérgica e complementar ao SNS».

Maria Antónia Almeida Santos, presidente da Comissão Parlamentar de Saúde

É, pois, num espaço de «serenidade» que o Governo se compromete a «uma análise e ponderação destas oportunidades, esperando poder encontrar nelas soluções consonantes com a manutenção da excelência da atividade das farmácias e os parâmetros do novo contrato social, sem ignorar que tal será necessariamente exigente e difícil no cenário atual do país». Maria Antónia Almeida Santos encerrou, depois, a sessão, com uma breve comunicação que pretendeu, acima de tudo, mostrar o reconhecimento «unânime» da Comissão de Saúde da Assembleia, que considera a ANF «um parceiro imprescindível ao SNS», bem como a disponibilidade da Assembleia da República para dialogar e assim contribuir para que se encontre um novo relacionamento das farmácias com o Estado, «que promova a relação com os doentes e a sustentabilidade do setor». O congresso estava oficialmente aberto! 21


Atribuição de insígnias

O reconhecimento do mérito No decorrer da Sessão de Abertura do 11.º Congresso das Farmácias, a ANF prestou a sua homenagem e público reconhecimento ao prestimoso contributo de três dos seus associados, entregando-lhes as suas Insígnias. Maria da Luz Sequeira, David Dias da Hora Branco e, a título póstumo, Francisco Guerreiro Gomes, entraram assim para a restrita galeria de personalidades que, na perspetiva da ANF, mais colaboraram para a evolução e desenvolvimento do setor em Portugal. Maria da Luz Sequeira A decisão de distinguir Maria da Luz Sequeira com a atribuição das Insígnias da ANF foi tomada a 19 de maio de 2012, em reunião conjunta da Direção e Mesa da Assembleia-Geral (AG) da ANF, que quiseram assim enaltecer «a relevância com que o seu desempenho tem contribuído para o progresso da Farmácia em Portugal». No ato da entrega, Maria da Luz Sequeira confessou-se «muito lisonjeada. Vejo nestas Insígnias um reconhecimento do meu trabalho e do meu esforço, e isso é sempre muito gratificante». Maria da Luz Sequeira foi convidada, em 1992, a integrar a estrutura associativa da ANF, onde desempenhou os cargos de delegada de zona e distrital, tendo sido novamente por convite que, em 1995, integrou a Direção da ANF, de que foi eleita vice-presidente em 1998. Nesse mesmo ano esteve na origem da Plataforma Saúde em Diálogo, nela assumindo desde sempre a representação da ANF. Aí desenvolveu «um trabalho notável no âmbito desta entidade e na defesa dos direitos dos doentes», valendo-lhe o público reconhecimento através da atribuição da Comenda da Ordem de Mérito, em 2004, pelo Presidente da República Jorge Sampaio. Tal galardão «não só faz justiça à competência de Maria da Luz Sequeira, como enobrece a ANF e as farmácias por ela representadas». Mais que o desempenho de cargos de gerência e administração em várias empresas do Universo ANF e organizações na vertente associativa, quis-se com estas Insígnias vincar o seu contributo «decisivo» no cimentar da estrutura associativa da ANF. «A postura firme e ao mesmo tempo dialogante foi basilar na forma excecional como interagiu com todas as farmácias associadas, mas, em especial, com delegados de círculo, zona e regionais, sendo para estes um exemplo a seguir». 22

Em declarações à “Farmácia Portuguesa”, Maria da Luz Sequeira sublinhou que «nada se faz sem esforço e pouco se faz sozinho, motivo pelo qual partilhei esta condecoração com todas as pessoas que contribuíram para a concretização dos projetos em que me envolvi. Estou-lhes reconhecida por isso!», especialmente «à minha filha Vera, pelo seu carinho, compreensão e apoio, e pelas muitas vezes em que abnegou da minha presença ao longo deste meu percurso». Foi particularmente a ela que devotou as Insígnias, estendendo, porém, a dedicatória a todos os jovens farmacêuticos, «traduzindo o incentivo que lhes quero dar. Nestes tempos difíceis que atravessamos, é preciso que acreditem que o futuro pode ser melhor, se usarem a sua inteligência, a sua ousadia e a força e perseverança no seu trabalho. E tenho simultaneamente a esperança de que podem, participando no desenvolvimento associativo da profissão, continuar o que de bom foi feito e alcançar alguns dos objetivos a que, nós, os mais velhos, nos propusemos e não conseguimos atingir».


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Francisco Guerreiro Gomes

A atribuição das Insígnias a Francisco Guerreiro Gomes (1944-2012), deixou profundamente sensibilizada a sua família. A homenagem, com que a Direção e a Mesa da AG pretenderam sublinhar «o seu exemplo, a sua permanente disponibilidade para o trabalho associativo, o legado humano, cívico, profissional e cultural que nos deixou», foi «um gesto muito bonito, pelo qual agradecemos sinceramente, eu e toda a família», comentou, em declarações à “Farmácia Portuguesa”, Maria Teresa Cavaco Gomes, esposa do saudoso farmacêutico, falecido prematuramente. Francisco Guerreiro Gomes foi o primeiro farmacêutico contratado da ANF quando, em 1982, aceitou o desafio de exercer funções de secretário-técnico, com a responsabilidade de organizar e desenvolver um programa de Formação Contínua para farmacêuticos de oficina. Conforme citado na ata da reunião de 10 de setembro entre os dois órgãos da ANF, «cumpriu essa missão de forma exemplar e bem-sucedida, e a sua prestação profissional no seio associativo significou o início de um conjunto de serviços de apoio à profissão que teve e continua a ter uma importância decisiva na modernização e na intervenção social da Farmácia no nosso país». Foi ele também «um dos principais responsáveis pelas Boas Práticas de Farmácia, que contribuíram de forma assinalável para a melhoria do exercício profissional em Farmácia Comunitária». Entre 1986 e 1995 fez parte da Direção da ANF, sendo simultaneamente o diretor da revista “Farmácia Portuguesa”, cargo a que regressou em 2005 e ocupou até 2012. Foi igualmente um dos principais responsáveis pela criação do Museu Nacional das Farmácias. Francisco Guerreiro Gomes «foi um exemplo para todos nós». Maria Teresa Cavaco Gomes diz-se «muito grata à ANF, por ter reconhecido o trabalho do meu marido. Foi, sem dúvida, uma atitude muito nobre e muito comovente».

David Dias Hora Branco Na mesma reunião de 10 de setembro, foi ainda decidido atribuir as Insígnias da Associação a David Dias da Hora Branco. Técnico de farmácia, sócio proprietário da Farmácia Gramacho desde 1964, participou, em 1974, no movimento que transformou o antigo Grémio na ANF, onde desempenhou, desde então, vários cargos, com relevante destaque para a presidência do Conselho Nacional, atual AG de Delegados, e da Mesa da AG, de 1995 a 2012, e mais recentemente, do Conselho Fiscal, de 2012 a 2013. «No exercício dessas funções, sobressaiu sempre a lucidez das suas intervenções, o equilíbrio das suas posições, o espírito de consenso e a promoção da unidade associativa». O serviço à comunidade local sempre ocupou igualmente lugar de relevo na sua vida quotidiana, fosse ao nível associativo, fosse como autarca, como colaborador da Imprensa Regional ou impulsionador, participante e organizador de atividades diversas de âmbito cultural. Tal envolvimento mereceu-lhe, em 2001, a atribuição, em cerimónia pública, da Medalha de Alto Mérito (Grau Ouro) pela Câmara Municipal da Maia, «por atos e serviços considerados notáveis e relevantes em favor do Concelho e dignos de público reconhecimento e de assinalado apreço», o que muito contribui também para o prestígio do setor de Farmácias. Para David Hora Branco, em face da galeria de distinguidos com estas Insígnias, a atitude da ANF «constitui muito mais um ato de generosidade que de justiça. No entanto, paradoxalmente, mesmo sabendo que não o mereço, aceito, muito honrado e com orgulho». E pelo que classifica como a «enorme generosidade da honra que me foi conferida», concluiu com duas palavras: «muito obrigado». 23


Painel I: Uma saúde sustentável para Portugal

Espírito verdadeiramente interessado

Uma discussão profícua não se faz, nunca, sem se abordar o seu contexto. Parte-se do geral para que, percebendo-se o enquadramento, se possam, depois, com maior segurança, apontar ideias concretas e mais sólidas. Assim foi desenhado o programa deste congresso, que iniciou a debater os riscos da crise e os caminhos da sustentabilidade da saúde, onde ficaram bem evidenciadas as possíveis áreas para um sinérgico e efetivo contributo das farmácias. Os trabalhos arrancaram, num primeiro painel, sob condução de Paulo Baldaia, diretor da TSF, que anunciou que o objetivo das duas horas seguintes passaria por «tentar perceber como se consegue uma saúde sustentável para Portugal». Conforme sublinhou, trata-se de uma discussão «feita num clima de forte austeridade, que, obviamente, condiciona o caminho que está a ser seguido», no qual «a urgência em reduzir a despesa pública acelera os efeitos secundários das medidas que estão 24

a ser tomadas para garantir um serviço público de saúde». Estava assim lançado o mote para a primeira apresentação da manhã, sobre os efeitos da austeridade na saúde.

Uma questão de magnitude A crise económica, segundo Joana Madureira Lima, da Universidade de Oxford, não tem necessariamente de ter impacto sobre a saúde das pessoas, o qual está

antes dependente da resposta dos Governos. Não se trata, portanto, de uma fatalidade e há mesmo quem teorize que as crises podem ter efeitos positivos: a falta de dinheiro pode levar os indivíduos a deixarem de beber e de fumar, de andar de carro e passar a andar mais a pé… Há menos acidentes de tráfego… E há, também, o outro lado da realidade, como acontece hoje, por exemplo, em Espanha, onde não há órgãos para transplante, a qualidade nutricional da alimentação é mais


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pobre, etc. No fundo, defendeu a investigadora no decurso da primeira palestra da manhã, «o equilíbrio entre os efeitos positivos e negativos joga-se nas respostas dos governos e sociedades aos problemas que surgem». Alguns estudos, ainda em curso, sobre os efeitos de crises anteriores parecem, no entanto, sugerir uma relação. É o caso de uma investigação de 2008, cujos dados preliminares indicam que houve um aumento das mortes devidas a doenças cardiovasculares nos países desenvolvidos, num contexto teórico em que as pessoas temem pelo futuro dos seus investimentos e poupanças, sendo o aumento do stress o mecanismo causal. Mas é em consequência da desorçamentação em Saúde Pública e do desinvestimento em programas de prevenção que são mais concretas as conclusões das pesquisas, no sentido de uma relação causal com a incidência de determinadas patologias. «O caso grego permite observações

Segundo Miguel Gouveia, « vamos estar, por muito tempo, a fazer ajustamentos»

destas em diferentes âmbitos: imediatamente a seguir aos cortes orçamentais no Centro de Controlo e Prevenção das Doenças Infecciosas o país enfrentou um surto de infeções por vírus do Nilo Ocidental que tirou a vida a 70 pessoas, assim como assistiu ao regresso da malária, há muito erradicada da Europa, e está a enfrentar um gravoso aumento das infeções por VIH. O orçamento em prevenção na Grécia foi literalmente das primeiras coisas a serem cortadas – corte de 36%». Em resumo, concluiu: há, aparentemente, efeitos. A sua magnitude, todavia, pode ser discutida.

«Não vai existir um pós-Troika» Miguel Gouveia, da Universidade Católica Portuguesa, falou de seguida,

Para Joana Lima, a crise tem efeitos sobre a saúde, embora de magnitude discutível tendo começado a sua intervenção com um pedido de desculpas. É que havia sido convidado para falar sobre “Financiamento e resultados em saúde no período pós-Troika”, mas iria passar toda a sua preleção a defender que «esse período não vai existir. Ou seja, como os problemas que nos levaram a ser intervencionados não estão resolvidos, o que quer que se siga à saída da Troika do país vai ser igual ao que foi durante a sua permanência. Vamos estar, por muito tempo, a fazer ajustamentos». Até porque «teremos sempre dificuldades em encontrar quem nos empreste dinheiro enquanto o rácio entre a dívida portuguesa e o PIB continuar a crescer», algo de difícil resolução dado o principal problema da nossa Economia: o crescimento do desemprego. «É verdade que houve nos anos recentes uma aceleração, mas a tendência verifica-se desde 2002, 2003». Há muito, observa o professor, que não se investe na Economia portuguesa e, assim, «excetuando o último trimestre, o PIB tem vindo sempre a descer». O défice por recuperar «é brutal», e «mesmo que o 25


enquadramento orçamental mudasse ou o cenário internacional fosse alterado – e seria ingénuo pensar que a mudança poderia vir daqui, uma vez que o crescimento da Economia a nível mundial não é propriamente cor-de-rosa! -, a verdade é que não temos capacidade instalada para o fazer rapidamente. O melhor que pode acontecer a Portugal é crescer devagarinho e a única coisa que poderá ajudar um pouco no futuro são as exportações, isto é, transformarmo-nos num país especializado em bens transacionáveis». Só que, para cúmulo, Portugal é mal comportado nos orçamentos, fez notar Miguel Gouveia. Em 2013 já é visível um substancial relaxamento do esforço de consolidação da política orçamental, reflexo de «um problema grave, que pode designar-se por fadiga da austeridade. Este ano praticamente não houve ajustamento e estamos a atrasar-nos imenso. Por outro lado, as taxas de juro começaram a subir nos últimos tempos, porque toda a gente percebe que a dívida em relação ao PIB tem uma evolução que é bastante insustentável». O orador conduziu então um exercício de prospeção, onde, sobre uma folha de Excel, alterando as diferentes variáveis – taxas de juro, crescimento do PIB, défices primários -, procurava perceber qual seria o comportamento da dívida nacional. Depois de várias combinações de fatores, todas de resultado 26

O PSD «está disponível para ouvir as propostas da ANF e explorar a hipótese de haver sistemas remuneratórios associados à prestação de serviços», disse Miguel Santos incomportável, encontrou uma que permitiria ao país, daqui a 30 anos, reduzir a dívida para níveis sustentáveis. «Ora, todos sabemos que não é politicamente viável ter nos próximos anos, de forma sistemática, um comportamento em todas as variáveis tão extraordinariamente positivo. Isto significa que temos um problema»: a dívida não é pagável! O que vai acontecer então? «Para mim é um mistério, mas a minha opinião é que um dos cenários a ter em conta passa por, se nos comportarmos relativamente bem, os credores, em especial as instituições internacionais como o Banco Central Europeu, nos perdoarem uma parte da dívida, direta ou indiretamente, através do abaixamento das taxas de juros, etc. Julgo, aliás, que o momento apenas está a ser protelado para que todas as entidades privadas internacionais que têm dívida portuguesa se possam ir, calmamente, livrando dos títulos,

passando-os para as instituições». Quanto às entidades nacionais, ou seja, os bancos, «que vão ficar com dívida pública que deixa de valer dinheiro, passado um tempo, o sistema de supervisão bancária europeu começa a funcionar e, com ele, um fundo de garantia que já está na calha para livrar alguns da falência». Pensando na área da Saúde, «neste momento, há boas razões para acreditar que o ajustamento ainda não terminou. Em 2011, ano a que correspondem os dados mais recentes da OCDE, continuávamos a gastar em saúde muito acima do que seria de esperar para um país com as características do nosso». Logo, «toda a gente sabe que esta vai continuar a ser uma área de redução de despesas». Expondo uma longa lista de medidas a tomar da autoria da Troika, «algumas já implementadas», Miguel Gouveia observou que «as únicas que de facto pouparam dinheiro foram no setor do medicamento», o qual pode ainda vir a ser atingido, «sobretudo por uma grande expansão dos genéricos e através de uma maior afetação de uma área que até agora foi menos proporcionalmente tocada: a dos medicamentos hospitalares».

Há mais cortes para além do medicamento Sobre as implicações da crise e redução das despesas na saúde, os diferentes casos que analisou mostram que «o impacto nos grandes indicadores não aparenta ter sido muito grande. Há, claro, subdimensões da saúde que são desproporcionalmente afetadas, como é o caso da saúde mental e do desemprego», mas «apesar das críticas, parece que ainda é possível e faz sentido que continue a haver redução de despesa na área da Saúde». Onde é que, do seu ponto de vista, se podem continuar a fazer cortes no sentido de ajudar a equilibrar as finanças públicas e com impacto


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mínimo? Na área do medicamento, principalmente no ambulatório, pouco haverá a fazer, «já se foi longe de mais. Repare-se que para cada sete euros de corte em despesa com medicamentos, o resto do setor da saúde só fez um. Foi de tal modo desproporcional, que hoje temos problemas com excesso de exportação paralela, redução no acesso aos fármacos inovadores, saída da indústria do país, insustentabilidade das farmácias… Mas na área hospitalar ainda é possível haver ganhos de eficiência, assim como nos dispositivos médicos, que só há muito pouco tempo passaram a ser alvo de atenção por parte das autoridades». O Orçamento de Estado para 2014 já fala na reforma do sistema hospitalar, «o que foi uma surpresa, pois finalmente parece que é possível poupar algum dinheiro». Ainda assim, diz, é referido um valor de aforro de 207 milhões de euros nos próximos anos, «quando a sétima revisão da Troika falava de um número entre 250 a 400 milhões». Para Miguel Gouveia não é óbvio de onde virá este dinheiro, «mas o Governo falou na devolução de algumas unidades às Misericórdias em troca de ganhos de eficiência. Porém, onde é possível, realmente, economizar muito dinheiro é na correção do excesso de oferta hospitalar. Em Lisboa, por exemplo, abrimos um hospital em Loures e até agora não se conseguiu fechar a MAC». Em suma, «considero que há muitos cortes que se podem realizar ainda na área da saúde e não é claro para mim que os seus impactos tenham necessariamente de ser muito negativos. Haverá, certamente, consequências menos boas em casos específicos, mas é preciso ter cuidado para não entrar em demagogias políticas baratas».

Erro de doseamento por excesso Às duas conferências seguiu-se o já tradicional debate com os depu-

Maria Antónia Almeida Santos acusa o Governo de ter ido muito além da Troika e de ter «exagerado na dose» das suas políticas tados da Assembleia da República, representantes dos partidos com assento no Parlamento. A primeira questão de Paulo Baldaia foi dirigida a Maria Antónia Almeida Santos, do PS, a quem perguntou, tendo em conta que 10% do PIB nacional é gasto em Saúde, se não estaríamos igualmente obrigados a pensar nos consumos nesta área, ainda que não intervencionados? Na réplica, a deputada socialista fez notar que «há mais de trinta anos que ouço falar dos problemas da insustentabilidade, mas ainda não chegámos ao ponto de declarar o SNS insolvente! Temos conseguido mantê-lo a funcionar com muitas dificuldades, é certo, mas apesar de tudo também com muitas alegrias, até em termos de índices e resultados a nível mundial». Poderão esses resultados estar, agora, com a crise, a ser postos em causa? «Os estudos mostram que o impacto da crise na saúde é

real», disse, mas lembrou que «temos uma filosofia subjacente à nossa Constituição que, apesar de suscetível de sofrer alguns melhoramentos, não deve ser mudada, e que dita que cada um de nós contribui para o SNS, ou seja, pagamos saudáveis para podermos beneficiar quando estivermos doentes. Este, não obstante tudo o resto, ainda é um modelo válido e do qual não devemos desistir». Para Maria Antónia Almeida Santos, isto significa que não devem ser criados novos impostos sobre a Saúde, caso contrário incorre-se no risco de desvirtuar a filosofia primária do SNS, coisa que não tem sido acautelada pelo Governo, que «foi muito além das recomendações da Troika». As políticas que vêm sendo seguidas, pecam, segundo defende, por um doseamento errado: «tem sido um exagero e deveríamos retomar algum equilíbrio».

O tempo mostrará a razão Dirigindo-se a Miguel Santos, do PSD, Paulo Baldaia considerou que «a sua será certamente uma visão diferente. Temos assistido a uma pressão sobre o SNS para o corte de custos, mas, por outro lado, não constituirá um paradoxo, no presente momento, desinvestir na saúde?». O social-democrata confirmou que «não temos, de facto, uma visão tão simplificada da Saúde. O SNS é absolutamente imprescindível para os portugueses, mas, durante mais de 27


30 anos, fomos cumulando défices, maiores ou menores conforme a análise, e isso não o derrotou, nem ao setor da saúde, apenas porque os défices foram sendo suplantados quer por reforços dos Orçamentos de Estado quer pela acumulação de dívida. Julgo que estamos todos de acordo que tal situação não seria sustentável ad aeternum». Miguel Santos sublinhou, todavia, que apesar de uma dívida superior a três mil milhões de euros, «agravada por défices crónicos», o orçamento para a Saúde «não sofreu cortes nestes dois anos. Antes pelo contrário, houve um reforço extraordinário que foi possível negociar com a Troika, e que permitiu uma dotação especial, no valor de 497 milhões de euros, para pagamento de compromissos, «e é possível que cheguemos ao final do ano com uma dívida muitíssimo inferior. Os dados da execução financeira em agosto são muito animadores, apresentando um saldo positivo de 456 milhões de euros, coisa que há anos não era vista, e uma execução 307 milhões abaixo da despesa». Mas não poderão estas contas estar, de algum modo, a pôr em causa a qualidade dos serviços? «Será, realmente, necessário mais tempo para que se entenda o custo do preço que estamos a pagar. O regime de taxas moderadoras, por exemplo, que é algo que tem sido alvo de muita “conversa”, e onde o que aconteceu foi um crescimento que atingiu, sobretudo, a 28

Teresa Caeiro considera que «não nos podemos permitir desperdiçar um parceiro que nos pode, efetivamente, ajudar» classe média - dado que isentámos mais um milhão de cidadãos, subindo o total para cinco milhões num potencial de sete» - não terá tido os resultados catastróficos anunciados pela oposição, defendeu. «Os dados assistenciais, de acesso aos sistemas de saúde, têm vindo a melhorar em toda a linha: nas cirurgias, nas consultas hospitalares… Nos cuidados de saúde primários há um ligeiro decréscimo, tendência que nos preocupa, mas que é atenuada pelo aumento das consultas médicas domiciliárias, por uma muito maior assistência dos enfermeiros no domicílio e pelo facto de as idas aos centros de saúde para renovação de receitas estarem a diminuir».

Uma sustentabilidade insuportável O moderador evocou, então, a afirmação da Troika, de que Portugal atingiu o limite do que é possível

cortar no SNS e, interpelando João Semedo, afirmou que o seu partido, o BE, bem como o PCP, têm defendido a tese ali apresentada antes por Miguel Gouveia, que diz que não vamos conseguir pagar a dívida. «Acha que a Saúde está a ser a principal vítima deste memorando?». Fiel ao seu estilo, o bloquista iniciou a considerar que «a intervenção do Prof. Miguel Gouveia, entre outros méritos, teve o de evidenciar que a trajetória da dívida deixou de ser um património do pensamento político da Esquerda, para passar a ser do pensamento político sensato, e também o de revelar que tudo isto é supérfluo, para não dizer inútil, porque daqui a 10 anos ninguém se recordará das mil e uma discussões que tivemos, com tanta paixão, sobre o assunto. É verdade que a Troika diz isso, mas o ministro tem afirmado que tem havido uma discriminação positiva da saúde, o que já não é verdade. Há um corte que ainda não se percebe muito bem onde será feito». Segundo João Semedo acredita, «a sustentabilidade do SNS não pode ser resolvida tornando-o insuportável para os doentes, e eu julgo que já estamos nessa fase. Há demasiados sinais disso.Temos assistido a muitos cortes, que constituem medidas pontuais, e muito poucas reformas». Esse é um campo que, no entender do deputado, tem sido resumido «à fusão de hospitais, o que não reforma nada! Nenhum passou a funcionar melhor! E, depois, a par do desinvestimento há um não investimento puro. Ou seja, «é claro que todos gostaríamos que houvesse mais investimento e falar sobre isso é fácil, o que já não parece tão óbvio é que essa também é uma decisão racional no domínio da despesa. Diz-se, por exemplo, que não há vontade política ou dinheiro para o hospital de Lisboa [Todos os Santos], mas quantos milhões se poupariam?». É nesta linha de raciocínio que, defende João Semedo, está a verdadeira génese de uma reforma, «o resto é gerir um


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orçamento, coisa muito diferente de gerir um serviço nacional de saúde».

Querer algo e o seu contrário Aproveitando o mote, Paulo Baldaia comenta, com Teresa Caeiro, que se poupou «no que é pago à indústria e também com os genéricos, assim como no que se paga à restante atividade farmacêutica, mas nos hospitais continua a gastar-se muito dinheiro. Essa reforma está em curso, ou é uma ilusão e é preciso acelerar muito para que ela aconteça?», perguntou. Para a deputada do CDS, a reforma hospitalar está a avançar, «e espanto-me que o Sr. deputado João Semedo não tenha referido a medida, recentemente adotada, no sentido de concentrar determinadas especialidades nas urgências noturnas, quando esse é exatamente um dos seus aspetos importantes. Reformar não é só encerrar edifícios – onde mais uma vez contámos com oposição frontal relativamente ao encerramento da MAC, por exemplo - e construir um novo». Teresa Caeiro lamentou, a propósito, que «as pessoas, muitas vezes, querem algo e o seu contrário», mas fazer uma reforma «pressupõe decisões muito difíceis de tomar e frequentemente tardam a acontecer porque a população quer centros de elevada diferenciação e qualidade, com os melhores especialistas, e em

«No momento em que o acesso aos cuidados de saúde se restringe, deve ser alargada a carteira de cuidados e serviços prestados pelas farmácias», advoga João Semedo cada esquina, e isso é impossível em Portugal, assim como o é em países mais ricos que o nosso».

Obrigação vs. opção política Até ali, observou Paulo Baldaia, toda a discussão havia sido muito focada nos aspetos financeiros, pelo que a pergunta que fez a Paula Santos, do PCP, foi no sentido de saber a sua opinião sobre como poupar e, ao mesmo tempo, manter ou aumentar a qualidade dos serviços prestados. Segundo a deputada comunista, esse é um aspeto que, a par da acessibilidade, tem, precisamente, ficado à margem da decisão política. «As pessoas são aqui o mais importante, pelo que é preciso olhar e perceber onde e como as medidas implementadas impactam a sua saúde. Por exemplo, estamos todos de acordo que é

preciso investir ao nível dos cuidados de saúde primários, que são a porta de entrada no SNS, mas aquilo a que temos assistido vai precisamente no sentido contrário, com o encerramento e redução de serviços por todo o país. O Governo refere que quer tirar das urgências hospitalares os casos que não são verdadeiramente dessa índole, mas como é que isso é possível quando, ao nível local, fecharam um conjunto de respostas que existiam e, nas suas áreas de residência, o único serviço que as pessoas têm disponível é o hospital? ». Mais: para o PCP, a necessidade de otimização de recursos não se coaduna com medidas «como a concentração de determinadas especialidades no período noturno na área metropolitana de Lisboa. Veja-se o caso da urgência psiquiátrica que, no período noturno, é assegurada na área metropolitana de Lisboa, mas também de Santarém, Alentejo e Algarve, por um hospital! É este o sentido de otimização que queremos?». Por outro lado, defende, muito há igualmente a dizer sobre a equidade na aplicação das medidas. «As taxas moderadoras, por exemplo: quando se fala no número de isenções e que elas não constituem um obstáculo no acesso aos serviços, é preciso olhar aos inúmeros casos concretos, e perceber que uma família de três elementos, cujo rendimento seja de 600 euros e em que o filho tenha mais de 12 anos, não tem isenção». Paula Santos recorda que aos cortes que já foram assumidos e implementados em anos anteriores na saúde, o Governo pretende este ano somar mais cortes, sendo que da verba disponível em orçamento, metade é para o pagamento de dívidas. Ao mesmo tempo, diz, «é interessante comparar a disponibilidade no Orçamento de Estado para outras rubricas como as PPP, que aumenta. Corta-se em quem mais precisa, e nos grandes grupos económicos não se toca; esta é a nossa presente equidade!». Em suma, defende: «as medidas que estão a ser 29


implementadas não são uma inevitabilidade, mas sim uma opção política, pelo que, quando se fala que vivemos acima das nossas possibilidades, seria importante perceber, em concreto, de quem se está a falar». Até porque, sublinhou, «os rendimentos do país dividem-se entre 48% que são do trabalho e 52% do capital, sendo que 75% do que é pago em impostos diretos é suportado pelos 48%. É importante perceber isto quando se questiona onde é que podemos ir buscar receitas para suportar o Estado Social e, com ele, o SNS».

Exemplo de desperdício Entretanto, Miguel Gouveia, tendo pedido para intervir, apresentou o que considera ser um exemplo concreto do «enorme desperdício no nosso sistema de saúde: o Hospital de Todos os Santos, em Lisboa, projeto que está parado e que implica que, nos próximos anos, vamos continuar a ter um conjunto de hospitais a funcionar em vez de um, com muitos maiores custos e menor qualidade de cuidados. É um enorme desperdício e é interessante perguntar porque é que isto está a acontecer? É que o FMI sabe, a OMS sabe, o Banco Mundial sabe, que em todos os países, por esse mundo fora, quando o sistema político não funciona bem, quando se abre um novo hospital nunca se fecha outro. Como os sistemas não têm credibilidade, não se fazem investimentos racionais porque a política é disfuncional. Abrimos um novo hospital em Loures e o Governo tentou fechar a MAC, mas o nosso sistema jurídico, que é disfuncional, resolveu intrometer-se num assunto de gestão. O que é que tivemos a dizer ao FMI, à OMS, etc? É que se abrirmos um hospital novo, provavelmente todos os outros continuarão a funcionar. Moral da história: o investimento muito rentável para toda a gente, que seria objetivamente uma 30

enorme redução do desperdício em Portugal, não vai acontecer nos próximos tempos».

É preciso ver a Farmácia Aberto o debate aos congressistas no auditório, interveio João Correia da Silva, afirmando, desde logo, que a política do medicamento havia sido tema que, apesar de muito importante, só de passagem fora mencionado. «Fala-se muito de dívida e, quando assim é, tenta-se misturar aquilo que é a dívida hospitalar, que se mantém igual ou aumenta, com a do ambulatório, que sofreu sete baixas de preços sucessivas. É, de facto, muito mais fácil fazer um decreto-lei para baixar margens e preços, assim asfixiando uma farmácia, do que implementar medidas estruturais». Não obstante, «e de forma quase heroica, as farmácias continuam a estar ao lado do Estado, ao lado de quem as está a atacar, e continuam a querer trabalhar de forma construtiva. Nós queremos fazer parte da solução e não do problema, nós queremos e podemos ajudar. Nesta altura, basta que olhem para nós e percebam isto. A Dra. Paula Santos disse há pouco que em muitos locais às vezes só há um hospital, mas eu digo que em muitos locais nem um hospital há, mas existe sempre uma farmácia, com um profissional de saúde, com a porta aberta e que está sempre pronto a ajudar os utentes. De uma vez por todas, o Governo tem de olhar para o nosso setor e ver-nos nessa perspetiva». Pedindo a palavra, Isaura Martinho fez notar aos deputados que «nós, farmacêuticos, não fazemos “conversa”. Tudo o que nós, farmacêuticos, escrevemos nos nossos programas eleitorais, da nossa Associação ou da Ordem, cumprimos religiosamente, coisa que não tem acontecido dessa parte para

connosco. O que nós queremos de vós, políticos, é que, como nós, trabalhem, e que o façam com base na evidência, que executem os vossos programas de governo, porque foi para isso que nós votámos em vós, para que cumprissem as vossas propostas. Se o fizessem, as farmácias não estavam falidas, a reforma hospitalar estava em curso, a reforma dos cuidados primários não estava interrompida. Assim, digam aqui, objetivamente, o que é que se propõem fazer para dignificar a nossa classe, o seu trabalho e as pessoas que nós servimos».

PSD disponível para um novo contrato social Paulo Baldaia exortou, então, os deputados a dizer «o que é que entendem que deve ser feito para valorizar as farmácias e os farmacêuticos», começando a ronda por Miguel Santos, representante do maior partido da governação. Este destacou, desde logo, «o aspeto emocional das duas intervenções, que compreendo e tem toda a legitimidade. Gostaria de dizer, no entanto, que, da parte do grupo parlamentar do PSD, temos desenvolvido um diálogo constante com todos os intervenientes do setor, inclusive com a ANF, como sei que tem acontecido também com o Governo». O deputado reconheceu que tem de ser feito um esforço suplementar de contribuição dos hospitais, à imagem de outros setores, e registou que terá sido aquela «a primeira vez que ouvi o BE dizer que quer ter uma reforma hospitalar, que de facto é importante». Por fim, o social-democrata acrescentou que não ficaria bem com a sua consciência se não referisse «a alteração fundamental na remuneração das farmácias, que é inegável e perfeitamente assumida, com todos os custos políticos inerentes, mas será muito difícil que se regresse ao passado», pelo que


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«saúdo as palavras do presidente da Direção da ANF sobre um novo contrato social e digo que estamos disponíveis para encarar esse desafio, para ouvir as propostas da ANF e explorar a hipótese de haver sistemas remuneratórios associados à prestação de serviços, de aumentar a capacidade de prestação de serviços ao nível dos cuidados de saúde primários por parte dos farmacêuticos diretamente junto das populações, beneficiando das suas altas qualificações e da excecional rede de farmácias que Portugal tem, bem como para analisar medidas como a que já está a ser discutida e que prevê a possibilidade de haver incentivos ao crescimento do mercado de genéricos». Maria Antónia Almeida Santos sublinhou a realidade de dificuldade de acesso aos medicamentos das próprias farmácias e enfatizou a dedicação dos farmacêuticos aos seus utentes, mesmo no atual momento difícil por que o setor atravessa.

as potencialidades das farmácias João Semedo, por seu turno, disse que, do seu ponto de vista, «é preciso perceber que, no momento em que o acesso aos cuidados de saúde se restringe, deve ser alargada a carteira de cuidados e serviços prestados pelas farmácias na comunidade. Isso é absolutamente indispensável e deve ser, naturalmente, remunerado. As farmácias fazem parte do serviço nacional de saúde, não lhe são corpos estranhos, portanto é preciso trabalhar sobre todas as suas potencialidades. Depois, julgo que o sistema mais equilibrado de remuneração dos cuidados prestados nas farmácias é a introdução de um valor fixo e que essa solução responderia melhor às necessidades quer do serviço nacional de saúde quer das próprias farmácias. Em terceiro lugar, as farmácias são vítimas de um mercado do medicamento completamente caótico no domínio da multiplicação

Paula Santos defende que, à semelhança do que verifica noutros países, deve ser estudada uma taxa fixa para a dispensa do medicamento das formas que são distribuídas e essa irracionalidade tem de ser controlada. Bem sei que há princípios de livre concorrência, mas também há uma coisa que se chama interesse comum e que impõe, muitas vezes, a necessidade de fixar e implementar algumas regras». Paula Santos testemunhou que os comunistas valorizam «a intervenção das farmácias na área da saúde e junto da comunidade», e observou que «este, que era um setor próspero, tem vindo a ser muito penalizado, não apenas desde a alteração das margens de lucro, mas já lá atrás, com a venda dos medicamentos não sujeitos a receita médica fora das farmácias, a alteração na propriedade… Nós consideramos que é preciso tomar medidas, porque as farmácias constituem um serviço público de enorme relevância na saúde, assente numa rede de grande proximidade que está a ser colocada em

causa. Mas entendemos, com toda a frontalidade, que as soluções que forem encontradas não podem onerar os utentes, e isso é possível. Por exemplo, à semelhança do que é a experiência que se verifica noutros países, deve ser estudada a possibilidade de uma taxa fixa para a dispensa do medicamento. Também acreditamos que há aspetos que devem ser revistos na legislação que regula a propriedade, porque ela se encaminha no sentido de um objetivo, que não é de hoje, que é o da concentração». A última palavra coube a Teresa Caeiro, que disse «sobre a redução do preço dos medicamentos, concordo que há maior pressão sobre um setor farmacêutico do que sobre o outro, e é importante assegurar que haja um equilíbrio na repartição dos esforços, mas, dito isto, é de assinalar o que foi uma verdadeira reforma na saúde, que passa por assegurar o acesso ao medicamento a pessoas que, sobretudo num contexto de crise, certamente teriam muito maiores dificuldades se não tivesse havido uma redução dos preços». Teresa Caeiro terminou advogando que «seria um desperdício indesculpável se um país como o nosso não aproveitasse uma rede de três mil unidades de saúde que estão espalhadas da forma mais capilar por todo o território nacional; não só do ponto de vista da saúde pública, pelos cuidados que podem ser prestados pelos farmacêuticos, como também por essa ser uma forma de atenuar o tremendo impacto que as farmácias sofreram nos últimos tempos». Há várias opções em aberto, muitas com provas dadas a nível internacional, disse, mencionando «os incentivos à dispensa de genéricos, o alargamento do espetro de medicamentos a dispensar a alguns de âmbito, hoje, exclusivo hospitalar», etc. «Não nos podemos permitir desperdiçar um parceiro, que nos pode, efetivamente, ajudar». Assim chegava ao fim o primeiro painel do congresso. 31


Painel II: Contributo do medicamento para uma saúde sustentável

Espírito cooperativo Depois de avaliar o contexto do sistema de saúde em que a Farmácia se insere, foi tempo de dialogar com os parceiros da cadeia do medicamento, procurando, desse modo, compreender as visões e motivações atuais de cada um e, nesse entendimento mútuo de realidades, encontrar o espaço que existe para o estabelecimento de pontes colaborativas e sinérgicas. A conclusão foi que há muito mais daquilo que os une, que daquilo que a todos separa. 32

O painel dedicado ao contributo do medicamento para uma saúde sustentável, moderado por Francisco Batel Marques, diretor da Unidade de Avaliação de Tecnologias de Saúde na AIBILI, arrancou com Hubert Leufkens, presidente da Agência Holandesa do Medicamento, que veio a Lisboa para falar sobre políticas do medicamento baseadas na evidência, descrevendo o que seria a sua palestra como «um esforço para demonstrar que nenhuma parte isolada consegue fazer todo o trabalho, é sempre preciso trazer para a equação contributos dos diferentes parceiros». Citando dados de um estudo que será em breve apresentado, Leufkens verificou que «entre 2008 e 2011, numa amostra de países financeiramente estáveis foram implementadas uma média de cinco medidas legislativas para controlo


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de custos nesta área; valor que subiu para 12 em países menos estáveis, sendo que em Portugal foram mais de 20!». A questão que importa colocar, disse, «é: quantas destas decisões foram baseadas em evidência?». Segundo crê, nenhuma: «os decisores políticos, sob grande pressão, procuram reagir à realidade deliberando e implementando, mas muito frequentemente não sabem, nem nós sabemos, quais serão os resultados que daí advirão». O que é então preciso para que se coloque mais evidência na tomada de decisão? O passo primordial é perceber o contexto.

ensaio clínico, olharem primeiro para o “Financial Times” e o “Wall Street Journal”». A suportar esta ideia, apresentou dados de uma pesquisa que mostra como o mercado de ações sofre significativas alterações mesmo antes de serem divulgados os resultados dos estudos científicos. Segundo referiu, «temos vindo a assistir, ao longo dos últimos anos, a uma mudança no foco de atenção

resultado, o que chega ao mercado são produtos para o cancro e para o cancro e, uma vez mais, para o cancro! São, sem dúvida, boas notícias para os doentes oncológicos, mas o número de áreas negligenciadas está a aumentar». Mais: este estado da arte coloca importantes dilemas às autoridades nacionais, porque, «muitas vezes, ao analisar os dossiers, concluímos

“A tradição já não é o que era” A realidade é ditada por uma cada vez maior influência dos doentes e das suas associações sobre os processos de decisão, uma enorme pressão sobre as questões de segurança e gestão do risco, assim como sobre o controlo de custos. Concomitantemente, o atual cenário das Ciências Farmacêuticas é «florescente», e se todas as descobertas se traduzissem em novos medicamentos, «extravasariam o teto desta sala. Mas sabemos que isso não é verdade, pelo que há também uma necessidade de repensar o processo de desenvolvimento de novas drogas». Nos dois últimos anos foram lançados no mercado mundial entre 15 a 20 novos produtos, «o que alguns poderão considerar suficiente, mas, no fundo, reflete uma relação de desequilíbrio entre a quantidade de dinheiro que está a ser investido no processo e os resultados que estão a ser gerados. Também a Indústria está à procura de um futuro diferente!». Talvez por isso, a atualidade do setor pareça estar cada vez mais dependente de aspetos económicos, ao ponto de o orador aconselhar os seus alunos, na Universidade de Utrecht, a, «quando quiserem ter a noção de quais serão os resultados de um

Segundo Hubert Leufkens, «a desconexão entre o medicamento e o seu uso representa uma oportunidade falhada de poupança de 500 mil milhões de dólares todos os anos» da Indústria Farmacêutica no que se refere a áreas de investimento. Quando olhamos para as pipelines, verificamos um interesse crescente nas áreas oncológicas e, em contrapartida, doenças do foro psiquiátrico ou outras, como a hipertensão, têm assistido a uma forte diminuição de investimento. Em

que aquela droga foi efetiva a travar o desenvolvimento da doença durante quatro meses, mas com perda de qualidade de vida observável no grupo tratado. Aprovamos um tal produto? E, depois, comparticipamo-lo?». Por outro lado, o ciclo de vida de aprovação dos medicamentos mudou. «No passado, a Indústria desenvolvia um produto, depois era aprovado, era colocado no mercado com ou sem comparticipação, e o ciclo terminava. Hoje, o mesmo produto é constantemente alvo de atualizações, o que o mantém no ciclo! Nove em cada dez decisões que tenho de tomar diariamente têm a ver com novas informações de segurança, novas informações sobre doses terapêuticas, melhores indicações…». Em suma, «a atualidade coloca-nos grandes desafios, mas em termos de uma política baseada na evidência, aquilo a que temos de responder é: quem é que poderá realmente 33


Helder Mota Filipe lembrou a importância da colaboração de todos os profissionais na construção de processos que tendam ao uso racional do medicamento

beneficiar dos produtos?». Os decisores, defende, estão a esforçar-se para tomar cada vez melhores medidas em todas as fases do ciclo de vida dos medicamentos, o que não é fácil, porque «há sempre muito pouca evidência sobre se o produto irá resultar ou não».

Quando o melhor a fazer é nada fazer Muita dessa incerteza deve-se ao que intitulou como “lacuna entre a eficiência e a efetividade do medicamento”. «As autoridades têm confiança no produto, no modo como ele foi desenvolvido, nos resultados e segurança que demonstrou, ou seja, na sua eficácia, e aprovam-no. Mas, muito frequentemente, quando os medicamentos abandonam os seus ambientes controlados e entram no mercado, começamos a ver o seu uso off-label - nem sempre, mas muitas vezes errado e ligado a custos aumentados -, a sua prescrição inapropriada, a sua toma desregrada ou a falta dela… E os benefícios que aquele fármaco prometia são largamente ultrapassados pelos prejuízos que assim causa. Não é efetivo». Este é um dos campos onde o contributo das farmácias pode ser mais importante e fazer uma 34

enorme diferença, disse, pois «a desconexão entre o medicamento e o seu uso» representa, segundo dados avançados no ano passado no congresso da FIP, «uma oportunidade falhada de poupança de 500 mil milhões de dólares todos os anos». Perante tudo o que foi dito, uma questão se levanta: como criar e apresentar melhor evidência? Procurando perceber a eficácia de um novo produto, não contra placebo, mas quando comparado com o medicamento standard no mercado, e os seus resultados em ambiente real, avançou, acrescentando que «este é o grande objetivo da Investigação em Efetividade Comparada». Não se trata, porém, de algo simples ou sequer possível por vezes, porque «os investigadores na área da decisão política sobre o medicamento deparam-se, amiúde, com obstáculos importantes que impedem uma avaliação das mudanças que decorrerão da implementação de uma decisão». Ajuda, no entanto, colocar sempre três perguntas: qual o diagnóstico do problema? Qual a sua etiologia? Qual o seu prognóstico? «Isto é exatamente o que os médicos fazem com os doentes: tentam diagnosticá-los, procuram perceber como é que a

doença se está a desenvolver e questionam-se sobre se e como podem tratar os doentes no sentido de um melhor prognóstico ou se, pelo contrário, não devem fazer nada. Muitas vezes a conclusão a que se chega é que não tomar medidas é a melhor medida, e assim deveria acontecer também com os decisores políticos. Em Portugal a lista supera as 20! Se calhar, tinha sido melhor, em muitos casos, nada ter feito, porque se criaram novos obstáculos, impediram-se outros resultados».

Fazer mais com menos Helder Mota Filipe, vice-presidente do Infarmed, veio falar sobre o tema da acessibilidade e uso racional do medicamento, «dois aspetos relevantes, que se complementam e são, até certo ponto, sequenciais». Usando como gancho a conferência anterior, dispôs-se a fazer um diagnóstico da situação atual, elencando como fatores a ter em conta o rápido envelhecimento da população com inversão da pirâmide etária, a necessidade de garantir o acesso a medicamentos inovadores, a transição destes da área “química” para a área “biológica/genética”, e cidadãos que têm hoje acesso a mais informação, mas não são, necessariamente, mais informados.


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Para além disto, o contexto económico do país é «o mais difícil dos últimos anos, com impacto em todos os elos da cadeia do medicamento», não sendo novidade a influência do Memorando de Entendimento, «onde são apontadas como metas uma despesa nesta área inferior a um ponto do PIB, o uso obrigatório da DCI na prescrição, a remoção das barreiras legais e administrativas à entrada dos medicamentos genéricos no mercado, e uma quota dos mesmos de 45% no final deste ano, que deverá subir para 60% no próximo». Em resumo, e no que toca ao financiamento do Estado, «havendo recursos limitados, quando olhamos para as alternativas temos de identificar as melhores que nos permitam, com os meios disponíveis, gerar o máximo de eficiência». Essa avaliação, todavia, não é tarefa simples, testemunhou. Reveste-se, antes, de uma série de dificuldades, para as quais contribuem a crescente complexidade e especificidade dos novos medicamentos, a necessidade de demonstração de valor terapêutico acrescentado face às alternativas e a grupos de doentes, a harmonização de decisões a nível nacional e cada vez mais a tentativa de harmonizar a nível internacional, a perceção da razão da necessidade da utilização daquele medicamento e a eficiência na gestão dos recursos públicos.

Meios para atingir um fim Helder Mota Filipe centrou-se, depois, em três áreas que considera importantes do ponto de vista quer do acesso quer da racionalidade terapêutica: os genéricos, os biossimilares e o Formulário Nacional de Medicamentos. No que se prende com os primeiros, destacou como principais medidas já tomadas para promover os valores apontados a criação rápida de grupos homogéneos sempre que aparece um novo genérico; o impedimento de os hospitais do SNS assumirem

«Pretendemos remover o que não está a ser comercializado da base de dados de prescrição e que também é hoje percecionado como falha», avançou Helder Mota Filipe compromissos de aquisição, para além deste ano, de medicamentos de marca que se espera possam vir a perder patente ou ter concorrentes no mercado nessas circunstâncias; e a delegação de competências no Infarmed para a inclusão, ou exclusão, de genéricos nas listas de medicamentos comparticipados, no sentido de acelerar o processo. Sobre os medicamentos biossimilares, esclareceu que se trata de fármacos biológicos similares a outros já existentes, ou seja, são genéricos de medicamentos de referência biológicos e, como tal, apenas podem ser comercializados após expirada a patente. Por inerência da sua juventude relativamente aos compostos químicos, só há pouco começaram a cair as primeiras proteções e os biossimilares só recentemente fizeram a sua entrada no mercado, pelo que, a par do que aconteceu com os

genéricos, também eles enfrentam mitos que é preciso desconstruir, defendeu. «Temos atualmente 12 medicamentos com quatro DCI de biossimilares», os quais levaram já a quebras muito significativas nos preços. «Esperamos que com os novos anticorpos monoclonais, que estão a chegar ao mercado biossimilar, a poupança gerada seja enorme». Por fim, falou no Formulário Nacional de Medicamentos que a recém-criada Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica tem a missão de criar. A sua composição obedece a uma série de critérios, esclareceu, «desde logo o princípio da segurança, ou seja, o produto deve ter inequivocamente um perfil de segurança adequado para utilização em medicina humana», e o princípio da necessidade, «que dita que o produto tem de ser medicamente necessário para o diagnóstico, tratamento ou profilaxia de uma determinada condição patológica». São ainda considerados os princípios da eficácia, onde tem de ser demonstrado um resultado terapêutico comparativo; a análise do custo efetividade, que corresponde ao princípio da economia; e o princípio da alternativa terapêutica, que pressupõe que a existência de medicamentos alternativos preside à seleção entre várias opções terapêuticas identificadas como tal no Formulário». Para já, o Formulário encontra-se, numa primeira fase, dedicado

António Amaral testemunhou que os doentes estão dispostos a pagar por serviços na farmácia, desde que os benefícios sejam evidentes 35


«Estou surpreendido com a adesão dos médicos à DCI, e mesmo na prescrição electrónica a adaptação foi relativamente fácil», referiu António Pereira Coelho

a uma série de áreas terapêuticas que representam maiores encargos para o Estado. «Terminou já a avaliação da área do VIH/Sida, da esclerose múltipla e oncologia da próstata», e está em fase terminal de avaliação um conjunto de outras, de que se destacam, no ambulatório, os antidiabéticos, os anti-hipertensores e os antidislipidémicos. A finalizar, o vice-presidente do Infarmed relembrou que o objetivo do regulador é sempre promover uma maior e mais equitativa acessibilidade ao medicamento, «mas as decisões assim tomadas têm também de contribuir para a sustentabilidade do sistema de saúde, caso contrário, comprometemos o acesso no futuro. São necessárias políticas proativas neste campo, mas não apenas da parte dos políticos: são igualmente importantes os contributos dos profissionais e dos doentes, no sentido de se construírem processos colaborativos que tendam para o uso racional do medicamento».

Alfinetadas para todos Francisco Batel Marques, exemplar no seu papel de moderador, iniciou o período dedicado ao debate por Carlos Gouveia Pinto, presidente do Capítulo Português do ISPOR e professor associado do ISEG, junto do qual procurou saber se Portugal, 36

com uma população progressivamente envelhecida e mais de metade não ativa, é, ele mesmo, sustentável. Os países, lembrou Gouveia Pinto, não vão à falência, «podem é viver com menor ou maior dificuldade, e sendo a primeira opção o objetivo, temos de admitir a necessária sus-

Se fosse ministro da Saúde, Carlos Gouveia Pinto « reviria rapidamente a rede hospitalar» e daria prioridade aos cuidados de saúde primários

tentabilidade. Mas o envelhecimento, em si mesmo, não é um problema, não encarece a saúde – representa 7% do crescimento da despesa. Estou mais preocupado com os economicamente ativos e não ativos». Sendo a nossa uma sociedade em transição, entre dois polos extremos de um Estado - de bem-estar por um lado, minimalista por outro -, quis o moderador conhecer como enfrentam os doentes esta mudança, num país onde a Saúde tem no seu Ministério um ator determinante. António Amaral, representante da Myos na Plataforma Saúde em Diálogo e dos doentes no debate, disse que estes encaram a realidade presente com muita preocupação. «A Plataforma representa doentes crónicos que, embora com diferentes tipos de gravidade, precisam que esteja assegurado o seu acesso ao medicamento e restantes cuidados, o que, por si só, significa que necessitam do Estado. A nossa expectativa é que se mantenha o pendor social». E o que pensam os médicos sobre a farmácia neste contexto? António Pereira Coelho, presidente do Conselho Regional Sul da Ordem dos Médicos, diz que, «com os meus 68 anos, habituei-me, de tal modo, a coexistir com as farmácias, que só posso pensar que esse convívio vai continuar, num clima


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que se pretende o mais harmonioso, amistoso e tecnologicamente correto possível. Julgo que, por maiores que sejam as crises ou a concorrência de múltiplos setores da sociedade, as farmácias, tal como os médicos, continuarão a existir e só desejo que o relacionamento entre ambas as partes regresse a um regime de compatibilidade como até há cerca de 10 anos». Ao bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Batel Marques perguntou o que é que não está bem com a prescrição de medicamentos? Mas Carlos Maurício Barbosa optou por cilindrar a provocação e adotar um estilo politicamente correto, dizendo que «a prescrição, que se segue ao extraordinário ato do diagnóstico, é um ato médico de elevada responsabilidade e seriedade, que nos merece o maior reconhecimento. A seguir, vem algo distinto, a terapêutica», mais do foro farmacêutico. Em igual registo afoito, a primeira questão que dirigiu ao presidente da Apifarma foi se a instituição que dirige mantém a mesma opinião, hoje, que tinha na altura em que lançou uma campanha publicitária dizendo que os medicamentos genéricos não tinham qualidade. Da plateia chegaram risos, mas Almeida Lopes não desarmou: «os genéricos são hoje uma questão incontornável em Portugal, onde têm uma taxa de penetração exemplar mas, e não querendo fugir à pergunta, a verdade é que, dada a minha proveta idade, já não me lembro disso!». A audiência estava conquistada, reativa ao que se passava no palco, como se viu, logo de seguida, pelo marulho bem-disposto, quando o moderador perguntou a Paulo Duarte se as farmácias se estavam a dar bem com o crescimento dos genéricos. «Diria que sim», afirmou o presidente da ANF, «porque do ponto de vista estratégico alinhou as farmácias com os interesses dos doentes e do Estado. Imagine-se qual seria a dimensão do mercado e dos cortes a que estaria sujeito se dos medicamentos dispensados, um quarto não fossem genéricos!».

Os fornecedores da Saúde, «aos quais o Estado não paga», são hoje um «outsourcing da contenção», acusou João Almeida Lopes E, dirigindo-se a Paulo Lilaia: «diga-me, dez anos volvidos, o ponto em que a Indústria de Genéricos se encontra corresponde ao que eram as suas expectativas?». Não, defendeu, categórico, o presidente da Apogen, «a minha expectativa era que pudéssemos estar mais além. É certo que no início houve grandes resistências, muitas campanhas de má publicidade, mas também é um facto que à medida que foram sendo divulgados dados e as dúvidas dissipadas, passou a ser claro e aceite que os genéricos têm qualidade assegurada, e até pela - ou especialmente pela! - nossa situação económica, julgo que Portugal tem de alinhar rapidamente o consumo de medicamentos genéricos com o nos restantes países europeus». A ronda introdutória de questões terminaria com um repto ao vice-presidente do Infarmed, Hélder Mota Filipe: «explique-me: temos uma avaliação para que os medicamentos tenham autorização de introdução

no mercado (AIM), uma avaliação do seu benefício versus o risco, uma avaliação do seu valor terapêutico acrescentado, uma avaliação da Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica… Paralelamente, temos guidelines, temos as Normas de Orientação Clínica (NOC) da DGS… Não há normas a mais?». Para o interpelado, não só não são a mais, como «são muito importantes e conseguimos identificar claramente as balizas de cada avaliação».

Visões e opiniões “intersetoriais” A segunda ronda de questões iniciou-se, uma vez mais, pela visão mais abrangente e «outsider» da Saúde de Carlos Gouveia Pinto, conforme assinalado por Batel Marques, que, a propósito dos estudos de avaliação económica, lhe levantou o dilema de uma Economia positiva ou normativa? Na resposta, o professor associado do ISEG deixaria assegurado que «a Economia só tem sentido se for normativa. Diz-se que é positivo aquilo que é descritivo, mas de nada vale, depois, desenvolvermos modelos muito bonitos se daí não forem extraídas conclusões para o que deve ser a sociedade». Trata-se, portanto, defendeu, de «uma falsa questão». Segundo Gouveia Pinto, «lidamos hoje com uma situação nova que nos irá marcar para o resto dos tempos, 37


e que nos deixa como principal lição o facto de que não podemos continuar a gastar mais do que produzimos. Esta não é uma constatação política, resulta tão só da capacidade de intuir a realidade do país e daquilo que nos rodeia. Para a Saúde, isto significa que a despesa, em regra, não deve aumentar mais do que a taxa de crescimento do produto, ou seja, a riqueza gerada, que é aquilo que de facto existe para sustentar os nossos gastos. Isto obriga a um exercício de definição de uma restrição orçamental ao quanto podemos gastar, procurando maximizar a saúde nesse dado intervalo. A avaliação económica é útil nesse exercício, e deverá ser estendida a todas as tecnologias, não apenas ao medicamento». Tempos diferentes implicam diferentes abordagens e, a Almeida Lopes, foi pedido que falasse sobre o que tem de mudar no paradigma da Indústria Farmacêutica para que se alcancem ganhos em eficiência e ao mesmo tempo se compatibilize a necessidade social do copagamento dos medicamentos. O presidente da Apifarma começou por concordar que «tem de haver, de facto, um esforço grande de adaptação, mas penso também que, de algum modo, é a isso que temos vindo a assistir. Veja-se o referencial de preços hoje em comparação com há alguns anos: em última análise, a diferença vem claramente de um aguçar das dificuldades em termos de financiamento da despesa por parte dos Estados e que levam a uma compressão dos preços». Porém, continuou, em termos de evolução da despesa com a saúde, «se, como diz o Prof. Gouveia Pinto, ficarmos apenas a olhar para a evolução do PIB, não sei se iremos muito longe, uma vez que as perspetivas não são muito positivas. Na minha opinião, há outros caminhos importantes pelos quais se pode optar para corte de custos, ao invés dos mesmos continuarem a incidir sobre esta cadeia que é, afinal de contas, estratégica e geradora de saúde. O país enveredou por restrições orçamentais e, na Saúde, centrou-se na área do medicamento, e não estamos 38

Carlos Maurício Barbosa defende que «integração e reorganização» são palavras-chave para um novo modelo da Saúde a permitir a entrada de muita inovação, sendo que é dela que dependem os genéricos de amanhã». E a Farmácia? Para Batel Marques, «nesta otimização da cadeia de valor, é previsível uma mudança no modelo do exercício da Farmácia, de modo a contribuir com maiores rácios de custo efetividade». Assim, a questão colocada a Paulo Duarte foi «como é que, genericamente, as farmácias pensam que têm de se reposicionar neste período de transição?». A verdade, segundo o presidente da ANF, é que «nós procurámos antecipar esse reposicionamento. Não é por acaso que em 1999 a ANF surgiu com uma nova abordagem à profissão, a partir da qual, com a celeridade possível no nosso país, tem vindo a fazer diferentes propostas, assim como desenvolveu competências internas e trabalhou para a melhoria das farmácias, no terreno, nesse sentido». Porém, a rapidez com que o enquadramento se alterou esgotou o anterior modelo, que urge

ser substituído por um outro. «E, aí, temos dois caminhos: ou promovemos a nossa diferenciação e contribuímos para os objetivos de sustentabilidade, alinhados com os outros agentes do setor do medicamento, que é, no fundo, o que queremos e nunca o escondemos, ou, se isso não nos for permitido, seguiremos o caminho de realidades que nada têm a ver com a nossa. A certeza, porém, é só uma: as farmácias irão adaptar-se aos modelos - e só a esses - que lhes permitam sobreviver». Ao moderador, afigura-se como um dos caminhos possíveis uma transição em direção à prestação de serviços de saúde. Assim sendo, «como é que a Ordem dos Médicos vê essa transição?», equacionou junto de Pereira Coelho. Este começou por afirmar que, a primeira vez que substituiu o seu bastonário foi num encontro que tinha por tema a DCI, «assunto que dominava na altura todas as discussões entre os médicos e onde eu tive a ousadia de dizer que, da parte da classe médica, havia já uma evolução francamente satisfatória na adesão à DCI e aos medicamentos genéricos – estive à beira de ser trucidado no Conselho Nacional, mas posso assegurar, com muita satisfação, que isso não aconteceu! [Risos da plateia] E, de facto, estou surpreendido com a adesão dos médicos à DCI, e mesmo na prescrição eletrónica a adaptação foi relativamente fácil – embora já não possa classificar do mesmo modo o comportamento do Ministério da Saúde, onde houve e continua a haver uma imensa anarquia interna, como se pode verificar pelas receitas, de que modelos já tivemos quatro! Concretamente sobre o que refere, não considero esse um problema transcendente para os médicos! Ou seja, será seguramente um problema mais teórico que prático», como os exemplos referidos! Maurício Barbosa, a quem havia sido solicitado que partilhasse as suas ideias para o estatuto remuneratório dos farmacêuticos, apressou-se


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«As farmácias irão adaptar-se aos modelos - e só a esses - que lhes permitam sobreviver», afirmou Paulo Duarte

a concordar com Pereira Coelho, sublinhando que «também achamos que as alterações sistemáticas não beneficiam ninguém, como, de resto, estamos em sintonia em muitas outras situações. A minha visão é que farmacêuticos e médicos têm de trabalhar em conjunto, o que aliás já acontece há muito no terreno, apesar das divergências pontuais ao nível das cúpulas organizativas». Respondendo depois ao repto que lhe havia sido lançado, o bastonário disse que «é público que a Ordem dos Farmacêuticos defende há muito uma alteração do modelo remuneratório da farmácia e consideramos que o atual está perfeitamente esgotado. Outros países, antes mesmo da crise e da espiral recessiva, introduziram aqui alterações, como aconteceu na Suíça que, há já cerca de 15 anos, e enfrentando a incompreensão da própria classe, hoje muito contente, se desvinculou do preço do produto. Isso é fundamental!». Os doentes, por seu turno, e a crer no testemunho de António Amaral, estariam dispostos a pagar pela prestação de serviços nas farmácias, desde, claro, «que o possam fazer e percebam que isso lhes traz grandes benefícios, como é o caso do acom-

panhamento terapêutico, que seria mesmo muito importante para os doentes crónicos». O mercado ético, fez notar Batel Marques, divide-se entre um grupo onde há concorrência - os medicamentos genéricos - e um outro onde existem monopólios. A pergunta a Paulo Lilaia foi se este se sentia «confortável com os medicamentos genéricos a concorrer pelo preço?». A réplica foi positiva, «somos a favor de um mercado concorrencial», desde que, enfatizou, «os mecanismos existentes não façam descer os preços para níveis onde a viabilidade da presença do fármaco no mercado ou mesmo das empresas seja posta em causa». Conforme fez notar o presidente da Apogen, «hoje, em Portugal, queremos ser como os países mais desenvolvidos, mas como temos menos riqueza, temos de fazer de modo diferente. As nossas expectativas estão ao nível dos noruegueses mas o nosso PIB está ao nível… bom, de Portugal! [Risos na plateia] Em África, temos países muito bonitos, com locais muito agradáveis, mas onde o sistema de saúde é algo praticamente inexistente e as pessoas morrem por tudo e por nada. Já na ex-URSS, há países onde existe um SNS, mas nada é

comparticipado. O que Portugal tem de fazer é procurar um modelo que lhe permita ter a sua saúde ao nível dos últimos 30 anos, com um preço mais baixo». A próxima interpelação ao vice-presidente do Infarmed teve como objetivo saber se este teria notado, em todo o recente processo de alteração e ajuste do mercado, alguma falha de regulação, tendo este concluído que sim. Aliás, «mentiria se dissesse que não. As falhas de medicamentos no mercado são disso evidência. Há várias razões para essas falhas: há companhias de genéricos que não mantêm o mercado abastecido, e há um conjunto de fármacos objeto de uma exportação paralela exagerada repare que disse exagerada e não ilegal, porque a exportação paralela é legal. Os fatores são diversos e têm de ser tratados de modo diferente. Por outro lado, o Infarmed e a ACSS estão a trabalhar na limpeza da base de dados, retirando-lhe um conjunto de medicamentos que não existem, o que até aqui não era fácil de fazer. Pretendemos remover o que não está a ser comercializado da base de dados de prescrição e que também é hoje percecionado como falha». 39


“Se eu fosse ministro da Saúde…” E se os cortes não fossem na área do medicamento? E se cada um dos intervenientes no debate fosse o ministro da Saúde? Expurgando os medicamentos da equação, que prioridades teriam para tornar o SNS e o sistema de saúde sustentáveis? Para Paulo Duarte «a minha prioridade seria alterar a lei», ou, conforme explicou depois, terminar com o tratamento discriminado, com todas as suas implicações, entre o que é estatal e o que é privado. «Era, no fundo, considerar um Sistema Nacional de Saúde, olhando para as diferentes áreas e contratualizando serviços com aqueles que os prestam melhor e de modo mais eficiente. Estou convencido de que o sistema, se for bem regulado, irá gerar eficiência». Já António Amaral, considerando que «o cidadão quer ser atendido nos locais da sua preferência», agiria nesse sentido, mas, «tratando-se de uma utopia, espero que assegurem às pessoas os serviços prioritários e primários». Paulo Lilaia relembrou o guru do Marketing, Michael Porter, e o seu relatório sobre Portugal, onde este concluiu que os portugueses deveriam fazer melhor vinho, melhores sapatos, melhor turismo… «Ou seja, fazer melhor aquilo que já fazem bem e onde têm uma posição confortável, para se tornarem especialistas e distintivos. No Sistema de Saúde, é igual: parece-me claro que o que há a fazer é uma melhoria sobre o sistema que já existe». António Pereira Coelho, por seu turno, confessou-se grandemente preocupado com a «manifesta perda de qualidade do SNS e a degradação segura nos próximos anos, quer pelo número de alunos em Medicina quer pela dificuldade que vão ter em encontrar vagas 40

A Apogen, segundo Paulo Lilaia, é a favor de um mercado concorrencial, desde que «os mecanismos existentes não façam descer os preços para níveis onde a viabilidade seja posta em causa» no regime de internato, apontando igualmente o que considerou ser «uma nítida discriminação por parte do poder, no setor privado, entre aquele que é financiado pelos grandes grupos económicos e os pequenos prestadores», áreas onde, se fosse o detentor da pasta ministerial, iria agir. Carlos Gouveia Pinto escolheria o percurso mais próximo do seu coração e «abriria o Instituto de Tecnologias de Saúde, transpondo para a decisão os seus pareceres». Mas não se ficaria por aí: «reviria rapidamente a rede hospitalar, em unidades e recursos humanos, e daria efetiva prioridade aos cuidados primários de saúde. Não tem qualquer sentido a concentração de

tecnologias da saúde nos hospitais, como hoje acontece». Para Helder Mota Filipe a prioridade seria «a geração sistemática de evidência, bem como a medição de resultados. Passamos o tempo a decidir com base na perceção de qualquer coisa, até porque toda a gente que deveria notificar não o faz, toda a gente que deveria sentir-se responsabilizado não se sente… e isso não pode continuar». Maurício Barbosa alinha pelo mesmo diapasão, e elegeria como obrigatório o «estudo prévio, a criação de evidência, a avaliação de impactos. Se assim fosse, a realidade não seria compatível com a unidose nos moldes atuais, a abertura de farmácias em hospitais, etc, etc. Também acredito na liberdade de escolha dos doentes, e a primeira seria logo em relação ao médico de família, bem como a reorganização do sistema, através da integração das diferentes valências profissionais. Integração e reorganização», sublinhou. Por último, e sem destoar, João Almeida Lopes comentaria que «acho que, de facto, se gere muitas vezes pelo “cheira-me que isto vai dar certo”, e a referência do Prof. Helder Mota Filipe é fundamental, assim como seria a tomada de decisões e a sua manutenção no quadro legislativo». Alguma estabilidade, portanto! «Depois, deixaria de eleger a saúde como o primeiro local onde cortar custos» e que traz hoje os fornecedores da saúde, «aos quais o Estado nem sequer paga», na posição de «outsourcing da contenção». Coube a Hubert Leufkens, a pedido do moderador, um último comentário, tendo este dito que «sou muito humilde ao aconselhar Portugal no que quer que seja, porque as instituições portuguesas estão ao nível das mais importantes do mundo, mas concordo que o setor deverá continuar a investir na criação de evidência». Assim chegava ao fim, sob forte aplauso, o segundo painel dos trabalhos.


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Expofarma

Edição de 2013 foi um sucesso Simultaneamente ao 11.º Congresso Nacional das Farmácias teve lugar, como vem sendo já habitual, a realização da edição de 2013 do salão de Farmácia Expofarma, com o lema “Valorizar a Saúde”. No balanço da iniciativa, o diretor do certame deu conta da presença de 70 expositores visitados por um total de 7.032 pessoas nos três dias de atividade, dados que, suportados «pelo feedback muito positivo que recebemos» dos primeiros, permitem a Filipe Mota Rebelo considerar que o evento foi «um sucesso». Mota Rebelo sublinha ainda a forte aposta, tanto da organização como das entidades presentes, na componente formativa em áreas de especialidade da saúde e de outros temas transversais, consubstanciada na realização de diferentes conferências e workshops inseridas no contexto da feira, assim se contribuindo «para o enriquecimento pessoal e profissional dos participantes»; bem como a dinâmica de convívio e interatividade entre expositores e visitantes, sempre presente no Espaço Lounge. Entretanto, já a pensar em 2014, a organização deixa, sem adiantar ainda grandes detalhes, a promessa de um novo modelo para a Expofarma.

Noite da Farmácia O já tradicional jantar “Noite da Farmácia”, onde são entregues os Prémios Expofarma procurando distinguir os melhores expositores do salão, voltou a ter lugar, no sábado, no Salão Preto e Prata do Casino Estoril, onde os convidados puderam assistir, depois, ao espetáculo "Lord of the Voices", com Fernando Pereira. Confira os vencedores na tabela. Foi também na Noite da Farmácia que teve lugar a atribuição do Prémio Responsabilidade Social, englobado no espírito de apoio a Associações de Doentes e que este ano a Expofarma, em parceria com o BES, atribuiu à Associação Portuguesa de Doentes de Parkinson. Prémios Expofarma 2013 Prémio

Vencedor

Outros nomeados

Melhor Design

Sandoz

Caudalie Moreno Sensilis

Melhor Stand de Equipamentos e Serviços

Alliance Healthcare

Barclays Plural Top Atlântico

Melhor Stand Indústria Farmacêutica

Pfizer

Labesfal Mylan Sandoz

Prémio Inter-Pares

Sandoz

Labesfal Moreno Sensilis

Expositor do Ano

Mylan

Actavis Pfizer Sandoz

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Painel III: CONTRIBUTO DA FARMÁCIA PARA UMA SAÚDE SUSTENTÁVEL

Espírito construtivo O último painel do Congresso Nacional das Farmácias permitiu, em linguagem corrente, atar as pontas que se vinham desfiando. Por outras palavras, colocou a Farmácia no centro das análises e demonstrou como, com trabalho e sem preconceitos, o setor pode não apenas ser sustentável, mas contribuir largamente para a sustentabilidade e elevação da qualidade do próprio sistema de saúde em que se insere. O presidente do Infarmed, Eurico Castro Alves, foi moderador no último painel do do Congresso, antes do seu encerramento. O tema que a seguir se abordaria foi, para si, de escolha «muito oportuna». “O contributo da Farmácia para uma saúde sustentável” «é hoje um assunto de fundamental debate. Acredito, verdadeiramente, que o papel das farmácias passa também por ajudar a sustentar o sistema nacional de saúde, no qual têm uma participação preponderante. São elas muitas vezes o primeiro e geralmente o último contacto do doente com o sistema, e o seu trabalho vai, seguramente, muito além da dispensa do medicamento». Sobre isso se falaria a seguir. 42

Sobre o desperdício de recursos António Vaz Carneiro, do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBA) da Faculdade de Medicina de Lisboa, veio apresentar um ensaio, realizado em conjunto pela instituição que representa e o Centro de Estudos Aplicados (CEA) da Católica Lisbon School of Business and Economics, sobre a transferência de cuidados de saúde prestados em meio hospitalar para a rede de cuidados primários e continuados. A pesquisa, divulgada em relatório há um ano, pretendeu não só identificar e quantificar os cuidados passíveis de assim serem deslocados, «mas também estimar o impacto financeiro

dessas mudanças, sob um ponto de vista societal», explicou, acrescentando que o modelo aplicado é ainda muito inicial, porque não há muita matéria publicada nesta área, carecendo, por isso, de melhorias. Mas serve, defendeu, para se fazer uma primeira reflexão sobre o tema e perceber, desde logo, algumas das potencialidades desta transferência. As conclusões apontam para uma aparente manutenção da qualidade dos cuidados, embora a mudança venha a implicar, sempre, algum nível de reestruturação e uma melhor comunicação entre as entidades hospitalares e os cuidados de saúde primários. Para estes últimos, os benefícios seriam mais evidentes a longo


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A transferência de cuidados do hospital para a rede primária e continuada representa uma poupança potencial de cerca de 360 milhões de euros, disse António Vaz Carneiro

prazo, mas o impacto orçamental seria globalmente positivo, tendo o estudo apurado, em custos diretos e totais, um valor de poupança potencial de 355,97 milhões de euros.

Sobre a eficiência na sua aplicação Alexandre Lourenço, da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), veio falar sobre “Contratualização e Modelos de Pagamento nos Cuidados de Saúde Primários”. Ao longo da sua conferência, procurou sublinhar a importância da redução de custos no âmbito da Saúde, mas sempre com a preocupação de proteger aquilo que considerou ser o núcleo essencial do sistema: «a prestação de cuidados

de elevada qualidade e eficiência, que não deve ser tocado». Segundo partilhou com a audiência, há uma quantidade de fatores que são conhecidos. «Sabemos que 1% da população é responsável por 25% da despesa em saúde realizada num ano, que 5% é responsável por 50% e outros 10% por 66%. Logo, se trabalharmos sobre esta população, temos mais probabilidades de ter maior valor em saúde. Sabemos também, por outro lado, que existe um conjunto de ineficiências na prestação dos cuidados, assim como tarefas não clínicas realizadas por profissionais de saúde e outras administrativas, de gestão e de suporte que não trazem mais-valias ao sistema. É nestas áreas que devemos trabalhar em termos de

«A interligação dos vários atores promoverá uma melhor saúde para todos», acredita Alexandre Lourenço

redução da despesa, para que o núcleo se possa expandir». Sobrepondo estas duas realidades conhecidas, uma terceira emana: a gestão da doença crónica e o acompanhamento, na comunidade, da população doente resulta sempre numa menor despesa em saúde a médio prazo, quando comparada com a abordagem tradicional, baseada em hospitais. «Há grandes exemplos disto, como os casos de mortalidade ao nível do cancro colorretal, onde Portugal aparece sempre muito mal posicionado a nível internacional! Se promovermos programas de prevenção, pouparemos em termos puros, quer na criação de resultados em saúde quer na redução de custos. Ou no caso da diabetes, em que é possível ter uma maior gestão da doença, evitando uma consequência do descontrolo como o são as amputações». É aqui, diz, que entra a contratualização dos cuidados em saúde, «que se baseia numa averiguação das necessidades, no desenho de respostas concretas e efetivas, e na identificação dos prestadores mais preparados». Esta lógica pressupõe o abandono de uma abordagem aos operadores como se constituíssem «silos que não conseguem comunicar entre si», e evoluir para uma visão mais aproximada daquela que o próprio cidadão tem sobre estes temas, mais horizontal. «A 43


Poster vencedor No decurso do 11.º Congresso Nacional das Farmácias estiveram em exposição 35 posters admitidos a concurso, refletindo igual número de diferentes iniciativas já realizadas ou em curso nas farmácias associadas da ANF. Imediatamente antes da Sessão de Encerramento do congresso, Margarida Caramona, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra e membro da Comissão Científica, anunciou o trabalho intitulado como “Fatores de risco de resultados clínicos negativos identificados na revisão da medicação de doentes idosos” (*), como tendo sido considerado o que melhor correspondeu aos critérios em avaliação pela Comissão Científica, distinguindo-se, portanto, entre os demais. Para a decisão, segundo disse, contribuiu a componente científica que acompanhou a vertente prática do caso, a demonstração inter pares da mais-valia da intervenção, o reconhecimento do esforço dos colegas para a concretização desta etapa e o

impacto futuro do trabalho, que deverá traduzir-se em melhorias para os doentes, para a profissão e para a farmácia. (*) Autores - Andreia Madanelo, Paulo Monteiro: Farmácia S. José, Coimbra. Isabel V. Figueiredo, Margarida Castel-Branco, Margarida Caramona: Grupo de Farmacologia e Cuidados Farmacêuticos, FFUC. Fernando Fernandez-Llimós: Departamento Sócio-Farmácia, FFUL.

interligação dos vários atores promoverá uma melhor saúde para todos», acredita. Terá sido este o modelo aplicado aos cuidados de saúde primários, traduzido no processo de contratualização com as unidades de saúde familiares (USF) e, mais recentemente, com alguns agrupamentos de centros de saúde (ACC), e que se baseia em indicadores de saúde ao invés de atividade. «Posso já anunciar uma evolução no próximo ano, pois passará a ser baseado em resultados em indicadores de saúde, como a percentagem de diabéticos controlados ou de hipertensos controlados. Esta mudança irá promover, certamente, uma melhor saúde, mas também, a prazo, uma redução de custos». Entretanto, já há estudos que comprovam uma melhoria na prestação dos cuidados e a promoção de melhores resultados em saúde, como acontece na percentagem de primeiras consultas de vida até aos 28 dias ou na percentagem de inscritos entre os 50 e 74 anos com exame de deteção precoce do cancro colorretal atualizado. Para Alexandre Lourenço, ao procurar-se identificar os prestadores, «devemos ter presente a noção de aproveitamento de todas as oportunidades» e a preocupação de fazer prevalecer aquelas que representem para o doente «uma maior proximidade, eficácia e flexibilidade para uma resposta atempada, integrada e capaz». Depois, no âmbito do pagamento, assumir que este deve ocorrer depois dos resultados alcançados, ou seja, «não faz sentido pagar por percentagem de testes efetuados, mas pelos resultados em saúde alcançados».

Sobre a roda já inventada Kate Mulvenna trouxe ao congresso o caso irlandês de contratualização de serviços entre o Estado e as farmácias, começando por fazer um breve enquadramento do sistema 44


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de comparticipação no seu país, que assenta em quatro esquemas principais: suporte total dos serviços de saúde prestados, abrangendo 40% da população; apoio no pagamento de medicamentos acima dos 144 euros mensais, que atinge 60% da população; comparticipação dos medicamentos em 15 patologias previamente definidas (diabetes, epilepsia, Parkinson, esclerose múltipla…); e comparticipação de medicamentos “High Tech”, antes fornecidos em ambiente hospitalar, «mas que escolhemos disponibilizar através da farmácia comunitária, para os tornar mais acessíveis às pessoas e reduzir uma parte da pressão sobre o sistema hospitalar». Antes de 2002, altura em que a legislação foi alterada, quis-se transferir algum do peso que estava no lado dos médicos da rede de cuidados primários e, para tal, as farmácias vinham sendo encorajadas a investir nas suas instalações e a aumentar o número de farmacêuticos nas suas equipas. Antes desta legislação a instalação de novas farmácias estava condicionada a regras de distanciamento e capitação e, nessa altura, havia 12 mil farmácias na Irlanda. Hoje são 17 mil, em função das mudanças legislativas operadas. Estabeleceu-se um novo contrato entre o Estado e o setor, onde o primeiro reconhece, em diversas cláusulas, a expertise profissional do segundo, sendo o caso, por exemplo, da passagem das terapêuticas High Tech para o ambulatório, em que a farmácia recebe o medicamento, que é pago em avançado pelo Estado, a custo zero e um fee, atualmente de 62 euros mensais, por cada paciente que a escolha para prestadora do serviço. Por outro lado, havendo a noção da evolução tecnológica ao nível das terapêuticas e da importância de manter os farmacêuticos atualizados para a prestação de um serviço de qualidade, o Estado investe dinheiro na

sua formação contínua, sem custos para as farmácias. Outra questão importante que o novo contrato encerra assenta na revisão da terapêutica, ou seja, antes da dispensa do medicamento, o farmacêutico tem de avaliar esse ato no contexto da realidade terapêutica daquele doente nos últimos meses. «Assim se torna mais fácil detetar erros, interações e sobreposições medicamentosas, ao mesmo tempo que, ao dialogar com o doente, se assegura que são transmitidos alguns concei-

tos importantes e que se procurou consciencializá-lo para a importância da adesão à terapêutica». O programa de administração de metadona, a troca de seringas e a vacinação são outros dos serviços cuja prestação é contratada com a farmácia, este último com a particularidade de que é o Estado que, à imagem do que acontece com os centros de saúde, fornece as vacinas. «Todos os setores apresentam desafios, assim como todas as escolhas que se fazem, mas cabe ao Estado pensar o caminho mais eficiente possível que o doente tem percorrer no circuito da Saúde», defendeu Kate Mulvenna, acrescentando que, na Irlanda, «o Estado percebeu que já tinha investido e continuava a investir

na especialização técnica dos farmacêuticos, e tinha agora de tornar esse recurso valioso acessível».

Sobre o tanto que há por fazer “USF e Farmácias - Uma aposta de futuro” foi o título da conferência de José Luis Biscaia, da USF de São João da Figueira, que veio ao congresso defender a ideia-chave de parceria entre estas duas entidades da saúde.

«O Estado irlandês percebeu que já tinha investido e continuava a investir na especialização técnica dos farmacêuticos, e tinha agora de tornar esse recurso valioso acessível», testemunhou Kate Mulvenna 45


Conforme tem defendido, «as Unidades de Saúde Familiar foram, no quadro da Administração Pública, a única reforma de Estado que se operou nos últimos 15 anos», o que facilmente se pode aferir através da caracterização do próprio perfil de USF. «Uma USF é um conjunto de pessoas que, acreditando num projeto, se uniram para lhe dar forma, comprometendo-se com uma visão e valores para cumprir uma missão muito clara, que é a prestação de cuidados de saúde primários centrados na pessoa e na família. Ao contrário do que acontecia com os centros de saúde, têm uma carteira básica de serviços (e carteiras adicionais) que fornecem a uma população inscrita; têm autonomia organizacional - o que representa um salto imenso na Administração Pública - e contratualizam resultados práticos, contextualizando recursos e necessidades em saúde, monitorização e acompanhamento. São igualmente inovadoras no seu sistema retributivo, ligado ao desempenho, e no facto de todo o seu processo de desenvolvimento ter sido construído de baixo para cima, ou seja, com adesão voluntária dos profissionais». Como operacionalizar, então, uma parceria entre estas entidades e as farmácias? Para José Luis Biscaia é óbvio que, ao invés de no medicamento, o foco terá de ser na pessoa, ou seja, «na identificação do que cada um faz para que se alcance determinado resultado em saúde». Isto pressupõe que as organizações sejam inteligentes «no modo como gerem o conhecimento e a sua disseminação, na sua capacidade de renovação, na garantia da inclusão e participação das pessoas e na obtenção de resultados eficazes e satisfatórios por meios sustentáveis». E presume também o uso de sistemas de informação, em alguns níveis partilhados, «que por si só potenciam a mudança do fluxo do próprio doente no circuito de saúde». Para concretizar estes conceitos, o médico apresentou então quatro 46

exemplos práticos do que pode ser feito numa lógica colaborativa. «Na avaliação do risco cardiovascular, temos de sair do campo do “rastreiozinho”. As farmácias, legitimamente, fazem um conjunto destas iniciativas, que se forem inseridas no processo de cuidados que definiram em conjunto com as USF e a informação ficar acessível a ambas as partes, permitem poupar tempo e recursos. Mas atenção: não estaremos a medir o colesterol, estaremos a avaliar o risco cardiovascular, porque é nesse campo que iremos intervir». Outro âmbito a explorar é o da gestão da doença aguda, «onde, certamente, se irão levantar muitos tabus. Há um conjunto de questões que tem de ser discutido calmamente, como a possibilidade de, em casos de doença aguda, se definir um processo de cuidados para intervenção, referenciação e desde logo dispensa de um medicamento já identificado em protocolo de atuação. Isto implica apenas que

Para José Luís Biscaia, «há muito que médicos e farmacêuticos podem discutir para coligar saberes e experiências»

as pessoas se sentem para trabalhar em conjunto e definir processos, tal como acontece ao nível dos protocolos de intervenção ou formulários locais, em que há muito que médicos e farmacêuticos podem discutir para coligar saberes e experiências». O mesmo no que concerne à automedicação, conciliação e adesão terapêutica, onde os campos de intervenção podem ser muito vastos. Os ganhos são, em sua opinião, evidentes: «qualifica-se o acesso, obtêm-se melhores resultados, promove-se um uso mais racional do medicamento, geram-se ganhos de eficiência, garante-se mais segurança ao doente e fomenta-se uma maior capacitação de todos para fazer as coisas melhor».

Sobre o que tem de ser feito O último orador da manhã de trabalhos foi Pedro Pita Barros, da Nova School of Business and Economics, que trouxe alguns dados preliminares do estudo em desenvolvimento sobre “Um Novo Modelo de Remuneração para as Farmácias”. No enquadramento da sua preleção, explanou que o estudo da Nova tem como ponto de partida a redução de margens das farmácias, em resultado da baixa dos preços dos medicamentos, situação que classificou ro-


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tundamente como sendo «estrutural e não conjuntural». «Nesta componente da sua atividade, que é a mais importante, a farmácia não controla nem o preço nem quantidade das suas vendas, pelo que não consegue evitar que o preço seja menor que o “custo marginal” de cada receita». Em semelhantes condições, relembrou, a solução não passa por uma concentração da atividade, uma vez que o problema não se verifica ao nível da diluição de custos fixos. Por outro lado, o enquadramento atual, definido pelo Estado, apresenta fortes limitações: os preços dos medicamentos não vão subir, assim como não se pretende que cresça a despesa do Estado nem dos cidadãos. Ao nível do mercado, também não se preconiza fácil ou mesmo possível uma subsidiação através de atividades desenvolvidas em âmbitos distintos ou venda de produtos de tipos diferentes. As soluções, por isso, são mais escassas que noutros setores, mas não inexistentes, podendo passar por uma alteração da forma de remuneração das farmácias, deixando de a fazer depender do preço de venda ao público do medicamento (ou pelo menos atenuar fortemente) e/ou remunerando atividades desenvolvidas. Sobre o primeiro ponto, o atual sistema de remuneração da dispensa de medicamentos já apresenta, desde 2011, alguma flexibilidade, considerando uma parte fixa e uma parte percentual do preço, consoante os escalões, pelo que o princípio técnico já foi introduzido. O passo seguinte passa por reduzir a parte percentual do PVP e redefinir a parte fixa. O que se pretende com o estudo em desenvolvimento é descrever as características principais dos modelos de remuneração europeus mistos (Suíça, Reino Unido, Eslováquia, Bélgica, Espanha, Irlanda, França, Alemanha) e simular a aplicação das margens desses países ao mercado português. Depois, com base nisso, nos resultados de estudos anteriores

Pedro Pita Barros abordou os círculos de qualidade suiços, dinamizados por farmacêuticos e dirigidos a médicos, com vista à melhoria da qualidade da prescrição

e em critérios equitativos, propor um ou mais modelos de remuneração para Portugal. Foi já possível fazer algumas observações importantes e tirar daí algumas elações, mas, neste âmbito, Pedro Pita Barros resolveu debruçar-se com algum pormenor sobre o caso suíço. «A Suíça tem um sistema de pagamento às farmácias que assente não só numa margem percentual sobre o preço, mas também num valor fixo por embalagem, num valor por dispensa de medicamento (linha de receita) e por validação de tratamento (por doente por dia), e em valores de serviços incluídos (dispensa de urgência, dispensa de genérico, revisão da terapêutica, dose unitária semanal, toma sob observação direta, etc.). Em termos conceptuais, a remuneração está dividida em pagamento de custos logísticos e de capital, e pagamento da dispensa, decorrendo a primeira parte da participação das farmácias na logística de distribuição/gestão de stocks, estando a segunda parte, análoga às margens reguladas em Portugal, completamente desligada do preço do medicamento e assente num sistema de pontuação de serviços de dispensa». Um dos efeitos positivos deste sistema foi uma redução média do preço dos medicamentos. Outra característica interessante do sistema suíço é a existência de círculos de qualidade interdisciplinares.

«O conceito foi introduzido em 1997/98 por médicos, com o objetivo de melhorar a qualidade da prescrição, e a sua difusão tem sido lenta, mas segura». Havendo-se percebido que uma melhor terapêutica leva a um menor custo, foi entretanto criado um fundo que financia o projeto, ao qual a adesão é voluntária. Funciona por grupos compostos por um mínimo de cinco e um máximo de 15 médicos de família, e entre um a três farmacêuticos, que cumprem o papel de animadores do círculo. Promovem, pelo menos, três sessões anuais para discussão de quatro de nove temas possíveis (cardiovascular, pneumologia, diabetes, antibióticos, etc..), apresentando e discutindo nesse âmbito estatísticas de prescrição e debatendo casos de doentes escolhidos pelos médicos. Recebem, para tal, cerca de 13 mil euros por ano, pouco, se comparado com os 42% de redução nos custos que a sua participação nas reuniões com médicos de família promoveu somente entre 1999 e 2007. Este pode ser para Portugal um exemplo de uma nova atividade a ser remunerada, por cumprir aquilo que Pita Barros define como essencial nestes casos: verificar-se um benefício social superior ao preço e ao custo. «Basta um destes princípios não se verificar para um serviço não ser passível de fazer parte de um novo sistema de remuneração». 47


Workshops

Ferramentas para a mudança Dirigidas à prática profissional quotidiana, as cinco workshops que nesta edição fizeram parte do programa de trabalhos do congresso da ANF, apesar de muito diferentes entre si, tiveram em comum uma preocupação: dotar a farmácia de ferramentas que lhe permitam melhorar os seus resultados. Nutrição na Farmácia Os objetivos da workshop dedicada à “Nutrição na Farmácia” prendiam-se com a análise de casos reais de sucesso de implementação deste tipo de serviço, o qual passou a ser previsto legalmente com a publicação do Decreto-Lei N.º 307/2007, que alargou o objeto da atividade das farmácias, e da Portaria N.º 1429/2007, que definiu o seu enquadramento. Desde então, a prestação deste serviço tem feito o seu caminho com resultados assinaláveis. De facto, dados referentes a agosto de 2013, 48

retirados da “Análise de Mercado” do “Observatório da Farmácia”, mostram que este ocupa o sétimo lugar no TOP10 dos serviços mais vendidos em Farmácia quando considerado o volume, ascendendo, porém, a um interessante segundo lugar quando o parâmetro observado é o valor. Na introdução da workshop, levada a cabo por Ana Nogueira do Departamento de Cuidados Farmacêuticos da ANF, foi ainda referido que este é um serviço potencialmente dirigido a todos os utentes da farmácia, podendo ser particularmente útil aos doentes com problemas relacionados com a alimentação,

como a obesidade, a hipertensão arterial, a dislipidemia, a diabetes tipo 2, a osteoporose, etc. A sua prestação obriga à presença de um profissional qualificado - nutricionista ou dietista reconhecido pela Ordem dos Nutricionistas - e à disponibilidade de instalações adequadas e autonomizadas. O modelo de prestação do serviço pode diferir, variando entre o profissional com ligação a alguma marca ou produto ou sem qualquer conexão dessa índole, e ainda o profissional que presta o serviço para um grupo de farmácias. Foi precisamente com a preocupação de mostrar diferentes realidades


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Workshop Nutrição na Farmácia

Workshop Performance na Farmácia

Workshop A Grávida e o Recém-Nascido

e possibilidades de trabalho, que foram trazidos ao congresso dois casos distintos: o da Farmácia Planalto, que tem implementado o modelo de consulta ligado a uma marca, e o do grupo Fastfarma, que congrega as farmácias Aliança no Porto e Santo António em Rio Meão, e a parafarmácia Espaço Saúde Lionesa em Leça do Balio, assim partilhando dos serviços da mesma nutricionista.

A grávida e o recém-nascido Como potenciar a venda de produtos na área das grávidas e recém-

-nascidos foi o tema da segunda workshop do congresso, conduzida por Cristina Simões, farmacêutica e diretora de Marketing dos Laboratórios Expanscience, que justificou a pertinência do assunto numa altura em que se verificam alterações no perfil de consumo dos novos pais. É que, fruto da crise, o consumidor faz hoje uma gestão mais comedida do seu orçamento e encontra-se, por isso, mais sensível ao preço e menos disponível para pagar mais por qualidade, estando, ao mesmo tempo, mais interessado em ofertas especiais, vouchers e vales de desconto.

Mas, os futuros pais continuam a ser também pessoas que, neste momento particular das suas vidas – que se pode estender por quatro anos, enfatizou! -, precisam da segurança que lhes é garantida pelos farmacêuticos. É pois neste intervalo que a Farmácia deve apostar, tornando cada visita destes utentes numa boa e útil experiência. Para tal, deve comunicar-se de forma inteligente para atrair consumidores: tem de capitalizar sobre a imagem já positiva que a sociedade tem dos farmacêuticos e da qualidade dos produtos que recomendam, e mudar a perceção de que os vendem muito caros. Cristina Simões deixou, então, algumas sugestões práticas de como interagir com este grupo-alvo no atual panorama. A sessão terminou, depois, com a apresentação, por Filipa Monte, do caso da Farmácia Belém, em Lisboa, onde deu a conhecer a sua estratégia de ação neste segmento e os resultados alcançados com a sua implementação.

Conhecer e utilizar o novo ANFOnline A terceira workshop deste congresso levou os participantes numa viagem virtual que pretendeu dar a conhecer 49


responsabilidade de Ana Cristina Gaspar, da Direção da ANF, onde deixou claro que 79% do universo de associadas não tem implementado um sistema de avaliação de desempenho. Posteriormente, Ana Maia, consultora da Escola de Pós-Graduação em Saúde e Gestão, veio falar sobre a mudança nos recursos humanos, começando por referir que é comum a noção de que, apesar das alterações que tiveram lugar no setor, neste capítulo poucas diferenças ocorreram, o que é um erro, porque é obrigatório que todos nos ajustemos ao nosso ambiente, pois só assim conseguiremos evoluir. Mudar é, então, essencial. Mas mudar, o quê? Segundo a oradora: a forma de ver o trabalho, a forma de ver a farmácia e a forma como as pessoas se veem a si mesmas, ou seja, a farmácia, como microcosmos, deve (re)pensar e (re)definir a sua estratégia, e planear a sua implementação. Raquel Moreno e Pedro Marques testemunharam, depois, as suas experiências nas farmácias Moderna e Carlos Pereira Lucas, respetivamente.

Workshop ANFOnline

Workshop Performance da Farmácia

Análise da performance da Farmácia

Workshop Recursos Humanos

Workshop Recursos Humanos

a nova plataforma ANFOnline, explorando todos os seus cantos e recantos e, a cada passo, expondo todas as suas potencialidades enquanto ferramenta de trabalho e comunicação. Foi, depois, com o intuito de demonstrar o seu lado prático, que se deram a conhecer os exemplos da Farmácia Codeço, em Monção, e da Farmácia Santos Monteiro, em Lamego, que testemunharam os

moldes do seu relacionamento com a plataforma e o modo como impactou o seu dia-a-dia.

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Gestão de Recursos Humanos A workshop sobre gestão de recursos humanos arrancou com um breve enquadramento nacional das farmácias a este nível, da

A quinta workshop inclusa nos trabalhos, teve por tema a análise da performance da farmácia, tendo sido conduzida por Luis Lopes, do Departamento de Planeamento e Controlo da ANF que, ao longo da sua apresentação, procurou demonstrar como, recorrendo a diferentes fontes de informação, é possível preencher um “tableau de board”, ferramenta de grande utilidade na medição do desempenho da farmácia, com base em alguns indicadores previamente definidos. O tema apresentado foi abordado na Rubrica Consultoria de Gestão da presente Revista Farmácia Portuguesa (Pág 56).


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Sessão de encerramento

Espírito convicto, reforçado e proativo A sessão solene de encerramento do 11.º Congresso Nacional das Farmácias resumiu o resultado dos dois dias de trabalhos e, através desse esforço de compactação, saíram destacadas as ideias de necessidade, exequibilidade e, acima de tudo, consenso em torno de uma nova forma de relacionamento entre as farmácias e o Estado. Em suma: pouco mais há a provar, é chegado o momento de implementar um novo contrato social.

Eurico Castro Alves, presidente do Infarmed, veio em representação do ministro da Saúde, ausente do país, presidir à sessão. Seria, pois, sua a última palavra; a primeira, porém, cabia a João Silveira. Para o presidente da Mesa da Assembleia Geral da ANF, este foi «um bom congresso»: «falou-se em Saúde além do Orçamento» e ficou demonstrada «a determinação das farmácias em resistir e dar o seu melhor, indo ao encontro das necessidades das pessoas. Apesar do caos, as farmácias gritaram bem alto “contem connosco”. Elas e as suas equipas são os verdadeiros heróis nacionais». Mas, mais que isso, foram ali trazidas notícias que «nos dão esperança e alento». 51


«Portugal precisa de pôr os profissionais a dialogar uns com os outros» O setor, sublinhou, conforme havia ficado bem patente no decorrer do congresso, exige ser tratado com equidade, não através de greves ou insultos, mas da força da razão, porque, afinal, «nós podemos!».

Do consenso à construção O bastonário da Ordem dos Farmacêuticos falou de seguida, lembrando que se aquele era o congresso das farmácias, «a alma das farmácias são os farmacêuticos», e estes têm feito muito em prol da saúde dos portugueses, «apesar das ameaças à sua honorabilidade. As farmácias, onde trabalham mais de oito mil farmacêuticos, são a montra da nossa profissão, são verdadeiros exemplos de serviço público prestado por privados e, num momento em que o Estado naturalmente desinveste nos seus próprios serviços e encerra unidades, na mais pequena povoação, onde o médico já não dá consultas, onde o advogado já não dá consultas, onde já nem o padre lá vai, continua a haver uma farmácia e o Estado deveria reconhecer isto». Segundo Maurício Barbosa, para servir cada vez melhor os cidadãos, «o sistema de saúde deve ser permanentemente recriado», e defende que a sua reorganização deve obedecer a duas lógicas: permanecer ancorado no SNS e assentar na integração dos cuidados. «Os painéis deste congresso apontaram, invariavelmente, para uma recriação do sistema de saúde, mas para concretizar todas as ideias aqui apresentadas será preciso, verdadeiramente, 52

Carlos Maurício Barbosa, Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos

revolucionar as mentalidades neste país. Todos estamos de acordo em que há que alterar a forma de trabalhar; então por que não o fazemos? O que é que é preciso para que seja legalmente consagrada a inclusão da Farmácia na rede de cuidados primários?». Para o representante da classe, «a apresentação do Dr. José Luís Biscaia foi fundamental, tal como será que ela chegue a todo o lado, porque dela se infere o modo correto de trabalhar». Assim como «precisamos, cada vez mais, de olhar e aprender com o que se passa à nossa volta», como se deduz «do caso aqui trazido pelo Prof. Pita Barros, dos círculos de qualidade instituídos na Suíça, e que nos faz questionar por que não existem também em Portugal? Dir-nos-ão que é necessário investimento, mas o Infarmed tem todo o interesse em promover a excelência na prescrição médica no nosso país e tem fundos que podem ser aplicados aqui, ao invés de serem canalizados para recapitalizar os hospitais, por exemplo. Portugal precisa de pôr os profissionais a dialogar uns com os outros». Também o modelo irlandês pode servir de benchmarking. «Veja-se a vacinação: na Irlanda a prática pouco difere da nossa, mas lá os atos são verdadeiramente remunerados, enquanto cá montamos um sistema que funciona bem e é reconhecido

e, a dada altura, a DGS resolve criar um outro, paralelo, para os maiores de 65 anos. Porquê? Os maiores de 65 anos não podiam ser vacinados nas farmácias? Dizem que pouparam um milhão, mas ninguém fala dos dois milhões que foram gastos». Maurício Barbosa aproveitou ainda a ocasião para anunciar que a Ordem irá promover um estudo sobre o valor económico do ato farmacêutico, «atualizando os estudos anteriormente feitos e objetivando encontrar o valor desse ato, quer para o cidadão quer para o Estado».

Equidade, justiça e racionalidade Antes de dar início ao seu discurso final, Paulo Duarte convidou os presentes a tomarem conhecimento de uma iniciativa da Direção da ANF, através do visionamento de um vídeo, onde foi apresentado o “Prémio João Cordeiro – Inovação em Farmácia”, diligência fortemente aplaudida pelo auditório. (Ver artigo página 10) Prosseguiu, depois, anunciando a participação de 2500 congressistas nos trabalhos e o cumprimento dos objetivos a que a organização se havia proposto, considerando que se tratou de «uma grande manifestação de unidade das farmácias, de vontade de cooperação entre os setores do medicamento, e de interesse do


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Parlamento, do Governo e dos partidos políticos em cooperar connosco». O congresso foi «uma grande manifestação de solidariedade dos nossos convidados, pela disponibilidade em participar e pelo apoio expresso nas suas intervenções». Mas foi igualmente um evento «com memória, em que homenageámos o nosso passado associativo e distintos líderes que o ajudaram a construir», e um evento «de afetos, porque convivemos fraternalmente e este é também um bom motivo para estas reuniões». De assinalar que, ditas estas palavras, Paulo Duarte recolheria a primeira de várias ovações à sua preleção. Sobre a necessidade de um novo contrato social entre o Estado e as farmácias, que serviu de lema ao congresso, disse que «fizemos uma análise detalhada dos seus fundamentos e definimos o caminho a seguir. Foi reconhecida a importância das farmácias enquanto rede de cuidados de saúde de proximidade, a qualidade dos serviços que prestam à comunidade, a crise do setor e as suas consequências na acessibilidade da população aos medicamentos». A esse respeito, salientou, «ouvimos as preocupações manifestadas pelo senhor secretário de Estado da Saúde» e

Eurico Castro Alves, presidente do Infarmed

«a disponibilidade para tomar medidas, nomeadamente no domínio dos incentivos ao crescimento do mercado de genéricos». Foi reconhecida «a capacidade e as vantagens de as farmácias prestarem mais serviços aos doentes» e «ouvimos o senhor secretário de Estado da Saúde valorizar o interesse público da prestação de novos serviços pelas farmácias. A celebração de um novo contrato social foi um tema consensual no congresso e a ele se referiu expressamente também o representante do Governo». Mas, no âmbito desse contrato, «não nos esqueceremos de que estamos a ser marginalizados na vacinação contra a gripe» ou que «o Ministério da Saúde pôs termo, unilateralmente, ao programa de troca de seringas nas farmácias», ao mesmo tempo que, como ficou mais uma vez sublinhado, é claro «o sentido de responsabilidade das farmácias, no seu posicionamento constante ao lado dos doentes e no respeito pelas obrigações internacionais do Estado». As farmácias, reiterou, reclamam do Ministério da Saúde «uma nova política do medicamento» e estão convictas de que os seus responsáveis «terão a coragem e a determinação para a implementar, em coerência com as expectativas criadas aos cidadãos, aos profissionais de saúde, aos agentes do setor e na opinião pública». Uma política «equitativa nos contributos de cada um para a redução da despesa pública, em que as farmácias assumam plenamente as suas capacidades, competências e responsabilidades perante o Sistema de Saúde e os doentes», e justa «no critério de remuneração de todos os setores do medicamento», sendo que aquele que for escolhido pelo Ministério «deve ser aplicado a indústria, grossistas e farmácias». As farmácias reclamam, enfim, uma política racional, onde não cabem medidas como a que levou à

instalação de unidades de venda a público nos Hospitais do SNS. Por entre fortes aplausos, Paulo Duarte classificou esta como sendo uma «iniciativa falhada e com elevados custos para todos, como bem evidencia um relatório da Inspeção-Geral das Finanças, que faz referência a prejuízos para o Estado de vários milhões de euros». E isto, sem que sequer alguma destas farmácias respondesse a qualquer necessidade de cobertura farmacêutica ou tivesse constituído alguma fonte de receita para os respetivos hospitais. «Bem pelo contrário, todas elas se transformaram numa fonte de problemas e processos judiciais que ameaçam não ter fim. O diploma que permite a instalação de farmácias nos hospitais do SNS deve ser revogado».

De olhos postos no objetivo A desejada e necessária nova política «exige uma atitude construtiva e um sentido de parceria entre todos os setores profissionais da área da Saúde e entre estes e as entidades reguladoras. Essa será sempre a nossa atitude» e, nesse âmbito, «o Infarmed é uma instituição essencial para se construir um espírito de parceria na área do medicamento», com o qual, aliás, «temos mantido relações de estreito diálogo que consideramos, pela nossa parte, muito positivas». A Direção da ANF está, por isso, convencida de que «estão criadas boas condições para uma cooperação estruturada, duradoura e benéfica para o Sistema de Saúde». Sendo este um setor transparente, permanentemente escrutinado por várias entidades, em particular pelo Infarmed, a verdade é que «estamos muito tranquilos com esse escrutínio, não temos nada a esconder e queremos mesmo aprofundar com o Infarmed um trabalho conjunto para organização de inspeções pedagógicas às 53


«Toda a atividade da ANF está concentrada no objetivo de contribuir para a resolução da crise» farmácias, com o objetivo de elevar ainda mais a qualidade da assistência farmacêutica que prestam às populações», vaticinou, detalhando, porém, que a mesma preocupação inspetiva tem de ser alargada a todas as entidades que se relacionam com os medicamentos. «Ninguém pode ser deixado para trás. A qualidade e a segurança na utilização dos medicamentos são um compromisso de todos: de quem fabrica, prescreve, distribui e dispensa medicamentos». Para o presidente da ANF, «a crise económica e financeira das farmácias é hoje o nosso problema fundamental» e a sua resolução depende de todos: «do Estado, que tem o poder político e legislativo para criar as condições necessárias à celebração de um novo contrato social com as farmácias»; delas mesmas e de «continuarem a ser capazes de se adaptarem aos tempos de austeridade que vivemos»; e da «atividade associativa e daquilo que formos capazes de construir coletivamente». Ao nível associativo, assegurou que «toda a atividade da ANF está concentrada no objetivo de contribuir para a resolução da crise» do setor, e anunciou que, com esse fim, «a Direção da ANF deliberou que as comparticipações das entidades, a partir dos fornecimentos do próximo mês de novembro, inclusive, serão adiantadas às farmácias na mesma data de adiantamento das comparticipações do SNS». Por entre aclamações, acrescentou que «é uma medida que não resolve o problema financeiro das farmácias, 54

Paulo Duarte, presidente da ANF

mas é um sinal que queremos dar ao Estado de que as farmácias e a ANF estão a fazer tudo o que está ao seu alcance para sobreviverem à crise. Chegou o momento de o Estado assumir ele também as suas responsabilidades na resolução do problema». Concluindo, afirmou que «tal como vos disse na Sessão de Abertura deste Congresso, lutaremos com todas as nossas forças por um novo contrato social que promova

As farmácias, reclamam do Ministério da Saúde «uma nova política do medicamento» e estão convictas de que os seus responsáveis «terão a coragem e a determinação para a implementar»

uma assistência farmacêutica de qualidade e ao mais baixo custo e assegure a sustentabilidade das farmácias. Os órgãos sociais e a estrutura associativa estão unidos nesse objetivo. A Direção sente-se revigorada com a vossa participação e o êxito deste congresso, e acredito que esse é também o sentimento dos associados. Temos muito trabalho pela frente. As farmácias têm futuro. Com sentido de responsabilidade e trabalho bem feito, os resultados vão aparecer. Mãos à obra!».

Refletir e concretizar rapidamente Eurico Castro Alves encerraria, de seguida, o 11.º Congresso Nacional das Farmácias, notando que, no decorrer de todos os painéis, «foram apontadas diferentes perspetivas para uma saúde sustentável», muito embora «a abordagem tenha de ser enquadrada no momento atual, onde se pretende manter e garantir a própria existência do SNS». Essa


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é também, afirmou, a realidade das medidas tomadas na área do medicamento, cujos resultados considerou serem incontestáveis, pois permitiram atingir o fim de garantir o acesso dos cidadãos a fármacos seguros, de qualidade, eficazes e a preços suportáveis. «Reconhece-se, no entanto, o seu forte impacto» no setor, acrescentou. A autoridade nacional, disse, tem todo o interesse em «manter e regular o funcionamento do mercado do medicamento no nosso país», e apesar de ciente das limitações atuais, o empenho do Infarmed na busca «de soluções que minimizem os problemas é efetivo. Procuramos trabalhar em conjunto para que, mesmo em momentos de dificuldade, se identifiquem possibilidades de melhoria de eficiência do sistema, em benefício de todos». Nessa senda, «não pode ser desconsiderado o uso da rede de farmácias, por exemplo, nos ganhos gerados por um sustentado crescimento do mercado de genéricos. A aposta nestes medicamentos, associado a um sistema remuneratório equilibrado, contribuirá decisivamente para o incremento da acessibilidade e para o ajustamento adequado dos encargos do cidadão» nesta área. Por isso, defende que «estas oportunidades são merecedoras de uma reflexão entre todos os parceiros, de modo a serem encontradas formas de as concretizarmos tão rapidamente quanto possível». Portugal encontra-se num momento de viragem relativamente ao modelo que quer seguir, e a sua definição importa também ao setor, «que tem de criar bases para o desenvolvimento de uma política de saúde sustentável, acessível, equitativa e centrada nos portugueses. Esse foi também o objetivo deste congresso», sublinhou. Por fim, o presidente do Infarmed destacou o papel da ANF na «maturidade da rede portuguesa de farmácias», considerando que «a proximidade do farmacêutico à população torna o seu papel imprescindível» e, confidenciando uma situação particular, convidou os presentes à reflexão: «recentemente, o Governo pediu ao Infarmed que determinasse por que motivo um dado medicamento estava em falta nas farmácias. Foi então lançado um programa de inspeções e eu próprio fui para o terreno, visitar farmácias. Estive em dezenas delas e recolhi duas notas, uma negativa e outra positiva. A negativa, foi que ninguém me reconheceu, o que foi mau para o meu ego! A positiva é que em todas, sem exceção, fui tratado de modo amigável e percebi que vocês fazem os doentes sentirem-se seguros. Continuem assim e contem com o Infarmed». 55


consultoria de gestão

Utilizar ferramentas de análise da performance da Farmácia A utilização de ferramentas de gestão tornou-se fundamental pelas Farmácias, uma análise atempada da situação económica/financeira permite a implementação de medidas de forma a melhorar a performance da Farmácia.

A análise de indicadores de performance da Farmácia foi tema de apresentação e discussão na Workshop 5 – Análise da Performance da Farmácia realizado no âmbito do 11º Congresso das Farmácias. O intuito desta Workshop foi o de apresentar às Farmácias uma ferramenta de indicadores de gestão que permitisse de forma simples, a análise da situação económica/financeira da Farmácia. A ferramenta apresentada, ficheiro disponível no ANFOnline, foi constru56

ída para que de uma forma simples a Farmácia após o carregamento dos seus dados consiga analisar os seus indicadores e através de um sistema de cores (verde para positivo, cinzento para neutro e vermelho para negativo), e com base em intervalos definidos, avaliar qual a situação da Farmácia nas várias áreas de análise presentes na ferramenta. Para o carregamento desta ferramenta a Farmácia necessita de utilizar as seguintes fontes de informação:

• Pharmacy Watch Profile (relatório mensal disponibilizado na área reservada da Farmácia no ANFOnline); • Informação financeira (informação disponibilizada pela contabilidade). Em relação à primeira fonte de informação, Pharmacy Watch Profile, o foco vai para o crescimento acumulado da Farmácia no “Mercado Total” e nos segmentos com maior peso nas vendas (Medicamentos Sujeitos a Receita Médica, Medicamentos Não Sujeitos a Receita Médica e Produtos de Saúde). Para que exista uma comparação com uma realidade próxima, existe também a necessidade de obter e comparar os dados da Farmácia com os dados Distritais. Relativamente aos dados financeiros, a informação necessária para o preenchimento do ficheiro de indicadores tem origem em três fontes, sendo estas o balancete, a demonstração dos resultados e o balanço. Estando descritas, na folha “Fontes” do ficheiro disponibilizado, as respectivas contas contabilísticas e rubricas necessárias para o preenchimento da ferramenta. Os valores a preencher neste caso são os valores acumulados da Farmácia até à data de análise. A ferramenta tem na sua folha “Relatório” o cálculo de 13 indica-


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dores e a construção de um gráfico, estando estes apresentados em quatro áreas distintas: • Vendas e Mercado; • Rendibilidade e Eficiências; • Capital Circulante e Endividamento; • Gráfico – Distribuição da Margem Bruta

Vendas e Mercado O que se pretende nestes indicadores é que as Farmácias tenham uma noção mais directa do seu crescimento face ao crescimento do Distrito, quando a sua posição for mais favorável que a do Distrito o valor aparece sombreado a verde, podendo ainda a Farmácia calcular o seu crescimento orgânico através da diferença entre o seu crescimento e o crescimento do Distrito. A análise desta área pode ajudar a Farmácia a definir melhor a sua estratégia de vendas, identificando sobre qual o segmento necessita de realizar mais trabalho.

Rendibilidade e Eficiências Nesta área a Farmácia pode analisar a sua prestação ao nível de várias rubricas financeiras, nomeadamente da demonstração dos resultados. Assim a Farmácia terá o cálculo da sua Margem Bruta, sendo esta um reflexo dos valores registados pela contabilidade das faturas de venda e de compra. Terá igualmente o cálculo da percentagem sobre as vendas dos Fornecimentos e Serviços Externos, dos Gastos com o Pessoal, servindo estes valores para a Farmácia avaliar o peso dos seus principais gastos operacionais sobre as vendas, estes indicadores assumem particular importância numa conjuntura onde o valor das vendas tem vindo a diminuir. Adicionalmente existe também a identificação da Rendibilidade Operacional, através

A ferramenta foi construída para que de uma forma simples a Farmácia consiga analisar os seus indicadores e avaliar qual a sua situação nas várias áreas de análise do cálculo da percentagem sobre as vendas do Resultado Operacional Bruto. Nesta área também se encontra calculado o valor médio mensal em euros que cada colaborador da Farmácia vende (vendas sem IVA), bem como qual o ponto de equilíbrio operacional da Farmácia com a atual estrutura de gastos. Este valor representa o valor mensal que cada colaborador da Farmácia necessita de vender para que a Operação da Farmácia seja zero.

Capital Circulante e Endividamento A informação obtida na área do Capital Circulante e do Endividamento está relacionada com três rubricas do balanço, nomeadamente os fornecedores, o inventário e o financiamento. Em relação à primeira rubrica temos o cálculo do Prazo Médio de Pagamentos que nos permite verificar quantos dias em média a Farmácia demora a efetuar o pagamento aos fornecedores, e assim a obter as melhores condições comerciais. O cálculo do Prazo Médio de Existências e da Rotação de Stock permite à Farmácia verificar o número de dias que em média um produto fica no seu inventário e quantas vezes ao ano o mesmo

produto roda no stock da Farmácia. O último indicador calculado nesta área pretende fornecer à Farmácia uma noção do número de anos que demoraria a liquidar os financiamentos obtidos com o actual Resultado Operacional Bruto.

Gráfico – Distribuição da Margem Bruta O gráfico apresentado nesta ferramenta pretende demonstrar à Farmácia qual a utilização que a mesma está a efetuar do valor absoluto de Margem Bruta que obtem, o conceito apresentado neste gráfico é diferente do apresentado na área de Rendibilidade e Eficiências, onde se apura as percentagens sobre as vendas. Neste caso pretende-se demonstrar à Farmácia que percentagem da sua Margem Bruta está a ser utilizada e onde. Uma parte fundamental de todas as análises que podem ser efetuadas a partir desta ferramenta é a fiabilidade dos dados, por isso torna-se de especial importância o envio atempado de informação para a contabilidade, nomeadamente a posição de inventário no final de cada mês, o mapa recapitulativo das vendas, faturas de compra, entre outros. Este envio atempado de informação vai permitir receber a documentação da contabilidade mais cedo e realizar uma análise o quanto antes da situação económica/financeira. Por fim podemos concluir que na atual conjuntura que o setor atravessa torna-se essencial que as Farmácias se munam das ferramentas necessárias para conseguirem realizar uma análise atempada da sua situação económica/financeira e assim tomar as medidas indispensáveis para a resolução das potenciais dificuldades porque estejam a passar. Luís Lopes Departamento de Planeamento e Controlo da ANF 57


patologias de inverno

EM FOCO

Chegou o inverno, e agora? É altura de relembrar… A mudança brusca de temperatura e a redução da humidade relativa do ar fazem do inverno uma estação em que há maior predisposição para ocorrência de inflamações e infeções respiratórias. O tempo frio predispõe para uma maior concentração de pessoas em ambientes fechados, aquecidos, frequentemente mal ventilados, facilitando a transmissão de infeções respiratórias, com particular destaque para constipações e gripes. Os utentes são cada vez mais exigentes, procurando, avidamente, soluções rápidas e eficazes para os sintomas associados a estes males de Inverno. A Farmácia depara-se, assim, com um contexto no qual, a par de uma oportunidade valiosa para intervir sugerindo e aconselhando os medicamentos e produtos de saúde mais adequados a cada situação, é imperioso que assuma uma postura ativa promovendo a adoção de comportamentos preventivos e sensibilizando para a importância do uso racional dos antibióticos, ainda muito procurados, indevidamente, para a resolução destas situações. As constipações (nasofaringite aguda) são infeções virais benignas mas podem constituir a porta de entrada infeções bacterianas secundárias, que podem atingir, quer as vias aéreas superiores (rinite ou sinusite bacteriana, otite média aguda), quer a árvore brônquica (bronquite aguda). Podem, ainda implicar agravamento de patologia respiratória prévia (asma ou doença pulmonar obstrutiva crónica - DPOC). Os sintomas surgem dois a três dias após o contágio e podem manter-se por duas semanas. A gripe, causada pelos vírus Influenza, continua a ser um importante problema de saúde pública pelo ser perfil de contágio – origina epidemias sazonais com elevada sobrecarga dos serviços de saúde – e pelo potencial de complicações graves, principalmente em grupos de risco. Em regra, manifesta-se de forma súbita com febre elevada, só ao fim de dois a três dias surgem os sintomas respiratórios que podem permanecer por 5 a 7 dias. 58


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De entre as possíveis complicações da gripe destaca-se a pneumonia, particularmente grave em idosos, debilitados ou doentes crónicos. Pode ser provocada pelo próprio vírus da gripe (pneumonia viral primária), caracterizada por dispneia e dor no peito, ou resultar de uma infecção respiratória secundária (pneumonia bacteriana secundária), caracterizada pelo reaparecimento, na segunda semana a contar do início da gripe, de febre, arrepios, tosse produtiva, com mais ou menos expetoração de cor amarelada, esverdeada ou cor de ferrugem, dificuldade respiratória ou mesmo falta de ar, dor torácica e mal-estar geral. Estes sintomas instalam-se de forma rápida e podem, ou não, existir todos ao mesmo tempo. A bactéria Streptococcus pneumoniae (pneumococo)1 é o principal agente causador de pneumonia nos adultos (30 a 70% dos casos). Esta doença é normalmente detetada tardiamente, uma vez que os seus sintomas se podem confundir com patologias menos graves. Segundo um relatório da Direcção Geral da Saúde (DGS), a taxa de mortalidade por pneumonia em Portugal é o dobro da média europeia, sendo que o seu pico coincide com a actividade gripal. A farmácia deverá estar atenta aos sinais de alerta e encaminhar o utente ao médico, quando necessário.

É altura de aconselhar… A farmácia tem disponíveis inúmeras alternativas que podem ser indicadas, de acordo com as queixas e o perfil do doente, para alívio dos sintomas e redução do desconforto associado a gripes e constipações, quando o doente apenas apresente queixas ligeiras a moderadas. De produtos de saúde a MNSRM, passando por suplementos alimentares, medicamentos homeopáticos, chás ou rebuçados para a tosse, a escolha é vasta. O recurso à informação e às funcionalidades integradas no sistema informático Sifarma permite a verificação fácil e cómoda da informação relativa a indicações, posologia e recomendações de toma de cada medicamento ou suplemento alimentar e a identificação da alternativa com melhor perfil de segurança para cada utente tidas em conta as condições ou patologias que o caracterizam e outros medicamentos que já toma. Em complemento ao aconselhamento a prestar ao utente, estão igualmente disponíveis, no Sifarma, folhetos iSaúde2 , os quais são sugeridos em contexto da dispensa de medicamentos ou outros produtos. Temas atualmente disponíveis: • • • • • •

1 O Streptococus pneumoniae é o agente causal das doenças pneumocócicas: meningite; pneumonia; bacteremia e sepse (infecção na corrente sanguínea); sinusite; otite médica (infeção do ouvido).

Tabela 1 – Resumo das diferenças entre Constipação e Gripe

Sintomas

Constipação

Gripe

Início dos sintomas

Gradual

Súbito

Mal-estar geral

Ligeiro

Intenso

Febre

Ausente ou ligeira (< 38ºC)

Elevada; durante 3-4 dias

Dor de cabeça

Raramente

Forte

Mialgias

Ligeira

Comum; por vezes intensa

Fadiga extrema

Nunca

Intensa e surge no início da doença

Congestão Nasal ou Rinorreia

Comum

Ocasional

Espirros

Comum

Raros

Garganta inflamada

Comum

Ocasional

Tosse, sensação de "peso" no peito

Ligeira a moderada

Comum; pode tornar-se grave

Complicações

Congestão dos seios nasais ou dor de ouvidos

Bronquite, pneumonia; eventualmente fatal

Constipação - Vírus há muitos Tosse - Um reflexo natural Dor de Garganta - Quando engolir é difícil Gripe - Uma presença anual Congestão Nasal - Respiração comprometida Rouquidão e Afonia

“Mas eu quero um antibiótico…” Muitos utentes continuam a solicitar erradamente a dispensa de antibióticos, porque acreditam que os antibióticos são o melhor tratamento contra gripes e constipações. Na realidade, o seu uso nestas situações não só não traz qualquer benefício como expõe o doente a reações adversas desnecessárias e contribui para a resistência aos antibióticos, que é um dos mais preocupantes problemas de saúde pública, criado em grande parte pelo mau uso e abuso desta arma terapêutica. Neste contexto, o devido e necessário esclarecimento dos utentes representa uma importantíssima intervenção das farmácias no âmbito da educação para a saúde e da preservação da Saúde Pública. Para suportar este aconselhamento, podem ser utilizados os seguintes folhetos iSaúde, disponíveis no Sifarma: • Antibióticos - Saber usar • Resistência aos Antibióticos - Prevenir está nas suas mãos • Antibióticos em crianças - Usar sem abusar 2

Temas sugeridos no atendimento, em contexto de uma dispensa – destaque para o botão iSaúde (Shift + I) ou menú “Utentes” > “iSaúde” > “Folhetos”; Folhetos igualmente disponíveis no ANFOnline >acessível pela homepage na área “Publicações” > “iSaúde” 59


patologias de inverno

EM FOCO Mas nunca é tarde demais para prevenir! A vacinação dos grupos de risco é a principal medida de prevenção da gripe sazonal e das pneumonias. Existem também liofilizados de lisado bacteriano, indicados na prevenção da recorrência de infecções das vias respiratórias superiores e inferiores em adultos e crianças, e na diminuição dos episódios agudos nas exacerbações da bronquite crónica e DPOC moderada nos adultos. Adicionalmente, é importante privilegiar as medidas preventivas gerais, a colocar em prática por todos. Tabela 2 – Cuidados gerais de Prevenção da Gripe e Constipações

Evitar ambientes mal ventilados, secos e com fumo. Evitar o contacto direto com pessoas infectadas. Evitar partilhar utensílios do dia-a-dia. Utilizar lenços de papel descartáveis. Cuidados Gerais

Ingerir alimentos ricos em vitamina C (kiwi, papaia, laranja, limão,…). Ingerir líquidos regularmente. Tossir ou espirrar para o antebraço, nunca para as mãos. Lavar frequentemente as mãos.

Quem deve ser vacinado contra a gripe? E contra as doenças pneumocócicas? A vacina da gripe é recomendada a pessoas com risco de desenvolver complicações após contato com o vírus, como: utentes com idade igual ou superior a 65 anos (particularmente frequentadores de centros de dia ou residentes em estruturas residenciais); doentes crónicos e imunodeprimidos com 6 ou mais meses de idade; grávidas com tempo de gestação superior a 12 semanas; profissionais de saúde e outros 60

prestadores de cuidados em contacto com grupos de risco. Além destes grupos prioritários, aconselha-se também a vacinação às pessoas com idade compreendida entre os 60 e os 64 anos. A vacina pneumocócica é especialmente recomendada a crianças, indivíduos de todas as idades pertencentes a grupos de alto risco, e adultos a partir dos 50 anos. A utilização das vacinas pneumocócicas e da vacina da gripe deve ser estabelecida com base em recomendações oficiais que tenham em consideração o risco de doença invasiva nos diferentes grupos etários, comorbilidades subjacentes, bem como a variabilidade epidemiológica dos serotipos em diferentes zonas geográficas. Quando deve ser feita a vacinação contra a gripe? A vacina da gripe deve ser administrada entre os meses de setembro e dezembro (de preferência no início de outubro), e tem que ser repetida todos os anos. Pode ser administrada em simultâneo com todas as vacinas do Plano Nacional de Vacinação (PNV), e com a vacina contra as doenças pneumocócicas, desde que em locais anatómicos diferentes. Quando não administradas em simultâneo, as vacinas podem ser


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Vacina pneumocócica polissacárida de 23 valências (Pn23), produzida a partir da cápsula bacteriana, contém polissacáridos de cadeia longa – Pneumo 23®. De acordo com os dados epidemiológicos nacionais, coligidos no âmbito do Grupo de Estudo da Doença Invasiva Pneumocócica (GE DIP), a Pn13 inclui na sua composição os serotipos responsáveis por cerca de 80% dos casos de doença invasiva pneumocócica. Já os 23 serotipos de Streptococus pneumoniae incluídos na Pn23 serão responsáveis por cerca de 80 a 90% das doenças pneumocócicas graves, tais como pneumonias, meningites, bacteriemias e septicemias. Independentemente de anteriormente ter sido vacinado com uma vacina pneumocócica, se for considerada apropriada a administração de ambas as vacinas – Pn23 e Pn13 –, a Pn13 deve ser administrada primeiro.

administradas em qualquer altura, sem ser necessário respeitar qualquer intervalo entre administrações. Qual a composição da vacina da gripe? As vacinas comercializadas em Portugal são vacinas de vírus inativado. A composição da vacina pode ser alterada de ano para ano, de acordo com a previsão as estirpes de vírus Influenza A e Influenza B circulantes. Em Portugal, as vacinas contra a gripe são todas inativadas pelo que é importante informar que as vacinas não provocam a gripe, mas também não protegem contra outras infeções respiratórias virais que possam eventualmente surgir e que se podem confundir com a gripe. …e da vacina pneumocócica? Com indicação para prevenção da pneumonia e infeções pneumocócicas sistémicas em adolescentes e adultos pertencentes a grupos de risco elevado estão disponíveis dois tipos de vacinas pneumocócicas, ambas produzidas a partir da bactéria inativada: • Vacina adsorvida pneumocócica poliosídica conjugada de 13 valências (Pn13), constituída pelos polissacáridos capsulares, todos conjugados com uma proteína transportadora – Prevenar 13®;

A vacinação contra as doenças pneumocócicas deve ser feita todos os anos? De acordo com os conhecimentos atuais, não é necessária a reimunização sistemática de todos os indivíduos previamente vacinados com a Pn23. Contudo, este reforço é recomendado em indivíduos de alto risco de infeção, que tenham recebido esta vacina há mais de 5 anos, ou cujo título de anticorpos tenha diminuído. A necessidade de revacinação com uma dose adicional de Pn13 não foi estabelecida.   Outros recursos… Encontra mais informação sobre as doenças respiratórias do inverno, opções de tratamento e medidas de prevenção nos seguintes recursos, disponíveis no ANFOnline: • Vacinas contra a gripe - época 2013-2014; - Ofício Circular n.º 3332-2013 • As vacinas do inverno – Revista Farmácia Portuguesa n.º 188, Jul/Set 2010 • Gripe e Constipação - Aconselhar suplementos – Boletim Farmácia Prática n.º26, Out/Dez 2009 • Gripe e Constipação - Boletim Farmácia Técnica n.º 1, Set/Out 2005 • Congestão nasal - Boletim Farmácia Técnica n.º 3, Jan/Fev 2006 • Dor de garganta - Boletim Farmácia Técnica n.º 3, Jan/Fev 2006 • Tosse - Boletim Farmácia Técnica n.º 3, Jan/Fev 2006 Elaborado por: Amadeu Mendes e Joana Pinto, CEDIME| cedime@anf.pt 61


conversa com...

João Semedo, deputado e coordenador do Bloco de Esquerda

No reino da paz podre Para João Semedo, para além de toda a vertente profissional e técnica, as farmácias têm uma dimensão humana, de base verdadeiramente comunitária, que importa preservar. Os últimos Governos, porém, parecem não ter tido essa mesma sensibilidade, desvalorizando sistematicamente esse seu lado agregador. O contexto atual pode representar uma oportunidade política para corrigir isso e outros desperdícios, bastando para tal que o ministro abra a sua política orçamental a algumas medidas de saúde. FARMÁCIA PORTUGUESA - O conceito de “a minha farmácia” é-lhe familiar? João Semedo – Sim, mas a minha experiência de relacionamento com o setor não será das mais comuns, sendo, desde logo, influenciada pelo facto de eu ser médico, o que me leva a olhar a farmácia e os farmacêuticos com uma proximidade maior, diferente. De qualquer modo, em Lisboa vivi sempre no mesmo local, e lembro62

-me de ir com os meus pais às mesmas duas farmácias que ainda vou hoje, e sou tão conhecido por quem lá trabalha como o eram a minha mãe ou o meu pai. O mesmo acontece no Porto, onde vivo. Há uma farmácia perto de minha casa onde vou sempre, conheço os profissionais e eles conhecem-me a mim, e sinto a mesma aura de familiaridade de que me lembro do passado. E repare que, sendo eu hoje o que vulgarmente se designa por figura pública, e apesar

de isso, de um modo geral, me aproximar mais das pessoas, a verdade é que quando entro numa papelaria ou noutro local o sentir não é o mesmo. FS - Não sente que a vida moderna tenha interferido nesse tão característico vínculo que parece estabelecer-se entre as pessoas nestes espaços? JS - Não, e mesmo nas grandes cidades, mais cosmopolitas, julgo que não alterou muito, ao longo do


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tempo, a relação que temos com os farmacêuticos comunitários. Aconteceu-me, recentemente, por duas vezes, ter de ir a farmácias que não são aquelas a que recorro habitualmente e reparei que, em ambos os casos, estavam pessoas à conversa, tal como antigamente se estava nas leitarias, nas pastelarias… Fiquei a pensar nisso, porque veio reforçar a ideia que tenho de que as farmácias prestam um serviço comunitário fantástico. Não se limitam a dispensar medicamentos, as pessoas obtêm um aconselhamento de qualidade e com uma rapidez que não teriam noutro local e, para além disso, ainda encontram uma palavra amiga, alguém para as escutar. Conto muitas vezes esta história verídica: havia uma senhora, de muita idade, que todos os dias ia ao centro de saúde e, a determinada altura, deixou de aparecer durante quatro dias. Todos se questionavam o que seria feito dela, o que lhe teria acontecido. Quando, ao quinto dia, regressou, perguntaram-lhe: «então, D. Palmira, por onde andou?» Sabe o que respondeu? «Estive doente»! Este caso ilustra bem as fronteiras ténues entre a solidão e a doença. Hoje, nos grandes centros urbanos, a solidão, o isolamento e o abandono são um problema terrível, sobretudo entre os mais idosos, que são também quem mais recorre às farmácias por necessidade efetiva, mas também, simplesmente, procurando companhia. FS - A crise do setor pode ameaçar essa componente? JS - Sim, mas não só. Esse risco já existe desde antes, com as mudanças que, de certa forma, também contribuíram para a presente crise. Veja-se a deslocação para os centros comerciais ou a abertura de espaços autorizados a comercializar medicamentos em grandes superfícies: aí, ninguém conversa com ninguém. Não se vai a um hipermercado e fica-se a conversar com a menina da caixa, nem num centro comercial lhe

dão sequer tempo para se encostar ao balcão. FS - Há quem diga que são os males menores de um mercado livre! JS - Acontece que mesmo aqueles que defendem o mercado inteiramente livre tropeçam frequentemente nos inconvenientes da total liberalização, a qual muitas vezes é uma selva. Tive muitas reservas quando o Governo de José Sócrates decidiu autorizar a venda de medicamentos nas grandes superfícies, porque, no meu ponto de vista, existem questões que

«Outro disparate, e este Governo parece estar a insistir nisso, foi a instalação de farmácias nos recintos dos hospitais, uma modernice muito populista, que permitiu alguns bons negócios, para alguns grupos pouco escrupulosos» devem ser acauteladas. Por exemplo, fala-se do risco de asfixia pelos grandes grupos económicos e desaparecimento do pequeno e tradicional comércio, mas não se preveniu, neste contexto, a situação das farmácias. Depois, embora ache que se possa facilitar o acesso a alguns fármacos de utilização simples e generalizada, a oferta nestes espaços vai muito além disso, comercializando medicamentos que devem ser tomados por indicação médica. FS - É, portanto, ainda mais restritivo que a criação de uma terceira lista? JS - Nalguns casos sim. A terceira lista é uma fantasia, é um estrata-

gema para descomparticipar medicamentos de uma só assentada. Se por um lado é positivo, porque reconhece que há fármacos que apesar de não serem de prescrição médica devem ser dispensados apenas em ambientes protegidos, como o são as farmácias, ao mesmo tempo está-se a usar este bom e tecnicamente recomendável princípio para deixar de comparticipá-los. Este modo de agir é muito pouco transparente. O apoio ou não do Estado à aquisição de um dado medicamento não deve ser ditado pelo local onde é vendido, mas pelo seu uso terapêutico. O Bloco de Esquerda, aliás, está a preparar um projeto-lei para corrigir isso, procurando impedir mais este estrago na política farmacêutica. Outro disparate, e este Governo parece estar a insistir nisso, foi a instalação de farmácias nos recintos dos hospitais, uma modernice muito populista, que permitiu alguns bons negócios, para alguns grupos pouco escrupulosos - e estou a medir as palavras! Que era um grande negócio, algo fantástico para toda a gente, mas vê-se bem o fracasso completo em que se traduziu, para além de ter sido mais uma decisão que veio agravar as dificuldades do setor das farmácias. Sempre defendi que, em determinado contexto, os hospitais e centros de saúde pudessem dispensar medicamentos, mas não percebo por que é que uma farmácia privada há de ter o privilégio de estar instalada à porta do hospital. FS - Que contexto? JS - Nos casos de alta de internamento em determinados períodos da noite, acautelando que as pessoas possam não estar em condições de convalescença que lhes permitam ter autonomia para ir à farmácia de serviço, ou mesmo ter apoio familiar para o fazer. O BE apresentou um projeto que foi aprovado e é lei, e que dita que os hospitais, dentro destas circunstâncias específicas, devem fornecer, gratuitamente, a medicação necessária para os três 63


conversa com... dias sequentes. De resto, asseguradas as primeiras tomas, há depois farmácias distribuídas de forma equilibrada. FS - A lei que fala foi aprovada posteriormente, esvaziando ainda mais de sentido estas farmácias… JS - Sim, mas inseria-se num lógica diferente, de introdução de humanidade no sistema hospitalar, fazendo parte de um pacote de outros projetos, também eles aprovados, e que respondiam a questões muito concretas. Por exemplo, ao direito a acompanhamento no serviço de urgência, para que as pessoas não permaneçam horas sozinhas, enquanto a família espera o mesmo tempo sem notícias dos seus entes. FS - Mas na prática o efeito de esvaziamento de lógica foi o mesmo. O que se pergunta então é, sem haver uma efetiva necessidade e havendo graves problemas, porque se insiste nesta medida? JS - Muitas decisões políticas são resultado de um jogo de interesses e da relação de força como se exprimem esses interesses na sociedade portuguesa. No caso dos centros comerciais e grandes superfícies, eles são detidos por grandes potentados económicos e financeiros que impõem muitas regras, e acho que o Governo decidiu em função disso. Mas quando decidiu abrir as farmácias nos hospitais, julgo que a conversa é outra, porque o que se quis foi instabilizar o mercado; quis-se criar “uma pequena picardia” com o setor das farmácias. Sobretudo, o que não se teve nunca em conta foi o mais importante: é que é muito fácil haver uma relação comunitária intensa entre uma farmácia e os residentes da sua área, mas ninguém vai estabelecer essa relação num hospital. Se me perguntar o que é que eu valorizo muito na farmácia, para além, naturalmente, do serviço que presta, é essa relação, que é extremamente importante e por muitos motivos. 64

Estou farto de dizer publicamente que o SNS tinha toda a vantagem em institucionalizar na sua relação com as farmácias. FS - Institucionalizar? JS - Sim, legislar. Não há outra forma! O Estado não pode continuar a dizer às farmácias que “prestam uma grande serviço comunitário, muito obrigado, desejamos que continuem”… É preciso encontrar um modelo de relação que, no meu ponto de vista, passa por definir uma carteira de cuidados e serviços que as farmácias possam prestar e por valorizar os que já hoje prestam, bem como a relação entre o farmacêutico e o médico do centro de saúde, no sentido do respeito mútuo e da complementaridade entre quem

prescreve e quem dispensa; e isso tem de ser feito pelas ARS, julgo. Quando fui diretor de um hospital, muito pomposamente chamado de presidente do concelho de administração, parte dos meus colegas médicos resistiram muito a que o farmacêutico os acompanhasse e aos enfermeiros nas tradicionais visitas semanais. Não fazia parte da cultura institucional! Mas quando se quer mudar essa cultura, decide-se e acrescenta-se alguma coisa. Quando digo institucionalizar é mudar, e para mudar é preciso legislar sobre um modelo de relação entre as farmácias e os centros de saúde - com os hospitais parece-me mais complexo. FS - E, no entanto, mesmo aí, no âmbito hoje hospitalar, há espaço para


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que as farmácias possam trabalhar, nomeadamente ao nível da administração a nível ambulatório de alguns medicamentos. JS - Aí seria mais cauteloso. Nós tivemos uma experiência fantástica, que infelizmente acabou, que foi a troca de seringas, e que evidenciou que há cuidados que as farmácias podem prestar, mas há certas patologias que impõem condições, às quais é preciso assegurar que as farmácias estão adaptadas. Por exemplo, em muitas das medicações que menciona as tomas são feitas sob observação direta… FS - Como acontecia com a metadona… JS - Sim, claro, mas nisso devemos ser muito prudentes. Durante muito tempo, era o Dr. João Cordeiro o presidente, a ANF fez grande insistência para que certos medicamentos hospitalares pudessem ser dispensados nas farmácias, e eu não tenho nenhuma objeção de princípio, mas é preciso assegurar que existem as condições não só logísticas, mas também de recursos humanos para isso poder ser feito. É que o risco é enorme, são terapêuticas onde a adesão do doente é decisiva. FS - Não lhe parece que essa adesão será mais facilmente garantida perto de casa do doente, ao invés de numa unidade hospitalar? JS - Provavelmente, por isso lhe digo que não tenho nenhuma objeção de princípio, apenas um sentido de precaução muito grande, que me dita que se trata de matéria que precisa de ser estudada. Mas há outras coisas que devem mudar, como o facto de as farmácias continuarem a ver o seu serviço remunerado por uma percentagem. FS - O que é que, para si, o setor está a fazer mal? JS - [Pausa] Não sei, mas seria ilusório pensar que, com a crise social, económica e financeira gravíssima que o país atravessa, as farmácias

«Uma coisa é gerir bem o orçamento do SNS, outra é gerir o SNS. O Dr. Paulo Macedo não faz mal a primeira, mas faz muito mal a segunda. Simplesmente não tem política de saúde. Este ministro existe para cortar.» não fossem atingidas. Não quero estar com grandes sentenças, mas um setor que foi sempre muito organizado, muito bem estruturado, onde nada parecia acontecer por acaso, com múltiplos suportes à sua atividade, mesmo financeiro, da ANF, e que não sendo uma rede institucionalizada, funcionava como tal, teria, evidentemente, que readaptar a sua estrutura de custos à nova realidade que lhe foi imposta. Não sei até que ponto isso foi feito, mas sei seguramente que num setor cujas margens são uma percentagem sobre o seu volume de negócio, se este baixa, baixa a percentagem e a sua receita económica. Por isso defendo que se deve discutir uma modalidade diferente de remuneração, um valor fixo. FS - Concorda então com essa proposta? JS - Concordo, mas não é uma concordância fácil, demorei muito tempo a render-me a esta ideia. FS - Porquê? JS - Porque acho que o outro sistema também tem algumas virtudes, mas no quadro atual, considero que esta é a forma talvez mais simples de encontrar uma remuneração mais justa para o que as farmácias fazem. O problema nisto é sobrecarregar o

utente. Eu, ponderando os prós e contras, inclino-me, já com uma razoável segurança, para o pagamento de uma taxa fixa, eventualmente diferente, de acordo com os cuidados prestados. Outra medida, mais complicada, passaria por introduzir regras no mercado que impedissem a proliferação de centenas de apresentações para a mesma substância. Não consigo imaginar uma atividade comercial a ter esta capacidade de stock, que ao mesmo tempo que desregula completamente o mercado, tem custos elevados para as farmácias. Do meu ponto de vista, era mais simples, com base num formulário para o ambulatório, o Estado organizar concursos de fornecimento, como acontece nos hospitais. Há práticas tão boas nesta matéria, que não se percebe por que o Estado não procura revertê-las também para o ambulatório. FS - As áreas hospitalar e de ambulatório parecem, por vezes, dois universos perfeitamente independentes. Há muito em termos de comunicação que falha? JS - Os ministros, durante uns anos, julgaram que governavam melhor pondo os vários operadores do mercado uns contra os outros, fossem as ordens profissionais entre si, estas contra a indústria e vice-versa, ou mesmo profissionais do mesmo ramo, mas a operar em áreas distintas. E no meio dessas disputas e guerras, o Governo lá ia impondo a sua política, escapando entre as pingas da chuva. Os ministros gabavam-se de ser muito hábeis a gerir, com grande agilidade, as contradições. Hoje, porém, isso é um pouco diferente, e pela pressão dos cortes e restrições financeiras, os ministros colocam-se numa posição que, embora tenha elementos que se justificam inteiramente, é muito populista, de combate às corporações e aos interesses. Este Governo usa e abusa disso. Sabemos mais das investigações da Polícia Judiciária às 65


conversa com... múltiplas fraudes que se têm vindo a revelar do que da reforma hospitalar. Ou seja, o SNS está pior do que estava, é preciso explicar essas dificuldades de acesso, de funcionamento, de qualidade, e não há nada mais simples do que disparar contra todas as profissões e operadores. Alguns dos disparos são tiros muito certeiros, outros acho que são verdadeiramente apenas tiradas demagógicas e populistas para enganar a população. FS - É difícil fazer oposição contra um Governo que apregoa ter sido o salvador do acesso ao medicamento no contexto da crise? JS - Há uma convicção generalizada entre opinion makers que o ministro Paulo Macedo é o melhor deste Governo. Eu tenho dito e repito sistematicamente que uma coisa é gerir bem o orçamento do SNS, outra é gerir o SNS. O Dr. Paulo Macedo não faz mal a primeira, mas faz muito mal a segunda. Simplesmente não tem política de saúde. Este ministro existe para cortar. E depois, no âmbito da nossa conversa, olhamos para a sociedade portuguesa e identificamos duas tendências claras. A primeira são as dificuldades no acesso aos cuidados de saúde prestados pela via tradicional, seja nos hospitais ou centros de saúde. O ministro bem pode vir com estatísticas, mas o que está à vista de todos é que o acesso ao SNS piorou. De seguida, deparamo-nos com as tremendas dificuldades que existem na estabilização da exploração das farmácias. Manda o bom senso que se pense num conjunto de serviços que possam ser prestados nas farmácias, que estão próximas das pessoas, e que sejam justamente – para quem os financia e quem os presta – remunerados. O que o Governo deve fazer é reunir com os responsáveis por esta atividade e decidir o que é que pode ser transferido para as 66

farmácias, que dificuldades elas podem ajudar a resolver no domínio comunitário. Não me parece algo assim tão difícil. FS - Diria que existe um preconceito relativamente às farmácias? JS - Um Governo que corta tanto e que tantas dificuldades cria no acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, tem vantagens em arranjar bodes expiatórios e responsáveis por todos os males. Eu sei que isso é assim, e também sei que durante um determinado período de tempo as farmácias foram um setor de altíssima rentabilidade, que transformou muitas vezes essa sua pujança em atitudes de grande agressividade, relativamente ao poder político e até a outros setores sociais da vida portuguesa. Hoje a situação é muito diferente, as farmácias passam por problemas evidentes e o seu encerramento não é só mau para os proprietários e farmacêuticos que lá trabalham, é um serviço que deixa de ser prestado àquela comunidade. Deveria haver uma maior compreensão sobre isso. Julgo que tem havido por parte dos organismos que representam as farmácias uma atitude bas-

tante construtiva, muito menos agressiva, de quem quer fazer valer os seus argumentos e razões para resolver problemas que estão à vista de toda a gente. É lamentável que do lado do Governo, que tem o poder de contribuir para a resolução de muitos destes problemas, não haja, pelo menos, a mesma abertura. O ambiente não é tão tenso e agressivo como noutras alturas, o que há é uma certa cultura de paz podre, onde aquilo de que não se fala não existe, e se não existe não é problema. Se a situação se continuar a degradar - e não sou muito otimista relativamente a isso, porque acho que estamos longe de sair da crise e quanto mais insistirmos na austeridade, mais dificuldades o país e as pessoas vão ter -, se se mantiver este curso nos próximos tempos, os problemas que hoje afetam as farmácias não vão melhorar, tenderão antes a agravar-se. O Governo deveria prestar atenção a isto, até porque o ministro da Saúde não é apenas o ministro do Serviço Nacional da Saúde, mas de todo o sistema, de toda a rede envolvente e que é decisiva para a vida das pessoas.


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Acórdão do Tribunal Constitucional e as Farmácias de Oficina O Acórdão do Tribunal Constitucional nº 602/2013 apreciou a constitucionalidade de várias normas da Lei nº 23/2012, de 25 de junho, que alterou o Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, tendo este reflexos para o setor das farmácias de oficina que se analisam em baixo.

Foram várias as normas da Lei nº 23/2012, de 25 de junho, julgadas inconstitucionais pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 602/2013 1. Cingiremos, porém, a nossa análise à parte da decisão com relevância imediata para o setor, em 1

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especial tendo presente a regulamentação coletiva de trabalho aplicável, a saber: - Descanso compensatório decorrente da prestação de trabalho suplementar; - Remuneração devida pela pres-

tação de trabalho suplementar; - Retribuição por trabalho normal prestado em dia feriado. Para além destes temas, apenas porque se trata de matéria suscetível de originar dúvidas em algumas farmácias, abordar-se-á, igualmente,

Cobrindo matérias como: banco de horas; despedimento por extinção do posto de trabalho; despedimento por inadaptação; descansos compensatórios pela prestação de trabalho suplementar; remuneração do trabalho suplementar; remuneração por trabalho normal em dia feriado; majoração das férias em função da assiduidade


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o tema da majoração das férias em função da assiduidade.

Descanso compensatório decorrente da prestação de trabalho suplementar A Lei nº 23/2012, de 25 de junho, veio determinar a revogação das normas legais que constavam do Código do Trabalho e que previam que no caso de prestação de trabalho suplementar, em dia normal, em dia de descanso semanal complementar ou em dia feriado, o trabalhador teria direito a um descanso compensatório. Ou seja, apenas no caso de trabalho suplementar em dia de descanso semanal obrigatório, ou quando se verifique que a prestação de trabalho suplementar impeça o gozo do período de descanso diário (11 horas entre jornadas de trabalho) se manteve, no plano legal, a previsão do direito a um descanso compensatório. Em ligação com a referida eliminação dos referidos descansos compensatórios no Código do Trabalho, a mesma Lei nº 23/2012, estabeleceu, no seu art.º 7º, nº 2 o seguinte regime: “São nulas as disposições de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e as cláusulas de contratos de trabalho celebrados antes da entrada em vigor da presente lei que disponham sobre descanso compensatório pelo trabalho prestado em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em feriado.”. Ora, esta foi precisamente uma das normas que o Acórdão do TC acima referido declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, por comportar uma infundada restrição ao direito de contratação coletiva, violando os artigos 56º, nºs 3 e 4 e 18º, nº 2 da Constituição. Os efeitos conjugados da consideração como constitucional da eliminação da previsão legal do direito a descanso compensatório, nos casos acima referidos, com a declaração de inconstitucionalidade da norma

constante do nº 2 do art.º 7º da Lei nº 23/2012, de 25 de junho, resultam em que nos casos em que as convenções coletivas de trabalho prevejam a existência de descansos compensatórios as mesmas continuarão a ser aplicáveis nos respectivos âmbitos de aplicação. Como grande parte das convenções coletivas de trabalho prevêem descansos compensatórios pela prestação de trabalho suplementar, tal implicará que por força da decisão do TC, as empresas abrangidas terão de, em relação a todo o trabalho suplementar prestado em dia normal, dia de descanso complementar ou em dia feriado que tenha sido realizado desde 1 de agosto de 2012, conceder aos trabalhadores o descanso compensatório nos termos previstos nas convenções coletivas aplicáveis. É fácil de antever as complicações organizativas, em matéria de alocação de recursos humanos e encargos financeiros suplementares que decorrerão para os empregadores abrangidos por tais convenções coletivas pelo facto de serem agora confrontados com obrigação de conceder tais descansos compensatórios acumulados desde 1 de agosto do ano passado. No caso do setor das farmácias importa, porém, ter presente que a regulamentação coletiva aplicável não prevê o direito a descanso compensatório pela prestação de trabalho suplementar em dia normal ou em dia de descanso semanal complementar. Assim sendo, a decisão do TC, quanto a esta matéria, não tem qualquer efeito em relação aos trabalhadores do setor das farmácias de oficina, continuando a não haver, portanto, nos casos de prestação de trabalho suplementar em dia normal ou em dia de descanso semanal complementar obrigatoriedade de concessão ao trabalhador de descanso compensatório decorrente de tal prestação de trabalho. Já no caso do trabalho suplementar em dia feriado a regulamenta-

ção coletiva de trabalho aplicável ao setor prevê em certos casos a concessão de descansos, os quais, em face do Acórdão em apreço, se mantêm válidos com efeito a 1 de agosto de 2012.

Remuneração devida pela prestação de trabalho suplementar A remuneração pela prestação de trabalho suplementar consubstanciou uma das outras importantes matérias que, em sede de articulação da lei com a contratação coletiva, a Lei nº 23/2012, de 25 de junho, veio introduzir alterações, a saber: i. Redução das percentagens de acréscimo previstas no Código do Trabalho, pela prestação de trabalho suplementar: - Em dia normal: de 50% para 25%, na primeira hora, e de 75% para 37,5% nas horas ou frações subsequentes; - Em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em dia feriado: de 100% para 50% ii. Suspensão das normas previstas em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho (IRCT) que disponham sobre “acréscimos de pagamento de trabalho suplementar superiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho”, durante dois anos a contar da entrada em vigor da dita Lei (ou seja, até 1 de agosto de 2014). iii. Estatuição de que findo aquele prazo de dois anos (ou seja a partir de 1 de agosto de 2014), caso as disposições de IRCT não tenham sido alteradas, os montantes por elas previstos seriam reduzidos a metade, com o limite das percentagens de acréscimo de remuneração de trabalho suplementar previstas no Código do Trabalho. O Acórdão do TC veio decidir pela inconstitucionalidade das alterações acima referidas em iii) e pela conformidade com a 69


Constituição quer das alterações referidas quer em i) quer em ii). Assim, até 1 de agosto de 2014, o trabalho suplementar continuará a ser remunerado nos termos que agora estão previstos no Código do Trabalho para todos os trabalhadores das farmácias de oficina, independentemente de estarem ou não abrangidos por contratação coletiva, ou seja nos termos supra referidos em i). Porém, atenta a inconstitucionalidade da modificação supra-referida em iii), tomando em atenção que todos os CCT outorgados pela ANF regulam especificamente a remuneração de trabalho suplementar, a partir do dia 1 de agosto de 2014 o mesmo voltará a ser remunerado nos termos dos CCT em vigor. Por seu lado, os trabalhadores que não forem abrangidos pelos ditos CCT terão direito à remuneração por trabalho suplementar nos termos do Código do Trabalho.

Retribuição por trabalho normal prestado em dia feriado A Lei nº 23/2012, de 25 de junho, alterou o regime legal em matéria de retribuição por trabalho normal prestado em dia feriado, passando a estabelecer que o trabalhador tem direito nesses casos, mediante escolha do empregador, a um descanso compensatório com duração de metade do número de horas de trabalho prestadas ou ao acréscimo de 50% da remuneração correspondente (art.º 269º, nº 2 do Código do Trabalho) A mesma Lei determinou, a semelhança do referido na alínea ii) anterior, a suspensão até 1 de agosto de 2014 das disposições de IRCT sobre a matéria e, também à semelhança do referido supra na alínea iii), que após aquela data, caso as disposições de IRCT não tenham sido alteradas “os montantes por elas previstos são reduzidos a metade não podendo ser inferiores ao estabelecido pelo Código do Trabalho” 70

Ora, o Acórdão do TC, embora tenha julgado constitucional a norma que prevê a suspensão das cláusulas de IRCT que disponham sobre a matéria, até 1 de agosto de 2014, julgou inconstitucional a norma da Lei nº 23/2012, de 25 de junho, que determinava a redução para metade dos montantes dos IRCT que não fossem revistos até aquela data. No caso das convenções coletivas aplicáveis ao setor, importa salientar que a decisão do Tribunal Constitucional é inócua, uma vez que as convenções coletivas aplicáveis não regulam especificamente a matéria da remuneração da prestação de trabalho normal em dia feriado, aplicando-se, portanto, o regime legal, constante do nº2 , do art.º 269º, do Código do Trabalho e acima referido.

Majoração das férias A Lei nº 23/2012, de 25 de junho, veio revogar as disposições do Código do Trabalho que previam a majoração das férias até mais 3 dias, em função da assiduidade e, do mesmo passo, estipular que as majorações de férias que estivessem previstas em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho celebrados após 1 de dezembro de 2003 e antes da entrada em vigor da supra-referida Lei (1 de agosto

de 2012) seriam reduzidas, ope legis, em montante equivalente, até 3 dias. O Acórdão do TC decidiu pela constitucionalidade da eliminação legal da majoração das férias, mas considerou inconstitucional a norma da dita Lei que veio determinar a redução, até 3 dias, das disposições de IRCT nas condições acima referidas. Quer isto dizer que as disposições de IRCT que prevejam majorações de férias mantêm-se inteiramente válidas podendo, portanto, os respectivos trabalhadores reclamar as majorações a que tenham direito, desde já em relação aos dias de férias a gozar ainda no ano em curso e vencidos em 1 de janeiro de 2013. No caso das convenções coletivas de trabalho aplicáveis ao setor das farmácias de oficina o regime de férias nelas previsto não estipula qualquer majoração da duração das férias em função da assiduidade, pelo que a decisão do Tribunal Constitucional não tem repercussões para as farmácias nesta matéria, continuando a vigorar o regime de duração mínima que está previsto na lei, que actualmente é de 22 dias úteis (cf. art.º 238º CT). Elaborado por: Nuno Guedes Vaz, advogado, PLMJ – Sociedade de Advogados


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flashes Bélgica: Serviço remunerado para doentes asmáticos As farmácias belgas estão, desde outubro, a disponibilizar um novo serviço de primeira consulta e monitorização da terapêutica ao longo do tempo para doentes asmáticos em início de terapêutica com corticoesteróides inalados. Trata-se de uma intervenção de particular importância na asma, quer ao nível do ensino da técnica correta de inalação quer da motivação para adesão à terapêutica crónica, mesmo na ausência dos sintomas. Estas intervenções serão pagas pela Segurança Social da Bélgica, que pretende assim, com a colaboração dos farmacêuticos, reforçar a adesão aos tratamentos prescritos, contribuindo para o uso racional, correto, efetivo e seguro dos medicamentos ao longo do tempo. Fonte: Newsletter ANF, Nº 139, 4 de outubro de 2013

Espanha: Farmácias com dificuldades de abastecimento

Alemanha: Novo serviço para grávidas nas farmácias Desde o dia 1 de novembro que as farmácias alemãs passaram a prestar um novo serviço dirigido a grávidas, que inclui uma revisão detalhada de todos os medicamentos e suplementos que estas estão a tomar, com consequente alteração da dose da medicação, se necessário. Nestas consultas, o farmacêutico avalia as possíveis contra indicações, efeitos adversos e interações, e promove aconselhamento específico para dieta e estilos de vida saudáveis. O serviço, remunerado em 33 € por gravidez, permite à mulher gestante ter um acompanhamento mais próximo por parte de um profissional de saúde, o qual está disponível para a orientar e esclarecer questões tão frequentes nesta fase da sua vida. Fonte: Newsletter ANF, Nº 142, 1 de novembro de 2013

As farmácias catalãs aderiram massivamente à greve do passado dia 7 de novembro para exigir que o Governo pague a dívida, que atingiu um máximo histórico de 416 milhões de euros. Apesar de há quatro meses não receberem do Governo o valor correspondente à comparticipação dos medicamentos, as farmácias continuam a assegurar o seu adiantamento à população, mas a situação está a ficar completamente insustentável, uma vez que os atrasos se arrastam há mais de dois anos. Logo, há cada vez mais farmácias sem capacidade económica para se abastecer, especialmente dos fármacos mais caros, obrigando os utentes a percorrer diversos estabelecimentos para obterem a medicação de que necessitam.O setor alerta as autoridades para a necessidade de se encontrar uma alternativa ao modelo de dispensa de medicamentos comparticipados, de modo a assegurar a sustentabilidade da sua distribuição à população. Fonte: Newsletter ANF, Nº 143, 15 de novembro de 2013

Austrália: Farmácias protestam contra corte na remuneração Com contornos similares aos da iniciativa “Farmácia de Luto”, realizada pelo setor em Portugal, a associação de proprietários de farmácia da Austrália (Pharmacy Guild of Australia - PGA) lançou a campanha “Farmácia comunitária sob ameaça” (Community pharmacy under threat), que alerta para as consequências da decisão do Governo federal de alterar o sistema de remuneração em vigor (Pharmaceutical

Benefits Scheme - PBS). Segundo a PGA, esta medida vai reduzir drasticamente a remuneração sobre a dispensa de medicamentos à população, colocando em risco mais de 5 mil postos de trabalho em todo o país. As farmácias alertam também que serão «forçadas» a reduzir o horário de funcionamento e a disponibilizar menos serviços. No âmbito desta campanha, foi lançada a Petição “Para salvar as

farmácias de bairro, empregos e serviços aos doentes” (To save local pharmacies, jobs and patient services). Esta é passível de subscrição online e nas próprias farmácias, que pretendem ver assim mantidas as condições necessárias à sua atividade, ao serviço aos utentes, ao emprego da sua equipa e ao garante do serviço de turnos. Fonte: Newsletter ANFOnline Estrutura Associativa, 25 de outubro de 2013

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As Devoluções A retificação do valor tributável de uma fatura é incumbência exclusiva de quem, antes, a emitiu. Esta conclusão está espelhada no parecer emitido pela Administração Tributária e Aduaneira sobre esta matéria e que aqui se analisa. 1. ENQUADRAMENTO Embora seja delas o estímulo que o desencadeia, as Farmácias não têm nem o comando, nem o controlo, do processo de devolução dos medicamentos e outros produtos adquiridos para venda aos seus fornecedores. São estes que, tendo na sua mão a condução de quase todos os procedimentos que lhe estão associados, marcam os tempos e decidem sobre a sua conclusão. A leitura do parecer que, sobre esta matéria, a Administração Tributária e Aduaneira (AT) recentemente produziu e enviou à ANF1 e, sobretudo, a análise da fundamentação que lhe serve de base – está, assente no princípio de que a retificação do valor tributável de uma fatura é incumbência exclusiva de quem a emitiu confirma, em pleno, a ideia que aqui deixamos. Já se sabia que, numa devolução, o envio ou a colocação dos bens à disposição do respetivo fornecedor não determinava, por si só, a alteração da sua propriedade e que, por isso, não se podia impor à farmácia a obrigação de emitir um “documento retificativo de fatura”2. Como, tam-

bém, já se tinha por adquirido que a guia ou nota de devolução, emitida pelas farmácias nestas circunstâncias, não era mais do que uma mera guia de remessa que, se pudesse abrigar, também, os requisitos previstos, como obrigatórios, no Regime de Bens em Circulação3 poderia servir, por equiparação, de “documento de transporte”. O parecer da AT que agora nos chega e a fundamentação que está na sua base, torna, tudo, a partir de agora, muito mais claro.

2. PROCEDIMENTOS 2.1. Por parte das Farmácias A farmácia nada tem a perder se der expressão contabilística aos bens que introduz em processo de devolução, movimentando-os para a conta “326 mercadorias em poder de terceiros”4. Essa movimentação, que terá a guia ou nota de devolução como suporte, poderá ser feita logo que esses bens forem entregues ou colocados à disposição do fornecedor. Embora esta operação contabilística não altere o saldo global do inventário, a segregação que daqui resulta5 oferecerá à farmácia uma visão mais ana-

lítica sobre o conjunto das suas existências e permitirá monitorar melhor a evolução desse subconjunto. Como atrás se referiu, esta guia ou nota de devolução não é um “documento retificativo de fatura”, no conceito que é definido no artigo 29º, nº7, do CIVA e, por isso, não terá de conter a referência à fatura a coberto da qual os bens foram inicialmente fornecidos. Como os bens introduzidos em processo de devolução irão circular em espaço público, haverá toda a vantagem em trazer para a nota de devolução todos os elementos que permitam a sua equiparação a “documento de transporte” (indicação dos locais de carga /descarga e data / hora do início do transporte). Isto, para que, dessa forma, se possa, com ela, dar cumprimento às obrigações impostas pelo Regime de Bens em Circulação. Se, e quando, o fornecedor validar e confirmar a devolução (normalmente com a emissão de uma nota de crédito6), a farmácia terá de proceder à regularização do seu inventário e, se for o caso, à regularização do IVA que lhe corresponde (sobre a regularização do IVA, ver o ponto 2.3).

Parecer / Informação nº 2165, de 30 setembro 2013, da Direção de Serviços do IVA, emitido em resposta à exposição apresentada pela ANF. 2 Artigo 29º, nº 7 e artigo 36º, nº 6, ambos do CIVA. A este respeito se refere a circular da ANF com o nº 3667/2013, de 25 de outubro. 3 Decreto-Lei nº147/2003, de 11 de julho. 4 Embora esta conta seja mais dirigida ao registo das mercadorias entregues à consignação, nada impede que ela possa ser utilizada, também, para este fim. Poderá utilizar-se um 4º dígito para proceder à discriminação por fornecedor. 5 Esta segregação é, também imposta pelo Regime Jurídico das Farmácias (artigo 34º, nº4, do Decreto-Lei 307/2007, de 31 de agosto). 6 Não sendo muito comum, a regularização também pode ser feita com a reposição dos bens devolvidos. 1

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Contudo, esta regularização a favor do fornecedor tem natureza facultativa o que significa que nem todas as rectificações da base tributável inicial, feitas para menos, têm associadas regularizações de IVA a favor do fornecedor. Poderá acontecer que o fornecedor prescinda da recuperação da diferença do imposto. b) Vista do lado do adquirente (da farmácia)

2.2. Por parte dos Fornecedores Validada e confirmada a devolução, caberá ao fornecedor dar início ao processo de regularização, daí retirando, com a emissão da nota de crédito, todos os seus efeitos. A regularização do IVA a favor do fornecedor que a nota de crédito poderá ter implícita, só será efectuada se isso for da sua conveniência (sobre a regularização do IVA, ver o ponto 2.3). Contrariamente à qualificação que é dada à guia ou nota de devolução emitida pela farmácia, a nota de crédito emitida pelo fornecedor, nestas circunstâncias, já tem de ser considerada “documento retificativo de fatura”, dentro do conceito que é definido no artigo 29º, nº7, do CIVA. Dela deve, por isso, constar a referência à fatura em retificação7. Se da guia ou nota de devolução, emitida pela farmácia, constarem todos os elementos que permitam a sua qualificação como “documento de transporte” e se, em momento oportuno, for feita, através do Portal

das Finanças, a comunicação prévia de saída dos bens (locais de carga/ descarga e data / hora), a circulação desses bens em espaço público, poderá ser feita a coberto desse documento.

2.3. Regularização do IVA8 a) Vista do lado do transmitente (do fornecedor) A efetivação de uma devolução determina, sempre, a correcção, no todo ou em parte, do valor tributável que foi definido na fatura inicial9. Como atrás se referiu, esta correcção é da iniciativa do fornecedor (o emitente da fatura). Corrigido o valor tributável, o IVA liquidado e mencionado na fatura inicial tem de considerar-se imposto liquidado em excesso, uma vez que a base sobre a qual incidiu foi alterada para menos. Esta diminuição da base é o fundamento de que o fornecedor necessita para proceder à regularização do IVA a seu favor (regularização feita na nota de crédito).

Se o fornecedor considerou na sua nota de crédito que liquidou IVA em excesso e procede, através desse documento, à regularização da diferença de imposto a seu favor, terá de se considerar que o adquirente (a farmácia) também o deduziu em excesso, justificando-se que, sobre ele, se coloque a obrigação de o repor a favor do Estado. Esta regularização (a favor do Estado) só terá de ser efetuada pela farmácia se o fornecedor tiver feito a que, a montante, lhe competia (regularização a seu favor), o que significa que a operação de regularização é, do ponto de vista do seu efeito global, completamente neutra. Isto, porque: • Se o fornecedor a fizer a seu favor, a farmácia terá de a fazer, pelo mesmo valor, a favor do Estado; • Se o fornecedor não a fizer a seu favor, a farmácia também não a terá de fazer a favor do Estado. Daí que se tenha condicionado a regularização do transmitente (a favor do fornecedor) à garantia de que a sua execução chegou ao conhecimento do adquirente (da farmácia)10. J. A. Campos Cruz (Consultor ANF)

Porque se trata de requisito cujo cumprimento será muito difícil levar à prática, terá de admitir-se que, por decisão da AT, possa vir a ser substituído por um outro mais facilmente executável 8 Artigo 78º do CIVA 9 A base tributável corresponde ao valor faturado, líquido de descontos e abatimentos (artigo 16º, CIVA) 10 Nº 5 do artigo 78º, CIVA. A constituição da prova em como o adquirente tomou conhecimento da regularização é responsabilidade do transmitente. 7

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Entre nós

Sinais A recente aprovação em Conselho de Ministros de alterações ao regime de margens das Farmácias é indiscutivelmente um facto positivo. É certo que são alterações financeiramente neutras, quer quanto à despesa do Serviço Nacional de Saúde, quer quanto às receitas das Farmácias. Não contribuem, por isso, para resolver a nossa atual crise económica e financeira, mas acreditamos que têm a virtualidade de reduzir, no futuro, o seu agravamento, que foi brutal nos últimos três anos. As alterações não são as que esperávamos e que nos tinham sido anunciadas, mas são um sinal de esperança. As Farmácias continuam em crise, mas acreditamos que será possível construir um novo quadro de relações com o Ministério da Saúde, positivo para os Doentes, para o Estado e para as Farmácias. O nosso espírito tem sido e continuará a ser o de parceria entre as Farmácias e o Ministério da Saúde, subordinada ao princípio da primazia do interesse público. Esperamos uma partilha de ganhos no crescimento do mercado de genéricos, porque as Farmácias têm tido um papel decisivo nesse crescimento e na redução da despesa dele decorrente. A definição dessa partilha deverá ser feita com a nossa colaboração. 74

Por outro lado, está em curso a análise da prestação de serviços pelas Farmácias, a contratualizar com o Serviço Nacional de Saúde. Pelo nosso lado, o trabalho está feito. Reunimos com as diversas instituições e apresentámos ao Ministério da Saúde uma proposta de Acordo. O princípio-base é o de que a remuneração dos serviços fica dependente da sua avaliação, quer quanto a ganhos em saúde quer quanto à redução da despesa. Aceitaremos correr o risco de prestar esses serviços durante um determinado período de tempo sem garantia da sua remuneração, porque temos a certeza da mais-valia da nossa intervenção. O que não aceitamos é prestar indefinidamente serviços gratuitos, porque a crise em que o setor se encontra não permite às Farmácias essa liberalidade. Esperamos também uma decisão do Ministério da Saúde relativamente às Farmácias instaladas nos Hospitais e actualmente encerradas. Em nossa opinião, está amplamente demonstrada junto da opinião pública e dos decisores políticos a irracionalidade da instalação daquelas farmácias. A própria Inspecção-Geral de Finanças publicou recentemente um relatório demolidor sobre o seu funcionamento e os elevados

prejuízos por elas causados ao erário público. A revogação do diploma que permitiu a instalação daquelas farmácias seria um sinal de confiança no setor e ajudaria à construção do espírito de parceria que queremos manter e reforçar com o Ministério da Saúde. Conhecemos bem as dificuldades do País e sabemos que as soluções têm de ser encontradas no respeito por essas dificuldades. Tem sido sempre essa e continuará a ser a nossa posição. O País precisa de uma rede de farmácias que funcione bem, permanentemente disponível e próxima, sem rutura de stocks, e a prestar uma assistência farmacêutica de qualidade às populações. É esta normalidade que procuramos e queremos atingir com equilíbrio, através de um esforço conjunto com o Ministério da Saúde. Pelo serviço que prestam, pela crise que se abateu sobre elas e pelo esforço que têm feito para ultrapassar as dificuldades, as Farmácias portuguesas são credoras de maior atenção por parte do Ministério da Saúde.

Paulo Cleto Duarte


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