©TIAGO MACHADO
EDITORIAL
DUARTE SANTOS
A ERA DOS GOLFINHOS :N
o dia 4 de Março, oito ordens profissionais – Biólogos, Enfermeiros, Farmacêuticos, Médicos, Médicos Dentistas, Médicos Veterinários, Nutricionistas e Psicólogos – juntaram-se na Fundação Gulbenkian para reclamarem em conjunto uma lei de financiamento plurianual da Saúde. Quatro dias depois, a bastonária Ana Rita Cavaco e o presidente da ANF assinaram um acordo com vista à dinamização de serviços de enfermagem à população na rede de farmácias. No centenário de Fátima, a Revista Saúda publicou um Guia de Saúde do Peregrino, reunindo o aconselhamento de médicos, enfermeiros, nutricionistas e farmacêuticos. No Serviço Nacional de Saúde, a grande notícia dos últimos anos é esta tendência de cooperação institucional, crescente e já imparável. Colocar o doente no centro do sistema é um objectivo antigo. Na vida real, sempre aconteceu. Médicos, enfermeiros, farmacêuticos e todos os profissionais do sector estão habituados a dar as mãos para ajudar os doentes no seu caminho. Conhecemos sempre exemplos disso na rubrica Farmácias Reais. Nesta edição, a jornalista Sónia Balasteiro relata que a Farmácia Santo António, na Madeira, fala ao telemóvel com os médicos. As chamadas permitem resolver na hora qualquer necessidade dos doentes. A farmácia esclarece dúvidas quanto à disponibilidade de medicamentos e marca consultas. A médica de família Rosa Gomes e o farmacêutico Paulo Sousa trocam palavras de incentivo mútuo. Umas páginas à frente, a enfermeira
Mariana Vasconcelos é porta-voz da mesma realidade na ilha do Porto Santo. Os profissionais de saúde são seres inteligentes e altamente sociáveis, como os golfinhos da nossa capa. A novidade é que as instituições que os representam passaram também a vir à tona das notícias saltar com o mesmo espírito, o que parece imprescindível à solução dos nossos problemas mais profundos. Por exemplo, o envelhecimento e a desertificação. Todos sabemos o que se passa. Enquanto Lisboa e o Porto se enchem de turistas, há outro país que resiste, cada vez mais isolado. Primeiro fecharam as escolas primárias, depois as extensões dos centros de saúde, os postos dos correios e os tribunais. Agora, são as agências da Caixa Geral de Depósitos. Se as farmácias continuam abertas, é natural que venham, por exemplo, a facilitar serviços de enfermagem, que tanta falta fazem à população. A proximidade da rede de farmácias é o melhor antídoto contra a distância e o isolamento. Na Revista Farmácia Portuguesa, temos viajado muitos milhares de quilómetros pelo país. Desta vez, andámos três mil milhas. Neste número, estamos de serviço às ilhas. Recomendo a leitura da viagem do Carlos Enes pela ilha Terceira, a convite do farmacêutico Bruno Machado. E da fantástica entrevista da Maria Jorge Costa a José Eduardo Moniz. O açoriano que agarrou Portugal à televisão revela que só se apaixona por “missões impossíveis”. A distância alarga os horizontes dos golfinhos.
3
4
PRONTUÁRIO
Propriedade
Director Duarte Santos
6:
Director-adjunto – Editorial Carlos Enes Director-adjunto – Marketing Hugo Maia Subdirectora editorial Maria Jorge Costa Editor de Fotografia Pedro Loureiro Responsável de Marketing Cátia Alexandre Redacção Carina Machado Maria João Veloso Nuno Esteves Pedro Veiga Rita Leça Sónia Balasteiro Redacção Online Margarida Pais Vera Pimenta Secretária de Redacção Paula Cristina Santos comunicacao@anf.pt Publicidade Filipe Rebelo Nuno Gomes Cláudia Morgado comercial@sauda.pt | 213 400 706 Direcção de Arte e Paginação Ideias com Peso Projecto Editorial Departamento de Comunicação da Associação Nacional das Farmácias Projecto Gráfico Ideias com Peso Capa Fotografia de António Araújo
26:
Periodicidade: Bimestral Tiragem: 5.000 exemplares Impressão e acabamento Sogapal, SA Distribuição Alloga – Cabra Figa, Rio de Mouro Distribuição gratuita aos sócios da ANF Depósito Legal n.º 3278/83 Isento de registo na ERC ao abrigo do artigo 9.º da Lei de Imprensa n.º 2/99, de 13 de Janeiro Assinaturas 1 ano (6 edições): 60 euros Estudantes de Farmácia: 20 euros
FARMÁCIA PORTUGUESA é uma publicação da Associação Nacional das Farmácias Rua Marechal Saldanha, 1 1249-069 Lisboa Esta revista é escrita de acordo com a antiga ortografia. Todos os direitos reservados.
42:
5 MAR/ABR 2017 : 220 FARMÁCIAS REAIS
6 SERVIÇO À MADEIRA AGENDA PARA A SAÚDE
20 FARMÁCIAS APOSTAM NOS GENÉRICOS 22 ENFERMEIROS VÃO PRESTAR SERVIÇOS NAS FARMÁCIAS LABORATÓRIO DO FUTURO
24 PRÉMIO JOÃO CORDEIRO 2017 ENTREVISTA
26 «TENHO 64 ANOS, MAS SINTO-ME COM QUARENTA E TAL» José Eduardo Moniz
COPIADOR
52:
40 LIVRO DE REGISTOS DA FARMÁCIA PORTUGUESA INTERNACIONAL
42 LA FARMACIA DO PAPA CENTENÁRIO DE FÁTIMA
48 DE SERVIÇO À FÉ DO PRÓXIMO Maria do Rosário MotaCapitão
CONSULTÓRIO DE COACHING
50 VENCER O ADAMASTOR Miguel Andrade
ASSOCIAÇÕES DE ESTUDANTES
52 ESCOLAS DE DIRIGENTES
CONSULTÓRIO JURÍDICO
64 DOENTES OSTOMIZADOS: JUSTA PORTARIA
Eduardo Nogueira Pinto e Ricardo Rocha
FARMACÊUTICO CONVIDA
66 ILHA TERCEIRA, OÁSIS DO MAR
66:
ENTRE NÓS
78 50+ Paulo Cleto Duarte
6
FARMÁCIAS REAIS
7
SERVIÇO À MADEIRA
REPORTAGEM: SÓNIA BALASTEIRO FOTOGRAFIA: MIGUEL PERESTRELO
8
FARMÁCIAS REAIS
FARMÁCIA PORTUGUESA FUNCHAL
CEM ANOS DE AMIZADE
:A
sua vida está ligada, desde sempre, à Farmácia Portuguesa e Fernando Faria Paulino lembra-se bem de várias histórias que o demonstram. Uma aconteceu tinha ele seis anos. Brincava no Clube Naval quando cortou o queixo e a Farmácia Portuguesa foi o primeiro local de que se lembrou para procurar auxílio. «Foi o doutor Dionísio que me tratou e fez o penso». Aos 61 anos, a relação de amizade mantém-se. O pai, médico amigo de José Dionísio, filho do fundador, trabalhava em Campanário, lugar mais isolado da Madeira, sem farmácia. Fernando lembra-se de o pai trazer as receitas e de o farmacêutico ir buscá-las à porta. Depois, os medicamentos seguiam para a outra freguesia da Madeira de autocarro. «Isto aconteceu há mais de 50 anos». Apesar de morar no Caniço, a alguns quilómetros, quando precisa de medicamentos é a esta farmácia que recorre. Ele ou a mãe, de 94 anos. «Aqui já nos conhecem. Sinto muita confiança. Mesmo com isto dos genéricos, é fácil uma pessoa confundir-se. E aqui sabemos que estamos bem
Farmacêutica Margarida é amiga de muitos clientes, como Fernando, desde que eram crianças
entregues». Trata uma das farmacêuticas, neta do fundador, Margarida Dionísio, por Guidinha. E abraçam-se. A amizade é evidente. «Manteve-se sempre ao longo dos anos», diz Fernando. Situada na zona antiga do Funchal, a Farmácia Portuguesa vai comemorar o centenário no dia 11 de
Novembro. São 100 anos de histórias que hoje parecem incríveis. Os medicamentos iam de autocarro para os postos da farmácia, distribuídos pela ilha quando não havia outra possibilidade: São Jorge, São Vicente, Ponta Delgada e Porto Moniz. E de barco, para o posto farmacêutico do Porto Santo. «Eram enviados à noite, três
9 vezes por semana, e estavam lá de manhã», conta a directora-técnica da farmácia, Mafalda Rodrigues, de 56 anos, bisneta do fundador. «O meu bisavô comprou o prédio todo e vivia em cima. Era o que se chamava qualidade de vida», recorda Mafalda, bem-disposta. Hoje, o prédio já não pertence à farmácia, mas no primeiro andar ainda funciona o museu, com frascos de medicamentos antigos, o balcão original e balanças. No laboratório, também ali, ainda se prepara alguns manipulados. Quando José Dionísio morreu, o filho mais velho ficou com a direcção técnica do espaço, lugar depois assumido pela sobrinha Mafalda, que trabalhava, na altura, em Lisboa, num laboratório, de onde teve de «regressar mais cedo do que o previsto».
Mafalda e Margarida trabalham juntas na farmácia da família
:A
A FARMÁCIA ESTERILIZAVA LENÇÓIS A ALTAS TEMPERATURAS, DEPOIS DOS PARTOS OU DA MORTE DOS MORIBUNDOS Uma prima da sua mãe, Margarida, bioquímica de formação, também aqui trabalha desde 1982. Mas estava na farmácia antes: aqui cresceu e nunca perdeu essa ligação. «Está entranhada», diz ela. Antes da industrialização, o estabelecimento de saúde preparava os seus próprios medicamentos, muitos deles à base de plantas. «Tínhamos um índice de A a Z», conta a farmacêutica. Os manipulados mais populares da Farmácia Portuguesa eram indicados para doenças de pele e do estômago. A Farmácia Portuguesa dispunha de uma destilaria, que fornecia água e esterilizações a uma clínica vizinha. «Tínhamos um alambique, que doámos à Câmara do Funchal, para exposição». Fazia-se também a esterilização dos lençóis, antes da lavagem. «Depois de um parto, por exemplo, eram lavados a altíssimas temperaturas», conta Margarida Dionísio, de 65 anos. Farmácia-escola desde sempre, a Portuguesa é também uma farmácia de referência na Madeira. Era comum, conta Mafalda, os habitantes dos lugares mais longínquos, que apenas tinham posto
10
FARMÁCIAS REAIS
farmacêutico, visitarem-na sempre que vinham ao Funchal. «No Natal, por exemplo, acontecia muitas vezes. E ainda acontece». Há utentes fiéis desde crianças. Fazem parte da família e da rotina do estabelecimento. Vão levando os medicamentos e outros produtos de saúde de que precisam e só pagam depois, nalguns casos de seis em seis meses. São «os clientes de conta». O privilégio é reservado aos mais antigos, com décadas de relação honrada com a farmácia. Isabel Tomé, 55 anos, amiga de escola da directora-técnica, vem aqui desde que se conhece. Os pais chegaram à Madeira em 1959 e «tornaram-se logo clientes». Continua a vir todas as semanas, levantar receitas para a mãe, que tem ao seu cuidado e é insuficiente cardíaca. José Sebastião Vieira, de 84 anos, é cliente desde 1956, ano em que começou a trabalhar como funcionário público nas redondezas. Também era amigo do avô da actual directora-técnica. «Venho buscar medicamentos para a minha mulher e pago apenas quando posso», conta. Orgulha-se de não «precisar muito» dos médicos e de resolver na farmácia a maioria dos seus problemas. Gosta da simpatia e da confiança. E sobretudo de toda a gente o reconhecer, quando franqueia a porta daquela casa centenária.
José Sebastião é um dos mais antigos utentes e Margarida a mais antiga farmacêutica
11 FARMÁCIA SANTO ANTÓNIO SANTO ANTÓNIO
SESSENTA ANOS DE CONFIANÇA
:M
aria de França Pestana entra na Farmácia Santo António com passo firme e ar despachado. Traz um sorriso grande, onde lhe cabe a história de uma vida inteira. É quase impossível não rir enquanto se conversa com ela, tal é o bom humor que carrega consigo. E a surpresa é inevitável quando revela a idade: 93 anos, bem vividos e cheios de energia. O segredo? Boa-disposição e exercício físico. Ainda antes de se dirigir a Paulo Sousa, farmacêutico, Maria diz, alegre: «Antes não havia água, não havia luz. Eram tempos muito duros». Luísa Saldanha nasceu noutro lugar da ilha da Madeira, em Boa Ventura, mas veio em bebé para Santo António, de cestinho. «Já tinha força de vontade». Por isso, é natural que conheça a farmácia desde o seu início, há mais de 60 anos. «São muito bons. Recebem-nos sempre muito bem», sorri, cúmplice com o farmacêutico que conhece há décadas. Dão um abraço e sorriem como grandes amigos. «Ela é fantástica», diz Paulo Sousa. Maria de França e Paulo Sousa são amigos
12
FARMÁCIAS REAIS
A anciã, que passa os dias no centro de dia da paróquia, move-se com desenvoltura, mas não veio sozinha: consigo vieram duas amigas do centro, Teresa dos Santos, de 68 anos, e Maria do Rosário Sousa, de 61. Todos os meses, desde que há 10 anos veio para Santo António, Maria do Rosário Sousa visita esta farmácia. «O atendimento», garante, «é muito bom». O mesmo acontece com Teresa. Hoje veio pagar cinco euros que ficou a dever noutro dia. «Quando não tenho, fico a dever». Também ela veio de Boa Ventura, de onde conhece, há muitos anos, Paulo Sousa. «O pai dele tinha a farmácia muito perto da minha casa, éramos muito amigos», conta Teresa. Entregar medicamentos a quem não tem forma de os pagar faz parte do dia-a-dia da farmácia, explica o farmacêutico. «Há muitas pessoas com dificuldades, que precisam de assistência social. E se não confiarmos, nada disto vale a pena». Isto na farmácia da Madeira que, até há cerca de seis anos, era a que mais trocas de seringas fazia. «Eram aos milhares. Havia muita necessidade». Esses tempos estão ultrapassados. Conhecem-se os clientes pelo nome. São, sobretudo, mulheres entre os 45 e os 65 anos a frequentar o espaço. «Também temos recém-papás, mas são cada vez menos»,
refere Paulo Sousa. Esta é, diz, uma farmácia mista. Faz parte do Funchal mas goza do «privilégio de ser também uma farmácia de campo». Um cliente especial que já por aqui passou foi Cristiano Ronaldo. «Lembro-me de o ver, em pequeno, com o pai, que me disse: “Este aqui marca golos fora de série”». Hoje, o entra e sai da farmácia é constante, mas há tempo para cumprimentar e conversar um pouco com cada um dos utentes. «Há muita proximidade», revela o farmacêutico. E confiança, acrescenta, recordando uma situação vivida por um técnico de farmácia pouco depois de ter chegado. «Lembro-me de que veio cá um utente perguntar-lhe que medicamentos deveria pedir ao médico. E eu pensei: espero um dia ganhar esta confiança». A verdade é que a ganhou – e isso nota-se. Outro dos privilégios – «fundamental» – de que goza a farmácia é o bom relacionamento com os médicos da zona, de quem tem os números de telemóvel. «É impagável, porque com pouco esforço resolvemos qualquer questão juntos», assevera. Também a médica de família do centro de saúde, Rosa Gomes, o atesta: «É óptimo. O doutor Paulo é muito dedicado e sociável. Quando tem alguma dúvida liga a perguntar. Até pede consultas. É um verdadeiro farmacêutico de família».
13
O bom humor é um dos ingredientes utilizados pela equipa Santo António
O humor é outra das receitas bastante utilizadas pelos 16 profissionais da Farmácia Santo António. O aconselhamento farmacêutico é o mais procurado, mas esta unidade de saúde também dispõe de nutricionista, fisioterapeuta e podologista. E há também o gosto de ajudar as pessoas. «Acreditamos que a felicidade vem desse pequeno minério. Se ajudarmos as pessoas, no final do dia já valeu a pena», diz Paulo Sousa. É isso que sente a farmacêutica Filipa Rodrigues, que chegou à farmácia há 11 anos. Aos 37, sabe que o trabalho é abundante. A farmácia é muito movimentada, mas é de família que se trata. «Tentamos conviver fora do trabalho e temos uma relação muito próxima. É claro que é sempre uma corrida diária, mas tentamos fazer o máximo pelos utentes».
Também de afecto se faz o dia-a-dia, como se lê nos sacos de papel da farmácia e atesta o senhor Fernando Camacho, de 74 anos. Abriu uma barbearia em Santo António há 46 anos. Mas já antes disso «vinha de propósito do Funchal», onde vive. Trá-lo a simpatia com que é atendido – a nossa conversa é mesmo interrompida por um farmacêutico que o quer cumprimentar – e também a confiança. «Levo daqui o que faz falta para a família e venho, por isto ou por aquilo, todas as semanas». Se não tiver dinheiro, paga depois. Tem tanta confiança na qualidade da farmácia que encaminha clientes do seu salão de cabeleireiro para aqui. A dona Madalena, doméstica de 64 anos, é outra habitué. Não vem só pelos medicamentos, mas também buscar cremes e outros produtos que fazem falta lá em casa. «Esta é, sem dúvida, a farmácia da família», conclui.
ESTA FARMÁCIA CUIDAVA DO CRISTIANO RONALDO EM CRIANÇA
14
FARMÁCIAS REAIS
12 ANOS DE RESISTÊNCIA
FARMÁCIA PONTA DO PARGO PONTA DO PARGO
A farmácia ajuda a vizinha Elisa a dominar o telemóvel e as redes sociais
:E
lisa Sardinha, de 82 anos, precisa frequentemente de ajuda: para pôr o PIN no telemóvel, para ir ao WhatsApp, ao Facebook… E é na Farmácia Ponta do Pargo que a encontra. «Costumo vir pedir ao senhor doutor», conta a anciã, que mora à frente da farmácia desde sempre. Mesmo antes do serviço de saúde abrir, há 12 anos, já ela e o marido tinham a mercearia aberta. O pequeno comércio fechou entretanto, mas a relação com os farmacêuticos manteve-se. E é diária: «Venho todos os dias». São amigos. E recentemente, quando o marido, de
80 anos, caiu, foi o director-técnico da farmácia, Carlos Delgado, quem acorreu a ajudar. Terra de 900 almas, segundo os últimos censos – embora o farmacêutico suspeite que esses números tenham já diminuído – a Ponta do Pargo é um lugar sossegado, isolado e de beleza inigualável numa extremidade da ilha da Madeira. As falésias debruçam-se sobre o mar, em namoro divino, e a vegetação é bela e generosa. Antes da farmácia se ter instalado aqui, a população era apenas servida por um posto farmacêutico, que abria uma vez por semana. O que significa que os utentes tinham, na
15
:A
FREGUESIA IA TER UMA VIA RÁPIDA, CAMPO DE GOLFE, HOTELARIA E BANDOS DE TURISTAS. O PROJECTO NUNCA AVANÇOU. MUITOS FORAM EMBORA. A FARMÁCIA FICOU
maior parte das vezes, de se deslocar à Calheta, a alguns quilómetros, quando precisavam de medicamentos. Isto para quem tinha carro. No virar do milénio, surgiu um projecto para a freguesia: criar uma via rápida, campo de golfe, hotelaria e todas as condições que atrairiam os turistas para a zona. A Farmácia Ponta do Pargo abriu portas nessa altura, com base nesse pressuposto. Houve negócios de terrenos e foram construídos túneis e infra-estruturas, mas o projecto nunca avançou. Muitos foram embora. A farmácia, porém, mantém-se aberta. Serve a população desde 2005, dando-lhe acesso à saúde. A seu lado há uma clínica médica e Carlos Delgado não se inibe de afirmar que isso ajuda a farmácia a manter-se à tona. Mas não só: «Somos completamente dependentes de parcerias. De outro modo não sobreviveríamos». Exemplo dessas parcerias é o trabalho desenvolvido com a Santa Casa da Misericórdia de Machico, imprescindível também para o director clínico da instituição. Segundo explica Miguel Homem Costa, «definimos que íamos utilizar genéricos e o doutor Carlos ajuda-nos na aferição dos preços. Ele é muito proactivo e este serviço é mesmo importante», sublinha.
Carlos Delgado, director-técnico da Farmácia Ponta do Pargo, assume que a farmácia «depende das parcerias para sobreviver»
16
FARMÁCIAS REAIS
:A
PESAR DAS DIFICULDADES ECONÓMICAS, A PONTA DO PARGO TEM TRÊS FARMACÊUTICOS COMUNITÁRIOS
Mas o dia-a-dia da Farmácia Ponta do Pargo faz-se sobretudo de relações de vizinhança. Gorete Pontes, que tem um salão de cabeleireiro ali ao lado, foi a primeira cliente. «Tinha muitas receitas para levantar e esperei que a farmácia aqui abrisse», conta a utente. A opção era ir mais longe, à Calheta. Vem quase todos os dias à farmácia. É saudável aos 57 anos, mas tinha uma tia acamada, de 81. Agora, tem uma prima, de 92 anos, que necessita de ajuda. «Também tenho um vizinho que me pede. E temos de ser uns para os outros», explica. Gosta dessas visitas frequentes. «Levo tudo daqui. Eles são bons, são simpáticos». O que faz com que este seja o primeiro lugar onde vem caso tenha um problema de saúde, para pedir aconselhamento. Carlos Delgado, de 38 anos, veio do Funchal para abrir esta farmácia. Gosta do relacionamento com os utentes. «Conhecemos toda a gente e há uma relação muito próxima. Aqui é bastante diferente. Há imenso respeito pela nossa profissão, consideração. Sentimo-nos valorizados». O ambiente é rural e a população envelhecida. A maioria dos clientes vive da agricultura. «Há algumas dificuldades económicas com que temos de lidar», diz Carlos Delgado. Também há iliteracia. Armando Pestana é mais um cliente desde a abertura. Sempre que ele ou a mulher precisam, é aqui que vêm. «São boas pessoas e a vinda da farmácia para aqui veio facilitar muito a nossa vida». É também o atendimento a atrair Fernanda Pereira, de 64 anos. «Gosto muito de vir aqui e é óptimo já não precisar de ir à Calheta», atesta. Apesar das dificuldades, a Farmácia Ponta do Pargo tem mais duas farmacêuticas nos quadros: Irene Faria e Rosa Sardinha. «As pessoas são muito simples», refere Rosa. O aconselhamento farmacêutico não pode cingir-se aos medicamentos. É preciso ouvir as pessoas, dar atenção aos seus problemas e necessidades. Ao balcão, «nós, farmacêuticos, temos de ser um pouco psicólogos de quem nos procura». Além da freguesia, a farmácia serve os utentes das localidades mais próximas que escolhem deslocar-se à Ponta do Pargo para ser atendidos. Leonardo Barreto, diabético de 57 anos, do Estreito da Calheta, tem de vir com frequência por causa da sua doença. «Sempre que me vai faltando a medicação, venho cá. E, além disso, esta é a minha farmácia preferida. Dou-me bem com toda a gente e confio neles», conta. Como acontece entre bons vizinhos que se conhecem há muito.
17
FARMÁCIA PORTO SANTO PORTO SANTO
SEMPRE DE SERVIÇO
Com onze quilómetros de comprimento, por seis de largura, o Porto Santo tem apenas seis por cento da superfície da Madeira
:B
em instalada no centro da Vila Baleira, a Farmácia Porto Santo é a única a servir a população da ilha. Há 12 anos que Sofia Antunes, farmacêutica de Leiria, aqui chegou, movida pela ambição de ter o seu próprio espaço. A adaptação foi «muito fácil», conta a directora-técnica da farmácia. Na maioria dos meses, serve menos de quatro mil habitantes. Só Agosto é excepção: nesse mês, a população mais que sextuplica.
Dentro do espaço, amplo e simples, o ambiente é descontraído. Ouve-se riso e o burburinho das conversas mais íntimas entre farmacêuticas e utentes. «São sempre os mesmos clientes e a relação é muito boa», diz Sofia. Conceição Pinho, de 49 anos, e Carlos Rapoula, de 51, são desses «clientes leais», ambos continentais. Ela veio de Ovar, ele de Castelo Branco, para dar aulas na escola secundária do Porto Santo, já lá vão 13 anos. «O atendimento é excelente, há muita proximidade», diz Conceição,
18
FARMÁCIAS REAIS
E aumentam os vales que lhes são dados pela Segurança Social para virem à farmácia». Maria Lúcia Vasconcelos, de 57 anos, entra com a neta, Mafalda Marques, de oito. Chegou há 37 anos de Santa Cruz, na Madeira, ao Porto Santo, de onde é o marido. Mafalda conhece a Madeira mas nunca foi ao continente. Há muitas crianças que nem sequer saíram da ilha. Quando crescer, sonha ser cantora. Ainda é muito nova para saber que terá de sair da ilha para seguir os estudos. Gosta muito de acompanhar a avó nas visitas à farmácia, o que acontece pelo menos uma vez por mês. Maria Lúcia vem levantar os medicamentos, mas também outros produtos de saúde para oferecer às filhas, aos netos ou ao marido. Quando adoece, escolhe a farmácia como primeiro apoio. «Muitas vezes, não preciso de mais nada».
A enfermeira Mariana testemunha a relação próxima com o centro de saúde
A farmácia fica numa das ruas principais
acrescentando que tem necessidade de vir com frequência à farmácia renovar receituário. O casal ilustra a realidade do Porto Santo: há muitos continentais a viver na ilha. Como acontece com os emigrantes, formam uma espécie de irmandade, encontrando-se com frequência para programas em comum. Terra pacata e pequena, em Vila Baleira tudo fica perto. «É o lugar ideal para criar filhos», garante Sofia, que chegou cá grávida. A Farmácia Porto Santo é familiar. Atrás de Sofia, chegou à ilha uma irmã, Suzete, de 44 anos. Mais recentemente, vieram os pais. É a Suzete que cabe a gestão da farmácia. Aos pais, cabe ajudar no que for necessário. «Fomos muito bem recebidos, por isso fez todo o sentido», explica a directora-técnica. No Porto Santo, acrescenta, há «muito respeito por quem vem de fora». Nesta ilha, a população é sobretudo idosa, mas também há muitos jovens. Isto porque Porto Santo contraria as estatísticas nacionais. «Aqui as pessoas ainda têm muitos filhos», refere Suzete. Com uma população pouco escolarizada – «é raro irem para fora estudar na universidade» – os subsídios são frequentes. «Há muitas necessidades económicas.
:M
AFALDA CONHECE A MADEIRA MAS NUNCA FOI AO CONTINENTE. HÁ MUITAS CRIANÇAS QUE NEM SEQUER SAÍRAM DA ILHA
19
«A
VIÃO, SÓ HÁ DE MANHÃ E À NOITE. BARCO, É UMA VEZ POR DIA, MAS NÃO HÁ ÀS TERÇAS-FEIRAS»
Mafalda e a avó, Maria Luísa, sempre juntas nas visitas à farmácia
Suzete faz a gestão da farmácia, Sofia é a directora-técnica
Não obstante, a relação da Farmácia Porto Santo com o centro de saúde local é bastante próxima. Mariana Vasconcelos, de 39 anos, é lá enfermeira e testemunha essa realidade. «Esclarecemos dúvidas, estamos em contacto permanente e, quando nos falta algum medicamento, a farmácia fornece-nos», conta a enfermeira, acrescentando que «nem sempre temos os medicamentos necessários». Por ser natural da ilha, Mariana revela que esta é a sua farmácia «desde sempre». Tem asma, motivo suficiente para frequentar o espaço amiúde. Mas é também mãe de uma bebé de 15 meses e é aqui que compra os produtos para a sua menina. Para além disto, mantém com a directora-técnica uma relação de amizade. Mariana é um exemplo do isolamento a que está votada a ilha, apesar do turismo. Quando estava grávida, também ela teve de ir para o Funchal duas semanas antes do parto. No Porto Santo, não há população para manter um hospital. Em caso de urgência, os doentes são evacuados de avião. O voo dura cerca de 15 minutos. O problema estende-se aos medicamentos, que normalmente chegam de avião ou de barco. Em caso de
emergência, «torna-se bastante complicado». «É um problema. Avião, só há de manhã e à noite. Barco, é uma vez por dia e não há às terças-feiras. Quando falta algum medicamento, e às vezes acontece, é muito difícil». As pessoas tendem a atribuir as falhas ao facto de viverem numa pequena ilha. Inconformadas, tentam adquirir medicamentos pela Internet. «É difícil entenderem que muitos estão esgotados no laboratório e por isso não vale a pena mandá-los vir». Quer saber outra particularidade da Farmácia Porto Santo? O produto de maior procura são os comprimidos para o enjoo, muito úteis para as viagens de barco.
CONTINUE A LER EM:
www.revistasauda.pt A farmacêutica que veio da Polónia por amor
20
AGENDA PARA A SAÚDE
FARMÁCIAS APOSTAM NOS GENÉRICOS O objectivo é fazer subir, pela primeira vez na História do SNS, a quota de mercado para os 50%. TEXTO: PEDRO VEIGA
21
:A
s farmácias estão empenhadas em promover o crescimento da quota de mercado dos medicamentos genéricos para os 50%, um objectivo nunca antes alcançado, que está a três pontos percentuais de distância. O compromisso da rede de farmácias com os genéricos não é de hoje. Ainda recentemente, ANF e Ministério da Saúde concluíram um longo processo negocial que culminou na criação de um regime de incentivos à dispensa destes medicamentos. Para Paulo Cleto Duarte, esse foi mais um passo em direcção ao aumento de um mercado «que tem de continuar a crescer». O presidente da ANF garante que «as farmácias tudo farão nesse sentido», já que a aposta reforçada na dispensa de genéricos «trará benefícios para os utentes, mas também para o Estado e para as próprias farmácias». «O aumento da dispensa de genéricos será benéfico para todos, porque gera poupança», enfatiza o responsável, acrescentando que, por um lado, as farmácias vão ajudar a garantir aos portugueses o acesso a medicamentos mais baratos e, por outro, «é essa poupança que vai permitir que as farmácias sejam remuneradas por outros produtos ou serviços».
A quota de mercado dos genéricos está, há vários meses, estabilizada em torno dos 47%. De acordo com o INFARMED, a estagnação pode ser explicada, em parte, pelo facto de alguns utentes ainda desconfiarem da qualidade destes medicamentos. Isto apesar dos repetidos estudos científicos que comprovam a sua fiabilidade. Por essa razão, as farmácias estão a fazer um esforço extra para esclarecer os seus utentes. Mais: sendo a gestão do dia-a-dia das farmácias, na maioria dos casos, suportada pelo Sifarma, esta ferramenta informática está já a ser alvo de um processo de optimização para tornar ainda mais fácil a dispensa destes medicamentos. Segundo Cristina Gaspar, vice-presidente da Direcção da ANF, «os desenvolvimentos previstos [para o Sifarma] vão permitir que as farmácias tenham acesso facilitado aos indicadores mais relevantes sobre o mercado de genéricos, algo essencial quando se quer fazer subir a quota de mercado e ser mais eficaz na gestão da rentabilidade da farmácia». Mas há outras iniciativas em curso, e algumas tão simples como a introdução de ajustes na organização do espaço das farmácias, de modo a tornar mais intuitivo o acesso dos colaboradores aos medicamentos genéricos durante o atendimento.
POUPANÇA COM GENÉRICOS ULTRAPASSA 2,5 MIL MILHÕES DE EUROS A dispensa de medicamentos genéricos nos primeiros dois meses de 2017 garantiu poupanças de 65 milhões de euros ao Estado. De acordo com o Centro de Estudos e Avaliação em Saúde, a dispensa de genéricos permitiu uma poupança acumulada de mais de 2,5 mil milhões de euros desde 2011.
AGENDA PARA A SAÚDE
ENFERMEIROS VÃO PRESTAR SERVIÇOS NAS FARMÁCIAS TEXTO: CARLOS ENES E RITA LEÇA
©VERA VIDIGAL
22
23
:A
©JÚLIO PIMENTEL
Ordem dos Enfermeiros (OE) e a Associação Nacional das Farmácias (ANF) celebraram, no dia 8 de Março, um memorando de cooperação com o objectivo de implementar cuidados de enfermagem na rede nacional de farmácias. Nos termos desse acordo, as partes comprometem-se a «promover um adequado enquadramento legal», com vista à «prestação de cuidados de enfermagem nas farmácias, em todo o território nacional». OE e ANF declaram ser possível realizar esse objectivo graças a dois factores: «elevada qualificação» dos enfermeiros portugueses e «proximidade das farmácias à população», em todos os pontos do continente e das ilhas. «Este acordo já devia estar feito há muito, para permitir que os enfermeiros exerçam as suas competências, tão importantes para as pessoas», declarou a bastonária Ana Rita Cavaco. Já era possível prestar alguns cuidados de enfermagem nas farmácias, mas não o acto de enfermagem como um todo. «Assistimos nos últimos anos ao encerramento de muitos postos de enfermagem, devido à crise económica e à desertificação. As farmácias, que continuam abertas em muitas terras onde fecharam todos os outros serviços de saúde, podem contribuir para devolver às populações esses enfermeiros de proximidade», considerou o presidente da ANF, Paulo Cleto Duarte. O tratamento de feridas, o acompanhamento em ambulatório de doentes operados e a administração de determinados tipos de medicamentos são exemplos disso.
HISTÓRIA DO GATO ESFOMEADO E DA INJECÇÃO DE LEITE
:L
opes Ribeiro, colaborador mais antigo da ANF, fez questão de estar presente na assinatura do protocolo, que decorreu na sede da Ordem dos Enfermeiros. E recordou uma história passada há quase 80 anos, em que ele foi a vítima. A avó adoeceu e o gato lá de casa ficou vários dias sem comida. Quando a criança lá foi para o alimentar, recebeu uma ingrata arranhadela na barriga. A conselho médico, foi tratado por um enfermeiro na Farmácia Mendes Gomes, na Calçada da Ajuda, em Lisboa. Curou-o com uma injecção de leite. «Já em 1938 eu senti na pele a importância deste acordo», sentencia Lopes Ribeiro.
:E
STE PROTOCOLO PERMITIRÁ AOS ENFERMEIROS ASSISTIR OS PORTUGUESES DE FORMA MUITO MAIS FÁCIL E PRÓXIMA
24
LABORATÓRIO DO FUTURO
PRÉMIO JOÃO CORDEIRO 2017 TEXTO: PEDRO VEIGA
O QUE É? O Prémio João Cordeiro – Inovação em Farmácia tem como propósito distinguir ideias inovadoras com valor para a sociedade portuguesa. Pretende, através de um prémio de 20.000 euros e de apoio logístico, ajudar a passar as boas ideias do papel para o terreno.
A QUEM SE DIRIGE? O prémio não se dirige exclusivamente a farmacêuticos. Pretende, antes, beneficiar as farmácias com a energia e a capacidade inovadora de outras áreas do conhecimento. Pode candidatar-se qualquer entidade, individual ou colectiva, pública ou privada.
25 COMO POSSO CANDIDATAR-ME? As candidaturas devem ser submetidas à Associação Nacional das Farmácias, através do endereço electrónico premiojoaocordeiro@anf.pt ou, em alternativa, entregues na sede da ANF, na Rua Marechal Saldanha, n.o 1, em Lisboa. Devem ser acompanhadas de um sumário executivo do projecto que integre as razões da candidatura e o impacto estimado da sua implementação, bem como de um plano de negócios. O prazo para as candidaturas é 15 de Junho de 2017.
JÁ FIZ A CANDIDATURA. E AGORA? As candidaturas serão alvo de um processo de validação por parte do júri do Prémio João Cordeiro – Inovação em Farmácia. Posteriormente, serão avaliadas de acordo com uma lista de critérios, entre os quais a adequação da candidatura submetida ao objectivo do prémio, a dimensão inovadora do projecto e o seu impacto prático na eficiência, eficácia e produtividade das farmácias.
SOU O VENCEDOR DA EDIÇÃO DE 2017 DO PRÉMIO JOÃO CORDEIRO – INOVAÇÃO EM FARMÁCIA. QUAIS SÃO OS PRÓXIMOS PASSOS? O vencedor receberá o valor pecuniário do prémio de acordo com o calendário de execução previsto na candidatura. Terá, ainda, o apoio à implementação do projecto por parte da Associação Nacional das Farmácias e das empresas suas participadas.
Mais informações em www.premiojoaocordeiro.pt
26
ENTREVISTA
JOSÉ EDUARDO MONIZ
« TENHO 64 ANOS, MAS SINTO-ME COM 40 E TAL» José Eduardo Moniz anuncia que vai fazer muitas coisas.
TEXTO: MARIA JORGE COSTA FOTOGRAFIA: PEDRO LOUREIRO
27
28
ENTREVISTA
REVISTA FARMÁCIA PORTUGUESA (RFP): José Eduardo Moniz é o açoriano que agarrou Portugal à televisão. JOSÉ EDUARDO MONIZ (JEM): Para mim é um privilégio poder ser encarado dessa forma. Os portugueses têm uma grande paixão por televisão e futebol. Conseguir que milhões de pessoas se prendam a um ecrã é um desafio tremendo, que implica muito trabalho e criatividade. Quando era miúdo sonhava muito para além dos limites geográficos da ilha. E o que estava para além do horizonte era o que me motivava: o continente e os Estados Unidos, como à maioria dos açorianos. Havia outra coisa que me atraía muito, que era o jornalismo. Sempre quis ser jornalista. RFP: Desde «sempre», foi a partir de que idade? JEM: Desde os 13 ou 14 anos. Vivi deslumbrado com a televisão e com o que ela significava de abertura ao mundo, de facilidade de nos pôr em contacto com o mundo, de nos pôr à mão de semear tudo o que era atraente. Representando a televisão esse factor de atracção tão grande, entrar para o mundo da televisão, para mim, significava mergulhar no desconhecido que valia a pena. E quando surgiu a oportunidade, agarrei-a. RFP: Como surgiu a oportunidade? JEM: Em 1977, fui convidado para ir para a RTP como chefe adjunto do Departamento de Actualidades. Tive a sorte, ou a falta dela, de o director nunca ter aparecido. Portanto, eu tive de assumir aquilo, sem saber nada de televisão. O que é certo é que me fui «desenrascando». Era jornalista no Diário Popular. RFP: Não dominava o jornalismo de televisão. JEM: Não. Vejo a relação com a televisão como a relação entre um homem e uma mulher, é um jogo de sedução. E a relação com o espectador é a mesma coisa. Isto é, temos de perceber a cabeça do espectador antes de lhe dar seja o que for. E quem não tiver esse tipo de raciocínio não vai a lado nenhum, porque programar não é uma ciência exacta. Temos tanta gente a ver televisão – e gente tão diferente, que precisamos de encontrar denominadores comuns. Temos de transportar tudo o que aprendemos na vida, na literatura, no teatro, no cinema. E temos de encontrar as fórmulas para que o espectador se alie a nós. Tem de ser um aliado nosso, mesmo quando não gosta de nós. Tem de considerar que somos imprescindíveis.
Por isso, quando faz a afirmação inicial [o açoriano que agarrou Portugal à televisão] tenho de dizer que sinto um enorme orgulho nisso. RFP: Mas sente que é verdade… JEM: Sinto orgulho pela carreira que fiz e tenho feito em televisão – e mais ainda por vir de uma ilha onde não tinha televisão. Só vi televisão a partir dos 17 ou 18 anos, aqui no continente. Acho que isso me aproximou muito na compreensão da relação do espectador com este meio. RFP: Temos de descobrir o que o espectador quer antes de lhe dar um programa. Até parece que é um exercício fácil. JEM: Isto tem muito de experimentalismo, obviamente. Mas tem muito de análise do que é a natureza humana e de compreensão das nossas preferências, inclinações, formações. É evidente que você gosta de umas coisas que eu sei que a minha secretária não gosta, ou que o senhor que está no portão não gosta. Como montar um modelo que sirva a todos? No desenho de um telejornal, de uma novela, de uma série ou de qualquer outro programa, temos de introduzir componentes que façam com que toda esta gente “fale” uma com a outra. Não há fórmulas únicas, mágicas. Em muitos casos vamos por tentativa e erro. O que importa é acertar mais do que se erra. RFP: Conseguiu isso na RTP? JEM: Nos anos 90, na RTP, tivemos uma programação que chegou a ser considerada em alguns fóruns europeus, como a Eurovisão, uma das melhores da Europa. Tínhamos um jornalismo que tinha feito uma evolução enorme, trouxemos grandes séries, grande cinema e produzimos muita coisa nossa. Foi uma abertura da própria RTP ao mundo, alinhada por padrões europeus.
«H
Á FALTA DE INVESTIGAÇÃO JORNALÍSTICA, NOS TELEJORNAIS E NA IMPRENSA ESCRITA
»
29
30
ENTREVISTA
RFP: E na TVI? JEM: O que fiz na TVI foi acreditar que era possível fazer as pessoas perceberem que nada nasce sem começar pequeno. A lógica de relação com o espectador é que é predominante. Tentámos mostrar que há vários caminhos possíveis no consumo de produto televisivo. Temos de agregar componentes dentro dos programas que falem bem com cada um dos estratos da sociedade. RFP: Nos últimos 20 anos marcou a TV, seja na ficção, entretenimento ou na informação. Sente o peso da responsabilidade na «educação» da população? Os argumentos das novelas trazem temas de actualidade, a informação mudou e o entretenimento sofreu o boom do Big Brother… JEM: Vamos lá por partes. É evidente que nenhum programador se pode dissociar da realidade em que funciona. Se me pergunta se antes de lançar o Big Brother eu tinha a noção do efeito que ia ter, a resposta é não. Sabia que ia ter um impacto forte, não sabia que ia provocar o dilúvio que acabou por acontecer. Também não sabia que íamos assistir dentro de uma casa a cenas nunca vistas em televisão. O que é certo é que, apesar de o BB ser o que era, apesar da grande controvérsia que gerou, conseguimos manter o programa dentro de alguns padrões básicos fundamentais. Devo referir que o Big Brother era, porventura, o produto mais transversal que existia, porque era visto da classe A à classe E. E toda a gente via, discutia. Mesmo quem dizia que não via. São coisas que me dão prazer quando olho retrospectivamente: fomos capazes de trazer coisas que ninguém tinha visto. Conseguimos fazer o país alinhar por práticas que existiam lá fora. Dir-se-á: o Big Brother não é um grande exemplo do que o país precisava. Dir-lhe-ei que é um programa de TV, de entretenimento. Nós não vamos substituir em nenhum momento a escola, a universidade ou as famílias na educação das crianças e dos jovens. A televisão pode ter um papel, mas não o fundamental. RFP: E na informação da TVI, que papel foi esse? JEM: O que fizemos na informação foi fazer um jornalismo de proximidade, susceptível de combater a informação institucional da RTP e da SIC, porque a partir do momento em que se tornou líder, a SIC ficou institucional. Nós entrámos pelo meio dos dois e fomos muito revolucionários, porque éramos muito
31 aguerridos, o que é diferente de agressivos. Tínhamos o atrevimento de fazer perguntas, de não virar as costas quando havia necessidade de questionar fosse quem fosse: um ministro, um secretário de Estado, um Presidente da República, um administrador de empresas. Fosse quem fosse. Éramos incómodos e essa percepção por parte da opinião pública foi boa e «remunerou-nos», no sentido de nos reconhecer o mérito. Outra coisa que fizemos foi avançar na produção nacional de ficção. E correu muito bem. RFP: A recusa da Globo empurrou-vos? JEM: Isso tem uma história. Eu quis que a TV Globo nos vendesse produto. A TV Globo não quis, porque tinha um contrato único com a SIC que não quis romper. Eu próprio disse aos meus amigos da Globo que iríamos seguir o nosso próprio caminho e se calhar um dia poderiam ter algum desgosto por terem decidido não alinhar connosco. A verdade é que as coisas nos correram muito bem. E porquê? Porque passámos a fazer produção que não existia em português de Portugal e porque passámos a trazer para dentro da televisão, também na ficção, temas da actualidade portuguesa. Esta forma de actuar tem muito a ver com a percepção de que a TVI, uma estação pequenina, para crescer tinha de ser atrevida, trazer modernidade. RFP: Está a dizer que criou uma frente com informação, entretenimento e ficção. Recuperando a imagem da sedução, de que falou, sente que com o BB se dá o primeiro coup de foudre entre a população e a TVI? JEM: Sim, dá-se aí. Eu sou um defensor de causas impossíveis. Sempre disse que as tarefas mais engraçadas e que nos motivam são aquelas que aparentemente não têm solução. Quando fui para a TVI, os meus amigos diziam que me ia meter num buraco, porque não tinha hipótese nenhuma. E eu achei graça, porque era uma missão impossível. Em televisão nada é impossível. Quando juntamos a criatividade à determinação, desde que tenhamos algum dinheiro, temos de nos reinventar para encontrar soluções. É um combate connosco mesmos – não é preciso ter muito dinheiro, até porque quando há muito a tendência é para não sermos criativos. O tal coup de foudre foi dado aí, mas faço questão de frisar que o crescimento da TVI não se deveu apenas ao Big Brother. Foi uma das peças. Falei num tripé, porque tinha a
noção de que sem uma das três coisas não avançávamos. Se fosse só o BB teríamos crescido 10 pontos. A verdade é que crescemos 20 e tal pontos, porque tudo estava agregado. Sente-se na minha conversa que eu tenho paixão por televisão e jornalismo e que gosto daquilo que faço. E quando gostamos do que fazemos, removemos caminho. Eu nunca imaginaria, aos meus 14 anos, vindo de uma ilha no meio do Atlântico, poder ter com os espectadores portugueses a relação que tenho hoje. E a verdade é que isso me dá um imenso prazer.
:E
U NUNCA IMAGINARIA, AOS MEUS 14 ANOS, VINDO DE UMA ILHA NO MEIO DO ATLÂNTICO, PODER TER COM OS ESPECTADORES PORTUGUESES A RELAÇÃO QUE TENHO HOJE
RFP: É abordado na rua? Reage bem? JEM: Sim, as pessoas ainda hoje vêm falar muitas vezes comigo, como se eu ainda fosse o director da TVI. Explico que já não sou. Acho graça a isso. Há uma era na televisão em Portugal com a qual eu sou associado e tenho muito orgulho. RFP: Diz que é jornalista. JEM: Sou basicamente jornalista. RFP: Hoje, o que gosta mais? Da informação ou da programação? JEM: Quem é intrinsecamente jornalista, prefere sempre ser jornalista. Mas acho que o jornalismo me ajudou imenso na programação. Esse talvez seja o grande segredo: eu vi sempre a programação pelo prisma da informação. A aprendizagem que fiz, a capacidade que o jornalismo nos dá para compreender os fenómenos da política, sociais, toda a panóplia de situações com as quais somos confrontados sempre que vamos fazer uma reportagem ou analisar a realidade, tudo isso me apetrechou com as armas necessárias para perceber o que poderia ou não funcionar. A minha abordagem da realidade, mesmo na montagem de uma grelha de programação, tinha a ver com uma forma de olhar a realidade.
32
ENTREVISTA
Eu quero falar com as pessoas, quero transmitir uma informação, quero que elas percebam que este programa tem este objectivo determinado, mesmo que não o expresse. RFP: Com esse bichinho do jornalismo, não sente a tentação de ir à redacção? JEM: Sinto, mas contenho-me para não ir. Hoje em dia já não faço isso porque me contenho, não é a minha função, há pessoas responsáveis por isso. As áreas estão bem determinadas e a minha função hoje em dia é outra. Agora, é evidente que sigo os telejornais todos, que reflicto sobre o que é feito e sobre o que poderia ser feito, o que foi bem e o que foi mal feito. Tenho ideias sobre coisas novas, que possam vir a fazer mudança. RFP: Partilha essas ideias? JEM: Ah, sim. Partilho com quem é responsável lá dentro. Eu não guardo as ideias, partilho porque acho que é assim que se avança. As pessoas quando se reúnem comigo dizem que estou sempre a pôr muitas ideias em cima da mesa. Costumo dizer que mais vale ter ideias do que não ter nenhumas, mesmo que das ideias que vêm para a mesa só se aproveite uma ou duas. Só assim se consegue trazer inovação para o mercado. RFP: A TVI é líder há muito tempo. Corre o risco de se institucionalizar? JEM: Uma das tarefas que eu acho que faz parte das minhas funções actuais é fazer alertas relativamente a essas situações aos responsáveis da empresa – e é o que vou fazendo.
Trago ideias, comento isto ou aquilo e vou deixando sugestões de coisas que podiam ser feitas, ou não. A decisão já não me compete a mim. No dia em que a TVI se tornar institucional, de forma permanente e convicta, alguma coisa estará mal na empresa. Um jornalista, por natureza, tem de manter o espírito irrequieto e curioso. A curiosidade é uma arma para nós. Costumo dizer a quem trabalha comigo – a quem escreve novelas, por exemplo: «Não vamos terminar esta cena com uma coisa óbvia. Vamos arranjar algo que ninguém esteja à espera». Daí tentarmos colocar dentro de cada capítulo da novela cinco ou seis situações que são ganchos. Não apenas no final. Temos vários desfechos e pontos de interrogação dentro do mesmo episódio, para mantermos em alta a curiosidade do
espectador. Estas coisas têm sido conseguidas. Isto é como na vida, temos de nos manter curiosos para aprendermos, para progredirmos, para descobrirmos coisas novas. E eu, apesar de ter 64 anos, não me sinto com essa idade. Sinto-me com quarenta e tal e quero ainda fazer muita coisa na vida. RFP: Como vê a informação nas televisões generalistas? JEM: A informação está muito padronizada. Há menos diferenças do que existiam no tempo em que eu era director da empresa. São opções que as televisões fazem. Em muitas circunstâncias por orientação própria, outras vezes por comodismo, outras ainda por receio de retaliações de natureza financeira ou de outro tipo. Como se sabe, o mercado publicitário
33 em Portugal é muito complexo e está muito difícil. A vida das televisões é muito, muito dura. Quando chegamos à conclusão de que o serviço público, só com os apoios do Estado e com a pequeníssima fatia que tem de publicidade, factura tanto como os outros dois canais juntos, percebemos a distorção brutal do mercado. Isso interessa a quem está no poder, a quem quer conservar influência sobre a informação que chega ao espectador.
FLASH INTERVIEW O seu pior defeito?
Virtude? O que o tira do sério? O que pensa sobre Mário Soares? José Sócrates?
RFP: Está a dizer-me que as televisões estão condicionadas pelo poder político? JEM: As empresas estão muito estranguladas do ponto de vista financeiro e não podem ousar em demasia. Primeiro, porque não têm recursos técnicos e humanos. Hoje as redacções estão cheias de jovens estagiários, que não têm ainda experiência suficiente para fazerem a diferença no produto que se apresenta ao espectador-consumidor. Há um conjunto de circunstâncias que fazem com que as estações de televisão tenham caminhado para produtos que não são muito diferenciados entre si. Quando estudamos os telejornais e picamos (mudamos) de uns para os outros, o alinhamento é basicamente igual. Não há a diferenciação que se procurou noutras alturas. Vejo que as televisões estão a procurar seguir outras formas. Vão mais por grandes reportagens do que antigamente. E vão por modelos que são parainformação. Não são bem informação, são documentários – que também não o são verdadeiramente, porque não há dinheiro para fazer documentários.
Cavaco Silva?
Dispersão. Gosto de mexer em muitas coisas ao mesmo tempo. Por vezes perco o controlo por via disso. Persistência. A falsidade. Enorme. Pesadelo. Sério.
Sá Carneiro?
Inspiração.
Marcelo Rebelo de Sousa?
Inteligente.
Papa Francisco? Luís Filipe Vieira? Pinto da Costa? Bruno de Carvalho? Cristiano Ronaldo? Manuela Moura Guedes? Os filhos? Os amigos?
:S
Diferente. Presidente. Poderoso. Inconsistente. Génio. Uma lutadora incansável. Uma razão para viver. Um refúgio.
EMPRE DISSE QUE AS TAREFAS MAIS ENGRAÇADAS SÃO AQUELAS QUE APARENTEMENTE NÃO TÊM SOLUÇÃO. QUANDO FUI PARA A TVI, EU ACHEI GRAÇA, PORQUE ERA UMA MISSÃO IMPOSSÍVEL
34
ENTREVISTA
São reportagens com pretensão a algo mais. Parece-me insuficiente, do ponto de vista jornalístico. Sobretudo porque o que tem sido mais afectado é a investigação jornalística, mas não é apenas nas televisões. Acho que se nota a falta de investigação no conjunto da informação em Portugal. Os jornais cada vez investigam menos, nas revistas vê-se muitos “dossiês” e pouca investigação. Aquilo que muitas vezes se designa por “investigação” é apenas a
análise de documentação que já existe, não é propriamente investigação. Aí pode fazer-se muito mais. RFP: O infotainment parece ter tomado conta dos telejornais. Mistura-se informação com promoção a programas, artistas, traz-se cantores para fechar os principais blocos informativos… Está demonstrado que esta forma de fazer informação dá mais audiência?
«Na TVI, tínhamos o atrevimento de fazer perguntas e questionar fosse quem fosse: um ministro, um secretário de Estado, um Presidente da República, um administrador de empresas. Fosse quem fosse», garante José Eduardo Moniz
JEM: Todos sabemos que o que acontece na minha rua é mais importante do que aquilo que acontece na Índia com as inundações do Ganges. É natural que nos concentremos muito mais no que acontece em Portugal. Noutros países passa-se o mesmo. Há países mais desenvolvidos, mais importantes na definição do poder internacional, que obrigam a maior cobertura internacional. Mas também têm recursos muito mais amplos do
que nós. Eu não vou atirar pedras a ninguém, porque eu também terei alguns telhados de vidro em alguns aspectos que referiu. Hoje os telejornais são todos muito longos. Quem introduziu essa moda fui eu, em 2006 ou 2007, quando surgiu a crise. Estávamos a fazer jornais de 30, 45, 50 minutos e, de um momento para o outro, saltámos para uma hora e meia. Chegámos a ter uma hora e três quartos de telejornal.
35
36
ENTREVISTA
UM CLIENTE NO PRÉMIO JOÃO CORDEIRO RFP: Qual é a sua experiência como jurado do Prémio João Cordeiro – Inovação em Farmácia? JEM: É uma experiência muito engraçada. É um mundo que não me dizia nada. Mas, na actividade profissional, eu procuro sempre inovação, descobrir coisas novas. No Prémio João Cordeiro vemos ideias portadoras de novidade que induz progresso. Isso dá-me enorme satisfação. A minha maneira de observar não é idêntica à dos meus colegas que têm formação na área de Farmácia ou em áreas afins. Isso permite-me um olhar diferente: encarar as coisas do ponto de vista do utilizador. «Eu sou utente de uma farmácia, como é que isto pode ser útil para mim?». É nessa perspectiva que me coloco. Desse ponto de vista, tenho tido experiências interessantes com algumas das coisas que vi.
:A
TELEVISÃO NÃO VAI NUNCA SUBSTITUIR A ESCOLA, A UNIVERSIDADE OU AS FAMÍLIAS NA EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS E JOVENS. PODE TER UM PAPEL, MAS NUNCA O FUNDAMENTAL
RFP: Porquê? JEM: Foi uma forma de poupar dinheiro e ajustar o orçamento da empresa a uma realidade diferente. Quando desapareceu muito dinheiro do mercado da publicidade, tivemos de encontrar soluções. Para mim, o raciocínio foi óbvio: custa-me a mesma coisa fazer um telejornal de 50 minutos ou de hora e meia, porque já tenho os profissionais, as máquinas, o estúdio. Tinha de conseguir poupar 30, 40 mil euros por dia, o que no final do ano é muito dinheiro e permitia equilibrar as contas da empresa. Isso alargou o âmbito dos nossos critérios jornalísticos. Teve de alargar, porque tínhamos de encher mais. Passámos a introduzir nos telejornais matérias que teoricamente não tinham dignidade para isso. A verdade é que as coisas foram ficando e progressivamente evoluindo na direcção do que se vê hoje. RFP: Dez anos depois, ainda faz sentido? JEM: Acho que talvez não, porque o que eu podia fazer em 2006/2007 não é o mesmo que se pode fazer em 2017/2018. Nessa época, eu não tinha a concorrência que tenho hoje do digital, de todas as plataformas que me fornecem notícias de todo o lado, a toda a hora. Já partilhei este raciocínio com pessoas responsáveis, estou à vontade para dizer isto, não estou a cometer nenhuma inconfidência. Quando nos apercebemos que às oito da noite já sabemos tudo, o que pode um telejornal dar de novo? Este é o grande problema. O que temos de fazer para mudar o paradigma da informação que tradicionalmente é fornecida ao espectador? O telejornal continua, apesar de tudo, a ser uma religião às oito da noite. Será que o telejornal daqui a dois, três anos, vai ser igual? Tenho dúvidas. Não estou com isto a criticar ninguém. O que digo é que temos uma realidade objectiva, temos acesso a fontes de informação que estão ligadas a nós em permanência. A informação das rádios e das televisões tem de se adaptar. É um desafio brutal, mas de uma dimensão interessantíssima. Vai obrigar-nos a pensar e a encontrar fórmulas diferentes. RFP: Tem de mudar o paradigma. JEM: Sim. Provavelmente, não vai prevalecer aquela atitude de apresentador que debita as notícias e passou ao lado. Vai ter de ser diferente. RFP: Diferente como? JEM: Isso dava para conversarmos muitas horas.
C
M
Y
CM
MY
CY
CMY
K
37
38
ENTREVISTA
«TENHO A MINHA FARMÁCIA» RFP: Passou por uma situação de saúde delicada há uns tempos. Deve ter sido uma fase em que ia muitas vezes à farmácia. JEM: Tenho a minha farmácia. RFP: Ao lado de casa? JEM: Não. Apesar de ter uma farmácia ao lado de casa, a minha farmácia continua a ser a que eu frequentava em 1992/1993. Nós vivemos cerca de 17 anos em Alvalade e eu habituei-me a ir àquela. As pessoas conhecem-me, sabem os meus hábitos, sabem o que costumo comprar, sabem do que eu gosto. Porque é que tenho de ir a outro sítio?
RFP: Valoriza a relação pessoal? JEM: Muito. Quando lá entro sabem os meus hábitos, sabem o que quero, conhecem tudo. Sabem, inclusive, do que é que a minha mulher precisa, do que os meus filhos gostam, que tipo de cremes têm de me dar. RFP: Pode ir sozinho com uma encomenda para a família que eles ajudam. JEM: A farmácia resolve-me o assunto. Não quer dizer que não vá a outras.
39 Vão ter de ser dados passos significativos para uma mudança muito radical, sobretudo no que diz respeito à televisão generalista. Estes canais estão sob pressão enorme, porque o mundo está em mudança. A subsistência da televisão generalista implica que a abordagem à realidade do espectador seja outra, nomeadamente naquilo que ele escolhe para ver. Os meus filhos não vêem televisão como eu via. RFP: Está no mesmo ponto em que estava em 2000. JEM: Estou no mesmo ponto em que estava em 2000. E é muito engraçado. Eu gosto muito de desafios. RFP: Quem chegar primeiro marcará a diferença e agarrará os espectadores? JEM: Acho que o espectador premeia quem mais se esforça por encontrar as soluções inovadoras. RFP: Face a tudo o que tem dito nesta conversa, vê-se a voltar a director-geral da TVI? JEM: Não, já dei para isso [risos]. Mas vejo-me como alguém que quer ajudar quem está a encontrar caminhos novos. O desafio não é criar um contacto de minutos com o espectador, mas que ele veja mesmo o que fazemos e não mude de canal. Ou que tenhamos a capacidade para o seduzir ao ponto de decidir que não vê naquele momento, mas o verá daí a duas ou três horas. Como é que isso se consegue? Dando um produto diferenciador, trazendo inovação, sabendo antever tendências.
CONTINUE A LER EM:
www.revistasauda.pt > José Eduardo Moniz quer ser presidente do Benfica? > O que pensa da política actual? > Sempre vai escrever um romance? > Como vê a geração dos millenials, como os seus filhos mais novos?
VEJA TAMBÉM OS VÍDEOS
Copiador
L ivro de Registos da Farmácia Portuguesa nos meses de Março e A bril do ano de 2017...
...Compilados por Nuno Esteves
Ordens Profissionais da Saúde debatem financiamento As Ordens Profissionais dos Biólogos, Enfermeiros, Farmacêuticos, Médicos, Médicos Dentistas, Médicos Veterinários, Nutricionistas e Psicólogos promoveram o colóquio “O futuro do financiamento da saúde em Portugal”. No encontro, realizado na Fundação Calouste Gulbenkian, foi lançada a discussão pública sobre a criação de uma lei de programação da Saúde. O ministro da Saúde defendeu a “realização de orçamentos plurianuais” e o Presidente da República declarou-se favorável a um acordo entre os partidos políticos e os parceiros sociais para uma lei plurianual na área da Saúde.
VALORMED lança caixas de recolha de embalagens no domicílio
4 de Março, L isboa
22 de Março
O projecto ambiental VALORMED iniciou a distribuição das novas caixas de cartão de dimensões reduzidas Ecomed, que se destinam a facilitar aos utentes o armazenamento em casa das embalagens de medicamentos vazias ou com a validade expirada. As caixas Ecomed - gratuitas e reutilizáveis - devem ser despejadas nos contentores VALORMED existentes nas farmácias.
Francisco Faria e Augusto Meneses reeleitos Francisco Faria, proprietário da Farmácia Faria, em Santo Tirso, foi reeleito Presidente da Delegação do Norte da Associação Nacional das Farmácias (ANF), que representa mais de 750 farmácias dos distritos de Braga, Bragança, Porto, Viana do Castelo e Vila Real. Augusto Meneses, proprietário da Farmácia Marques, em Viseu, foi também eleito para um segundo mandato como Presidente da Delegação do Centro da ANF, que representa cerca de 700 farmácias dos distritos de Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu.
8 e 24 de Março, Porto e Coimbra
IRS para o Programa Abem, NIF: 513 696 628 A Associação Dignitude lançou uma campanha de angariação, a favor do Programa Abem, dos 0,5% de IRS que os contribuintes podem consignar a instituições de solidariedade social. Todas as doações ao fundo solidário Abem são integralmente aplicadas na comparticipação de medicamentos a doentes com dificuldades económicas. A consignação de IRS, cujas declarações podem ser apresentadas até 31 de Maio, não tem quaisquer custos para o contribuinte.
Farmácia em destaque na Portugal eHealth Summit O presidente dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), Henrique Martins, o presidente da USF-AN, João Rodrigues, e o presidente da ANF, Paulo Cleto Duarte foram os protagonistas da sessão “Farmácia 3.0” da Portugal eHealth Summit, que reuniu mais de 10.000 pessoas na Sala Tejo da MEO Arena e 6.000 em livestreaming, ao longo de três dias. A transformação digital e a integração da rede de farmácias com o SNS foram os temas em debate, no qual participaram vários elementos das equipas da ANF, SPMS e Agência para a Modernização Administrativa.
Revista Saúda especial dedicada ao centenário de Fátima Uma edição especial da Revista Saúda, dedicada ao centenário de Fátima, foi hoje publicada com o jornal Expresso. O tema de capa é uma reportagem exclusiva, em Buenos Aires, sobre a infância do Papa Francisco, que visita Portugal no dia 13 de Maio. Esta edição apresenta ainda um Guia de Saúde do Peregrino, elaborado por médicos, enfermeiros, nutricionistas e farmacêuticos. A Revista Saúda é oferecida aos utentes, de forma personalizada, em farmácias associadas da ANF.
Queira acompanhar estes e outros acontecimentos da Farmácia Portuguesa em: www.revistasauda.pt
1 de A bril
4 de A bril, L isboa
29 de A bril
42
INTERNACIONAL
43
LA FARMACIA DO PAPA
A farmácia que cuidou do Papa Francisco quando ele era criança é agora um café, mas conserva a arquitectura e muitos elementos decorativos desse tempo
TEXTO: RITA LEÇA, ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES FOTOGRAFIA: PAOLA GALLARATO
44
INTERNACIONAL
REGRESSO AO PASSADO Podemos ver inúmeros frascos de medicamentos, um boneco publicitário de um remédio antigo contra as dores de cabeça e uma fotografia que revela o atendimento personalizado que ali se fazia.
45
«E
sta era a farmácia da família Bergoglio», conta José Maria Acosta, 62 anos, morador do bairro Flores quando era criança, o mesmo onde Jorge Mario Bergoglio, agora Papa Francisco, viveu a sua juventude. José Maria Acosta já não conheceu o Papa, e também já não vive neste bairro, situado em Buenos Aires, Argentina. Mas conhece como ninguém as histórias do local. «Venho aqui muitas vezes para recordar a minha infância», confessa, apesar de o bairro já não ser o que era. A antiga farmácia, situada na Avenida Directorio, uma das ruas principais do bairro, é prova dessa mudança. «Antes, esta avenida era de dois sentidos e havia muito comércio. Hoje, nem tanto», lembra Silvia Torre, dona da imobiliária mais antiga do bairro Flores, a Odon Torre Propriedade e Hijo. Os donos do agora café mantiveram o nome La Farmacia e, no interior, é possível descobrir, entre fotografias de personalidades famosas, dezenas de frascos onde antes foram guardadas poções para curar inúmeros males, bem como cartazes publicitários de meados do século passado. É o único “café notável” do bairro, designação dada pelo governo da cidade para assinalar os principais cafés de Buenos Aires, elevados a património cultural pela sua arquitectura, tradição e antiguidade
Fica situado numa das principais avenidas do bairro onde viveu o Papa
46
INTERNACIONAL
RECORDAR É VIVER José Maria Acosta frequenta o café La Farmacia para reviver a infância no bairro Flores, que «já não é o que era».
MIGUEL CABELLERO serve com dedicação as famosas medialunas (croissants) e as picadas, tábuas de queijos e enchidos, que tornam o La Farmacia um dos locais preferidos dos moradores de Flores.
48
CENTENÁRIO DE FÁTIMA
MARIA DO ROSÁRIO MOTA CAPITÃO
:F
armacêutica na Farmácia Paiva da Costa, em Lisboa, mãe de três filhos, Maria do Rosário Mota Capitão ruma, há décadas, para Fátima, em nome do amor que sente por Nossa Senhora. «Sinto-me acompanhada sempre que estou lá», explica. Em 1981 tornou-se Servita e passou a prestar auxílio aos milhares de peregrinos que todos os anos, nos aniversários das aparições de Nossa Senhora do Rosário, rumam ao Santuário. Acredita na generosidade e no serviço prestado aos outros. A farmacêutica sente que age em nome de Maria. «Procuro tentar ser como se fosse Nossa Senhora a acolher cada um dos peregrinos». E acredita que, de cada vez que ajuda alguém, é muito mais o que recebe do que aquilo que dá. A generosidade, diz, é das pessoas com quem se cruza, «testemunhos de entrega total pelos outros». A instituição a que pertence, Servitas de Fátima, existe desde 1924. Presta serviços de acolhimento e ajuda nos pontos de lava-pés, no posto médico, nas confissões, nas informações, nas admissões e nos retiros de doentes, no recinto e na capelinha. Emocionalmente, um dos serviços mais fortes é o de lava-pés, explica. Há mais tempo para se ouvir histórias. Foi lá que Maria do Rosário conheceu um homem que há 22 anos ia a Fátima a pé. Prometeu à Virgem ir de Vila do Conde até ao santuário se a mulher se curasse. Ela curou-se, ele caminhou. «Mas achava que o amor deles era maior do que apenas uma ida, e há 20 e tal anos que ia, para perpetuar esse amor».
DE SERVIÇO À FÉ DO : PRÓXIMO TEXTO: SÓNIA BALASTEIRO FOTOGRAFIA: CÉU GUARDA
A FARMACÊUTICA PRESTA CUIDADOS AOS PEREGRINOS HÁ 36 ANOS
49
Maria do Rosário tem três filhos, todos Servitas. Aqui, com Rita Capitão
Um outro homem, outrora preso por ser padre, no Camboja, disse-lhe: «Vocês, aqui em Portugal, têm muita sorte por estar tão perto de Nossa Senhora. Podem vir sempre que quiserem. Enquanto estive preso por ser padre católico, todos os dias, na minha cela, eu pensava em Fátima, e dizia que, quando pudesse, viria aos pés da mãe. Este é o momento da minha vida». Comoveu-se. Também uma rapariga de Pombal viria a deixar uma marca profunda em Maria do Rosário. Conheceu-a no serviço de promessas, onde o apoio prestado passa por proteger os pés e os joelhos dos que vêm cumprir promessas. A jovem, de 17 anos, estava com amigos, e confidenciou-lhe que o grupo ia fazer o caminho de joelhos porque Nossa Senhora lhe havia pedido sacrifícios pelos pecadores. «Não estava a pedir nada para ela, mas pelos pecadores. Num mundo tão egoísta, uns gaiatos de 15, 16 anos fazerem aquilo, tocou-me muito». É dos outros que fala, das suas histórias e exemplos.
Uma mulher enlutada descia o Santuário de joelhos. O marido trabalhara nas minas e, como tantos outros, sofrera graves doenças pulmonares. Pediu a Nossa Senhora que o curasse. Maria do Rosário conta que, instintivamente, lhe perguntou por ele. «A senhora disse-me: “O meu marido morreu, mas achei que devia vir pelos outros homens que trabalham nas mesmas condições”». Ainda hoje a farmacêutica reza por aquela mulher: «É de um entendimento, de uma generosidade imensa», diz. Cerca de cem voluntários auxiliam os peregrinos nos aniversários das aparições. Nos de maior participação, como se espera que aconteça este ano, por ser de comemoração do centenário, serão entre 120 a 160 pessoas. Da casa de Maria do Rosário serão cinco: ela, os três filhos e o genro, todos Servitas. São esperados peregrinos de todo o mundo. «O apelo de Nossa Senhora ecoa pelo mundo inteiro», conclui a farmacêutica.
50
CONSULTÓRIO DE COACHING
VENCER O ADAMASTOR Saiba o que o coaching pode fazer pela sua equipa. MIGUEL ANDRADE
:N
COACH
o Verão de 1959 aconteciam mais uma vez as férias grandes em Machico. Nesse ano, a novidade foi a criação de uma competição de voleibol, a que se juntou o doutor Aurélio, proprietário da Farmácia Zarco. Embora modernizada com outros produtos, o que se aviava era, como hoje, medicamentos e conselhos de saúde, de mão dada com alguma tertúlia e cidadania. À semelhança do resto do país, as farmácias cresceram. No vale de Machico há agora três, para uma população que alterou o seu perfil de consumo, muito por influência do Serviço Regional de Saúde (SRS). O que cresceu com a dinâmica do SRS, sofre hoje com a sua crise. Esta é profunda. Para muitas farmácias, esta crise é um “Cabo das Tormentas”. Trata-se de enfrentar um novo Adamastor. A questão é: Como se converte o Cabo das Tormentas em Cabo da Boa Esperança? Se, no século XV, foi crucial inventar a caravela, agora está a ser construída a farmácia do futuro, enquanto prestadora de cuidados de saúde, líder ao nível dos cuidados de saúde primários. Têm sido arquitectadas parcerias essenciais a esta navegação crítica. Mas isso por si só não basta. Há que preparar as tripulações, incutir-lhes alento e treiná-las na
O COACHING PARTE DO PRINCÍPIO DE QUE TEMOS OS RECURSOS NECESSÁRIOS PARA MUDAR, SE TIVERMOS A CORAGEM DE QUESTIONAR TUDO E DE SERMOS CLAROS CONNOSCO PRÓPRIOS prestação de serviços de saúde, integrando a dispensa de medicamentos e outros produtos de saúde. Como podem as farmácias e as suas equipas ter sucesso nestas novas artes de marinhagem? Conhecendo, explorando e aproveitando ao máximo os seus próprios recursos, como a experiência, o saber e a coragem. Isso requer novos saberes e técnicas, a fim de se atingir resultados “extra-ordinários”. Hoje, a ferramenta mais adequada é o coaching. O coaching é um modo profundo de pensar, sentir e agir a mudança. Um processo de desenvolver desempenhos e atingir objectivos desafiantes, excepcionais.
51 O coaching distingue-se de outras ofertas de apoio por ser um método de transformação pessoal, de equipas e projectos. O coaching é para aqueles que têm consciência que é preciso mudar. Para quem já concluiu que não poderá sobreviver num contexto de mudança acelerada continuando a fazer o mesmo de sempre. O coaching parte do princípio de que temos os recursos necessários para mudar, se tivermos a coragem de questionar tudo e de sermos claros connosco próprios: o propósito, a estratégia, o mapa, o plano, a realização, a avaliação e a ética. No caso das farmácias, existe a consciência de que é preciso mudar em conjunto. Sozinho ninguém se salva, a missão é o bem comum. O coaching ajuda a criar e a desenvolver equipas que trabalham em conjunto, para além do cada um por si, focadas na Missão e na Visão da organização. O coaching é ainda uma parceria entre profissionais e clientes, que põe em prática um processo de mudança, num
tempo pré-determinado – que vai do ponto em que se está até ao ponto onde se deseja e projecta vir a estar. Não se trata de uma receita milagrosa, mas de uma jornada. A partir da consciência de que é imperioso mudar, os dois parceiros, o coach e o coachee, concordam fazer juntos um caminho. Avaliam a situação, comprometem-se com o propósito, estabelecem o contrato, definem um plano de acção, executam-no, avaliam os resultados, persistem e aprendem. A minha experiência profissional, em particular destes quase dez anos de prática do coaching, é a de que é possível a um líder, a uma equipa, a uma organização, atingir resultados “extra-ordinários” com a ajuda de um programa de coaching, como acontece na ANF. Este consultório nasce para falarmos sobre o coaching na Saúde e na Farmácia. Estarei disponível para responder às vossas perguntas sobre o seu uso em novos projectos e nas equipas que lideram ou de que fazem parte.
BULA :1
Coaching: Ir Mais Longe cá Dentro Vários autores International Coach Federation, 2016 Neste livro dá-se conta, de forma sistemática, das diversas práticas de coaching desenvolvidas por coaches da ICF Portugal, no que respeita ao universo organizacional: coaching de executivos e de equipas.
:2
www.icfportugal.com
QUEM SOU
Neste site encontram toda a informação sobre coaching, nomeadamente o código de ética por que me rejo.
Mestre em Psicologia Social e Organizacional, formado pela Escola Europeia de Coaching, com certificação da ICF – Federação Internacional de Coaches. Exerce a profissão desde 2008, particularmente Coaching Pessoal, de Equipa e Organizacional. Experiência de gestão na área da Saúde e sector farmacêutico. Assessoria do Gabinete dos Assuntos Sociais nos seis governos provisórios; direcção de equipas multiprofissionais (Helen Keller, Recolhimentos da Capital, Projecto de Cuidados Continuados na ARSLVT, avaliação de experiências inovadoras na DGS). Chefe de Gabinete do ministro da Saúde, director de Recursos Humanos da Saúde, director-geral dos Hospitais, director regional de Saúde da Região Autónoma da Madeira, presidente do INFARMED. Ensino e formação profissional. Grupanálise Terapêutica. Coaching Médico (em formação). CONTACTE-ME
coach@anf.pt
52
ASSOCIAÇÕES DE ESTUDANTES
ESCOLAS DE DIRIGENTES Quem são aqueles que o futuro nos reserva?
53
TEXTO: CARINA MACHADO FOTOGRAFIA: PEDRO LOUREIRO
54
ASSOCIAÇÕES DE ESTUDANTES
FACULDADE DE FARMÁCIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
LISBOA
UMA EMPRESA COM 57 PESSOAS «P
atrícia, tenho uma tarefa para ti. Estás responsável por recrutar duas pessoas para estarem aqui sábado de manhã. Ai estás cá? Então, já só te falta recrutar uma». Miguel Santos vai distribuindo trabalho. Tem 21 anos, está no 4.o ano, e este é o seu primeiro mandato na presidência da associação de estudantes (AE), com a qual colabora há três. Faz também parte da comissão de finalistas do seu ano, é membro suplente do Conselho Pedagógico e está a concorrer, como primeiro suplente, ao Conselho Geral da Universidade de Lisboa, órgão de decisão estratégica muito próximo do Miguel Santos, presidente da AEFFUL, vive ligado ao e-mail e ao telemóvel. reitor. «Não me lembro da última vez Dirige uma equipa de 57 pessoas que jantei com a minha mãe», conta ele. No último mês, passou mais dias fora de Lisboa do que aqueles em que veio à faculdade. crianças pelas mãos!», afirma, divertida, com um piscar de A Direcção da AE tem 21 elementos – e a maioria deles uma olho, claramente desafiando Miguel. Todos os anos tem de agenda assim preenchida. Eram 23, «mas havia muita entrose adaptar a uma nova entidade patronal, mas considera pia, pelo que cortámos no número de dirigentes e aumentáesse processo «rejuvenescedor». «Tenho tido a sorte de mos a massa de trabalho, chamando mais gente para integrar trabalhar com jovens muito proactivos, sempre cheios de os departamentos», expõe o presidente. Por sua vez, a Mesa ideias. É bom sentir que fazemos parte destes grupos, de da Assembleia Geral e o Conselho Fiscal três membros cada. que também tenho sido um pouco educadora», remata Tudo somado, a «massa de trabalho» são 57 pessoas, distriSusana Xavier. Tem 38 anos. buídas por oito departamentos e três gabinetes. A reprografia e o bar Bubar são explorados em parSusana Xavier é das colaboradoras mais antigas. Traceria com a faculdade. Já as receitas da papelaria e das balha na papelaria há 18 anos. «Já me passaram muitas máquinas de venda automática revertem integralmente
55 para a AE. As quotas, os subsídios institucionais e o produto das «iniciativas próprias» completam a coluna de receitas. Ora, que iniciativas são essas? Acções de formação, torneios desportivos e as festas, obviamente imprescindíveis. Em 2016, de acordo com o relatório e contas, a AE movimentou 130 mil euros. As instalações da organização custam cinco mil euros por ano em rendas. A ampla sala principal está dividida em dois. Metade para secretárias, algumas das quais ocupadas por gente atarefada. A outra metade por mesas dispostas em largo quadrado, onde as reuniões de Direcção acontecem. «Olha o Zé! Zé, não te vás embora que tens de vir aqui falar!». José Pais – Zé, como gosta de ser tratado – e Sara Mateus, ambos com 21 anos, são os vice-presidentes. Apoiam e partilham com o presidente funções nas relações externas, mas a principal componente do seu trabalho é a gestão de equipas. «Somos ambos muito focados na equipa. É muito difícil gerir a motivação de tantas pessoas», afirma o Zé. Há sempre muito trabalho. «Estamos cá sempre. Ontem, por exemplo, saímos de cá à uma da manhã!», refere Sara. Às sextas-feiras, as reuniões de Direcção «são sagradas», ninguém falta. Mas a semana não acaba, pois muitas vezes há actividades ao sábado e domingo. A AE da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa representa 1.421 alunos. Na opinião do presidente, até «é pequenina». Na Universidade de Lisboa há associações que representam 12 mil estudantes. «Poucos, mas bons. Há quem diga que somos malucos», sorri Miguel Santos. E não é para menos, se considerarmos as permanentes iniciativas em que estão envolvidos. Cada dirigente é um exemplo desse fervilhar contínuo. Joana Cunha, do Departamento de Inovação e Ciência, acaba de encerrar um workshop sobre técnicas de reprodução medicamente assistida.
Patrícia Simões é uma das dirigentes do Departamento de Comunicação e Imagem. Tem agora em mãos a renovação da imagem da AE
A vice-presidente, Sara Mateus, considera que o currículo da FFUL peca por não ter farmacêuticos de oficina no corpo docente
Margarida Serra está a organizar o programa de estágios para os alunos de 3.º e 4.º anos
56
ASSOCIAÇÕES DE ESTUDANTES O programa curricular da FFUL vai sofrer alterações, em resultado do processo de avaliação conduzido pela entidade A3S
A AEFFUL celebra, este ano, o 103.º aniversário
Margarida Serra está a organizar «o grande programa de estágios» para os alunos de 3.º e 4.º anos. Sara Mateus acabou de chegar de Alhandra, nos arredores de Lisboa. É lá que decorre um programa de seguimento, em várias escolas, do mesmo grupo de estudantes no 5.º, 7.º e 9.º anos. A AE já participa há cinco anos.
A vice-presidente também está a preparar o Sarau Académico. «É uma coisa em grande: uma gala onde celebramos o nosso aniversário». Este ano, a AE faz 103 anos. «Gerir isto tudo implica estabelecer um equilíbrio entre a ordem e a importância dos acontecimentos e ter capacidade de adaptação aos imprevistos», afirma o presidente da AE. O stress da vida associativa já se tornou um tema de estudo. Inês Reis, do Departamento de Política Educativa, anda às voltas com o nome a dar a uma acção onde será abordado o impacto das funções dirigentes na vida pessoal e académica. Ficámos com a impressão de que a maioria encara a AE como principal missão – e o hobby parece ser o mestrado integrado. Na cantina, fora de horas, já não há grande escolha. «Sai um caldo verde com rolo e arroz. E para acompanhar, menina? Só água? Ora bem, e um cafezito para levantar depois. E o colega da menina, igual?». Na esplanada, entre pratos, Sara queixa-se das lacunas do curso para quem quer seguir Farmácia Comunitária. «Não temos cadeiras de Marketing, não temos Gestão…». Em sua opinião, esse nem é o principal problema, porque os alunos conseguem aceder a formação extracurricular. «O pior é que, desde que entramos até sairmos, não encontramos professores que estejam também em Farmácia Comunitária – e isso faz-nos falta», considera a vice-presidente. Miguel Santos anuncia que «vão ser feitas alterações» aos programas curriculares, na sequência de um processo de avaliação conduzido pela A3S, entidade que regula os cursos do ensino superior. «O nosso é hoje muito diferente dos planos das outras faculdades», explica, por sua vez, o Zé. São 103 anos de curso.
58
ASSOCIAÇÕES DE ESTUDANTES
INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
MONTE DA CAPARICA, ALMADA
SACRIFÍCIO ASSOCIATIVO Sofia só permanece no núcleo por causa de Jéssica. E esta só aceitou encabeçar uma lista para que o núcleo não morresse
:A
Cooperativa de Ensino Superior Egas Moniz tem dois braços: o Instituto Superior de Ciências da Saúde e a Escola Superior de Saúde. O instituto oferece mestrados integrados, a escola cursos politécnicos. Cada braço tem à mão uma associação de estudantes que, por sua vez, integra núcleos dos vários cursos. São os dedos. O Núcleo de Estudantes de Ciências Farmacêuticas (NECF) reporta à Associação de Estudantes (AE) do Instituto Superior de Ciências de Saúde. É a AE que põe de pé as actividades lúdicas e culturais. No entanto, tudo o
que se relaciona especificamente com a área de Farmácia é da responsabilidade do NECF. Simpósios, seminários, workshops, rastreios e toda a actividade formativa extracurricular. Na vida real, não tem sido exactamente como deveria ser. «Isto está um caos», desabafa Sofia Pintado. «Passamos a vida a ouvir críticas», acrescenta a responsável pelo Departamento Comercial e de Marketing do NECF. «Às tantas, já nem importa», continua, desanimada. No seu discurso, só um nome contraria o pessimismo. «Se não fosse a Jéssica…».
59
A maioria dos alunos do 2º. ano faz parte do núcleo. Raquel e Inês são exemplo disso
Jéssica Pacheco é a presidente do NECF. Tem 21 anos, está no 2.º ano do curso e não tinha quaisquer ambições associativas. Colaborava com a AE, mas nem sequer tinha cargo. Não tinha, nem passou a desejar ter um. Só se «deixou convencer» porque «mais ninguém» avançou. Uma razão levou-a a candidatar-se. Se o NECF ficasse deserto, perderia o mandato como membro efectivo da Associação Portuguesa de Estudantes de Farmácia (APEF). Recuperar esse lugar implicaria passar novamente três anos como membro observador. «Foi tudo em cima do joelho. Tínhamos que apresentar uma lista, pelo que, sem tempo, puxámos pessoas só porque sim», relata Jéssica, concorda Sofia. Depois de eleitas, ficaram reféns da precipitação e da irresponsabilidade alheia. «Há pessoas que nunca aparecem, outras – a maioria – são novas nisto». Qualquer iniciativa implica um esforço enorme, «como se fosse sempre a primeira vez». Jéssica não se deixa abater. Apesar de improvisada tem qualidades de líder. «Não sabemos, fazemos por saber, estudamos. Isso não é o pior». Começaram cheias
de garra. «Íamos ter um espaço, melhorar a nossa divulgação, trabalhar bem as redes sociais, organizar muitas iniciativas…». Suspiram as duas, em sintonia. O tal novo espaço, organizado e condigno, continua à espera de resposta da AE. O actual é um amontoado de coisas avulsas: secretárias, blocos de gavetas, cartazes empilhados de iniciativas antigas, rolos de papel de cenário, o busto inesperado de uma boneca. «Desculpem, depois arrumamos as coisas para a fotografia», clama Sofia, enquanto afasta tralhas para nos sentarmos. Como se entendem neste caos? «Os nossos materiais estão espalhados pelas casas dos membros, porque não temos onde colocá-los». Para além da falta de espaço, a escassez de tempo revelou-se outro obstáculo. Numa escola privada, tempo é dinheiro. Colocar em risco o sucesso escolar dá prejuízo. Sofia está no 3.º ano e paga seis mil euros de propinas. Jéssica anda perto disso. Como vem de fora, tem de contribuir para a renda de uma casa que divide com três amigas. Ambas vão almoçar a casa sempre que possível, para não terem mais um custo com a cantina.
60
ASSOCIAÇÕES DE ESTUDANTES
Se deixarem uma disciplina para trás, os recursos custam 30 euros. «Estamos muito pressionadas para passar a tudo à primeira, o que não se coaduna propriamente com o cumprimento das exigências da representatividade». Por serem apenas um núcleo, não beneficiam do estatuto de dirigentes associativos. Não têm acesso à época especial de exames, nem ao desconto de 20 por cento sobre o valor das propinas. O Conselho de Praxe e a Tuna beneficiam disso, elas não. «Queremos chegar a tudo e acabamos por não chegar a nada», comenta Sofia. A todo o momento são necessárias escolhas. «Não fui ao Churrasco Farmacêutico porque tinha teste no dia seguinte, mas em vez de estudar estive ao telefone a organizar as boleias dos colegas que foram». Jéssica e Sofia não são pessimistas profissionais, têm entusiasmo. O curso só lhes merece elogios. Defendem a qualidade pedagógica, louvam as «excelentes condições laboratoriais» e encaram como um privilégio as cadeiras de Marketing, Dermocosmética, Serviços Farmacêuticos ou Competências Pessoais. As nossas anfitriãs levam-nos às aulas de Farmacognosia e Fitoterapia, com a professora Ana Pintão, e Interacção Fármaco Receptor, da professora Tânia Fernandes. Conhecemos finalmente os outros membros do NECF. Estão a fazer o curso. «A maior parte do 2.º ano integrou a lista só para que as coisas continuassem», Carolina, a tesoureira, revela que o orçamento é reduzido. «Tentamos fazer festas, mas não dão lucro, porque somos poucos». O núcleo representa 178 alunos
explica Raquel Inez, 19 anos, titular do Departamento de Formação e Ensino. A experiência está a ser «trabalhosa», porque «as pessoas não têm interesse». Apesar da falta de participação, a estrutura do NECF tem a ambição de espelhar a da APEF. São 22 elementos, organizados em sete departamentos. Representam 178 alunos, a maioria a frequentar o 4.º e 5.º anos. «Com a crise, o número de novas matrículas caiu drasticamente», informa Sofia. Falar de orçamento é entrar noutro labirinto. «Neste momento devemos ter mil euros, talvez nem tanto. E isto porque fizemos cabazes de Natal», revela Jéssica. Os apoios de instituições como a Ordem dos Farmacêuticos e a ANF dependem do relatório de actividades, mas o do ano passado ainda não foi entregue. «Temos um orçamento reduzido. Tentamos fazer festas, mas não dão lucro, porque somos poucos», revela Carolina Carvalho, tesoureira, de 21 anos. O plano de actividades de 2017 foi reduzido ao mínimo. Até agora, fizeram «uma pequena festa cultural». Tentam é não falhar em nada com a APEF. Têm planeado um simpósio para breve. Apesar destas dificuldades todas, o presidente da AE do Instituto Superior de Ciências da Saúde afirma que este é um dos núcleos mais activos. Seja como for, Jéssica e Sofia só vão ficar até ao fim do mandato. As duas confessam-se desmotivadas. Nem os namoros resistiram ao sacrifício associativo.
61
UM ACTO DE INDEPENDÊNCIA
UNIVERSIDADE LUSÓFONA
LISBOA
Joana Pereira assume «o bichinho do associativismo»
62
ASSOCIAÇÕES DE ESTUDANTES
O que por fora parece um contentor, revela-se um laboratório moderno e espaçoso, onde Filipa, Inês, Miguel e Helena têm aula de Imunologia do 3.o ano
:E
ntrar pela primeira vez na Universidade Lusófona, em Lisboa, é uma experiência surpreendente. É uma cidade dentro da cidade, com vários edifícios, escadas, arcos, caminhos labirínticos e gente de todas as raças, línguas e estilos de vestir. Os aviões passam uns atrás dos outros, de barriga à mostra para se fazerem à pista. Estamos no Campo Grande, ao lado do Aeroporto Humberto Delgado. Para o 3.º ano, o dia começa com Imunologia. Por fora, a sala de aula parece um contentor, por dentro revela-se um laboratório moderno e espaçoso. Há vários elementos da Associação de Estudantes (AE) de Ciências Farmacêuticas com os olhos postos nos professores Tânia Almeida e Nuno Saraiva. A presidente, Joana Moreira Pereira, de 22 anos, não é um deles. Este ano decidiu fazer as cadeiras do 3.º ano que deixou para trás e avançar apenas com algumas do 4.º, tudo para ter disponibilidade para o cargo. Assim, só tem aulas uma vez por semana. Era «o ano ideal» para concorrer. Ganhou a aposta, porque a lista dela «felizmente» ganhou as eleições. Joana tem há muito «o bichinho do associativismo». Na escola secundária foi presidente duas vezes. Joana espera até ao fim da aula por Filipa Gameiro, Inês Pereira, Miguel Raposo e Helena Melo. Quer a companhia deles para fazer uma apresentação completa da AE. Andámos por escadas e passadeiras metálicas até que chegamos a uma sala pouco maior do que um arrumo, onde a custo cabe a mesa de reuniões da Direcção. «Entrem, entrem!», convida Joana. «O espaço é curto, temos de ser organizados, mas é o nosso espaço». Há algo de orgulhoso
no modo como pareceu cantar as últimas palavras. Em breve vamos perceber porquê. Por comparação com outras AE – do universo da Lusófona e das outras faculdades de Farmácia – a associação é jovem, com apenas 17 anos. E também mais pequena. O curso já chegou a ter 500 alunos. «Agora, só representamos 142 pessoas», observa Miguel, 23 anos, vice-presidente com as Relações Externas. É a crise. E também o facto de Ciências Farmacêuticas ser o terceiro curso mais caro da Lusófona. «Acima de nós, só Medicina Veterinária e Engenharia Aeronáutica», especifica Helena, 21 anos, do Departamento de Relações Internacionais. Para agravar as coisas, houve «aquela confusão do Relvas e das praxes do Meco», lamenta Miguel. «Ou seja, apanhámos com toda a má publicidade». Nos últimos três anos, os números são débeis, mas mostram uma tendência de crescimento: 15 matrículas em 2014, 20 em 2015, 40 no último ano. Os estudantes de Ciências Farmacêuticas eram apenas um núcleo da Associação Académica. Autonomizarem-se foi um acto de rebeldia. Achavam-se «totalmente dependentes», mas às tantas perceberam que tinham «asas para voar» por conta própria. «Saímos», resume Joana. «Somos pequenos, é verdade, mas conseguimos enfrentar e ultrapassar os grandes, somos um outsider», assegura a presidente. Compreendemos agora que a sala exígua é um símbolo de liberdade. A AE tem 19 elementos a representar 142 alunos. Na Universidade Lusófona, só aconteceu o mesmo no curso de Veterinária. A relação com a Associação Académica já teve dias melhores. «Avisam-nos das actividades que promovem,
nós fazemos eco, mas participamos pouco». O Arraial Lusófono é uma excepção, mas com acções próprias. A Semana das Ciências Farmacêuticas, de resto, é o grande momento de afirmação dos estudantes de Farmácia. Montam uma grande tenda no campus, onde oferecem rastreios e consultas de dermofarmácia, dermocosmética e saúde oftálmica. «Trabalhamos o ano inteiro para chegar a essa semana», enfatiza Joana. Mas vale a pena. Conseguem juntar facilmente 500 a 600 pessoas. Ao longo do ano, promovem palestras, seminários, workshops e diversas acções de formação, in e outdoor. Também há rastreios. A professora Ana Sofia Fernandes ajuda os alunos a prepararem-se para fazer um com um aparelho novo: «Mãos lavadas, luvas… codificação da máquina… Correu tudo bem com as canetas na semana passada?».
CONTINUE A LER EM www.revistasauda.pt > O que pensam eles do futuro profissional? > Como se relacionam com as direcções das escolas?
A AE apoia ainda os programas de estágio e intercâmbio. A vida académica também é festa. Há jantares, convívios e torneios. O financiamento chega dos patrocínios, permanentes ou pontuais, directamente ligados às actividades desenvolvidas. «Não recebemos dinheiro da universidade, mas sim outro tipo de ajudas», conta Inês, 21 anos, secretária da AE. O aluguer da tenda para a Semana das Ciências Farmacêuticas é o melhor exemplo disso. Com tantas actividades, que tempo sobra para o curso? «É preciso gerir muito bem o tempo, porque o nosso currículo é muito prático e a avaliação é contínua, ou seja, não dá para faltar às aulas», comenta Filipa, 22 anos, que está convencida das vantagens do sistema. Miguel conta uma história diferente. Passa «mais tempo na faculdade do que em casa». E confessa que tem de faltar a algumas aulas e roubar horas ao estudo por causa da AE. Os pais não sabem, ou preferem deixar correr.
64
CONSULTÓRIO JURÍDICO
DOENTES OSTOMIZADOS
JUSTA PORTARIA
EDUARDO NOGUEIRA PINTO E RICARDO ROCHA PLMJ – SOCIEDADE DE ADVOGADOS
:F
oi publicada, no dia 4 de Novembro, a Portaria n.º 284/2016, que estabelece o regime de comparticipação dos dispositivos médicos destinados ao apoio a doentes ostomizados beneficiários do Serviço Nacional de Saúde, entretanto alterada pela Portaria n.o 92-F/2017, de 3 de Março. O referido diploma vem modificar, em grande medida, os mecanismos de comparticipação até agora em vigor, os quais eram altamente complexos, prejudicando, essencialmente, os doentes. De facto, o sistema que vinha vigorando provocava uma flagrante desigualdade no acesso a estes dispositivos, para além de uma excessiva morosidade no processamento dos reembolsos, com a consequente sobrecarga que tal acarretava para o orçamento dos doentes.
A publicação da Portaria n.º 284/2016 veio agilizar todo o circuito dos dispositivos médicos de apoio a doentes ostomizados, permitindo, desde logo, alargar o seu âmbito. O apoio a doentes traqueostomizados passou, assim, a estar incluído também, algo que antes não se verificava. Ao centralizar a dispensa destes dispositivos nas farmácias, a nova regulamentação permitiu ainda uma equiparação das condições do acesso em todo o território nacional, esbatendo as diferenças que se registavam entre os doentes residentes nos grandes centros urbanos e aqueles no interior do território nacional. Porém, a grande novidade que a portaria vem introduzir verifica-se ao nível da comparticipação. O novo regime derroga integralmente os anteriores diplomas em vigor,
65 estabelecendo a prescrição electrónica dos dispositivos como condição para a sua comparticipação e atribuindo às farmácias a responsabilidade pela dispensa e processamento do receituário, nos mesmos termos que se encontram previstos para as comparticipações dos medicamentos. Paralelamente, são excluídas do circuito da comparticipação as entidades que até agora procediam ao pagamento da mesma aos utentes, de forma muitas vezes díspar e descentralizada. Nos termos da nova legislação, o valor da comparticipação do Estado passa a ser de 100%, ficando os dispositivos sujeitos a um preço de venda ao público máximo fixado para efeitos de comparticipação, sendo que, a exemplo do que sucede nos medicamentos comparticipados, a comparticipação depende de prescrição médica. Aliás, o preço de venda ao público a aplicar a estes dispositivos será o preço proposto pelo fabricante ou representante, sendo que tal preço não poderá ser superior ao preço máximo fixado para aquele grupo de dispositivos. As alterações acima referidas permitirão a agilização e optimização dos mecanismos de comparticipação, centralizando o processo nas farmácias, tal como já acontece com os medicamentos comparticipados. Do ponto de vista dos doentes, passarão a poder adquiri-los, quando comparticipados, sem qualquer custo, ao invés de terem que adiantar pagamentos e só posteriormente serem reembolsados. Em suma, ao entregar a responsabilidade pela dispensa dos dispositivos médicos de apoio a doentes ostomizados às farmácias e ao aproximar as regras relativas a prescrição, dispensa e comparticipação às regras aplicáveis aos medicamentos comparticipados, a nova regulamentação visa, essencialmente, introduzir eficiência e transparência no circuito, tornar o mercado mais concorrencial e, mais importante, assegurar maior equidade no acesso dos utentes a estes produtos.
OS DOENTES QUE VIVEM LONGE DOS GRANDES CENTROS URBANOS DEIXAM DE SER DISCRIMINADOS
NOVA LEGISLAÇÃO DISPOSITIVOS NA FARMÁCIA
DOENTES
[PARA AS FARMÁCIAS]
RESPONSABILIDADE DISPENSA PROCESSAMENTO DE RECEITUÁRIO
AGILIZAÇÃO E OPTIMIZAÇÃO DOS MECANISMOS DE COMPARTICIPAÇÃO
EXCLUI DO CIRCUITO DA COMPARTICIPAÇÃO AS ENTIDADES PAGADORAS
DIFERENÇAS REGIONAIS
TRANSPARÊNCIA EFICIÊNCIA
66
FARMACÊUTICO CONVIDA
Três fermosos outeiros se mostravam, Erguidos com soberba graciosa, Que de gramíneo esmalte se adornavam, Na fermosa Ilha, alegre e deleitosa
Os Lusíadas
67
ILHA TERCEIRA
OÁSIS DO MAR TEXTO: CARLOS ENES FOTOGRAFIA: ANTÓNIO ARAÚJO
68
FARMACÊUTICO CONVIDA
FARMACÊUTICO BRUNO MACHADO LEVOU-NOS AO MAR A VER A ILHA, TAL E QUAL SE APRESENTOU ÀS CARAVELAS
:A
ndavam as naus de Camões «cortando a larga via do mar» e a fronteira entre realidade e fantasia quando a encantadora Vénus, deusa do amor e da beleza, soprou às velas ventos alísios, daqueles que ainda hoje fazem aviões aterrar de emergência no Aeroporto das Lages. Uma anástrofe, recurso estilístico de antecipar as palavras-chave, revelou ao longe terra à vista. De longe a Ilha viram, fresca e bela, Que Vénus pelas ondas lha levava (Bem como o vento leva branca vela) A ilha Terceira seduz à distância e insinua-se ao perto como uma mulher fatal. Angra convida, com o seu decote na costa em forma de concha, desenhado com um G nalguns mapas antigos. Séculos de marinheiros ansiosos por terra e sedentos de carne abordaram aquela enseada de águas profundas. Onde a costa fazia ua enseada Curva e quieta, cuja branca areia Pintou de ruivas conchas Citereia.
NA TERCEIRA HÁ UMA QUARESMA PARA A PÁSCOA E OUTRA PARA… O CARNAVAL Poderá a ilha Terceira dos Açores ter inspirado a Ilha dos Amores d’Os Lusíadas? Teófilo Braga, escritor e líder político da Primeira República, deixou essa tese escrita. Como ele nasceu em São Miguel, a ilha rival, a tese ou é insuspeita ou um presente envenenado. Que espécie de fundição pode haver entre as obras de um poeta e de um vulcão? Posta cruamente a questão, a resposta está nos olhos de cada um, ou talvez no coração. Por exemplo, do historiador Maduro Dias. Quando regressa a casa de barco, até vê os versos aparecerem-lhe à frente. Três fermosos outeiros se mostravam, Erguidos com soberba graciosa, Que de gramíneo esmalte se adornavam, Na fermosa Ilha, alegre e deleitosa
69 O farmacêutico Bruno Machado também nos convidou para o mar, a avistar golfinhos brincalhões ou baleias azuis de 30 metros e 170 toneladas. As águas dos Açores são um jardim zoológico de grandes cetáceos, com 24 espécies residentes ou em cruzeiro migratório. É preciso alguma sorte e muita atenção. Os turistas não tiram os olhos da água. Ao aparecimento de um cachalote – há muitos, porque passou a ser proibido caçá-los há 30 anos – erguem em coro cabeças e telemóveis. A nós, a terra chama-nos. A península do Monte Brasil, à frente de Angra, exibe três colinas verdes e harmoniosas. Parecem mesmo desenhadas pelo verso de Camões. Enquanto o barco regressa à baía, envolvido numa nuvem de praticantes de remo e windsurf, a conversa entra n’Os Lusíadas. O nosso farmacêutico-guia tem um remédio muito prático para o dilema literário. – Venham à ilha para namorar. Bruno Machado sugere uma noite no mar a casais apaixonados. Há barcos especializados nessas luas-de-mel ao luar. O aconselhamento farmacêutico completo compreende romance, prática desportiva, caminhadas por trilhos, um passeio de jipe ao cume da Serra de Santa Bárbara, peixe fresco na mesa, cultura e muito divertimento. A Terceira é provavelmente o território português com maior densidade de músicos, marchantes e actores populares. Há uma quaresma para a Páscoa e outra para… o Carnaval. Nas quatro quintas-feiras que o antecedem, os bailinhos enchem os salões recreativos. Grupos amadores, mas muito bem ensaiados, combinam teatro, escárnio em rimas, danças e música com instrumentos de sopro e de cordas. Este ano, exibiram-se 62.
E a Páscoa, na realidade, prolonga-se por oito domingos, com as coroações e comezainas colectivas das festas do Espírito Santo. De 1 de Maio a 31 de Outubro, há touradas à corda. Como no Minho, cada uma das trinta freguesias tem a sua romaria. O ponto alto são as Sanjoaninas, em Angra do Heroísmo. Imagine um mar de gente, como no São João do Porto, dezenas de marchas na rua, como em Lisboa no Santo António, só que doze
noites e doze dias sem parar. Este ano, o São João de Angra do Heroísmo vai durar de 22 de Junho a 2 de Julho. De 4 a 13 de Agosto, responde a cidade da Praia da Vitória. Em Angra há sardinhas à borla para toda a gente, nas Festas da Praia a maior feira de gastronomia. De um lado e do outro, turistas e emigrantes têm direito a doses generosas de vinho e das tradições da ilha. Serão os Açores oito ilhas e um parque de diversões?
70
FARMACÊUTICO CONVIDA
Estátua de Vasco da Gama em Angra, oferecida pelo emigrante Victor Baptista. O irmão, Paulo da Gama, morreu na viagem de regresso da Índia e ficou sepultado na ilha
arpões, fotografias e outras memórias impressionantes do tempo dos baleeiros. Sem sair de Angra, Bruno Machado recomenda a tradicional Adega Lusitânia, o moderno Q.B. e a requintada Tasca das Tias. O Ti Choa, na Serreta, destaca-se na gastronomia regional e na alegria de receber pessoas. As doses são tão boas – e tão fartas – que se recomenda a estômagos continentais a repartição das provas por várias visitas. Por alguma razão a casa oferece Rennie e Kompensan, licor de amora e aguardente caseira. Mistura-as a gosto o cliente. A proprietária, Denise, é uma das melhores guias-turísticas da ilha. – Eles, lá em São Miguel, não sabem o trabalho que dá fazer a festa. Na Terceira, as vacas desfilam na estrada e os seres humanos sobem ao palco ou sentam-se à mesa. A banda sonora é garantida pelos
ensaios das 24 bandas filarmónicas em actividade. Em São Mateus, o Restaurante Beira Mar é um festival permanente de lapas, cracas, mariscos e peixes fresquíssimos. Quem fica à espera de mesa vai ali ao lado, ao pequeno museu do porto, ver barcos,
– Deus nos livre de irem embora sem provar a alcatra. Este saboroso prato de carne é confeccionado em potes de barro cobertos com folha de inhame. Fica a cozinhar de um dia para o outro nas
SEM RECEITA ÚNICO DE DISPENSA EXCLUSIVA EM FARMÁCIA
CONTRACEÇÃO DE EMERGÊNCIA
de referência segundo a OMS desde as primeiras 24 horas1 ellaOne®
98% de eficácia1
Levonorgestrel
eficácia variável de 52% a 94%1 0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100%
Nas 1as 24h, em cada 1.000 mulheres que tomam contraceção de emergência... ...apenas 9 engravidam com ellaOne® ...23 engravidam com levonorgestrel2
Na contraceção de emergência o que as mulheres mais valorizam é a eficácia 3
DE
AS
CIA SUPER ICÁ S PRIM IOR F E EA EIR SD
www.ellaonefarmaceutico.pt NOME DO MEDICAMENTO ellaOne 30 mg comprimido COMPOSIÇÃO QUALITATIVA E QUANTITATIVA Cada comprimido contém 30 mg de acetato de ulipristal. Excipientes com efeito conhecido: Cada comprimido contém 237 mg de lactose mono-hidratada. FORMA FARMACÊUTICA Comprimido Comprimido branco ou creme marmoreado, redondo, convexo, gravado com o código “ella” em ambas as faces. INFORMAÇÕES CLÍNICAS Indicações terapêuticas Contraceção de emergência até 120 horas (5 dias) após uma relação sexual não protegida ou em caso de falha do método contracetivo. Posologia e modo de administração Posologia O tratamento consiste na administração oral de um comprimido, logo que possível, o mais tardar até às 120 horas (5 dias) após a relação sexual não protegida ou a falha do contracetivo. O ellaOne pode ser tomado em qualquer fase do ciclo menstrual. Caso ocorra o vómito até 3 horas após a ingestão de ellaOne, deverá tomar-se outro comprimido. Antes da administração de ellaOne deverá excluir-se a possibilidade de gravidez. População especial: Compromisso renal Não é necessário ajuste de dose. Afeção hepática: Na ausência de estudos específicos, não é possível estabelecer recomendações quanto à dose de ellaOne. Afeção hepática grave: Na ausência de estudos específicos, não é recomendado o ellaOne. Crianças e adolescentes: Não existe utilização relevante de ellaOne em crianças em idade pré-púbere na indicação de contraceção de emergência. Adolescentes: o ellaOne é adequado para qualquer mulher com potencial para engravidar, incluindo adolescentes. Não foram demonstradas diferenças na segurança nem na eficácia em comparação com mulheres adultas com 18 anos ou mais (ver secção 5.1). Modo de administração Uso oral. O comprimido pode ser tomado com ou sem alimentos. Contraindicações Hipersensibilidade à substância ativa ou a qualquer um dos excipientes. Advertências e precauções especiais de utilização: O ellaOne é apenas para uso ocasional. Em nenhum caso deve substituir um método contracetivo regular. Não se destina a uso durante a gravidez e não deve ser administrado por qualquer mulher que suspeite de gravidez ou que esteja grávida. O ellaOne não interrompe uma gravidez existente. O ellaOne não evita a gravidez em todos os casos. Efeitos indesejáveis As reações adversas mais frequentes notificadas foram cefaleias, náuseas, dores abdominais e dismenorreia. A segurança do acetato de ulipristal foi avaliada em 4.718 mulheres durante o programa de desenvolvimento clínico. As reações adversas notificadas num estudo de fase III, no qual participaram 2.637 mulheres, são apresentadas em baixo de acordo com o sistema de classe de órgãos e por ordem decrescente de frequência: muito frequentes (≥1/10), frequentes (≥ 1/100 a <1/10), pouco frequentes (≥ 1/1.000 a <1/100) e raros (≥1/10.000 a <1/1.000). Infeções e infestações Pouco frequentes Gripe Doenças do metabolismo e da nutrição Pouco frequentes Perturbações do apetite Perturbações do foro psiquiátrico Frequentes Perturbações do humor Pouco frequentes Perturbação emocional, Ansiedade, Insónia, Perturbação de hiperatividade, Perturbações da libido Raros Desorientação Doenças do sistema nervoso Frequentes Dor de cabeça, Tonturas Pouco frequentes Sonolência, Enxaqueca Raros Tremores, Perturbações da atenção, Disgeusia, Síncope Afeções oculares Pouco frequentes Perturbações visuais Raros Sensação estranha no olho, Hiperemia ocular, Fotofobia Afeções do ouvido e do labirinto Raros Vertigens Doenças respiratórias, torácicas e do mediastino Raros Garganta seca Doenças gastrointestinais Frequentes Náuseas*, Dor abdominal*, Desconforto abdominal, Vómitos* Pouco frequentes Diarreia, Boca seca, Dispepsia, Flatulência Afeções dos tecidos cutâneos e subcutâneos Pouco frequentes Acne, Lesões da pele, Prurido Raros Urticária Afeções musculosqueléticas e dos tecidos conjuntivos Frequentes Mialgia, Lombalgia Doenças dos órgãos genitais e da mama Frequentes Dismenorreia, Dor pélvica, Sensibilidade mamária Pouco frequentes Menorragia, Corrimento vaginal, Perturbação menstrual, Metrorragia, Vaginite, Afrontamentos, Síndrome pré-menstrual Raros Prurido genital, Dispareunia, Rutura de quisto ovárico, Dores vulvovaginais, Hipomenorreia* Perturbações gerais Frequentes Fadiga Pouco frequentes Arrepios Mal-estar geral, Pirexia Raros Sede *Sintoma que pode estar relacionado com gravidez (e, portanto, com uma possível gravidez ectópica) e que poderia atrasar o diagnóstico de gravidez se mal diagnosticado em relação ao uso do medicamento. Adolescentes: o perfil de segurança observado em mulheres com menos de 18 anos de idade em estudos e após a introdução no mercado é semelhante ao perfil de segurança em adultos durante o programa de fase III. Experiência após introdução no mercado: as reações adversas espontaneamente notificadas na experiência após a introdução no mercado foram semelhantes em natureza ao perfil de segurança descrito durante o programa de fase III. Descrição de reações adversas selecionadas A maioria das mulheres (74,6 %) nos estudos de fase III menstruaram na data esperada ou dentro de ± 7 dias, enquanto 6,8 % menstruaram mais de 7 dias mais cedo que o esperado e 18,5% apresentaram um atraso de mais de 7 dias em relação à data prevista da menstruação. O atraso foi superior a 20 dias em 4 % das mulheres Uma minoria (8,7 %) das mulheres notificou hemorragias intermenstruais com uma duração média de 2,4 dias. Na maioria dos casos (88,2 %), esta hemorragia foi notificada como pequenas perdas de sangue. Entre as mulheres que receberam ellaOne nos estudos de fase III, apenas 0,4 % notificaram hemorragias intermenstruais abundantes. No estudo de fase III, 82 mulheres participaram no estudo mais do que uma vez tendo, desta forma, recebido mais do que uma dose de ellaOne (73 participaram duas vezes e 9 participaram três vezes). Nestas mulheres, não existiram diferenças em termos de segurança no que respeita à incidência e gravidade dos acontecimentos adversos, da alteração da duração ou volume da menstruação ou da incidência de hemorragias intermenstruais. Medicamento Não Sujeito a Receita Médica de Dispensa Exclusiva em Farmácia. Medicamento não comparticipado. Para mais informações contactar o titular de AIM. Titular de AIM: Laboratoire HRA Pharma, 15 rue Béranger, 75003 Paris, França, NIF: FR 67 420 792 582; Representante local: HRA Pharma Iberia, S.L., Sucursal em Portugal; Av. da Liberdade, 110, 1º, 1269-046 Lisboa; Portugal. Data da revisão do texto: abril 2016.
ELA-ADV-1116-PT-092
1. OMS. Contraceção de emergência. Fact sheet. February 2016. 2. Glasier AF, et al. The Lancet 2010; 375:555-62. Updated October 24, 2014. 3. Harris Interactive a mulheres em Portugal n = 200 (fevereiro de 2016).
72
FARMACÊUTICO CONVIDA
:A
ALCATRA É RESULTADO DA CONDIÇÃO HISTÓRICA DA ILHA TERCEIRA, CENTRO DAS ROTAS DE NAVEGAÇÃO DOS IMPÉRIOS PORTUGUÊS E ESPANHOL
A cidade de Angra do Heroísmo tem 11 mil habitantes, o município 35 mil e a ilha 56 mil
dispensas comunitárias dos Impérios, coloridos altares ao Divino Espírito Santo que polvilham a ilha. É distribuída a todos nas festas em que homens, mulheres e crianças abençoados encabeçam alegres procissões de coroa na cabeça, evocando a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Vinho verdelho seco local, folha de louro da Europa, pimenta da Jamaica, cravinho e pimenta preta da Índia. A paz no mundo é para comer. A alcatra é o resultado da condição histórica da ilha Terceira, no centro das rotas de navegação dos impérios português e espanhol. Cada um deixou a sua fortificação à entrada de Angra, como o império americano a Base das Lages. O historiador Maduro Dias explica que a ilha Terceira sempre foi «a estação de serviço» dos homens do mar. Até os bailinhos de carnaval, como refere Luiz Fagundes Duarte, têm flagrantes semelhanças com o teatro que se representava a bordo das naus. Dos Descobrimentos até hoje, Vénus perdeu umas noventa embarcações para os braços de morte de Plutão. Um ‘cemitério’ de 44 âncoras atrai agora os amantes do mergulho e da pesca desportiva. Na ilha Terceira, tudo acaba em festa.
A Fortaleza de São João Baptista começou a ser construída em 1593, durante o período filipino. Os espanhóis guardavam aqui a prata embarcada nas Américas da cobiça dos piratas
73 BAILINHOS DE CARNAVAL Entre autores, encenadores, actores, músicos, dançarinos e costureiras são o resultado da arte de umas três mil pessoas, todos os anos.
ESPÍRITO SANTO Cada freguesia partilha pão, carne de alcatra, vinho, alegria e fé. Quem nunca entrou num Império, nem viu uma coroação, não conhece os Açores.
BEIRA MAR Festival permanente de cracas, lapas, marisco e peixe acabado de pescar.
74
FARMACÊUTICO CONVIDA
HÁ FIESTA NA SALGA
:A
ilha Terceira foi conspirada por vulcões há mais de três milhões de anos. O número exacto de elementos desse bando incendiário ainda está sob inquérito geológico. Do que já foi possível apurar, a Serra de Santa Bárbara, perfurando as nuvens 1.021 metros acima do nível do mar, encabeça a relação de crimes. Na rota das caravelas ficou ainda um rasto com 29 quilómetros de comprido por 18 de largura de terra prometida – e fértil. Não espanta que Jácome de Bruges, flamengo imigrado, com mulher portuguesa e muito leal à coroa, a tenha pedido ao Infante D. Henrique. – Que ele a povoe da gente que lhe aprouver, desde que seja de fé católica. Em 1451 chegaram os primeiros dois navios com fidalgos e gentios, vacas, porcos, cabras e ovelhas. Ainda hoje, 60 por cento da ilha é área agrícola. As vinhas agarram-se à pedra ainda quente e dão vinho verdelho, as vacas ao pasto verde até sair leite. O escritor Raul Brandão bebeu-o sem parar, ao ponto de a ilha lhe parecer uma vaca. – Dão leite os montes e vales. O perigo chegaria à ilha 130 anos depois, com a cruz de cristo pintada nas velas, num acto triste de traição à fé católica do Infante. No dia 5 de Julho de 1581, ao raiar do dia, apareceram à vista de Angra sete grandes naus com mil soldados espanhóis a bordo. Vinha uma oitava embarcação, mais pequena e ligeira, a desempenhar duas missões: garantir refeições de peixe fresco e jogar com o inimigo um cruzamento de diplomacia e espionagem. À época, estas barcas pesqueiras eram significativamente chamadas de mexeriqueiras. Este ponto é importante.
75 O capitão da armada, Pedro de Valdez, tinha ordens para trocar cartas, negociar favores e aguardar reforços. Mas a beleza fatal daquela terra, tão bem trabalhada por vulcões e portugueses, despertou-lhe a cobiça e precipitou o desembarque, no dia 25 de Julho. Foi no lugar da Salga, em Porto Judeu. A mulher mais bela da ilha, de seu nome Brianda Pereira, e dois velhos, Gonçalo Anes Machado e António Gonçalves, receberam os soldados nas pontas afiadas de forquilhas e alfaias agrícolas. Nessa manhã, quente e bruta, entraram para a História como símbolos da resistência do povo insular. Mas a Batalha da Salga só ficou decidida ao início da tarde, quando os portugueses largaram gado bravo para cima dos invasores. Morreram os castelhanos esmagados, perfurados e afogados pelo peso das armaduras durante a fuga. Celebrada a vitória com banquete e missa, Ciprião de Figueiredo, governador da ilha, escreveu uma carta ao rei espanhol. – Antes morrer livres que em paz sujeitos. Estava inventada a divisa dos Açores. Já Lisboa e as praias do Algarve obedeciam ao domínio filipino e era o Prior do Crato quem reinava nalgumas ilhas do arquipélago. D. António, apesar de ser facto esquecido em muitas escolas, cunhou moeda e foi rei de Portugal na ilha Terceira. O povo, bravo e insubmisso como o gado aliado de guerra, prolongou a independência durante três anos heróicos. Só em 1583, na Baía das Mós, uma armada espanhola de doze mil soldados, distribuídos por dois galeões, 12 galeras e 31 naus, se impôs pela força aos irredutíveis terceirenses. O touro subiu merecidamente a símbolo de Espanha. Na ilha, é antes o convidado especial de muitas festas de rua. Um terceirense faz gala de ser o primeiro, mas também o último a rir. Nesse ínterim, faz a festa.
FARMACÊUTICO AO DOMICÍLIO
:N
ão é fácil, no continente ou nas ilhas, encontrar licenciatura tão genuína e avantajada. Bruno Machado estudou doze anos na Faculdade de Farmácia do Porto. Aprendeu Química, Farmacognosia, Virologia, Deontologia. Viveu tão intensamente a fase de formação que se matriculou em diversos estabelecimentos comerciais da cidade, para se apoderar das demais competências convenientes ao exercício profissional, como servir às mesas, auditar preços e transaccionar toda a sorte de produtos em ambiente de mercado, com escassa margem de lucro. – A vida tem mais valor quando desenvolvemos a capacidade de trabalho. Não foi fácil arrancá-lo da farmácia para nos guiar pela ilha. Gosta muito do balcão, passa noites de serviço, confere contas e notas de encomenda na cave do estabelecimento. A Farmácia Pimentel, em Angra do Heroísmo, pertence à classe das farmácias-dinastia. Bruno é um farmacêutico de quarta geração. A mãe, Isa Pimentel, conserva a direcção técnica, na placa e de facto. Ele é o próximo, mas não tem pressa nenhuma. Na ilha Terceira, velocidade é sinónimo de absurdo. Na estrada circulam vacas, cabras e ovelhas – e ele passa horas ao volante, a entregar medicamentos ao domicílio. Não se esquece de uma criança da Praia da Vitória a quem levou um Fenistil de madrugada, mas a maioria dos fregueses são idosos solitários e isolados, sem meios próprios de transporte. Gasta 200 litros por mês de gasolina. – Se fizesse contas ao meu ordenado, este serviço dava prejuízo. Ainda gosta do Porto como um vício, mas aos 38 anos olha para a frente e vê-se a chegar a velho na ilha. Os filhos crescem tranquilos, até o dia de decidirem qual o diploma que vão querer pendurar na parede da farmácia. Só vai haver quinta geração se eles tiverem vontade, orgulho e prazer nisso. – Uma farmácia não é uma loja qualquer. Só faz sentido se nos realizarmos profissionalmente. Portanto, é preciso ter calma, atender o telefone e fazer boa viagem.
76
FARMACÊUTICA CONVIDA
:1 SANJOANINAS
Festas de Angra do Heroísmo 22 Junho – 2 Julho www.sanjoaninas.pt
:2 AGUIATUR
Observação de baleias / Passeios de jipe T. 917 553 111 www.aguiaturazores.com
:1
:3 QUINTA
DO ESPÍRITO SANTO
Turismo de habitação com História T. 295 332 373 www.quintadoespiritosanto.com
:4 POUSADA DE ANGRA DO HEROÍSMO
Forte de São Sebastião, Angra do Heroísmo T. 295 403 560
:2
:5 RESTAURANTE TI CHOA Grota do Margaride, 1 Serreta T. 295 906 673
:6 RESTAURANTE BEIRA MAR Porto de São Mateus da Calheta T. 295 642 392
:5
:7 SAILTOURS
Aluguer de veleiros www.pt.sailtours.pt
:8 ALGAR DO CARVÃO
Caverna vulcânica Todos os dias, 14h30 – 17h15 www.montanheiros.com
:8
©PEDRO LOUREIRO
78
ENTRE NÓS
50+ PAULO CLETO DUARTE
:Q
uando foi publicado, em 2016, o regime de incentivos às farmácias pela dispensa de medicamentos genéricos, suscitou-se dúvidas, dentro e fora do sector, sobre as suas virtualidades, na perspectiva dos doentes, do Estado e das farmácias. As farmácias, massacradas durante anos e anos por medidas que quase destruíram o sector e por promessas nunca cumpridas, tiveram dificuldade em acreditar que os incentivos ao crescimento do mercado de genéricos se traduziriam em qualquer compensação pelo esforço que teriam de fazer para alavancar esse mercado. Procurámos combater esse estado de espírito. Fora do sector, em sentido oposto, alguns viram na medida um benefício às farmácias, que teria efeitos negativos na despesa do Estado e não teria efeitos positivos na redução da despesa dos doentes com medicamentos. Estas visões pessimistas não se confirmaram. Decorridos os primeiros meses de aplicação do regime, que entrou em vigor apenas em 1 de Janeiro de 2017, os factos demonstram que a medida é positiva para todos. No primeiro trimestre, os utentes pouparam 2 milhões de euros, o que se traduz numa potencial poupança anual de oito milhões de euros. A despesa do Estado não aumentou. E as farmácias vão receber dois terços do valor dos incentivos. Era possível fazer melhor? Seguramente que sim. Estamos satisfeitos com os resultados? Seguramente que não. Mas já não é legítimo duvidar que este é um caminho certo. Não é o único, nem é suficiente. Mas, não há soluções milagrosas e as alternativas são escassas.
Acreditamos que só com uma agenda comum, em diálogo com os parceiros e o Governo, seremos capazes de continuar a construir soluções que retirem o sector da situação em que se encontra. Por isso mesmo, o crescimento do mercado de genéricos tem de fazer parte dessa agenda comum e, portanto, também da agenda das farmácias. Há já sinais positivos quanto à evolução desse mercado e à inversão da tendência de estagnação em que se encontrava. Para que esse crescimento seja possível, é necessário o compromisso de todos: farmácias, indústria, doentes e Governo. Temos de fazer mais e melhor pelo crescimento desse mercado. A nossa aposta é fazer crescer esse mercado para uma quota acima dos 50%. O nosso objectivo deve ser dispensar, em cada mês, mais medicamentos genéricos do que medicamentos de marca. É fácil? Seguramente que não. Mas este é o nosso compromisso, porque é positivo para o sector. Porque é positivo para os doentes. Porque é positivo para o Estado. É um trabalho de todos e não apenas de alguns. As farmácias têm uma grande responsabilidade pelo sucesso do crescimento do mercado de genéricos. Sabemos que o objectivo traçado é difícil, mas é do nosso interesse colectivo e individual um forte empenhamento na sua concretização. Acreditamos que, todos juntos, vamos atingir o objectivo 50+, o objectivo de uma quota de mercado de medicamentos genéricos acima dos 50%.