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esquinas astrais

esquinas astrais

entre a cidade lembrada e a cidade imaginada

por Guilherme Mirage Umeda illustração por Jorge Guedes

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Guilherme Mirage Umeda

Doutor em Educação / Professor do curso de Design da ESPM-SP Quando criança, eu morava na zona oeste de São Paulo. Às vezes, vínhamos à casa de meus tios no início da Rodovia dos Imigrantes, percorrendo toda a Av. Bandeirantes. Para mim, era uma eternidade! No meio do caminho, tinha um outdoor imenso da Conibra, iluminado e em movimento, que servia como uma espécie de marcador do percurso. Em ocasiões especiais – talvez no Dia das Crianças ou no aniversário de alguém da família – meu pai nos levava para uma extravagância gastronômica: uma banana split na Swensen’s da Av. Pompeia.

Já um pouco mais velho, frequentei bastante a biblioteca municipal Álvaro Guerra, na Av. Pedroso de Morais. Ia de bicicleta e, inevitavelmente, passava pelo ilustre “Profeta de Pinheiros”, figura misteriosa que integrou a paisagem da região por 35 anos.

Hoje, o outdoor não existe mais. Mas ele permanece muitíssimo vivo na minha memória como parte fundamental da paisagem urbana da minha cidade. Onde havia a Swensen`s, hoje, acho que no lugar tem uma loja de lustres, uma concessionária ou coisa assim. No canteiro central que servia de moradia para o profeta, há as ciclovias. Mas nem tudo o que é passado foi irrevogavelmente varrido da paisagem urbana. Assim é a cidade, um enorme palimpsesto que ainda nos oferece, nas entrelinhas, um rico texto sobre o que foi e como veio a ser o que é. Essa é a cidade lembrada. Mas e a cidade imaginada? É aquela na qual depositamos todas nossas expectativas sobre formas mais dignas, harmoniosas e confortáveis de se viver na metrópole. Queremos a malha metroviária de Nova Iorque; os boulevards parisienses; as ciclovias de Amsterdam; as quadras verdes de Londres; e assim por diante. Mas não queremos NY, Paris, Amsterdam ou Londres. O “Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia / porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”. Essas cidades não são a minha cidade. É apenas por provincianismo? Talvez um pouco... mas também por uma marca indelével, um sopro do lugar que afeta a quem nasceu ou escolheu a cidade para viver. Então, resta-nos sonhar não com uma nova cidade, mas com uma nova São Paulo, uma utopia encravada na realidade forjada em concreto. Assim é a nossa São Paulo do presente; um istmo temporal, um instante rasgado entre o lembrado e o imaginado, confluência entre nossas memórias e os nossos sonhos.

o museu é o mundo: redescobrindo sampa

por João Carlos Gonçalves illustração por Jorge Guedes

João Carlos Gonçalves

Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e doutor em Linguagem e Educação pela USP. Professor de História da Arte e Semiótica Aplicada ao Design no curso de Design da ESPM-SP. O Museu é o Mundo já nos ensinou Hélio Oiticica. O mundo revela mundos e a função de todo grande artista é perceber e criar novas realidades, mostrar o que se esconde, colocar o espectador interagindo com as obras e o próprio espaço expositivo.Neste sentido, a cidade de São Paulo possui preciosidades escondidas: casas residenciais assinadas por grandes arquitetos que abrigam exposições de arte que traçam um diálogo extremamente instigante com a arquitetura de tais casas.

Vamos às dicas: a primeira exposição acontece na Casa Zalszupin, no bairro dos Jardins. A casa, dos anos 60, já é uma obra de arte, e mal pode ser vista da rua, pois está aninhada sob e atrás de uma grande árvore centenária de grandes dimensões. A arquitetura de Zalszupin remete tanto às influências escandinavas quanto às brasileiras. É uma

casa onde ele experimentou muito com referências diferentes, mesclando-as, desde elementos tradicionais brasileiros, como os tratamentos de paredes em estuque bruto, até o teto curvo de madeira com aspecto escandinavo. Os interiores têm uma sequência cuidadosamente orquestrada de contrações e expansões espaciais, tetos baixos que dão lugar a espaços de pé direito duplo e aberturas que calibram cuidadosamente as vistas e as luzes com um efeito mais envolvente e uma sensação geral de abrigo.

Não se trata tão somente de geometria descritiva: cada um ao seu modo, Lina Bo Bardi e Max Bill desenharam formas para, com rigor, materializar sua postura ética. Naquela virada dos anos 40 e 50, Bardi e Bill tratavam o raciocínio humanista e o desenho técnico como complementares.

A segunda indicação é a exposição Aberto 01, evento que ocupa a única casa projetada por Oscar Niemeyer em São Paulo e quebra de forma instigante os limites e convenções do campo da arte, promovendo encontros potentes entre diferentes obras e campos de expressão plástica e poética.

A valorização de lugares inusitados, fora dos circuitos dos museus e em casas com forte carga simbólica, histórica e estética, é o convite principal destas duas exposições que convidam os visitantes, não só a conhecer os belos espaços arquitetônicos e as obras em diálogo com tais espaços, mas, sobretudo, a redescobrir recantos escondidos na cidade de São Paulo, percebendo poeticamente, que o Museu é o Mundo.

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é possível o ócio em cidade que tem como símbolo o café?

por Marcelo Pliger illustração por Jorge Guedes

Marcelo Pliger

Designer, infografista da Folha de S.Paulo, professor da ESPM, arquiteto pela Faculdade Belas Artes com especialização em Design, mestre em Semiótica pela PUC, pai do Pedro. A imagem de metrópole pujante, trabalhadora, motor econômico do Brasil, construída ao longo do século 20, tem seu preço. Os paulistanos usufruem de um cardápio considerável de opções para lazer, mas ócio é outra coisa. Para ele é essencial um estado de espírito que não soa natural ao morador típico da cidade. É por isso que nos feriados, milhões deles deslocam-se para o campo ou a praia.

O ócio é obtido mais facilmente quando estamos longe dos hábitos pré-determinados do nosso cotidiano detalhadamente planejado para o progresso e a eficiência. Nossa cozinha é planejada para produção rápida, saborosa e nutritiva Nossos quartos, controlam meticulosamente a luminosidade e a temperatura projetando um sono preciso sobre colchões tecnologicamente macios e travesseiros da Nasa.

A sala, esse ambiente outrora dedicado ao livre convívio familiar, agora é dominada por uma tela de escala cinematográfica capaz de oferecer número cada vez maior de atividades. O ócio será melhor aproveitado em um ambiente desconhecido e, melhor ainda, na natureza. Nosso corpo relaxa melhor na natureza. Os trechos mais tocantes do romance utópico “Notícias de Lugar Nenhum”, do escritor e designer inglês William Morris fala da beleza natural da Terra e da capacidade do equilíbrio psicológico. Do outro lado do Atlântico, a intelectualidade brasileira via a natureza exuberante como sinal de atraso e apontava o ócio como justificador da supremacia branca em detrimento de uma suposta preguiça de africanos e ameríndios. Em 1914, o paulista Moteiro Lobato escreve o conto “A Velha Praga” para o Estado de S.Paulo onde cria o personagem Jeca Tatu, agricultor brasileiro magro, doente e preguiçoso que é curado pela intervenção científica de um médico italiano. O conto foi posteriormente usado como peça publicitária do fortificante Biotônico Fontoura através de livreto distribuído em mais de 100 milhões de exemplares. O ócio portanto, essa entrega prazeirosa à preguiça, ao “dolce far niente” sem propósito, sem prazo nem objetivo, não é tarefa simples para um paulistano. Contemplar a paisagem em algum dos 113 parques da cidade, pode ser uma saída. Se for noite, contar estrelas na cobertura gramada do Centro Cultural São Paulo. Minha última sugestão é: não leve esta revista. Prefira entregar-se ao tempo, sem objetivos.

crônicas da grande selva de concreto: são paulo

por Bianca Antunes illustração por Jorge Guedes

Bianca Antunes

Escritora, professora, doutora em filosofia pela USP e pós-doutora em artes pela UNICAMP. Poderia ser a cidade que não para nunca. Ou a terra da garoa. Eu diria palco de muitas histórias. E talvez, por isso, a cidade não dorme nunca. São Paulo é atravessar o trânsito dentro do carro de um desconhecido que você achou em um aplicativo cinco minutos atrás. E falar, ouvir, discutir. Isso é São Paulo. É aquela chuva que você odeia, mas no fundo agradece por existir.

Se existe um lugar entre o céu e o inferno capaz de causar sentimentos tão diversos é São Paulo. Onde os instantes são rápidos demais, acendem e apagam – apesar de dizerem que não se apaga nunca. É onde o coração bate. As vezes por medo, mas sempre por amor. É uma constante. É estar sempre se despedindo em meio aos encontros.

Dizem ser a cidade de tantos encontros. Encontra-se tudo, menos o outro. Dizem tanto,

mas é onde não se diz mais nada, perde-se todos. E assim, no meio da vastidão se paga o preço de viver sempre tão apressado. É aceitar uns aos outros com um julgamento silencioso, sem coragem de dizer tantas palavras proibidas, mas com a coragem de nunca se pronunciar. No fim, a gente quase se encontra em tantos desentendimentos.

Talvez exista uma energia impalpável que torna tudo que é cinza mais bonito. Parece solitário ao redor de tanta gente. Parece com o mundo, é bonito, mas perigoso. Estações indefinidas quase parecem estar querendo agradar todo mundo. São Paulo é tentar agradar todo mundo – e nunca conseguir. São Paulo é viver em constante adaptação de uma modalidade de vida desordenada.

É ambiente de trabalho. É tragédia e desesperança. É desigualdade. E mesmo assim, existe uma tranquila felicidade que irradia das coisas fazendo com que ninguém entenda o porquê. Apenas sabe-se. Apesar de tantos defeitos, é o saber. É espaço de epifania, de liberdade de dizer coisas sem nexo e ser entendido por isso. É ter a responsabilidade de ser quem é e fazer dela um deleite. É a essência de uma realidade enviesada. É ser único, enquanto igual a vários. É onde se deve viver, apesar de medos. Viver, apesar de multidões. Viver, apesar do descaso. E viver porque o “apesar de” é o que nos faz ficar. O sentimento de pertencimento diz respeito à ligação de viés psicológico que o colaborador tem com a empresa. Nesse cenário, o funcionário se sente parte de uma comunidade, o que faz com que a organização seja mais do que apenas um vínculo profissional.

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