revista sic E DI Ç ÃO 0 1 MA RÇ O 20 14
MOVIMENTO ESTUDANTIL DE MENTE LIVRE E PORTAS ABERTAS D E N ÚNC IA DO MINISTÉR I O P ÚBL I C O · A N I V ER SÁ R I O D O C A M A R · I N AU G U R AÇ ÃO DO L A B O R ATÓ R I O DE HAB I LI DAD ES · S E M ANA DO CA LOURO · M ED I C I N A N UT R I C I ON A L · E N TR E O S O MÁTI CO E O P S Í Q U I CO · E S CO L H A DA ESPECI ALI DAD E M É D ICA · E N TREVISTA COM P R OF ESSOR AYM OR É · R E L ATO D E I N TE R C Â MB I O · E M A I S
ÍNDICE
( REVISTA SI C )
EXPEDIENTE REVISTA SIC EDITOR-CHEFE, EDITOR DE ARTE & DIRETOR DE REDAÇÃO Lucas Maia Diniz REVISOR Evandro Camargo REDATORES Ana Beatriz Campos, Anna Tobias, Camila Amorim, Eric Costa, Joana Athayde, Marina Pereira, Mellanie Trinta, Nayara Lobo, Rayssa Alves, Renan Gottardi, Victor Araujo, Victor Frazão, Vinícius Mesquita, Yuri Schacker COLABORADORES João Paulo Rabelo, Luiz Amorim Neto
PRESIDENTE DO CAMAR Ana Beatriz Campos VICE-PRESIDENTE DO CAMAR Luiz Amorim Neto DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO Lucas Maia Diniz DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS DE SAÚDE Rogério Logrado DEPARTAMENTO CIENTÍFICO Mellanie Trinta DEPARTAMENTO DE EXTENSÃO Anna Tobias DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO MÉDICA Eric Costa
REALIZAÇÃO DEPARTAMENTO CULTURAL Valdir Alves Neto DEPARTAMENTO DE CERTIFICAÇÃO Carolina Falcão
APOIO
DEPARTAMENTO DE RECURSOS Dimítrius Garbis DEPARTAMENTO DE LIGAS ACADÊMICAS Renata Gabriela
MATRACA A.A.A.M.U.F.M.A.
DEPARTAMENTO JURÍDICO Rebeca Camacho DEPARTAMENTO DE ESTÁGIOS E VIVÊNCIAS Marina Pereira DEPARTAMENTO DE ESPORTES Alisson Luã Vale Mina SECRETARIADO Caio Fernando Coêlho, Maurício Moreira TESOURARIA Fabíola Frazão, Isabella Ferraz
04 · MA RÇO D E 201 4 · R E V I STA S I C
( REVISTA SIC )
EDITORIAL Os nossos boas-vindas aos caros leitores.
Surgir com a proposta de um meio de comunicação para os acadêmicos de medicina da UFMA soa como um desafio necessário a ser vencido. O Centro Acadêmico de Medicina Antonio Rafael caminha a passos firmes em direção a conquistas cada vez mais importantes para toda a comunidade estudantil. A revista SIC objetiva ampliar o poder de voz dos alunos e do CAMAR como instituição representativa. Buscamos unir estudantes, informar acontecimentos, entreter, envolver e transmitir fatos, aliás, não apenas fatos, mas também experiências. Por que não ampliar no CAMAR o exercício de trocar vivências? De tudo que há numa universidade, sem dúvida a maior riqueza são os alunos. Somos a vontade de produzir, de usufruir e de compartilhar. Somos tudo o que podemos comunicar em dimensões universais. Comunicar para crescermos como pessoas e para fortalecermos nosso movimento estudantil. A vontade de comunicar e de nos fortalecer é o que motivou toda equipe editorial desta revista em sua produção. Dentre nossos princípios editoriais está a crença na liberdade e na diversidade. Esperamos que todos os leitores se sintam representados e livres para qualquer contribuição, afinal, o principal motivo de sermos uma revista do CAMAR é escutarmos aquela voz que não nos deixa esquecer que além de estudantes de medicina, somos cidadãos – cidadãos que compartilham ruas, salas de aula, livros, edifícios, conhecimentos e vivências. Lutamos pelo que é nosso e do outro, pela simples obviedade de que somos partes de um todo muito maior. Nesta primeira edição, gostaríamos de dar boas vindas aos calouros e parabenizá-los pelo sucesso da aprovação. As aulas vão começando e novos degraus nas suas alçadas profissionais vão aparecendo. Preparamos alguns textos em especial a vocês e que os contextualizarão nesta loucura que é lidar com situações e pessoas tão diferentes, mas tão presentes a partir de agora. E a todos os estudantes: respirem fundo, porque um novo período letivo se inicia com todas as turbulências e os prazeres dessa nossa família MedUFMA. Aproveitem a leitura.
EDITOR DA REVISTA SIC
RE VISTA S IC · MARÇO DE 2 014 · 0 5
( CAMAR )
O CAMAR COMPLETA MAIS DE 20 ANOS DE LUTA! POR BEATRIZ CAMPOS Após o ano de 1995, o Centro Acadêmico de Medicina Antonio Rafael foi reaberto por este, cujo nome do Cento Acadêmico homenageia. A cada ano, a cada gestão, renovamos o movimento estudantil, batalhamos por um ensino de qualidade e, acima de tudo, nos tornamos acadêmicos mais conscientes. Participar de um CA com tanta garra e força para lutar pelo que é seu de direito é, porque não dizer, a essência que nos transforma em cidadãos mais conscientes dos problemas que nos cercam. Neste ano de 2014, contamos com um legado de conquistas que nos guiaram à defesa daquela que, em nossa formação, assume um papel fundamental: a saúde. A tão sonhada e esperada reforma do ILA que hoje se encaminha para melhorar a estrutura do nosso curso, as primeiras aulas no Laboratório de Habilidades, a Representação Discente nos departamentos de medicina, a participação na formulação do nosso Projeto Político Pedagógico, a Representação Discente nas reuniões de colegiado, a volta das aulas de Técnica Operatória, a aquisição dos novos livros da biblioteca, o VIII Encontro Regional dos Estudantes de Medicina – A Base que Precisamos para a Saúde que Queremos, o Fórum de Estágios e Vivências, a Paralisação do Internato em um dia pela conscientização da população acerca do Programa Mais Médicos, as discussões sobre o Ato Médico, os debates sobre a EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), são estes alguns dos exemplos de nossa participação ativa na estruturação do nosso curso, do nosso Sistema Único de Saúde e de nossa comunidade. Nesse ano que se passou, inserimos em nossa rotina os Grupos de Discussão e Trabalho, em que discutimos assistência estudantil, opressões, assédios, educação médica, privatizações na saúde, entre outras questões de suma importância e que estão presentes em nosso meio acadêmico. De tais discussões surgiu o Núcleo Maria Aragão, um núcleo de estudos e ação em opressões e assédio que semanalmente coloca em foco questionamentos acerca da nossa relação com a sociedade e de
que forma somos afetados por ela. Desenvolvemos também projetos de extensão, com o intuito de interferir positivamente em comunidades de São Luis, levando conhecimento e colhendo como frutos o incentivo a assistência e à pesquisa entre nossos estudantes. Além disso realizamos o I Sarau da Medufma, uma forma simples e divertida de incentivar a cultura em nosso curso. Estas são apenas algumas das últimas conquistas do nosso Centro Acadêmico, conquistas que não teriam acontecido não fosse a perseverança e a atuação ativa de estudantes como vocês, que compreendem que o CAMAR vai além de teorias políticas e econômicas. E que sabem a importância da representação estudantil. É muito satisfatório saber que nossas ações hoje, serão sentidas por tantos outros acadêmicos que ainda estão por vir e que estas ações repercutirão na formação de profissionais médicos melhores, voltados para o Sistema Único de Saúde, que compreendem a importância da Atenção Básica, da saúde integralmente pública e acessível a todos. E é com tamanha satisfação e orgulho que agradecemos a contribuição de todas as gestões que já passaram por este CA. Às mais recentes, Querência Sem Fim, Berço de Heróis e Viva Voz, nosso mais profundo obrigado, por terem reconstruído este alicerce tão sólido onde hoje pisamos. Relembrando a fala de uma estudante deste curso, o nosso CAMAR é hoje o que vemos pois quisemos imensamente, fomos, no melhor sentido da palavra, heróis, conquistamos nosso direito de voz e hoje, é tempo de levar todo esse legado para frente. Com mais querer, mais heroísmo, mais voz e muito mais vitórias. Feliz tantos anos de conquistas, CAMAR! Saudações estudantis!
O ANIVERSÁRIO DO CAMAR É COMEMORADO NO DIA 29 DE JANEIRO!
RE VISTA S IC · MARÇO DE 2 014 · 07
( CAM A R )
Integrantes da primeira reunião do Núcleo Maria Aragão
NÚCLEO MARIA ARAGÃO POR ANNA TOBIAS O Núcleo de Estudos em Opressões a Assédios Maria Aragão é um grupo que visa estudar diversos tipos de opressões e assédios, identificando-os, investigando suas causas e desdobramentos e traçando possíveis estratégias para coibir tais ocorrências danosas.
combater tudo que possa aprisionar e constranger o ser humano, tal como: preconceitos arraigados na sociedade; pressões midiáticas, que influenciam o comportamento das massas; manipulação de informações, que priva a população de fazer análise crítica dos acontecimentos.
Tentamos discutir questões que tenham relação com o ambiente acadêmico e a Medicina; entretanto não nos focamos somente nelas, pois entendemos que o acadêmico e o médico são antes de tudo um seres humanos, e por isso devem ser capaz de se interagir com a sociedade e contribuir para o aperfeiçoamento da mesma. O Núcleo Maria Aragão busca
Todos são bem-vindos no Núcleo Maria Aragão. O único elemento não aceito entre nós é o preconceito. Aos interessados pedimos que venham com a mente e o coração abertos, dispostos a aprender e também a ensinar, a compartilhar experiências e mudar para melhor.
08 · MA RÇO D E 2014 · R E V I STA S I C
( CAMAR )
DEPARTAMENTO CIENTÍFICO
DEPARTAMENTO DE ESTÁGIOS E VIVÊNCIAS
POR MELLANIE TRINTA
POR MARINA PEREIRA
O Departamento Científico é responsável por informar o acadêmico de Medicina sobre o contexto em que está envolvido. Promove palestras sobre a situação da saúde brasileira, da educação médica, do movimento estudantil, além de promover oficinas de capacitação dos acadêmicos para o Currículo Lattes, oficinas de metodologia científica, entre outras. Também divulga datas de Congressos Médicos, editais de bolsas de iniciação científica, de extensão, etc.
O trabalho do Departamento de Estágios e Vivências é basicamente dividido em três tarefas: organizar os estágios de intercambistas estrangeiros que vem para a UFMA; organizar a ida de estudantes da UFMA para estágios na área médica no exterior, através da DENEM e da IFMSA; e orientar os alunos da UFMA quanto a outras oportunidades de estágio e vivência, por exemplo, estágios eletivos, ciências sem fronteiras e etc.
Para a gestão de 2014, o Departamento Científico planeja promover dois Ciclos de Palestras, que tem como público-alvo os calouros de Medicina-UFMA; uma Oficina de Metodologia Científica para capacitar os estudantes para desenvolver ciência; um Fórum Científico, com objetivo de expor as pesquisas em desenvolvimento dos laboratórios e das ligas acadêmicas; uma Oficina Currículo Lattes, que será divulgada para toda a comunidade acadêmica da UFMA e demais universidades; e um Clube da Revista mensal, que contará com professores da UFMA para apresentar um artigo. O Departamento Científico é presidido por Mellanie Trinta, da turma 95, e conta com 14 assessores do segundo ao sétimo período.
Clube da revista O Clube da Revista é mais uma iniciativa do Departamento Científico do CAMAR para aproximar os alunos de graduação em Medicina do universo da pesquisa científica de ponta que a Universidade Federal do Maranhão já realiza. Na primeira semana de cada mês ao longo do primeiro semestre letivo de 2014, profissionais independentes e pesquisadores vinculados ao Centro de Ciências Biológicas e da Saúde e ainda ao Departamento de Saúde Pública virão até nós expor, um por vez, os seus melhores artigos científicos. Dessa forma, serão discutidos conteúdos, métodos científicos e todo o mais que seja relevante para o estudo desses artigos científicos. Assim, quem frequentar as edições de abril, maio, junho e julho será creditado com uma carga horária de 20 horas, cedida através de certificado eletrônico a ser enviado para o e-mail cadastrado pelo aluno no momento de sua inscrição no Clube da Revista do CAMAR. A inscrição, participação nos encontros e emissão do certificado serão inteiramente gratuitos.
Mas o que é a CLEV que tanto se ouve falar? CLEV significa Coordenação/Coordenador Local de Estágios e Vivências. Na prática, é o mesmo que a DEV, mas é a nomenclatura usada pela DENEM. Ou seja, a CLEV representa os alunos da UFMA em situações envolvendo estágios e vivências em espaços da DENEM. Em âmbito nacional pode-se falar de CEV (Coordenação/Coordenador de Estágios e Vivências). E LEO, o que é? LEO significa Local Exchange Officer, é o mesmo que o CLEV, só que dessa vez é na nomenclatura da IFMSA, que é a Federação Internacional dos Estudantes de Medicina. Em âmbito nacional tem-se os National Exchange Officers (NEO). A CLEVUFMA tem muita força nacional. No ano de 2013, um aluno da UFMA, como CEV, sediou um dos encontros nacionais de estágios e vivências, o FEV (Fórum Nacional de Estágios e Vivências), e recebeu mais de 20 estudantes estrangeiros para estágios no HU e na UFMA. A cada ano o número de intercambistas aumenta e é dever da CLEV organizar o estágio e a estadia. Os alunos ficam em casa de estudantes da medicina (que atuam como anfitriões). Os anfitriões geralmente estão em falta, então se você tem interesse, ou se tem alguma dúvida, não hesite em falar com os CLEVs. Ao receber um estudante você recebe um certificado que vale pontos para a sua seleção de intercâmbio. Se você não pode receber o aluno em casa, ainda pode atuar como padrinho. O padrinho é como se fosse o irmão mais velho do intercambista, ajuda com tudo que ele precisar. Para ser anfitrião e padrinho, é preciso participar de uma oficina obrigatória, que será oferecida no início do período letivo. Durante esta oficina também é feita uma explanação sobre os intercâmbios da DENEM e IFMSA, então se você quer apenas aprender também pode participar! A oficina é de graça e não precisa fazer inscrição, só aparecer. Essas e outras informações estarão disponíveis no LISTACAMAR e na página do facebook da CLEV (https://www.facebook.com/clevufma).
RE VISTA S IC · MARÇO DE 2 014 · 0 9
( CAM A R )
I
ATE ONDE A PEDRA DURA AGUENTA? Como a água e a pedra podem melhorar nosso curso de medicina da UFMA – um relato de descaso e denúncia POR BEATRIZ CAMPOS Há um ditado, muito popular, que diz que água mole em pedra dura tanto bate até que amolece. E fura. Como todo dito popular, é possível levantar questionamentos e aqui se inicia o meu: afinal de contas, a pedra amoleceu ou foi a água que se consolidou? É notório que o mundo costuma aceitar a dualidade melhor que a comunhão das ideias. Ou é um ou é outro. Dificilmente são dois, quiçá três. Mas como o questionamento é meu, já adianto o final: ambos, tanto a pedra, quanto a água, são agentes desta história. Estou no curso de medicina da UFMA há dois anos. O que apesar de ser somente 1/3 do caminho, me permitiu ser testemunha e agente da ação que, para mim, se constituiu a menina dos olhos deste Centro Acadêmico do qual faço parte. E que escolha danada de palavras. Olhar o passado, e porque não dizer, lamentando-o, foi o que deu forças ao CAMAR para assumir, em instâncias mais superiores, as rédeas da luta pelo que é nosso de direito: uma formação médica de qualidade. No dia 18 de novembro de 2013, o Centro Acadêmico de Medicina Antonio Rafael, após um incontável número de ofícios destinados a todas as instâncias administrativas de nosso curso, tomou sua atitude mais enérgica: em uma documentação composta por mais de 100
( CAMAR )
páginas, baseada no relatório das turmas de medicina do semestre de 2013.1, no projeto político pedagógico do nosso curso e nos ofícios emitidos pela Coordenação de Medicina solicitando melhorias técnicas e de materiais nas instalações do Laboratório de Habilidades, protocolamos uma denúncia ao Ministério Público Federal explicitando o não cumprimento da carga horária de alguns professores, a qualidade questionável das aulas ministradas e dos ambulatórios oferecidos pelo nosso curso, os problemas de conduta por parte de alguns docentes, as falhas na fiscalização departamental dos professores vinculados e reforçamos os principais problemas estruturais que impedem uma formação médica digna, de qualidade e segura para a população. Mas talvez mais importante que a denúncia em si, seja a mobilização que ela gerou, tanto por parte dos alunos quanto dos professores. É preciso que se entenda que nosso curso passa por uma contraditória necessidade de docentes. Contraditória, pois no papel somos bem providos de professores, mas na prática o que vemos é nada mais que a sobrecarga de alguns mestres (pois estes sim são guerreiros) e a existência dos docentes que, com um gostinho de caviar, nunca nem ouvimos falar. E este claramente não é um ambiente favorável à abertura de concursos para novos professores. Mas por que não ir além? E aquelas aulas que são dadas em 20 minutos? E aquela prova de 5 questões com o conteúdo de um módulo inteiro? E aquele professor que escolhe a humilhação e o desrespeito ao aluno como método de ensino? E a disciplina de técnica cirúrgica? E a disciplina de radiologia? E a disciplina de urgências e emergências? E os livros velhos da biblioteca? E os ambulatórios lotados, com mais de 20 pessoas entre acadêmicos, internos, residentes e médicos? Ah, e o paciente. E o paciente da unidade básica de saúde? E as unidades básicas de saúde, onde estão? E o curso de medicina, cadê? Bom, seis anos se passaram, você se formou e estudou por
conta própria. Foi ao hospital por conta própria, aprendeu instrumentação cirúrgica, radiologia e emergência no livro e, talvez em algum hospital por aí. E se deus quiser não matou ninguém no meio do caminho. Que risco, hein? Em dois anos de curso e em dois anos participando do CAMAR, já havia presenciado em reuniões ordinárias inúmeras reclamações frustradas de alunos frustrados sobre aulas frustradas. Mas naquele 16 de outubro, aniversário da minha mãe, também professora da rede pública do estado, e dia do estopim que nos levou à consolidação da denúncia, percebi a força do movimento estudantil. Em resumo, a semiologia dos primeiros 4 períodos, na minha opinião, o alicerce da medicina, ia parar. Parar porque o contrato dos professores substitutos ia acabar e não poderiam ser, em um primeiro momento, renovados. Parar porque eram basicamente os professores substitutos que levavam a disciplina pra frente. Isso aconteceu no meio do semestre de 2013.2. Já expliquei o que foi a denúncia, o que levou a ela e o que foi seu estopim. Mas que cargas d'água isso tem a ver com a água mole e a pedra dura? Perseverança e o preparo de um terreno fértil, senhores. A água, perseverante, jamais furaria a pedra, não fosse essa propícia à erosão. O movimento estudantil do CAMAR não seria forte e independente como hoje, não fosse a perseverança de alunos que talvez já tenham se formado e o desejo por melhorias, inerente a cada estudante que se movimenta. Há quem diga que quem não se movimenta não sente as amarras das correntes que o prendem. Mas convenhamos, senhores, que senti-las é só o primeiro passo para quebrá-las.
RE VISTA S IC · MARÇO DE 2 014 · 11
( CAM A R )
Centenas de crianças se divertem na ação social do dia 12 de outubro
DEPARTAMENTO DE EXTENSÃO POR ANNA TOBIAS
O Departamento de Extensão, como o próprio nome explicita, tem por função propor, implementar e organizar as ações extensionistas dos estudantes de Medicina. Ele faz parte do Centro Acadêmico de Medicina Antônio Rafael. Mas o que é "extensão"? Como foi afirmado no XXVIII Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX), realizado em 2010, "A Extensão Universitária (...) é um processo interdisciplinar educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora entre universidade e outros setores da sociedade". Os alunos extensionistas colocam em prática projetos que objetivam melhorar a vida da comunidade, trazendo à tona temas de importância para a sociedade. Nesse processo, o conhecimento é construído de forma bilateral, não sendo a extensão uma mera forma de passar informações a outras pessoas ou fazer interferências de forma autoritária com pensamentos preconcebidos, mas sim uma rica experiência onde o estudante, ao entrar em contato com o público, pode aprender enquanto compartilha o que sabe, ou seja, a extensão é uma via de mão dupla.
sobretudo, para que os estudantes possam lidar com os pacientes e se tornarem bons médicos no futuro. O Departamento de Extensão também participa sempre que possível dos Fóruns de Extensão realizados pela UFMA. Nesse tipo de evento, são expostos projetos de extensão de todos os cursos da universidade, possibilitando, assim, a divulgação de trabalhos, o intercâmbio de conceitos, práticas e resultados e a mútua valorização entre os diversos cursos, que abrangem diferentes áreas do conhecimento. Assim, é possível construir novas visões para estabelecer novas formas de atuação. O trabalho no Departamento de Extensão é contínuo e, por isso, novos membros são sempre bem-vindos; estudantes que não queiram ser membros efetivos, mas desejam participar de nossas ações, também. Fazer parte da extensão é uma ótima forma de enxergar que mesmo no cotidiano atribulado, em meio aos estudos intensos - e num futuro próximo, em meio ao trabalho desgastante - é possível ser instrumento de transformação na sociedade.
Além dos projetos, o Departamento de Extensão busca se fazer presente em ações sociais, pois estas refletem um dos princípios básicos da extensão, qual seja, servir à comunidade, observando os limites éticos e institucionais. Além disso, as ações são uma potente ferramenta para que os extensionistas exercitem a habilidade de lidar com o público, crucial para que os projetos do departamento sejam levados adiante e, 03 · M A RÇO D E 2014 · R E V I STA S I C
Extensionistas na distribuição de brinquedos arrecadados
( MEDUF M A )
TRILHAS DO
mundo Em Agosto de 2013, após um ano de preparativos e muita ansiedade, embarquei para Bangkok, capital da Tailândia. Várias vezes fui questionada sobre o porquê desse destino e, hoje, tenho mais propriedade ainda para responder: o sudeste asiático é fantástico! Estagiei durante um mês no Ramathibodi Hospital (Mahidol University), nos serviços de Cirurgia Plástica e Cirurgia Vascular/Transplante, e fiquei maravilhada com tudo que vivi. Apesar do preconceito que costuma haver quando se fala em Tailândia, o sistema de saúde é extremamente funcional, a educação médica impecável, os hospital e unidades de saúde em geral são fantásticos, do quesito relações humanas ao quesito tecnologia de ponta, perpassando pelos médicos e professores, que me receberam de braços abertos. Durante o estágio, morei no dormitório em que os estudantes tailandeses vivem, dentro do complexo universitário, e pude conviver com acadêmicos de Medicina de outros 8 países, do México ao Japão, que também estavam estagiando lá e entre os quais dividíamos os quartos do dormitório. Muito mais que o aprendizado técnico, um estágio te possibilita conhecer a educação médica e o sistema de saúde ao redor do mundo, além de fazer amigos (com os quais você continuará mantendo contato e dos quais morrerá de saudade!). E, mais que isso, é uma ótima oportunidade de conhecer lugares novos e vivenciar experiências inexplicáveis, tipo andar de elefante. Após o mês de estágio, fiz uma viagem de 15 dias por outras cidades próximas, entre Tailândia e Laos, onde conheci paisagens e pessoas maravilhosas. Costumo contar que, no começo do curso, via o estágio internacional como algo distante, que não estava nos meus planos. Hoje, após 2 anos coordenando a CLEV UFMA e atualmente na coordenação nacional dos estágios (CEV), posso recomendá-los pelos dois lados: o de quem já vivenciou (e não podia ter sido melhor!) e o de quem ajuda a fazer acontecer (e compreende a complexidade que existe pra que cada um de nós realize esse sonho). E espero, com lagriminhas de saudades nos olhos, que todos possam, um dia, viver uma experiência tão fantástica quanto a que vivi!
POR CAMILA CARVALHO AMORIM Gold mount, templo tailandês
14 · M A RÇO D E 2014 · R E V I STA S I C
Intercambistas do Ramathibodi Hospital (Japão, Grécia, Tunísia, Alemanha, Itália e Brasil)
Andando de elefante em Kanchanaburi, Tailândia Chicken Island, Tailândia
Estágio no serviço de cirurgia vascular e transplante, na endovascular
"International Dinner", jantar oferecido aos intercambistas com comidas típicas
( MEDUF M A )
MAIS DO QUE UM SIMPLES LABORATÓRIO DE HABILIDADES POR VICTOR ARAUJO “A primeira coisa que veio a minha cabeça foi incredulidade ao estar vivendo aquele momento”. Esta foi a reação do acadêmico Felipe Brayon (9° período), 23 anos, em sua primeira aula no Laboratório de Habilidades Médicas da UFMA. No dia 08 de outubro de 2013, a 91ª turma de Medicina da Universidade Federal do Maranhão estreou as instalações do Laboratório de Habilidades Médicas com uma aula inaugural cujo tema foi Reanimação Cardiopulmonar, ministrada pelo professor Santiago Servin (atual coordenador discente da Liga Acadêmica de Trauma e Emergência), assessorado por alguns alunos da turma, membros da LATE. Professor e alunos puderam contar com uma aula proveitosa e praticar os protocolos preconizados com os equipamentos básicos e os manequins adulto e pediátrico. “Foi uma sensação de vitória!”, assim relatou o acadêmico Lucas Akira (9° período), 21 anos, “O Centro Acadêmico tem lutado há anos para a obtenção desse laboratório (...)”. Esse sentimento eufórico possui uma explicação. Por trás dessa pequena conquista, está a luta de um Centro Acadêmico. Mas antes de explicar a história por trás dessa conquista, convido você, leitor, a entender primeiro o que é um laboratório de habilidades. Podemos defini-lo como um lugar que representa uma alternativa de apoio pedagógico, atuando com atividades antecipatórias das práticas de habilidades com o paciente, preparando o estudante para o exercício técnico e intelectual de sua futura profissão. Em resumo: o laboratório é o lugar onde você, estudante de medicina, irá praticar as habilidades técnicas antes de realizá-las no paciente. E como
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era feito antes? Simples, diretamente no paciente. O que não é bom nem para você e muito menos para ele. Eis a importância desse novo espaço voltado à aprendizagem para a MedUFMA! Atualmente, no Brasil, segundo dados fornecidos pelo MEC, há cerca de 180 escolas médicas – não se sabe se a Gama Filho entrou nessa contagem – distribuídas heterogeneamente pelo país. Somente na UFMA, contamos com três (Campus Bacanga, Pinheiro e Imperatriz), sendo admitidos mais de 200 alunos por ano. Para oferecer a este contigente uma formação médica adequada, foi necessário desenvolver uma estratégia pedagógica eficaz, uma vez que o produto final da instituição é um médico generalista formado. Logo, alicerçado na ideia de currículo pedagógico voltado para a metodologia do apredizado baseado em problemas e desenvolvimento simultâneo do conhecimento e competência, a criação de um espaço que pudesse viabilizar e sediar esta proposta era mais do que necessária. E, pautando-se nisso, as coordenações do CAMAR aliadas à coordenação do curso se empenharam na luta para a construção do Laboratório de Habilidades Médicas, ou LH (para os íntimos). A promessa data antes mesmo do ano de 2010 (SIC). Havia um interesse do Reitor, Natalino Salgado Filho, para a construção do mesmo. Os materiais foram comprados e a esperança surgiu... No entanto, sabemos que a burocracia neste país é grande e maior ainda é a espera para que os projetos comecem. Durante um período de dois anos e meio, os materiais ficaram parados e talvez continuassem parados se o Centro Acadêmico não estivesse ali, em volta, pressionando e lutando pelo direito a uma estrutura digna que complementa a educação médica.
( MEDUFMA )
Bem, por aí se percebe que a euforia dos alunos. Não é para menos. Mas, e agora? Já há um cronograma definido? Quais as práticas possíveis no LH? Quem serão os técnicos e responsáveis atuando no mesmo? Em conversa com o atual coordenador docente do laboratório de Habilidades Médicas, professor Santiago Servin, o cronograma será definido em reunião com os professores dos departamentos de medicina, a fim de viabilizá-lo de forma maleável. “As aulas no laboratório serão dadas conforme a necessidade de cada disciplina e professor, não seguindo um esquema extremamente rígido” afirmou o coordenador. As práticas a serem realizadas no LH estão ligadas às especialidades de cada disciplina. “São possíveis mais de 100 práticas!”, respondeu o professor Santiago Servin quando questionado a respeito. A novidade está no fato de que será aberta uma prova de monitoria para os estudantes que tiverem interesse em cooperar com as atividades realizadas no LH. Arrisco-me a dizer que será uma das provas de monitoria mais concorridas, afinal, qual estudante não quer uma monitoria em que não precisa se deslocar para fora do prédio de Medicina para poder auxiliar na aula? Apesar dos bons frutos colhidos, muito ainda há para ser feito. Uma ampliação do espaço e melhora da estrutura deve ser feita para atender a todas as necessidades que um complexo como esse exige, para o bem tanto de professores quanto de alunos. Mesmo consciente desses pontos, é impossível negar que foi um grande avanço para a educação médica da UFMA: "Saber que irei interagir ainda mais (risos) com os manequins, me dá mais confiança para o atendimento futuro dos meus pacientes, não só pelas simulações de casos, mas também no diagnóstico. Não tem como comparar, ver, ouvir e sentir, mesmo que num manequim, com apenas imaginar após ler os livros de semiologia", afirma o acadêmico Lucas Akira. Junto com esse avanço, é inevitável um sentimento de esperança de que o ensino tende a melhorar muito mais no nosso curso: "Para mim, a importância maior desta conquista é a certeza de que os profissionais formados depois da minha turma terão a oportunidade de ter uma formação acadêmica ainda melhor que a nossa.", é no que acredita o acadêmico Felipe Brayon. Posso dizer que compartilho do mesmo sentimento.
RE VISTA S IC · MARÇO DE 2 014 · 17
( MEDUF M A )
MEDICINA! UFMA! POR MARTHA PAULA Há muitos meses, a maioria de nós não levantava tão cedo. A última vez em que eu acordara e vira um céu sem sol foi em um dos muitos cochilos à tarde que tive durante minhas prolongadas férias – bons tempos! Expectativas, ansiedade e um pouco de medo reinavam em nossa mente. Acordar antes da aurora nos fez pensar que começávamos uma nova etapa de nossas vidas, mas estávamos errados. E, antes que pudéssemos entender juntos o que de fato significaria aquele dia, nossos excelentíssimos veteranos nos colocaram em posição de igualdade, nos fazendo desprezar qualquer nota ou colocação que nos levara até o curso mais almejado da UFMA – de uma forma bem divertida e que me fez querer morrer junto com minha timidez, diga-se de passagem. Mas, o constrangimento não era exclusividade minha. Até mesmo os mais desinibidos eram intimidados pelo medo do desconhecido. Não parecíamos tão felizes quanto esperava-se que estivéssemos; tínhamos uma alegria contida, um sorriso guardado. Entretanto, no decorrer daquele dia, juntos fomos dissipando a clara tensão que havia no nosso meio; mas não sozinhos. As entrevistas, nossas apresentações alto e bom som, cada música cantada – e dançada – nos fizeram mais que um grupo de calouros, mas uma turma, uma turma de iguais, todos igualmente ignorantes sobre o que nos aguardava. Somente mais tarde, naquele mesmo dia, durante um discurso emocionante sobre o que é a Medicina e quão pequenos e ignorantes somos (e provavelmente sempre seremos) frente a tudo que ela representa, é que entendemos – alguns com lágrimas nos olhos – que aquele era o primeiro dia do resto de nossas vidas. Foi tão maravilhoso, que, mesmo que não estivéssemos ali, mesmo que não fôssemos parte da Medicina, eu ainda derramaria as mesmas lágrimas de emoção, apenas por saber que ainda existem artistas da vida e do amor, para os quais o paciente ainda é o mais importante, e seu bem-estar indispensável. Porém, havia mais para ser dito. Alguém teria que nos beliscar, nos sacudir, nos fazer perceber que agora éramos realmente parte do nosso sonho. Beliscar e sacudir foi, naquele dia, o que um de nossos queridos veteranos fez ao nos perguntar: “QUAL É O CURSO DE VOCÊS?” e “ONDE?” repetidas vezes. Mais fabuloso que ouvir sobre a Medicina, foi nos darmos conta de que agora éramos parte dela! Aquela alegria contida e todos os gritos antes não gritados alçaram voo quando pulamos e respondemos, com toda força: “MEDICINA!” e “UFMA!”.
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O primeiro dia da Semana do Calouro foi impactante por nos fazer enxergar mais que uma profissão, mais que uma carreira; mas um estilo de vida, um complemento ao caráter e à personalidade daqueles que se entregam à arte de cuidar do outro. Nos dias que se seguiram, continuamos juntos, passando pelos bons e maus bocados, nos ônibus ou nas caronas, nas (muitas) dúvidas e nas (tão poucas) certezas. Nada foi despropositado, e cada dia revelava sua importância com o passar das horas. Sem dúvida, um dos momentos mais sublimes da Semana foi a Cerimônia de Recepção dos Pais. Foi uma oportunidade que tivemos para honrar publicamente quem lutou, sonhou e, muitas vezes, chorou conosco. Além disso, descobrimos que a MedUFMA é, também, nossa família; que lutará, sonhará e, muitas vezes, chorará conosco. O CAMAR transmitiu a nós e aos nossos familiares uma confiança semelhante àquela que fazia nossos pais nos deixarem, tão frágeis e pequenos, na escola. Sentimo-nos os recém-nascidos deste lar que nos acolheu. Fomos muito bem cuidados e honrados com palestras de magníficos professores, doutores e acadêmicos. Mas, acredito que a mensagem que ficou e ficará gravada em nossas mentes não esteve tanto nas palestras, mas nos detalhes, nas conversas informais, nas lições que aprendemos. O que está certo e claro em nós é a indispensabilidade da união e do pensamento coletivo, além da necessidade de nos ajudarmos mutuamente em prol da saúde da sociedade. Cumplicidade que se fez presente no trote, nas ruas, no Hospital Universitário. Como contou uma querida colega: “Quando eu passei mal e achei que iria cair, me segurei em um de vocês, e eu sabia que aquele braço não me deixaria cair”. Mais um valor que adquirimos durante a Semana do Calouro: o altruísmo. O desejo de ser, para cada colega, esse braço forte, que sustenta, oferece suporte, que não deixa cair; desejo de olhar para cada um como um membro dessa família; desejo de tornar nossos os objetivos e expectativas dos outros. Já que nosso dever como médicos será, também, ter carinho e respeito pela vida do paciente, que exercitemos primeiramente entre nós a arte de cuidar.
( MEDUF M A )
Semana do Calouro 2013.2
Turma 98 campeã geral do II Intramed Indoor
PÁGINAS FORA DOS LIVROS POR RAYSSA ALVES
Medicina é um curso difícil? SIM! Medicina requer dedicação total do aluno? SIM! Medicina é abdicar dos seus momentos de lazer? Espera... NÃO!
mas eu não sei cantar, nem dançar”. “Eu sou tímido”. Não tem problema. Assista, se divirta, aplauda, cante baixinho ou grite! Não vamos te julgar por isso.
Todos sabemos da dificuldade encontrada para entrar no curso de Medicina e para se manter nele. Não foi nada fácil rever matérias durante semestres naquelas cadeiras de cursinho. Não é nada legal virar noites se esforçando para alcançar a média em anatomia. É muito cansativo procurar um paciente para realizar a anamnese perfeita, aquela cheia de sinais e sintomas. Medicina é sim um curso com a carga horária (e emocional) pesada, mas, nas nossas rotinas atribuladas, encontramos um tempinho para praticar nossos hobbies, para nos reunirmos e desestressar, e, por que não, para pirar e extravasar.
Mas esse não é o único evento descontraído da medicina. O INTRAMED, organizado pela MATRACA, dá oportunidade para os apaixonados pelo esporte demonstrarem seu talento e a união de sua turma. É um momento único e, apesar da competição, consegue aproximar as equipes. O mais importante é que, independente do vencedor, todos comemoram juntos no final.
Um exemplo disso foi o Sarau da MedUFMA. Com o objetivo de reunir as turmas em um momento de descontração, o departamento cultural do CAMAR apresentou a proposta de um sarau. O I SARAU da MedUFMA, realizado no 2º semestre de 2013, contou com apresentações de música, dança e poesia, em um ambiente tão familiar que nos sentimos em casa. “Ah, 20 · M A RÇO D E 201 4 · R E V I STA S I C
Esses dois eventos, juntamente com a Semana do Calouro, desmistificam a ideia de que Medicina se resume a estudos. Não é apenas uma questão de socializar, esses episódios são importantes para nos mantermos saudáveis. Como futuros profissionais de saúde, devemos lembrar que todas as situações estressantes pelas quais passamos podem contribuir para diversas patologias, físicas e psíquicas. Então, sem mais desculpas, vamos aproveitar esses seis anos de curso e tudo que a MedUFMA tem para nos oferecer.
( MEDUFMA )
no mundo. E eu serei para ti única no mundo”. E agora ela é única, insubstituível, perfeita.
OPA! POR YURI SCHACKER Ah, a Semana do Calouro, como a descrever? No começo, os veteranos falam que ela é a melhor semana dos próximos seis anos de curso. Nós, os calouros da época, pensamos: “Tá certo! Estão falando isso apenas para não faltarmos e terem mais gente para zoarem”. Entretanto, depois de o primeiro período ter sido cumprido com êxito, vejo que nenhuma semana (e sejamos sinceros, no primeiro período elas são bem folgadas) chegou perto da SdC! Nenhuma festa, sexta no bambu ou calourada é capaz de trazer a mesma animação de nenhum dia dessa semana. Mas por que a Semana do Calouro é tão boa assim? Talvez seja a euforia de entrar na faculdade. Ou sensação de conhecer as pessoas com as quais conviveremos durante os próximos seis anos. Também podem ser as brincadeiras que, mesmo deixando uns assustados e outros com um gosto ruim na boca, são até divertidas. As palestras também, guias para os iniciantes. A calorosa recepção e as confraternizações com os veteranos! Existem várias outras razões que eu poderia citar, mas todos que participaram da SdC com certeza recordam – e quem não foi quis ficar sabendo como é. Algo muito bom que a SdC traz é a união da turma. Após as apresentações de nossos colegas, as brincadeiras que enfrentamos juntos e o Batizado, eles deixam de ser pessoas estranhas. Após a Semana do Calouro, parecia que eu conhecia aquelas pessoas há anos, e não há poucos dias. Então me lembro de que “tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim”. Foi como me senti em relação à minha turma antes da Semana do Calouro. Na segunda-feira, era apenas um grupo de pessoas estranhas, de várias partes do Brasil e que eu não conhecia muito bem. Na sexta-feira, uma turma... Não uma turma, uma família. Enfim, “se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único
E o que falar sobre nossos excelentíssimos senhores veteranos? Durante a maior parte da Semana, todos querem mandá-los para vários lugares que não citarei para não baixar o linguajar. Entretanto, em certos momentos, notamos que também estão lá é para ajudar. Seja com as palestras, as confraternizações, as conversas e algumas brincadeiras (como esquecer a caça ao tesouro na UFMA?). Todos já passaram por esse momento e sabem o tanto de dúvidas e incertezas que há na cabeça de um inocente calouro. Então, eles passam boa parte de suas preciosas férias elaborando formas interessantes e divertidas para ajudar os mais perdidos e desorientados. Por isso, pense um pouco melhor antes de criar inimizade com algum amado veterano! Certos momentos da SdC ficarão marcados para sempre, como o Batizado, o pedágio e a Cabanagem. O Batizado, para mim, é a melhor parte da Semana. É o momento em que os calouros finalmente se identificam dentro de uma nova turma e família (e não se esqueçam do belíssimo juramento). O pedágio vem logo em seguida. Quem, enquanto estudava para o vestibular, via os “bixos” pedindo dinheiro no sinal e não queria estar lá junto? Pediam para que esse dia chegasse logo. E quando chega, não existe sol, chuva e cansaço que nos faça parar de encher os motoristas até eles nos darem pelo menos alguma moeda. E, no fim da gloriosa semana, temos a Cabanagem. A melhor, maior e mais conhecida festa da medicina. Uma festa que reúne desde os inexperientes calouros até os grandiosos internos. Não há uma alma na medicina que não conheça pelo menos alguma história dessa festa. Não vamos esquecer o Caroé, a melhor e principal brincadeira de toda a SdC, o Opa! e o Na Feira que o digam, são os que mais aproveitam. Após a Semana do Calouro, vemos o quanto ela é inesquecível. Não importa em qual período estejamos, a vontade de passar por ela novamente uma hora ou outra aparece. É por isso que os veteranos se dedicam tanto para que ela se torne inesquecível para os atuais calouros. Então, possível leitor calouro, espero que tenha aproveitado a sua SdC, já que eu tenho saudades eternas da minha. Não tenha rixas com os veteranos que brincaram com você. Foram eles que trabalharam para proporcionar a melhor semana do curso. Trabalhe para passar essa tradição adiante, você também terá calouros para ensinar. E o principal, aproveite o curso que batalhou tanto para conquistar. Estude muito (mesmo que às vezes as notas de anatomia não sejam satisfatórias) e curta! Vá para o Bambu (toda sexta!), para as calouradas e para as festas. Faça que esses seis anos sejam os melhores de sua vida.
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( MEDUF M A )
MANUAL DO VETERANO Como sobreviver à opressão provinda de alguns professores, ou não – Parte 1 POR NAYARA LOBO
Uma coisa interessante quando chegamos à Universidade é o fato de ganharmos de nossos veteranos um manual palpável sobre dicas de livros, sobre as principais matérias do semestre, mapas da universidade, códigos, gírias e professores, enfim, um livreto muito útil que inclui as principais informações para se ter um norte de como agir nas diversas primeiras ocasiões nesse centro do saber. Especificamente sobre algumas pessoas que expõem o saber em nosso meio (professores), gostaria de informar, caros colegas de curso, o quanto me angustia conviver com a falta de maleabilidade de alguns profissionais que, sabe-se lá por que, não se preocupam em ouvir e, algumas vezes, também não nos deixam falar. Quando me propus a escrever sobre esse assunto, confesso que dois sentimentos estavam em minha consciência: indignação e medo. Indignação, pois algumas situações absurdas – que por ética não é correto expor – haviam acontecido (comigo e com outros alunos) e simplesmente não podiam acontecer. Boa parte de nós alunos conhecemos a fama de diversos educadores que pecam no aspecto “educar”, que fazem as relações professor-aluno serem baseadas na heteronomia, obviamente por parte dos alunos e essa era a parte em que minha indignação misturava-se ao medo. Medo de críticas abusivas, de conseguir me fazer entender, contudo, principalmente medo da frustração de tudo ficar como está, ou piorar.
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Pensando desse modo, articulei, com auxílio de colegas do curso de medicina, alguns questionamentos válidos: A tendência realmente é nos acomodarmos sob a tríade opressão-tirania-ignorância provinda dessa parte seleta que não nos deixa articular as ideias? Existe realmente soberania do professor? Se sim, isso deve ser combatido? Existem brechas na educação médica que facilitem a opressão? Há alguma instância preocupada em amparar o estudante agredido? Existe alguma via formal de punição dos opressores? A insuficiente relação professor-aluno nesse aspecto influencia no aprendizado? Como discutir e resolver essas questões? Vou transcrever, sem modificar em nada, o que tinha em mente quando meu editor questionou o tema que iria abordar, e, logo abaixo, a explicação: “é tipo assim: desde o começo do curso somos acostumados a ficar acomodados e até a ficarmos calados quando os professores tomam atitudes que achamos injustas, a maioria não nos deixa expressar nossa insatisfação ou darmos opiniões sobre melhoria das aulas e até da atitude deles quanto a serem professores e isso me deixa um pouco insatisfeita, é sobre isso que quero falar”. E é nisso que queremos que você reflita e que nos escreva; por isso o título ser “Manual do Veterano” e por isso ser a parte 1; queremos que você escolha o caminho estreito de considerar tudo o que já foi dito a você, visto e ouvido para dialogarmos sobre o assunto. Não gostaria de pensar sozinha na parte 2, a contribuição de todos que se sintam afetados é muito importante para que possamos avançar nas discussões sobre o tema e passemos a pensar em maneiras de lidar com o problema.
( MEDUFMA )
EU SOU MATRACA! POR DIRETORES MATRACA
A Associação Atlética Acadêmica de Medicina da UFMA (AAAMUFMA) é uma associação acadêmica que representa cerca de 600 alunos do curso de Medicina da UFMA e tem como finalidade promover cultura, lazer e incentivo à prática de esportes. As Atléticas são associações muito comuns em diversas universidades e cursos em todo o Brasil e que está se tornando mais popular no Norte e Nordeste, sendo a Matraca a primeira Atlética de Medicina oficial do Nordeste. A AAMUFMA não possui fins lucrativos aos seus diretores, sendo esses voluntários da entidade. Esses alunos têm como objetivo promover aos associados as condições para participarem da bateria e dos times da Atlética. Os nossos percusionistas e atletas participam de competições representando a Matraca, trazendo vitórias para a AAMUFMA e aumentando nosso orgulho de sermos todos matraqueiros! Toda atlética que se preze tem uma Bateria (ou Charanga, como alguns preferem chamar). Na nossa não poderia ser diferente! Com os alunos do curso de medicina da Universidade Federal do Maranhão à frente dos instrumentos de percussão, a Matraca leva a sua sonoridade às competições da qual participa, tanto na torcida durante os jogos como nas competições específicas de Charangas. Todos os integrantes ensaiam aos fins de semana para deixar afiada a nossa música, vestem no corpo e na alma o uniforme da bateria a fim de fazer
o melhor nos eventos que participa. A força dos surdos no braço dos homens, a delicadeza dos tamborins nas mãos das meninas, taróis, abongôs e chocalhos fazem a base do nosso som que também abre espaço para as Matracas do Bumba Meu Boi do Maranhão, o berimbau da capoeira, e outros instrumentos que vão se agregando de acordo com a necessidade de novas sonoridades. Como a música é uma maneira belíssima de se materializar um sentimento, seguimos cantando e encantando com a nossa bateria, unindo os alunos da MedUFMA numa emoção só: a de carregar no peito o nome Matraca. O Intermed Norte é o evento em que os matraqueiros têm mais uma oportunidade de mostrar a sua força e paixão. Esse campeonato teve sua primeira edição no ano de 2013, e a AAMUFMA foi a segunda maior comissão participando dos jogos e festas! O Intermed Norte contou com mais de 1.000 alunos da região, sendo o maior evento esportivo entre os estudantes de medicina daqui. Os jogos aconteceram na cidade de Palmas (TO) e a sua edição deste ano já tem local marcado: Porto Nacional (TO). Este ano, o Intermed acontecerá do dia 15 a 18 de maio e a Matraca já está tendo sua delegação formada. Não dá pra perder! Tem que ir, torcer, gritar, pular e comemorar muito, porque a vitória já é nossa; e ninguém tem dúvida disso!
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ENTREVISTA
ENTREVISTA
( MEDUF M A )
O PAPEL DAS LIGAS ACADÊMICAS NA FORMAÇÃO MÉDICA A médica residente em Cirurgia Geral, Amanda Jordão, fala sobre o a importância das Ligas e como decidiu ser cirurgiã. POR RAUL TEOFILO & ANA PAULA OLIVEIRA
Doutora Amanda Jordão Silva de Deus, 26, tem muitas razões para comemorar, pois recentemente foi aprovada no último concurso para residência em Cirurgia Geral do Hospital Universitário Presidente Dutra. A pernambucana, natural de Recife, formou-se na 87ª turma de Medicina da UFMA. Segundo a médica, que é ex-integrante da LAGECAD (Liga Acadêmica de Gastroenterologia e Cirurgia do Aparelho Digestivo), a participação dos acadêmicos em ligas é muito importante para a formação e escolha da especialidade, já que abre os horizontes para novas ideias, além de possibilitar a execução de atividades práticas e teóricas extras, complementando o que se estuda na faculdade. “É fato que as universidades federais têm certos limites e deficiências, como qualquer instituição pública, tornando essencial aos alunos cobrir as lacunas existentes. As ligas acadêmicas são uma ótima opção nesse sentido” diz Amanda. Seu interesse pela cirurgia vem desde o princípio da faculdade. Em suas palavras: “sede de querer explorar o corpo humano”. Porém, a certeza só veio no 9º período, quando em acompanhamento ambulatorial de uma determinada especialidade clínica, percebeu que não era aquilo que desejava fazer pelo resto da vida. Não se imaginava passando o dia em um consultório examinando pacientes, prescrevendo ou realizando mudanças na medicação ou nas doses. Ela queria algo mais. Queria intervir. Resolver o problema de imediato. Entrar com o paciente acometido de uma patologia no centro cirúrgico e sair sem aquele problema. Foi naquele momento que
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despertou e decidiu pela cirurgia. Para Amanda, a LAGECAD foi essencial, pois abriu portas para estágios no Socorrão e no Hospital São Domingos, propiciando experiências que a ajudaram intelectualmente e na prática, pela oportunidade de vivenciar e explorar campos da medicina não alcançados pelo estágio obrigatório do curso nem nas aulas teóricas. Além disso, a Liga possibilitou escrever trabalhos importantes e de cunho científico nacional. Alguns, inclusive, homenageados em congressos.
“
SOU MUITO GRATA À LAGECAD POR TUDO QUE ME PROPORCIONOU.
”
Ela conta que não foi fácil conciliar as atividades, “mas quando se faz aquilo de que gosta a carga fica mais leve”, diz. E complementa: “É certo que há dias em que sua rotina é tão atribulada, que fica difícil cumprir prazos, executar tarefas e estudar para as provas; nesse momento, organização e planejamento são essenciais.”
( CIÊNC I A M ÉD I C A )
ENTRE O PSÍQUICO E O SOMÁTICO POR JOANA ATHAYDE
Mente e corpo. Em nosso mundo ocidental, coroado pela tradição cartesiana, esses dois conceitos tornam-se dois polos distintos, dois campos separados. De um lado, a coisa material, o biológico, as células, os tecidos, os sistemas. De outro, a mente: uma abstração sobre a própria abstração, alguma coisa que tenha a ver com o pensamento e, tantas vezes, definida com um ar místico, quando não religioso, espiritual. Há alguma coisa de errado nisso? Claro que não: é apenas mais uma maneira de elaborar isso que nomeamos de mundo, de realidade. No entanto, a tentativa dessa separação entre o que seja psíquico e o que seja biológico nos leva a um embaraço quando nos propomos a pensar determinadas questões, especialmente no campo do que chamamos de saúde – ou de doença. Para introduzir essas questões, trago um exemplo banal, despretensioso, mas que cumpre sua função preliminar. Vejamos: lembram-se daquele dia em que acordamos de manhã cedo sem a mínima vontade de ir ao colégio? Logo, então, dizíamos repetidamente, a nossas mães, que estávamos morrendo de dor de cabeça – pobres de nós! Mas, o que sucedia, algumas vezes? Nada de curtir o dia de folga: bem na hora do desenho animado, não é que surgia a tal da dor de cabeça?! A questão que se nos impõe vai um pouco além... Um sintoma foi falado: foi criado. Então, pensemos: o que é um sintoma? Apressamo-nos a responder, distinguindo-o do sinal: o sintoma, como a Semiologia diz em seu cartão de visitas, é o que o paciente relata – uma dor, por exemplo, uma sensação, um mal-estar. Alguém com uma história fala, cria frases sobre o seu corpo. Quem relata? Mas o que é relatar? O que é uma dor? O que é o corpo? O fato é que, em um momento mais mítico do que momentâneo, aquele bicho hominídeo do qual viemos todos, sapiens sapiens, começou a falar. E o que significa isso? Pensemos que seja, no mínimo, a abertura de um abismo entre
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nós e as coisas. Desde então, não há corpos naturais funcionando por aí. O que há são corpos nomeados, são homens altos, baixinhos, magros, cheinhos; há olhos tortos, cabelos feios, bocas abertas; há pernas curtas, corações que amam, cabeças doidas, estômagos que sentem. E mais: há conceitos cruciais para nós, como células, tecidos, órgãos, sistemas! A própria palavra sistema nos diz de nossa visão do corpo; só o concebemos em pedaços, partes, que formam um conjunto de sentenças, de conceitos: o sistema. Mas como seria um corpo inteiro? Supô-lo inteiro, banhá-lo com a palavra "inteiro", já escancara que só consigo vê-lo em partes: "o meu dedo"; "minhas costas"; "meu membro superior direito". Nós vivemos em um mundo nomeado, em um mundo de palavras, como nos diz a Psicanálise. E encontramo-nos em certo desconcerto quando paramos para pensar um pouco nessas questões. Afinal, qual é minha relação com meu corpo? Aliás, eu sou ou não sou o meu corpo? Se sim, ou se não, onde estou? Eu? Pense por um segundo: onde você – que tem nome e sobrenome –, onde você está no seu corpo? Você está dentro do seu corpo? Mas dentro, onde? Digo, você! Onde? Na "cabeça"? "Dentro" da cabeça? Você, que sente dor, que reclama de um sintoma, onde estão você e o sintoma? Proponho essas reflexões para que possamos nos sensibilizar - especialmente nós, estudantes de Medicina diante de nossa noção sobre o adoecer. Poderia ser ele puramente psíquico ou puramente biológico? Será que eu, enquanto médico, um dia poderei dizer que trato de uma doença, uma perturbação no funcionamento corporal apenas? Sigmund Freud, o pai da Psicanálise, trouxe-nos uma noção muito interessante para começarmos a pensar essas questões. Ele disse, em linhas gerais, que, para o homem, não era possível falar de um instinto natural, falar que o homem fosse o corpo biológico por si só – afinal, ele já tem um nome: é homem. No mundo onde uma palavra nunca é o bastante, onde
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uma palavra pode ter mais de um sentido, a dor ganhou um nome: "dor". A partir daí, a dor de cada um, o corpo de cada um, a diferença qualitativa entre as sensações dos sujeitos, isso foi a regra. Mergulhou-se na possibilidade da dor num membro fantasma, bem como na incidência dos quadros assintomáticos, ou, no seu revés, dos quadros histéricos, onde nunca se encontrava o tesouro cartesiano: a causa física. Esses foram elementos de construção do longo trabalho psicanalítico de Freud. A constatação é, portanto, a de um corpo desnaturalizado em todos os seus sentidos - a exemplo das alucinações visuais, auditivas, além de outras distorções histéricas, quando não, psicóticas, do campo da realidade psíquica. Freud então trabalha as questões que o embaraçavam na sua prática diária; ele cria, dessa forma, conceitos que lhe permitiram avançar na busca pela etiologia da histeria; e um desses conceitos foi o de "pulsão".
peito quando da morte de um ente querido ou num quadro clínico de angústia, apenas nomeada de Síndrome do Pânico, onde não há a causa física. Eis-nos infiltrados no estruturante campo das palavras. Sendo assim, estamos no "entre", no limbo avassalador que as palavras criaram para nós; e é nesse "entre" que vivemos, que adoecemos, que nos curamos e que morremos. Depois, aí, então temos o corpo – na terra. Ainda assim, é preciso que alguém faça a operação simbólica "corpo na terra". Para sempre, permanecemos entre – o psíquico e o somático.
Em linhas gerais, a pulsão está sempre entre, nunca em um dos polos – sempre entre o somático e o psíquico. A pulsão é o que possibilita que a dor seja articulável em palavras, que tenha nome, que seja chamada de "dor". A pulsão une o corpo desnaturalizado pelas palavras à sua própria expressão, articulação em sentenças. Ela faz com que seja possível que a mesma avaria cause dores distintas. A pulsão é o que liga as palavras e faz dessa junção o sentimento de aperto e dor real no
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( CIÊNC I A M ÉD I C A )
MEDICINA
NUTRICIONAL Uma realidade escondida. POR RENAN GOTTARDI
Em 1994, o célebre cientista Linus Pauling, duas vezes premiado com o prêmio Nobel e grande defensor da terapia de vitaminas, morreu vítima de um câncer que, segundo ele, foi retardado em 20 anos graças às doses extras de vitamina C que tomava diariamente. Além de toda contribuição que deixou para a ciência, Linus Pauling antes de morrer deixou ao mundo uma importante previsão que deverá permear a profissão médica num futuro bem próximo: “A ótima nutrição é a medicina do amanhã”. Na Grécia Antiga, cerca de 400 anos a.c., Hipócrates, o pai da medicina moderna, já dizia que o corpo humano possui uma capacidade inata de se curar e que o nosso dever é fazer do alimento o nosso remédio e do remédio nosso alimento. Segundo o filósofo grego, da mesma forma que a causa de uma doença é natural – e não provocada por punições divinas – a cura do corpo também está presente na natureza, pois somos parte integral deste universo. Atualmente, diante da crescente preocupação social com os males que colocam em risco a nossa saúde, um número cada vez maior de médicos e pacientes têm recorrido às práticas medicinais alternativas para prevenir e tratar doenças ou complementar os tratamentos da medicina convencional. Dentre essas práticas tão pouco conhecidas pela sociedade, a terapia nutricional resgata o conceito filosófico da relação saúde-doença proposto por Hipócrates, e tem apresentado excelentes resultados na cura de doenças há pelo menos oito décadas. Mas, contraditoriamente, permanece até os dias de hoje como uma realidade escondida por “forças superiores” que
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não aceitam a propagação de métodos naturais e baratos para substituir ou complementar as formas de tratamento vigentes, compostas por medicamentos imperfeitos e que sempre vêm acompanhadas dos temidos efeitos colaterais. A medicina nutricional atualiza os dizeres de Hipócrates ao afirmar que o organismo possui mecanismos próprios para se defender de qualquer mal que possa acometê-lo. E que para alcançar isso é preciso fornecer a matéria prima – alimentos vivos e orgânicos – para que o corpo possa se consertar e retomar o seu equilíbrio. Entretanto, com o estilo de vida ocidental marcado pela correria do cotidiano e por alimentos industrializados com pouco valor nutricional e carregados de químicos, a sociedade tem sido vitimada pelos cânceres, diabetes, doenças cardiovasculares e outras doenças predominantemente marcadas por um estilo de vida inadequado. Pesquisas mostram que os hábitos de vida são os principais responsáveis pela suscetibilidade ao câncer e que o fator genético contribui com, no máximo, 15% para a mortalidade da doença. Nos EUA, em um estudo com câncer de próstata realizado pelo Dr. Dean Ornish, um dos grandes nomes da medicina complementar, noventa e três pacientes que recusaram a cirurgia passaram por um acompanhamento da evolução de seus tumores, ainda em estágio inicial. Eles foram divididos em dois grupos para que fossem analisados os efeitos de um programa completo de saúde físico e mental. Após um ano, os componentes do grupo que seguiu o programa composto por uma dieta vegetariana suplementada com
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antioxidantes, vitaminas E, vitamina C, selênio, e um grama de ômega-3 por dia, além de exercícios físicos diários e práticas de controle emocional, sofreram regressão nos tumores e nenhum deles precisou recorrer à ablação da próstata, quimioterapia ou radioterapia. Já o grupo que não mudou seu estilo de vida, viu os seus tumores aumentarem. Outro estudo, liderado pelo Dr. Parviz Ghadirian, na Universidade de Montreal, foi feito com mulheres portadoras dos genes BRCA-1 e BRCA-2, que correm o risco de 80% de desenvolver câncer de mama ao longo da vida. Nele, os pesquisadores chegaram à conclusão que mulheres que comiam até 27 frutas, verduras e legumes variados por semana tinham um risco diminuído em 73% para o desenvolvimento da doença. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, no Brasil o câncer é a terceira causa de morte e a segunda por doenças e, a cada ano, nove milhões de pessoas são acometidas por esse mal. Na quimioterapia, que é o método mais utilizado no tratamento do câncer, são administradas aproximadamente trezentas drogas que atuam na inibição do crescimento das células defeituosas. Porém, por não serem seletivas, as células saudáveis também são intoxicadas. Na busca por formas mais eficientes de tratamento e que sejam menos sofridas para o paciente, estudos têm revelado que o estado nutricional é de grande importância no bom curso do tratamento oncológico. Alguns nutrientes antioxidantes, como as vitaminas A, C e E auxiliam como quimioterápicos sem causar danos para as células saudáveis. A interação entre antineoplásicos e antioxidantes potencializa a ação das drogas e minimiza os
efeitos colaterais, resultando em melhoria de qualidade de vida para o indivíduo. Muito antes, na década de 20, um judeu alemão chamado Dr. Max Gerson apostou todas as suas fichas na medicina nutricional e radicalizou ao elaborar uma terapia alimentar altamente eficiente capaz de curar doenças crônicas, degenerativas e até as conhecidas como incuráveis, por meio do fortalecimento dos nossos mecanismos de defesa naturais. Com mais de 80 anos de resultados surpreendentes na cura do câncer, a terapia de Gerson é baseada em nutrição – basicamente composta por vegetais frescos e orgânicos - e desintoxicação do corpo. Nela, os pacientes que se submetem ao método bebem um copo de 230 ml de suco de legumes e frutas, treze vezes ao dia, fornecendo uma enorme quantidade de nutrientes que entra na corrente sanguínea quase tão rápido quanto o álcool. Além disso, para complementar os sucos, eles adotam uma dieta composta por alimentos orgânicos e frescos. Na segunda parte da terapia, é preciso eliminar as toxinas que ficam acumuladas no nosso corpo. Para isso, Dr. Max Gerson descobriu que uma solução de café orgânico introduzida pelo reto estimula a liberação, por meio de dutos biliares, de radicais livres e venenos patogênicos – desalojados pelas enzimas presentes nos sucos nutritivos e que foram absorvidos pelo fígado posteriormente – diretamente no cólon para serem eliminados pelo reto. Na sequência, após a combinação das duas etapas, o organismo está com seu sistema imunológico pronto para combater o câncer e outras doenças. É espetacular como a maioria dos pacientes com cânceres inoperáveis e sem esperança de cura tem alta em até quatro semanas, podendo continuar o tratamento em casa ou até mesmo sair do hospital sem os seus tumores. Mas não é apenas com o câncer que as terapias nutricionais apresentam grandes resultados. Segundo o Dr. Gabriel Cousens, a diabetes – tida como uma doença incurável pela medicina convencional – é sim uma doença curável. Ele provou isso ao reunir seis diabéticos de diferentes estados norte-americanos, no estado do Arizona, para um programa de reversão da diabetes em trinta dias. Ao longo do programa os participantes deveriam interromper o uso de seus medicamentos, inclusive a insulina, e confiar em uma dieta restrita e rigorosa composta por alimentos orgânicos e crus. Nada de açúcar, cafeína, grãos cozidos, pão, carne ou qualquer derivado animal. Nos primeiros três dias do programa, os resultados já começaram a aparecer. Com o inicio da interrupção dos medicamentos, sem insulina e com uma dieta restrita e isenta de açúcar, os níveis de glicose começaram a
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cair. Alguns pacientes faziam uso de mais de 17 medicamentos e, após o décimo segundo dia do programa, já tinham abandonado todos eles. No final dos trinta dias, o resultado foi positivo para todos os participantes, exceto um, que abandonou o desafio no meio do projeto. Assim, os cincos que persistiram até o fim, sem fazer uso de nenhuma medicação, perderam peso, controlaram a pressão arterial, diminuíram o colesterol e alcançaram o grande objetivo: reverter a diabetes e sem o uso de químicos, apenas mudando a alimentação e os seus estilos de vida. A explicação para a necessidade do estado cru dos alimentos é que nessas condições o valor nutricional é mais bem aproveitado. Segundo o Instituto Max Planck, ao cozinharmos os alimentos perdemos cerca de 50% das proteínas, 70% a 80% das vitaminas e minerais, e praticamente 100% dos fitonutrientes. Perdemos ainda as enzimas que ajudam na digestão e no uso dos nutrientes. Além disso, estudos indicam que alimentos cozidos sofrem alteração na sua estrutura molecular o que leva o organismo a enxergá-lo como toxinas, provocando uma leucocitose digestiva, que é a ativação do sistema imunológico contra o alimento não reconhecido. Nessa resposta imune, o numero de glóbulos brancos chega a ser elevado ao nível de uma apendicite aguda. Em 1930, quando o médico suíço, Dr. Paul Kouchakoff, descobriu a reação do organismo frente aos alimentos cozidos, ele sugeriu que cada uma de nossas refeições fosse composta de, no mínimo, 51% de alimentos crus. Dessa forma, livraríamos o sistema imunológico de realizar uma leucocitose digestiva por causa de um alarme falso e manteríamos o organismo forte para as reais necessidades de defesa. Num outro campo da medicina, o neurologista Dr. Cícero Galli Coimbra tem fortalecido a ideia de que os nutrientes são a chave da cura para prevenir e combater qualquer doença, inclusive as autoimunes. Em São Paulo, ele adotou um tratamento feito com altas doses de vitamina D para tratar seus pacientes com esclerose múltipla, uma doença degenerativa que afeta a bainha de mielina fazendo com que o indivíduo perca o controle dos comandos do cérebro. O sucesso do método inspirou um dos seus pacientes a criar um pequeno documentário (“Vitamina D – Por uma outra terapia” , disponível no YouTube) com depoimentos de outras pessoas que passam pelo mesmo tratamento com o intuito de divulgar a terapia. De forma entusiasmada, eles relatam como as suas vidas melhoraram depois que deixaram de usar a medicação convencional – injeções de interferons que reduzem os surtos da doença em até 30% – e passaram a tomar altas doses do nutriente. Fim das dores, regressão das lesões, retorno da capacidade de realizar atividades básicas do cotidiano e outros tipos de sequelas são alguns dos benefícios apontados pelos pacientes. 3 2 · MA RÇO D E 2014 · R E V I STA S I C
Segundo o Dr. Cícero Galli, foi constatado que a quantidade basal de vitamina D praticada por dia não retira quase nenhum indivíduo do estado de deficiência. Então, eles elevaram a dose para o limite máximo da faixa de normalidade do nutriente circulante no organismo, acertada individualmente para cada paciente, e a partir daí, os indivíduos se viram completamente livres das manifestações das doenças autoimunitárias. Apesar de todos os excelentes resultados apresentados pelas terapias nutricionais, a aceitação e propagação desses métodos ainda é um fator complicado. Sustentadas por uma sociedade doente, que aceita a doutrina de que “para cada doença, uma pílula”, as farmacêuticas – que lucram meio trilhão de dólares por ano ao redor do mundo – conduzem ao uso de medicamentos de forma crônica para prolongar o seu tempo de lucro sobre cada indivíduo. Curar de forma rápida e definitiva não está nos planos dessas corporações, que precisam vender cada vez mais medicamentos para satisfazer seus acionistas e, por esse motivo, não aceitam que formas eficientes, baratas e naturais sejam expostas para a sociedade como uma alternativa frente aos tratamentos convencionais. Outro fator preocupante é a negligência das escolas médicas no ensino nutricional, o que leva à formação de médicos com pouco ou nenhum conhecimento em dietas de pacientes e em nutrientes que possam prevenir e curar doenças. De acordo com estudos, 50% dos pacientes internados em hospitais estão desnutridos, o que acarreta em maior tempo de internação e aumento dos custos do tratamento. A medicina nutricional e seus bons resultados são uma realidade há muito tempo, mas ainda permanecem desconhecidas tanto da classe médica quanto da sociedade num todo. Precisamos olhar para a relação saúde-doença de uma nova forma, apostando na nutrição e num estilo de vida adequado como estratégia para promoção de saúde. Para alcançar isto, é fundamental que o profissional médico do século XXI esteja bem informado sobre as práticas medicinais complementares (ou alternativas) aos tratamentos convencionais, que já existem ou que ainda são promessas para o futuro.
( MEDI C I N A E M PAU TA )
E AÍ, DOUTOR? O QUE VOCÊ VAI SER? POR ERIC COSTA
Não importa o momento do curso no qual estejamos: invariavelmente, seremos questionados sobre a especialidade médica seguiremos ao fim do curso. Do primeiro ao décimo segundo período, a pergunta pode soar em nossas cabeças de formas diversas: pode ter uma resposta muito simples, decidida e direta ou, em muitos casos, ressoar e ecoar como aquela velha pergunta de extrema importância para seu futuro, mas que para a qual você já pensou, repensou, leu, releu e jamais alcançou a tão desejada e esperada (ora mais por outras pessoas do que por si mesmo) resposta. Estar cursando Medicina representa, além de importante elemento da identidade individual, o fruto de uma escolha realizada no passado, seja ela dada na já distante infância ou na iminência da inscrição no vestibular. Por vezes, o autoconhecimento da afinidade com a área médica foi processo fácil, mas, para tantos, alcançá-lo e reconhecê-lo representou uma decisão complexa, oriunda de muito pensamento. Assim, na tônica de obstáculos e dificuldades que os doze períodos necessários à nossa formação nos trazem (ainda mais em tempos de governos que metem os pés pelas mãos sequencialmente...), a escolha da especialidade médica tramita com variável dificuldade entre nós. Tal qual em outras características, somos heterogêneos neste ponto mais uma vez: há aqueles que já adentram os primeiros períodos com uma ideia formada e consolidada; outros, entretanto, vêm a decidir sua especialidade no último período, com ainda boa dose de insegurança em alguns casos. O que conduz cada um a suas escolhas e ao ritmo de realizá-las é uma pergunta frequente não apenas porque a dúvida é comum entre os acadêmicos, mas por, mundialmente, hoje, observarem-se novas tendências de aumento de interesse por algumas áreas e declínio por outras. Se muito daquilo que estudamos na Medicina é multifatorial, não seríamos nós, neste processo de decisão, apenas mais do mesmo? Nesta perspectiva de raciocínio, muitos estudos já foram desenvolvidos tendo os estudantes de escolas médicas como população. Em âmbito 3 4 · M A RÇO D E 201 4 · R E V I STA S I C
nacional, a Universidade de São Paulo, em 2012, desenvolveu um interessante trabalho a respeito. Por meio de questionário enviado via internet, acadêmicos de Medicina de diversas escolas médicas nacionais do primeiro ao sexto ano do curso foram indagados acerca de alguns grupos de critérios sobre a escolha de sua especialidade. As respostas dos estudantes, cuja média de idade foi de 22 anos, apontaram que 19% dos respondentes tinham certeza da especialidade desde que entraram na universidade e apenas 22% afirmaram ter, no momento da pesquisa, certeza acerca daquilo que seguiriam após o término do curso. Toda certeza, entretanto, tem uma parcela de relatividade, por mínima que seja. Muito provavelmente, nem todos que responderam estarem certos de suas especialidades trilharão pelo caminho até então planejado: quando indagados a respeito de mudanças, surpreendentes 49,7% afirmaram ter descartado uma especialidade seriamente considerada anteriormente. Dentre os motivos para tais mudanças, relevantemente os mais apontados foram a descoberta de não ter afinidade com a especialidade cogitada e o conhecimento que área específica de interesse poderia proporcionar uma insatisfatória qualidade de vida. Este aspecto, por sinal, talvez seja hoje o que mais emerge dentro dos fatores que norteiam a escolha da especialidade médica. No referido trabalho, após “afinidade com a especialidade”, característica altamente subjetiva e agregadora de diversos fatores influentes intrínsecos e extrínsecos ao indivíduo, o critério mais apontado como muito importante na escolha é o estilo e qualidade de vida que a especialidade pode proporcionar. O chamado “estilo de vida controlável”, conceito proposto em 1989, no Canadá, diz respeito a uma forma de trabalho na qual, a se destacar em algumas especialidades, o profissional teria maior capacidade de controlar o número de horas dedicadas à prática médica, emergindo, neste contexto, as áreas de radiologia, oftalmologia, anestesiologia, otorrinolaringologia, psiquiatria, patologia e
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dermatologia. Assim, a perspectiva da obtenção de um bom estilo de vida sobrepôs-se, no estudo da Universidade de São Paulo, aos chamados “motivadores tradicionais”, como remuneração, prestígio e duração de treinamento para especialização. Assim como em inúmeros processos fisiopatológicos por nós estudados, predisposições interagem com fatores ambientais na, em geral, longa e sinuosa estrada do processo de escolha. Existem, em nossa realidade, pessoas cuja identificação com áreas do conhecimento estudo algum poderia elucidar. Em contrapartida, ao pensar que somos poços de inúmeras características interagindo com “n” elementos externos, vemos como nossas escolhas podem ser imprevisíveis, voláteis e mercuriais. Propor-se a detalhar os numerosos aspectos influentes é trabalho hercúleo! Então, caro leitor, atenhamo-nos a três fatores. Dois intrínsecos e “um” extrínseco, tudo bem? A idade, por exemplo, lhe pareceria relevante para a escolha de sua especialidade? A mim, antes das leituras prévias para a confecção deste texto, não. Não é, porém, o que diz o estudo mencionado anteriormente. A idade dos estudantes foi fator preponderante para os níveis de aceitação e rejeição de algumas especialidades. A essencial especialidade em medicina na família, por exemplo, teve, por este e outros estudos, alto grau de rejeição constatado entre estudantes mais jovens, sendo uma escolha mais comum entre estudantes mais velhos. O gênero, entretanto, parece ter uma relação mais clara com a escolha em questão. Dentre as especialidades cirúrgicas, constata-se um predomínio masculino bastante evidente, o que contrasta com um predomínio feminino na preferência pela clínica geral. Além disso, um estudo menos recente, empreendido em 2003, elucidou que as mulheres deixam suas escolhas serem influenciadas por uma maior preocupação com carga horária de trabalho, de forma a terem estatisticamente menos certeza da carreira a seguirem, tendendo a decidir, inclusive, mais tarde que os homens. A rejeição pela opção inicial, dentre as mulheres, também é maior e possivelmente mais relacionada a questões ligadas à qualidade de vida. No que tange aos aspectos extrínsecos, atentemos para “um”: o corpo docente. E as aspas não são figurativas. O corpo docente, por tão grande influência que pode exercer, não cabe como um único fator. As características do corpo docente com o qual um estudante tem contato desde o ciclo básico até os tutores no internato, obviamente passando através dos orientadores de atividades extracurriculares de pesquisa e extensão, são capazes de moldar, nortear e seguramente proporcionar possíveis mudanças naquilo que aparentemente já estava decidido e escolhido. Um corpo docente cujo enfoque, dinamicidade e metodologia possam conduzir o aluno de forma a, por exemplo,
tornar clínicas tradicionalmente “pesadas”, como nefrologia, anestesiologia, etc., em áreas atrativas e fascinantes, pode fazer surgir caminhos novos nas tomadas de decisão. Na perspectiva não apenas metodológica, mas de qualidade profissional e sua influência, alguns estudos norte-americanos a respeito da escolha em questão demonstraram crescer cada vez mais o relato da importância dos chamados “role models”, equivalentes aos médicos e professores “modelo” que cada um tem como, por vezes, espelho de profissional cuja excelência um dia deseja alcançar. No estudo da Universidade de São Paulo, a influência deste tipo de profissional na escolha da especialidade foi apontada como muito importante ou importante por mais da metade dos respondentes ao questionário. Estudos tais quais os citados trarão tendências como seus resultados e não regras gerais. Cada indivíduo é particular na sua própria vivência. Nós, como abrigo de várias variáveis (com todas as redundâncias possíveis, afinal somos redundantes das próprias), apenas podemos ter como certeza primordial que somos multifatorialmente influenciados em qualquer processo de escolha. Pensar na especialidade a ser seguida é sim uma necessidade e algo que, para os indecisos, como este que escreve, solenemente martelará na cabeça por muito tempo. Entretanto, acima dessa necessidade existem preocupações de maior relevância, as quais não devem ser sobrepujadas por algo que, no fim, é detalhe diante de uma formação médica tão ampla como devemos ter. Até mesmo aqueles que entram no curso com certeza ou boa noção do que seguirão não devem fechar os olhos para as demais áreas com as quais se tem contato durante o curso. Temos, sim, a necessidade intrínseca à nossa profissão de conhecer o máximo possível e principalmente sobre as áreas com as quais não temos afinidade. Acima de especialistas, somos médicos na acepção máxima do termo e seremos indagados sempre a respeito dos mais variados temas. Mais pressa apenas por ampliar o conhecimento sempre que possível; menos ânsia, entretanto, por fazer escolhas que uma formação paciente e dedicada por si só podem nos trazer! Tal qual certa vez nos disse e nos diria de novo o filósofo Nietzsche por meio de seu profeta Zaratustra, demoremos o tempo que for necessário para escolhermos (mais uma vez!) aquilo que queremos ser na vida. Quando o fizermos, entretanto, sigamos com perseverança decidida e não recuemos ante nenhum pretexto, pois o mundo tentará nos dissuadir. De um indeciso a tantos outros.
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( MEDI C I N A E M PAU TA )
OS PRIVILÉGIOS DE UM NÃO-TRABALHADOR Chegamos a um momento crítico quando autodeclaramos não precisar de direitos trabalhistas. POR VINÍCIUS PEREIRA DE MESQUITA Lendo o editorial da revista Carisma, volume II, número 3, de 1981, deparo-me com uma questão que deveria ser mais controversa que o de costume em nosso meio estudantil e profissional. Não costumamos nos questionar muito acerca do próprio estilo de vida que o curso de medicina e, posteriormente, a profissão médica nos leva a tomar. Uma grande porção de negligência, uma pitada de falta de modéstia e prepotência a heroísmo, numa fôrma besuntada de ignorância... ah, hipocrisia à vontade. Esses são os ingredientes para essa receita autodestrutiva. No editorial, o médico Irany Novah Moraes, que também acumula os cargos de Diretor Responsável e membro da Comissão Editorial, além de assinar uma segunda matéria nesse mesmo número, alude os que o leem aos primores do exercício profissional, um estilo de vida “peculiar”. Não quero aqui duvidar da boa vontade do caro médico ao escrever o citado editorial, mas tão somente alertar os formandos de agora, em especial aos alunos da Medicina UFMA que me acompanham na revista SIC, sobre o canto da sereia maldita que volta e meia cantarolam aos ouvidos nossos pais, professores e colegas. Em uma escrita carregada de elogios ao estilo de vida com que o médico se submete, as “peculiaridades” não se restringem à fuga da rotina que as demais profissões têm, à quebra de horários para “hábitos” comuns como as refeições, à falta de horário para descanso, lazer e família. Chega ao cúmulo de, com naturalidade, alterar o “conceito tradicional” do dia e da noite como período de trabalho e descanso para, não raramente, o médico “passar a noite trabalhando e no dia seguinte trabalhar normalmente como se a noite tivesse sido repousante” e ver nisso uma “vantagem”. Um acerto – devo pontuar – é feito quando o autor diz que “é preciso ter algo diferente dentro de si”
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para se submeter a essa rotina cheia de “privilégios”, mas eu acrescentaria: além de ser necessário ter algo de diferente dentro de si, tem de ter “algo” a mais dentro do bolso e a menos na sanidade mental e menos ainda no intelecto. É claro, esqueça todas suas recomendações feitas aos seus pacientes, o célebre “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”. Não pretendo esgotar o assunto em um único texto, mas fica desde já a vontade de reparar, ao menos um mínimo, anos e anos de maus hábitos e ignorância da categoria médica acerca de sua condição sui generis e, ainda assim, comum a tantos outros trabalhadores. A tomada de consciência da categoria médica enquanto categoria trabalhista faz-se necessária, desde sempre, e, agora, urgente frente às últimas mudanças no panorama da profissão com a implementação de uma série de medidas propostas no programa “Mais Médicos” do Governo Federal na figura da presidenta Dilma Rousseff. Antes que eu me esqueça, “Doutor, cuide também de sua saúde. Pratique esporte!”, uma triste ironia que eu não poderia deixar passar, também na forma de matéria e, também, deste número.
ACESSE O EDITORIAL DA REVISTA CARISMA: HTTP://GOO.GL/TZ1MB4
( ENTR ET E N I M E N TO )
RECEITUÁRIO
literário POR ERIC COSTA
Uma seção destinada aos amantes da leitura. Seja a leitura de “uso interno” ou “uso externo” à Medicina, indicar bons livros é sempre a melhor via de administração de uma grande dose de cultura!
uso interno Em Muito além do nosso eu (Editora Companhia das Letras, 2012. 535 páginas), o premiado neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis apresenta em linguagem clara e acessível uma nova proposta de funcionamento do sistema nervoso central, que diverge das clássicas divisões neuroanatômicas. Na obra, demonstra-se por diversos resultados como a nova concepção pode sustentar um cenário digno de ficção científica, mas já possivelmente próximo, no qual o pensamento humano poderia comandar a atividade de dispositivos como braços e vestes robóticas.
uso externo Um excelente romance para se ler e, de fato, escapar da rotina é Sherlock Holmes: o cão dos Baskerville (Editora Zahar. 263 páginas). Nesta obra, Arthur Conan Doyle, que além de grande escritor era médico, atinge o seu estado da arte em um romance policial com teores equilibrados de horror, suspense, lendas locais da Inglaterra no século XIX inseridos numa atmosfera de ameaça constante. Watson, eterno assistente de Holmes, brilha como narrador e investigador. Mesmo para quem nunca se aventurou na leitura do detetive mais incrível da literatura, o “Cão dos Baskerville” é um primeiro passo e tanto. A edição lançada pela Editora Zahar no Brasil facilita nosso deleite da obra, já que a traz de forma comentada e ilustrada.
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( E NT RE TENIMENTO )
tirinhas & quadrinhos
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