Revista tec ed06

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A problemáticadofornecimentodeenergia elétrica àscomunidadesisoladas da Amazônia Entrevistacom SérgioBajay,professor e pesquisadordaUnicamp Biomassaéfontealternativadeenergia promissoranaAmazônia Reportagem Impactossócio-econômicos daentrada do gásnaturalnamatrizenergética do Amazonas Artigo deRonaldoP.Mannarino Atendimentoenergéticoapequenas comunidades isoladas:barreiras e possibilidades Artigo deJosédeCastroCorreia


SUMÁRIO

EDITORIAL Apesar das condições ambientais extremamente favoráveis à geração de energia elétrica, estimativas do governo federal e de organizações da sociedade civil apontam que há cerca de 20 milhões de pessoas vivendo no Brasil sem os benefícios proporcionados pela eletricidade, sendo que 2,7 milhões residem na região amazônica. No entanto, pesquisas garantem que os potenciais hidráulico, solar, eólico e da biomassa existentes no País são suficientes para suprir as necessidades energéticas de toda a população. Segundo o Ministério de Minas e Energia, a situação em que se encontra o setor elétrico brasileiro, com aumento de demanda e escassez de oferta, além de restrições financeiras, ambientais e sociais a sua expansão, não é mais capaz de sustentar a base do sistema de fornecimento de energia elétrica, hoje composta em sua maioria por fontes hidráulica e petrolífera. Diante desse quadro, surge a necessidade de pensar como se dará o planejamento energético voltado ao favorecimento das comunidades isoladas da Amazônia. Na região existem hoje 300 sistemas isolados que não estão contemplados no novo modelo institucional do setor elétrico anunciado pelo governo em julho do ano passado. São 1300 usinas gerando 3.206MW de energia. A maior parte dessa geração (2.601MW)é proveniente de usinas termelétricas, e o restante é gerado em hidrelétricas. Além de não ser suficiente para suprir toda a demanda local por energia elétrica, as usinas termelétricas utilizam o óleo diesel, combustível caro devido ao transporte realizado por longas distâncias e também responsável por emissões de gás carbônico na atmosfera. Ocupando mais da metade do território nacional, a Amazônia possui riquezas naturais suficientes para minimizar o atraso econômico e social em que vivem os ribeirinhos, além de garantir o seu desenvolvimento de forma sustentável. Hoje, a biomassa, as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e a energia solar são as principais fontes alternativas de energia testadas e aplicadas em projetos coordenados por universidades e instituições de pesquisa locais e também de outras regiões do País. O gás natural também é fonte vista com otimismo pelos especialistas. No entanto, ainda é nítida a urgência de políticas públicas voltadas a tirar da exclusão social as comunidades isoladas da Amazônia - tanto pela falta de acesso à energia elétrica quanto pela carência de todos os outros requisitos mínimos à sobrevivência digna -, além de maiores investimentos em pesquisa e desenvolvimento de sistemas alternativos de geração elétrica. Ressalta-se que esses sistemas alternativos devem ser acessíveis às comunidades, através de tecnologias simplificadas e com custos de implantação e manutenção que possam ser sustentados pelos beneficiários. Porém, a precária situação econômica dessas comunidades evidencia outra necessidade, que é criar e incentivar programas sociais eficazes de geração de renda, evitando, assim, que se quebre a continuidade de projetos de geração alternativa de energia já implantados pela falta de recursos para mantê-los. Nesta edição, a T&C Amazônia apresenta artigos técnicos a respeito da problemática da geração e do fornecimento de energia na Região Norte, e que também propõe soluções que podem atender às dificuldades mais prementes da população. Os Editores

ENTREVISTA A Problemática do Fornecimento de Energia Elétrica às Comunidades Isoladas da Amazônia Sérgio Valdir Bajay..............................................02 REPORTAGEM Biomassa é Fonte Alternativa de Energia Promissora na Amazônia Sara Nanni..........................................................05 P&D nas Concessionárias de Energia Elétrica na Amazônia Aurélio Calheiros de Melo Junior e Maximo Luiz Pompermayer.................................09 Impactos Sócio-Econômicos da Entrada do Gás Natural na Matriz Energética do Amazonas Ronaldo P. Mannarino.........................................15 Melhorias Estruturais de Suprimento para os Sistemas Elétricos Isolados de Manaus e Macapá Willamy Moreira Frota.........................................23 Atendimento Energético a Pequenas Comunidades Isoladas: Barreiras e Possibilidades José de Castro Correia........................................30 Geradores Flutuantes Hidrocinéticos de Pequeno Porte (Cata-Águas): Testes de Desempenho em Rios da Amazônia Central Henrique John H. Harwood e Humberto Macedo.................................................36 Reflexões Termoeconômicas Sobre a Introdução da Tecnologia de Produção Combinada de Calor e Trabalho (Cogeração) no Parque Termoelétrico Amazonense Ricardo Wilson Aguiar da Cruz............................41 Infra-Estrutura Energética e Desenvolvimento Setorial na Amazônia Legal Brasileira Sandro Luis Bedin e David Ferreira Carvalho.......................................48 NOTÍCIAS T&C...................................................55

ERRATA DA ÚLTIMA EDIÇÃO A infografia da página 14 foi colocada, por um erro de impressão, também na página 24 da edição Número 5 “Pólo Industrial de Manaus: Aprendizado e Competência”.


A Problemática do Fornecimento de Energia Elétrica às Comunidades Isoladas da Amazônia

A PROBLEMÁTICA DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA ÀS COMUNIDADES ISOLADAS DA AMAZÔNIA Sérgio Valdir Bajay é professor de planejamento energético e engenharia mecânica e de petróleo na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além de pesquisador e consultor, desde 1974, nas áreas de energia e planejamento energético desta instituição. Em entrevista à revista T&C Amazônia, Bajay relatou os problemas enfrentados pela região amazônica com relação ao abastecimento de energia elétrica às comunidades isoladas. Ele também fez comentários a respeito das soluções que podem ser adotadas com sucesso pelos Estados para atender às necessidades de milhares de pessoas que vivem sem acesso à energia no interior da Amazônia. T&C - Como e por que o sistema energético nacional tem contemplado ou excluído a Região Norte? Sérgio Bajay - O Ministério de Minas e Energia (MME) formou um grupo de trabalho - o GT 13, no segundo semestre de 2003, para propor as adaptações necessárias ao novo modelo institucional do setor elétrico brasileiro, concebido para o sistema interligado nacional, a fim de que ele pudesse também ser aplicado aos sistemas eletricamente isolados do País. Participaram desse trabalho, coordenado pelo secretário de Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, diversos outros membros do ministério, Eletrobrás, Eletronorte e eu, como consultor. Apesar do relatório com as recomendações do GT 13 ter sido entregue à ministra bem antes do anúncio da versão final do modelo, encaminhada pelo MME na forma de duas medidas provisórias ao Congresso Nacional, em dezembro de 2003, as adaptações propostas pelo GT 13 para os sistemas isolados ficaram fora das medidas provisórias. O secretário executivo do ministério comentou que tais adaptações seriam feitas

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posteriormente, o que não ocorreu até agora. Na minha opinião, essa exclusão se deu por conta das adaptações substanciais que têm de ser feitas ao modelo para aplicá-lo aos sistemas isolados, o que “macularia” alguns dos princípios básicos do novo modelo, e, também, por conta do receio de que interesses locais, de deputados e senadores da Região Norte, pudessem prejudicar a rapidez da votação e a manutenção das principais premissas do modelo (nas medidas provisórias) caso as adaptações para os sistemas isolados fossem contempladas. T&C - Qual é a alternativa mais adequada para desenvolver e expandir o setor energético na Amazônia: unir-se ao Sistema Interligado Nacional (SIN) ou investir nos sistemas isolados? Quais são os impactos econômicos, ambientais e sociais de ambos os sistemas? Sérgio Bajay - Alguns dos atuais sistemas isolados devem ser paulatinamente conectados ao Sistema Interligado Nacional, enquanto que, para outros, essa interligação só ocorerrá a longo prazo; além disso, a busca da universalização do atendimento de energia elétrica irá criar novos sistemas isolados nos próximos anos, cuja maioria também será conectada ao SIN só a longo prazo. A utilização do gás natural de Urucu para gerar energia elétrica nos sistemas isolados de Manaus e Porto Velho, além dos sistemas de várias outras localidades situadas no caminho dos gasodutos em construção para estas capitais, deve ser, na minha opinião, a maior prioridade no momento. A conexão de Manaus e Macapá ao SIN é bastante interessante a médio prazo, beneficiando inúmeras outras localidades que se situam no trajeto das linhas de transmissão que seriam construídas para viabilizar tal interconexão. Nos demais sistemas isolados, devem-se buscar melhorias de eficiência na geração com unidades diesel, cujo potencial é muito grande, e uma utilização crescente de fontes alternativas (pequenas centrais hidrelétricas, painéis fotovoltaicos, geração eólica, geração termelétrica com resíduos agrícolas ou floretais, além de óleos vegetais), onde elas forem

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mais atrativas e competitivas com a geração com óleo diesel, eventualmente de uma forma complementar a esta, em sistemas híbridos, como os que já existem em algumas localidades da Amazônia. A magnitude dos impactos econômicos vis-avis os impactos ambientais e sociais dos diversos projetos deve ser cuidadosamente analisada em uma estrutura de Planejamento Integrado de Recursos, empregando, por exemplo, técnicas de planejamento multi-objetivo; os projetos mais atraentes sob as três óticas - econômica, ambiental e social devem ser executados primeiro. T&C - Quais são os entraves à implantação de sistemas isolados eficazes nos Estados da Região Norte? Sérgio Bajay: O maior entrave à implantação de sistemas isolados eficientes tem sido a falta de recursos suficientes para investimentos e até para despesas necessárias à uma manutenção adequada, nas empresas concessionárias estatais que atuam nesses sistemas. As aplicações resultantes de uma maior disponibilização de recursos, no entanto, teriam que ser devidamente monitoradas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e a busca de melhores indicadores de qualidade do serviço incentivada por uma regulação tarifária baseada no desempenho das concessionárias, conforme proposto no relatório do GT 13. T&C - Como o senhor avalia a utilização de recursos naturais renováveis como fontes de energia? É possível aliar a preservação ambiental à eficiência e lógica propostas pelos modelos econômicos que visam a eficiência e o lucro imediatos? Sérgio Bajay - Através de um Planejamento Integrado de Recursos (PIR) é possível buscar boas soluções de compromisso entre os atributos econômicos, ambientais e sociais dos projetos, incluindo fontes renováveis de energia, conforme bem evidenciam as experiências americana e canadense na segunda metade dos anos 80 e primeira

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metade dos anos 90. De longe, a fonte renovável alternativa mais promissora para a Região Norte, para a geração de energia elétrica, é a biomassa, seja na forma de resíduos, de madeireiras, por exemplo, para queima em unidades de cogeração (geração simultânea de eletricidade e vapor de processo), ou plantações com finalidades energéticas, como, por exemplo, óleos vegetais para queima em motores diesel. O regime de ventos não é muito favorável na maior parte da região (para geração eólica), nem a insolação (para geração fotovoltaica) por conta da pesada cobertura de nuvens boa parte do tempo. Pequenas centrais hidrelétricas são viáveis apenas em algumas regiões. O maior empecilho à geração de energia elétrica através de fontes renováveis alternativas, em qualquer parte do mundo, é o seu elevado custo unitário de geração, vis-a-vis as opções tradicionais. Logo, o desafio do planejamento energético é encontrar os “nichos” de mercado em que cada tipo de tecnologia é mais competitiva. Os elevados custos de transporte do óleo diesel na Amazônia para geração de eletricidade em comunidades isoladas, devido às grandes distâncias e pequenas cargas elétricas envolvidas, abre algumas oportunidades interessantes para essas fontes na Região, sobretudo para a biomassa. No momento, só existe um programa governamental de incentivo a tais fontes para geração de energia elétrica - o PROINFA - e ele só se aplica ao Sistema Interligado Nacional. T&C - O Programa Luz para Todos, criado pelo governo federal com o objetivo de levar energia elétrica para mais de 12 milhões de pessoas até 2008, é uma iniciativa relevante de universalização da energia elétrica. Quais são os obstáculos à efetiva implantação do programa, visto que o governo anterior também tentou a universalização através do Luz no Campo? Sérgio Bajay - O Programa Luz para Todos é uma importante iniciativa (tal qual foi o Programa Luz no Campo) para se tentar resgatar a enorme dívida social que se tem no País em relação à busca de universalização do acesso à energia elétrica. A dotação

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orçamentária prevista para o “Luz para Todos” é bem maior do que a que havia para o “Luz no Campo”, o que nos deixa mais otimistas em relação ao primeiro programa. O cronograma definido para o “Luz para Todos”, no entanto, é absolutamente impossível de ser cumprido. Os recursos para a implementação do Programa Luz no Campo foram insuficientes. O Luz para Todos tem uma previsão bem maior de recursos, mas os prazos previstos para a universalização através desse programa são muito curtos, inviáveis na Região Norte, segundo especialistas no assunto, com os quais conversei recentemente. T&C - A arrecadação gerada pela CCC (Conta de Consumo de Combustíveis) ainda representa a melhor forma de investimento nos sistemas isolados? O que poderia ser feito para incrementar essa iniciativa que também incentiva a utilização de fontes alternativas de geração de energia elétrica? Sérgio Bajay - O relatório do GT 13 recomenda a criação de um novo fundo, mais abrangente que a CCC, cuja aplicação seria devidamente monitorada pela ANEEL e associada a um sistema de regulação tarifária por incentivos a ganhos de produtividade por parte das empresas concessionárias atuantes nos sistemas isolados. T&C - A Região Norte é muito rica em recursos naturais, no entanto, tira pouco proveito deles para a geração de energia. Quais são os entraves políticos, econômicos e ambientais à reversão desse quadro? Sérgio Bajay - Deve-se buscar uma melhor articulação entre o governo federal e os governos estaduais da região e entre as áreas econômica, energética e ambiental desses governos, o que pode ser facilitada pela adoção de um Planejamento Integrado de Recursos. Essa iniciativa deve partir do Ministério de Minas e Energia.

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Biomassa é Fonte Alternativa de Energia Promissora na Amazônia

BIOMASSA É FONTE ALTERNATIVA DE ENERGIA PROMISSORA NA AMAZÔNIA Pesquisas realizadas na Região Norte avaliam potencial da biomassa e outras alternativas para a geração de energia elétrica em comunidades isoladas * Sara Nanni A energia é fator essencial ao desenvolvimento social e econômico de uma região ou país. A qualidade de vida que dela resulta possibilita realizar as tarefas mais simples e essenciais ao cotidiano de qualquer pessoa. Porém, há muitas comunidades que não usufruem dos benefícios do acesso à energia no Brasil, em especial na Amazônia. Abrangendo quase 60% do território nacional, a Amazônia abriga inúmeras comunidades ribeirinhas que não dispõem de recursos básicos à sobrevivência, dentre eles a energia elétrica. São populações muito pequenas que se distribuem por áreas dispersas, mas que totalizam milhares de habitantes com acesso precário à energia. As dificuldades em levar a eletrificação rural a essas comunidades, e a necessidade de limitar o uso de combustíveis fósseis, substituindo-os por alternativas energéticas não-poluidoras e renováveis, tornam urgente o investimento em pesquisa e desenvolvimento de fontes alternativas de energia. Projetos para a obtenção de energia elétrica gerada a partir de unidades de produção baseadas em biomassa, eólica, solar e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) começam a ser implantados em comunidades isoladas da Região Norte. A Amazônia apresenta ricas fontes naturais de energia. Durante todo o ano, há energia solar abundante, ventos na região litorânea do Amapá e Pará, e corredeiras e correntezas de cursos de água que podem ser aproveitadas para gerar pequenas quantidades de energia. Porém, dentre todas as fontes alternativas, a biomassa é a divulgada pelos pesquisadores como a mais promissora, e specialmente no interior da Amazônia, onde

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Biomassa é Fonte Alternativa de Energia Promissora na Amazônia

encontra-se boa parte das comunidades brasileiras isoladas da rede nacional de distribuição de energia elétrica. A energia contida na biomassa pode ser explorada de diferentes formas. A mais comum é a utilização do calor que resulta da combustão de resíduos vegetais, de forma direta ou para a produção de vapor para gerar eletricidade. O sistema de gaseificação, porém, é o que tem sido mais explorado pelos centros de pesquisa especializados por apresentar maior rendimento. Com custos reduzidos de operação e manutenção, os gaseificadores de biomassa produzem energia a partir, por exemplo, de resíduos rejeitados pela agroindústria, tais como cascas de cacau e cupuaçu e caroços de açaí, piquiá, bacuri e tucumã, que são recursos abundantes na Região Norte. O resíduo vegetal é queimado dentro do gaseificador com pouco oxigênio. A combustão incompleta produz um gás de síntese com poder calorífico para alimentar motores e produzir eletricidade. Segundo a coordenadora do Programa Enerbio (Energia de Biomassa) da Universidade Federal do Pará (UFPA), Brígida Ramati da Rocha, uma grande diversidade de resíduos pode ser utilizada nesses sistemas, mas eles devem ser escolhidos de acordo com as características da comunidade onde serão implantados. “É preciso fazer um levantamento dos recursos disponíveis e das necessidades de cada lugar, estudando as melhores alternativas para cada comunidade”, avalia a professora, lembrando que todo o processo deve acontecer de forma sustentável para não impactar o ambiente. É através do Enerbio, um programa de pesquisas multidisciplinar na área energética, que a UFPA trabalha na implantação de projetos de gaseificação de biomassa em comunidades isoladas no Pará, como Genipaúba e Nossa Senhora das Dores do Rio Paruru, no município de Abaetetuba, e Chipaiá, no município de Cachoeira do Arari. O objetivo é possibilitar o desenvolvimento sustentável dessas localidades através da geração de energia elétrica usando recursos de biomassa, em especial o caroço de açaí. Em Nossa Senhora das Dores e Chipaiá, os projetos contam com a parceria da Universidade Federal Rural

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da Amazônia e financiamento da Eletronorte, dentro do Programa Luz Para Todos. Já em Genipaúba, o programa recebe apoio do Programa Raízes do governo do Estado, que visa favorecer comunidades indígenas e quilombolas. Vantagens da gaseificação A utilização da biomassa diminui a dependência de combustíveis fósseis. As comunidades que dispõem de sistemas isolados de geração de energia elétrica utilizam motores a óleo diesel. Além de ser uma fonte de energia altamente poluidora, o custo de transporte desse combustível torna muito caro seu uso. “Os gases resultantes do processo de gaseificação podem ser utilizados em motores diesel ou a gasolina, contribuindo com a redução de cerca de 80% do uso do diesel e 100% da gasolina consumida pelo motor”, informa Ramati. Utilizar a biomassa pode, além de gerar energia elétrica, auxiliar na criação de empregos no campo. “Não se pode pensar apenas na geração de energia de forma isolada. Devem-se propiciar melhorias na vida da comunidade”, enfatiza Ramati. Nos projetos da UFPA, a comunidade é incentivada a participar de todo o processo de implantação, além da manutenção e da operação da usina de gaseificação e também da coleta de resíduos, que fazem parte de uma verdadeira cadeia de produção. Logo que ocorre a identificação do produto da biomassa ideal a ser explorado, deve-se determinar o melhor método para a colheita, o armazenamento e a conversão em energia. “As pessoas da comunidade serão treinadas para operar e fazer pequenas manutenções no sistema, assim como gerir de forma independente e continuada o projeto após a implantação”, relata a coordenadora. Tecnologia nacional Pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), através do Centro de Desenvolvimento Energético Amazônico (CDEAM), trabalham na estruturação de um sistema de gaseificação de biomassa com tecnologia totalmente nacional, o que não ocorre com muitos gaseificadores

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que são importados da Índia e adaptados, como o que foi implantado no município de Manacapuru (veja seção Notícias T&C). De forma diferente do importado, o gaseificador nacional elimina o alcatrão - substância presente nos gases resultantes da gaseificação e que danifica o motor do sistema - através do processo de carbonização. Os resíduos da biomassa, como a casca de cupuaçu, a lenha de acácia e as sobras de serrarias, são carbonizados e transformados em briquetes - que os deixam compactos e uniformes -, para depois serem colocados no gaseificador, onde são queimados. Os gases resultantes dessa queima passam por processos de limpeza e resfriamento, e, em seguida, alimentam um motor - no caso, é utilizado um motor de Opala -, que movimenta um gerador elétrico. No sistema importado, a biomassa in natura é gaseificada, o que exige a atuação de um condensador para reter o alcatrão, impedindo-o de chegar ao motor. Segundo Omar Seye, responsável pelo projeto, a vantagem do sistema nacional está no fato de a carbonização da biomassa proporcionar menores gastos de manutenção com o sistema, já que elimina o alcatrão do processo e dispensa o uso do condensador. “É preciso desenvolver tecnologias simples e de fácil acesso à população, evitando que se tornem peças de museu nas comunidades”, avalia o pesquisador. “Todos os problemas possíveis na operação do sistema estão sendo analisados em laboratório para minimizar defeitos”. No CDEAM ainda está em andamento pesquisa para a produção de briquete a partir da casca de cupuaçu, com financiamento da Fapeam (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas). Os estudos sobre o potencial energético de resíduos madeireiros no Amazonas já foram concluídos, e contaram com a parceria do Inpa e da Embrapa e recursos do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico do Setor Elétrico. “Analisamos resíduos de serrarias de Manaus, Novo Ayrão e Manacapuru, e constatamos que as espécies que os compõem têm poder calorífico semelhante ao da lenha”, afirma Seye.

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Biodiesel O biodiesel também é fonte alternativa de energia estudada pelo CDEAM. No projeto “Avaliação da Performance de Motor de Combustão Interna de Pequeno Porte com Combustíveis Alternativos”, financiado pela Manaus Energia através do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico do Setor Elétrico, os pesquisadores testaram a eficiência do óleo de dendê, como aditivo ou suplemento ao óleo diesel, em motores de combustão interna, utilizados para a geração de energia em comunidades isoladas da Amazônia. O desempenho do motor foi satisfatório quando o óleo de dendê foi misturado ao óleo diesel na proporção de 25% e 75%, respectivamente. Para o professor Seye, a utilização do combustível alternativo pode contribuir para fixar o homem no campo, fortalecendo a economia agrícola regional. “A necessidade de produzir o óleo de dendê resultará na geração de empregos e renda nas comunidades, além de reduzir a demanda por diesel e promover uma fonte de energia menos poluidora”, opina. Por enquanto, apenas o óleo de dendê foi testado, mas outros óleos vegetais ainda terão sua eficiência avaliada pelo Centro, tais como o de girassol e babaçu. Incentivos Outras alternativas ainda fazem parte das pesquisas do CDEAM, como a energia fotovoltaica e as Pequenas Centrais Hidrelétricas. Porém, assim como as demais fontes alternativas, o custo de instalação dessas tecnologias é alto, dificultando o seu acesso pelas pequenas comunidades da Amazônia. Uma das formas de reverter essa situação é promover os sistemas alternativos de energia associados a programas sociais de geração de renda. “Em especial no caso da energia fotovoltaica, é certo que uma concessionária de energia não terá interesse em instalar de graça painéis para a captação de luz solar”, exemplifica Seye. Para ele, é preciso que haja incentivos governamentais à geração de renda para os ribeirinhos. “Devem-se criar meios para que os beneficiários dessa tecnologia restituam os financiadores”, ressalta o pesquisador, que também acredita na

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necessidade da capacitação da própria comunidade para a manutenção dos sistemas. “Os usuários devem ser capacitados para resolver pequenos problemas que acontecem eventualmente”. “É urgente que haja maiores investimentos em pesquisa e projetos demonstrativos”, complementa a professora Ramati. Ela também enfatiza que é imprescindível o planejamento energético voltado às comunidades isoladas da Amazônia. “As instituições de pesquisa e as governamentais responsáveis pelo fornecimento de energia devem buscar metodologias para identificar as necessidades dessas populações. Não adianta fazer investimentos sem estudos preliminares que indiquem as melhores opções energéticas para cada uma das localidades a serem beneficiadas”.

* Sara Nanni é jornalista da T&C Amazônia

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P&D nas Concessionárias de Energia Elétrica na Amazônia

P&D NAS CONCESSIONÁRIAS DE ENERGIA ELÉTRICA NA AMAZÔNIA *Aurélio Calheiros de Melo Junior **Maximo Luiz Pompermayer

RESUMO A Lei no 9.991, de 24 de julho de 2000, estabeleceu percentuais mínimos a investir em programas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) pelas empresas do setor elétrico. Após cinco ciclos de programas e projetos aprovados e em execução podem-se identificar os desafios a se superar, e oportunidades que se apresentam para as empresas e instituições da Região Amazônica. Em conformidade com a Lei n o 9.991, de 24 de julho de 2000, as empresas concessionárias, permissionárias e autorizadas do setor elétrico brasileiro, exceto aquelas que geram energia exclusivamente a partir de pequenas centrais hidrelétricas, biomassa, cogeração qualificada, usinas eólicas ou solares, devem aplicar, anualmente, um percentual mínimo de sua Receita Operacional Líquida (ROL) em projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), segundo regulamentos estabelecidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. Para tanto, as empresas de energia elétrica devem submeter, anualmente, à aprovação da ANEEL, um programa, constituído de um ou mais projetos de P&D, contendo as metas físicas e financeiras para cada ciclo, segundo as diretrizes e orientações do Manual dos Programas de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico do Setor Elétrico Brasileiro. A Tabela 1 apresenta os percentuais mínimos da ROL para aplicação em P&D, conforme dispõe a Lei no 9.991. Conforme dispõe o art. 12 da Lei no 10.848, de 15 de março de 2004, os investimentos descritos na Tabela 1, para P&D, devem ser realizados do seguinte modo: 2 40% (quarenta por cento) dos recursos

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P&D nas Concessionárias de Energia Elétrica na Amazônia Tabela 1- Percentuais de Investimento em Programas de Pesquisa e Desenvolvimento e de Eficiência Energética pelas Empresas do Setor de Energia Elétrica.

Segmento Geração Transmissão Distribuição

Até 31/12/2005 P&D Eficiência 1,00* 1,00 0,50 0,50

Após 31/12/2005 P&D Eficiência 1,00 1,00 0,75 0,25

Fonte: Lei no 9.991, de 24 de julho de 2000. * Para as empresas Tractebel Energia, AES Tietê e Duke Energy Internacional, o percentual é 0,25%.

devem ser depositados no FNCDT – Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; 3 40% (quarenta por cento) para projetos de pesquisa e desenvolvimento segundo regulamentos estabelecidos pela ANEEL; 4 20% (vinte por cento) para o Ministério de Minas e Energia. Ainda de acordo com o referido artigo da Lei n o 10.848, no mínimo 30% dos recursos de que trata a Lei n o 9.991 devem ser destinados a projetos desenvolvidos por instituições de pesquisa sediadas nas regiões Norte, Nordeste ou Centro-Oeste. Conforme dispõe o Manual dos Programas de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico do Setor Elétrico Brasileiro (ANEEL, 2001), os programas de P&D devem estar pautados na busca de inovações para fazer frente aos desafios tecnológicos e de mercado das empresas de energia elétrica. Diferente da pesquisa puramente acadêmica, que se caracteriza pela liberdade de investigação, a pesquisa empresarial deve ter cronogramas e metas bem definidas, com conseqüente aplicabilidade efetiva

dos resultados pretendidos. De modo geral, os resultados de um projeto de P&D incluem a capacitação de recursos humanos e a criação ou aprimoramento de infra-estrutura, a geração de novos conhecimentos e o desenvolvimento de tecnologias mais eficientes. Para as empresas de energia elétrica, esses resultados podem se converter em novos negócios e receitas, ganhos de produtividade, otimização de processos, melhoria da qualidade dos serviços prestados, redução de custos e, conseqüentemente, modicidade tarifária para o usuário. A capacitação de recursos humanos inclui a formação de especialistas, mestres e doutores em temas ou áreas de interesse do setor elétrico. Ressalte-se, porém, que esses profissionais devem estar vinculados ao desenvolvimento do projeto. Em termos de infra-estrutura, os benefícios ocorrem por meio da aquisição de materiais e equipamentos indispensáveis à execução do projeto. A combinação desses resultados (formação de recursos humanos, geração de novos conhecimentos e melhoria das condições de infra-estrutura de

Tabela 2 – Distribuição dos projetos de P&D e dos recursos aprovados por ciclo.

Ciclo

Empresas

Projetos

Recursos (R$)

1998/1999

13

63

12.899.198,00

1999/2000

43

29.744.579,18

2000/2001

67

164 439

2001/2002

72

2002/2003

101

2003/2004* Total

54 _

113.304.660,35 156.226.300,86

535 672

198.801.240,00

314

84.287.789,52

2.187

595.263.767,91

*Até 22/10/2004

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P&D nas Concessionárias de Energia Elétrica na Amazônia

instituições de pesquisa) amplia a capacidade de produção científica e tecnológica das empresas do setor e instituições envolvidas em temas ou áreas de interesse do setor elétrico. Proporciona, assim, benefícios para as empresas de energia elétrica, entidades executoras ou participantes, consumidores e toda a sociedade. Desde a publicação da Lei no 9.991, cerca de 2.000 projetos de P&D foram aprovados pela ANEEL, totalizando investimentos superiores a R$500 milhões, como mostra a Tabela 2. Muitos dos resultados e benefícios desses projetos têm sido apresentados e discutidos em diversos eventos, notadamente nas duas edições do Congresso de Inovação Tecnológica em Energia Elétrica – Citenel. Considerando-se apenas as empresas atuantes na Amazônia, compreendida pela Região Norte e Estados do Maranhão e Mato Grosso (ELETRONORTE, CEMAR, CEMAT, CELTINS, CELPA, CEA, CEAM, Manaus Energia S/A, Boa Vista S/A, CER, CERON, ELETROACRE), tem-se os números mostrados na Tabela 3. O valor total corresponde a 8,4% do total dos

projetos aprovados em todo o país. Envolvidas na execução desses projetos das empresas da Amazônia estão 37 entidades (universidade, fundações, consultoras, centros de tecnologia). Com relação à origem e destinação dos recursos de P&D, a Tabela 4 mostra os índices observados no ciclo 2002/2003 relativos aos valores dos programas aprovados pela ANEEL. Para atingir os 30% de destinação mínima dos recursos nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, conforme estabelece a legislação, deveriam ser utilizados recursos recolhidos ao FNDCT. A Figura 1 mostra a distribuição dos projetos por tema, por ciclos de programas de P&D. Na execução dos projetos está prevista a capacitação de recursos humanos. A Tabela 5 mostra a previsão por ciclo para todos os programas aprovados. Para as empresas situadas na Amazônia, o número total de teses de doutorado associadas aos projetos aprovados e em execução é de 28 (6,5% do total nacional). Para dissertações de mestrado, tem-se o número de 54 (5,8% do total nacional), e 40 monografias de especialização (16,3% do total nacional).

Tabela 3 – Distribuição dos projetos de P&D e dos recursos aprovados por ciclo na Amazônia.

Ciclo

Empresas

Projetos

1998/1999

1

5

368.665,00

1999/2000

3

7

1.537.862,00

2000/2001

11

40

10.918.484,53

2001/2002

10

58

14.192.528,54

2002/2003

9

71

16.151.771,57

2003/2004*

6 _

26

5.530.816,13

202

48.700.127,77

Total

Recursos (R$)

*Até 22/10/2004 Tabela 4 – Origem e destinação de recursos de P&D.

Origem

Destino

Sul/Sudeste

68%

Norte/Nordeste/Centro-Oeste

32%

80% 20%

Regiões

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P&D nas Concessionárias de Energia Elétrica na Amazônia Figura 1 – Distribuição de projetos por tema.

Proje to s po r Tem a 100% 90% 80% 70% 60%

6% 10 % 22 %

3% 6% 14 % 8%

4% 7% 5% 10% 10% 6% 12%

7%

50% 40% 30% 20% 10% 0%

55 %

199 9/200 0

68 % 40%

200 0/200 1

20 01/20 02

Pe squ is a e stratégica Su pe rv isã o, co ntr ole e p rote ção Eficiência en ergética Ge ração Tr an sm iss ão d e e nergia Tr an sm iss ão d e d ado s

8% 6% 7% 5% 7% 11% 11%

5% 7% 5% 6% 14% 12%

14%

19%

28%

22%

2002/ 2003

2003/ 2004

Dis tribu ição de energ ia elét rica Me io am b ient e Q ualid ad e E nergia re no vável Me dição

Tabela 5 – Números de títulos de especialização, mestrado e doutorado previstos em cada ciclo.

Ciclo 1999/2000 2000/2001 2001/2002 2002/2003 2003/2004* Total

Especialização 2 53 54 212 90 246

Mestrado 39 194 288 282 99 929

Doutorado 21 70 137 173 53 431

Total 62 317 479 748 242 1606

*Até 22/10/04.

No tocante à execução dos projetos e programas de P&D das empresas localizadas na Amazônia, a Tabela 6 mostra a situação atual dessas empresas perante à ANEEL, além das instituições com sede na Amazônia (Região Norte e estados do Maranhão e Mato Grosso) que executam projetos aprovados. Entre os fatores que explicam a baixa participação de instituições regionais nos projetos das empresas da Amazônia, destaca-se a concentração de instituições de P&D nas regiões Sul e Sudeste, onde estão cerca de 80% das incubadoras em operação no País. Para reverter esse quadro, identificam-se alguns desafios a superar e, ao mesmo tempo, oportunidades para as empresas do setor e instituições localizadas

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na Amazônia, que podem ser implementados com projetos e recursos de P&D, tais como: 1 Capacitação de recursos humanos 2 Estruturação de centros de pesquisa e laboratórios 3 Despertar interesse de alunos para área acadêmica e de pesquisa 4 Tratamento de P&D como área de negócio (produtos para comercialização) 5 Planejamento da atividade (exigências legais e administrativas) 6 Articulação com instituições locais/ regionais 7 Articulação entre concessionárias (projetos/ programas cooperativos)

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P&D nas Concessionárias de Energia Elétrica na Amazônia

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Benefícios para a universalização dos serviços de energia elétrica 9 Tornar visível para a sociedade (divulgação e transparência dos resultados) 10 Aplicabilidade efetiva de resultados Para a ANEEL, responsável pela avaliação, aprovação e fiscalização dos programas e projetos de P&D, há necessidade de maior agilidade e rigor no processo de análise, aprovação e acompanhamento

dos programas, identificação, análise e divulgação de casos de sucesso, inclusive na gestão de programas por parte das empresas. Se, por um lado, os exemplos de sucesso e de aprendizado evidenciam o êxito e a importância dos programas realizados e em execução, por outro, observa-se a necessidade de uma fiscalização e avaliação mais amplas e sistemáticas do que já foi realizado ou está em execução.

Tabela 6 – Situação dos Programas de P&D das empresas da Amazônia.

Empresa

Ciclos apresentados/aprovados

Instituições regionais envolvidas

2000/2001; 2001/2002; 2002/2003; 2003/2004 (em análise)

UFPA, IESAM, Museu Emílio Goeldi, UFMA

CEMAR

2000/2001; 2001/2002; 2002/2003; 2003/2004

UFMA

CEMAT

2000/2001; 2001/2002 2002/2003; 2003/2004

Não desenvolveu projetos executados por instituições regionais localizadas na Amazônia

ELETRONORTE

CELTINS

CELPA

CEA CEAM Manaus Energia Boa Vista Energia CER

CERON

ELETROACRE

1999/2000; 2000/2001 2001/2002; 2002/2003 2003/2004 1998/1999; 1999/2000 2000/2001; 2001/2002 2002/2003; 2003/2004 2000/2001; 2001/2002 2002/2003; 2003/2004 (em análise) 2000/2001; 2001/2002 2002/2003; 2003/2004 2000/2001; 2001/2002 2002/2003; 2003/2004 2000/2001; 2002/2003 2003/2004 Não apresentou até o momento Programa de P&D

Não desenvolveu projetos executados por instituições regionais localizadas na Amazônia UFPA, Museu Emílio Goeldi

UFPA Ufam Ufam, Inpa, Embrapa-AM, Escola Agrotécnica Federal do Amazonas Ufam

2000/2001; 2001/2002 (não executados – em processo de regularização com a ANEEL por meio de Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, firmado em 10 de junho de 2004, com prazo para regularização em 10 de dezembro de 2004) 2000/2001; 2001/2002 (não executados – em processo de notificação/regularização com a ANEEL)

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P&D nas Concessionárias de Energia Elétrica na Amazônia

CONCLUSÃO Diante do exposto e do estágio em que se encontram os programas atuais de P&D, com cinco ciclos de aprendizado e cerca de 2.000 projetos realizados ou em execução, torna-se imperativo um diagnóstico mais amplo e conclusivo sobre os investimentos realizados e os resultados auferidos e/ou esperados. Isso possibilitará às empresas e a seus parceiros, assim como à ANEEL, traçar planos e/ou diretrizes que assegurem a finalidade maior do programa (inovação tecnológica do setor) e, ao mesmo tempo, a racionalidade do processo, otimizando a aplicação dos recursos e a efetividade dos resultados obtidos.

* Aurélio Calheiros de Melo Junior é engenheiro eletricista, doutorando em planejamento de sistemas energéticos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador de P&D da ANEEL. ** Maximo Luiz Pompermayer é matemático, doutor em planejamento de sistemas energéticos pela Unicamp e técnico membro da equipe de P&D da ANEEL.

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Impactos Sócio-Econômicos da Entrada do Gás Natural na Matriz Energética do Amazonas

IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DA ENTRADA DO GÁS NATURAL NA MATRIZ ENERGÉTICA DO AMAZONAS *Ronaldo P. Mannarino

RESUMO As jazidas de gás natural nas bacias do Solimões e Amazonas sinalizam com um elevado potencial de desenvolvimento regional, sendo o seu aproveitamento apontado como um marco de referência na economia da Amazônia Ocidental. O modelo da Zona Franca de Manaus vem cumprindo o papel de um dos mais importantes pólos industriais do Brasil, e tem criado oportunidades em vários segmentos, movimentando cifras da ordem de 13 bilhões de dólares anuais. Como ponto crítico aparece, primeiramente, a centralização excessiva das atividades no município de Manaus, com conseqüências ambientais e sociais pouco previsíveis e, em segundo lugar, a geração de energia termoelétrica subsidiada pela Conta de Consumo de Combustíveis – CCC, atingindo valores altíssimos de gastos com óleo diesel ou similares. O gás natural, três vezes mais barato que o óleo diesel, apresenta-se como alternativa para correção deste entrave ao desenvolvimento do Pólo Industrial de Manaus – PIM e, ao mesmo tempo, permite desenvolver atividades econômicas sustentáveis no interior. Os municípios do trajeto dos gasodutos Coari-Manaus e UrucuPorto Velho e a região de Silves, Itapiranga e Itacoatiara são exemplos de descentralização econômica possível no estado do Amazonas, a partir do gás natural. O presente trabalho relata a situação atual do aproveitamento do gás natural da Amazônia, as perspectivas de desenvolvimento decorrentes de um planejamento eficiente por parte das esferas de governo responsáveis pela gestão de recursos e, ainda, a necessidade de arrojados investimentos por parte do segmento empresarial do setor.

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Impactos Sócio-Econômicos da Entrada do Gás Natural na Matriz Energética do Amazonas

ANTECEDENTES No final da década de 70, a PETROBRAS anunciou ao país a descoberta de importantes jazidas de gás natural na região do Rio Juruá, próxima ao município de Carauari/AM. Grandes volumes de gás, coroando um esforço exploratório de várias décadas na Amazônia. Sem ter como escoar o gás do Juruá, a empresa continuou a investir em poços exploratórios, descobrindo, em julho de 1986, as jazidas de gás e petróleo da província petrolífera do Rio Urucu, no município de Coari/AM. A partir dessa data, teve início o processo de aproveitamento de petróleo, cuja produção começou a ser escoada em julho de 1988 através de balsas-tanque que percorriam os quase 500 km do raso e sinuoso rio Urucu. No período das cheias a navegação era possível mas as variações de até 12 metros no nível do rio tornavam inviável o transporte na vazante. Em anos mais secos o escoamento era inviabilizado por 3 ou 4 meses, obrigando a empresa a buscar alternativas. Já em 1989, foi construído um oleoduto interligando Urucu ao terminal do rio Tefé, possibilitando aumentar o volume de óleo transportado de 3 mil barris para até 12 mil barris por dia. O rio Tefé, maior que o Urucu, também apresentava problemas de navegação em sua foz, obrigando a se utilizar em balsas de pequeno calado, que chegaram a operar em número de 150 embarcações, para dar vazão à produção. Diante desse quadro, fazia-se necessário buscar alternativas, que pudessem levar o petróleo e frações leves, como o gás de cozinha, até a calha principal do rio Solimões, cuja navegação era a garantia de escoamento em qualquer época do ano. Para tanto, era necessário vislumbrar horizontes mais largos, já que os investimentos eram elevados e as reservas de petróleo provadas não eram suficientes para garantir as taxas de retorno previstas. Já as reservas de gás natural, estas sim garantiriam a complementação e o retorno dos investimentos, caso disponibilizadas para mercados como o de Manaus. Teve início, então, uma série de estudos para escoamento do gás de Urucu, que culminaram com a decisão, em 1996, para a abertura

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da faixa que conduziria os hidrocarbonetos de Urucu às margens do rio Solimões. Em 1997, foi construído o poliduto Urucu-Coari, com 14 polegadas de diâmetro e 285 km de extensão, com capacidade para escoar até 60 mil barris de petróleo e gás de cozinha por dia. No mesmo ano, teve início a construção de um Terminal nas margens do Solimões e, no ano seguinte, foi construído na mesma faixa do poliduto um gasoduto de 18 polegadas de diâmetro, concluído em janeiro de 1999. Restava definir o modal de transporte do gás até o mercado de Manaus, viabilizando dessa forma a demanda de volumes de gás necessários a operações desse tipo. Em junho de 1999, foi assinado um protocolo de intenções entre os governos federal e estadual, visando viabilizar o uso do gás natural em Manaus. Em 2001, o governo do Amazonas lançou um edital para transporte do gás de Urucu, sendo definida somente em 2003 a implantação do Gasoduto Coari-Manaus, alternativa considerada a mais viável tecnicamente para o escoamento do gás natural da província de Urucu. O Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA) e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do projeto Coari-Manaus foram elaborados pelo Centro de Ciências do Ambiente da Universidade Federal do Amazonas – CCA/Ufam, com a participação de 60 especialistas que atuam na região. A base de dados do EPIA veio das pesquisas conduzidas durante dois anos e meio pelas equipes do Projeto Piatam, Potenciais Impactos Ambientais do Transporte de Petróleo e Gás no Amazonas (www.piatam.ufam.edu.br). Os cientistas das áreas de ecologia, botânica e sensoriamento remoto promoveram mudanças na diretriz do traçado em cerca de 170 km, protegendo ambientes sensíveis. A participação da sociedade no processo de audiências públicas contabilizou 3000 pessoas na capital e no interior, tendo sido introduzidas modificações ao projeto para atender novas demandas identificadas. Um exemplo foi a decisão de construir ramais para todos os municípios atravessados pelo gasoduto. A Licença de Instalação para o empreendimento foi concedida

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pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas – IPAAM, em 26 de maio de 2004. O gasoduto Coari-Manaus terá 397 km de extensão e poderá transportar até 10,5 milhões m³/dia de gás natural dos campos de Urucu, no município de Coari, até Manaus, onde abastecerá as usinas termelétricas. Todo o traçado do gasoduto está localizado no Estado do Amazonas. Inicia-se em Coari, atravessa os municípios de Codajás, Anori, Anamã, Caapiranga, Manacapuru, Iranduba e termina em Manaus. INTRODUÇÃO Em vários países do mundo o gás natural, com reservas mundiais do tamanho das reservas de petróleo em energia equivalente, vem substituindo outros energéticos, sendo usado em larga escala na produção de energia e como insumo para processos industriais. Os Estados Unidos destacam-se nesse campo, com mais de 25% da matriz energética ocupada pelo gás e uma malha de dutos de 500.000 km para o transporte desse insumo. Na Comunidade Européia, o gás natural já ocupa mais de 20% da matriz energética, substituindo rapidamente o carvão e o óleo combustível, muito

mais poluentes que o gás. Essa e outras vantagens do uso do gás natural em relação a outros combustíveis fósseis são portanto conhecidas em todo o mundo, cabendo à PETROBRAS, como empresa governamental brasileira, o papel de disseminar o seu uso no país. Para tanto, foi instituído pela Diretoria de Gás e Energia da empresa um Plano de Massificação do uso do Gás Natural no Brasil. Esse Plano reúne um conjunto de iniciativas que visam acelerar o desenvolvimento do mercado brasileiro de gás natural, englobando projetos de desenvolvimento tecnológico, mobilização empresarial, ações governamentais e articulação com investidores. No planejamento do Governo Federal, a Região Norte foi considerada como área prioritária, uma vez que a geração térmica nos chamados Sistemas Isolados vem trazendo grandes prejuízos econômicos e ambientais para toda a sociedade brasileira. Para tanto, em estreita articulação com a Eletrobrás e com a Eletronorte, foram estabelecidas diretrizes de médio e longo prazo para abastecimento energético das cidades amazônicas, aproveitando o potencial hidrelétrico e complementando com a energia gerada através do gás natural, configurando

Figura 1 – Participação do gás natural na matriz energética

100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0

Europa

EUA

Argentina

Brasil

Urucu

Gás Natural %

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a chamada “Geração Hidrotérmica”. AS VANTAGENS DO USO DO GÁS NATURAL A queima limpa e uniforme, somada à redução do custo, são as maiores vantagens do gás natural. Entre os setores beneficiados pelo combustível estão: a indústria (metalúrgica, vidro, alimentos e bebidas, têxtil, papel e celulose, cerâmica), transportes e domiciliar. No uso em residências, o gás natural é chamado de “gás domiciliar”. É um mercado em franca expansão, especialmente nos grandes centros urbanos de todo o País. As companhias distribuidoras estaduais têm planos de grande ampliação de suas redes, e o aumento do consumo de gás domiciliar demanda investimentos expressivos em conversões, e em recebimento e adaptações nas residências. Devido à combustão limpa, isenta de agentes poluidores, o gás natural é o combustível ideal para processos que exigem a queima em contato direto com o produto final, como, por exemplo, a indústria de cerâmica e a fabricação de vidro e cimento. O combustível também pode ser utilizado como redutor siderúrgico na fabricação de aço e, de formas variadas, como matéria-prima na indústria petroquímica, principalmente para a produção de metanol, e na indústria de fertilizantes, para a produção de amônia e uréia. No uso em automóveis, ônibus e caminhões, o gás natural recebe o nome de gás natural veicular (GNV) e oferece vantagem no custo por quilômetro rodado. Como é seco, não provoca resíduos de carbono nas partes internas do motor, aumentando sua vida útil e o intervalo de troca de óleo, reduzindo significativamente os custos de manutenção. O consumo de combustível depende do tipo de veículo, mas pode ser influenciado por uma série de fatores, tais como condições de tráfego, estado das vias, manutenção do veículo, maneira de dirigir, velocidade, arrumação da carga e combustível. Comparado com a gasolina, o GNV apresenta menor custo total, com uma economia de cerca de 60% em relação à gasolina. MUDANÇA DAMATRIZ ENERGÉTICA REGIONAL Considerado um dos grandes projetos de infra-

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estrutura do país, o empreendimento do gasoduto Coari-Manaus, conduzido pela PETROBRAS, veio estabelecer as bases definitivas para o aproveitamento das reservas de gás natural da região amazônica. A partir da conclusão do projeto, a atual dependência externa de combustíveis líquidos no Brasil pode ter somente em Manaus uma redução de cerca de 20 mil barris por dia. Essa substituição do óleo diesel pelo gás natural nas termelétricas de Manaus e dos demais municípios atravessados pelo Gasoduto, trará vantagens econômicas e ambientais imediatas não só para o estado do Amazonas, como para toda a sociedade brasileira. A Conta de Consumo de Combustíveis – CCC, criada pelo governo para subsidiar os sistemas isolados de geração de energia elétrica, contabiliza somente em Manaus prejuízos da ordem de um milhão de dólares por dia, destinados a pagar a diferença entre o preço do óleo diesel e do gás natural. Esse dinheiro é debitado nas contas de energia de todos os consumidores das demais regiões do Brasil. O caso do sistema de Porto Velho/ RO e Rio Branco/AC também acumula prejuízos, já que o consumo oscila entre 1500 a 1800 m 3 de óleo diesel por dia. Em Manaus, esse consumo oscila entre 3000 a 4000 m3 de óleo diesel por dia. O transporte do gás natural via gasoduto é a forma eficiente, barata e segura para o transporte do gás de Coari até Manaus. Dimensionado para operar 20 anos, um gasoduto pode ser mantido em atividade por mais 30 anos, dependendo da manutenção. O desenvolvimento tecnológico atual vem permitindo a implantação de gasodutos seguros e eficientes, construídos com materiais de alta tecnologia e dotados de sistemas de controle eficazes. Hoje, os gasodutos já são uma realidade em termos de transporte seguro do gás natural em capitais de grande porte como São Paulo e Rio de Janeiro. A construção do gasoduto Coari-Manaus (Figura 2) vai gerar oportunidades de emprego para a população economicamente ativa da região. Durante a fase de implantação do empreendimento serão criados aproximadamente 3.500 empregos diretos, envolvendo mão-de-obra especializada, semiespecializada e não-especializada. Além dos

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Impactos Sócio-Econômicos da Entrada do Gás Natural na Matriz Energética do Amazonas Figura 2 – Situação geográfica do gasoduto Coari-Manaus

empregos diretos, deverão ser criados diversos outros postos de trabalho no transporte fluvial de equipamentos, insumos e pessoas. Considera-se que a demanda por serviços e produtos poderá gerar um efeito multiplicador, aumentando a criação de postos de trabalho. Considerando a natureza de algumas atividades a serem desenvolvidas na implantação da obra, boa parte dos operários será recrutada nas cidades do interior do Estado do Amazonas, pelo conhecimento que possuem da região. Um programa de treinamento coordenado pelo Sistema Nacional de Emprego – SINE está sendo implementado, com a participação do SENAI, CEFET, CETAM e outras instituições de ensino profissional. Como na maioria dos gasodutos em operação no mundo, os impactos ambientais potenciais, decorrentes da construção e operação do gasoduto CoariManaus são possíveis de serem evitados ou reduzidos com a adoção de medidas preventivas. O desenvolvimento, implementação, acompanhamento e monitoramento dessas medidas serão realizados através de um conjunto de Programas Ambientais, elaborados pela Ufam, com a participação de

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movimentos organizados identificados durante as reuniões nos municípios da área de influência do Gasoduto. OS IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS PARA O AMAZONAS Além do impacto direto na redução do custo de geração de energia, o uso do gás natural abre possibilidades para outros setores da economia. Um deles é o setor de transportes, que vem ganhando dimensões surpreendentes até mesmo para os especialistas no assunto. O GNV, como é conhecido o gás veicular, é o segmento que mais cresce no país, com uma frota próxima de 1 milhão de veículos já convertidos. A redução de custo com combustíveis é o principal atrativo para os proprietários de automóveis e utilitários aderirem ao gás natural. Em todas as cidades, a chegada do GNV deflagra uma verdadeira corrida na busca pela conversão, criando um mercado de peças e de oficinas para atender às novas demandas. No Amazonas, um outro segmento de transporte atrai a atenção dos especialistas, que é o setor fluvial. A conversão de motores de barcos

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para funcionarem com a mistura diesel-gás vem sendo estudada, e mostra boas possibilidades de aplicação em alguns trechos da região. O primeiro deles é o próprio trecho Coari-Manaus, cujo transporte por barcos percorre 460 km em 24 horas de navegação. A redução de custos possível com a introdução do diesel-gás é mais um elemento no projeto de desenvolvimento regional. A entrega do gás nos municípios do traçado do gasoduto é a garantia do abastecimento das embarcações no trajeto. Um outro fator importante para o investimento e pesquisas no setor é a relação peso/potência, com menor impacto na água que no transporte terrestre. Com isso, uma embarcação pode levar mais cilindros de gás e ter maior autonomia, sem comprometer a eficiência do transporte. Além do trecho Coari-Manaus, outras rotas podem ser viabilizadas para o uso do diesel-gás: a hidrovia do Madeira, ligando Porto Velho, em

Rondônia, a Manaus e Itacoatiara, no Amazonas; o rio Juruá, com os campos de gás de Carauari, o rio Tefé, com os campos de São Mateus. Também os municípios do médio rio Purus atravessado pelo Gasoduto Urucu-Porto Velho são exemplos de possibilidades futuras no transporte fluvial a gás natural na Amazônia. Com a implantação do Gasoduto Coari-Manaus haverá o estabelecimento de uma rede de fibra ótica paralela à tubulação, interligando com alta tecnologia de informação os municípios atravessados pela faixa do empreendimento. Esse salto tecnológico é também uma mudança de paradigma para as populações do interior, viabilizando os chamados “Telecentros” para educação à distância, atendimento médico, acesso à Internet e telefonia de alto desempenho e outras oportunidades geradas pela implantação da fibra ótica na diretriz do gasoduto. Com o Gasoduto Urucu-Porto Velho, teremos a

Figura 3 – Vala técnica de transporte de gás e outros produtos

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possibilidade de interligação com fibra ótica via Urucu das duas capitais, aumentando em muito a velocidade de comunicação entre elas. Além do transporte e da comunicação, a disponibilidade do gás natural nos municípios abre mercados para aumento do valor agregado de produtos naturais, hoje exportados sem beneficiamento. Um deles é o mercado de fibras, da juta e da malva, que passam a contar com energia adequada para a implantação de caldeiras e o beneficiamento do produto. A geração de frio a partir do gás natural é importante para a indústria da pesca e da produção de polpas de fruta, também com potencial de crescimento ao longo do rio Solimões. O pólo cerâmico do município de Iranduba é outro que tem potencial para aproveitamento do gás natural. O GÁS NATURAL EM MANAUS A chegada do gás natural no município de Manaus, esperada há mais de 20 anos, deverá ocorrer até o final do ano de 2006, com a conclusão das obras do gasoduto. Pela disposição geográfica e pelo planejamento das vias de acesso, o Distrito Industrial será amplamente beneficiado, prevendose a expansão de redes de distribuição de gás para as indústrias através da Companhia Estadual de Gás – CIGAS. É esperada a substituição imediata do gás liquefeito de petróleo – GLP utilizado pelas indústrias – a um preço elevado e a substituição gradual de outros combustíveis. São esperadas também outras indústrias, com maior demanda de energia ou com afinidades com o gás natural, caso das indústrias de biscoitos e massas, margarinas, cerâmica, têxtil, papel e celulose, metalúrgica e etc. Em todos os casos, os investimentos privados têm papel relevante, particularmente de grupos industriais que ainda não operam no PIM. A Suframa vem estudando a implantação de um pólo gásquímico, onde o gás natural aparece como matéria prima industrial. Um outro mercado potencial é o da produção de “gasodomésticos”, ou seja, aparelhos de ar condicionado, geladeiras, máquinas de lavar roupas e louças, movidas a gás natural.

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O uso comercial e residencial do gás de Urucu depende de fatores técnicos, como, por exemplo, a construção de redes de distribuição nas vias urbanas e de fatores econômicos, qual seja o nível de investimentos em infra-estrutura que o Estado, a União e grupos privados estejam dispostos a fazer nesse setor. A chamada “vala técnica”, mostrada na Figura 3 e em aplicação experimental no município de Caxias do Sul/RS, inclui na distribuição de gás outros serviços, tais como redes de energia, de água, de telefonia, fibra ótica e etc. Em Manaus, o maior débito e, portanto, a maior oportunidade existente para a implantação da vala técnica, relaciona-se ao saneamento básico. Praticamente inexistem redes coletoras de esgoto em toda a cidade, sendo, portanto, um bom ponto de partida para o estabelecimento de um projeto conjunto, tendo por base a rede de drenagem dos igarapés que cortam a cidade. A proposta atribuição de competência ao município para atuar na área do saneamento básico pode vir a favorecer esse projeto. Um outro aspecto que pode antecipar o uso em hotéis, “shopping-centers” e outros estabelecimentos comerciais é a possibilidade de geração de frio a partir do gás natural. Os elevados gastos em energia podem justificar investimentos em cogeração a gás natural, ou seja, gerar energia e frio no próprio estabelecimento. O uso residencial do gás natural pode se dar em médio prazo, dependendo também dos investimentos governamentais. Com a existência das redes de distribuição, edifícios, condomínios e residências vão aos poucos adotando o gás encanado, cujo custo pode cair à metade em relação ao gás de botijão. CONCLUSÕES O Pólo Industrial de Manaus – PIM, com toda a sua força econômica, precisa encontrar mecanismos que possam gradualmente reduzir a dependência de incentivos fiscais. Criada para cumprir finalidades específicas, a Zona Franca de Manaus superou as expectativas e se tornou um grande pólo de

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desenvolvimento, com grande diversidade de produtos e que necessita cada vez mais de investir no adensamento da cadeia produtiva. O gás natural, além de solucionar a questão energética, pode trazer os elementos que faltavam para a consolidação do parque industrial não só de Manaus como também de boa parte do interior do Amazonas. O transporte fluvial a gás natural, como solução regional apropriada, modifica a abordagem das hidrovias, podendo trazer mais fôlego ao setor, hoje carente de regularidade e de elementos básicos como a segurança dos passageiros e cargas. O gás natural veicular, o GNV, encontra em Manaus condições ideais de implementação, com possibilidade de implantação de postos no Distrito Industrial e em suas bordas, atendendo perfeitamente a demanda de abastecimento em todo o município. Os municípios de Manacapuru e Iranduba, também contemplados com o gás natural pelo Gasoduto Coari-Manaus e o município de Itacoatiara, com o gás de Silves, são as ligações rodoviárias estaduais mais propícias ao uso do GNV. BIBLIOGRAFIA C C A / U FA M . E s t u d o P r é v i o d e I m p a c t o Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental do Projeto de Construção do Gasoduto Coari-Manaus. Centro de Ciências do Ambiente da Universidade Federal do Amazonas, 6 volumes, 2003.

*Ronaldo P. Mannarino, especialista em avaliação de impactos ambientais pela Ufam e mestre em ecologia pelo Inpa, é coordenador de Gás e Energia da Petrobras no Amazonas.

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Melhorias Estruturais de Suprimento para os Sistemas Elétricos Isolados de Manaus e Macapá

MELHORIAS ESTRUTURAIS DE SUPRIMENTO PARA OS SISTEMAS ELÉTRICOS ISOLADOS DE MANAUS E MACAPÁ *Willamy Moreira Frota RESUMO A questão do atendimento energético à Região Norte foi considerada como prioritária pela atual administração federal, uma vez que a geração de energia elétrica nos chamados sistemas isolados causa grandes prejuízos econômicos e ambientais para a sociedade brasileira, além de haver a necessidade de ações imediatas visando eliminar os riscos ainda existentes de racionamentos eventuais em alguns desses sistemas, evitando, assim, situações como a grave crise de abastecimento verificada no ano de 1997, em Manaus [1]. Nesse contexto, merece destaque a preocupação com o suprimento aos mercados das cidades de Manaus e Macapá, sendo que Manaus possui o maior sistema elétrico isolado da Região Norte, com aproximadamente 400.000 consumidores, com características de perfil de consumo, por classe, semelhante aos grandes centros industriais do País, conforme apresentado na Figura 1 [5], devido, principalmente, ao Pólo Industrial de Manaus, que abriga um parque de empresas modernas, dotadas de tecnologia de ponta, que exige da concessionária Manaus Energia um nível de atendimento com qualidade e confiabilidade compatíveis com as melhores empresas de energia elétrica [2]. INTRODUÇÃO Busca-se, atualmente, uma solução robusta para o suprimento energético a esta capital, que é atendida, hoje, por um parque gerador hidrotérmico superior a 1000 MW de capacidade nominal instalada, sendo 750 MW de unidades térmicas, a maioria dos quais no término de sua vida útil [3].

Arte: Breno Colares

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Melhorias Estruturais de Suprimento para os Sistemas Elétricos Isolados de Manaus e Macapá Figura 1 – Distribuição do mercado da Manaus Energia por classe de consumidores, em 2003

Outras 17%

Residencial 27%

Comercial 18% Industrial 38%

Fonte: Manaus Energia, 2003.

Aliado a todas as questões sócio-econômicas graves envolvidas nos mercados dos sistemas isolados da Região Norte, deve-se considerar, ainda, o altíssimo custo da energia termelétrica produzida nesses sistemas, que imputam à nação grandes dispêndios financeiros [1]. Na busca de soluções para esses problemas, devem ser estabelecidas diretrizes de médio e longo prazo que considerem o aproveitamento do potencial hidrelétrico da região e as perspectivas de complementação termelétrica utilizando o gás natural da bacia do Solimões (AM) como alternativas para melhorias no atendimento aos sistemas elétricos isolados de Manaus, Macapá e outras localidades que possam ser contempladas nas definições das rotas das linhas de transmissão Tucuruí – Manaus – Macapá e do trajeto do gasoduto Coari – Manaus. INTERCONEXÃO ELÉTRICA AO SISTEMA INTERLIGADO NACIONAL A construção de uma linha de transmissão levando energia até Manaus não é uma idéia nova, já tendo sido estudada duas vezes nas duas últimas décadas. A Eletronorte desenvolveu, no passado, estudos para o atendimento ao mercado da cidade de Manaus (AM), por meio de um sistema de transmissão interligando a UHE Tucuruí (PA) àquela cidade, que permitiria, também, atender aos mercados da margem esquerda do rio Amazonas, nos Estados do Amazonas e Pará, além de propiciar uma conexão para o Estado do Amapá. Entretanto, a imensidão do rio Amazonas,

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impondo uma ampla faixa de travessia, desafiava a engenharia e impunha custos elevadíssimos. Por outro lado, o mercado sendo muito pequeno ao longo das margens do rio Amazonas e tendo-se apenas a cidade de Manaus, no extremo da linha, como um mercado de porte, levantava dúvidas sobre se o empreendimento seria capaz de ter uma relação custo-benefício aceitável. Neste início de novo século, o cenário é bem diferente, pois a região que pode ser beneficiada possui uma população superior a dois milhões de habitantes. Contudo, as capitais Manaus e Macapá, planejadas para serem regiões de Zona Franca, ainda apresentam fortes restrições de disponibilidade de energia, requerendo soluções a curto prazo, principalmente para a capital do Amazonas. Nos últimos anos, a Eletronorte adquiriu bastante experiência com os sistemas de transmissão em 230 e 138kV que levam energia da UHE Tucuruí para a área oeste do Pará, até as margens do rio Tapajós, no município de ltaituba, vencendo as adversidades da floresta. Por tudo isso, acredita-se que este é o momento propício, se não tardio, para uma nova avaliação da viabilidade da construção da interligação UHE Tucuruí-Manaus-Macapá. CONDIÇÕES DE ATENDIMENTO AOS MERCADOS ANTES E APÓS A INTERLIGAÇÃO As condições atuais do parque gerador da Manaus Energia não proporcionam a confiabilidade desejada do suprimento energético ao sistema Manaus, uma vez que as restrições operacionais de unidades geradoras limitam a disponibilidade efetiva

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Melhorias Estruturais de Suprimento para os Sistemas Elétricos Isolados de Manaus e Macapá

de geração. Esse quadro restritivo reflete-se na insuficiência de oferta de energia para atendimento ao crescimento do mercado de energia elétrica, já a partir de 2004. Fatores como a reduzida reserva operativa, a extensão da vida útil operacional de algumas unidades termelétricas da Manaus Energia e o encerramento dos contratos de operação comercial das plantas do PIE EI Paso, em janeiro de 2005 e 2006 e do PIE CGE em dezembro de 2005, caracterizam o aspecto emergencial na expansão da capacidade geradora necessária ao sistema Manaus. Uma alternativa definitiva, no entanto, deve ser encontrada para o atendimento a esse sistema [2]. A mesma situação também se verifica nos sistemas isolados do Pará e Amazonas situados na margem esquerda do rio Amazonas. Somente o sistema Amapá apresenta uma situação de atendimento energético um pouco mais confortável em relação aos demais sistemas. No entanto, já em 2006 esse sistema necessitará de novas expansões de geração. Esse projeto, se concretizado, representará a consolidação da UHE Tucuruí como uma usina de

integração regional, promovendo uma expressiva interiorização da sua energia na região, com a mesma qualidade e garantia da ofertada nas regiões atendidas pelo Sistema Interligado Nacional. Além da substancial melhoria nas condições de atendimento às localidades atendidas pela mesma, a interligação Tucuruí-ManausMacapá possibilitará uma substancial redução nos custos de geração, devido à eliminação da geração termelétrica à base de derivados de petróleo. Assim, a interligação Tucuruí-Manaus-Macapá é um sistema de transmissão concebido dentro de um contexto de desenvolvimento regional, uma vez que estará interligando não só o Amazonas, como também o Amapá e localidades do Pará situadas na margem esquerda do rio Amazonas, possibilitando um impulso decisivo à dinâmica social e econômica de toda esta região, podendo atender cerca de 30 municípios nesses Estados e mais de 2.000.000 de pessoas. INTERLIGAÇÃO DOS SISTEMAS Uma alternativa para o sistema de transmissão proposto é apresentada na Figura 2[6], que mostra o mapa eletrogeográfico da rota mais provável da

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Figura 2 – Mapa Eletrogeográfico da Interligação Tucuruí-Manaus-Macapá

Fonte: Eletronorte, 2003.

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interligação Tucuruí-Manaus-Macapá, em circuitos simples, envolvendo um nível de tensão de 500 kV no percurso Tucuruí-Manaus, com uma extensão de cerca de 1500 km, e tensão de 230 kV para suprimento à cidade de Macapá, em uma derivação com aproximadamente 300 km [3]. A travessia do rio Amazonas, ponto técnico mais relevante do projeto, pode ser feita por via aérea ou subaquática. Para essa avaliação considerou-se uma travessia aérea e o local escolhido foi o mesmo indicado em estudos anteriores, ou seja, através da ilha de Jurupari (PA). Nesse local, a ilha divide o rio Amazonas em dois vãos de aproximadamente 1.750m e 2.100m de largura. As tecnologias atuais permitem a construção de linhas de transmissão capazes de vencer vãos de até 2.500m de extensão. Vale ressaltar que o Complexo Hidrelétrico (CHE) de Belo Monte, também no Estado do Pará, foi idealizado prevendo-se um sistema de transmissão associado para suprir as Regiões Norte, Nordeste e Sudeste. O trecho da LT Tucuruí-Manaus entre os municípios de Altamira e Tucuruí constituirá, portanto, uma antecipação de parte do sistema de transmissão que escoará a energia do CHE de Belo Monte para o Sistema Interligado Nacional (SIN). A implantação da LT Tucuruí – Manaus – Macapá permitirá um intercâmbio médio de aproximadamente 1.000 MW entre o Sistema Manaus e o SIN, e uma disponibilidade de transmissão de 200 MW para o Sistema Amapá. Os investimentos necessários para a implantação da LT Tucuruí-Manaus-Macapá são da ordem de US$ 1 bilhão. Em contrapartida, o projeto apresenta vários benefícios, sendo o mais significativo economicamente aquele que proporciona economia em geração termelétrica evitada. Essa economia é caracterizada pelo investimento evitado na implantação de um parque gerador termelétrico, na operação e manutenção evitadas desse parque e no consumo de combustível evitado. Somente o valor previsto para ser desembolsado, no ano de 2004, pela CCC-Isol para cobertura das despesas com o consumo de combustíveis derivados do petróleo para geração de energia elétrica no sistema Manaus é

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superior a R$ 1,5 bilhão, ou seja, aproximadamente US$ 500 milhões considerando-se uma taxa de câmbio correspondente a US$ 1,00 = R$ 3,00 [2]. Com isso, entende-se que, vencidas as questões ambientais típicas de um empreendimento dessa magnitude, em uma região de características específicas como a Amazônia, o projeto é viável e importante para a verdadeira integração dessa sociedade que ainda convive com um forte sentimento de exclusão social. APROVEITAMENTO DO GÁS NATURAL DA BACIA DO SOLIMÕES As reservas de gás natural da Bacia do Solimões já são conhecidas há bastante tempo. As sucessivas negociações para utilização dessas reservas, no Estado do Amazonas, na geração de energia elétrica, particularmente no Sistema Manaus, têm sofrido, no entanto, vários impasses e indefinições ao longo dos anos, implicando em atrasos sucessivos na sua efetiva disponibilização para consumo, impossibilitando o aproveitamento do potencial existente na Amazônia. Em 2002, as últimas restrições diziam respeito à modalidade de transporte desse energético, uma vez que o governo do Amazonas havia optado pela utilização das vias fluviais, tendo firmado, inclusive, uma sociedade com uma empresa estrangeira com essa finalidade. Rompida essa sociedade, por alegação de descumprimento contratual por parte do sócio estrangeiro, o governo estadual retirou, em 2003, as restrições que existiam com relação ao transporte por gasoduto. A instalação do gasoduto Coari-Manaus, entretanto, passa atualmente por avaliação, por parte do Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (IPAAM), do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA) e de seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), elaborados com vistas à emissão da Licença de Instalação desse empreendimento [4]. A recente reestruturação da composição acionária da Companhia de Gás do Amazonas (CIGÁS), empresa responsável pela distribuição do gás natural no Amazonas, permite vislumbrar a

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Melhorias Estruturais de Suprimento para os Sistemas Elétricos Isolados de Manaus e Macapá Figura 3 – Aproveitamento Termelétrico do Gás Natural da Bacia do Rio Solimões

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Fonte: Petrobras, 2003.

perspectiva de utilização desse energético para geração de energia elétrica no sistema Manaus em um horizonte de curto prazo (2007). Entretanto, para que isso se viabilize, será necessário superar os impasses ambientais vigentes com relação à construção do

gasoduto Coari-Manaus, e fazer evoluir, paralelamente, as tratativas para elaboração e assinatura dos contratos de fornecimento do gás natural com a concessionária Manaus Energia. No Estado do Amazonas, a Petrobras explora e

Figura 4 – Proposta de Derivações do Gasoduto Coari-Manaus para Outras Localidades do Estado LEGENDA

GASODUTO PRINCIPAL RAMAIS A ESTUDAR

Fonte: Petrobras, 2003.

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Melhorias Estruturais de Suprimento para os Sistemas Elétricos Isolados de Manaus e Macapá

Tabela 1 – Projeções do Mercado de Energia Elétrica – Ciclo 2003 – Sistema Manaus Energia

Ano Demanda máxima (MW) Crescimento anual (%) Demanda média (MWh/h)

2004 768 12 558

2005 839 9 610

2006 916 9 652

2007 978 6 691

2008 1040 6 732

2009 1112 6 777

2010 1186 6 824

2011 1265 6 875

2012 1344 6 927

2013 1426 6 983

Fonte: CCPE /CTEM, 2003.

produz petróleo e gás na Bacia do Solimões, na província do Rio Urucu, no município de Coari (AM), a 650km de Manaus. Atualmente, tanto o petróleo quanto o gás de cozinha são escoados, de Urucu, através de dois dutos, com 280 km de extensão, cada um, até o “Terminal Solimões”, na margem direita do Rio Solimões, onde são embarcados em navios petroleiros e transportados para a Refinaria de Manaus. O gás natural produzido em Urucu, hoje em volumes superiores a 7 milhões de metros cúbicos por dia, vem sendo reinjetado em seu local de origem, aguardando a construção de gasodutos que permitam seu escoamento, quais sejam: gasoduto Urucu – Porto Velho, com extensão em torno de 500km, diâmetro de 36cm (14") e custo total estimado em US$ 300 milhões, para atendimento ao pólo de geração termelétrica de Rondônia, em torno de 400 MW, que contempla, ainda, a extensão de linhas de transmissão para a cidade de Rio Branco (AC) e para a Região Sudeste do Estado; e o gasoduto Coari – Manaus, para atendimento ao parque térmico do sistema Manaus, com uma potência inicial estimada em 700 MW, conforme ilustrado na Figura 3 [4]. Quanto ao ponto de fornecimento do gás (citygate) para atendimento da demanda de Manaus, o mesmo será instalado junto à Refinaria de Manaus (REMAN). Nesse ponto, será medida a parcela do gás natural que será transferido da transportadora para a distribuidora de gás natural, que no caso será a Companhia de Gás do Estado do Amazonas (CIGÁS). Para os demais municípios localizados na rota do gasoduto, incluindo Coari, outros pontos de fornecimento de gás poderão ser instalados, em parceria com a empresa CIGÁS, conforme ilustrado na Figura 4 [4]. As peculiaridades da Amazônia, principalmente

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do sistema Manaus, que apresenta os requisitos de mercado projetados para os próximos anos na Tabela 1[7], contemplando o horizonte decenal (2004-2013), bem como a situação operacional dos atuais sistemas de geração, transmissão e subtransmissão apontam para a necessidade de definição imediata de alternativas de solução estrutural para o suprimento de energia elétrica à cidade de Manaus e outras localidades da região. CONCLUSÃO Como solução estrutural, para os sistemas elétricos isolados de Manaus e Macapá, estão sendo estudadas duas opções, com soluções robustas e integradas, constituídas por dois projetos principais: a LT, em 500 kV, Tucuruí-Manaus, com uma derivação em 230 kV para o Amapá, e o aproveitamento do gás natural da bacia do Solimões, no atendimento, além das capitais Manaus e Macapá, de diversos municípios a leste e oeste do Amazonas, oeste do Pará e sul do Amapá. Para o Estado do Amazonas, a alternativa de interligar Tucurí-Manaus-Macapá poderá contemplar nove localidades no baixo Amazonas, com uma população total aproximada de 300 mil habitantes e um consumo equivalente a 30% do mercado da CEAM. Quanto ao suprimento de gás natural, cujo projeto âncora para viabilização do empreendimento é a geração de energia elétrica em Manaus, há possibilidades de derivações secundárias no gasoduto para atender, em princípio, a seis localidades existentes ao longo do traçado principal, que são: Coari, Codajás, Anorí, Caapiranga, Manacapuru e Iranduba, com uma população em torno de 230.000 habitantes, que corresponde a 25% do mercado atual da CEAM.

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Melhorias Estruturais de Suprimento para os Sistemas Elétricos Isolados de Manaus e Macapá

Assim, os dois projetos são importantes para a consolidação da matriz energética da Região Amazônica, pois as economias obtidas com os custos evitados na aquisição de combustíveis para a geração termelétrica no ano 2004 só em Manaus são da ordem de US$ 500 milhões, valor equivalente ao custo total estimado do gasoduto e metade do custo previsto para o sistema de transmissão, caracterizando que os investimentos totais dos dois empreendimentos seriam pagos (sem considerar os retornos sobre os investimentos) em menos de 4 anos de operação, para uma vida útil econômica dos projetos prevista para 30 anos. Com todos esses benefícios, entende-se que as duas alternativas de melhorias para o suprimento energético são complementares e não excludentes, haja vista que apenas o mercado de Manaus sinaliza uma demanda superior a 1000 MW já a partir de 2008. No entanto, devido à atual conjuntura econômica do setor elétrico e os valores estimados para os investimentos de US$ 1,0 bilhão da interligação e de US$ 500 milhões do gasoduto, bem como o tempo necessário de execução (36 meses para cada projeto), acredita-se que seria estratégico priorizar a construção imediata do gasoduto Coari-Manaus e, em seguida, a interligação Tucuruí-Manaus-Macapá, possibilitando, com isso, a inserção, em definitivo, da Amazônia no processo de integração nacional, e estimular um desenvolvimento econômico regional sustentado, beneficiando uma população superior a 2 milhões de habitantes [2].

Isolados, abril 2004. [4] Petrobras, Relatório de Impactos Ambientais, Gasoduto Coari – Manaus, 2003. [5] Manaus Energia, Relatório Gerencial, 2003. [6] Eletronorte, Estudos da Interligação Elétrica UHE-Tucuruí-Macapá-Manaus. Brasília, 2003. [7] CCPE, Comitê Coordenador de Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos – Projeção de Mercado, 2003.

* Willamy Moreira Frota, mestre em planejamento de sistemas energéticos pela Unicamp, é diretor-presidente da Manaus Energia e Companhia Energética do Amazonas - CEAM.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] BAJAY, S. V. Mudanças no Planejamento dos Sistemas Elétricos Isolados no Brasil, Relatório MME/PNUD, setembro 2003. [2] FROTA, W.M. Sistemas Isolados de Energia Elétrica na Amazônia no Novo Contexto do Setor Elétrico Brasileiro – Dissertação de Mestrado em Planejamento de Sistemas Energéticos, UNICAMP, 2004. [3] GTON, Grupo Técnico Operacional da Região Norte, Plano de Operação para 2004, Sistemas

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Atendimento Energético a Pequenas Comunidades Isoladas: Barreiras e Possibilidades

ATENDIMENTO ENERGÉTICO A PEQUENAS COMUNIDADES ISOLADAS: BARREIRAS E POSSIBILIDADES *José de Castro Correia CONTEXTUALIZAÇÃO O atendimento de energia elétrica às populações rurais brasileiras ainda não atendidas representa um enorme desafio para o país, pois se refere a um contingente de cerca de 10 milhões de brasileiros que vivem no campo, distribuídos em 2 milhões de domicílios – representando 80% do total nacional da exclusão elétrica, segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME). A região Amazônica apresenta um amplo leque de fontes primárias renováveis de energia e abriga uma biodiversidade ímpar no planeta. No entanto, as populações que habitam suas comunidades isoladas vivem a contradição de um precário abastecimento de energia elétrica e um degradante estado de miséria e pobreza, fatores que em muito vêm influenciando a migração em direção às sedes dos municípios, principalmente das capitais, em busca de oportunidades, contribuindo para o avanço das mazelas sociais locais, tendo em vista tratar-se de pessoas, geralmente, com baixo nível de escolaridade e sem qualificação profissional que lhes possa assegurar trabalho e renda. A forma como as comunidades isoladas da região se distribuem, dispersas e ao longo das calhas dos rios, faz com que a extensão de linhas de distribuição de energia a partir das centrais localizadas nas sedes dos municípios seja descartada, na grande maioria dos casos, em função, principalmente, dos altos custos que representam as extensões dessas linhas e das dificuldades de transposição dos acidentes geográficos que se interpõem (grandes áreas de floresta, lagos, rios, etc.). Os altos custos da geração a óleo diesel motivados, principalmente, pelo alto custo do combustível, pelas dificuldades de abastecimento

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Atendimento Energético a Pequenas Comunidades Isoladas: Barreiras e Possibilidades

e manutenção dos sistemas de geração e distribuição, aliados à baixa renda dos moradores locais, inviabilizam as comunidades isoladas como nichos de mercado para este tipo de geração. Assim é que, das cerca de 4.600 comunidades contabilizadas no Estado do Amazonas, somente 32 (aproximadamente 0,7%) são supridas com energia elétrica por meio da concessionária responsável pela eletrificação dos municípios do interior e áreas rurais - Centrais Energéticas do Amazonas (CEAM). O Estado do Amazonas é um dos estados brasileiros com maior índice de propriedades rurais não eletrificadas (cerca de 73%), correspondente a aproximadamente 75 mil domicílios, conforme mostra o gráfico da Figura 1. Está atrás apenas do Acre, em termos percentuais, no que diz respeito a propriedades não eletrificadas. Assim, na medida em que o desenvol-

grupos-geradores de energia de pequena potência (de 12,5 kW a 66 kW) distribuídos nas comunidades, a quase totalidade cedida pelas prefeituras e pelo governo do Estado. A maioria, no entanto, encontrase parada em função, principalmente, da carência de recursos financeiros por parte dos ribeirinhos para garantir a manutenção e o abastecimento de combustível. As comunidades onde os grupos-geradores operam com certa regularidade são, via de regra, aquelas em que a manutenção e o fornecimento de combustível são subsidiados pela prefeitura local, e refere-se à necessidade de atendimento de energia elétrica para o funcionamento de escolas, no período noturno, comumente durante 4 horas diárias. Essas constatações apontam para o fato de que o problema central para a sustentabilidade financeira do fornecimento de energia elétrica às comunidades

Figura 1 - Números absolutos de exclusão elétrica rural por Estado da Federação

Domicílios rurais sem acesso 500.000 450.000 400.000 350.000 300.000 250.000 200.000 150.000 100.000

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Mato Grosso do Sul

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Rio Grande do Norte

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Mato Grosso

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São Paulo

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Ceará

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Maranhão

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Fonte: MME

vimento econômico de qualquer região ou país guarda uma relação direta com o consumo de energia – principalmente a energia elétrica – esses índices refletem a baixa atividade econômica no interior, responsável por somente 2% da riqueza gerada no Estado. Por outro lado, há no Estado cerca de 3 mil

isoladas do Estado do Amazonas, bem como de outros Estados da região, está afeto ao baixo nível de renda dos seus moradores. Ou seja, qualquer programa voltado para o abastecimento de energia às comunidades isoladas da região deverá estar atrelado a programas direcionados à geração de renda, sob pena de o Estado ter que arcar com a

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Atendimento Energético a Pequenas Comunidades Isoladas: Barreiras e Possibilidades

maior parte dos custos de implantação e operação das micro-centrais instaladas, dentro de uma visão em que se prioriza o aspecto social do fornecimento de energia elétrica. Nesse sentido, uma experiência promissora, executada pela Universidade Federal do Amazonas, com recursos do governo federal, está em curso em uma comunidade isolada (comunidade do Roque) do município de Carauari. Trata-se de um projeto de extração de óleos vegetais de oleaginosas nativas da região, cuja comercialização tem dobrado a renda dos moradores e, dessa forma, garantido 100% do pagamento da tarifa de energia elétrica, no período de safra e beneficiamento de sementes, que ocorre de março a outubro. Fora desse período, a inadimplência chega a 30%. Nesse caso, em que inicialmente se iria utilizar o óleo vegetal de andiroba bruto em um motor diesel modificado, optou-se, por força do preço que o óleo alcançou no mercado, pela sua venda e pela compra do diesel para gerar energia. Este exemplo comprova a necessidade de energia para agregar valor aos produtos da floresta e gerar renda aos moradores locais, de modo sustentável. Assim

DE FONTES RENOVÁVEIS - BARREIRAS A SEREM VENCIDAS A geração de energia elétrica baseada em fontes primárias renováveis, disponíveis localmente, apresenta uma série de vantagens sócio-ambientais (geração de emprego e renda, menores emissões atmosféricas e dinamização da economia local) em relação ao uso dos combustíveis fósseis (petróleo, gás natural, carvão mineral, etc). Entretanto, há diferentes barreiras ao uso dessas fontes, tais como: alto nível de investimento inicial em tecnologias de transformação; inexistência de tecnologia de transformação em pequena escala; tecnologias ainda não consolidadas; e o desconhecimento do consumidor/investidor quanto à existência de facilitadores disponibilidade de crédito, matéria-prima, regulação do setor, etc - destinados a incentivar a inserção dessas fontes na matriz energética nacional. As principais fontes primárias de energia disponíveis na Amazônia, com maiores chances de aproveitamento, são a fotovoltaica, a hidrocinética e a biomassa (lenha, resíduos florestais e óleos

Quadro 1 - Custos de Instalação e de Geração de Energia de Fontes Renováveis

Custo de Geração - (US$/MWh) Sem CCC 10.000,00

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78,33

Hidrocinética*

5.000,00

180,10

98,23

Eólica

1.000,00

45,01

26,05

Gaseificação**

750,00

115,28

101,00

Vapor

600,00

113,67

96,91

Biodiesel***

303,00

305,00

300,18

Fotovoltaica

* Roda dágua flutuante

** Sem consumo de diesel

***Biodiesel de babaçu

como os óleos vegetais, uma série de outros recursos naturais poderiam ser beneficiados localmente, como é o caso do pescado e das frutas regionais perecíveis, os quais necessitam de refrigeração para conservação e posterior comercialização. A GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA POR MEIO

32

Com CCC

vegetais) em toda a região, e a eólica (em partes dos litorais do Pará e Amapá), cujos custos aproximados de instalação e geração estão representados no Quadro 1. Nesse quadro, além dos custos normais de geração, apresentam-se os custos de geração levando em consideração a sub-rogação da Conta de Consumo de Combustível (CCC) destinada a

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Atendimento Energético a Pequenas Comunidades Isoladas: Barreiras e Possibilidades

subsidiar a instalação de fontes renováveis. O emprego maciço dessas fontes faz parte das prioridades do programa Luz para Todos, do governo federal, que objetiva o acesso e uso da energia elétrica por todos os brasileiros, até o ano de 2008. No entanto, conforme se pode perceber, o uso de fontes renováveis, em escala significativa, nas condições amazônicas, passará, obrigatoriamente, pela minimização das fontes, com vistas ao atendimento de pequenas demandas de energia; consolidação técnica de determinadas tecnologias (especialmente de biomassa); e diminuição dos custos de investimento, que só deverá ocorrer quando se aumentar a escala de produção das fontes. A superação dessas barreiras só poderá ser esperada, logicamente, no longo prazo, e dependerá de vontade política por parte dos tomadores de decisão. Caso contrário, as fontes não diminuirão seu custo, por causa da baixa demanda por sua aquisição e a demanda não aumentará, em virtude dos altos custos das fontes, perpetuando, desse modo, o ciclo vicioso que se depara atualmente. Desse modo, é necessário que se garanta demanda para que os fabricantes possam ter a garantia de retorno de investimento em pequenas fontes renováveis, o que dependerá, certamente, de decisões políticas sustentáveis em longo prazo.

O encorajamento ao atendimento de energia elétrica às comunidades isoladas da Amazônia deverá se dar a partir do entendimento da importância econômica que a região historicamente teve para o país e que certamente terá a partir de um adequado aproveitamento dos seus recursos naturais; da formação social dos seus habitantes; de que a fixação desses habitantes em suas comunidades de origem representa uma estratégia de manutenção da soberania nacional sobre a região; e que a manutenção da biodiversidade local está diretamente ligada às condições de vida dessas populações, de modo que, quanto melhores essas condições, menos pressão será exercida sobre os recursos naturais.

A ENERGIA COMO INVESTIMENTO SOCIAL Visto apenas pela ótica financeira, na qual as externalidades positivas não são valoradas e incorporadas aos custos, não há dúvida que o abastecimento de energia às comunidades isoladas, longe de ser um investimento com retorno econômico, significa um aumento nos encargos das empresas concessionárias, motivo pelo qual elas não têm demonstrado interesse em atender essa classe de consumidores. No entanto, o acesso dos excluídos à energia elétrica - cerca de 15 milhões de brasileiros - não pode ser visto, apenas, pela ótica do investimento financeiro. Deve ser encarado, todavia, como um investimento social, capaz de influenciar forte e positivamente na melhoria das condições de vida dessas pessoas.

SUBSÍDIOS À SELEÇÃO DE FONTES DE ENERGIA ELÉTRICA PARA O ABASTECIMENTO DE COMUNIDADES ISOLADAS NO ESTADO DO AMAZONAS Segundo o estado da arte das fontes alternativas de energia, tanto no que diz respeito à maturidade tecnológica (tecnologia dominada, disponibilidade de peças de reposição, rede de assistência técnica, etc) quanto com relação à escala de produção de energia (compatível com a maioria das comunidades da região), somente a fotovoltaica e a hidrocinética poderão ser consideradas, atualmente, como disponíveis ao atendimento energético de comunidades isoladas da região amazônica. Nota-se, no Quadro 1, que das fontes renováveis aplicáveis ao Estado do Amazonas (excetua-se somente a eólica), a fotovoltaica, hidrocinética e vapor são as que apresentam menores custos de geração quando se incorpora a CCC. No entanto, as duas primeiras apresentam altos custos de investimento inicial, já citado como fator inibidor de investimentos. Por outro lado, no Brasil não há fabricantes de turbinas a vapor de pequeno porte - não há problema quanto às caldeiras - havendo disponibilidade, somente, de unidades a partir de 300 kW. Entretanto, em virtude dos baixos custos relativos do investimento inicial e de geração, esta poderá ser, no curto prazo, uma fonte promissora para o Estado

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e a região, desde que se promova sua miniaturização. A gaseificação é uma tecnologia que apresenta como principais inconvenientes a presença de alcatrão na gaseificação direta da matéria-prima, e a inexistência de produtores nacionais de unidades de pequeno porte, apropriadas para uso em comunidades isoladas. Nesse sentido, a Universidade Federal do Amazonas - Ufam, através de seu Departamento de Eletricidade, e com apoio do Governo Federal, está iniciando pesquisas de campo com a implantação de uma unidade de gaseificação importada - em uma comunidade do município de Manacapuru, cuja matéria-prima eleita foi o caroço do açaí, após a extração da polpa. Outras experiências estão em curso no Estado, de modo que, em breve, espera-se, se estará disponibilizando dados técnicos capazes de orientarem a nacionalização dessa tecnologia, a preços mais acessíveis que os importados, bem como seu uso adequado. Quanto ao biodiesel, sua utilização em motores diesel convencional deverá se dar em comunidades ou grupos de comunidades onde existam sementes oleaginosas em quantidade que justifique a instalação de uma micro-usina de extração de óleos e uma mini-usina de produção de biodiesel. Isto porque a menor micro-usina de extração de óleo produz cerca de 15 kg por hora, o que é suficiente para abastecer, simultaneamente, de 3 a 5 comunidades, respectivamente de 60 e 20 domicílios, em média. A exemplo da gaseificação, a Ufam, em parceria com o Inpa, iniciou pesquisas que visam à produção de biodiesel de oleaginosas nativas da região, utilizando a rota etílica (usando o etanol como reagente). O objetivo é adaptar a tecnologia existente à realidade local, principalmente no que se refere à escala de produção (atender pequenas produções de óleo) e às características dos óleos vegetais nativos, e, desse modo, fornecer subsídios técnicos para o projeto de equipamentos de menor capacidade de produção e a menor custo relativo. A rota metílica da produção de biodiesel (usa metano na reação) está suficientemente desenvolvida, notadamente nos países mais desenvolvidos.

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Porém, apresenta o inconveniente de usar um álcool (metano) altamente tóxico, produzido a partir de combustíveis fósseis, portanto não renovável. Contrariamente, o etanol (álcool anidro de cana ou de outra fonte vegetal) é renovável e sua produção contribui para geração de emprego e renda no campo. Estima-se que cada posto de trabalho gerado na produção de diesel corresponde a três na produção de biodiesel. A GERAÇÃO DE ENERGIA COM ÓLEO DIESEL Os custos de instalação e de geração de energia com o óleo diesel situam-se em torno de US$ 300,00 por kW instalado e US$ 300,00 por MWh de energia gerada, respectivamente, representando custo de instalação inferior a todas as fontes alternativas. Por se tratar de uma tecnologia consolidada há mais de 90 anos, apresenta vasta gama de potência disponível, bem como todas as facilidades de reposição de peças e de mão-de-obra para manutenção, além de se dispor do combustível em qualquer parte do país, com certa facilidade de acesso pelas comunidades. No entanto, apresenta alto custo de geração, fato que tem inviabilizado a continuidade de operação nas comunidades que dispõem desses grupos-geradores. Seu emprego em massa, por parte das concessionárias, deverá estar atrelado a programas sociais que visem à melhoria da geração de renda e das condições sociais do homem do interior e, dessa forma, permita que este tenha condições de pagar sua conta de luz, em bases equivalentes ao que se cobra dos consumidores de baixa renda das cidades. CONSIDERAÇÕES FINAIS A abordagem inicial desse artigo, sobre a relação entre a disponibilidade de energia elétrica e a geração de riqueza, permite concluir que não é possível melhorar significativamente a renda do homem do interior e, por conseguinte, suas condições de vida, diante de um precário quadro de abastecimento de energia elétrica em que somente 0,7 por cento das

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comunidades são regularmente abastecidas pela CEAM. Trata-se de um insumo imprescindível à agregação de valor aos recursos naturais locais, por meio de processos mecânicos, além de viabilizar uma série de outras atividades importantes ao desenvolvimento social (aula noturna, recursos didáticos, conservação de alimentos e vacinas, lazer, etc). Assim, talvez não se deva mais perguntar quanto custará levar energia ao interior, mas decidir levá-la pelo menor custo. Relativamente ao emprego de fontes renováveis na solução do abastecimento de energia do interior, percebeu-se que há limitações de ordem tecnológica e econômica, de modo que um programa de inclusão elétrica não deverá se dar com base apenas nessas fontes, sob pena de se eternizar a escassez de energia nas comunidades. As fontes deverão ser complementares e seu emprego deverá se dar em locais com condições favoráveis, de forma específica, para cada tipo de fonte. Ou seja, a solução energética para as comunidades isoladas não é única e deverá se dar de acordo com estudos que apontem as maiores vantagens relativas, tais como: menor custo, maior geração de renda e garantia de sustentabilidade econômica, social e ambiental.

* José de Castro Correia, doutor em planejamento energético pela Unicamp, é professor e pesquisador da Universidade Federal do Amazonas.

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Geradores Flutuantes Hidrocinéticos de Pequeno Porte (Cata-Águas): Testes de Desempenho em Rios da Amazônia Central

GERADORES FLUTUANTES HIDROCINÉTICOS DE PEQUENO PORTE (CATA-ÁGUAS): TESTES DE DESEMPENHO EM RIOS DA AMAZÔNIA CENTRAL *Henrique John H. Harwood **Humberto Macedo

RESUMO Apesar de geradores flutuantes hidrocinéticos (cata-águas) terem aparecido na Amazônia nos anos 80, até este trabalho, nunca foram testados a longo prazo em condições de uso prático. Em resposta a essa lacuna, os autores tentaram instalar um cataágua de 1,5m de diâmetro no rio Solimões, mas problemas com detritos flutuantes forçaram-nos a mudar para o rio Uatumã, que, por ser um rio de águas pretas, não apresenta o problema. Depois dos testes o protótipo foi modificado. A transmissão mecânica por corrente submersa foi substituída por um sistema com um eixo comprido inclinado. O uso de um gerador de ímã permanente elevou a eficiência até 16%. Também foi instalado um guincho para suspender e baixar a turbina convenientemente. A unidade agora é simples, mais leve, robusta e eficiente, e mais fácil de manobrar e limpar. Porém, a sua produção é de somente 177W, com uma correnteza de 1,07m/s. Para obter mais potência, o Inpa está colaborando com um grupo ligado à Universidade de Brasília para testar uma turbina entubada de maior porte. Vale salientar que alguns ribeirinhos já desfrutaram da luz dos cataáguas, uma fonte de energia ainda promissora. Nos anos 80, o Inpa desenvolveu vários aparelhos movidos à correnteza de rios, sem a necessidade de construir barragens. Um dos mais interessantes foi uma unidade flutuante eletrogeradora, na qual a força motriz vinha de um rotor submerso que girava na correnteza da mesma maneira que um cata-vento gira no ar. Assim recebeu o nome de “cata-água”. O maior desses aparelhos tinha um rotor de 4m de diâmetro e desenvolveu 1KW

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em 110V e 60Hz durante testes no rio Solimões. Infelizmente, naquele período não havia disponibilidade de recursos para continuar os testes. Porém, a idéia de desenvolver um gerador hidrocinético continuou, e, recentemente, o Inpa recebeu apoio financeiro da Manaus Energia e do CNPq para dar continuidade a estudos da geração hidrocinética e do seu potencial na região Amazônica. O primeiro passo dos novos estudos foi o de procurar lugares onde a equipe podia fazer uma instalação permanente para realizar testes a longo prazo. Assim, os pesquisadores visitaram muitos rios da região, medindo a velocidade da correnteza e profundidade da água. Também coletaram dados da literatura hidrográfica e náutica e de outras instituições. Foi decidida a procura de lugares com correntezas de >1 m/s (3,6km/h) e profundidades de >3m. De preferência, essas condições deveriam ocorrer a uma distância <24m da margem do rio. Foi concluído que os rios Amazonas e Solimões têm correnteza e profundidade bem adequadas em toda a sua extensão. Porém, correntezas de >1,0m/s são altamente erosivas. Isso quer dizer que tais correntezas, que são encontradas facilmente no meio do rio, só ocorrem perto da margem se há pedras no local ou se a barranca estiver sofrendo uma erosão ativa (as chamadas “terras caídas”). No que trata dos “rios de terra firme” ou “rios de águas pretas”, vale a pena mencionar que, de modo geral, eles correm mais devagar e têm menos vazão que os rios Solimões e Amazonas. Certos rios investigados, por exemplo, os rios Tarumã, Preto da Eva e Urubu, eram pequenos demais e, onde possuíam correnteza suficiente, não tinham profundidade adequada. Em contraste, na região perto de Manaus, o rio Negro mostrou-se grande demais, com muita largura e profundidade e sem correnteza apreciável. No alto rio Negro, há lugares interessantes, como, por exemplo, São Gabriel da Cachoeira. Também os dados indicam que os rios Branco e Jutaí têm lugares adequados à instalação de turbinas hidrocinéticas, porém, para fazer testes de equipamentos, o Inpa precisava trabalhar em

localidades mais próximas a Manaus, e, por essa razão, escolheu os rios Solimões e Uatumã. A primeira instalação de uma turbina hidrocinética foi feita no rio Solimões, perto de uma laje de pedras que ocorre na margem esquerda do rio, a curta distância a montante da Cidade de Iranduba. Depois de solicitar autorização da Capitania dos Portos, a equipe do Inpa instalou um molhe flutuante no local, ao qual era possível atracar a turbina. O molhe consistia em um tronco de árvore flutuante mantido perpendicular à margem do rio por cordas grossas. Veja a Figura 1. O molhe acompanhou bem a subida anual do nível da água do rio Solimões, mas tinha uma tendência forte a encalhar durante o período do vazante. O problema principal, porém, vinha dos detritos

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Figura 1 - Molhe Flutuante instalado no rio

Figura 2 - Limpando o molhe flutuante no rio Solimões


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flutuantes, ou, na linguagem popular, do “lixo”. Esses detritos desciam o rio carregados pela correnteza e acumulavam nos cabos e no molhe. Consistiam em pedaços de pau, árvores inteiras, vegetação flutuante e outros materiais. O capim flutuante, Canarana, estava especialmente problemático. Às vezes, ilhas flutuantes imensas desse material engatavam no molhe. A Figura 2 mostra o problema. Tais foram as dificuldades encontradas com os detritos flutuantes que a equipe decidiu mudar de local, e trabalhar em um rio que não apresentasse

Figura 4 - Vista geral do cata-água, com eixo inclinado. 6

7 8 5

3

4

2

1

Figura 3 - O molhe instalado no rio Uatumã 1- frente do cata-água 2- bancada de lâmpadas 3- gerador de ímã permanente 4- caixa de engrenagens 5- eixo inclinado 6- guincho 7- bucha 8- turbina (8 pás)

tanto “lixo”. Assim, abandonou o rio Solimões e fez uma instalação nova no rio Uatumã, a 21 km a jusante da usina hidrelétrica de Balbina. Há acesso rodoviário a esse local pelo “Ramal da Morena”, na margem esquerda do rio. Na construção do novo molhe, foram usados materiais mais leves. Assim, a nova estrutura consiste em tubos galvanizados apoiados em flutuadores feitos de camburões, que se projeta 24m da margem rio adentro. Tipicamente, a correnteza na ponta do molhe é igual ou superior a 1,0 m/s e a profundidade igual ou superior a 3,0 m. A Figura 3 mostra o molhe instalado no rio Uatumã. O molhe instalado no rio Uatumã permitiu testar vários modelos de geradores hidrocinéticos; durante meses, identificar problemas e avaliar soluções. Por exemplo, o uso de uma corrente submersa para transmitir a energia da turbina até o gerador, como no antigo modelo do Inpa, mostrou-se inviável em longo prazo. A corrente enferrujava, enfraquecia,

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dilatava, perdia os roletes dos pinos e descarrilava com facilidade. Foi substituída com sucesso por um sistema que incorporou um eixo comprido inclinado, como descrito abaixo. Também os testes mostraram claramente que o uso de um gerador de ímã permanente era bem mais eficiente que o uso de geradores convencionais. Assim, um gerador de ímã permanente foi incorporado ao modelo mais recente. Durante todo esse período de experimentação, quando o tipo de teste permitia, a energia elétrica gerada pela turbina era transmitida para a casa do morador mais próximo e usada, principalmente, em iluminação, assim como às vezes utilizada para alimentar outros equipamentos como furadeira elétrica, ventilador e aparelhos de som. O atual cataágua do Inpa tem a forma mostrada na Figura 4. Na descrição abaixo, os números dentro dos quadrados referem-se à Figura 4. Para entender o funcionamento, vale à pena imaginar um motor de popa do tipo chamado “rabeta”. No caso do motor de popa, um motor situado acima do nível da água transmite a sua rotação até uma hélice submersa por meio de um eixo comprido inclinado. O cata-água é

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exatamente o contrário; nele, a hélice [8] (também chamada de turbina ou rotor) transmite a sua rotação por meio de um eixo comprido inclinado [5] a um gerador de ímã permante [3], situado acima do nível da água. Logicamente, como a turbina gira com uma velocidade baixa (em torno de 20 rpm) precisa-se de uma caixa de marchas multiplicadoras [4] entre o gerador e o eixo. Para facilitar o alinhamento, e poder içar a turbina fora da água convenientemente, há uma junta universal instalada entre o eixo inclinado e a caixa de marchas (devido ao ângulo da fotografia, esse detalhe não se vê na figura). A parte submersa do eixo gira numa bucha de madeira dura [7], que é pendurada por uma corda de um guincho [6], e permite suspender e arriar a turbina facilmente. Para medir a potência gerada, usa-se, geralmente, uma banca de lâmpadas [2]. O cata-água coloca-se na posição de trabalho, amarrando a sua frente [1], à ponta do molhe flutuante, e arriando a turbina até esta estar totalmente submersa. Esse gerador hidrocinético produz 177W de energia elétrica quando instalado em uma correnteza de 1,07m/s. A energia foi transmitida para uso em 220V (nominal), com controle manual da carga. O uso do gerador de ímã permanente elevou a eficiência da conversão de energia de 12% (no caso de usar um gerador convencional) a 16%, calculando a eficiência pela equação =P/(1/2A v3). Nessa equação, é a eficiência, P (Watts) é a potência elétrica

desenvolvida pelo gerador, A (m2) é a área de captação da turbina, (kg/m 3) é a densidade de água e tem o valor de 1000, e v (m/s) é a velocidade da correnteza antes da instalação da turbina. Na realidade, a potência gerada não é grande, mas os estudos no rio Uatumã enfocaram a durabilidade e confiabilidade da máquina e não a maximização da produção elétrica. Por exemplo, a turbina testada é pequena - tem um diâmetro de 1,5m - enquanto no local dos testes há profundidade suficiente para o uso de rotores maiores. Estudos mostram que, com o uso de turbinas de 2,3m de diâmetro, a produção elétrica seria de 416W (com a mesma correnteza), o que representaria uma quantidade interessante de energia para acionar pequenos motores. Também nada impede o uso de várias turbinas em paralelo no local, e/ou buscar trabalhar em lugares com correntezas mais velozes. Seguindo o caminho de geradores maiores, a equipe do Inpa está colaborando com um grupo

Figura 6 - Morador e sua família usufruindo da tecnologia do cata-água

Figura 5 - Gerador hidrocinético no lago de Brasília

(Turbina entubada suspensa fora da água. Na posição de trabalho a turbina fica totalmente submersa)

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ligado à Universidade de Brasília na construção e teste de um gerador hidrocinético que utiliza uma turbina entubada de maior porte. A unidade está mostrada na Figura 5, e testes preliminares já foram

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realizados no Lago de Brasília. Agora espera-se transportar esta turbina até Manaus para realizar testes definitivos de desempenho no rio Uatumã. Em resumo, pode-se concluir que o problema dos detritos flutuantes nos rios Solimões e Amazonas vai limitar a tecnologia hidrocinética a rios de terra firme (pelo menos por enquanto). Porém, em conseqüência da experiência adquirida no rio Uatumã, já foi desenvolvido um gerador hidrocinético com eixo inclinado, que é útil e mais eficiente, simples, robusto e fácil de manobrar que os protótipos anteriores. Também a sua manutenção e limpeza são mais fáceis. Além do mais, há a possibilidade de aumentar o tamanho e a potência dos geradores hidrocinéticos no futuro, de maneira que estes se tornem uma fonte confiável de eletricidade adequada às necessidades de pessoas que habitam perto de rios de terra firme em lugares isolados onde existem corredeiras, como mostra a Figura 6. Muitos lugares apropriados a esta tecnologia devem existir ao longo dos afluentes do rio Amazonas, tanto na sua margem esquerda quanto na sua margem direita.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS HARWOOD, J.H., Cata-águas para bombeamento e geração de eletricidade. Anais 3º Reunião da Associação Brasileira de Energia Solar, 1992. HARWOOD, J. H., O cata-água. Ciência Hoje, v 2/10, p.22-25,1984. GARMAN, P., Water Current Turbines, London: Intermedieate Technology Publications, 1986.

*Henrique John H. Harwood é doutor pela Universidade de Londres e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) em fontes alternativas de energia. **Humberto Macedo é engenheiro eletricista, mestrando do curso de planejamento energético pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), pesquisador na área de energias renováveis e especialista em secagem de madeira a base de energia solar no Inpa.

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Reflexões Termoeconômicas Sobre a Introdução da Tecnologia de Produção Combinada...

REFLEXÕES TERMOECONÔMICAS SOBRE A INTRODUÇÃO DA TECNOLOGIA DE PRODUÇÃO COMBINADA DE CALOR E TRABALHO (COGERAÇÃO) NO PARQUE TERMOELÉTRICO AMAZONENSE *Ricardo Wilson Aguiar da Cruz ANTECEDENTES A importância da cogeração para o sistema termoelétrico isolado do Amazonas está na ampliação das eficiências energética e financeira dos serviços de energia prestados. Na capital, ineficiência implica em altos custos de geração; e, no interior, além dos custos, na carência de eletricidade a resultar em baixa qualidade de vida. A concessão pelos serviços de geração, distribuição e fornecimento na Capital remonta à antiga Companhia de Eletricidade de Manaus S.A. – CEM, do início da década de 60, depois federalizada pelas Centrais Elétricas do Norte do Brasil S. A. – ELETRONORTE, constituindo a atual subsidiária Manaus Energia S.A - MESA. E, no i n t e r i o r, d u r a n t e q u a r e n t a a n o s a c o n c e s s ã o pertenceu à Companhia de Eletricidade do Amazonas S.A. – CELETRAMAZON, atual Companhia Energética do Amazonas S.A. – CEAM até sua federalização em 1997, e, a partir de então, à ELETRONORTE. O sistema MESA tem natureza hidrotérmica, mas predominância térmica na base, sendo composto de centrais de ciclo Rankine, unidades tipo turbinas a gás, a UHE – Balbina e usinas de produtores independentes (que trabalham na base) com turbinas a gás e grupos dieselétricos de grande porte (15 MW). O sistema CEAM é totalmente dieselétrico e utiliza desde pequenas unidades (150 KVA) a médias (3,5 MW). Os sistemas MESA e CEAM são isolados entre si, e o CEAM entre suas próprias usinas, que atendem municípios e vilas do interior (Cartaxo, Nebra e Cruz, 2001). O atendimento do sistema CEAM é parcial em muitas localidades e

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de baixa qualidade elétrica. Vários são os motivos que têm sido apontados para esse quadro interiorano, motivos que vão do gerencial ao técnico. No âmbito gerencial, há extrema dependência ao óleo diesel, sujeito a problemas logísticos nas comunidades mais distantes. O alto custo do combustível (inclusive transporte) também confere baixa economicidade à geração elétrica, exigindo subsidiação federal (Conta de Consumo de Combustível - C.C.C.) e, eventualmente, estadual. Pelo prisma técnico, afora problemas associados às condições ambientais da região, ocorre que o parque gerador da CEAM é composto por várias marcas de motores, o que dificulta gerenciar qualquer programa de manutenção. As reservas de gás natural da região de Urucu, sudoeste do Estado, projetam uma mudança no perfil energético primário dos sistemas MESA e CEAM, não obstante tal mudança, no início, não almejar a eficientização das usinas. Nessa fase, deverão ser utilizadas as máquinas dos parques atuais, até suas gradativas trocas por sistemas mais eficientes – centrais de ciclo combinado na capital e motores de ignição por centelha para gás no interior. Pode-se antever neste cenário tecnológico o porquê da atratividade do negócio para a PETROBRAS na

capital, tendo que o consumo residencial e de transporte serão muito inferiores que o da geração termelétrica. A energia elétrica na capital não é em si um negócio subdesenvolvido, embora ineficiente. Há fornecimento garantido, a despeito do alto custo do serviço. Desde a crise de 1997, o desenho do sistema é centrado na geração de potência firme por produtores independentes. O cerne do consumo do sistema MESA é a alta demanda de refrigeração, consumidora de algo como 51% da ponta de carga. Se introduzida a tecnologia de refrigeração por absorção nos segmentos de altas cargas – frigoríficos e ar condicionado na indústria; e se incentivada a troca de aparelhos de ar condicionado domiciliares de baixa eficiência pelos de alta, a oferta cresceria sem a necessidade de novas usinas. O subdesenvolvimento da geração elétrica no interior causa reflexos nas atividades econômicas energo-intensivas, e.g. a piscicultura, que, não bastasse feita de forma predatória, é sujeita a elevadas perdas por má conservação. Em geral, há poucos entrepostos frigoríficos e fábricas de gelo no interior (JIRCA e IDAM, 2002). A evolução visando à quebra dessa lógica está na mudança do paradigma de que a energia elétrica

Figura 1 - Cogeração de eletricidade, refrigeração e gelo por absorção (Cruz, 2004).

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deve ser a única atividade-fim das usinas. A mudança está na cogeração. ANÁLISES DE SISTEMAS DE COGERAÇÃO A avaliação de eficiências e do desempenho de sistemas de cogeração utiliza técnicas da Termodinâmica e da Termoeconomia,1 focando o aproveitamento dos rejeitos térmicos dos motores. Essas perdas (água de refrigeração, gases de 2 combustão, etc.) são fontes de energia para unidades de refrigeração por absorção brometo de lítio-água (ar condicionado) e água-amônia (refrigeração industrial). A Figura 1 ilustra o caso industrial, visando à produção de gelo e conservação de alimentos em usinas do interior. Na capital, os sistemas devem atingir empresas industriais, frigoríficos e supermercados, e, no interior, as usinas da CEAM, e ser explorados por um mecanismo institucional interessante, como as cooperativas. Os sistemas para ar condicionado têm

vocação para uso intensivo em Manaus, nas várias grandes instalações existentes. Infelizmente, a cogeração no contexto dos sistemas isolados do Norte do Brasil ainda não é contemplada pelo único marco legal e regulatório existente, o PROINFA, que ora só abrange a geração elétrica por fontes alternativas (Cruz, 2004). Plantas térmicas são convencionalmente analisadas separando os aspectos físicos dos econômico-financeiros, sendo suficientes balanços de Primeira Lei (energia) para obtenção do produto da planta, a energia elétrica; e daí podem ser determinados os custos médios dos processos envolvidos. Tipicamente, essas análises determinam as eficiências dos equipamentos e os parâmetros: fator de uso da energia térmica (FUE), índice de poupança de energia térmica (IPE), razão calorpotência (RCP), e as eficiências artificial (ef.art.) e elétrica (ef.el.). O principal é o RCP, de Horlock (1987), uma relação entre os produtos do sistema que permite

Figura 2 - Diagrama termoeconômico do sistema de cogeração dieselétrico (Cruz, 2004).

[1] Termoeconomia é um método de análise de sistemas térmicos que reúne em um único corpo teórico conceitos de Primeira e Segunda Lei da Termodinâmica, Microeconomia e Engenharia Econômica. [2] Em média, as perdas nas máquinas térmicas alcançam 65% da energia do combustível (Cruz, 2004).

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compará-los:

Nesta relação, e el. são respectivamente a potência térmica e a potência elétrica possíveis de cogerar. Em geral, estas variáveis devem refletir as médias históricas da planta. Serrano (apud Cruz, 2004) recomenda os intervalos para RCP: 4,4 a 1 para turbinas a gás; 2 a 0,5 para sistemas dieselétricos; e até 0,3 para ciclos de vapor Rankine. A Termoeconomia permite vários passos além, mormente se o sistema gera mais produtos. A chave disso está no princípio da qualidade das formas de energia, quando olhadas do ponto de vista da conversibilidade. Energia mecânica se converte totalmente em outra forma qualquer de energia, daí se dizer que tem qualidade 1. O calor não – conforme o teorema de Carnot – portanto, sua qualidade é menor que a unidade. Nesse sentido, pode-se afirmar, sem incorrer em erro de formalismo, que uma unidade de energia mecânica “vale mais” do que uma

unidade de calor.3 Do conceito de qualidade, surgiu uma entidade que traz equivalência entre calor e trabalho. Essa entidade se denomina exergia.4 O método termoeconômico pode ser aplicado a sistemas em base energética, porém com perda de informação (qualidade). A Termoeconomia atualmente avança na análise de “sistemas frios”, tais como os hidrelétricos, e à análise de resíduos sólidos e líquidos industriais e urbanos (decorrentes da definição de exergia) – permitindo transcender o alcance das análises de ciclo de vida da norma ISO 14000. Datam de 1962 os primeiros trabalhos dos pesquisadores Tribus e Evans com Termoeconomia (Cruz, 2004), técnica que valora insumos e produtos exergéticos e determina eficiências e custos médios e/ou marginais de cada subsistema (equipamento) e cada fluxo de uma planta, dividindo-a como ilustrado na Figura 2, para a concepção da Figura 1. Pela Teoria Estrutural dos pesquisadores da Universidade de Zaragoza, Espanha, Antonio Valero, Lozano Serrano e César Torres (Cruz, 2004), o problema implica resolver o sistema matricial de equações de fluxos

Tabela 1- Potenciais de cogeração dos vários setores econômicos do Amazonas

Setor Eletrônico e de Plásticos Alimentos Bebidas Papel e têxtil Madeireiro Qímico e do Petróleo Duas rodas Cimento Terciário

Tecnologia MCI TG TV TV TV

Combustível Óleo diesel Óleo diesel e gás natural Lenha e óleo pesado Lenha e óleo pesado Lenha

TV

Lenha e resíduos

9,10

2,86

TV TG

Óleo pesado Óleo diesel e gás natural Óleo diesel e gás natural Óleo diesel e gás natural Óleo diesel e gás natural Óleo diesel e gás natural Óleo diesel e gás natural Óleo diesel e gás natural

9,10 2,22 1,33 2,22 1,33 1,33 2,22 1,00

2,86

CC TG CC CC TG MCI

RCP alto 1,00 2,22 9,10 9,10 9,10

RCP baixo 0,67 1,00 2,86 2,86 2,86

1,00 0,57 1,00 0,57 0,57 1,00 1,00

Fonte: Alkmin (2000). Nota: MCI - motores de combustão interna; TG - turbinas a gás; TV - turbinas a vapor; CC - ciclo combinado. [3] Esta é a ótica da humanidade: almeja avidamente trabalho mecânico que a libere cada vez mais do esforço de realizá-lo. Na luta pela posse das fontes de energia está a razão derradeira das guerras humanas. [4] É definida como o máximo trabalho que um sistema pode realizar através de uma transformação termodinâmica reversível interagindo físico-quimicamente somente com o meio ambiente. Para tanto é assumido um ambiente-padrão com pressão e temperatura convencionais e composição química o mais próxima da atual possível (há hoje, basicamente, quatro modelos de ambiente-padrão).

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T&C Amazônia, Ano III, Número 6, Janeiro de 2005


Reflexões Termoeconômicas Sobre a Introdução da Tecnologia de Produção Combinada... Figura 3 - Coeficientes de Primeira Lei do sistema de cogeração dieselétrico. (GG – grupo-gerador, RCG – caldeira recuperadora) 112

Coe ficie nt e s [%]

95 Ef i.GG

78

Ef i.RCG FUE

61

IPE RCP

44

Ef i.artif. Ef i.el.

27 10 25

32,5

40

47,5

55

62,5

70

77,5

85

92,5 100

108

115

123

Carga [%]

temporais de custos ( C ,...): Z

Min

C(x)= [(cB) - (cB) ]+ P

Z(x,b)

I

S

S

sa B = B (x,b) B = S

S

S

Onde há S (1, ..., m) subsistemas, I (0, 1, ..., n)

fluxos de insumos e P (1, ..., t) fluxos de produtos na planta (I, P S); e onde c são preços ou custos unitários, ... Z B é o vetor dos fluxos exergéticos temporais (B),.... designa os fluxos de custos de investimento amortizado (ou fluxos de valorização exergoeconômica exógena) das subunidades, b é o vetor de exergias intensivas, x 5 é o vetor de variáveis características dos equipamentos e é um indicador que caracteriza os fluxos exergéticos como endógenos ou exógenos.

Figura 4 - Pontos de nivelamento econômico do sistema de cogeração dieselétrico. (RT – receita, CT – custo. 0 a 30 TR – capacidades frigoríficas em TR [tonelada de refrigeração]) 160,0 RT (preço A) RT (preço B) CT (0TR) CT (7,5 TR) CT (15TR) CT (22,5 TR) CT (30TR)

Valore s [US$/h]

150,0

140,0

130,0

120,0 76

356

636

916

1196

1476

1756

2036

2316

2596

2876

M assa de ge lo [k g/h] [5] Estas variáveis explicam as respostas dos equipamentos (produção). Prova-se, os custos médios são iguais aos marginais se as funções destas variáveis são homogêneas do primeiro grau.

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Reflexões Termoeconômicas Sobre a Introdução da Tecnologia de Produção Combinada... Tabela 2 - Comparações de custos médios dos produtos de cogeração (carga 75%7 )

Usina sem cogeração Tarifa média CEAM [US$/MWh] [1] 49,92

Custo de geração (eletricidade) [US$/MWh] [2] 145,27

Custo da energia elétrica [US$/MWh] [3] 129,7

Usina com cogeração Custo da Custo do gelo refrigeração [US$] por [US$] por Energia Exergia Energia Exergia [TRh] [MWh] [TRh] [MWh] [7] [4] [5] [6] 529,40

0,469

749,10

0,295

Relações entre os custos unitários [2]/[1] 2,91

[3]/[1] 2,60

[4]/[1] 10,60

[4]/[2]

[6]/[1]

3,64

15,01

[6]/[2] 5,16

Fonte: Cruz (2004). Nota: MWh – megawatt-hora (de energia ou exergia), TRh – tonelada-hora de refrigeração.

POTENCIAIS DE COGERAÇÃO NA CAPITAL E NO INTERIOR Alkmin (2000) estimou os potenciais de introdução de cogeração no Estado, mormente a capital, pela perspectiva da Primeira Lei. A Tabela 1 resume os resultados, em que o autor caracterizou dois níveis de valores para RCP, levando em conta a tecnologia empregada na fonte geradora, a disponibilidade de combustível e características econômicas dos setores. A tabela em tela permite verificar o enorme potencial de cogeração de calor dos setores alimentos, bebidas, papel, têxtil e madeireiro, mesmo se considerando seus RCP baixo, caso em que é privilegiada a cogeração de eletricidade. O sistema CEAM foi objeto de análises termodinâmicas e termoeconômicas por Ricardo Cruz (2004), para servirem de marco técnico para planejamento. Na Tabela 2 estão extratos desse estudo, indicando os custos médios (nota 6) do sistema da Figura 1 com 1 MW, operando sem e com cogeração. E, na Figura 3, as eficiências de Primeira Lei, apenas com cogeração, no intervalo de carga de 25% a 100%. Os custos da Tabela 2 não contemplam custos ambientais, e a carga considerada é 75% (nota 7).

A pequena contribuição da cogeração para a redução do déficit entre receita e custo de geração da eletricidade (coluna [3]/[1]), relativamente ao déficit sem a cogeração(coluna [2]/[1]), na Tabela 2, seria menor se considerado o custo ambiental, inferior na cogeração. Também, as análises de Cruz (2004) mostram que se levado em conta apenas venda de gelo e energia elétrica, o sistema se torna supera6 vitário (Figura 6). A Figura 3 indica que o RCP é constante em toda a carga. O valor 1,05 deste índice é praticamente o mesmo de Alkmin (2000) para o setor terciário, o único interiorano no trabalho daquele autor. Ou seja, esta é a condição ótima dos sistemas dieselétricos: aquela em que calor e trabalho são eqüipotenciais. As curvas decrescentes com reduções de carga indicam o esperado: o sistema de cogeração é menos eficiente em baixa carga. CONCLUSÕES Introduzir a cogeração no mercado termelétrico do Amazonas requer mudança de conceito. O conceito cultural ora vigente no setor indica que todo aumento de demanda deve corresponder a um aumento de capacidade instalada – leia-se, aumento do consumo de recursos naturais. Só o paradigma da eficientização dos sistemas geradores pode

[6] Foram considerados dois preços para o gelo: um igual à média dos preços de mercado (preço A) e outro igual a 60% do anterior (preço B). [7] Os motores de ignição por compressão (Diesel) normalmente apresentam patamar de potência plano entre 75% e 100% de carga.

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T&C Amazônia, Ano III, Número 6, Janeiro de 2005


Reflexões Termoeconômicas Sobre a Introdução da Tecnologia de Produção Combinada...

transpor este dogma. Não apenas a eficientização técnica, mas no sentido mais amplo do tripé do desenvolvimento sustentado: economicidade, homem e meio ambiente. A tecnologia de cogeração tem os meios de engendrar o desenvolvimento energético sustentado, tanto na Capital – a tirar pelos índices da Tabela 1, como no interior - como se pode concluir pelo caso estudado da Tabela 2 e nas Figuras 3 e 4.

fluxo; professor de Ciências Térmicas e de Transporte, Motores de Combustão Interna e Máquinas Hidráulicas da UTAM-EST/UEA, e História da Tecnologia dos cursos de Engenharia de Produção e Administração da Inovação do CESF/FUCAPI.

REFERÊNCIAS Agência de Cooperação Internacional do Japão - JICA e Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Estado do Amazonas - IDAM (2002). Estudo Para Melhoria da Qualidade de Vida das Populações Rurais Através da Agricultura, Gestão e Manejo dos Recursos Naturais do Estado do Amazonas, República Federativa do Brasil. Relatório Principal. Coord.: Masamitsu Fujioka. 1 300 p. Manaus, Brasil. Alkmin, J. T. D. (2000). Potencial de Cogeração no Estado do Amazonas. Série Sistemas Energéticos – V. Editora da Universidade do Amazonas. 219 p. Manaus, Brasil. Cartaxo, E. F., Nebra, S. A., Cruz R. W. (2001). “Performance diagnosis of northern diesel electric power plants.” In: 16th. Brazilian Congress of Mechanical Engineering (COBEM). Proceedings. Uberlândia, Brazil. Cruz, Ricardo Wilson A. Análise da Introdução de Cogeração no Sistema Isolado do Interior do Estado do Amazonas. Tese de Doutorado. Faculdade de Engenharia Mecânica. UNICAMP. Campinas, 2004. Horlock, J. H. (1987). Cogeneration – Combined Heat and Power (CHP). Pergamon Press. 205 p. Oxford, UK.

* Ricardo Wilson Aguiar da Cruz é doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos (UNICAMP), mestre em Conversão de Energia (UNIFEI), atua em termoeconomia de sistemas dieselétricos e hidromecânica de máquinas de

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Infra-Estrutura Energética e Desenvolvimento Setorial na Amazônia Legal Brasileira

INFRA-ESTRUTURA ENERGÉTICA E DESENVOLVIMENTO SETORIAL NA AMAZÔNIA LEGAL BRASILEIRA *Sandro Luis Bedin **David Ferreira Carvalho INTRODUÇÃO A economia amazônica sempre esteve voltada a gerar excedentes primários vegetais e minerais visando atender à demanda interna e internacional dessas matérias-primas, como fruto de políticas públicas de desenvolvimento regional. No entanto, esses esforços na implementação de um parque extrativista-transformador na Amazônia necessitaram de uma ampla gama de infra-estrutura econômica em energia elétrica, estradas e sistema portuário para dar suporte a tais atividades, tais como a Hidrelétrica de Tucuruí implementada no Estado do Pará, que visava exclusivamente o desenvolvimento da indústria de alumínio da Região Norte do Brasil, ALBRÁS S.A. Contudo, esses investimentos no longo prazo passaram a proporcionar efeitos de indução econômica mais consistentes quanto à criação e melhoria das demais atividades econômicas fora do eixo das eletrointensivas, tais como o setor terciário, o que caracterizou um quadro de vazamento de efeitos sinérgicos da infra-estrutura voltada aos setores considerados “chave” a la Hirschman, para outros denominados “satélites” e que estão tanto a jusante quanto a montante dessas atividades. A IMPORTÂNCIA DA INFRA-ESTRUTURA NO DESENVOLVIMENTO REGIONAL: UM CONTEXTO TEÓRICO A PARTIR DE HIRSCHMAN Para Hirschman, a infra-estrutura é condição vital ao desenvolvimento econômico das nações, uma vez que a mesma é essencial ao atendimento da produção industrial, da sociedade civil e ainda formadora de um ambiente propício a novos

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T&C Amazônia, Ano III, Número 6, Janeiro de 2005


Infra-Estrutura Energética e Desenvolvimento Setorial na Amazônia Legal Brasileira

empreendimentos. Para ilustrar sua teoria,

entre os setores-chave da economia e outros setores

denominada de “teoria do investimento induzido”,

não-chaves que os servem em sua produção.

HIRSCHMAN (1983:28) expôs como exemplo um

Para HIRSCHMAN (1961:158), a indústria-chave,

processo seqüencial de indução econômica que

pela sua importância que apresenta, além de ser o

envolveu dois setores essenciais quanto aos

vetor principal de desenvolvimento regional, passa

“critérios de investimento” que são: os investimen-

a comandar uma gama de outras empresas menores

tos em infra-estrutura econômica ou em atividades

que estão abaixo da sua hierarquia de produção,

produtivas do setor industrial. Esse autor enfatiza

que são as denominadas indústrias-satélites. Uma

que a execução de uma dessas seqüências de

atividade produtiva para ser chamada de indústria

investimento alavanca o desenvolvimento de outra,

satélite deve apresentar pelo menos três

pois um movimento maior em uma das seqüências

características básicas: i) localizar-se próximo da

gerará no futuro mudanças no funcionamento do

indústria-chave; ii) empregar como insumo um

mercado, tanto na oferta e demanda de produtos

produto ou subproduto da indústria-chave e iii)

quanto nas políticas governamentais, tudo em

ter sua capacidade econômica menor que a

resposta ao desequilíbrio gerado em uma das

indústria-chave. Por sua vez, a formação das

extremidades dos setores.

atividades satélites também causaria atração à

Na visão de Hirschman, a infra-estrutura ou

região de indústrias não-satélites fornecedoras de

Capital Fixo Social, CFS, é aquela seqüência que

produtos que representam uma pequena fração na

possibilita o desenvolvimento posterior com maior

compra das demais.

eficácia e para tal a mesma teria que possuir as

Portanto, conforme HIRSCHMAN (1985:54), os

seguintes características: i) ser um serviço básico

elos de uma cadeia produtiva podem existir sempre

que serve as demais atividades produtivas; ii) em

que uma atividade em andamento dá origem a

sua formação é quase sempre realizada pelo poder

pressões econômicas ou de outra natureza, que

público e, iii) por ser de vulto macro ser sempre

levam ao surgimento de uma nova atividade. Nesse

oriunda de gigantescas fontes de recursos finan-

sentido, cabe ressaltar que esse autor dá uma base

ciados em longo prazo. Conforme o autor, a infra-

teórica ampliada para se analisar o caso da Amazô-

estrutura é composta por serviços básicos como o

nia e das políticas públicas de desenvolvimento

poder judiciário, a educação, a saúde pública, o

regional, através de elevados investimentos em

transporte, as comunicações, o serviço de água, a

seqüência, como um processo de indução e pressão

energia e o apoio agrícola como irrigação e drena-

a novos empreendimentos.

gem (Hirschman, 1961:132). Ao apresentar sua teoria do desequilíbrio,

INFRA-ESTRUTURA DE ENERGIA ELÉTRICA E

Hirschman apresentou elementos suficientes para

A ECONOMIA AMAZÔNICA: UM BREVE

interpretá-la a partir de uma análise baseada em

CONTEXTO HISTÓRICO

modelos de relações intersetoriais. Para o autor, o

A partir dos anos 50, com a complementação do

estabelecimento de uma relação intersetorial é

parque industrial brasileiro, a estrutura de energia

determinado por fluxos de insumos necessários à

elétrica brasileira teve que se condicionar à nova e

jornada produtiva da indústria em geral, que por

elevada demanda industrial desse insumo. Porém,

sua vez são provenientes de elos de encadeamento,

nesse período o setor energético nacional não

denominados linkages. Os linkages implicam em

estava preparado para atender essa demanda,

fluxos setoriais e possibilidades de implantação de

porque sua estrutura de produção era predo-

novas indústrias, que são, essencialmente, conexões

minantemente termelétrica, sendo, portanto,

T&C Amazônia, Ano III, Número 6, Janeiro de 2005

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Infra-Estrutura Energética e Desenvolvimento Setorial na Amazônia Legal Brasileira

deficiente e de elevado custo de manutenção. Esse

ALBRÁS S.A, sendo que essa usina hidrelétrica

motivo levou o governo brasileiro, em 1961, através

teria por finalidade gerar e transmitir energia elétrica

do Ministério das Minas e Energia (MME), a criar

à cadeia da economia mineral do Estado do Pará.

as Centrais Elétricas Brasileiras (ELETROBRÁS) que

Sem dúvida, dessa estratégia de desenvolvimento

passou a assumir a coordenação do setor elétrico,

de uma política energética mais agressiva na

englobando as tarefas de planejamento, de

Amazônia, a UHE de Tucuruí tornou-se o empreen-

fiscalização e de expansão da distribuição de energia

dimento mais importante ao andamento das metas

elétrica no país.

do II PND na Amazônia, servindo de referencial

Com a entrada dos militares no poder, em 1964,

quanto ao fornecimento de energia pesada às

tendo como meta transformar o Brasil numa

empresas do Projeto Grande Carajás. Além disso, o

“Potência Mundial”, e pagar o passivo externo,

projeto da UHE de Tucuruí pode suprir com

passou-se então a se aprofundar ainda mais a

eficiência o mercado da região polarizada por Belém

procura por novas fontes energéticas. Nesse caso,

e outras cidades do interior do Estado do Pará, além

foi dada prioridade a novas regiões que pudessem

de fornecer energia ao Maranhão, à instalação da

gerar no curto prazo energia elétrica suficiente para

ALUMAR, e suprir a Região Nordeste, através da

atender à demanda dos setores que aquele governo

interligação com o sistema da CHESF (Liano,

considerava como estratégicos ao desenvolvimento

1981:26).

do país, e que completassem o processo de

Nesse sentido, a necessidade de implementar

substituição de importações, enfatizados do II PND,

uma usina de grande porte na Amazônia, estava

tais como o petroquímico, de fertilizantes, adubos,

baseada na justificativa de que os principais

carvão, álcool e fabricação de bens de consumo

setores-chave do desenvolvimento daquela região

duráveis. Paralelamente a isso, também se

identificados naquele período pelo II PND foram o

implementou uma política de exportação de produtos

mineral, o madeireiro, o pecuário, a pesca empre-

que detivessem vantagens comparativas nítidas de

sarial, as indústrias eletrolíticas e as lavouras

produtos da economia mineral, tais como ferro,

selecionadas, que por sua vez estavam neces-

manganês e alumínio primário (II PND).

sitados fortemente de estradas, portos e de infra-

O II PND resumia as três principais

estrutura condizente de energia elétrica. Por isso, a

preocupações macroeconômicas do governo militar

política dos incentivos fiscais, concedidos pela

que: com a Crise do Petróleo criou o PROÁLCOOL

SUDAM definiu que os recursos destinados pelo

e o PROCARVÃO na região Centro-Sul; com as altas

governo federal à Amazônia seriam revertidos para

taxas de crescimento econômico, valendo-se da

todo tipo de empreendimento industrial que

atuante política fiscal e das condições de finan-

proporcionasse elevada agregação e adição de valor

ciamento da conjuntura internacional; e, com a

ao produto regional (SUDAM, 1978:152).

Integração Nacional, através da continuidade do

Conforme Carvalho (1999:4-5), desenvolver a

PIN, do PROTERRA, a criação do Programa de Pólos

região a partir de incentivos fiscais e uma ampla

Agropecuários e Agrominerais da Amazônia,

estratégia de desenvolvimento regional, tinha o

POLAMAZÔNIA e do Programa de Desenvol-

intuito de “inventar a Amazônia” através de uma

vimento de Áreas Integradas do Nordeste,

política de desenvolvimento que desprezou o

POLONORDESTE.

processo histórico de atraso em que estava esta

Essas duas políticas conjugadas viabilizaram na

economia. Com isso, as políticas públicas do

Amazônia, a partir de meados dos anos 70, a

período e a engenharia econômica da Operação

construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí e da

Amazônia, somente incentivaram a ocupação

50

T&C Amazônia, Ano III, Número 6, Janeiro de 2005


Infra-Estrutura Energética e Desenvolvimento Setorial na Amazônia Legal Brasileira

produtiva da região através dos “Grandes Projetos”,

DESENVOLVIMENTO REGIONAL AMAZÔNICO

não observando se haviam linkages satisfatórios

ANALISADO A PARTIR DE UMA ABORDAGEM

para internalizar a mão-de-obra local e com isso gerar

DA MATRIZ DE CONTABILIDADE SOCIAL A Matriz de Insumo-Produto (MIP) desenvolvida

renda e emprego. Mas, no curto prazo, a implementação da UHE

por Leontief (1986), nos anos 20, é um instrumento

de Tucuruí e da cadeia do alumínio primário causou

eficaz para se analisar qual é a interrelação de um

danos profundos no ecossistema amazônico,

setor produtivo ou de suporte, como é o caso da

principalmente no Estado do Pará, provocados pelo

energia elétrica, com os demais setores da economia

enchimento do reservatório, deslocamento dos povos

em foco, e é a base na construção da Matriz de

Tabela 1 - Região Norte – Consumo Setorial de Energia Elétrica: 1980,1985 e 1999

Cr$Milhões

Agropecuária Indústria Extrativa Mineral Indústria de Transformação Energia Elétrica e Saneamento Construção Civil Margem de Comercio Transporte Comunicações Serviços Financeiros e Seguros Serviços de Alojamento e Alimentação Educação e Saúde Mercantil Aluguel Imputado Serviços Públicos Serviços Diversos

192

1999

1985

1980 %

Cr$Bilhões

%

R$ Milhões

%

4%

24

3%

297

0%

3% 10% 23% 0% 13% 1% 0% 0% 6% 3% 0%

6399 21407 16251 256928 14522 2969 8283 0 7218 5457 127660

397 305

8% 6%

28 87 207 3 113 6 4 0 56 29 4 316

1% 4% 3% 47% 3% 2%

0 0 120 93 14

5% 31% 31% 1% 9% 0% 0% 0% 2% 2% 0%

35% 3%

59397 5845

11% 1%

270 1517 1507 64 453 0

25

2% 0% 1% 1% 24%

Fonte: Matriz de Contabilidade Social: SUDAM e BASA.

secularmente arraigados, superpopulação de peixes

Contabilidade Social de STONE (1985). Na matriz

à montante da usina, escavação do solo amazônico e

de Contabilidade Social - MCS, descreve-se

modificação dos costumes locais da região impactada

sinteticamente que cada produto de uma empresa é

com a construção destes dois empreendimentos,

insumo de outra, caracterizando o sistema de

gerando a multiplicação de críticas e contestações

encadeamento prospectivo e retrospectivo setorial

acerca desta problemática. Porém, ao tomar como

de Hirschman. Na Amazônia, esse método de

base as três Matrizes de insumo-produto da Região

análise é captado através de três Matrizes que são

Norte do Brasil, respectivamente de 1980, 1985 e 1999,

as de 1980, 1985 (SUDAM) e 1999 (BASA), tendo

observa-se que, na prática, os investimentos em infra-

como enfoque teórico e metodológico mais

estrutura energética, resultados do II PND na

elaborado os trabalhos de economia aplicada de

Amazônia, demonstraram-se eficazes no desenvol-

SANTANA (1997) e SANTANA (1997b).

vimento regional.

Conforme os dados da Tabela 1, observa-se que dentre a vasta gama de atividades produtivas apresentadas pelas matrizes de insumo-produto da

T&C Amazônia, Ano III, Número 6, Janeiro de 2005

51


Infra-Estrutura Energética e Desenvolvimento Setorial na Amazônia Legal Brasileira

Região Norte do Brasil, o insumo de energia elétrica

dos anos 70 e início dos anos 80, apresentaram um

obteve uma evolução na demanda em termos

quadro evolutivo a favor do setor terciário regional,

setoriais, onde os setores considerados “chave”

o que implica ressaltar que houve um vazamento

perdem relativa importância na série analisada para

dos efeitos sinérgicos da infra-estrutura aos setores

as atividades consideradas “satélites”, como é o

satélites da região, o que contrariou a expectativa

caso do setor de serviços.

governamental de que a instalação de uma usina de

Essa tabela indica ainda que, ao isentar a

grande porte, como, por exemplo, a UHE de Tucuruí,

demanda do próprio setor elétrico destinada ao

serviria em segundo plano as outras atividades

atendimento das unidades populacionais em geral,

econômicas que estariam fora do eixo das eletroin-

os setores que foram destacados como estrate-

tensivas energéticas.

gicamente importantes às políticas do II PND na

Além disso, cabe ressaltar que os dados das

Amazônia, somente as atividades da indústria

matrizes indicam ainda, que, socioeconomicamente,

Figura 1 - Região Norte – Cruzamento dos Multiplicadores de Emprego e Renda: 1980, 1985 e 1999

400

120

350

100

300 250

80

200

60

150

40

100

20

50

Emprego 1980

Emprego 1985

Emprego 1999

Renda 1980

Renda 1985

DI V. Al um ín io

A. PU

SE RV .

AG RO EX P. T. M IN IN ER D. AL DE TR EN AN ER SF GI . A E SA CO N NS T. C CO IVIL M ER TR CI O AN SP CO OR M UN TE IC AC OE FI N AN S CE AL IR OJ O .E AL SA IM U . DE E ED AL UG UE L

DI V. Al um ín io

SE RV .

A. PU

0

AG RO EX P. T. M IN IN ER D. AL DE TR EN AN ER SF G . IA E SA CO N NS T. C CO IVIL M ER TR CI O AN SP CO OR M UN TE IC AC FIN OE AN S CE AL IR OJ O .E AL SA IM U . DE E ED AL UG UE L

0

Renda 1999

Fonte: Matriz de Contabilidade Social: SUDAM e BASA

de transformação na matriz de 1980 apresentaram

os setores “chave” da Amazônia não conseguiram

um índice percentual consistente, respectivamente

alavancar melhorias dos indicadores de emprego e

de 31%. Porém, a partir desse período, até a matriz

renda regional. Nesse sentido, é importante ressaltar

de 1999, as atividades da agropecuária, indústria

neste aspecto, que um setor produtivo se revela

extrativa mineral e indústria de transformação

importante economicamente no desenvolvimento

passam a apresentar menor percentual de consumo

regional, na medida em que combina elevado nível

interno, pois sua participação agregada passa de

de geração de emprego conjuntamente com elevado

40%, em 1980, para 16%, em 1985, e 5%, em 1999.

nível de geração de renda. Ao aplicar a metodologia

Quanto à evolução setorial do consumo, a partir

de mensuração dos multiplicadores totais de

da matriz de 1980, o setor terciário, que detinha

emprego e renda de Santana (1997), se pode

participação de 27%, tem uma participação de 61%

observar que, neste caso, novamente foi o setor

do consumo, em 1985, e 45%, em 1999. Assim, pode-

terciário aquele que gerou maior contribuição

se verificar que os investimentos em energia

destes indicadores, como se pode visualizar pelo

elétrica, que foram realizados na Amazônia no final

cruzamento no gráfico 1.

52

T&C Amazônia, Ano III, Número 6, Janeiro de 2005


Infra-Estrutura Energética e Desenvolvimento Setorial na Amazônia Legal Brasileira

Como se verifica na figura 1, foi o grupo de atividades econômicas do setor terciário que apresentou elevados indicadores de emprego e renda, ressaltando que ao visar uma estratégia de desenvolvimento regional baseada nos grandes projetos, os efeitos sinérgicos de emprego e renda foram mais sentidos neste setor, alavancando o ambiente socioeconômico na Região Norte do Brasil e por isso podendo ser alvo de estratégias de desenvolvimento regional planejada no curto prazo. Sem dúvida, as políticas de desenvolvimento regional ao priorizarem a agenda dos investimentos em infraestrutura econômica proporcionaram, nestas duas décadas, efeitos em muitos outros setores da economia regional, além da economia mineral. Em termos de desenvolvimento econômico, foi o setor de serviços que por sua vez passou a apresentarse como maior setor absorvedor dos efeitos sinérgicos da infra-estrutura de energia elétrica e em conseqüência disso, ao ampliar sua participação econômica na Amazônia, está dando maior contribuição nos multiplicadores de emprego, renda e no PIB regional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARVALHO, David Ferreira (1999). O Ciclo da Economia Brasileira e a Amazônia na Nova Dinâmica Regional. Paper do NAEA. Belém: NAEA/UFPA, 38 p. HIRSCHMAN, Albert O. (1961). Estratégia do Desenvolvimento Econômico. Tradução de Laura Schaepfer. 1ª ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 322 p. ______________(1985). Desenvolvimento Por Efeitos em Cadeia: Uma Abordagem Generalizada. In: CARDOSO, Fernando Henrique e SORJ, Bernardo e FONT, Maurício (orgs). São Paulo: Brasiliense, 31-79 pp. _____________(1983). Confissões de um Dissidente: a Estratégia do Desenvolvimento Reconsiderada. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 13, n. 1. Rio de Janeiro: IPEA, abril, 1-38 pp. LEONTIEF, Wassily (1986). A Economia do Insumo Produto. Tradução de Maurício Dias David. São Paulo: Abril Cultural, 226 p. LIANO, Raul Garcia (1981). O Setor Energético da

CONCLUSÕES De fato, ao se priorizar na Amazônia Paraense empresas que exploram vantagens comparativas nítidas, como vetor de desenvolvimento econômico, fornecendo às mesmas elevadas parcela de incentivos financeiros, subsídios ou mesmo apoio logístico de infra-estrutura, poderá atrasar ou mesmo minar a formação de oportunidades ao desenvolvimento regional de outras cadeias de atividades produtivas, tais como aquelas mais contemporaneamente vinculadas ao setor moveleiro, fruticultor, agroindustrial ou ainda turístico da Amazônia Paraense. Nesse particular, o que se observou é que a principal atividade que se apropriou deste benefício no decorrer de seu desenvolvimento, foi a atividade mineradora, mas a mesma somente apresentou vínculos mais fortes como o mercado externo, do que com o mercado local.

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Amazônia: Enfatizada a Energia Elétrica. Seminário de Ciência e Tecnologia – NAEA/ U F PA / E L E T R O N O RT E . B e l é m : P a r á , setembro. SANTANA, Antônio Cordeiro (1997). Modelos Intersetoriais de Planejamento Econômico: Matrizes de Insumo-Produto (MIP) e Contabilidade Social (MCS). Belém: BASA– FCAP, 66 p. ______________et al (1997b). Reestruturação Produtiva e Desenvolvimento na Amazônia. Condicionantes e Pers-pectivas. Belém: BASA/FCAP, 101-121 pp. II PND (1975). Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento. Lei no 6.151, de 4-12-1974 (D.O.U, Supl. de 7 e ret. em 31-12-1974). São Paulo: Sugestões Literárias S.A, 119 p. SUDAM (1978). Diagnóstico do Setor Industrial na

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Infra-Estrutura Energética e Desenvolvimento Setorial na Amazônia Legal Brasileira

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de

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Política

de

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*Sandro Luis Bedin é economista formado pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel – UNIVEL e mestre em Planejamento do Desenvolvimento pelo NAEA-UFPA (2004). **David Ferreira Carvalho é engenheiro e economista formado pela UFMA e pela Universidade da Amazônia-UNAMA, respectivamente; doutor em Teoria Econômica pela Unicamp (1992); professor do centro Sócio Econômico da UFPA, sendo que atualmente também desenvolve pesquisas na área de cadeias produtivas na Amazônia pelo convênio FIDESA/UNAMA

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NOTÍCIAS T&C SECADOR SOLAR DE MADEIRA É ALTERNATIVA PARA PEQUENOS EMPRESÁRIOS DA REGIÃO NORTE O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, há 20 anos desenvolve e aprimora tecnologias na área de secagem solar através do Centro de Pesquisas de Produtos Florestais (CPPF). Esse centro é responsável pela criação do secador solar para beneficiamento da madeira, que é destinado a pequenos e médios empresários dos setores de marchetaria, serrarias e moveleiro de todo o País e também do exterior. Com um mecanismo simples de funcionamento, o secador representa uma forma alternativa de aproveitamento da energia solar, e pode favorecer principalmente os produtores da Região Norte, proporcionando gastos menores com a energia elétrica. O secador solar de madeira do CPPF seca até 8 m³ de madeira serrada. O secador é constituído por uma câmara em alvenaria - onde ficam empilhadas as madeiras - coberta por um telhado de vidro, e dois ventiladores que fazem circular o ar dentro da estrutura. Durante o dia, o telhado capta a energia do sol e aquece o ar dentro do secador, provocando o efeito estufa. O ar quente é então conduzido pelos ventiladores através da pilha de madeira, o que reduz o seu teor de umidade. Dois buracos nas laterais da câmara permitem a entrada do ar puro e a saída do ar saturado. O tempo de secagem pode variar de 12 a 33 dias, e depende de cada tipo de madeira e também das condições climáticas da região. A partir de 1987, várias pesquisas foram realizadas com um protótipo construído no CPPF antes da instalação dos primeiros secadores, em 1990. Segundo os pesquisadores do Inpa, Roland Vetter e Humberto Macedo, estudos avaliaram o tempo necessário para secar diversos tipos de madeira, de acordo com sua espessura, densidade e umidade. Alternativo X Convencional Há várias vantagens na utilização do secador solar em relação ao convencional. A secagem realizada com cargas de madeiras mais duras demoram em média 30 dias para secar até 12% de teor de umidade. Já madeiras leves precisam de aproximadamente 20 dias. Esse processo é longo e, assim, mais minucioso do que o realizado pelo secador convencional, já que depende das condições climáticas para funcionar. Após a secagem solar a madeira praticamente não apresenta defeitos. O secador solar ainda possibilita que diferentes tipos de madeira sejam secados ao mesmo tempo, o que é inviável no sistema tradicional, no qual a temperatura é pré-definida de acordo com cada tipo de madeira. Também a instalação e a manutenção do secador solar são menos dispendiosas do que as do convencional, que apresenta gastos elevados para alimentar com energia elétrica ou caldeiras os ventiladores e aquecedores. Com a alternativa solar, o produtor precisa apenas preocupar-se com o custo da energia que deve ser fornecida aos ventiladores. Ele também deve acompanhar todo o processo de secagem com um medidor elétrico de umidade de madeira. "Dessa forma, ele acompanha a secagem e pode saber quando ela atinge a umidade ideal para ser retirada do secador", explicam os pesquisadores do Inpa. Não é necessário ser especialista para manuseá-lo. Um treinamento oferecido pelos técnicos do Inpa auxilia os produtores no manejo da estrutura. Custos Apesar dos benefícios que envolvem o uso do secador solar, os custos para sua construção ainda são os maiores entraves à expansão dessa tecnologia na Região Norte, pois ficam em torno de 25 mil reais, o que muitas vezes inviabiliza a sua aquisição pelo pequeno produtor. "Muitos empresários reúnem-se em cooperativas para comprar o secador, ou arrecadam recursos de organizações nãogovernamentais e até do exterior", conta Macedo. Já foram instalados 25 secadores em todo o país e também no exterior, sendo 18 na Região Norte. Esse número poderia ser ainda mais significativo caso houvesse incentivos financeiros destinados aos empresários com poucos recursos para investimento. Além do secador solar de madeira, o Inpa também desenvolve projetos para a construção de um secador solar misto, que seca sementes e madeira de forma alternada. Ele pode ser utilizado para a desidratação de produtos regionais, como sementes, ervas, castanhas e frutas e, na entressafra desses produtos, também pode secar madeira.


NOTÍCIAS T&C CENBIO INSTALA GASEIFICADOR INDIANO EM MANACAPURU, NO AMAZONAS Um gaseificador de biomassa já foi implantado na comunidade de Tuiué, no município de Manacapuru, a 90 km de Manaus, com tecnologia importada do Indian Institute of Science. O sistema utiliza a casca do cupuaçu para a geração de energia e foi desenvolvido através do projeto Gaseifamaz, ou Gaseificação da Amazônia, coordenado pelo Centro Nacional de Referência em Biomassa (Cenbio) da USP, em parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Biomass Users Network do Brasil (BUN), a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e o Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT). A energia gerada pelo gaseificador alimenta uma agroindústria para o beneficiamento da polpa do cupuaçu, antes comercializada apenas in natura. O sistema foi inaugurado em outubro do ano passado, e teve um custo de aproximadamente R$ 100 mil, que foi financiado pelo Fundo Setorial de Energia da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Transferir a tecnologia para o Brasil está entre os objetivos desse projeto, que avaliou e simplificou as condições de operação do sistema de gaseificação, tornando-o apto para ser instalado em comunidades isoladas. Pretende-se que, no futuro, os equipamentos que o constituem sejam fabricados pela indústria nacional. Enquanto isso, a comunidade é capacitada para a operação e manutenção do gaseificador. "Já foram ministrados quatro cursos aos moradores", informa Oswaldo Martins, coordenador técnico do projeto. O gaseificador consome 20 quilos de cascas de cupuaçu por hora e gera 20 kW, beneficiando cerca de 180 famílias. A comunidade, que possui uma área plantada de 100 hectares de cupuaçu, agora pode fornecer o acondicionamento térmico necessário à polpa, agregando valor ao produto e incrementando sua economia.


T&C Amazônia Ano II - Número 6 - Janeiro de 2005 ISSN - 1678-3824 Publicação Quadrimestral da Fucapi - Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica.

Conselho Editorial Isa Assef dos Santos Guajarino de Araújo Filho Niomar Lins Pimenta Equipe Editorial Guajarino de Araújo Filho Niomar Lins Pimenta Sara Nanni Capa Narle Silva Teixeira e Breno da Costa Colares Infografias Karine Gomes Queiroz Breno da Costa Colares Diagramação e Soluções Gráficas Breno da Costa Colares Jornalista Responsável Sara Nanni Mtb 31554

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T&C Amazônia é uma publicação quadrimestral, criada com o intuito de discutir temas relevantes de interesse do país e, em especial, da região amazônica. Cada edição aborda um tema específico, divulgando o pensamento e os estudos realizados por profissionais da área focalizada. O teor dos textos é de inteira responsabilidade dos autores. Os interessados em publicar seus trabalhos devem encaminhá-los para a secretaria da revista (tec_amazonia@fucapi.br), para que sejam submetidos à análise do Conselho Editorial. O envio de um artigo não garante sua publicação, mas delega à Fucapi o direito de publicá-lo. Os artigos publicados não concedem direito de remuneração ao autor. No próximo número, T&C Amazônia irá abordar o tema Design, Expressão Cultural e Desenvolvimento Regional. Os interessados em publicar seus artigos no próximo número da T&C Amazônia devem encaminhá-los até o dia 30.03.2005 para o endereço eletrônico mencionado acima. O artigo deverá ser enviado exclusivamente por meio eletrônico, em arquivo texto, digitado em editor de texto Microsoft Word 4.0 ou superior, formatado em papel Carta, com margens laterais de 3,0 cm, margem superior de 3,5 cm, margem inferior de 2,5 cm, fonte Times New Roman tamanho 12 e espaçamento simples. O artigo deve conter um resumo e breve currículo do autor e pode apresentar gráficos e figuras, com um tamanho de 4 a 6 páginas.


Design, Expressão Cultural e Desenvolvimento Regional Selo de procedência, garantias de desenvolvimento sustentável, engajamento em projetos de assistência a povos de culturas quase extintas, embalagens rústicas e papéis reciclados. Essas e muitas outras informações são continuamente associadas aos produtos provenientes da Amazônia, o que raras vezes acontece com tanta ênfase a produtos provenientes de outras regiões do País. O que esses elementos desejam destacar é a legitimidade que supostamente os produtos devem ter como portadores de uma série de elementos simbólicos derivados de sua procedência exótica - a Amazônia, um dos lugares mais comentados do mundo e valorizado pelas riquezas naturais e culturais. Porém, a produção cultural de um povo pode ser temerosamente utilizada na relação de mercado através da valorização comercial de objetos. Esse uso que explora as matérias-primas da Amazônia, descontextualizando-as de uma associação étnica, regional e cultural, pode até fazer supor que a região é desabitada e, assim, passível de ser "colonizada". Na próxima edição, a T&C Amazônia pretende estruturar discussões frente aos seguintes temas: - a inserção no mercado globalizado da produção amazônica na área de design; - design de embalagens e adaptabilidade a logística na Amazônia: como questões de clima e distância podem ser foco de respostas pelo design; - design gráfico e iconografia indígena: questionamentos, exemplos e discussões; - os acervos materiais e culturais da Amazônia recebem devido interesse ético e estético dos designers e dos setores produtivos? - quais são os caminhos para o design amazônico? Como a exportação de produtos da floresta pode ser um catalisador para o exercício do design como ferramenta de desenvolvimento regional? - o interesse do próprio estado nacional para colocar no mercado globalizado artigos amazônicos detentores de uma suposta identidade regional. Todas as contribuições apresentadas serão avaliadas por equipe de profissionais especializados que colaboram com a revista, por meio de sistema blind review.


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