Revista tec ed11

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SUMÁRIO

EDITORIAL A riqueza da biodiversidade amazônica é mundialmente reconhecida, sobretudo por reunir uma imensa variedade de espécies animais, vegetais e de microrganismos, porém há aspectos pouco explorados que envolvem o assunto. Como tema, é apaixonante. Amplo e rico, oferece diferentes possibilidades de abordagens. O crescente interesse pela matéria justificou a sua escolha para esta edição de T&C, cujo conteúdo privilegiou contribuições que fortaleçam o debate sobre o aproveitamento econômico responsável da biodiversidade amazônica com ênfase no setor de fitos. “Fitos” é aqui abordado como os recursos da flora amazônica empregados por empresas que os utilizam para a produção de bens e serviços, especialmente em fitoterápicos e fitocosméticos, porém também com aplicação em outros segmentos. O comportamento responsável relacionado ao aproveitamento econômico - aceito por todos em tese, mas não quanto ao que significa - não pode prescindir da capacidade endógena de gerar, organizar e disseminar conhecimento qualificado sobre a biodiversidade, seu uso e as demandas de mercado. As contribuições apresentadas indicam a crescente expectativa e pressão por melhores resultados econômicos e o longo caminho a ser percorrido, para a ampliação e uso do conhecimento associado à biodiversidade, de modo a proporcionar reflexos positivos para o conjunto da sociedade. Um dos grandes desafios que se buscou tratar foi identificar potencialidades e antever cenários para o aproveitamento dos recursos da flora, fundamentados no desenvolvimento sustentável da região. Nesse contexto, foram abordados aspectos legais, econômicos, tecnológicos e do conhecimento, com o objetivo de oferecer subsídios que ampliem a reflexão sobre o setor de fitos. Você está convidado a compartilhar essas idéias. Boa leitura.

REPORTAGEM Fitos e interfaces Cristina Monte

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ENTREVISTA Políticas Públicas: iniciativas para a área da biodiversidade Ione Egler

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ARTIGO Mapeamento da biodiversidade amazônica: potencialidades dos fitos Juan Revilla

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ARTIGO Aspectos da legislação no controle dos medicamentos fitoterápicos Ana Cecilia Bezerra Carvalho Diana de Souza Garcia Nunes Tatiana de Gouveia Baratelli Nur Shuqaira Mahmud Said Abdel Qader Shuqair Edmundo Machado Netto

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ARTIGO Conhecimento tradicional e a proteção Eliane Moreira

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ARTIGO Indicação Geográfica: agregação de valor aos produtos amazônicos Francisca Dantas Lima Hulda Oliveira Giesbrecht Solange Ugalde de Lima

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ARTIGO Capacitação tecnológica das empresas no setor de fitos Dimas José Lasmar

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ARTIGO O CBA e a infra-estrutura laboratorial para o suporte à bioindústria José Augusto da Silva Cabral

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ARTIGO Desafios da indústria cosmética da Amazônia: o caso "Chamma da Amazônia" Maria de Fátima Chamma

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ARTIGO A competitividade do Arranjo Produtivo Local (APL) de Fitos de Manaus: uma análise a partir das empresas informais João Bosco Lissandro Reis Botelho André Luiz Nunes Zogahib Marcionei Silva de Oliveira

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ARTIGO Estratégias de negócios na área da biodiversidade: articulando com os atores Alain Pouchucq

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ENTREVISTA Fitos: propostas e desafios Schubert Pinto

NOTÍCIAS T&C

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REPORTAGEM

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Fitos e interfaces CRISTINA MONTE

lantas, ervas, frutas, vegetais de onde se extraem caules, folhas, frutos, óleos e mais - os princípios ativos -, que são substâncias largamente utilizadas na área medicinal pela fitoterapia. Entretanto, outras áreas como a da beleza (bem-estar) e a da alimentação vêm utilizando os recursos botânicos em suas fórmulas, o que tem culminado no lançamento de linhas de produtos e alimentos mais naturais e saudáveis se comparados aos produzidos sinteticamente. O maior beneficiário é o consumidor que dispõe de mais opções de produtos a preços competitivos. Mas, isso só foi possível graças às benesses da natureza, a qual nos ofertou uma vasta diversidade de espécies florestais, que se desenvolve conforme as características de cada região considerando o clima, a temperatura, a umidade relativa do ar, entre outros fatores. A riqueza da flora brasileira é incomensurável a começar pela Floresta Amazônica, a maior floresta tropical do mundo. Acredita-se que há na Amazônia cerca de 35 mil espécies de plantas, porém, dentro

deste imenso universo, apenas um número ínfimo de espécies farmacológicas e de valor econômico foi identificado. E apesar de o Brasil ser detentor de aproximadamente 20% da biodiversidade mundial, o nosso acervo científico não ultrapassa 1%, conforme entrevista concedida nesta edição pela Coordenadora-Geral de Biodiversidade do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Ione Egler. Demonstra-se assim que há um imenso mercado a ser explorado, mas para que isso ocorra há uma série de ações a serem implementadas: levantamento e mapeamento de todos os recursos florestais, implantação de programas e projetos que garantam a exploração sustentável, inserção das comunidades no processo produtivo propiciando aumento na geração de emprego e renda, investimentos em P&D e provavelmente o mais importante – a aplicação prática dos dispositivos legais já elaborados e aprovados, os quais garantam a saúde humana, a Propriedade Intelectual e a proteção dos ativos da floresta. Dessa forma, poderemos efetivamente desenvolver a bioindústria nacional na área de fitos, T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


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modelo econômico promissor ao Brasil, dada sua riqueza em insumos e outras vantagens competitivas. É o momento de revertermos possibilidades em crescimento socioeconômico.

Como surgiu o chá e afinal ele é fitoterápico ? Há várias lendas sobre o surgimento do chá, no entanto, a mais popular provém da China, onde o imperador Shen Nung ficou conhecido como o “Pai do Chá”, já que por meio da observação ele descobriu ao acaso o processo de infusão, quando algumas folhas caíram no momento de fervura da água e produziu um agradável aroma. Para que o processo acontecesse bastava ferver a água e misturar alguns tipos de “plantas” e o resultado era uma bebida saborosa e que promovia o bem-estar. A invenção teria acontecido há alguns séculos antes da era cristã. Após a valiosa descoberta e dando continuidade aos seus experimentos, Shen escreveu diversos documentos sobre a utilização das plantas medicinais, nos quais afirmava que para cada enfermidade havia um remédio natural oriundo de alguma planta. Depois vieram os egípcios que utilizavam as ervas aromáticas na cosmética, culinária e medicina. Eles já usavam plantas que são comuns no nosso dia-a-dia: cebola, coentro, cominho, papoula, tominho e alho. Os sumérios da Mesopotâmia detinham receitas consideradas preciosas pelo povo, por isso elas eram de conhecimento apenas dos sábios sacerdotes e feiticeiros, os quais as guardavam na memória e só as repassavam aos mais novos por ocasião da velhice. O chá chegou ao Japão pelos monges budistas no século IX e foi naquele país que ele passou a ser introduzido na cultura e educação por meio do Chanoyu ou cerimônia do chá. Ou seja, ele incorporou-se aos meios poéticos, artísticos, filosóficos e religiosos. Inclusive, pode-se dizer que a China e o Japão colaboraram sobremaneira para a divulgação do líquido ao mundo. T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

Já na Europa o chá chegou graças às expedições de Marco Pólo e ao português Gaspar da Cruz, mas a introdução no continente europeu se deu no início do século XVII, devido ao relacionamento comercial entre a Europa e o Oriente. Até os dias atuais, o chá é altamente apreciado pelos ingleses. O histórico do surgimento do chá e, conseqüentemente a sua disseminação, explica o motivo pelo qual há uma sabedoria que transcende as esferas religiosa e medicinal, já que o chá tornou-se mais do que a simples mistura entre água e folhas. É importante lembrar que no Brasil a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), ligada ao Ministério da Saúde, por intermédio da Resolução de Diretoria Colegiada - RDC nº 48/04, deixou de renovar os registros de produtos até então registrados na forma da rasura vegetal, como é o caso das plantas para preparo de chás, os quais passaram a ser enquadrados como alimento, entretanto, por ser à base de plantas medicinais, essas devem ser registradas na Agência, conforme decretos.

Religião: chá e dependência química Até hoje, algumas seitas utilizam chás com o propósito de provocar alucinação ou curar pacientes. É o caso do ritual do Santo Daime, de tradição nas sociedades das populações indígenas e mestiças da Amazônia Ocidental, as quais utilizam um chá extraído de duas plantas alucinógenas: Banisteriopsis Caapi e da Psychotria Viridis. O chá “Daime”, como é conhecido, é usado nos rituais religiosos e mágicos com o propósito de evocar a divindade espiritual e assim conseguir orientação para comunicar-se com os espíritos da floresta e buscar a cura para as enfermidades, além de propiciar a interação social entre os praticantes. As alucinações provocadas pelo chá são chamadas de “mirações”, no entanto, apesar de os estudos continuarem, cientificamente o que se sabe é que há uma alta dependência psicológica. Inclu-


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sive, o uso do chá por seitas religiosas vem sendo tratado com reservas pelo Conselho Federal de Entorpecentes, em virtude da presença da substância Dimetiltriptamina (DMT), responsável pelos efeitos alucinógenos. No Japão, como o chá foi introduzido pelos monges, ele estava associado ao âmbito religioso, provavelmente pelo fato de as plantas medicinais interferirem no bem-estar físico e emocional, o que supunham advir da espiritualidade, por isso, nos rituais religiosos Zen Budista eram utilizados chás no cerimonial.

dicinal e assim pode ser sintetizado, patenteado e produzido em escala industrial; o segundo, fitoterápico, é produzido a partir da planta inteira, ou seja, um grande número de moléculas distintas formam o fitocomplexo, que age no organismo do paciente. Atualmente, a ANVISA dispõe, sobre o registro de medicamentos fitoterápicos, por meio da RDC nº 48/04, e traz no regulamento algumas informações importantes, como por exemplo a definição de medicamento fitoterápico como sendo: “Medicamento obtido empregando-se exclusivamente matérias-primas ativas vegetais. É caracterizado pelo conhecimento da eficácia e dos riscos de seu

Fitoterapia: fitocomplexo ou fitofármaco ? A fitoterapia é uma palavra oriunda do grego “tratamento” (therapeia) “vegetal” (phyton) e tem por definição a utilização dos princípios ativos das plantas para o tratamento de doenças, além de estudar as plantas medicinais e suas aplicações na cura das enfermidades. No Brasil, a ANVISA regulamenta os produtos fitoterápicos, os quais têm sido largamente prescritos por médicos de diversas especialidades. São considerados produtos fitoterápicos as plantas medicinais que passam por processo farmacêutico, quando extraídas as substâncias que podem ser manipuladas de diversas formas, como por exemplo: extratos, tinturas, pomadas e cápsulas, desde que tenham efeito farmacológico. Mas, diferentemente da crendice popular, a qual prega o uso das plantas medicinais sem qualquer restrição, é importante lembrar que além dos princípios ativos terapêuticos, elas também podem apresentar elevado grau tóxico, o que pode resultar em reações alérgicas, contaminação devido ao uso de agrotóxicos ou por metais pesados e até desenvolver alguns tipos de câncer. Por isso, a sua utilização deve restringir-se à prescrição médica. Para entendermos o assunto com profundidade é importante ressaltarmos a diferença entre fitofármaco e fitoterápico: enquanto o primeiro é um princípio ativo com finalidade terapêutica e geralmente comercial, ele é isolado a partir de uma planta me-

uso, assim como pela reprodutibilidade e constância de sua qualidade. Sua eficácia e segurança são validadas através de levantamentos etnofarmacológicos de utilização, documentações tecnocientíficas em publicações ou ensaios clínicos fase 3. Não se considera medicamento fitoterápico aquele que, na sua composição, inclua substâncias ativas isoladas, de qualquer origem, nem as associações destas com extratos vegetais”. Nesse aspecto, segundo o médico e fitoterapeuta (herborista) Luiz Carlos Leme Franco, há uma certa controvérsia entre os terapeutas (curandeiros, benzedeiros, entre outros) e médicos quanto à sua eficácia em virtude do processo de industrialização. “Para se diferençar do uso por terapeutas não graduados e médicos, estes últimos consideram que - e eu acho uma dicotomia desnecessária e inócua - tratamento com plantas medicinais é uma coisa e uso de fitomedicamento é outra. O primeiro é o que se realiza pela utilização de chás e é utilizado pelos terapeutas em geral e o segundo, mais sofisticado, vendido em embalagens industriais com bulas e orientações escritas, para uso alopático somente por meio de receita médica. Segundo quem faz uso de chás que utilizam parte ou a planta toda, diz que este processo é mais eficiente porque se absorvem todos os princípios ativos das plantas onde ou há uma sinergia ou algumas substâncias presentes anulam os efeitos deletérios de outras, já que a planta é completa. T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


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No segundo caso, como se extraem alguns ou um só produto químico que a planta fabrica, esta ação conjunta estaria prejudicada e o medicamento seria um alopático comum, com princípio químico, embora natural, atuando isoladamente como um outro remédio qualquer, trabalhando, ás vezes, só os sintomas de doenças e não estas”, explica Luiz Carlos. É bom lembrar que cerca de 45% dos remédios usados pela medicina convencional são oriundos de substâncias extraídas dos vegetais, dado referente à reportagem publicada pela revista Veja, edição 1749.

Muito além da Fitoterapia Mas a utilização dos princípios ativos ou extratos vegetais não se restringe à área da saúde. Atualmente há outros dois setores que apresentam considerável destaque: alimentação e beleza (bem-estar). Na área da alimentação vem despontando uma nova ciência batizada de “Nutracêutica”, na qual, entre outros objetivos, estuda-se a utilização das plantas para a saúde humana, de modo a investigar os componentes das plantas e dos alimentos, isolando-se os seus bioativos, que formam um conjunto de substâncias capazes de prevenir e tratar o organismo humano de diversas enfermidades, como: câncer, diabetes e doenças cardiovasculares, e inserindo-os em outros alimentos ou cápsulas naturais. Segundo os cientistas, a tese é de que o poder dos bioativos, que geralmente são considerados importantes antioxidantes, é capaz de proteger a oxidação das células e portanto evitar as doenças degenerativas. Assim, busca-se a comprovação científica dos benefícios e efeitos terapêuticos das ervas para prevenir e tratar doenças. Nesse segmento, apesar de as pesquisas estarem em fase preliminar, algumas delas já despontam como promissoras para o trato de doenças, como é o caso de pesquisas do Instituto de Pesquisas Científicas do Amapá que vem pesquisando a pata-da-vaca para reduzir a quantidade de T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

açúcar no sangue. Outras ervas também estão em estudos: a quebra-pedra vem se mostrando eficaz na destruição de cálculos renais e a ginkgo biloba está sendo empregada para tratar a labirintite, por exemplo. Na área da beleza, a cosmecêutica (a cosmética terapêutica), emprega as ervas, vegetais, óleos essenciais, entre outros insumos para desenvolver seus produtos, como por exemplo: a cânfora, o mentol e a própolis. Vale lembrar que na área da cosmetologia um dos principais insumos empregados na fabricação de perfumes são os óleos essenciais extraídos das espécies vegetais. No Brasil, a Natura, há quarenta anos no mercado e a primeira brasileira no setor a se internacionalizar, vem investindo na sua linha “ Natura Ekos”, são sabonetes, xampus, condicionadores, sais e óleos de banho produzidos com matérias-primas extraídas da biodiversidade brasileira, sobretudo da Região Amazônica. Alguns dos principais componentes utilizados pela Natura são : andiroba, buriti, pitanga e cupuaçu.

Mercado em expansão Anualmente, o setor fitoterápico vem apresentando elevadas taxas de crescimento em todo o mundo - as cifras ultrapassam os 50 bilhões de dólares. Só o Brasil contribui com cerca de 500 milhões de reais, dados da Associação Brasileira de Fitoterápicos (ANFITO), em reportagem da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, edição nº 220, publicada em maio último. O Brasil, portador da maior biodiversidade vegetal do mundo por manter aproximadamente 55 mil espécies de plantas, o que representa cerca de 20% do total existente no planeta, tem tudo para expandir o mercado na área de fitos. Colabora para esse cenário promissor o baixo custo dos medicamentos se comparado aos sintéticos, proporcionado justamente pela facilidade de insumos, o que torna-se um atrativo na hora da compra. Por isso, provavelmente, as estimativas apontem que mais de 80% da população brasileira


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recorra a produtos à base de ervas. Além disso, a busca por um estilo de vida mais saudável e natural, além do componente cultural, oriundo dos povos tradicionais, faz com que mais consumidores procurem pelos produtos naturais. Se considerarmos que por volta de 2002 o Brasil era o quinto maior consumidor de remédios do planeta, o que na época representou a movimentação de 5,2 bilhões de dólares para a indústria farmacêutica, percebe-se que o mercado de fitoterápicos tem espaço para crescer. Mas, o fato mais importante que alavanca o mercado são as vendas internas, as quais vêm apresentando elevação anual de 15% contra os 4% apresentados pelos medicamentos sintéticos. Em virtude disso, os grandes laboratórios estrangeiros estão alerta, pois já dividem o mercado com os genéricos e não querem perder a concorrência para os fitoterápicos. Então uma saída estratégica é investir na área. Um exemplo partiu do laboratório alemão Boehringer Ingelheim que, em 2001, lançou no Brasil o produto Sonhare (marca registrada), o fitoterápico é destinado ao combate da insônia. Ele é composto a partir da associação das plantas medicinais de origem européia: a Valeriana Officinalis e a Melissa Officinalis. Mas, o País não fica atrás e uma prova de que o sucesso na área fitoterápica é possível vem da Região Sul do Brasil - especificamente da cidade de Colombo, no Paraná – a Herbarium, laboratório especializado na produção de fitoterápicos, fitomedicamentos, alimentos funcionais, vitaminas e produtos de auxílio à redução de peso, foi fundada em 1985, conta com 280 funcionários, além de 25 mil pontos de venda no Brasil e um faturamento de 50 milhões de reais em 2006. Para tanto, o laboratório conta com alguns diferenciais importantes, entre eles: manutenção de um canteiro de ervas medicinais para conhecimento e estudo por parte da comunidade e cursos para formação de leigos e médicos na área de fitoterapia. Já no segmento dos cosméticos as empresas têm investido principalmente em P&D para produção de linhas a base de fitocosméticos, o reflexo disso pode ser observado principalmente nos paí-

ses do primeiro mundo, como por exemplo nos Estados Unidos que em 2003 faturou algo em torno de 4,1 bilhões de dólares e desde então apresenta taxas de crescimento próximas aos 20% ao ano, em detrimento ao mercado de cosméticos convencionais que crescem 4% ao ano. Na Europa, entre 2003 e 2005, os europeus consumiram cerca de 450 milhões de euros em cosméticos naturais o que vem representando o crescimento do mercado por volta dos 16% ao ano. Se considerarmos que atualmente o Brasil é o terceiro maior mercado consumidor de produtos cosméticos, perdendo apenas para os Estados Unidos e Japão - o segmento dos fitocosméticos aponta para um mercado em franca expansão.

Legislação: controle de qualidade e produtividade Na esfera legal, os fitoterápicos no Brasil foram normalizados por ocasião da oficialização da profissão farmacêutica. Naquela ocasião, foram implantadas as primeiras regras nacionais para o setor de medicamentos. No entanto, os fitoterápicos ganharam destaque somente em 1967, quando da edição da Portaria nº 22, do extinto Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e da Farmácia. De lá para cá, houve a implementação de diversos instrumentos legais, entre os quais a Lei Federal nº 6360/1976, que estabeleceu uma reorganização no setor de medicamentos. Como na época os fitoterápicos tinham sua atuação restrita e pouco divulgada, a nova lei não fez referência à classe de produtos oriundos das plantas medicinais. O fato gerou confusão e a ausência de regras ao gerenciamento do emprego dos fitoterápicos facilitou o registro de alguns vegetais em categorias não condizentes às classificações pertinentes. Por isso, surgiu a necessidade de uma legislação federal a qual normalizasse a classe de produtos fitoterápicos, o que ocorreu com a edição da Portaria SVS nº 6/1995. A portaria considerou os fitoterápicos como medicamentos, estabeleceu um roteiro para novos reT&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


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gistros, inclusive imputando a necessidade de estudos relativos à toxicidade, eficiência terapêutica e segurança. O setor produtivo, diante das novas exigências colocou-se contrário à portaria, solicitando sua revisão e flexibilização. Em 2000, a situação foi agravada devido a publicação da RDC nº 17/00, a qual trouxe novos critérios para o registro de medicamentos fitoterápicos, que impediram ou dificultaram o registro de plantas medicinais nacionais, em benefício às plantas estrangeiras. Em razão disso, as indústrias do setor foram obrigadas a importar matérias-primas, elevando os custos de fabricação em mais de 100%. A medida praticamente inviabilizou o setor, a taxa de desemprego ficou próxima aos 40% e a ociosidade do parque industrial em torno de 70%. Em 2003 foi a vez da implantação da RDC nº 134, a qual dispõe sobre a adequação dos medicamentos já registrados e determina que as indústrias devem comprovar a segurança, eficácia e toxicidade dos medicamentos produzidos, caso contrário terão seus registros cancelados por ocasião da revalidação. Desde 2004, tramita o Projeto de Lei nº 3381, que tem por objetivo regulamentar uma gama de produtos fabricados com base em plantas medicinais e outros componentes naturais. No momento, o projeto está na Câmara dos Deputados. Atualmente, o maior desafio para os que atuam no mercado fitoterápico envolve a esfera legal. “Temos uma legislação com muitas interfaces nebulosas que dão margem às subjetividades nas interpretações das regulamentações e são sem dúvida o principal entrave para aplicação de ações isonômicas por parte do setor regulatório”, explica a enfermeira e Presidente do Conselho Diretivo da Associação Brasileira das Empresas do Setor Fitoterápico, Suplemento Alimentar e de Promoção da Saúde (ABIFISA), Magrid Teske. Por isso, a aprovação da Lei é aguardada com ansiedade. “O futuro do setor está diretamente ligado às ações políticas por parte do governo. Continuar a produzir medicamentos fitoterápicos com matérias-primas importadas é uma afronta à riqueT&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

za botânica que tanto insistimos em ressaltar, mas que não pode ser utilizada em benefício da população de nosso país, já que as regulamentações atuais não favorecem este particular”, argumenta Magrid.

Conhecimento científico e tradicional : fortalecimento da indústria fitoterápica Há no Brasil, atualmente, segundo o biólogo, doutor em Biotecnologia Vegetal pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador em Propriedade Industrial do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), Alexandre Guimarães Vasconcellos, mais de 200 grupos de pesquisa atuando com plantas medicinais, sendo que a maior parte deles concentra-se nas universidades da Região Sudeste. Além disso, o País encontra-se entre os vinte com maior produção científica na área de farmacologia e toxicologia. A ciência, nas últimas décadas, tem proporcionado o avanço nas pesquisas, o que tem sido fundamental para desmistificar o uso da fitoterapia, ainda arraigada em razão da origem proveniente dos povos indígenas. O respaldo científico tem colaborado para mudar o preconceito em torno do assunto, já que antigamente a terapia se restringia ao uso de curandeiros e pajés, as ervas cresciam à beira dos jardins e seu uso não era muito bem visto pela classe médica, o que limitava o desenvolvimento de estudos científicos. Para Alexandre Guimarães, a questão está relacionada à falta de conhecimento. “Eu não vislumbro preconceito da classe acadêmica pelo conhecimento tradicional. Na verdade acho que existe um grande desconhecimento por parte dos pesquisadores sobre como acessar licitamente o conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos e, principalmente, no que tange a questões relacionadas à repartição justa e eqüitativa dos benefícios advindos das pesquisas com as comunidades tradicionais. O pesquisador fica com o receio de ser acusado de biopirata e muitas vezes


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prefere direcionar sua linha de pesquisa para áreas menos polêmicas. E isto é uma grande perda para o País. Acredito que deve ser feito um grande esforço para capacitar as instituições de ensino e pesquisa e as indústrias sobre o tema e, além disso, discutir formas para otimizar os procedimentos e trâmites para a requisição do acesso ao conhecimento tradicional, de maneira a aumentar a eficiência e a celeridade do processo. Em relação às comunidades tradicionais, relembro-me sempre da leitura de Paulo Freire no trecho do livro que dizia que ‘o oprimido não fala por si, falam pelo oprimido’. Nesse sentido, para podermos ser lembrados no futuro pelo trabalho em prol de uma sociedade mais justa e igualitária é fundamental dar voz a quem não tem. As comunidades têm todo o direito de participar ativamente deste processo e devem estar suficientemente informadas para deliberarem de forma livre e esclarecida sobre a realização de pesquisas em seu território e sobre a utilização de seus conhecimentos”, comenta o biólogo. O pesquisador enfatiza ainda sobre a distância entre a pesquisa e a comercialização de um produto fitoterápico. “Entre a pesquisa sobre o efeito biológico de um determinado extrato vegetal e a colocação efetiva de um novo fitofármaco no mercado existe um longo caminho que demanda, além de expertise, sólidos investimentos. Este é um ponto crucial para que o País consiga agregar valor aos produtos derivados de sua biodiversidade. Apesar de a maioria dos grupos de pesquisa sobre plantas medicinais estar concentrado em universidades, não adianta imaginar que as universidades sozinhas serão capazes de levar a cabo todas as etapas da pesquisa até a colocação do produto no mercado e, além disso, arcar com os custos dos testes pré-clínicos e clínicos da pesquisa. É por isso que a indústria é indispensável na cadeia de inovação. É fundamental que se estabeleça uma rede de sinergias entre a universidade e a empresa para que consigamos resultados mais satisfatórios no desenvolvimento de novos fitoterápicos e fitofármacos em nosso País. Para isso, é necessário que os marcos legais estejam afinados com este pro-

pósito, de maneira a estimular a pesquisa, a proteção patentária das invenções desenvolvidas e, ao mesmo tempo, coibir o acesso não-autorizado aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional a ele associado”, conclui o pesquisador. Logo, faz-se necessário que as interfaces, que envolvem o setor de fitos, caminhem numa mesma direção, de forma a possibilitar o pleno desenvolvimento do setor de fitos, e com isso todo o conjunto da sociedade possa se beneficiar, principalmente o Brasil – que de tantas possibilidades na área florestal não pode deixar seus ativos subutilizados.

T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


Entrevista

Políticas Públicas: Iniciativas para a área da biodiversidade

Ione Egler

Foto: Divulgação

Ione Egler: “É importante ter em mente que para lidar de forma competente e consistente com pesquisa sobre biodiversidade, principalmente num país megadiverso, não se pode pensar em projetos de 3 ou 4 anos. Há que se ter programas de pesquisa de Estado, pois biodiversidade é uma questão estratégica para o desenvolvimento do País”.

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atural de Boston no estado de Massachusetts (EUA), Ione Egler tem nacionalidade brasileira e em 1986 começou sua carreira como servidora pública. Ione é graduada desde 1980 em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1984, concluiu o mestrado em Ecologia pela Universidade de Brasília (UnB) e em 1998 finalizou o doutorado em Environmental Sciences pela University Of East Anglia (UEA/Grã-Bretanha). Atualmente ela é Coordenadora-Geral de Biodiversidade do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e nos contou, em entrevista, sobre os principais pontos que envolvem a questão da biodiversidade. Acompanhe a seguir:

Revista T&C - Quais são as principais atividades desempenhadas pela Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (SEPED)?


Políticas Públicas: iniciativas para a área da biodiversidade

Ione Egler - A SEPED possui ações em temas relativos a Mudanças Climáticas, Meteorologia, Estudos de Ecossistemas, Biodiversidade, Biotecnologia, Ciências do Mar, Antártica. O site do MCT (www.mct.gov.br) lista todos os temas de trabalho do ministério e clicando sobre o ícone de cada um desses temas pode-se obter detalhes das ações em curso, projetos sendo financiados, legislação em vigor e em construção, etc. Revista T&C - Que políticas públicas para a Amazônia, conduzidas pela Coordenação de Políticas e Programas de Pesquisa em Biodiversidade (CGBD), merecem destaque? Ione Egler - A CGBD foi instituída para construir uma agenda unificadora de pesquisa em biodiversidade, conforme demandam os resultados da 2ª Conferência Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação, realizada em setembro de 2001. Essa conferência teve audiência de 4 mil e 200 pessoas que representavam diferentes entidades e setores afetos à ciência, tecnologia e inovação. Essa conferência foi estruturada, também, sobre seis reuniões regionais, que debateram o Livro Verde da Ciência, Tecnologia e Inovação, que foi estruturado para definir prioridades para um horizonte de 10 anos. A construção dessa agenda de pesquisa em biodiversidade do MCT também observou demandas diagnosticadas, em nível nacional e regional, durante o processo de elaboração da estratégia nacional de biodiversidade, que veio a constituir as Diretrizes Nacionais de Biodiversidade, oficializadas pelo Decreto nº 4.339 de 2002. Esse diagnóstico, que foi coordenado pelo MMA, auscultou cerca de 3 mil entrevistados. As sugestões desses entrevistados foram debatidas em reuniões regionais, a partir do que se elaborou o decreto sobre as Diretrizes de Biodiversidade. Em ambos processos de consulta (para a 2ª Conferência de CT&I e para a formulação das Diretrizes Nacionais de Biodiversidade) foi identificada a necessidade de se estabelecer uma estratégia eficiente para otimizar a produção e disseminação do conhecimento da enorme biodiversidade do País, para a qual se sabe haver recursos huma-

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nos e financeiros ainda muito aquém da necessidade do País. Essa estratégia de pesquisa e disseminação de conhecimento delineada durante a discussão com especialistas para a formulação do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) foi a constituição de redes cooperativas de pesquisa, que trabalham tanto no inventário quanto na identificação de usos da biodiversidade. Também foi considerado vital que os dados científicos sobre a biodiversidade fossem organizados em bases de dados para permitir que o maior número de pessoas tivesse acesso à informação e conhecimento da biodiversidade, otimizando seu uso para fins de educação, científico, de conservação e manejo, e de formulação de políticas públicas, etc. A constituição de bases de dados sobre a biodiversidade e a institucionalização de um sistema de informação que seja perene foi proposto a partir do diagnóstico de que há um gasto enorme de recursos (financeiro, humano e temporal) no País pela repetida ação de produzir e reproduzir dados sobre a biodiversidade. Em síntese, como não há um sistema de informação perene que permita a interoperabilidade de bases de dados, muita informação precisa ser novamente gerada a cada nova demanda que se apresenta, quer seja para realização de um EIA/RIMA relativo ao licenciamento de um empreendimento, para o delineamento e gestão de unidades de conservação, para a consecução de um projeto de pesquisa relacionado à obtenção de grau de mestrado ou doutorado, ou quer seja para qualquer outra finalidade. Resumindo, o escasso recurso humano e material que temos para pesquisa em biodiversidade no Pais podem ser mais bem aproveitados se os dados científicos produzidos para um determinado propósito puderem também ser utilizados para outras finalidades. Essa é a grande meta do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) do MCT, que teve sua fase piloto exclusivamente na Amazônia. O PPBio-Amazônia tem três anos de atividade, e demonstrou em seu 1º Seminário Científico do Programa - realizado entre 22 e 25 de maio último, não só uma razoável produção científica, como ainda o fortalecimento de muitas parcerias regionais, tanto T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


Políticas Públicas: iniciativas para a área da biodiversidade

entre entidades de pesquisa como entre setores de governo. Quanto à institucionalização de sistemas de informação, houve alguns avanços. O INPA já possui um núcleo de biogeoinformática que gerencia dados do PPBio e de outros programas apoiados por recursos públicos, e o MPEG começou a estruturação de seu núcleo de biogeoinformática em 2007. Revista T&C - Qual tem sido a receptividade das instituições de C&T da Amazônia na articulação de competências por meio do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio)? Ione Egler - A receptividade inicial, isto é, no momento de mobilização de atores-chave para discutir a construção do programa, não foi muito boa, pois pesquisadores da Região Amazônica haviam sido instados anteriormente por várias vezes para construir programas que acabaram por não se efetivar. É importante ter em mente que para lidar de forma competente e consistente com pesquisa sobre biodiversidade, principalmente num país megadiverso, não se pode pensar em projetos de 3 ou 4 anos. Há que se ter programas de pesquisa de Estado, pois biodiversidade é uma questão estratégica para o desenvolvimento do País. O PPBio tem conseguido ampliar sua institucionalização ano após ano, o que transmite segurança para os participantes do Programa. Essa institucionalização foi vital para romper as resistências iniciais, e atualmente verificamos uma adesão crescente ao PPBio não só de pesquisadores dos institutos do MCT, mas também da Embrapa, da Fiocruz, do Butantan, de Universidades, de Institutos Estaduais de Pesquisa, de Universidades Federais, de governos estaduais, do IBAMA, dentre outros. Revista T&C - Hoje são cerca de 190 países e mais a União Européia, signatários da Convenção sobre Diversidade Biológica, que reconhecem os direitos soberanos dos países sobre seus recursos biológicos. Na prática, como o uso por outros países pode ser revertido em benefícios para os países detentores desses recursos? T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

Ione Egler - Essa questão de direitos soberanos é central, mas tem sido muito mal interpretada e administrada em todo o mundo. O país responsável pela inclusão desse tema na CDB foi o Brasil. Fomos nós os responsáveis por redirecionar todo o foco da negociação em uma reunião de julho de 1990, em Genebra. E o fizemos com base no entendimento de que a biodiversidade é um recurso natural, e como tal, não havia sentido em conceituá-la como patrimônio comum da humanidade, que era o conceito que se pretendia ter instituído como princípio no início da elaboração do texto de discussão da CDB. O conceito de patrimônio comum da humanidade já era parte integrante da Convenção da Unesco para a Proteção do Patrimônio Natural e Cultural, que trata de áreas cênicas e sítios históricos que são macrobens, ou seja, de bens com características intangíveis. Como a biodiversidade - em particular o organismo vivo e o recurso genético - são bens materiais (palpáveis), entendeu-se que não seria correto transpor o conceito de patrimônio comum da humanidade de forma direta de uma convenção para outra. Colaborou para essa argumentação do Brasil o fato de que a Convenção da Unesco identifica sítios que se tornam intocáveis - preservados para a posteridade - o que não é apropriado para o caso de espécies e genes. Daí entrou em pauta a questão de que a legislação de certos países permite o patenteamento - leia-se a privatização de organismos vivos - o que é inconsistente com o conceito de patrimônio comum da humanidade. Em princípio, o Brasil defendeu a tese de que melhores atividades de cooperação técnico-científica poderiam ser conseguidas subordinando o acesso ao recurso genético, por entidade estrangeira, a uma autorização do Estado. Essa defesa teve como suporte a experiência do Brasil com a implementação de instrumentos legais (os Decretos nº 65.057 de 1969 e 93.180 de 1986, atualmente reformulado no Decreto nº 98.830 de 1990) que normalizavam as atividades de coleta de dados (materiais e imateriais) por estrangeiros, incluindo espécimes biológicos, minerais, peças integrantes

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da cultura nativa e popular, imagens, etc. Esse Decreto é conhecido popularmente como Decreto sobre Expedição Científica. Há de se ressaltar que a análise dos pedidos de autorização no âmbito de Decreto de Expedição Científica é realizada por comissão técnica instituída no CNPq, que verifica a qualidade da cooperação internacional proposta pela parte estrangeira, ou seja, se há benefício real vindo para o País por meio do pedido de autorização de coleta de dados e materiais. Portanto, a idéia de incluir um dispositivo de autorização de acesso aos recursos genéticos no artigo 15, inciso I da Convenção sobre Biodiversidade (CDB), e de introduzir o terceiro objetivo da CDB - que trata da “justa e eqüitativa repartição de benefícios”, e que inexistia no texto inicial de discussão - foi obter um respaldo internacional para um procedimento que o Brasil já adotava desde o início dos anos 60, e assim ampliar o “enforcement” de legislação nacional. Na negociação da CDB, o Brasil trabalhou fortemente para deixar claro que os termos e condições de acesso deveriam ser fixados em comum acordo pelas partes, e em conformidade com suas legislações nacionais, o que ficou refletido no artigo 15, incisos I e IV. Porém os países que não tinham políticas, legislações ou procedimentos nacionais (em particular integrantes do G-77) buscaram e conseguiram manter no texto da CDB elementos para servir de amparo para negociações bilaterais para concessão de acesso. A elaboração do texto para atender a diversidade de situações entre países, que em princípio estariam com posições alinhadas na negociação, fez com que a convenção quadro de biodiversidade produzisse um texto muito denso e complexo. De dezembro de 1993, quando a CDB entrou em vigor, para 2006 somente 14 países haviam feito o “dever de casa”, isto é, instituído medidas políticas, legais e administrativas para regularizar o acesso a recursos genéticos. O Brasil - que precisaria somente desenvolver um instrumento legal complementar ao Decreto nº 98.830, visando incluir cláusulas para tratar de pesquisas com interesse comercial e para regular a remessa de ma-

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terial de origem biológica para finalidades diversas da pesquisa - decidiu instituir um novo arcabouço legal, por meio da Medida Provisória nº 2.052 de junho de 2000. Essa Medida Provisória que foi sucessivamente reeditada e substituída, inicialmente pela Medida Provisória nº 2.126 e atualmente pela Medida Provisória nº 2.186-16 de 2001, teve como foco de regulação não só instituições estrangeiras mas também brasileiras. A edição dessa Medida Provisória impôs uma condição de ilegalidade a cerca de 20 mil estudantes de pós-graduação, pesquisadores e professores universitários (que em sua maioria são funcionários públicos), pois sua edição não foi acompanhada da instalação do mecanismo responsável pela concessão de autorizações de acesso à biodiversidade, o Conselho Gestor do Patrimônio Genético (CGEN). Mesmo com a instalação do CGEN, que se deu em julho de 2002, só houve condições de se aprovar o primeiro pedido de autorização de acesso em março de 2003, quando o CGEN já havia definido normas para análise e aprovação de processos. De 2003 para cá, mesmo com toda celeridade que se busca dar ao CGEN não foi possível regularizar nem 2% da atividade de pesquisa nas áreas biológicas no País. A análise e aprovação de pedidos de autorização de acesso caso a caso é um procedimento inviável num país com a densidade de atividade de pesquisa que tem o Brasil. Além desse efeito negativo, que ainda hoje se reflete na quase absoluta paralisação das atividades de bioprospecção das entidades públicas de ensino e pesquisa do País, a MP de Acesso ao Patrimônio Genético pouco contribuiu para dar efetividade ao combate à biopirataria. Assim, a apropriação indevida de recursos biológicos por entidades que “não são” de pesquisa continua a ocorrer, o material biológico continua a ser exportado livremente sem qualquer procedimento para restringir seu uso para finalidade de bioprospecção no exterior, as patentes estrangeiras sobre material biológico nacional continuam a ser concedidas. Portanto, a partir da edição da Medida Provisória de Acesso ao Patrimônio Genético, o Brasil deixou de pesquisar e de se beneficiar da pesquisa e deT&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


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senvolvimento de sua biodiversidade, sem impedir de forma efetiva que isso ocorresse no exterior. Ou seja, a MP focou sua atuação no público-alvo errado, e por isso divergiu do propósito que a CDB buscou alcançar. Como resultado, após 5 anos de instalação do CGEN, que consome cerca de 1 milhão de reais por ano dos cofres públicos e que demandou um incremento de força de trabalho da ordem de 60%, o País só aprovou sete contratos de repartição de benefícios. Nenhum desses contratos foi firmado com entidade estrangeira e alguns deles são assinados entre entidades do próprio Poder Público!!! Isto é, a União repartindo benefício com a própria União!!!! Em síntese, a instalação de um complexo e inadequado sistema de autorização não permitiu assegurar repartição de benefícios, ou seja, recursos novos e adicionais para apoiar as atividades de conservação e uso sustentável da biodiversidade. A situação atual é tão desfavorável à pesquisa e ao desenvolvimento em biodiversidade, que os projetos selecionados em resposta a um edital lançado há dois anos pelo MCT e MS para bioprospecção de moléculas de interesse para a saúde, ainda não puderam ter início. Os projetos selecionados estão aguardando autorização do CGEN, pois a agência implementadora do edital não pode efetivar contrato com os projetos selecionados sem autorização do CGEN, pois estará incorrendo em crime. No presente contexto, o candidato a financiamento de seu projeto só pode submeter o pedido de autorização ao CGEN quando de fato há um projeto aprovado por meio de seleção aberta e competitiva. Assim, o Poder Público está perdendo capacidade de investimento em bioprospecção e desenvolvimento de produtos e processos a partir da biodiversidade, pois recursos públicos (orçamentários) não podem ser transferidos de um ano para outro. Se a atual legislação obstrui o início da cadeia para obtenção de um produto ou processo derivado da biodiversidade, ou seja a atividade de bioprospecção, não há como se vislumbrar nenhuma possibilidade de ganho econômico, e conseqüentemente qualquer repartição de benefícios da biodiversidaT&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

de nacional. Por isso, a comunidade de ciência e tecnologia brasileira passou a trabalhar quase que exclusivamente com a biodiversidade exótica o que é um total contra-senso! A falta de uma avaliação técnica centrada e desapaixonada da situação da legislação de acesso no País possibilita transmitir a idéia, no exterior, de que o Brasil é um país pioneiro e bem-sucedido nesse tema. O dramático é que até 2010 a CDB estabelecerá o Regime Internacional de Acesso e Repartição de Benefícios, que idealmente deveria somente dar cumprimento em nível internacional das leis nacionais, criando, por exemplo, mecanismos de solução de controvérsias. Porém, na carência de experiência de boas leis nacionais, corre-se o risco de construir uma legislação internacional vinculante, e que venha a regular de forma detalhada e específica o que deveria ser objeto de negociação entre as partes; ou seja as condições de acesso e repartição de benefícios. Movimentos nesse sentido já podem ser percebidos por alguns países-membros da CDB. Se isso vier a se consolidar, tenho a convicção de que a Convenção sobre Biodiversidade estará pavimentando um caminho para que vários países saiam desse acordo, em particular os desenvolvidos, o que será muito ruim para países megadiversos como o Brasil. Revista T&C - Embora a lei determine a repartição de benefícios sobre o uso dos conhecimentos tradicionais, não existem parâmetros claros de como implementá-la. Que mecanismos são viáveis para resolver essa questão? Ione Egler - A questão é que a determinação do que é justo e eqüitativo é muito subjetiva. Contratos firmados por entidades legalmente constituídas não devem sofrer intervenções constantes do Poder Público. Vivemos no mundo complexo e diverso, e temos que utilizar os mecanismos que temos em vigor para atuar no limite máximo (melhor) do que se pode, mesmo quando a situação não é ideal, ou seja, as partes contratantes não têm poder de negociação semelhante. O caso de comunidades tradicionais enquadra-

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se nessa complexidade. Primeiro, pela definição de quem é legítimo para firmar contrato em nome de um grupo social, que por vezes não é legalmente instituído ou claramente identificável. Segundo, porque as comunidades tradicionais têm graus de autonomia e integração à economia formal muito diferentes. O terceiro é a determinação do que é justo e eqüitativo para uma variedade de casos e atores. Há no Brasil uma sensibilidade e responsabilidade em buscar assegurar direitos das populações tradicionais, em particular de que o acesso ao conhecimento tradicional seja feito com base em consentimento prévio, e que haja repartição de benefícios. A própria implantação do consentimento prévio fundamentado, que em princípio é algo simples, já se demonstrou ser um desafio para muitos casos, pois há comunidades tradicionais que entendem pouco a linguagem escrita - necessária para formalizar o consentimento prévio. Se essa comunidade não compreende com clareza como seu conhecimento será utilizado, quais são os custos de se desenvolver e comercializar um produto/processo derivado da biodiversidade e do conhecimento tradicional acessado, é inevitável que haja uma dificuldade de contabilizar quanto seria justo e eqüitativo repartir em relação aos lucros auferidos. Assim, quando um contrato de repartição de benefícios eventualmente puder ensejar abuso há dois mecanismos básicos para resolução. O primeiro é a parte lesada entrar com ação na justiça, quando entender que o contrato é lesivo. O segundo é o Estado participar ou mediar a realização do contrato, para proteger o hipossuficiente (que tem menor poder técnico, político e econômico) de eventual abuso. Nesse aspecto, a Constituição de 1988 e o novo Código Civil revolucionaram o arcabouço legal do País ao prever mecanismos para proteção de hipossuficientes, o que poderia ser o caso, por exemplo, da efetivação de contrato entre alguma população tradicional e uma grande empresa. Nesses casos, entidades do Poder Público, que legalmente representam o Estado, devem oferecer amparo às

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comunidades tradicionais, quando quer que elas assim demandem. Entretanto, a Medida Provisória instituiu um mecanismo diverso, que é a obrigatoriedade de o CGEN anuir todos os contratos de repartição de benefícios. Isso cria situações absurdas, como registradas recentemente, onde conselheiros resolvem questionar a propriedade de percentual de repartição de benefícios fixados entre um reitor de universidade federal e a presidência do IBAMA, que são duas entidades legalmente instituídas, com consultoria jurídica instalada, com quadro técnico significativo. Enfim, em situação de eqüidade de poder para decidir o que lhes é justo e eqüitativo. No outro extremo, temos contratos entre empresas e comunidades tradicionais, onde a parte mais frágil é assessorada por entidades não-governamentais e não pelo Poder Público. Essas entidades não-governamentais têm relevantes papéis a serem desempenhados num estado democrático de direito, como por exemplo monitorar e acompanhar a eficiência das ações governamentais, mas daí a atuar em lugar do Poder Público, principalmente onde a atividade é exclusiva de Estado ou possa gerar conflito de interesse, há uma distância enorme. Em síntese, o CGEN não deveria emitir juízo de valor sobre contratos de repartição de benefícios, e na eventualidade de um contrato contar com umas das partes que viesse a se declarar hipossuficiente, a norma deveria prever a obrigatoriedade de mediação para assessoramento técnico e legal por parte do Poder Público. Revista T&C - Considerando-se a importância de diretrizes e estratégias para a modernização de coleções biológicas e a consolidação de sistemas integrados de informação, que avanços têm sido alcançados nessas matérias e em particular sobre a flora amazônica? Ione Egler - A metodologia de elaboração do documento “Diretrizes e Estratégias para a Modernização de Coleções Biológicas e a Consolidação de Sistemas Integrados de Informação” previu a instalação de um processo em etapas, que fosse T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


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participativo e impessoal. Ou seja, não foi contratado o pesquisador A ou B para escrever o que ele pensava sobre o assunto e sim sociedades científicas, que congregam milhares de pesquisadores associados, e instituições de pesquisa que têm a responsabilidade legal pela manutenção de coleções biológicas. Com esse envolvimento buscamos dar a melhor qualidade técnica e legitimidade possível na elaboração de diretrizes que deverão orientar políticas públicas. Em primeira instância o trabalho foi desenvolvido pelas sociedades científicas em quatro temas distintos. O segundo momento foi a organização de um workshop que contou com a presença de autoridades nacionais e internacionais em todos os temas abordados, de dirigentes e parlamentares, e de diretores de entidades de pesquisa que hospedam coleções e são responsáveis pela sua manutenção, ampliação e integridade, visto que foram qualificados como fiéis depositários pelo Poder Público. A terceira etapa de construção dessas Diretrizes - ocasião em que ela deverá se efetivar como política - é seu debate, aprimoramento, e aprovação na Comissão Nacional de Biodiversidade (CONABIO). Na CONABIO têm assento as principais entidades que mantêm coleções biológicas (exceto o MEC, que tem os acervos de museus ligados a universidades), além de entidades governamentais e não-governamentais que atuam em diferentes setores. Antes de levar o documento de diretrizes para a CONABIO, ele foi amplamente distribuído e colocado em consulta pública, para ampliar o conhecimento de seu teor e estimular o recebimento de sugestões para aprimoramento do texto. O entendimento majoritário que temos é que o documento Diretrizes Estratégicas para Modernização de Coleções Biológicas é um documento muito bem-vindo e que pode trazer ao tomador de decisão as informações necessárias e de forma objetiva, do que precisa ser feito no País. O Documento informa ainda sobre as fragilidades e as oportunidades para se alcançar as metas propostas e propõe um escalonamento de atividades em curto, médio e longo prazos. Em resumo, é T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

um “plano de negócios”, conforme me foi explicitado pelo meu superior à ocasião, Dr. Cylon Gonçalves – Secretário do SEPED/MCT. Creio que apesar de não estar concluído, ele foi muito bem aceito, pois a Petrobras já está apoiando coleções e ações que foram identificadas no documento de discussão. Agora temos que mobilizar recursos de médio e longo prazos para manutenção, ampliação e modernização (informatização) dessas coleções. Elas mantêm acervos de importância estratégica para o País e diferente de outras infra-estruturas de pesquisa - como equipamentos para laboratórios de física, química, biologia, etc. - as coleções biológicas não podem ser substituídas por modelos mais modernos e vantajosos como é o caso da maioria das infra-estruturas de pesquisa. Grande parte do material de coleções biológicas não pode mais ser coletado de novo no seu local de origem, pois esses locais já foram transformados em cidades, reservatórios de água de usinas hidrelétricas, indústrias, estradas, etc. A informação sobre ocorrência desses organismos na natureza e em lugares que atualmente estão transformados é preciosa para elaboração de modelos preditivos que podem auxiliar nas decisões sobre controle de pragas e espécies invasoras, comportamento de OGMs liberados no ambiente agrícola, etc. O PPBio apoiou a modernização de coleções na Amazônia. Atualmente o INPA já tem seu herbário on line, o que deu grande visibilidade ao acervo da instituição, a qual está sendo contactada por países Amazônicos e por instituições do hemisfério norte para realização de parceria e cooperação técnicocientífica. Essas cooperações são fundamentais para acelerar a qualificação dos dados do acervo e formar recursos humanos na Amazônia, já que são treinados por especialistas os quais se interessam pelo acervo que é apresentado na internet e se propõem a realizar visita técnica para revisar a identificação taxonômica. Assim, a informatização não só amplia e acelera a qualificação da coleção, como diminui o custo de treinamento, visto que o especialista que visita uma coleção pode treinar

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vários alunos, simultaneamente. Revista T&C - Com as facilidades criadas pela informática, é provável que ocorra um crescimento significativo no fluxo de informações sobre o patrimônio genético da biodiversidade brasileira entre as instituições de C&T do País e de outros países. Isto não representa uma ameaça à proteção dos conhecimentos sobre essa riqueza biológica? Ione Egler - Não representa ameaça alguma, muito pelo contrário. O Brasil só tem a ganhar com a informatização. Ela é o nosso único meio de realmente efetivar um processo de repatriação do conhecimento sobre a biodiversidade brasileira. Isso é necessário porque o Brasil começou a fazer ciência de forma mais estruturada nos últimos 50 anos, quando instituiu o sistema nacional de ciência e tecnologia, com a criação do CNPq e da CAPES, e implantou sistema de pós-graduação no País, a partir da criação da CAPES. Até então, a ciência brasileira era definitivamente de pequeno vulto se comparado ao que se fazia no cenário internacional. Por isso, os estrangeiros (europeus porque estudam a biodiversidade do mundo desde as grandes navegações e americanos pelo poderio do seu investimento em pesquisa) conhecem mais sobre a nossa biodiversidade. Tivemos expedições científicas enormes no Brasil, desde o século XVIII, de autoridades como Darwin, Von Martius, Von Humboldt, Saint Hilaire, para citar alguns, e o material coletado nessas expedições obviamente está depositado em instituições de pesquisa estrangeiras. O acervo científico brasileiro é minúsculo (1% do acervo mundial), o que é ainda mais contundente se considerarmos que o Brasil tem cerca de 20% da biodiversidade do planeta! Portanto, só poderemos resgatar conhecimento sobre nossa biodiversidade a partir da informatização, pois é absolutamente inconcebível e impraticável pensar em pedir de volta o material biológico que foi coletado no Brasil; tanto pelo embaraço diplomático - uma vez que esses espécimes científicos são tombados e portanto integram o patrimônio de instituições de pesquisa, quanto pela própria incapacidade de acondicionar adequadamente esse

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volume material no Brasil. Somente “uma” instituição americana - que não vale a pena citar nominalmente, possui um acervo sobre o Brasil que é maior que o somatório de todo o acervo constituído em território nacional. Logo, é tempo de o Brasil, em particular o MCT, ser um dos maiores defensores da informatização e disponibilização de dados de acervos biológicos na internet e também de termos uma estratégia clara para que isso aconteça. O documento Diretrizes e Estratégias para a Modernização de Coleções Biológicas e a Consolidação de Sistemas Integrados de Informação trazem elementos para que isso ocorra. Resta a nós, governo, aprovar as propostas e pô-las em curso. Revista T&C - Os marcos legais que envolvem o uso dos recursos da biodiversidade, face à abrangência e complexidade, são considerados restritivos ao desenvolvimento de atividades produtivas. Que medidas poderiam melhorar esse panorama? Ione Egler - Uma nova lei de acesso ao patrimônio genético precisa ser urgentemente adotada no Brasil pois a excessiva centralização do CGEN demonstrou a completa ineficácia do modelo da legislação em vigor no País. Há realmente particularidades muito evidentes para diferentes propósitos de bioprospecção e por isso o MCT propôs um modelo descentralizado que pode acomodar complexidades e anseios de diferentes setores. O modelo de legislação proposto pelo MCT não pretendeu esgotar o tema, mas demonstrar a viabilidade funcional e possibilidade de a legislação brasileira servir de fato para o alcance do objetivo a qual se propõe: combater a biopirataria pelo estímulo à capacidade nacional de inovar e desenvolver produtos e processos derivados da biodiversidade. É claro que o modelo de legislação proposto deve ser aprimorado, mas se chegarmos a um acordo sobre a essência – ou seja, de que cada pasta (ministério) entende melhor o funcionamento das atividades que são afetas à sua missão e agenda institucional e assim poder executar mais T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


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satisfatoriamente essas atribuições, pode-se rapidamente concluir um novo projeto de lei que venha substituir com múltiplas vantagens a Medida Provisória. O que precisamos é usar a inteligência e, mais ainda, nos inspirarmos nos princípios constitucionais de razoabilidade, impessoalidade e legalidade, e sobretudo, no interesse maior do País.

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ARTIGO

MAPEAMENTO DA BIODIVERSIDADE AMAZÔNICA: POTENCIALIDADES DOS FITOS Juan Revilla

Resumo A diversidade de Plantas Úteis da Bacia Amazônica foi amplamente exposta no trabalho de Revilla (2002), estudo que reuniu em torno de 1.500 espécies de plantas com potenciais fitoterápicos, das quais 500 são amplamente utilizadas na Amazônia Brasileira e, aproximadamente de 60 espécies que são consumidas, vendidas e procuradas no comércio local pela população. Neste trabalho são expostas as dificuldades para desenvolver o setor que se traduz em três fatores impeditivos: falta de registro dos produtos junto à Anvisa, falta de médicos habilitados para indicar o tratamento a base de fitoterápicos e a falta de um hospital especializado no tratamento – e que mantenha uma respectiva farmácia de dispensação.

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Introdução O Sistema Único de Saúde (SUS), em maio de 2006, lançou o Decreto nº 5.813, o qual permite a prática de tratamento médico por meio da utilização de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos, propiciando dessa forma a abertura de novos mercados e superando barreiras que antes eram intransponíveis. Em virtude da cidade de Manaus pertencer à maior floresta tropical do mundo e conter uma imensa diversidade florestal (vegetal), não poderia eximir-se do contexto dos fitos, bem como os seus países vizinhos: o Perú, a Colômbia, a Bolívia, o Equador, a Venezuela, entre outros, detentores de importantes reservas florestais, sendo que parte desse potencial é revertido para aplicação na área medicinal. Desta forma, estas plantas medicinais, em forma de produtos, podem agregar valor em diferentes graus. Em decorrência de um grande número de gargalos na cadeia produtiva que envolve as plantas medicinais, o setor de produtos fitoterápicos está aquém de seu desenvolvimento, sem conseguir T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


Mapeamento da biodiversidade amazônica: potencialidades dos fitos

estabelecer concorrência com as farmácias alopáticas, configurando assim um panorama pouco alentador. Neste trabalho, pretende-se identificar os diversos entraves e gargalos existentes e apontar as possibilidades para superá-los e com isto, avançar em um tema apropriado para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.

Aspectos Gerais A cadeia dos fitoterápicos e fitocosméticos tem sido um dos itens mais divulgados na mídia dos APL’s e das Plataformas Tecnológicas. O segmento se alastrou por diversos setores da sociedade, desde o caboclo do interior até as elites das grandes cidades do mundo. As diferentes formas de utilização do potencial terapêutico nas comunidades da Amazônia ocorrem em virtude de vários fatores, seja pela falta de remédios alopáticos, recursos financeiros para obtê-los, ou seja pela distância aos centros de

atendimento. Por costume, a maioria das doenças existentes na Região Amazônica é passível de tratamento no local, devido ao conhecimento tradicional e à existência das plantas nas localidades próximas ao morador. A aplicação do conhecimento científico, técnico, esclarecedor e, principalmente comprobatório é o modo correto e efetivo para a indicação da fitoterapia para os tratamentos de saúde. Para tanto, temos os exames clínicos e laboratoriais que tornam-se importantes aliados no momento do diagnóstico, por propiciarem a correta investigação e a identificação do agente causador da doença, permitindo, dessa forma, a apropriada indicação de produtos fitoterápicos. Além disso, outro obstáculo a ser destacado no segmento está relacionado às barreiras fitossanitárias no País e no mundo: falta de informação sobre a dosagem, efeitos colaterais, tempo de uso, etc. Isto mostra que superando as mencionadas barreiras a área econômica poderá ser beneficiada com resultados positivos, mesmo porque Foto: Divulgação

Figura 1 - Viveiro central do Município de Barreirinha/AM, onde são produzidas mudas de plantas medicinais para serem distribuídas nas diversas comunidades do município.

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a distância entre o chá e o fitoterápico é grande, demandando altos investimentos para estudos prévios, formulações farmacêuticas e registros. Entretanto, um fator positivo a apontar é o fato de haver abundante matéria-prima coletada através de extrativismo sustentável. O caboclo ou ribeirinho detentor da matéria-prima acabará percebendo que o potencial florístico oriundo da floresta facilitará a comercialização e portanto, aumentará sua renda. Para isso, deverá ser qualificado através de cursos de capacitação, orientação e treinamento. Para tanto, temos como um dos parceiros o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Potencial dos Fitos Há três formas principais de avaliar o potencial dos fitos na Amazônia. A primeira é o conhecimento tradicional, que ao longo de séculos vem sendo registrado em trabalhos publicados, tais como: Torkelson (1970), Schultes (1990), Revilla (2002) e em muitos outros, onde são registradas as informações do conhecimento popular, assim como informações complementares dos próprios autores desses trabalhos. A segunda forma é através do garimpo de informações tradicionais ainda existentes nos shamans, curandeiros, bruxos, rezadores ou curiosos. Muitas vezes, estas informações são valiosas, por tratar-se de uma mistura entre a experiência e a prática. A terceira forma, atualmente - pelo que parece - é a mais importante, pois é a conjugação das duas anteriores, permitindo a triangulação, que baseada no conhecimento tradicional e científico demonstra a potencialidade terapêutica para as doenças modernas. Alguns exemplos de triangulação podem ser verificados nos tratamentos de miomas, asma, sinusite, gastrite e outras doenças onde o tratamento faz parte de uma orientação alimentar e o diagnóstico exato é realizado observando os sintomas e os exames clínicos, o uso adequado das plantas e dos chás, seguido por um acompa-

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nhamento definido pelo médico e oportuno ao paciente. Este método pode levar à manipulação de formulações precisas para o tratamento de uma determinada doença. O trabalho Plantas Úteis da Bacia Amazônica (2002) fez um relato histórico das referências bibliográficas, levantamentos realizados em herbários, mercados e feiras dos diversos países amazônicos. No mencionado trabalho, são registrados mais de 25.000 nomes populares e mais de 5.000 espécies úteis da Bacia Amazônica, dando destaque às plantas para fins medicinais e cosméticos, produção de artesanato, de corantes, ornamentais e as tóxicas, entre outras. Na Bacia Amazônica, em relação às plantas medicinais, são utilizadas cerca de 1.500 espécies. Na Amazônia Brasileira, são aproximadamente 600 espécies das quais, aproximadamente 150 são utilizadas e expostas no comércio, mercado e feiras de Belém (PA), Macapá (AP), Tabatinga, Benjamim Constant e Manaus (AM), Rio Branco e Cruzeiro do Sul (AC), Boa vista (RO). No mercado de Manaus algo em torno de 60 espécies são as mais procuradas como uxi-amarelo, unha-de-gato, muirapuama, jatobá, carapanaúba, sucuuba, sara-tudo, crajirú, copaíba, andiroba, cumarú, ipê-roxo, etc. A maioria é usada “in natura” e algumas poucas aparecem em formulações farmacêuticas em forma de cremes, pomadas, xaropes, cápsulas produzidas por empresas locais e comercializadas em lojas especializadas.

Capacitação A experiência de campo na área do extrativismo vem demonstrando que o cultivador sem treinamento acaba gerando produtos de baixa qualidade e regularidade, portanto a capacitação é essencial. A capacitação engloba desde o conhecimento técnico, quando se explica: o que é uma planta medicinal, para que serve, formas de extração, secagem, embalagem, armazenagem até o conhecimento mais trivial, no qual é importante que o profissional tenha ciência de que a atividade T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


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não incidirá em riqueza monetária, sendo que o ganho financeiro virá gradualmente e será um complemento de sua renda. A melhora na condição financeira dependerá da aceitação do seu produto no mercado. O uso de plantas medicinais por profissionais que atuam na área requer treinamento, acompanhamento e criatividade para que possamos obter sucesso nos tratamentos e nos métodos utilizados. Por isso, surge a necessidade de oferecer aos acadêmicos de medicina, farmácia, enfermagem, odontologia, biologia e outros cursos afins, disciplinas que abordem o tema: plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos. Hoje, existem disciplinas como farmacologia, botânica e outras, mas que não discutem o tema amplamente, tornando-se necessário incluir na grade curricular outras disciplinas que igualem o conhecimento que se tem sobre os fármacos, para que dessa maneira os futuros profissionais da saúde possam receitar os fitoterápicos como

farão com os medicamentos alopáticos. Para que isto aconteça, serão necessárias monografias sobre as plantas a serem utilizadas, também será necessária uma farmácia de dispensação que possa atender a demanda dos produtos prescritos pelos profissionais. A oferta de produtos está intrinsecamente ligada a demanda. Se tivermos mais profissionais prescrevendo, isso aumentará a demanda por produtos, mais matérias-primas serão necessárias, mais produtores extrativistas ou cultivadores serão absorvidos pelo mercado, levando o homem do interior a melhorar sua renda.

Infra-estrutura para secar e armazenar Os produtos naturais (compostos por matériasprimas naturais) são perecíveis devido a alguns fatores como: umidade, chuvas, calor e pragas, sendo necessários ambientes adequados para a

Foto: Divulgação

Figura 2 - aulas práticas sobre plantas medicinais com agentes de saúde do Município de Barreirinha /AM.

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secagem e o armazenamento. No caso dos produtos in natura, o tempo para utilizar as folhas é menor que 6 meses e, no caso das cascas, o tempo varia entre 6 e 12 meses. Quanto mais triturado menos durável é o produto, outro fator que deve ser levado em consideração são os ambientes de armazenamento e distribuição que devem ser climatizados. Certamente, o ideal seria transformar a maioria dos produtos em comprimidos para que após passarem pelo procedimento de spray dry, onde os princípios ativos encontram-se quase na plenitude, pudessem manter as propriedades e evitar assim o seu perecimento.

Vontade política e a prática da medicina complementar Muitas vezes, o momento político é capaz de colaborar para a realização de obras fantásticas, as quais nem sempre são compensadas satisfa-

toriamente. A produção de fitoterápicos é espontânea assim com seu uso. Em muitos casos, o que não é utilizado passa a ser aproveitado por instituições estrangeiras que lançam produtos novos baseados no conhecimento tradicional, gerando lucros grandiosos a essas empresas, ou seja, nós não valorizamos os recursos naturais e somos surpreendidos com patentes e produtos comercializados internacionalmente. Só prestamos a atenção quando a situação é irreversível. Não podemos esperar que isto aconteça, temos que ser agressivos, lançar produtos e para isto precisamos avaliar, justificar e disponibilizar no mercado produtos eficazes e seguros de forma prévia, isto é, antes que outros países o executem.

Regulamentação do produto Os produtos naturais vêm da floresta e são colhidos pelos caboclos, porém os mesmos, na

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Figura 3 - Capacitação dos agentes de saúde e produtores rurais sobre a coleta, secagem e armazenamento de matériaprima de plantas medicinais.

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grande maioria, não têm titulação de seus lotes, o que impossibilita a realização de negócios, já que eles não apresentam os documentos de posse da terra. Se por felicidade uma pessoa ou comunidade obtiver solicitação para registro dos produtos no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN-IBAMA) não poderá obter os royalties por falta de documentos comprobatórios da terra, ou seja, da origem da matéria-prima. É necessário, então, que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) ou o Instituto Terras do Amazonas (ITEAM) elabore um documento simplificado que permita a posse da terra, medida que poderá superar o impasse. Mesmo que seja em caráter temporário ou melhor ainda, que permita a conquista do título definitivo da terra, possibilitando, desta forma, que o caboclo possa realizar o registro do produto, compra, venda e empréstimos para viabilizar seus negócios e assim melhorar a sua renda.

mercado farmacêutico normalmente busca um ou mais ativos, que mais tarde possam ser isolados e sintetizados, deixando de lado a necessidade de utilização da matéria-prima de origem natural. Felizmente, muitas plantas atuam com um conjunto de ativos e quando isolados não têm o mesmo efeito terapêutico. Para o tratamento da saúde no mundo, seria ideal o isolamento do ativo e a síntese, pois o produto poderia ser mais barato e sua oferta garantida. O uso de produtos ativos, onde o extrato atua em bloco pode ser uma outra alternativa como é o caso da unha-de-gato, do ipê-roxo, entre outros em que a matéria-prima é utilizada regularmente, estimulando a prática do desenvolvimento sustentável e atuando efetivamente na melhoria da renda no interior. Diferentemente de quando o produto é isolado e sintetizado, já que essa prática não se traduz em benefício para o caboclo, detentor do conhecimento tradicional onde o produto teve sua origem.

Sobre a legislação A legislação brasileira sobre fitoterápicos é rígida, porém coerente, pois não podem ser comercializados produtos que não atendam a eficácia e segurança de produtos hoje chamados naturais, e que são amplamente comercializados no mercado sem oferecer segurança ao consumidor, o melhor exemplo são os produtos emagrecedores. O fato de ser natural não oferece garantia de segurança e eficácia, é necessário que o governo realize investimentos para implementação de pesquisas que possam superar gargalos e permitir que os produtos derivados de plantas sejam colocados à venda, respeitando as normas exigidas pela sociedade e a Vigilância Sanitária.

Hospital de medicina complementar (alternativa) A existência de um posto ou hospital será de grande importância, pois ele poderá servir de referência para os médicos, pacientes e centro de pesquisa. Nesse local, poderão ser executadas a orientação no uso das plantas, a dispensação dos produtos e o acompanhamento do tratamento. O quadro de funcionários desta instituição será constantemente treinado e atualizado com as novas pesquisas e produtos terapêuticos avaliados e melhorados continuamente, com o objetivo de cumprir sua função. Existe uma grande relação entre as doenças oportunistas ou sazonais, por isso o hospital deverá manter um estoque de produtos para atendimento.

Pesquisas dos princípios bioativos As pesquisas sobre os componentes químicos encontrados nas plantas nem sempre são claras e definitivas, pois os grupos de substâncias poderão atuar de maneira isolada ou em bloco. O T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

Central de medicamentos alternativos A farmácia de dispensação é de suma importância para manter um estoque de medicamentos fitoterápicos e plantas medicinais para

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atendimento a demandas encaminhadas pelos prescritores (médicos), nos diversos centros de atendimento alternativo. O estoque permite sua distribuição observando todos os indicativos das boas práticas de manipulação, prazo de validade e armazenamento.

Conclusão Atualmente, a situação das indústrias de fitoterápicos locais não é satisfatória, já que não contam com equipamentos adequados para o aproveitamento dos recursos da floresta. É necessária a implementação desses maquinários, que tem o intuito de qualificar os produtos originados através de fórmulas simples e eficazes, assegurando a viabilização econômica e, sobretudo, a sobrevivência das empresas. As conclusões a seguir são fundamentais para os avanços do setor: 1. Os estudos e as pesquisas com Fitos devem ser multidisciplinares, ou seja, uma equipe com botânicos, químicos, farmacêuticos, agrônomos, sociólogos, antropólogos, médicos, etc. 2. É necessário pesquisar e obter todas as informações referentes as plantas em destaque, desta forma identificar os gargalos ou lacunas que deveriam ser pesquisadas para habilitar a planta para o uso e comercialização. 3. As universidades devem oferecer disciplinas sobre plantas medicinais e fitomedicamentos na mesma proporção que os fármacos, principalmente para alunos de graduação em medicina, farmácia, enfermagem e outras áreas afins. 4. Deve-se incrementar tecnologias e métodos farmacêuticos na elaboração dos medicamentos a base de plantas medicinais e, desta forma, garantir a eficácia e segurança durante o tratamento. 5. É necessário conhecer os pesquisadores na área de plantas medicinais e fitoterápicos, a fim de evitar duplicidade nas pesquisas e assim, avançar na aprovação dos fitos, respeitando as normas exigidas pela sociedade e pela Vigilância

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Sanitária.

Bibliografia ALMEIDA, Edvaldo Rodrigues de. Plantas medicinais brasileiras: conhecimentos populares e científicos. São Paulo: Hemus. 1993. BRACK. EGG, Antônio. Diccionario enciclopedico de plantas utiles del Peru. Peru: PNUD, 1999. GILBERT, Benjamim. FERREIRA, José Luiz Pinto & ALVES, Lucio Ferreira. Monografias de plantas medicinais brasileiras e aclimatadas. Curitiba: Abifito. 2005 MARTIN, Gary J. Ethnobotany. Chapman & Hall. 1995. Plantas Medicinales amazonicas: realidad y perspectivas. Lima-Peru: TCA. 1995. PINEDO, Mario. Plantas medicinales de la amazonia peruana: estudio de su uso y cultivo. Peru: TCA. 1997. REVILLA, Juan. Plantas da Amazônia: oportunidades econômicas e sustentáveis. Manaus: Sebrae/Am, Inpa, 2000. REVILLA, Juan. Cultivando a saúde em hortas caseiras e medicinais. Manaus: Sebrae/Am, Inpa, 2001. REVILLA, Juan. Apontamentos para a cosmética amazônica. Manaus: Sebrae/Am, Inpa, 2002. REVILLA, Juan. Plantas úteis da bacia amazônica. Manaus: Sebrae/Am, Inpa, 2002. REVILLA, Juan. Corantes naturais. Manaus: Sebrae/Am, Inpa, 2004. SCHULTES, Richard Evans & RAFFAUF. The healing forest: medicinal and toxicplants of the northwest amazonia. Dioscorides Press, 1990.

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Mapeamento da biodiversidade amazônica: potencialidades dos fitos

TORKELSON. Anthony R. The cross name index to medicinal plants. CRC Press. 1970. Juan Revilla é Biólogo, mestre e doutor em botânica, possui pós-doutorado em etnobotânica e botânica econômica e atua como pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/INPA.

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Aspectos da legislação no controle dos medicamentos fitoterápicos

ARTIGO Ana Cecilia Bezerra Carvalho, Diana de Souza Garcia Nunes, Tatiana de Gouveia Baratelli, Nur Shuqaira Mahmud Said Abdel Qader Shuqair E Edmundo Machado Netto

Resumo Fitoterápico é uma classe de medicamentos largamente utilizada no País. Para seu registro e disponibilização à população, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) avalia diversos critérios de qualidade, segurança e eficácia, exigindo requisitos similares aos requeridos para os medicamentos convencionais. Este controle tem o objetivo de desvincular os fitoterápicos da idéia de serem produtos de qualidade inferior ou sem potencial de risco tóxico. Este texto discorre sobre alguns aspectos da legislação sanitária de medicamentos fitoterápicos no Brasil.

INTRODUÇÃO Plantas medicinais são aquelas que possuem tradição de uso em uma população ou comunidade e são capazes de prevenir, aliviar ou curar enfermidades. Ao serem processadas para a obtenção de um medicamento, tem-se como resultado

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o medicamento fitoterápico. O uso de produtos medicinais a base de plantas é prática comum na terapêutica, desde os tempos mais remotos. O mercado de fitoterápicos decaiu com o desenvolvimento dos medicamentos sintéticos no pós-guerra, porém, vem apresentando um crescimento marcante nas últimas décadas, como tratamento alternativo aos medicamentos da medicina convencional. Mesmo com a globalização da indústria química e a utilização de medicamentos sintéticos, os produtos derivados de plantas medicinais ainda detêm uma parcela do mercado mundial, 14 bilhões de um total estimado de 280 bilhões de dólares (cerca de 5% do mercado mundial de produtos farmacêuticos). No Brasil, o valor estimado gasto em fitoterápicos é da ordem de 300 milhões de dólares, relativamente pequeno, representando cerca de 4% do total do mercado farmacêutico, da ordem de 7,4 bilhões de dólares (MARQUES,

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1999). Este valor refere-se somente aos fitoterápicos industrializados, não correspondendo ao mercado total de produtos obtidos de plantas medicinais. Há ainda os fitoterápicos manipulados, os produtos cadastrados na ANVISA como alimentos ou cosméticos, além dos produtos artesanais e a planta medicinal in natura, utilizados amplamente na medicina popular. A cifra brasileira é pequena se comparada aos valores publicados para a Europa e Estados Unidos no ano de 2000, o equivalente a 8,5 e 6,3 bilhões de dólares, respectivamente (SIMÕES e SHENKEL, 2002). Estes valores indicam um mercado em potencial expansão, principalmente se considerarmos a biodiversidade brasileira. O Brasil é o país com a maior biodiversidade do mundo, contando com um número estimado de mais de 20% do número total de espécies do planeta. O País possui a mais diversa flora, número superior a 55 mil espécies descritas, o que corresponde a 22% do total mundial (BRASIL, 2006). Esta rica biodiversidade é acompanhada por uma longa aceitação de uso de plantas medicinais e conhecimento tradicional associado (RODRIGUES, 2006).

DESENVOLVIMENTO Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 80% da população de países em desenvolvimento utiliza-se de práticas tradicionais na atenção primária à saúde e, desse total, 85% fazem uso de plantas medicinais. No Brasil, não se sabe com exatidão o número de pessoas que utilizam as plantas, mas, seguramente, essa tendência mundial também é seguida, desde o consumo da planta fresca e preparações extemporâneas, até o fitoterápico. Atualmente, aproximadamente 48% dos medicamentos empregados na terapêutica advêm, direta ou indiretamente, de produtos naturais, especialmente de plantas medicinais (BALUNAS e KINGHORN, 2005) que permanecem uma importante fonte para obtenção de medicamentos. T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

Porém, o uso de plantas medicinais e fitoterápicos deve se dar de maneira orientada, de modo que o uso inadequado não ocasione problemas à saúde que vão desde a ineficácia terapêutica a reações adversas severas, dependendo da forma de uso. Por isso, é importante que seja realizado o controle sanitário destes produtos e a conscientização da população sobre seus riscos, visto que a idéia de que produto de origem natural não faz mal à saúde ainda encontra-se amplamente disseminada. Os cuidados a serem tomados com o uso de fitoterápicos são os mesmos destinados aos outros medicamentos: deve-se buscar informações com os profissionais de saúde; informar ao médico o uso de plantas medicinais ou fitoterápicos, principalmente antes de cirurgias, além do aparecimento de reações desagradáveis, caso estas aconteçam; observar os cuidados especiais com gestantes, lactantes, crianças e idosos; adquirir fitoterápicos apenas em farmácias e drogarias autorizadas pela Vigilância Sanitária; seguir as orientações da bula e embalagem; observar a data de validade, nunca utilizar medicamentos vencidos; e ter cuidado ao associar medicamentos, o que pode promover a diminuição dos efeitos ou provocar reações indesejadas. A regulamentação dos medicamentos fitoterápicos industrializados é realizada ANVISA, órgão federal do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, responsável pelo registro de medicamentos e outros produtos destinados à saúde. A Vigilância Sanitária age em um vasto campo de atuação, representando a intervenção do Estado nas atividades de produção e consumo, sobrepondo interesses sanitários aos econômicos em defesa da saúde da população. Dentre as diversas ações da vigilância sanitária, destaca-se o controle sanitário de produtos, que abrange a normatização, as atividades educativas e de informação ao setor regulado e aos consumidores, registro de produtos, controle do processo produtivo, distribuição, comercialização, publicidade, consumo e descarte, além de análises laboratoriais. O intuito deste é o geren-

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ciamento dos possíveis riscos à saúde em todas as fases da cadeia dos produtos, onde se incluem os fitoterápicos. Todos os fitoterápicos industrializados devem ser registrados na ANVISA antes de serem comercializados, a fim de garantir que a população tenha acesso a medicamentos seguros, eficazes e de qualidade comprovada. Com esse procedimento, minimiza-se a exposição a produtos passíveis de contaminação e padroniza-se a quantidade e a forma certa que deve ser usada, permitindo uma maior segurança de uso. O registro sanitário é de competência exclusiva da ANVISA. Constitui a primeira intervenção da autoridade sanitária no produto, o qual só pode ser comercializado após aprovação. Neste momento, são avaliados todos os aspectos referentes ao produto em termos de qualidade, segurança e eficácia. O registro tem validade de cinco anos, devendo ser renovado por períodos sucessivos, conforme determinado na Lei nº 6.360/76, que dispõe sobre os produtos submetidos ao controle da Vigilância Sanitária. Para a obtenção do registro e sua renovação, a empresa deve peticionar junto à ANVISA um dossiê técnico-administrativo com informações sobre o produto, de acordo com os regulamentos específicos. Durante a análise de um processo de registro, verificam-se os principais aspectos referentes ao processo produtivo, controle de qualidade, ensaios de segurança e eficácia, dados legais da empresa, rotulagem e bula. A RDC nº 48/04 é a principal legislação atual que regulamenta o registro de fitoterápicos, onde são estabelecidos todos os requisitos necessários para a sua concessão, os quais se baseiam na garantia de qualidade. As avaliações abrangem a matéria-prima vegetal, os derivados de droga vegetal e o produto final, o medicamento fitoterápico. É exigido ainda Certificado de Boas Práticas de Fabricação e Controle para as linhas de produção da empresa. A indústria deve atender aos critérios determinados na RDC nº 210/03 (dispõe

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sobre os requisitos de Boas Práticas de Fabricação para as indústrias de medicamento), para a obtenção de tal certificado. Cabe ressaltar que as normas exigidas para a produção de fitoterápicos são as mesmas estabelecidas para os demais medicamentos. A RDC nº 48/04 prevê diferentes formas de se comprovar a segurança e eficácia dos medicamentos fitoterápicos. Entre elas, há a possibilidade de se utilizar as informações disponíveis sobre a tradição de uso da planta para as indicações propostas. Neste caso, a empresa solicitante deve apresentar um aprofundado levantamento bibliográfico (etnofarmacológico e de utilização, documentações técnico-científicas ou publicações), que é avaliado consoante aos seguintes critérios: indicação de uso episódico ou para curtos períodos de tempo; coerência com relação às indicações terapêuticas propostas; ausência de risco tóxico ao usuário; ausência de grupos ou substâncias químicas tóxicas, ou presentes dentro de limites comprovadamente seguros; e comprovação de uso seguro por um período igual ou superior a 20 anos. Há ainda quatro regulamentos que apresentam critérios específicos para medicamentos fitoterápicos, que são as Resoluções Específicas (RE): RE nº 88/04 - Lista de referências bibliográficas para avaliação de segurança e eficácia; RE nº 89/04 - Lista de registro simplificado para registro de fitoterápicos; a RE nº 90/04 - Guia para a realização de estudos de toxicidade pré-clínica; e a RE nº 91/04 - Guia para realização de alterações, inclusões, notificações e cancelamentos pós-registro. Vários outros regulamentos dispõem sobre produção, registro e comercialização de medicamentos, inclusive fitoterápicos, tais como: informações de bula (Portaria nº 110/97 e RDC nº 140/03), modelos e dizeres de embalagens (RDC nº 333/03); restrição de venda (RDC nº 138/03); publicidade (RDC nº 102/00); testes de comprovação de qualidade, incluindo Guia para Realização de Estudos de Estabilidade (RE nº 01/05) e

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Aspectos da legislação no controle dos medicamentos fitoterápicos

Guia para Realização de Validação de Metodologia Analítica (RDC nº 899/03). Todas estão disponíveis no site da ANVISA através do link: http:// www.anvisa.gov.br/e-legis/. Segundo a RDC nº 48/04, fitoterápico é o medicamento cujo princípio ativo é um derivado de droga vegetal (extrato, tintura, óleo, cera, exsudato, suco e outros), obtido empregando-se exclusivamente matérias-primas ativas vegetais, caracterizado pelo conhecimento da eficácia e dos riscos de seu uso, assim como pela reprodutibilidade e constância de sua qualidade. Não se considera como medicamento fitoterápico aquele que inclua substâncias ativas isoladas, de qualquer origem, nem as associações destas com extratos vegetais. De acordo com a abrangência da RDC nº 48, não é objeto de registro a planta medicinal ou suas partes, após processos de coleta, estabilização e secagem, podendo ser íntegra, rasurada, triturada ou pulverizada. Desta forma, produtos anteriormente registrados na forma de rasura vegetal, como por exemplo, para o preparo de chás não terão seus registros renovados como medicamento fitoterápico. As plantas medicinais, de acordo com a legislação brasileira, podem ser comercializadas em farmácias e ervanárias, de acordo com a Lei nº 5.991/73, enquanto os produtos obtidos das mesmas podem ser cadastrados ou registrados junto à ANVISA como alimentos, cosméticos e medicamentos fitoterápicos; porém, apenas os produtos registrados como medicamentos podem apresentar alegações terapêuticas em suas bulas, embalagens e publicidade. A comercialização de plantas na forma rasurada para a preparação de chás pode ser enquadrada como alimento. O cadastro de plantas para o preparo de chás é feito junto à Gerência de Alimentos da ANVISA, através das resoluções RDC nº 267/05, RDC nº 277/05, RDC nº 278/05 e RDC nº 219/06. As plantas que podem ser cadastradas nesta categoria estão definidas nas resoluções supracitadas e devem ter um histórico

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de uso alimentício. Atualmente, há cerca de 400 fitoterápicos com registro válido junto à ANVISA. Este valor sofre freqüentes alterações, pois a realidade do registro é muito dinâmica, uma vez que a situação dos produtos é constantemente modificada. Diariamente, novos medicamentos são registrados, enquanto outros perdem o registro, seja por indeferimento da solicitação de renovação, cancelamento do registro anteriormente concedido, ou seja por caducidade, que é a caracterizada pela não solicitação de renovação de registro dentro do prazo legal. As plantas que mais possuem registro na ANVISA na forma de seus derivados para obtenção de fitoterápicos são: Ginkgo biloba, Aesculus hippocastanum, Panax ginseng, Senna alexandrina, Peumus boldus, Cynara scolymus, Passiflora incarnata, Valeriana officinalis e Arnica montana. Tais espécies figuram entre as 34 previstas na Lista de registro simplificado de fitoterápicos (RE nº 89/04), as quais têm o registro facilitado por não precisarem comprovar critérios de segurança e eficácia terapêuticas, pelo fato dos mesmos serem amplamente reconhecidas pela sociedade científica. Ainda há várias dificuldades para o controle de qualidade e a comprovação de segurança e eficácia dos medicamentos fitoterápicos, devido à complexidade química dos derivados de drogas vegetais. Faltam investimentos em pesquisa com plantas nativas por parte das indústrias, que preferem o registro de produtos baseados em plantas exóticas, por disporem de vasta literatura científica publicada. A dificuldade inerente ao processo de caracterização química e farmacológica dos derivados de drogas vegetais exige tempo e recursos apreciáveis, e investimento em equipes multidisciplinares. A OMS fez um levantamento mundial entre seus Estados-membros, publicado em 2005, questionando-os sobre suas políticas relacionadas às medicinas tradicionais e ao uso de plantas medicinais e fitoterápicos. Do total, de 191 Esta-

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dos-membros, 141 responderam aos questionamentos, obtendo-se a informação de que 32% dos respondentes afirmaram possuir políticas regulamentando a medicina tradicional ou complementar e com relação ao uso de plantas medicinais, a maioria dos Estados-membros (92 países – 65%) informou possuir regulamentos sobre o tema. No Brasil, duas importantes políticas foram estabelecidas em 2006. A primeira foi a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde (SUS), aprovada através da Portaria Ministerial MS/GM nº 971 de 03 de maio de 2006. A segunda foi a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, publicada através do Decreto nº 5.813 em 22 de junho de 2006. Ambas as políticas apresentam em suas diretrizes o incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento com relação ao uso de plantas medicinais e fitoterápicos que possam ser disponibilizados com qualidade, segurança e eficácia à população, priorizando a biodiversidade do país. Estas medidas apontam para maior valorização e reconhecimento deste recurso terapêutico como alternativa para a população brasileira.

CONCLUSÃO O papel regulador da ANVISA é essencial para evitar que medicamentos ineficazes, nocivos e de má qualidade atinjam o mercado e acarretem problemas à saúde como intoxicações, fracassos terapêuticos, agravamento de enfermidades, ou até mesmo a morte de paciente. A legislação brasileira exige dos fitoterápicos um grau de qualidade similar aos demais medicamentos. Almeja-se com isso conquistar não só a confiança da população, como também, a credibilidade dos profissionais de saúde, estimulando a prescrição e o uso racional de medicamentos fitoterápicos. A população deve atuar como agente do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária. Num país de dimensões continentais, faz-se necessário que cada cidadão, em parceria com a vigilância sanitária, fiscalize os produtos que utiliza e, sempre

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que desconfiar de irregularidades, comunique à vigilância sanitária municipal, estadual, distrital ou à ANVISA. Para saber se um determinado medicamento tem registro, pode-se verificar na embalagem o número de inscrição do medicamento no Ministério da Saúde. Deve haver a sigla MS, seguida de um número contendo 9 ou 13 dígitos, iniciado sempre por 1. Há a possibilidade também de buscar-se o registro do produto no site da ANVISA, consultando o link: http://www7.anvisa.gov.br/datavisa/Consulta_Produto/consulta_medicamento. asp. Informações adicionais podem ser obtidas através do site da ANVISA no link: http://www.anvisa.gov.br/medicamentos/esp_fito_homeop.htm ou mediante mensagem para o correio eletrônico: gmefh@anvisa.gov.br. A ANVISA está se esforçando para regulamentar o setor de modo a exercer um controle atuante sobre os medicamentos fitoterápicos que são ofertados à população brasileira, com o objetivo de que seja garantida e reconhecida sua segurança, eficácia e qualidade.

BIBLIOGRAFIA BALUNAS, M. J., KINGHORN, D. Drug discovery from medicinal plants. Life Sciences. 78. p. 431-41. 2005. BRASIL, Congresso Nacional. Lei nº 6.360 de 23 de setembro de 1976. Dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos e dá outras providências. D.O.U. Brasília, 24 set. 1976. BRASIL, Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº. 210, de 04 de agosto de 2003. Determina a todos os estabelecimentos fabricantes de medicamentos, o cumprimento das diretrizes estabelecidas no Regu-

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Aspectos da legislação no controle dos medicamentos fitoterápicos

lamento Técnico das Boas Práticas para a Fabricação de Medicamentos, conforme ao Anexo I da presente Resolução. D.O.U. Poder Executivo, Brasília, 14 ago. 2003. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC nº 48 de 16 de março de 2004. Dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos. D.O.U. Brasília, 18 mar. 2004. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RE nº 88 de 16 de março de 2004. Dispõe sobre a Lista de referências bibliográficas para avaliação de segurança e eficácia de fitoterápicos. D.O.U. Brasília, 18 mar. 2004. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RE nº 89 de 16 de março de 2004. Dispõe sobre a Lista de registro simplificado de fitoterápicos. D.O.U. Brasília, 18 mar. 2004. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RE nº 90 de 16 de março de 2004. Dispõe sobre o Guia para os estudos de toxicidade de medicamentos fitoterápicos. D.O.U. Brasília, 18 mar. 2004. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RE nº 91 de 16 de março de 2004. Dispõe sobre o Guia para realização de alterações, inclusões, notificações e cancelamento pós-registro de fitoterápicos. D.O.U. Brasília, 18 mar. 2004. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 971, de 03 de maio de 2006. Aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNT&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

PIC) no Sistema Único de Saúde. D.O.U. Poder Executivo, Brasília, 04 mai. 2006. BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 5.813 de 22 de junho de 2006. Aprova a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e dá outras providências. D.O.U. Poder Executivo, Brasília, 23 jun. 2006. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Riqueza de espécies. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/sbf/ chm/biodiv/brasil.html>. Acesso em: 20 out. 2006. MARQUES, L. C. O mercado de produtos fitoterápicos. Fármacos e Medicamentos, n.04, p.43-46. 1999. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. National policy on traditional medicine and regulation of herbal medicines – Report of a WHO global survey. Genebra, 2005. 156p. RODRIGUES, A. G. Fitoterapia no Sistema Único de Saúde. Anais da V Jornada Catarinense e I Jornada Internacional de Plantas Medicinais. Joinville, 2006. p. 68-69. SIMÕES, C. M. O., SCHENKEL, E. P. A Pesquisa e a produção brasileira de medicamentos a partir de plantas medicinais: A necessária interação da indústria com a academia. Rev Brasil Farmacog, v.12, n.1, p.3540, 2002. O artigo foi produzido pela Gerência de Medicamentos Específicos, Fitoterápicos e Homeopáticos (GMEFH/GGMED/ANVISA), composta por: Ana Cecilia Bezerra Carvalho é graduada em Farmácia e Farmácia Industrial (UFPB), mestre em Farmacologia de produtos naturais (Labora-

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Aspectos da legislação no controle dos medicamentos fitoterápicos

tório de Tecnologia farmacêutica - UFPB), especialista em Saúde internacional (USP) e aluna no curso de doutorado em Ciências da Saúde (Química de Produtos Naturais - UnB). Diana de Souza Garcia Nunes é graduada em Farmácia pela (UFRJ) e aluna do curso de mestrado em Vigilância Sanitária pelo INCQS - FIOCRUZ. Tatiana de Gouveia Baratelli é graduada em Farmácia (UFRJ) e Nutrição (UERJ) e mestre em Química de Produtos Naturais pelo Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais (NPPN/UFRJ) Nur Shuqaira Mahmud Said Abdel Qader Shuqair é graduada em Farmácia (USP), especialista em Saúde Pública (USP) e Saúde Internacional (OPAS). Edmundo Machado Netto é graduado em Química (UnB).

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Artigo

CONHECIMENTO TRADICIONAl E A PROTEÇÃO Eliane Moreira

Resumo Um dos maiores desafios atuais, no campo do Direito Ambiental, é proposto pelas populações tradicionais que têm, legitimamente, demandado do Estado políticas públicas que garantam a proteção de seus conhecimentos tradicionais. Com efeito, os desafios para a garantia desses direitos são muitos e passam pela necessidade de políticas de ações afirmativas que assegurem a esses sujeitos o papel de titulares de direitos, até a formulação e implementação de um sistema que dê efetividade aos direitos postulados. A seguir, procuramos afirmar os direitos referentes aos conhecimentos tradicionais, identificando o arcabouço jurídico vigente neste campo.

Introdução Na história da humanidade, a produção de conhecimentos, segundo padrões e processos orientados por formas de organização sociais tradicionais, sempre foi uma importante fonte de energia para os sistemas de compreensão e aproximação T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

com a natureza. O conhecimento tradicional é a forma mais antiga de produção de teorias, experiências, regras e conceitos, isto é, a mais ancestral forma de produzir ciência. Como fonte de produção de sistemas de inovação, os conhecimentos tradicionais destacam-se por seu vasto campo e variedade que comportam: “técnicas de manejo de recursos naturais, métodos de caça e pesca, conhecimentos sobre os diversos ecossistemas e sobre propriedades farmacêuticas, alimentícias e agrícolas de espécies e as próprias categorizações e classificações de espécies de flora e fauna utilizadas pelas populações tradicionais” (SANTILLI, 2005, p. 192). Esses conhecimentos consistem num aparato cognoscitivo extremamente complexo, conforme lembra Alfredo Wagner Berno de Almeida (2004, p. 39): “Eles não se restringem a um mero repertório de ervas medicinais. Tampouco consistem numa listagem de espécies vegetais. Em verdade, eles compreendem as fórmulas sofisticadas, o receituário e os respectivos procedimentos para realizar a transformação. Eles respondem a indagações de

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como uma determinada erva é coletada, tratada e transformada num processo de fusão.” A produção de tais conhecimentos possui múltiplas dimensões referentes à própria organização do trabalho dos povos tradicionais extrapolando os elementos técnicos e englobando o “mágico, o ritual, e enfim, o simbólico” (CASTRO, 2000, p. 167). Existe uma correlação entre a vida econômica e a vida social do grupo “onde a produção faz parte da cadeia de sociabilidade e a ela é indissociavelmente ligada” (idem). Esse sistema de saberes redunda em um inventário de utilidades dos recursos naturais, que se organiza a partir da proximidade e compreensão do ambiente circundante, que, no entanto, se assenta em uma compreensão não utilitarista desse conhecimento conforme observa Claude Lévy-Strauss (1976, p. 28 e 29). “É claro que um saber tão sistematicamente desenvolvido não pode estar em função da simples utilizada prática (...) as espécies animais e vegetais não são conhecidas na medida em que sejam úteis; elas são classificadas úteis ou interessantes porque são primeiro conhecidas.” Sua produção resulta de práticas e verdades culturais, por meio de uma observação minuciosa e detalhada, “além do que seria necessário ou racional do ponto de vista econômico (...) há um ‘excesso’ de conhecimentos somente justificado pelo mero prazer de saber, pelo gosto do detalhe e pela tentativa de ordenar o mundo de forma intelectualmente satisfatória. Dentre os apetites, o apetite de saber é dos mais poderosos” (CUNHA e ALMEIDA, 2002, p. 13). Esses conhecimentos, que até então se destinavam à manutenção das formas de vida das sociedades tradicionais, a partir do século XX passam a ser vistos sob uma ótica utilitarista decorrente do novo cenário científico e tecnológico que se deli-

neia e que ganha contornos claros com a ascensão de novas tecnologias as quais passam a identificar nesses recursos um forte potencial industrial. Não apenas a biotecnologia contribui para isto, mas também as aspirações consumidoras que identificam cada vez mais as culturas tradicionais como um bem a ser consumido. O crescimento galopante do “mercado verde”, impulsionado pela mercantilização da sustentabilidade contribui em boa medida para isso com forte influência no avanço sobre essas culturas.

Populações Tradicionais Falar sobre populações tradicionais é uma tarefa absolutamente desafiadora. Não apenas pela complexidade, diversidade e especificidades das sociedades envolvidas nesse conceito, mas também pela profusão de discordâncias semânticas que desperta. A opção feita é a de não enfrentar os problemas semânticos, que giram em torno da melhor denominação a ser dada a grupos como povos indígenas, quilombolas e comunidades locais¹ (caiçaras, açorianos, caipiras, babaçueiros, jangadeiros, pantaneiros, pastoreiros, quilombolas, ribeirinhos/ caboclo amazônico, ribeirinhos/caboclo não amazônico (varjeiro), sertanejos/vaqueiro, pescadores artesanais², extrativistas, seringueiros, camponeses, dentre outros). Aceita-se a realidade de que, reunir coletividades tão diversas do ponto de vista sociocultural é problemático e, em verdade, nenhuma categoria pode pretender agregar todos esses povos impunemente. A Convenção da Diversidade Biológica (CDB) ao dispor sobre eles adotou a locução “comunidades locais e povos indígenas”; a Medida Provisória (MP) n° 2.186-16/01 refere-se à “comunidade indígena e comunidade local”, Diegues (1998, p. 75)

¹ As comunidades locais, em geral, chamadas de “camponesas”, resultam de uma intensa miscigenação entre os diversos povos que compõe a identidade do povo brasileiro, são os caiçaras, caipiras, comunidades pantaneiras, ribeirinhas, pescadores artesanais, pequenos produtores litorâneos e assim por diante, mas que, em certa medida guardam um isolamento geográfico relativo e um modo de vida particularizado pela dependência dos ciclos naturais (DIEGUES apud Queiroz, 1998, p. 14). ² Até aqui, relação dada por Diegues, 1999, p. 03.

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assinala que se utilizam ainda termos como “populações tradicionais”³ 4, “sociedades tradicionais”, “comunidades tradicionais”, o que revela a existência de diferentes escolas antropológicas sobre o tema. Certo é que essa terminologia é ainda muito nova e está por definir seus contornos, pois se encontra no início de sua vida (CUNHA e ALMEIDA, p. 184, 2001)5. Por essa razão, de maneira arbitrária, optamos pela utilização do termo “populações tradicionais” com o intuito de englobar, ainda que artificialmente, os povos indígenas, quilombolas e as comunidades locais. Reconhecemos o diferencial estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de que os povos indígenas e tribais 6 devem ser identificados como povos que possuem autodeterminação, e a adoção da presente terminologia não implica seu afastamento. Ao mesmo tempo, temos a perspectiva já assinalada por Edna Castro (2000, p. 165) que ressalta o uso da denominação “povos tradicionais” como autonomeação, expressa “elementos de identidade política e reafirmação de direitos”. Doravante, a adoção do termo “populações tradicionais” será utilizada de modo a incluir nesta categoria: “não apenas as comunidades indígenas, como também outras populações que vivem em estreita relação com o ambiente natural, dependendo de seus recursos naturais para a sua reprodução sociocultural, por meio de ativida-

des de baixo impacto ambiental” (SANTILLI, 2002, p. 90)7. Para Virginie Mortureux, (1999, p. 12) as comunidades autóctones (indígenas) e locais possuem alguns elementos característicos, tais como: uma ligação com a natureza; uma história com o território que ocupa e uma vinculação entre os membros por particularidades culturais próprias Diegues (1998, p.87 e 88) aponta como características dessas populações: “a dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos naturais e os recursos naturais renováveis a partir dos quais se constroem um modo de vida; conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se reflete na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais”. O estabelecimento de características ajuda a delinear uma compreensão sobre quem são essas populações, mas não podem ser tomadas de modo estanque. No que se refere, por exemplo, à ocupação territorial como condição para o reconhecimento de uma população como tradicional, é preciso flexibilizar esse critério em países como o Brasil, onde os problemas fundiários borbulham. Portanto, embora todas as características normalmente apresentadas para identificação de um povo como tradicional sejam válidas, entendemos que essas serão sempre, de algum modo, falhas perante a dinâmica social que não nos permite fixá-las de modo absoluto.

3 Essa terminologia é utilizada de forma recorrente por Antonio Carlos Diegues em “O Mito Moderno da Natureza Intocada” e também adotada por Raul Di Sergi Baylão e Nurit Bensusan no artigo “Conservação da Biodiversidade e Populações Tradicionais: um falso conflito” In: Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília: FESMPDFT, Ano I, n. 1, jul./set.1993. 4 Alfredo Wagner de Almeida chama atenção ao fato de que esta terminologia contrasta com o termo “populações biológicas” (2004, p. 44). 5 Manuela Carneiro da Cunha e Mauro W. B. Almeida fazem uma reflexão interessante sobre as raízes coloniais da diferenciação destes grupos, por meio de expressões como “índio”, “indígena”, “tribal”, “nativo”, “aborígine” e “negro” derivadas do relacionamento com as Metrópoles, e que aos poucos foram capitaneadas pelos grupos por ela designados servindo-se à defesa de seus interesses, segundo os autores: “Neste caso, a deportação para um território conceitual estrangeiro terminou resultando na ocupação e defesa deste território” (2001, p. 184).

O Instituto Socioambiental (ISA) adotou este termo na publicação “Quem cala consente?: subsídios para a proteção aos conhecimentos tradicionais” São Paulo: ISA, 2003, p. 05. 6

7 Juliana Santilli utiliza em diversas de suas publicações a categoria “comunidade tradicional”, mas como anteriormente já asseverado, acredita-se que qualquer dessas categorias possuem falhas e ao mesmo tempo resguardam profundas interseções em seus elementos conceituais, aplicando-se, portanto ao presente trabalho.

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Certamente o modo de vida (DIEGUES, 1998, p. 88) permite visualizar um caminho, em certa medida, mais seguro para a identificação das populações tradicionais. O conceito de tradição capta esse sentido de identificação de um distinto modo de vida e crenças. Nesse sentido, pode se aproximar de concepções históricas ou identitárias de um grupo (MORTUREUX, 1999, p. 14). Vale ressaltar que o que faz um grupo social ser identificado como tradicional não é a localidade onde se encontra, ele pode estar em uma unidade de conservação, terra indígena, terra quilombola, à beira de um rio da Amazônia, num centro urbano, numa feira, nas casas afro-religosas, nos assentamentos da reforma agrária, enfim, não é o local que define quem elas são, mas sim seu modo de vida e as suas formas de estreitar relações com a diversidade biológica, em função de uma dependência que não precisa ser apenas com fins de subsistência, pode ser também material, econômica, cultural, religiosa, espiritual, etc. Reconhecer essas sociedades como dotadas de distinções que demandam uma nova visão de Estado e de sociedade demanda a modificação radical das percepções, discussões e ações, demanda alteridade, na feliz expressão de Antônio Pinheiro (2005, p. 20): “Há que se ter alteridade para aceitar que são sociedades diferentes, constituídas por sujeitos que pousam outro olhar, sobre o significado e relacionamento com o mundo, dispare dos nossos por conta de uma lógica e interação diferenciada com o espaço e o meio que o circunscreve assim devem ser aceitos e respeitados, sem que se use este diferencial como diminuidor de sua qualidade, ou argumento para expropriação de seus direitos”. Deve ser garantido um contexto de afirmação de direitos e composição de um debate em torno de um arcabouço jurídico próprio que dialogue com as especificidades e pluralismo das referidas sociedades, muitas são suas demandas e o tema ora abordado é apenas uma das questões que pautam as preocupações que atualmente afligem esses grupos. O debate sobre a proteção dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade precisa ser feito sob um enfoque multicultural de

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aceitação e respeito, não de piedade, mas de reconhecimento. Sendo assim, cabe tecer considerações sobre a pedra de toque do assunto ora abordado: conhecimentos originados da estreita relação com a natureza. Com efeito, um dos elementos marcantes da forma de organização social das populações tradicionais é sua relação com a natureza. É certo que todos os grupos sociais possuem algum tipo de interdependência com os recursos naturais, mas para essas populações a magnitude de tal relação é dotada de especialidade, não sendo legítimo qualquer tipo de comparação entre essas e as sociedades ditas industriais. Antônio Carlos Diegues (1998, p. 87), como já referido, reconhece nas culturas e sociedades tradicionais uma relação estreita com a natureza, relação essa que “constrói um modo de vida”. A relação em questão, além de permitir sobrevivência dessas populações, também gera cultura, como lembra Lígia Simonian (2005, p. 61). “de uma complexidade ímpar e que inclui estratégias de conservação”. Cada vez mais se reconhece o papel relevante das populações tradicionais para a conservação e uso sustentável dos recursos naturais. Sarita Albagli (2005, p. 18) lembra que essas populações possuem conhecimentos, práticas agrícolas e de subsistência adequadas ao meio em que vivem e possuem um papel de “guardiães do patrimônio biogenético do planeta”, mas as sucessivas agressões ao ambiente natural em que vivem têm conduzido, também, à perda de sua diversidade sociocultural. As populações tradicionais se inserem nos debates em torno da biodiversidade a partir da tentativa de superação das teses preservacionistas fundamentadas em estratégias de separação entre homem e natureza, a preservação como opção à destruição da natureza, teve e ainda tem um importante papel, no sentido de permitir a manutenção de um determinado ambiente, afastando práticas danosas ou predatórias. No entanto, para países em desenvolvimento como o Brasil, não é uma alternativa suficiente, considerando a estreita relação entre sociodiversidade e biodiversidade era T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


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preciso criar uma alternativa que permitisse a proteção da biodiversidade, mas também o desenvolvimento social, sobretudo dos povos tradicionais. Sendo assim, a visão conservacionista vem servir como contraponto, tomando em seu proveito a relação entre povos tradicionais e natureza a fim de subsidiar seu discurso, o qual mais tarde passou a ser formalizado pelo Direito Internacional, com a assinatura da CDB. A conservação diz respeito à estratégia de uso da natureza sob bases sustentáveis, ou seja, pautadas em manejo, racionalidade da exploração dos recursos considerando o homem uma peça fundamental no equilíbrio de tal relação. Isto é, a estratégia de uso sustentável dos recursos naturais permite inserir os povos tradicionais como atores primordiais da proteção da biodiversidade. Esse modo de pensar repousa sobre a convicção de que a cultura não age aleatoriamente, ao contrário, ela age de maneira seletiva sobre o ambiente que a rodeia aferindo as possibilidades e os limites do seu desenvolvimento a partir de seus marcos culturais e de sua história (LARRAIA, 1993, p. 24). A superação de uma compreensão essencialmente naturalística da diversidade das florestas e ambientes naturais, a partir de explicações concernentes aos aspectos geológicos, climáticos, hidrográficos, dentre outros tem decorrido de comprovações de que os fatores culturais foram de grande importância para a formação de diversos tipos de florestas de terra firme na Amazônia brasileira (BALÉE, 1989, p. 97). Esses processos teriam dado origem às chamadas “matas culturais”, que atualmente representariam 11% da Terra Firme da Região Amazônica (BALÉE, 1989, p. 104). Pode-se dizer que os povos tradicionais ao tempo em que protegem e manejam a biodiversidade prestam um serviço ecológico importantíssimo para a sociedade não-tradicional. Dar visibilida-

de a essa atividade e sua importância é ao mesmo tempo reconhecer valor e incluir coletividades historicamente excluídas, desafiando a renitência de concepções advindas do passado recente de países colonizados como o Brasil.Os povos tradicionais passam a assumir um papel de atores do desenvolvimento sustentável e da conservação da natureza, ao mesmo tempo em que passam a ter um status reconhecido institucionalmente e juridicamente, inaugurando-se uma nova relação desses grupos com o Estado, perante a questão do seu reconhecimento político e identitário (PINTO e AUBERTIN, 2005, p. 11). No entanto, a proteção dos conhecimentos tradicionais compõe a afirmação de uma agenda de luta que inclui muitos temas como meio-ambiente, território, saberes, autodeterminação, direito à igualdade, inclusão social, direitos culturais, dentre outros. Alfredo Wagner Berno de Almeida (2004, p. 44 e 45) destaca que: “O advento nesta última década e meia de categorias que se afirmam através de uma existência coletiva, politizando nomeações da vida cotidiana tais como: índios, seringueiros, quebradeiras de coco babaçu, ribeirinho, castanheiros, pescadores, extratores de arumã e quilombolas dentre outros, trouxe a complexidade de elementos identitários para o campo de significação da questão ambiental”. Porém, essa agenda de lutas que trata, em última instância, de direitos dos povos tradicionais tem sido persistentemente boicotada pelas percepções colonialistas acerca desses sujeitos, sobre os quais recai por vezes o discurso da indolência, da inferioridade, do exotismo, entre outros8. É nesse ponto que se situam as dificuldades em torno da proteção e defesa dos direitos em debate. A afirmação de uma coletividade tão expressiva social e historicamente e ao mesmo tempo tão vitimada por sucessivas práticas de exclusão conforma um ambiente de disputa, de insurgência contra a

8 Fernanda Kaingang remete aos discursos colonialistas que inferiorizavam os povos indígenas, com a finalidade de justificar seu massacre: “A literatura oficial da época esforçava-se para justificar semelhante massacre estigmatizando as sociedades indígenas, por intermédio de preconceitos coloniais, reproduzidos ao longo dos séculos tais como: preguiçosos, selvagens, bêbados e incapazes” (2004, p. 09).

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reiteração de práticas espoliativas. Ainda hoje, os discursos colonialistas têm tragado e invisibilizado as populações locais no contexto hegemônico. Fato é que esse sistema está sendo questionado pela emergência de uma regulamentação afirmativa de direitos, resultado de anos de lutas travadas pelas populações tradicionais, um dos cenários dessa disputa é expressa pelas novas regras para acesso e uso dos conhecimentos tradicionais. Os povos tradicionais têm travado uma luta em busca de seu protagonismo no uso de seus recursos, em um processo recentemente inaugurado de desobediência e não-aceitação do sistema criado pela sociedade hegemônica. Quando os povos indígenas, por exemplo, se organizam e afirmam: “nosso conhecimento não é mercadoria”9, estão traçando as trincheiras de uma luta pela crítica ao sistema instituído, é de se dizer, trava-se uma luta pelo poder, em suas diversas manifestações.

A Proteção Jurídica dos Conhecimentos Tradicionais Associados à Biodiversidade A CDB foi um divisor de águas para o estudo da biodiversidade. Antes de sua assinatura, a proteção da biodiversidade se baseava em valores científicos, estéticos e de lazer, com atenção para as chamadas “espécies carismáticas”. O advento da CDB amplia e diversifica os atores que fazem parte das discussões sobre a biodiversidade, com a valorização econômica da biodiversidade ingressam no debate empresas, estados nacionais; entidades internacionais, ONGs e populações locais, esses últimos voltados para o uso sustentável da biodiversidade e a repartição de benefícios (ENRIQUEZ, 2005, p. 01). Se por muito tempo se acreditou que o convívio desses povos se contrapunha à proteção e utilização sustentável da natureza, outro foi o paradigma adotado pela CDB. A convenção parte da aceitação da possibilidade de existência harmônica entre so-

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ciedade e natureza e representa a superação da ecologia profunda, segundo a qual só seria possível perpetuar os recursos naturais se o homem estivesse deles separado, pois seu convívio seria essencialmente nocivo (DIEGUES, 1999, p. 05). A CDB, ao absorver o reconhecimento de relações estreitas entre a biodiversidade e o modo de vida de comunidades tradicionais, albergando a teoria da ecologia social, reconhece a importância de zelar pelo relacionamento entre populações humanas e a biodiversidade e admite que a “paisagem é fruto de uma história comum e interligada: a história humana e natural”, de tal forma que a biodiversidade é “uma construção cultural e social” (DIEGUES, 1999, p. 08). É certo, porém, que devemos estar atentos ao caráter “ambivalente” da CDB, nas palavras de Aubertin e Boisvert (1998, p. 17). Essas autoras corretamente alertam para a necessidade de analisar com certa objetividade o contexto da convenção, pois, ao tempo em que se propõe a valorizar o trabalho de conservação desempenhado pelos povos tradicionais, ratifica o sistema de propriedade intelectual, ao criar mecanismos para sua expansão. Por outro lado, a CDB propiciou certa redução no que tange às discussões sobre o direito dos povos tradicionais controlarem seus recursos naturais e seus saberes correlatos, com efeito, esse lócus deve ser visto apenas como uma nova opção de expressão dessa luta, e de fato, não será nos debates sobre biodiversidade que se encontrará o lugar mais propício para a defesa de tais direitos (AUBERTIN e BOISVERT, 1999, p. 73). No contexto da afirmação desses direitos, a Convenção da Diversidade Biológica teve o importante papel de dar corpo jurídico a um determinado feixe de direitos concernentes, quais sejam: os saberes, inovações e técnicas desenvolvidas pelos povos tradicionais em sua interação com a natureza. Sobre conhecimentos tradicionais, a Convenção estabelece em seu preâmbulo que existe: “estreita e tradicional dependência de recursos biológicos

Id. Ibidem

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de muitas comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais, e que é desejável repartir eqüitativamente os benefícios derivados da utilização do conhecimento tradicional, de inovações e de práticas relevantes à conservação da diversidade biológica e à utilização sustentável de seus componentes”. A CDB possui como finalidade maior disposta em seu artigo 1° “a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios da utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, ao acesso adequado aos recursos genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos os direitos sobre tais recursos e tecnologias, e mediante financiamento adequado” (grifamos). Como é possível perceber, a repartição justa e eqüitativa dos benefícios gerados pela utilização dos recursos genéticos da biodiversidade, levando em conta todos os direitos sobre tais recursos, é um dos elementos cruciais previstos nessa Convenção. No cenário nacional, identifica-se como decorrência direta da CDB a criação de um arcabouço normativo que permite às sociedades tradicionais o exercício de direitos vinculados aos seus conhecimentos tradicionais sobre a biodiversidade. No âmbito nacional, as normas de maior destaque acerca da proteção dos direitos culturais dos povos tradicionais que decorrem da CDB são as que se referem ao acesso e ao uso dos conhecimentos tradicionais associados, à criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação; à Política Nacional de Biodiversidade e ao Licenciamento Ambiental. No Brasil, os direitos dos povos tradicionais sobre seus conhecimentos encontram como principal suporte a Constituição Federal Brasileira, mas de modo mais imediato a questão do acesso e uso dos conhecimentos tradicionais associados foi abordado em nível infraconstitucional pela MP nº 2.186-16/01. Apesar de extremamente passível de críticas, a referida Medida Provisória abraçou alguns dos T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

ditames da CDB sobre os conhecimentos tradicionais associados, demarcando a necessidade de assentimento dos povos tradicionais e repartição de benefícios justa e eqüitativa dos resultados das pesquisas, desenvolvimento de tecnologias e bioprospecção de produtos, por meio da realização de um Contrato de Acesso, Uso e Repartição de Benefícios, que necessariamente será submetido à aprovação do órgão governamental responsável, no Brasil, o Conselho Gestor do Patrimônio Genético, composto no âmbito do Ministério do Meio Ambiente. Entendemos que a aplicação deste arcabouço normativo deve ser guiada pelos seguintes pilares, que devem ser vistos como princípios, são eles: justiça e eqüidade nas relações entre povos tradicionais com os atores da pesquisa, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção; observância do pluralismo jurídico; reconhecimento da hipossuficiência ou vulnerabilidade dos povos tradicionais; e, entendimento de que essas normas são de ordem pública e interesse social. Ao lado desses princípios existem diretrizes de proteção dos conhecimentos tradicionais, que devem ser adotadas como salvaguardas garantidoras dos direitos de seus titulares, são elas: o consentimento prévio fundamentado (já abordado); a indicação da origem dos conhecimentos tradicionais; o direito das comunidades decidirem sobre o uso de seus conhecimentos; o desenvolvimento das capacidades das comunidades locais e povos indígenas para fazer uso dos sistemas de proteção de seus conhecimentos; a demonstração da procedência lícita dos recursos como condição à outorga de direitos relacionados aos recursos genéticos (REPETTO, 2004, p. 10).

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Eliane Moreira é Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará, mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), possui doutorado em Desenvolvimento Sustentável pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA-UFPA), além de atuar como professora de Direito Ambiental e Pesquisadora do Núcleo de Propriedade Intelectual do Centro de Ensino Superior do Pará (CESUPA).

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ARTIGO

Indicação Geográfica: agregação de valor aos produtos amazônicos

Francisca Dantas Lima, Hulda Oliveira Giesbrecht e Solange Ugalde de Lima

Resumo O estudo trata do tema Indicação Geográfica (IG), que é fundamental e estratégico para o País. As questões de exportação para o empresário brasileiro são desafiadoras e a crescente exigência por produtos de qualidade pelo consumidor interno fomentam a necessidade de adoção de ferramentas inovadoras que possam abrir o leque de mercados. Como no Brasil este tema ainda é pouco aplicado, há a necessidade da disseminação de seus conceitos básicos, além de representar uma nova oportunidade a ser explorada, acrescentando um diferencial competitivo importante para os povos da floresta, que cultivam produtos exóticos e regionalizados, podendo ser levados para os mercados interno e externo. Palavras-chave: Indicação Geográfica, Propriedade Intelectual.

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Introdução O conceito de indicações geográficas foi desenvolvido lentamente no transcurso da história, e de forma natural, quando produtores, comerciantes e consumidores comprovaram que alguns produtos de determinados lugares apresentavam qualidades particulares, atribuíveis a sua origem geográfica. Começaram, assim, a denominá-los com o nome geográfico de procedência. Historicamente, os produtos são rotulados e distinguidos desde os primórdios da era romana, quando seus Generais e o próprio “César” (Imperador) recebiam ânforas de vinho com a indicação da região de proveniência e produção controlada da bebida de sua preferência. A Europa foi onde tudo começou, pois tradicionalmente os produtores de vinho designavam o produto pelo nome da região de sua produção, em função da dependência entre as características deste vinho e fatores como o solo, o clima e modo de fazer do produto. Na França, produtores das regiões de Bourgogne e Bourdeaux, convidados a fornecerem oficialmente vinhos para serem T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


Indicação Geográfica: agregação de valor aos produtos amazônicos

comercializados e assegurarem que os vinhos a serem consumidos seriam apenas os provenientes daquelas regiões, classificaram os produtos de acordo com os respectivos lugares de origem. Isto acabou por se configurar como uma base das denominações de origem. O conceito de Terroir nasceu a partir da instituição de normas, para a regulamentação dessas indicações geográficas, que traziam associadas características relativas ao solo, clima e aos recursos humanos (TONIETTO, 2003). A maior demanda por tais produtos e seu preço superior facilitaram o surgimento de falsificações, ou seja, a utilização desse nome geográfico em produtos que não tinham tal procedência. Com o tempo, foram também surgindo normas específicas para regular a produção desses produtos e para controlar o movimento de mercadorias, objetivando dar maior garantia à origem dos mesmos. Alguns exemplos desses produtos de notável qualidade e identificados como Indicações Geográficas são o Champagne - o vinho espumante proveniente daquela região francesa -, os magníficos vinhos tintos da região de Bordeaux, o presunto de Parma, os charutos cubanos, os queijos Roquefort e Grana Padano. A indicação geográfica é uma forma de agregar valor e credibilidade a um produto ou serviço, conferindo-lhe um diferencial de mercado em função das características de seu local de origem. Uma vez reconhecida, a indicação geográfica só poderá ser utilizada pelos membros daquela localidade que produzem ou prestam serviço de maneira homogênea e constante.

O Atual Tratamento Jurídico das Indicações Geográficas A propriedade industrial é uma modalidade dos direitos de propriedade intelectual, juntamente com os direitos de autor. Esta define os direitos relativos ao inventor, quais sejam, as patentes, os modelos de utilidade, desenhos industriais e topografias de circuitos integrados, e os conferidos aos sinais distintivos, que são as marcas e as indicações geográficas. Quanto aos direitos autorais, estes engloT&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

bam os direitos de autor e conexos. Também estão incluídos neste âmbito de proteção, os direitos sui generis que amparam os cultivares, o acesso ao patrimônio genético com conhecimento tradicional associado. Em âmbito internacional, a Convenção da União de Paris combate a falsa Indicação de Procedência. O acordo de Madri, do qual o Brasil foi um dos doze signatários, desde 1896, disciplina a utilização direta ou indireta de uma falsa indicação relativa à procedência do produto ou à identidade do produtor, fabricante ou comerciante. No Acordo de Lisboa (1958), tem-se um sistema de proteção específico para a Indicação Geográfica, mas o Brasil não aderiu ao Tratado. O Acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio (TRIPS), um dos tratados internacionais em vigência no âmbito da Organização Mundial do Comércio (WTO), aprovado pelo Decreto Federal nº 1.355, de 30.12.1994, em seu art. 22. 1, define indicação geográfica como “as indicações que identifiquem um produto como originário do território de um Membro, ou região ou localidade deste território, quando determinada qualidade, reputação ou outra característica do produto seja essencialmente atribuída à sua origem geográfica”. A Lei da Propriedade Industrial nº 9.279/96, de 14 de maio de 1996, regulamenta as indicações geográficas em seus artigos nºs 176 a 183. O artigo nº 176 define indicação geográfica, sem, no entanto, dar-lhe um conceito mais largo, ao regulamentar que “constitui indicação geográfica a indicação de procedência e as denominações de origem”. Indicações de Procedência (IP) e Denominações de Origem (DO) são duas espécies distintas do gênero indicações geográficas. Pelo art. nº 177 da LPI, “considera-se indicação de procedência, o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço. No art. nº 187, a denominação de Origem é caracterizada como “o nome geográfico de país,

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cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos”. São enquadrados na espécie denominação de origem o Cognac, o queijo parmesão e o queijo roquefort, por exemplo. Segundo GIUNCHETTI (2006) um produto que se enquadre na proteção de indicação de procedência terá o direito exclusivo de utilizar o nome geográfico onde é fabricado. Para a denominação de origem, a exclusividade não se dá somente ao nome geográfico. É necessário atribuir tanto o estabelecimento do local designado, como o atendimento a requisitos de qualidade. Por exemplo, o brandy, fabricado na região de Cognac, se denomina “cognac”. Possui características e qualidades muito peculiares, que lhe conferem o diferencial sobre os outros brandies fabricados pelo mundo. Fatores naturais, como o solo e o clima, e humanos, tais como o modo de fazer particular e o conhecimento aplicado, tradição e a cultura, que permeiam todo o processo de produção, conferem ao produto características que o diferenciam dos produtos fabricados em outras regiões. Na Denominação de Origem não basta que o nome geográfico seja famoso e que o lugar tenha se tornado conhecido como centro de produção de determinado produto. Neste caso, os fatores naturais e humanos são determinantes na caracterização e na diferenciação do produto ali produzido. O uso da indicação geográfica está restrito unicamente aos produtores e prestadores de serviço estabelecidos no local e que atendam, quanto às denominações de origem, requisitos de qualidade. Mas não apenas os estabelecidos pelas entidades reguladoras oficiais, ou seja, que o produto atenda às especificações e exigências impostas pela lei. Tomemos como exemplo uma bebida: são exigências legais que este produto seja resultado de um determinado processo de produção, que tenha determinada composição química, passe por um processo de envasamento adequado e que, mais importante, não ofereça risco à vida humana.

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O atendimento a estes requisitos é uma exigência legal. Mas esta qualidade não é suficiente. Para produtos e serviços protegidos dentro do escopo das denominações de origem, a qualidade que os diferencia perpassa por padrões de excelência quanto à apresentação, consistência, sabor, entre outros aspectos.

As Indicações Geográficas em outros países O “Porto” português, o “Sekt” alemão e a “Cava” espanhola, o “Feta” grego e a Cachaça, no Brasil dentre outros, estão compreendidos pelo conceito de indicação geográfica regulamentado pelo TRIPS. Na Comunidade Européia existe, atualmente, mais de 4.900 IGs registradas, sendo 4.200 para vinhos e bebidas espirituosas e 690 para outros produtos. Quando se trata de indicações geográficas, a França é referência mundial. O selo Apelação de Origem Controlada - AOC, criado para regulamentar e proteger o uso dos nomes geográficos que designam produtos alimentares e agrícolas, é o mais antigo selo oficial de qualidade naquele país. Em 1992, a Comunidade Européia estabeleceu um sistema de proteção para nomes geográficos, abrangendo duas espécies de proteção: Denominação de Origem e Indicação Geográfica. Este sistema sofreu recente alteração pelo regulamento CE n° 510/2006 do Conselho Europeu. Na Europa, podemos citar como exemplos famosos de indicações geográficas, o espumante Champagne, os vinhos Bordeaux e os queijos Roquefort e Camember, da França; o vinho da região do Porto e o queijo da Serra da Estrela, em Portugal; o presunto de Parma e o queijo Grana Padano, na Itália, o azeite de oliva dos Montes de Toledo e o açafrão da Mancha, na Espanha. Na América Latina, destacam-se o Café da Colômbia, o pisco do Peru, a tequila e o café de Vera Cruz, no México e os famosos charutos de Cuba. Na África, o óleo de oliva de Aragan e o abacaxi da Guiné. Na Ásia, o vinho amarelo de Shaixing da China e o chá do Sri Lanka.

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Experiências Brasileiras A indicação geográfica é um ativo intangível que pode se caracterizar como um grande passo para dar aos produtos brasileiros um valor cultural agregado. A área do agronegócio já vem buscando agregar valor a seus produtos com o uso de certificações que indiquem o atendimento a requisitos de qualidade. As Indicações Geográficas representam um mecanismo que vai além e permite diferenciar os produtos de acordo com a região onde o mesmo é produzido. Trata-se de colocar selos de indicação geográfica, autorizados pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI. Desde 1998 até o final de 2006, a instituição recebeu 22 solicitações de registros de IG, reconhecendo quatro: o vinho do Vale dos Vinhedos e a Carne do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional, ambos do Rio Grande do Sul, o Café da Região do Cerrado Mineiro, e mais recentemente, em maio de 2007, a Cachaça Artesanal de Paraty. Vale dos Vinhedos: A primeira Indicação Geográfica do Brasil foi reconhecida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, em 22 de novembro de 2002, quando o instituto assinou o Registro de Indicação Geográfica n° IG 200002, reconhecendo a denominação “Vale dos Vinhedos” como Indicação Geográfica (espécie da Indicação Geográfica: Indicação de Procedência) para vinhos tintos, brancos e espumantes. A Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos – APROVALE é a titular do registro. A IP Vale dos Vinhedos incorpora 12 inovações até então não presentes na lei de produção de vinhos brasileiros, que incluem, dentre outras: área geográfica de produção delimitada, conjunto de cultivares autorizadas, todas da espécie Vitis vinifera L., conjunto restritivo de produtos vinícolas autorizados, limite de produtividade máxima por hectare, padrões de identidade e qualidade química e sensorial mais restritivos, sinal distintivo para o consumidor, através de normas específicas de rotulagem e Conselho Regulador de autocontrole. O incentivo técnico da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA foi fundamen-

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tal para a APROVALE estabelecer as inovações e as características da região delimitada, que optaram por solicitar ao INPI o reconhecimento da região como Indicação de Procedência – IP, ou seja, uma área geográfica conhecida como produtora de vinhos finos. Cachaça: Através do Decreto nº 4.062, de 21 de dezembro de 2001, foram definidas as expressões “cachaça”, “Brasil” e “cachaça do Brasil” como indicações geográficas. Pelo decreto, o nome “cachaça” constitui indicação geográfica para os efeitos, no comércio internacional, do art. nº 22 do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio - TRIPs. O nome geográfico “Brasil” constitui indicação geográfica para cachaça (sem prejuízo de usá-lo em conexão com outros produtos ou serviços), para os efeitos do CPI/96 e de TRIPs. O caso é de designação de origem, pois o decreto manda conformar o uso da expressão à legislação vigente sobre cachaça, e ainda prevê que caberá à Câmara de Comércio Exterior aprovar o Regulamento de Uso da indicação geográfica de acordo com critérios técnicos definidos pelos Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. A Indicação de Procedência da Cachaça de Paraty é a mais recente indicação geográfica registrada no Brasil. A Associação de Produtores de Cachaça de Paraty, com o apoio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, teve o seu pedido de registro da Indicação Geográfica - IG, na modalidade Indicação de Procedência, reconhecido pelo INPI, para a cachaça produzida na região. No dicionário, o significado da palavra “paraty” é sinônimo da cachaça fabricada no município do litoral carioca do mesmo nome. Café: A formalização de indicações geográficas para valorizar a qualidade associada à origem dos cafezais é ainda muito recente, não só no mundo como também no Brasil. Assim, entre os fatos relevantes de 2005 associados à identificação da origem do café brasileiro, destaca-se a indicação de procedência da Região do Cerrado Mineiro, obtida

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pelo Conselho das Associações dos Cafeicultores do Cerrado - CACCER. Rio Grande do Sul: O Estado lidera a busca dos registros de IG no país. Com o apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE, os produtores estão se organizando para buscar o reconhecimento da Indicação Geográfica dos Doces Finos de Pelotas; do Arroz do Litoral Norte, produto reconhecido pelo mercado como diferenciado em sabor e coloração em relação às demais regiões que cultivam o grão, e do Couro Acabado do Vale dos Sinos. Com isso, além de agregar valor ao produto, protege-se o couro gaúcho de imitações. O projeto está voltado principalmente para a exportação. Ainda na Região Sul, no estado do Paraná, os produtores de café estão se organizando para obter a Indicação Geográfica dos Cafés Especiais do Norte Pioneiro; e, em Santa Catarina, os produtores de uva se organizam em busca da IG Vales da Uva Goethe. Na Região Sudeste, há as iniciativas dos produtores de café do Espírito Santo, Região de Venda Nova do Imigrante, e dos produtores de Cachaça da Região da Salinas, em Minas Gerais. Na Região Nordeste, estão em curso as seguintes iniciativas no sentido de se obter o reconhecimento de Indicações Geográficas: Manga e Uva de Mesa produzidas no Vale do Sub-médio São Francisco e Queijo de Coalho do Agreste Pernambucano. Na Região Centro-Oeste, está em curso a iniciativa de estruturação da Indicação Geográfica do Açafrão de Mara Rosa, em Goiás. Na Região Norte, as iniciativas estão voltadas ainda para a disseminação do conhecimento acerca da temática. Há por parte de algumas instituições públicas e privadas, orientadas pelo MAPA e INPI, o interesse em formar parcerias para, em conjunto, realizarem ações que viabilizem IGs para a região. O INPI disponibiliza através de seu site, no endereço: http://www.inpi.gov.br/indicacao_geografica/arq/Planilha%20IG%20de%2012062007.xls,

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uma tabela contendo os pedidos e registros de IGs do Brasil.

Vantagens Competitivas de IG para a Região Amazônica Vários aspectos podem ser considerados para o aumento das exportações de produtos. O primeiro está na preocupação com a adoção da indicação geográfica, isto é, com um instrumento que sirva para identificar a região do país com os produtos que ela produz. Isso é importante, na medida em que dá uma marca comum aos produtos, uma propriedade intelectual impossível de ser substituída. A indicação geográfica é um ativo intangível que pode representar o primeiro passo para dar a esses produtos um “valor cultural agregado”. Para ARRUDA (2002), a presença de um selo de IG é uma verdadeira garantia para o consumidor, indicando que se trata de produto genuíno, cuja especificidade se deva à sua origem. Deste modo, os produtos com este símbolo inspiram uma maior confiança ao consumidor. O selo IG assegura que os produtos têm uma história, uma determinada forma de produção local, características determinadas pelo local de origem e uma boa reputação ligada às características da região. Sendo assim, a IG poderá gerar, além da fidelização do consumidor, renda e emprego. Uma das grandes vantagens da indicação geográfica é que, para fazer uso dela em seus produtos, os agricultores (produtores) ou empresários de outros setores terão de seguir várias etapas, começando pela criação de uma entidade que congregará os produtores locais dispostos a seguir determinados padrões de qualidade. Portanto, a adoção dessa marca é uma maneira de levá-los a melhorarem seus negócios em todos os fundamentos. A outra grande vantagem da indicação geográfica é que ela dá uma enorme contribuição ao made in Brasil. Nessa linha, seria importante salientar o convênio assinado pelo INPI e MAPA, que terá como meta fomentar novas Indicações Geográficas referentes a Arranjos Produtivos Locais (APLs)

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indicados pelo SEBRAE. O objetivo é a implementação de atividades conjuntas de capacitação e incentivo ao desenvolvimento e fortalecimento da PI no país, com ênfase nas indicações geográficas - IGs de produtos agropecuários, consolidando assim a sua importância como estratégia comercial e de suporte à competitividade, além de desenvolver ações de capacitação e disseminação da cultura da PI. Quanto à matriz produtiva da Amazônia, ainda são incipientes todas as ações que têm sido feitas para alterá-la. Vale ressaltar a importância da elaboração de políticas neste sentido voltadas para a região, aproveitando-se o momento atual de alta valorização de produtos amazônicos, revelando uma natural vocação. Produtos oriundos da biodiversidade brasileira, tais como bolsas e calçados de couro vegetal da Amazônia, já alcançaram enorme aceitação em mercados - como dos EUA - exigentes e seletivos. Há que se considerar o quanto o país tem deixado de ganhar por ainda não ter investido fortemente na associação dos produtos da região à marca “Amazônia”. (ARRUDA, 2002).

Amazônica que são considerados com extremo valor agregado, simplesmente pelos créditos identificados pela sua origem e como os países desenvolvidos são exigentes e seletivos na compra, as questões de manejo florestal aliadas ao desenvolvimento sustentável valorizariam muito mais o produtos que possuíssem o selo de indicação geográfica, trazendo inúmeros benefícios para os produtores e mercado. Há que se considerar o quanto o país tem deixado de ganhar por ainda não ter investido fortemente na associação dos produtos da região à marca “Amazônia”.

CONCLUSÃO As IGs são sinais distintivos de qualidade e podem agregar valor e gerar riquezas, contribuindo assim para o desenvolvimento e valorização da produção regional. O reconhecimento da originalidade do produto ou serviço pode aumentar a participação brasileira no mercado internacional e fortalecer a competitividade dos produtos. O reconhecimento de uma IG, no entanto, antes de ser um ato de criação, deve ser o da confirmação ou ratificação de um nome de prestígio no mercado. Outra importante vantagem é que ela confere uma enorme contribuição a produtos fabricados no Brasil, como pretende o convênio assinado pelo INPI e MAPA que prevê a indicação do SEBRAE para estimular novas Indicações Geográficas referentes a Arranjos Produtivos Locais (APLs). No caso de produtos oriundos da natureza

GIUNCHETTI, C. S. Indicações Geográficas: uma abordagem pragmática acerca de sua apropriação por comunidades tradicionais da Amazônia. In: CARVALHO, P. L. Propriedade Intelectual. Curitiba: Juruá, 2006. p. 391-420.

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BIBLIOGRAFIA ARRUDA, M. A inserção de produtos no mercado. Revista SEBRAE. Brasília, n. 6, set./out. 2002. BARBOSA, D. Indicações geográficas. Disponível em < http://denisbarbosa.addr.com/98. doc > Acesso em 18.06.07. BRASIL. Lei 9.279/96, de 14 de maio de 1996. Dispõe sobre direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em < http://www.inpi.gov.br/legislacao/conteudo/lei.htm> Acesso em 10.05.2007.

GURGEL, V. A. Aspectos jurídicos da indicação geográfica. s. n. t. INDICAÇÕES geográficas Disponível em < http:// www.caxias.rs.gov.br/urbal/-upload/artigo_24.pdf > Acesso em 11.05.2007. KAKUTA, S. M. et. al. Indicações geográficas: guia de respostas. Porto Alegre: SEBRAE/RS, 2006. LAGES, V., LAGARES, L. BRAGA, C. L. Valorização de produtos com diferencial de qualidade e identidade: indicações geográfi-

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cas e certificações para competitividade de negócios. Brasília: SEBRAE, 2005. TONIETTO, J. O papel econômico e o atual tratamento jurídico das indicações geográficas. In: Seminário Nacional da Propriedade Industrial, 2003, São Paulo. Anais... São Paulo: ABPI, 2003. p. 126-129.

Francisca Dantas Lima é mestre em Gestão e Auditoria Ambiental pela Universidad de Las Palmas de Gran Canária (ULPGC/Espanha), fomentado pela Fundação Iberoamericana (FUNIBER), em 2006. Atua como Agente de Propriedade Industrial e Líder do Núcleo de Propriedade Intelectual e Informação Tecnológica (NUPI) da Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica (FUCAPI) flima@fucapi.br. Hulda Oliveira Giesbrecht é mestre em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília (UnB), especialista em Informação Tecnológica pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Engenheira Química pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Consultora da Unidade de Acesso à Inovação e Tecnologia do SEBRAE Nacional. huldagiesbrecht@sebrae.com.br. Solange Ugalde de Lima é especialista em Gestão Ambiental pelo Instituto de Tecnologia da Amazônia (UTAM), Advogada, graduada pelo Centro Integrado de Ensino Superior do Amazonas (CIESA) e graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Atua como analista da FUCAPI, além de ser professora do Instituto de Ensino Superior FUCAPI (CESF) e do Instituto Dados da Amazônia (IDAAM/GAMA FILHO). solange.lima@fucapi.br.

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ARTIGO

Capacitação tecnológica das empresas no setor de fitos Dimas José Lasmar

Resumo Este artigo analisa o processo de capacitação tecnológica das empresas instaladas em Manaus, que utilizam recursos de origem da flora amazônica - setor de fitos – no segmento produtivo denominado de fitoindústria. São destacados alguns conhecimentos e habilidades relevantes, considerados recursos dinâmicos, fatores que dificultam esse processo e algumas recomendações para sua dinamização.

Introdução Nos debates sobre o desenvolvimento econômico da Amazônia baseado em seus recursos naturais, ressalta-se sempre como um importante elemento de análise o nível de competência tecnológica das empresas do setor produtivo. Elevar essa competência é que permite gerar as mudanças técnicas não apenas relacionadas às atividades produtivas, mas também em outras áreas. Ela torna possível desenvolver e reproduzir padrões produtivos e inovativos mais avançados, T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

essenciais à competitividade das empresas. A capacidade produtiva alcançada, por sua vez, resulta da combinação de recursos tangíveis (estáticos) - equipamentos e infra-estrutura - e intangíveis (dinâmicos) - conhecimentos e habilidades -, adquiridos pelo processo de capacitação tecnológica. Então, o que vem a ser capacitação tecnológica? Para Bell & Pavitt, (1995, p. 12) é o processo de aprendizado pelo qual a habilidade e o conhecimento são adquiridos por indivíduos e organizações. Para Freeman & Soete (1997), de forma análoga, é o processo dinâmico através do qual se cria a competência tecnológica. Esta segue um padrão organizacional com diferentes know how para produzir diferentes coisas (Malerba, 2003, p.3). As firmas inovadoras dispõem de habilidades estratégicas - por exemplo, identificar as tendências de mercado - e organizacionais - por exemplo, envolver toda a firma no processo de mudança. É considerada conhecimento tecnológico a informa ção aplicada para um fim específico. A tecnologia é o conjunto desses conhecimentos, tanto teóricos

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quanto práticos, aplicada no processo produtivo. Como ilustra a figura seguinte, quando a empresa reúne conhecimentos e habilidades, apoiados no desenvolvimento, aquisição ou adaptações tecnológicas, resulta em competência tecnológica que é aplicada na produção.

Mudança Técnica

Competência

Reunir/usar; Conhecimentos

rios, distantes em sua maioria da fronteira do conhecimento. São conhecimentos e habilidades nesse nível, principalmente, que merecem atenção especial na análise do processo de capacitação tecnológica das fitoempresas. Aqui são assim denominadas essas empresas, pois utilizam recursos de origem

Capacidade Produtiva

Tecnologias; Adaptações

Prod. Industrial

Sistema Produtivo

Figura 1 - Competências Tecnológicas para a Inovação Fonte: Bell & Pavitt, 1995

Ressalta-se que a mudança tecnológica nos países em desenvolvimento ocorre mais pela aquisição e melhorias de competências tecnológicas do que pela inovação na fronteira do conhecimento (Lall, 2000, p.3). Explica-se pela aquisição de conhecimentos e habilidades em níveis intermediá-

nos fitos da flora amazônica e que constituem a fitoindústria. O quadro abaixo é ilustrado com exemplos de recursos tangíveis e intangíveis, em graus diferenciados de complexidade, necessários à acumulação de competências tecnológicas na fitoindústria.

Quadro1 - Conhecimentos Intermediários em Diferentes Graus de Complexidade

Categorias

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Conhecimentos e habilidades

Alta Complexidade

Pesquisas em engenharia genética para a indústria; testes clínicos; pessoal qualificado para P&D e bionegócios; participação do capital de risco; registro na Anvisa; acesso a mercados sofisticados. Elevado valor agregado.

Complexidade Intermediária

Identificação de princípios ativos e metodologia analítica; projetos em cooperação com instituições de C&T e empresas; formulação de compostos; selo de comprovação de origem; acesso a novos mercados. Valor agregado intermediário.

Baixa Complexidade

Técnicas de plantio e manejo; fermentações mistas ou naturais; secagem e separação de semente; extração do óleo vegetal; armazenamento, transporte, desidratação e maceração da matéria-prima; centrifugação e filtração. Baixo valor agregado.

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Capacitação tecnológica das empresas no setor de fitos

Diminui o nível das competências tecnológicas ao se tornarem rotineiras e com o surgimento de novos conhecimentos. Assim, o processo de capacitação tecnológica é que deverá determinar o nível de competência tecnológica da fitoindústria. I – Fatores externos que limitam a capacitação tecnológica das fitoempresas Destacam-se alguns fatores relacionados ao Ambiente Institucional e Mercado que afetam o aprendizado e a capacitação tecnológica das fitoempresas: (i) Ambiente institucional Sobressaem a legislação que trata do uso dos recursos da biodiversidade; o Processo Produtivo Básico – PPB; e a infra-estrutura de C&T. A legislação sobre o uso da biodiversidade, por ser ampla e complexa, tem restringido a realização de atividades de pesquisa e de produção. A conseqüência é a origem de gargalos para as fitoempresas que se encontram em atividade em Manaus. Um exemplo são o tempo e custos necessários para a obtenção de autorização junto a órgãos do Governo. Para ilustrar, destaca-se um projeto do Ministério de Ciência e Tecnologia com a participação de instituições de C&T locais, visando à validação de espécies junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que está parado há cerca de um ano pela ação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético. O motivo é a inexistência de titulação de propriedade das áreas onde o mapeamento botânico está sendo realizado, exigência posterior ao início do projeto. O Processo Produtivo Básico (PPB) exigido para as empresas incentivadas do Pólo Industrial de Manaus (PIM) determina que para as atividades produtivas no segmento de cosméticos seja utilizada matéria-prima regional cujo percentual varia de produto para produto, mas com desvantagens à de outras regiões. A infra-estrutura de C&T ainda não está suficientemente adequada para apoiar as atividades T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

das fitoempresas. O Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) encontra-se em fase de implantação e os diversos laboratórios disponíveis na região não realizam grande parte das análises requeridas pelas fitoempresas. Algumas iniciativas, porém, têm sido criadas em anos recentes: (a) cursos em nível stricto sensu; (b) grupos de pesquisa em biotecnologia: Rede da Amazônia Legal de Pesquisas Genômicas – REALGENE e Rede Proteômica (genoma da proteína); (c) fortalecimento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam). Iniciativas como essas, todavia, ainda estão distantes ou com pouca participação do setor produtivo. (ii) Mercado Atribui-se aos produtos naturais da Amazônia, pela associação ao tradicional, exotismo e produto verde, um forte apelo de marketing. Todavia, não são esses fatores os determinantes para a conquista e manutenção de mercados mais exigentes, mas sim aqueles inerentes à capacitação tecnológica. As fitoempresas são afetadas principalmente pelos seguintes fatores de mercado: desorganização da oferta de matéria-prima, concorrência de produtos de baixo valor agregado e desconexão entre a oferta de produtos fabricados com produtos que o mercado efetivamente demanda, sobretudo o internacional. Os produtos fabricados, particularmente fitoterápicos e fitocosméticos, enfrentam muitos concorrentes em um mercado de massa. A identificação de origem da Amazônia, neste caso, não tem sido percebida como diferencial, face à fragilidade de marketing e pouca densidade tecnológica, embora sejam produtos com grande potencial de agregação de valor. Produzir bens de elevado valor agregado exige investimentos expressivos em P&D. O conhecimento tradicional não agrega tanto valor quanto novos conhecimentos que resultem em patentes. As fitoempresas não dispõem de recursos para P&D e o setor público ainda não aplica recursos em projetos de porte com a participação do setor produtivo.

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O mercado aponta para riscos que ameaçam o bionegócio: (a) biopirataria das espécies e seu registro de patentes por empresas de outros países; (b) o avanço da nanotecnologia, com o uso da informática, contribui para a reprodução de princípios ativos similares nos grandes laboratórios estrangeiros; (c) exploração da marca Amazônia por empresas instaladas em outras localidades. II - Acumulação de competências tecnológicas nas fitoempresas Alguns dos conhecimentos e habilidades requeridas pelas fitoempresas para alcançar níveis de competências tecnológicas mais elevados estão associados aos seguintes fatores: (i)Tecnologias Industriais Básicas (TIBs); (ii) cooperação com instituições de C&T e empresas; (iii) pessoal qualificado; e (iv) nível de complexidade das tecnologias empregadas. (i) Tecnologias Industriais Básicas (TIBs) Uma das grandes dificuldades das fitoempresas é alcançar padrão de qualidade, que deve ser comprovado mediante certificações exigidas. Elas requerem a realização de ensaios e análises laboratoriais nas diversas fases da cadeia produtiva, cujos recursos ainda não estão disponíveis no ambiente local. Elas buscam, principalmente, as certificações de Boas Práticas de Fabricação; Certificados de origem orgânica; Autorização de Plano de Plantio e Manejo e de Cadeia de Custódia. Entretanto, o acesso ao mercado externo é facilitado apenas quando as fitoempresas dispõem de certificação emitida por instituições que gozam de prestígio internacional. (ii) Cooperação As comunidades tradicionais têm sido uma importante fonte de aprendizado sobre o uso de recursos de fitos. No entanto, é apontada como imprescindível a cooperação com instituições de C&T para projetos de P&D. Sem o envolvimento das usinas, mas com a

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participação de comunidades, como exemplo, uma pesquisa realizada pela Ufam permitiu combater a aflotoxina identificada na fase de coleta da castanha-do-brasil. Porém, a adoção dessa tecnologia pelas usinas e sua transferência a seus fornecedores de castanha parece ser um processo demorado, tornando mais difícil a recuperação de mercados perdidos. Chama atenção a dificuldade de cooperação entre as fitoempresas, limitando a intensidade de sinergia e a dinâmica do setor. Não há restrição aparente, todavia, para a parceria com empresas de fora da região. (iii) Pessoal qualificado As fitoempresas necessitam de pessoal qualificado e capacitado para desempenhar funções importantes na produção, pesquisa, comercialização e gestão de bionegócios. É um pouco superior a 20% a força de trabalho dessas empresas que possuem curso superior. Algumas das atividades para as quais é necessário pessoal com melhor formação e capacitação são para registrar patentes, manter controle fitossanitário, melhorar o design e embalagens dos produtos, formular compostos dos produtos, selecionar matéria-prima dos fitos, controlar a qualidade, realizar análises laboratoriais e negociar com clientes internacionais (Lasmar, 2005, p. 141). O Programa que instituiu os cursos stricto sensu motivados pela perspectiva do uso de recursos da biodiversidade tem como objetivo formar pessoal com conhecimento multidisciplinar em áreas tais como a biotecnologia, farmácia, química, botânica, etc. Ressalta-se, entretanto, a necessidade de formação gerencial complementar e de empreendedorismo, para estimular alguns desses profissionais à atividade empresarial em bionegócios. (iv) Nível das tecnologias empregadas no setor de fitos É extensa a diversidade de tecnologias necessárias às atividades desenvolvidas na fitoindústria, embora atualmente prevaleçam as de baixa comT&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


Capacitação tecnológica das empresas no setor de fitos

plexidade. Todavia, a mudança nas comunidades, por exemplo, do processo manual para um processo mecanizado simples, na produção de matériaprima, pode resultar em aumento em cerca de 40% na produtividade. Algumas fitoempresas têm desenvolvido ou adaptado equipamentos, que são empregados na transformação de espécies de outra procedência, para a transformação de matéria-prima de origem nos fitos da Amazônia. Entretanto, a competência tecnológica das fitoempresas ainda se encontra em níveis baixos. As fitoempresas regionais ainda executam operações simples no processo produtivo, face ao tipo de produto e à baixa escala de produção. Embora exista mercado para produtos fabricados apenas com tecnologias tradicionais, a falta de pesquisa aplicada não permite a fabricação de produtos diferenciados e com maior conteúdo tecnológico de maior valor agregado. III – Conclusões e recomendações para a capacitação tecnológica das fitoempresas O panorama descrito anteriormente permite algumas conclusões: (a) a baixa dinâmica das atividades na fitoindústria é decorrente, sobretudo, das restrições legais, de poucos mercados, da baixa escala de produção e de produtos com pouco conteúdo tecnológico e diferenciação. (b) as fitoempresas não acumulam suficientes competências tecnológicas na velocidade necessária para inovar e ganhar competitividade. (c) as políticas públicas para estimular a dinamização de capacitação tecnológica da fitoindústria e do bionegócio são extremamente urgentes. Algumas medidas que poderiam ser convertidas em políticas públicas, para criar um ambiente favorável à dinamização da fitoindústria e capacitação tecnológica das fitoempresas são abordadas a seguir:

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(i) Experiências de outros países Destacam-se dois fatores na área da biotecnologia, um dos segmentos importantes para o bionegócio: (a) gestão de negócios e (b) estímulo financeiro. Na Alemanha, jovens cientistas têm sido estimulados financeiramente, mediante a submissão de Planos de Negócios para a gestão de negócios; no Canadá, existe incentivo para o desenvolvimento de habilidade em reconhecer aplicações comerciais. Em outros países, como o Japão, governos têm agido com freqüência com significativo apoio financeiro para estimular a cooperação entre a pesquisa e a produção. Na grande maioria desses casos, sem reembolso. (ii) Fortalecimento do bionegócio e setor de fitos Algumas das ações que poderiam fortalecer o ambiente de negócios no setor são: (a) agenciamento de bionegócios; (b) fundos de financiamento (c) aglomeração de empresas industriais. O agenciamento de bionegócios poderia tratar de questões de interesse coletivo tais como: apoio jurídico junto a organismos do governo para a obtenção de patentes e certificações; auxiliar nas negociações para a transferência de tecnologia; acessar fontes de financiamento como o capital de risco; desenvolver fornecedores; identificar mercados potenciais; e ampliar canais de distribuição. A criação de fundos específicos para bionegócios poderá favorecer: (a) criação de empresas de base tecnológica; (b) participação do capital de risco; (c) transferência de tecnologia para o setor produtivo; (d) pesquisa aplicada; (e) desenvolvimento tecnológico; (f) capacitação tecnológica. As seguintes medidas para fortalecer o bionegócio e a fitoindústria ajudariam a aglomeração de empresas e a diminuir a dependência econômica do projeto Zona Franca de Manaus: (a) instituição de instrumentos fiscais e tributários inspirados neste modelo para a inovação em bionegócios; (b) definição de segmentos econômicos prioritários tais como: nutracêutica, cosmecêutica, fármacos, cosméticos, bioativos, plantas medicinais, etc; e (c)

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Capacitação tecnológica das empresas no setor de fitos

criação de infra-estrutura: parque tecnológico e incubadoras para empresas do setor.

BIBLIOGRAFIA Bell, Martin & Pavitt, Keith, “The Development of Technological Capabilities”. In: Haque, Irfan Ul. Trade, Technology, and International Competitiviness, 2 ed., chapter 4, Edi Development Studies, Washington, D.C: The World Bank, 1995. Freeman, C. & Soete, L. The Economics of Industrial Innovation. The MIT Press, 1997. Lasmar, Dimas. Valorização da biodiversidade: capacitação e inovação tecnológica na fitoindústria no Amazonas. Tese de D.Sc., UFRJ–COPPE, Rio de Janeiro – RJ, Brasil, 2005. Malerba, Franco, “Sectoral systems of innovation and production”, Research Policy v.31, 2002, pp. 247–264.

Dimas José Lasmar é Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Inovação (NEPI/FUCAPI), possui doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na área de inovação tecnológica (dimas@fucapi.br).

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ARTIGO

O CBA E A INFRA-ESTRUTURA LABORATORIAL PARA O SUPORTE À BIOINDÚSTRIA José Augusto da Silva Cabral

RESUMO Este artigo pretende mostrar como está desenhado o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), objetivando entre outras atividades, a prestação de serviços biotecnológicos. O CBA foi criado no âmbito do Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (PROBEM – Amazônia), estabelecido em 1997, mas que só foi institucionalizado em 2002, através do Decreto nº 4.284, de 26 de junho – uma iniciativa conjunta de pesquisadores, governos regionais e federal e da iniciativa privada com a finalidade de executar as metas do programa. Nesse sentido, na sua estruturação, o CBA está sendo aparelhado para o pleno cumprimento dessa necessidade, não só da bioindústria como de outros segmentos produtivos e científicos que demandem por serviços tecnológicos, os quais, na grande maioria das vezes, não são oferecidos na região. É grande esta demanda.

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INTRODUÇÃO A Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA ), que doou o terreno e contribuiu com cerca de 80% dos recursos para a construção do CBA, assumiu a responsabilidade, em 2003, após o recebimento da obra em dezembro de 2002, de estruturar o Centro para que o mesmo ficasse apto a exercer as tarefas para as quais fora programado. Certamente que num primeiro momento não poderia estruturar todos os 12 mil m² construídos e decidiu por estabelecer uma ocupação gradual. São 25 salas para laboratórios com uma área útil de 100 m² cada. Portanto, além da implementação das áreas de apoio à inovação tecnológica como o Núcleo de Produção de Extratos, a Planta Piloto de Processos Industriais, o Núcleo de Informação em Biotecnologia, o Núcleo de Gestão de Negócios e a Incubadora de Negócios de Base Tecnológica, o CBA está consolidando cinco áreas técnico-científicas a saber: (1) Central Analítica, (2) Produtos Naturais, (3) Farmacologia e Toxicologia, (4) Microbiologia e (5) Bioquímica e Biologia Molecular.

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O CBA e a infra-estrutura laboratorial para o suporte à bioindústria

Acrescente-se que, para cada uma dessas coordenadorias científicas, são necessários equipamentos e pessoal habilitados para operá-los de forma a tornar a infra-estrutura laboratorial capaz de prestar os serviços tecnológicos de alto nível demandados pelas empresas de base tecnológica da bioindústria moderna. Por outro lado, torná-lo apto para desenvolver, em colaboração com os mais diversos parceiros, produtos e processos oriundos da biodiversidade amazônica. Certamente que a maior parceria que o Centro deverá celebrar será com a bioindústria, uma vez que a inovação tecnológica só ocorre no âmbito da empresa. APOIO À INOVAÇÃO TECNOLÓGICA Uma série de serviços que cobrem desde a viabilidade ecológica e socioeconômica de cada iniciativa demandada do CBA, até o acompanhamento do produto no mercado, a proteção ao conhecimento, a distribuição de royalties etc., são realizados pelo CBA. Entre elas, destacam-se:

um banco de extratos visando uso econômico e a bioprospecção de acessos ao Patrimônio Genético da Amazônia. NÚCLEO

DE INFORMAÇÃO BIOTECNOLÓGICA – NIB Importantíssimo para a tomada de decisões, o CBA está se adequando ao contexto da globalização e avanços na informática e na biotecnologia através do estabelecimento de bancos de dados baseados nas ferramentas da inteligência competitiva. Desta forma, é possível prever situações, levantar expertise, novas tecnologias, parceiros estratégicos, etc., e assim maximizar os resultados com um mínimo de esforço, economizando recursos humanos e financeiros. Num outro front, na busca de oportunidades, é possível, como tem sido demonstrado na prática, uma visão estratégica que permita vislumbrar tendências tecnológicas, alimentando o CBA com idéias para novos produtos e processos a partir de elementos da Biodiversidade Amazônica.

NÚCLEO DE PRODUÇÃO DE EXTRATO – NPE/PLANTA PILOTO DE PROCESSOS INDUSTRIAIS - PPI O primeiro elo na cadeia produtiva do CBA é a preparação de extratos. Portanto, após a coleta, seja parte de uma planta, seja de um animal ou mesmo de uma cepa de microorganismo, essas amostras serão transformadas em extratos. O NPE está sendo preparado para a obtenção dos mais diversos tipos de extratos, tais como: por percolação, por extração contínua via Extratores Soxhlet, por expressão, por fluido supercrítico, etc. Tais processos poderão ter sua repetição em escala semi-industrial na PPI, a qual está equipada com Spray dryer para a desidratação de extratos em grandes quantidades, entre outras utilidades. Mais importante, contudo, é que o CBA obteve do Conselho do Patrimônio Genético (CGEN), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, a autorização para o estabelecimento ex sito de

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INCUBADORA E GESTÃO DE NEGÓCIOS O CBA possui uma Incubadora que pretende abrigar empreendimentos de Base Tecnológica para o desenvolvimento de produtos e/ou processos, sempre tendo como pano de fundo a biodiversidade regional. Sob a coordenação desse mesmo núcleo está a Gestão de Projetos em execução no CBA. À propósito, produtos e processos serão desenvolvidos no CBA sempre baseados em projetos detalhados, bem como contratos de sigilosidade com as empresas parceiras. DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO Nesta etapa de implementação do CBA, numa estratégia de ocupação gradativa, foram escolhidas cinco Coordenadorias Técnicas

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O CBA e a infra-estrutura laboratorial para o suporte à bioindústria

para serem instaladas e que serão descritas a seguir. Outras que estão em processo de dimensionamento e estudo para serem instaladas a partir do próximo ano, não serão discutidas neste artigo. 1. CENTRAL ANALÍTICA Constituída atualmente de três laboratórios (Química Analítica, Espectroscopia e Ressonância Magnética Nuclear), a Central Analítica do CBA já está executando diversos serviços na área de Físico-química e espectrometria nas regiões do Ultra-violeta/Visível, Espectrometria de Massas através de Cromatografia de Gás, Cromatografia Líquida de Alta Eficiência e Plasma Induzido acoplados à Espectrômetro de Massas (GC/MS, HPLC/MS e ICP/MS), além de Ressonância Magnética Nuclear, principalmente de Próton e de Carbono-13. Esse espectrômetro foi o primeiro a ser instalado no país na configuração HPLC/NMR. A Central Analítica do CBA é uma das mais completas da região e já está prestando bastante serviço tecnológico desde 2005 a várias instituições científicas e universidades, e, em menor escala, para empresas regionais.

2. PRODUTOS NATURAIS A Coordenadoria de Produtos Naturais tem sob sua responsabilidade a Cultura de Tecidos Vegetais e a Química de Produtos Naturais. Os dois Laboratórios de Cultura de Tecidos Vegetais (LCTV) (Desenvolvimento e Produção) foram desenhados para a elaboração de mudas de espécies vegetais amazônicas de interesse econômico, cuja reprodução normal seja difícil ou demorada e ineficiente. Os LCTV já estão oferecendo serviços no desenvolvimento de mudas de espécies nativas visando à produção em larga escala. Por outro lado há dois Laboratórios de Química de Produtos Naturais (LQPN) (Fitoquímica e Cromatografia), cujo objetivo é a caracterização química e o isolamento e purificação dos princípios ativos de plantas, animais e microorganismos de interesse econômico. 3. FARMACOLOGIA E TOXICOLOGIA A Coordenadoria de Farmacologia e Toxicologia ocupa quatro laboratórios e tem a seu cargo o Biotério do Centro, onde são produzidos ratos e camundongos tipo SPF (Livre de Patógenos Específicos). Os serviços prestados Foto: Massayoshi Yoshida

Pesquisador Raimundo Carlos Pereira Junior realiza ensaio no Cromatógrafo a Gás Acoplado a Espectrômetro de Massas

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O CBA e a infra-estrutura laboratorial para o suporte à bioindústria

por esta Coordenadoria são sobre a segurança e eficiência de fitofármacos, alimentos funcionais e fitocosméticos oriundos da biodiversidade amazônica. 4. MICROBIOLOGIA Três laboratórios fazem parte desta Coordenadoria: Microbiologia, Microbiologia de Produtos Acabados e Fermentação. Fungos endofíticos, aqueles que vivem normalmente no interior das partes dos vegetais, são de particular interesse devido as suas características específicas. A análise de contaminantes em alimentos e bebidas já está sendo executada rotineiramente.

José Augusto da Silva Cabral é Farmacêutico graduado pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), possui mestrado pela Universidade Federal do Ceará (UFCE) e PhD em Farmacognosia pela Universidade do Mississippi (EUA). Atualmente exerce o cargo de Chefe da Coordenação de Produtos Naturais do CBA.

5. BIOQUÍMICA E BIOLOGIA MOLECULAR

Embora não esteja totalmente instalada, esta Coordenadoria está sendo implantada para prestar serviços de filogenia tanto de animais quanto de vegetais através de técnicas de engenharia genética.

CONCLUSÃO Hoje, já somos cerca de cem pesquisadores e técnicos, afora o pessoal administrativo e de apoio, aptos a prestar os serviços que cada uma das Coordenadorias do Centro se propõe a efetuar. Os primeiros projetos já estão em execução, todos em parceria com uma indústria interessada. Há três anos iniciamos a prestação de serviços analíticos em atendimento a demanda de pesquisadores de centros de pesquisas e universidades regionais, bem como de empresas da região. Foi criada uma empresa civil, sem fins lucrativos, a Associação de Biotecnologia da Amazônia – ABA, que aguarda a celebração de um contrato de gestão com o Governo Federal para vir administrar o CBA e, assim, proporcionar a agilidade que um Centro desse porte necessita para interagir com a iniciativa privada para o uso racional e sustentável da imensa biodiversidade amazônica.

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ARTIGO

Desafios da indústria cosmética da Amazônia: o caso “Chamma da Amazônia” Maria de Fátima Chamma

Resumo A posição e estratégia das empresas que trabalham com produtos naturais da Amazônia frente à qualidade, tecnologia e à questão ambiental vêm sofrendo grandes modificações devido às novas exigências advindas da sociedade como um todo. A necessidade em adequar a empresa às Leis Ambientais e, ao mesmo tempo, aumentar sua competitividade no mercado são as maiores motivações para essas ações. Desta forma, o uso sustentável da biodiversidade, por exemplo, passa a ser visto, e é fator que pode proporcionar ganhos e benefícios. É com esse perfil que as atuais estratégias de algumas empresas de cosméticos, onde está inserida a Chamma da Amazônia, atuam no mercado e têm obtido posicionamento no contexto nacional e internacional, com a utilização do potencial da biodiversidade brasileira. A opção de agregar fatores competitivos fundamentais como ativos intangíveis e comerciais, diferenciação em novos produtos, tem servido de base para a exploração da questão ambiental. A T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

aplicação de novos insumos tais como: essências aromáticas e princípios ativos também é um fator que agrega valor a ser considerado para o segmento industrial. Para isso, é de suma importância a inovação em P&D e organizacional. Deve ser considerado que o principal objetivo deste trabalho é o de caracterizar e analisar o processo de mudança nas estratégias técnico-competitivas da indústria de cosméticos mais especificamente no case Chamma da Amazonia em relação ao uso da biodiversidade da Amazônia brasileira.

Desenvolvimento A história da Chamma começa na década de 40 com Oscar Chamma, seu fundador, que naquela época já introduzia em suas formulações insumos da região. A partir de 1996, começa uma nova fase da Chamma, agora agregando a marca Amazônia ao nome para identificar a origem do produto. Então, com o nome fantasia “Chamma da Amazônia” nasce a Fluídos da Amazônia, sua fábrica de produtos de perfumaria, cosméticos e produtos de hi-

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giene corporal dentro da Incubadora de Empresas da Universidade Federal do Pará. No que se refere à diversificação na linha dos produtos, adota-se uma segmentação do mercado consumidor de acordo com a faixa etária, gênero, raça e poder aquisitivo, baseada nas informações de pesquisas realizadas junto ao mercado consumidor. Tal segmentação direciona a alocação dos produtos diferentes em linhas específicas e com denominações novas e exóticas baseadas na cultura local e isso é Marketing Cultural. Entretanto, um outro fator que é levado em consideração para a constituição de novas linhas é a questão ambiental e a preocupação com o uso sustentável dos recursos utilizados como matéria-prima. Linhas de produtos cuja produção se dá de maneira “ambientalmente responsável” visam a atingir a classe ainda pequena de consumidores preocupados com a conservação dos recursos naturais. Todos os produtos da Chamma são elaborados e produzidos com insumos da Floresta Amazônica. Além disso, a empresa mantém acordos com comunidades locais e empresas fornecedoras que visam ao desenvolvimento sustentável. Para que se possa entender o estar na Amazônia, torna-se importante uma revisão bibliográfica e o levantamento de dados sobre a indústria de cosméticos no mundo e no Brasil, relativo ao segmento em que atua a Chamma da Amazônia, considerando os seguintes aspectos: estrutura de mercado, competitividade, processo de internacionalização, atuais tendências e estratégias de mercado, desenvolvimento de novos insumos da biodiversidade, lançamento de produtos e do marketing ambiental, entre outros. Além da abordagem da forma como a exploração sustentável da biodiversidade vem sendo incorporada nas estratégias de empresas de diferentes setores da economia, o desenvolvimento do estudo em questão permitirá a caracterização da indústria brasileira de cosméticos a partir da introdução de inovações tecnológicas, considerando o uso de recursos naturais. O caso da Chamma da Amazônia, indústria

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pioneira em destacar o uso desses insumos amazônicos em formulações de produtos de perfumaria, higiene pessoal e cosméticos, assim como em agregar a cultura local no que tange à embalagem e denominação dos produtos além do envolvimento com as emoções dos usos e costumes de seu povo, o que pode mostrar de forma interessante e representativa esse tipo de estratégia voltada à questão ambiental e social.

Desafios e Possibilidades na realidade Amazônica: Pesquisa x Sustentabilidade A indústria da beleza é uma das que têm se beneficiado com o uso de propriedades naturais de plantas. No entanto, nossa experiência mostra que o benefício demanda submeter-se a uma regulamentação sanitária muito rigorosa e que não dispensa estudos paralelos e de controle coordenados por especialistas de diversas áreas. Ou seja, por mais capacitados e empenhados, os técnicos de uma empresa precisarão ter ao seu lado o respaldo científico. Essa relação ciência e indústria ainda se desenvolve de forma incipiente na região e foi essa a busca da Chamma dentro da Incubadora de base tecnológica. A aplicação de extratos e óleos essenciais na indústria de cosméticos, em particular no ramo de perfumes, remonta à Antigüidade. Vejamos o caso da China, da Índia e do Oriente Médio. As plantas aromáticas, os óleos, as águas perfumadas e preparações cosméticas eram utilizadas na cosmética, na medicina e nas práticas religiosas. A Amazônia tem também sua história que reporta aos tempos em que foi colonizada pelos europeus e passa a somar a mistura de culturas: européia, africana e a do índio. No final do século XIX, acontece o desenvolvimento da química orgânica que veio a resultar na descoberta e criação de mais de 1 mil fragrâncias sintéticas graças à cromatografia e espectrometria que identificava as fragrâncias das plantas e elas

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teriam a reprodução em uma composição sintética. Para crescer com garantia e sustentabilidade, a Chamma investe em parcerias com comunidades, instituições de pesquisa e orienta no cultivo programado para evitar a monocultura, tendo ainda o cuidado em fazer a previsão de demanda por espécie, o que evita o prejuízo para o pequeno agricultor produzir em excesso e não encontrar demanda para sua produção. A mudança de hábito é lenta, pois aqui se convive com a abundância. A natureza pródiga é um desafio, pois muito se fala de Amazônia, entretanto, muito pouco se sabe ainda sobre as propriedades das espécies sem comprovação científica para seu

uso, sendo imprescindível o conhecimento para a comercialização, sobretudo, para o mercado externo.

Foto:Divulgação

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Mercado Internacional A indústria de cosméticos é composta por quatro segmentos principais: perfumes, produtos para cabelos, maquiagem e cosméticos dermatológicos, corporais ou faciais. Hoje, também desponta um mercado para aplicação dos aromas em residências, ambientes de trabalho e eventos, como uma grande tendência. O mercado da beleza é altamente competitivo, embora sendo um dos que mais crescem no mundo. Estar na Amazônia, ser Amazônia, sem dúvida representa um grande trunfo para despertar o interesse do mercado nacional e principalmente, o mercado internacional. Entretanto, desse ponto até a entrada efetiva no mercado internacional, temos um vasto caminho a percorrer, superando um grande número de obstáculos. A dificuldade está principalmente no desconhecimento do conteúdo dos insumos e suas espécies, a falta de cadastramento das espécies, a diferença de legislação fitossanitária entre os continentes sobre fitocosméticos e fitoterápicos. O investimento econômico financeiro é muito alto, o que dificulta a vida do agricultor, sem dúvida um fator agravante que retarda a entrada das pequenas empresas no mercado internacional. A Chamma é exceção no setor, pois produz e intensifica a sua atuação na pesquisa, visto que a grande maioria vende uma marca sem desenvolver sua própria tecnologia, intensificando seu foco em símbolos que evocam a beleza e a sofisticação. Esse diferencial é um fator que dá credibilidade ao mercado consumidor quanto ao compromisso com seus conceitos e filosofia, não sendo radical em seus princípios cujo principal é o respeito à natureza e ao homem. A meta da empresa é cada vez mais buscar a qualidade terapêutica dentro da utilização de insumos naturais renováveis, além da adoção da tecnologia da produção mais limpa.

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Como atua a Chamma da Amazônia • Não realiza testes em animais, • Adoção da tecnologia da produção mais limpa, • Adoção da coleta seletiva de lixo, • Reutilização de resíduos, • Racionalização das perdas, • Uso racional de água e luz, • Uso de embalagens que se recriam a cada dia, • Uso de PET em suas embalagens, • Uso de papel reciclado nos catálogos e rótulos. Entre as espécies apontadas como as mais conhecidas citamos a andiroba, a copaíba e a castanha do Pará, todas de origem extrativista. Por outro lado, apontamos as espécies que ainda são extrativas, mas que já possuem cultivo planejado como o açaí, o cupuaçu e o guaraná. Todos entram em nossas formulações e têm uma demanda de mercado excelente.

Valor econômico desses produtos O óleo de copaíba (Capaifera spp) tem uma forte demanda no mercado local, nacional e internacional como um remédio natural de aspecto amplo. Tem sido utilizado pela indústria de cosméticos. O óleo é extraído da casca do tronco da árvore, cuja coleta não depreda a espécie. Na região, não existem indústrias de refino, processo que valoriza ainda mais a matéria-prima para aplicação na indústria cosmética. Ressalta-se que o preço do produto in natura vale aproximadamente 5 vezes menos que o produto refinado. Outra planta de grande valor econômico é a andiroba (Carapa guianensis) para uso medicinal e cosmético, cujo azeite é usado como antiinflamatório, o pó de suas cascas é um excelente anti-helmíntico e repelente. Enquanto isso, na indústria de cosméticos, entra na composição de formulações de sabonetes, cremes faciais e corporais, xampus e protetores solares. A quantidade de óleo obtida através do método artesanal difere da metodologia de extração industrial. As informações variam na

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obtenção de 1 litro de óleo a partir de 5 kg. de sementes, enquanto a obtida pelo processo industrial apresenta o rendimento em média de 4%.

Mercado na Região Norte Há um grande número de marcas de cosméticos caseiros vendidos em feiras, lojas folclóricas e/ou farmácias. Algumas empresas entenderam, recentemente, que o diferencial competitivo de se produzir na Amazônia é de se utilizar produtos naturais e recorrer a um marketing que reflita o artesanato e o folclore do homem da floresta e dos índios. Este marketing se traduz na embalagem do produto e na comercialização. Cabe ressaltar que a Chamma da Amazônia trabalha na “Amazônia” há aproximadamente 45 anos, muito antes da identificação do conceito “Amazônia” como oportunidade de mercado, hoje tão enfatizado na mídia. O interesse pelas ervas e plantas da Amazônia com aplicação nas áreas medicinais e de cosméticos tem aumentado cada vez mais. O segmento tem tudo para crescer e se tornar uma atividade econômica lucrativa para a região, desde que se profissionalize. O maior desafio é gerar emprego e renda para o caboclo, melhorando a qualidade de vida das pessoas que trabalham com o plantio de pequenas áreas e também na coleta extrativista. Investir no setor é um risco que pode ser minimizado através da orientação para um planejamento do extrativismo. O ideal é estimular o cultivo das espécies, principalmente quando a indústria mundial está focada no desenvolvimento através da natureza. O produto natural está em crescente demanda, hoje ainda pequena, pois a sensibilidade começa pela classe culturalmente mais bem informada. Está começando a acontecer uma recusa pelos aromas artificiais e conservantes sintéticos. Isso é bom, não pela qualidade apenas, mas principalmente pela conscientização da necessidade de preservação, o que leva sem dúvida ao desenvolvimento sustentável. Para utilizar os óleos amazônicos em formulações e para que essas possam ser comercializadas T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


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no mercado internacional, é necessário atender a uma série de critérios. Além da regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), temos que atender às exigências da legislação do país importador, e quando se trata de insumos amazônicos, a grande maioria ainda não está catalogada no International Nomenclature of Cosmetic Ingredient (INCI), o que dificulta a aprovação em curto prazo. Além disso, os produtos naturais têm custo mais elevados na aquisição e na manipulação, e à medida que se obtém a certificação, esse preço sobe ainda mais. A questão é: quanto o consumidor brasileiro está disposto a pagar por isso? No exterior, essa filosofia já está mais inserida na sociedade, mas o que predomina ainda é a questão preço, apenas nichos de mercado absorvem esse preço mais elevado, confirmando que é bom investir, mas com foco no futuro.

A Amazônia é assim: “Cada erva, cada fruto, cada flor traz uma história, uma lenda, um mistério, um poder, e é inegável que, verdadeiros ou não, alimentam a esperança e a imaginação das pessoas que em sintonia com a natureza, desfrutam de suas energias.” (Chamma da Amazônia)

Conclusão Os dados são baseados em publicações especializadas da mídia, publicações acadêmicas, relatórios de pesquisa antropológica, popular e científica fruto de nossa vivência prática (história de vida na região) inerente à atuação dentro do negócio. Confirma-se a importância do estudo das cadeias produtivas, a biodiversidade da Amazônia é grandiosa e engloba além das espécies de plantas, os óleos essenciais, óleos aromáticos, corantes, entre outros. Nos referimos aos que são aplicados em nosso segmento. Deve ser considerado que as aplicações também acontecem na área alimentícia e na de medicamentos onde têm ampla aplicação. O açaí, por exemplo, após a extração da polpa alimentícia é utilizado em todas as suas possibilidades, tais como o óleo, o extrato, o corante; e a semente que por sua vez entra como veículo para T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

sachês que aromatizam os ambientes. Totalmente aproveitado, não gerando lixo. A crescente demanda por produtos naturais é, sem dúvida, uma oportunidade de negócios, mas paralelo a isso, tem que se conhecer a essência, agregar valor, verticalizar localmente para o aumento da renda dos que investem na agricultura, seja o pequeno ou a agroindústria formal. A rentabilidade está diretamente ligada à sustentabilidade. Temos consciência disso. A tecnologia e a pesquisa devem estar presentes permanentemente. Não esquecendo ainda a questão da logística que é um outro agravante, principalmente na Região Norte. Há uma grande possibilidade de aplicação em relação ao número de espécies amazônicas nesse mercado de produtos naturais, mas para isso é necessário que se tenha um banco de dados, que se unam pequenos e grandes, com a efetiva participação do governo em subsídios e isenções, eliminação de tributos na produção que é a transformadora, viabilizando cada vez mais a profissionalização, a pesquisa, e a implementação de tecnologia, seja na criação ou seja no processo de novos métodos.

BIBLIOGRAFIA ALLEGRETTI, M. H. Reservas Extrativistas: uma proposta de desenvolvimento da floresta amazônica. Revista Pará Desenvolvimento. Extrativismo vegetal e reservas extrativistas. n. 25, p. 3-29, jan./dez. Belém, 1989. EMPERAIRE, Laurence. (ed.) A floresta em jogo: o extrativismo na Amazônia Central. São Paulo: Editora UNESP, 2000. 232p. ENRIQUEZ, Gonzalo. A trajetória tecnológica dos produtos naturais e biotecnológicos derivados na Amazônia – Belém: NUMA/ UFPA, 2001. ENRIQUEZ, Gonzalo. Biodiversidade da Amazônia: usos e potencialidades dos mais importantes produtos naturais do Pará/ Gonzalo Enriquez, Maria Amélia da Silva, Eugênia Cabral - Belém: NUMA/UFPA, 2003.

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Maria de Fátima Chamma é Advogada graduada pela Universidade Federal do Pará e sócia da Chamma da Amazônia, onde atua como DiretoraExecutiva.

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Artigo

A competitividade do Arranjo Produtivo Local (APL) de Fitos de Manaus: uma análise a partir das empresas informais João Bosco Lissandro Reis Botelho, André Luiz Nunes Zogahib e Marcionei Silva de Oliveira

Resumo Com base em uma pesquisa de campo realizada para o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Amazonas (SEBRAE/AM), denominada Pesquisa Tecnoeconômica para APL de Fitos de Manaus, a qual pesquisou uma amostra de 80 organizações empresariais informais que trabalham com plantas medicinais e aromáticas amazônicas nas ruas e feiras de Manaus, foi elaborado o presente trabalho que, em breves linhas, procura descrever sobre competitividade, externalidades e políticas públicas de governo para esse aglomerado produtivo.

Introdução A partir do conceito de Arranjo Produtivo Local (APL) discutimos as principais características deste tipo de aglomeração produtiva e o que ele oferece, mostrando seus fatores competitivos, externalidades e políticas públicas. Procuramos ainda anali-

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sar a competitividade do APL de Fitos de Manaus a partir de 80 empresas informais que comercializam e produzem produtos de plantas medicinais e aromáticas amazônicas nas ruas do centro de Manaus e feiras das zonas norte, sul, leste e oeste da cidade; movimentando, de acordo com o SEBRAE/AM, cerca de R$ 141 mil por mês. Para tanto, foi adotado um questionário elaborado pela Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (RedeSist) para pesquisa em APL’s, aplicado durante o último trimestre de 2006. Assim, organizamos este trabalho, com o objetivo de explorar o conceito de APL, os fatores além desta introdução, com a exploração do conceito de APL, os fatores competitivos do APL de Fitos de Manaus e, por fim, tecemos considerações finais.

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A competitividade do Arranjo Produtivo Local (APL) de Fitos de Manaus: uma análise a partir das empresas informais

O conceito Arranjo Produtivo Local Para o entendimento do que são APL’s é essencial compreender o conceito de Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (SPIL’s). De acordo com a RedeSist, SPIL’s são conjuntos de atores econômicos, políticos e sociais, localizados em um mesmo território, desenvolvendo atividades econômicas correlatas e que apresentam vínculos expressivos de produção, interação, cooperação e aprendizagem. SPIL’s geralmente incluem empresas produtoras de bens e serviços finais, fornecedoras de equipamentos e outros insumos, prestadoras de serviços, comercializadoras, clientes, cooperativas, associações e demais organizações voltadas à formação e treinamento de recursos humanos, informação, pesquisa, desenvolvimento, engenharia, promoção e financiamento. APL’s, todavia, são aqueles casos fragmentados e que não apresentam significativa articulação entre os atores econômicos, sociais e políticos localizados num mesmo território, RedeSist (2005). Cassiolato & Szapiro (2002) indicam que “tais arranjos apresentam fortes vínculos envolvendo agentes localizados no mesmo território; por sua vez, as interações se referem não apenas a empresas e suas diversas formas de representação e associação, mas também a diversas outras instituições públicas e privadas”. O enfoque em APL’s indica também a possibilidade de determinadas regiões inseridas em países emergentes elevarem sua competitividade por meio das inovações incrementais com características específicas do local. No âmbito da abordagem de sistemas ou arranjos produtivos locais, discutem-se as possibilidades e as formas de inserção das micros e pequenas empresas (MPE’s) na estrutura produtiva com o intuito de desenvolverem um sistema de cooperação mútua, explorando as vantagens de aglomeração e de ações coletivas em diversas áreas.

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Procedimentos metodológicos Este trabalho foi elaborado com o intuito de tentar descrever os fatores competitivos, as externalidades e as políticas públicas que envolvem o APL de fitoterápicos em Manaus. Para tal, foi aplicado um questionário padrão, elaborado e recomendado para pesquisas de contextualização e descrição de APL´s. O referido questionário é adotado pelo sistema SEBRAE e foi coletado na rede mundial de computadores, após um cadastro no sítio da Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (RedeSist)¹ . A pesquisa fora, portanto, realizada num total de 80 empresas informais que comercializam e produzem itens elaborados a partir de plantas amazônicas tidas como medicinais e/ou aromáticas. Procurou-se o SEBRAE objetivando usufruir das informações constantes no seu banco de dados, porém obteve-se a informação de que não havia um cadastramento das empresas que trabalhavam com este tipo de atividade, somente uma estimativa empírica de um total de 400 empresas. Isto posto, constatou-se a necessidade de elaboração de um censo, porém logo percebeu-se que este levantamento seria circunstancialmente inviável. Desta forma, decidiu-se trabalhar com a estimativa do SEBRAE a qual chegou-se a uma amostra de 80 empresas, sendo que foram estudadas 16 em cada uma das cinco zonas de Manaus. As empresas estudadas estão localizadas nos mais diversos logradouros da cidade, em sua maioria feiras públicas e pequenos comércios.

Fatores competitivos do APL de fitos de Manaus Entre os fatores competitivos para as empresas informais há grande atenção para a qualidade da matéria-prima e outros insumos com 50% se apresentando como altamente preocupadas com isto. Em contrapartida, como são empresas familiares, não se preocupam muito com a qualidade da mão-de-obra, pois 68,8% consideram este fator

O sítio da RedeSist está disponível no endereço eletrônico: http://www.redesist.ie.ufrj.br/

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A competitividade do Arranjo Produtivo Local (APL) de Fitos de Manaus: uma análise a partir das empresas informais

de nula importância e 87,5% se dizem apresentar nula importância para o custo da mão-de-obra. Um fato natural em se tratando de empresas familiares, mas de graves conseqüências sociais já que são pessoas sem a mínima seguridade social – Tabela 01. Outros fatores competitivos que chamam a atenção são as estratégias de comercialização e a qualidade do produto. Consideradas de nula importância para 37,5% das empresas informais, as estratégias de comercialização são, de fato, pobres já que as únicas opções que possuem são se situar numa via movimentada ou numa feira pública. Em relação à qualidade do produto com 43,8% das empresas considerando de alta importância é certo que isto representa grandes desafios para esse ramo de negócio devido a enorme variedade de espécies, fornecimento irregular e produção não

sistematizada. Muito provavelmente por isto, as empresas possuem enorme dificuldade em capacidade de atendimento (volume e prazo) com 37,5% alegando este fator como sendo de alta importância – Tabela 01. As vantagens da localização do APL de Fitos em Manaus para as empresas informais se revelam muito interessantes, uma vez que mostra certo descaso com a mão-de-obra e enorme atenção com as proximidades de clientes, fornecedores de insumos e de matérias-primas. Como empresas atreladas aos valores e conhecimentos locais a proximidade entre seus atores é inexoravelmente muito importante. As empresas informais percebem com clareza essa vantagem, pois 100% delas pronunciaram como de alta importância a proximidade com clientes/consumidores. Também revelam um enorme vácuo a ser preenchido pelas instituições

Tabela1 - Fatores competitivos para empresas informais

Fonte: SEBRAE/AM.

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Índice = (0*Nº. Nulas + 0,3*Nº. Baixas + 0,6*Nº. Médias + Nº. Altas) / (Nº. Empresas no Segmento).

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oficiais com 68,8% das empresas considerando de nula importância para suas atividades a existência de programas de apoio e promoção e, da mesma forma, 75% consideram a proximidade com universidades e centros de pesquisa – Tabela 02.

os entes de poder – municipal, estadual e federal. Entre as empresas informais 87,5% não conhecem as políticas públicas federais para o setor e 68,8% também não conhecem as ações estaduais e mu-

Tabela 2 - Vantagens da localização no APL Fitos de Manaus - externalidades

Fonte: SEBRAE/AM.

Como já notado anteriormente há grandes espaços a serem ocupados pelas instituições oficiais neste ramo de negócio em Manaus. A grande maioria das empresas desconhece iniciativas em todos

nicipais – Tabela 03. Se a maioria dos empresários não conhece as iniciativas do setor público também não possui elementos para avaliação, até devido a baixa penetra-

Tabela 3 - Se conhece ou participa de políticas públicas específicas para o ramo

Fonte: SEBRAE/AM.

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ção das ações de políticas públicas para este ramo de negócio como, por exemplo, a inexistência de uma lei estadual para regulamentar o comércio e o uso de plantas medicinais como ocorre nos estados do Rio de Janeiro e em São Paulo. Entre os empresários 93,8% se consideram sem elementos para avaliação das iniciativas federais, da mesma forma 75% para o governo estadual e municipal. Além disso, 87,5% desses empresários se consideram sem elementos para avaliação das iniciativas do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Amazonas (SEBRAE/AM) – Tabela 04.

Considerações finais De acordo com os dados, o APL de Fitos de Manaus tende a apresentar capacidade de inovação menor do que em contextos desenvolvidos, tendo em vista as ações de políticas públicas pouco percebidas pelas empresas. Em conseqüência de tratar-se de um contexto de zona franca, a volatilidade institucional tende a ser maior do que no restante do país, mas, mesmo assim, a Zona Franca de Manaus oferece uma estrutura econômica que é valorizada pelos empresários e que possibilita a existência desta aglomera-

Tabela 4 - Avaliação das políticas públicas para o ramo

Fonte: SEBRAE/AM.

Entre as políticas que podem preencher o vazio das instituições oficiais entre as empresas informais do APL de Fitos de Manaus há destaque, por ordem de importância, para melhorias na educação básica, programas de acesso à informação (produção, tecnologia e mercados, etc.) e programas de apoio a consultorias técnicas. São políticas de âmbito local. Melhorias na educação básica consideradas como de alta importância para 56,3% das empresas informais são questões relacionadas à Prefeitura Municipal de Manaus. Programas de acesso à informação com índice de 0,69 e programas de apoio a consultoria técnica de índice 0,64 são ações políticas inerentes ao SEBRAE/AM. Logo, há enormes chances de desenvolver este tipo negócio que conta com todos os seus principais pilares atrelados aos atores e instituições locais.

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ção produtiva. A qualidade da matéria-prima, a qualidade do produto e a proximidade com clientes mostram-se como fatores determinantes para a competitividade, conforme fora visto nas Tabelas 01 e 02. Assim, percebemos que a competitividade do APL de Fitos de Manaus gira em torno de atores sociais, políticos e econômicos, com suas principais dificuldades inerentes as tipicidades manauaras, porém este mesmo contexto atrelado a outros fatores acaba tornando as possíveis iniciativas de promoção econômica viáveis, mas a partir de um conteúdo amazônico.

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A competitividade do Arranjo Produtivo Local (APL) de Fitos de Manaus: uma análise a partir das empresas informais

Bibliografia CASSIOLATO, J.E. & SZAPIRO, M. Aglomerações geográficas e sistemas produtivos e de inovação. Nota Técnica do Projeto Promoção de Sistemas Produtivos Locais de Micro, Pequenas e Médias Empresas Brasileiras. Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais. Rio de Janeiro. IE/UFRJ, 2002. Disponível em: http://redesist.ie.ufrj.br/ (Coletado em 22 de maio de 2007). CASSIOLATO, J. E. & LASTRES, H. M. M. RedeSist – Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais. Mobilizando Conhecimentos para Desenvolver Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais de Micro e Pequenas Empresas do Brasil. Rio de Janeiro, UFRJ: 2005. Disponível em: http://redesist.ie.ufrj. br/glossario.php (Coletado em 22 de maio de 2007). João Bosco Lissandro Reis Botelho é Administrador, Economista e mestre em Planejamento do Desenvolvimento pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA). e-mail: boscobotelho@gmail.com André Luiz Nunes Zogahib é Administrador e aluno do curso de mestrado em Administração Pública pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (EBAPE/FGV). e-mail: zogahib@gmail.com Marcionei Silva de Oliveira é Economista, analista do SEBRAE/AM e aluno do curso de mestrado em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). e-mail: marcionei@ am.sebrae.com.br

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ARTIGO

Estratégias de negócios na área da biodiversidade: articulando com os atores Alain Pouchucq

Introdução Hoje em dia, a grande questão a ser respondida não é se devemos ou não conservar a Floresta Amazônica, pois já existe unanimidade a favor da conservação, mas sim como articular a utilização da biodiversidade em todo seu potencial para gerar produtos de alto valor agregado e não somente os atuais produtos de baixo valor agregado e baseados nos conhecimentos tradicionais. Sabemos que a biodiversidade da Floresta Amazônica não está totalmente catalogada e, menos ainda, explorada. Assim, as possibilidades de descobertas advindas dessa exploração são enormes. O potencial da biodiversidade levará a avanços nos mais diversos setores, desde a já conhecida utilização de moléculas e microrganismos na indústria farmacêutica até a utilização destas na indústria de novos materiais. Porém, será que nosso foco está direcionado para geração de riquezas, para o aproveitamento eficaz da biodiversidade e para agregar valor e riqueza ao povo amazônico?

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Geração de riquezas: a verdadeira preservação No Brasil, nas últimas duas décadas, foram realizados muitos esforços para a preservação ambiental: criamos uma legislação rigorosa - uma das mais completas do mundo - disseminou-se pelo país uma cultura a favor da preservação ambiental, foram criados ou tiveram sua atuação ampliada órgãos de controles nas diversas esferas governamentais, ou seja, podemos dizer que fizemos louváveis esforços pela preservação. Dentro do quadro mundial atual, onde a retórica suplanta a ação, o Brasil pode se apresentar com a autoridade de um dos países com um dos mais altos índices porcentuais de áreas preservadas, o que nos exime do propalado papel de vilão que constantemente tenta-se imputar ao País. Atualmente o mundo passa por um forte movimento de desenvolvimento fora dos chamados países desenvolvidos. Este processo é capitaneado pela China e Índia, levando a reboque outros países, entre eles o Brasil. Porém, em contraponto a este desenvolvimento, começamos a sofrer as

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Estratégias de negócios na área da biodiversidade: articulando com os atores

conseqüências das mudanças climáticas causadas principalmente pelo modelo de desenvolvimento adotado pelos países desenvolvidos que sempre buscaram a produção energética a qualquer preço, sem levar em consideração a emissão dos gases do efeito estufa. Neste cenário, se os países do BRIC (grupo de países em desenvolvimento Brasil, Rússia, Índia e China) repetirem o modelo adotado pelos países desenvolvidos serão inevitáveis as seguintes conseqüências: • O colapso enérgico mundial: não existe energia disponível para que os países em desenvolvimento reproduzam o padrão de consumo dos países desenvolvidos. • As mudanças climáticas poderão gerar a maior série de catástrofes naturais já vista pelo homem moderno, tendo um elevado custo para a economia mundial. • Mediante aos fatores acima, será inevitável uma brutal recessão econômica, provavelmente a maior já vista. Dentro deste quadro todos nós concordamos com a imperativa necessidade de ações corretivas imediatas, porém, temos que dividir a conta com todos, principalmente com aqueles responsáveis pela situação atual e, por isso, não podemos sacrificar totalmente nosso desenvolvimento sem contrapartidas. Quando as diversas organizações não-governamentais atuantes no país lutam pela preservação ambiental por si só sem focar na geração de riquezas, e quando criamos uma legislação de proteção da biodiversidade de maneira equivocada que dificulta enormemente a sua exploração como um fator-chave para o crescimento, estamos na contramão da realidade. Ao criarmos tantos empecilhos evitamos o nascimento de iniciativas de desenvolvimento potencialmente maiores às atuais que utilizam a lógica da má utilização da floresta, e assim transformamos a preservação ambiental em um sonho utópico. Concordar com a preservação ambiental e com a utilização sustentável da biodiversidade preservando os direitos das comunidades locais e seus conhecimentos tradicionais é ponto pacífico. Porém, não podemos perder de vista que apenas a

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biodiversidade e os conhecimentos tradicionais não são suficientes para a criação de um modelo sustentável. Devemos para tal buscarmos investimentos em tecnologia, ciência, indústria e empreendedorismo para então transformarmos o potencial da biodiversidade em uma realidade de crescimento. O governo e diversas ONGs devem ampliar o escopo de atuação e trocar o discurso ingênuo de preservação ambiental e proteção da biodiversidade por um discurso mais amplo que inclua biotecnologia, globalização e geração de riquezas, pois todos queremos uma Amazônia desenvolvida e não apenas uma Amazônia preservada e subdesenvolvida, afinal, é nosso dever almejar o mesmo padrão de vida existente no mundo desenvolvido. Na cena mundial, a Amazônia tem que ser vista não somente como uma grande floresta preservada, mas sim como um pólo de desenvolvimento sustentável utilizando a biodiversidade para geração de inovações nos mais diversos setores.

Inovação: força motriz do desenvolvimento A força motriz para o desenvolvimento foi, é, e sempre será a inovação. Os povos que inovam lideram o mundo. A grande questão está em como chegarmos ao ponto exato (fundamental) para que a inovação de valor ocorra. Sabemos que para inovar é necessário pesquisar, porém, apesar de ser uma condição necessária não é suficiente, é necessária a articulação da sociedade inteira, dos pesquisadores aos investidores, passando pelas comunidades locais e pelas demandas do mercado. Inovar é um processo de elevada complexidade e onde, infelizmente não existe uma fórmula pronta para ser aplicada. Certamente a persistência e a objetividade têm grande influência. No mundo globalizado temos que aprender a interagir internacionalmente, ou seja, não devemos sofrer de xenofobia e nos acharmos capazes de conduzir a inovação sem a participação de agen-

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Estratégias de negócios na área da biodiversidade: articulando com os atores

tes globais. Isso significa que empresas, institutos de pesquisas, e todos os integrantes do bionegócio devem expandir o seu campo de prospecção e pensar globalmente. A criação de um ambiente de interação envolvendo governos, empresas, pesquisadores, institutos de pesquisas, investidores e comunidades locais é fundamental para que as interações entre estes desenvolvam as oportunidades para o crescimento do bionegócio. A busca de inovações na biodiversidade é o motor principal para que possamos transformar a Amazônia em um dos celeiros da biotecnologia no mundo e para obtermos sucesso nesta empreitada devemos associar a capacidade intelectual necessária. Sendo assim, apenas a articulação entre os setores produtivos, financeiros e acadêmicos do País gerará as condições para realização deste objetivo.

Atraindo capital e ciência Sem capital e sem ciência não há inovação e, conseqüentemente, não há geração de riquezas. Nos últimos anos muito debatemos sobre como devemos proteger a nossa biodiversidade e pouco como a transformaremos em riqueza. A transformação da biodiversidade em riqueza passa certamente por investimentos em pesquisa, não somente pesquisas básicas, mas pesquisas direcionadas às demandas do mercado. Os institutos de pesquisa devem direcionar grande parte dos seus escassos recursos para projetos com potencial de geração de patentes com valor comercial. Os países campeões na geração de patentes foram capazes de estabelecer parcerias eficazes entre o setor público e privado na condução das pesquisas. Dentro deste objetivo devemos atrair para a Amazônia o maior número possível de empresas privadas nacionais e estrangeiras, que tenham capacidade de, conjuntamente ou não, desenvolver linhas de pesquisas geradoras de riqueza. Infelizmente, nossa legislação cria grandes dificuldades para a formação destas parcerias, o que nos recomenda fazer todos os esforços para a T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007

mudança deste quadro urgentemente. O desenvolvimento em biotecnologia é um processo complexo, caro e longo. Hoje praticamente inexistem na Região Amazônica iniciativas empresariais baseadas na utilização de processos que levem à concepção de produtos de alto valor agregado. Para tornar isso em realidade, deve-se fomentar as seguintes condições: Ambiente jurídico com regras transparentes e definitivas: as leis devem ser elaboradas visando a menor quantidade possível de interpretações pelo judiciário. •

Institutos de pesquisas capazes de gerar patentes e voltados para a demanda do mercado, sendo capazes de estabelecer parcerias com empresas privadas para o desenvolvimento de novos produtos de alto valor agregado. Grande parte das empresas de biotecnologia nasce a partir da união de pesquisadores e empreendedores em novos projetos, para tal, devemos ter políticas de incentivo para a formação de novas empresas. A lei da inovação vai nesta direção. Atração das grandes empresas nacionais e internacionais do setor farmacêutico e de cosméticos para desenvolverem pesquisas e instalarem unidades produtivas na Amazônia. Se fomos capazes de criar a Zona Franca de Manaus voltada para a área eletroeletrônica, porque não criarmos as condições para que as indústrias ligadas diretamente a biodiversidade se desenvolvam na Amazônia? Atrair o investidor de risco: este investidor é fundamental para o desenvolvimento das novas iniciativas, os investidores chamados angels e os fundos de venture capital são hoje componente primordial, pois são eles que apostam no negócio assumindo riscos. O governo deve ser um fomentador através de políticas de incentivo à implantação de novos empreendimentos ligados à biotecnologia e aumentando o suporte ao desenvolvimento da pesquisa.

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Estratégias de negócios na área da biodiversidade: articulando com os atores

Da pesquisa ao produto O Brasil tem sido capaz de gerar uma massa crítica razoável de pesquisas científicas. Temos o apoio de órgãos como CNPQ, CAPES, FINEP, MCT, Banco Mundial, entre outros, que têm disponibilizado recursos de maneira sistemática para a ciência brasileira. Sabemos que os recursos deveriam ser maiores, porém, podemos dizer que existem mecanismos funcionando para o financiamento das pesquisas. Ao analisarmos a transformação destas pesquisas em patentes, verificamos um baixo índice de sucesso. Entre as razões para este fenômeno podemos destacar a pouca importância que damos às pesquisas sobre patentes existentes, desde a fase da pré-pesquisa. Assim, muitas vezes estamos “reinventando a roda”. Hoje, existem escritórios de patentes com softwares potentes para a realização destas buscas mundiais. A interação dos nossos institutos de pesquisa com esses escritórios poderia maximizar, em muito, os resultados obtidos. Outro fator que deve ser observado é que muitas vezes o pesquisador publica seu trabalho antes dos procedimentos necessários para assegurar a patente do mesmo. As instituições de pesquisa devem reforçar sua atuação nesse ponto, criando uma permanente interação entre os responsáveis jurídicos pelas patentes e os pesquisadores. Do lado do produto as empresas brasileiras já formadas têm uma boa capacidade de captação de recursos juntos aos investidores. Vivemos um boom no mercado de capitais e assistimos diversos fundos de private equity comprarem participações em empresas, porém, ainda sentimos a falta dos investidores angels, que são os investidores que assumem o grande risco de retirar uma patente ou idéia do papel e dar os primeiros passos do projeto ao lado dos empreendedores. Podemos dizer que nosso gargalo está no meio do caminho entre a pesquisa e o mercado, na interface entre a academia e os investidores/ empreendedores e, se de um lado precisamos de uma academia mais preocupada na geração de patentes, do outro precisamos de mais investidores e empreendedores dispostos a assumir riscos. A

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solução deste problema certamente exigirá muito debate assim como a criação de fóruns adequados de discussão.

Empresas olhando além das fronteiras As empresas vivem em um mundo globalizado e extremamente competitivo onde o foco na inovação é fundamental para a perenidade do seu negócio. Nos setores ligados à biodiversidade podemos dizer que o fator inovação é amplificado em sua dimensão, pois não conhecemos indústrias farmacêuticas, de fitoterápicos e de cosméticos que obtiveram sucesso global sem inovar constantemente. Para enfrentar o desafio da inovação estas empresas devem realizar um planejamento estratégico muito bem elaborado, buscando sempre olhar além das demandas atuais. Este processo deve ser executado tanto pelo grande laboratório multinacional quanto pela pequena empresa inovadora amazônica. As empresas devem tomar cuidado para não focarem demais seus esforços somente nas novidades tecnológicas e devem lembrar que a inovação que interessa é a que traz aumento dos benefícios para clientes e empresas, ou seja, a empresa reduz seus custos e o cliente atende melhor suas necessidades. A isto chamamos inovação de valor, muito discutida nos livros de estratégia atualmente. Ao olhar além das demandas atuais e também de forma diversa o seu próprio mercado, a empresa poderá encontrar novos usos para seus produtos e serviços, e criar uma inovação sem utilização de novas tecnologias. As empresas devem estar atentas às utilizações da biodiversidade em setores não usuais, pois possivelmente o esforço para encontrar uma nova utilização será menor do que a descoberta de um novo produto. As empresas devem buscar a diversidade de pensamentos, por isso, é fundamental que interajam em todos os fóruns disponíveis, pois a inovação procurada poderá surgir sem aviso prévio.

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Estratégias de negócios na área da biodiversidade: articulando com os atores

Conclusão Temos a responsabilidade como País e perante a humanidade de fazermos bom uso do potencial da biodiversidade amazônica. Não devemos esquecer que apenas a conservação ambiental, apesar de não haver contestação que seja fundamental, não é nosso único objetivo. Devemos incluir em nosso pensamento a geração de riquezas como algo tão fundamental quanto à preservação. Transformar a biodiversidade em riqueza ou deixá-la eternamente deitada em berço esplêndido não é algo simples de ser resolvido, porém, ao criarmos leis de utilização restritas, com o objetivo de nos protegermos, acabamos dificultando a geração de valor. Vivemos em mundo globalizado e não podemos pensar localmente. A atração de empresas, investidores e pesquisadores para a Amazônia é condição necessária para que haja a criação de riqueza. Faz-se necessário colocar de lado o discurso etéreo e ingênuo e partir para ações concretas que incentivem os diversos participantes do bionegócio mundial a desenvolver a Amazônia para os amazônicos e para a humanidade.

Alain Pouchucq é Administrador de Empresas, possui mestrado Managment em Empresas Agroindustriais pela ENSAM e é Sócio-Diretor da Cúpula Investimentos. (alain@cupula.net)

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Entrevista

Fitos: PROPOSTAS E DESAFIOS Schubert Pinto

Foto: Cristina Monte

Schubert Pinto: “Durante esses anos observei que as pesquisas científicas não tinham alcance social, destinando-se apenas às prateleiras das bibliotecas das universidades”.

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chubert Pinto é Farmacêutico graduado pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e, em 1978, concluiu o mestrado em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor universitário há mais de 30 anos, Schubert é empreendedor nas áreas fitoterápica e de fitocosmético e desde 1999 é proprietário da Pharmakos D’Amazônia, empresa vencedora na Região Norte do Prêmio Finep 2006 e a única da região a constar no livro “Brasil Inovador”, onde a Finep reuniu 40 histórias de sucesso de empresas que investem em inovação. O pesquisador recebeu a equipe da revista T&C Amazônia para a seguinte entrevista:

Revista T&C - Em que época iniciou-se a sua atuação na área de fitos? Schubert Pinto - Minha atuação na área de fitos iniciou há mais de 30 anos na Universidade do Amazonas, quando comecei a lecionar na área de T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


Fitos: propostas e desafios

Farmacotécnica, tecnologia de fabricação de manipulação de medicamentos todo esse know how trouxe para a Pharmakos D’Amazônia nos segmentos fitoterápico e fitocosmético. Durante esses anos observei que as pesquisas científicas não tinham alcance social, destinando-se apenas às prateleiras das bibliotecas das universidades. Conseguimos, por meio do empreendedorismo, mudar a visão entre a empresa e a universidade, já que anteriormente era quase impossível se falar em parceria entre as duas áreas. Atualmente, essa parceria tem facilitado a liberação de financiamentos na área de fitos por parte da Finep e Fapeam. Revista T&C - Naquele momento, qual era o cenário socioeconômico no Estado do Amazonas? Schubert Pinto - Naquela época, a população de Manaus era de aproximadamente 250 mil de habitantes, a capital era tipicamente “interiorana”. Acredito que a Zona Franca de Manaus estava iniciando suas atividades. O Estado era especificamente extrativista, vendíamos as matérias-primas sem valor agregado, sendo que apenas duas ou três famílias dominavam o setor. Não tínhamos conhecimentos sobre fitoterapia e biodiversidade. Esses assuntos começaram a ser discutidos há cerca de 10 anos pela Natura, após a criação da Linha Ekos. Revista T&C - De lá para cá, quais foram as principais mudanças que intervieram no negócio dos fitos? Schubert Pinto - Atualmente o cenário é completamente outro, ainda não é o cenário ideal, mas, certamente, evoluímos muito. E, temos como evoluir desde que aja ação política dos nossos governantes e que não fique apenas na demagogia. Enquanto isso, o Estado fica com todo o seu potencial que é a biodiversidade subutilizada. Complementando a resposta, sem querer entrar em mérito partidário, o governo Lula tem atuado de forma determinante na área da fitoterapia, pois foi em seu governo que se aprovou a Política Nacional

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de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (Decreto nº 5813/06). Porém, precisamos que a lei seja cumprida na prática. Na lei, há ações estaduais que devem ser implementadas, como a utilização da fitoterapia no Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo. Revista

T&C - Que principais fatores interferem na escolha para o desenvolvimento de novos produtos? Schubert Pinto - Basicamente, todos os nossos produtos são voltados às necessidades dos consumidores. Inclusive é bom destacar que o público masculino é um segmento em ascensão. Hoje, vivenciamos a era do “natural”, do desenvolvimento sustentável, e houve uma significativa mudança cultural que colabora para a utilização dos nossos produtos. O cuidado com os cabelos e com a pele revertem em bem-estar físico e emocional, o que resulta em saúde. Tudo isso faz com que os nossos bioativos, que são os princípios ativos da biodiversidade amazônica, tenham grande aceitação no mercado. Vale registrar que a Pharmakos foi a primeira empresa a lançar o “Ice Gel” e a “Parafina Bronzeadora”, em escala industrial. Revista T&C - Mundialmente, nos últimos anos, a fitocosmética tem conquistado cada vez mais os consumidores, nesse segmento, qual a sua perspectiva futura de negócios e mercado ? Schubert Pinto - Estamos com boas perspectivas para esse segmento. Temos um contrato com o Centro Internacional de Negócios do Amazonas (CIN/AM), onde estamos realizando uma prospecção para exportar para os mercados do Chile, Estados Unidos e Colômbia. A grande questão são as barreiras comerciais, mas no meu caso, os representantes das empresas internacionais ficarão encarregados da tramitação legal, conforme a legislação de cada país.

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Fitos: propostas e desafios

Revista T&C - Na esfera educacional, quais são os principais desafios para os futuros profissionais da área farmacêutica que atuarem com os fitos ? Schubert Pinto - Como a parte de fitos foi desenvolvida recentemente em nosso Estado, acredito que a qualificação seja um dos maiores desafios a serem superados. Poderíamos, por meio de convênios com outros Estados, formar turmas para cursos regionais ou nacionais. Temos uma parte técnica muito boa, como por exemplo o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), ainda “engatinhando”, mas com uma ótima infra-estrutura. Poderíamos lançar o desafio de estimular a Universidade Federal do Amazonas e a Universidade do Estado do Amazonas a criarem um grupo de trabalho responsável pelo desenvolvimento de um plano na área fitoterápica, onde fosse implementada uma política científica para o Estado do Amazonas. Porém, percebo que o grande entrave é a falta de “vontade política”. Revista T&C - Qual gargalo evidenciado na área e como eliminá-lo? Schubert Pinto - A máquina estatal, por intermédio dos órgãos públicos, é o maior impeditivo para a alavancada no setor fitoterápico (biodiversidade). A fiscalização é falha, não há um trabalho de orientação, notificação ou outro similar que possibilite ao empresário se adequar às exigências legais, dentro de um prazo cabível. O empresário tem de estar com todos os processos protocolados nos órgãos competentes, em contrapartida, não tem sequer, datas estabelecidas quanto aos seus resultados. Passam-se meses e anos e não há retorno do andamento dos processos. O que se observa é que não há um órgão municipal, estadual ou federal que defenda os interesses dos empresários ou mesmo dos produtores. Revista T&C - A Amazônia é riquíssima em matéria-prima vegetal, entretanto, até hoje não de-

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senvolvemos uma bioindústria fortalecida na área de fitos. Como podemos reverter vantagens competitivas em benefícios reais sob os âmbitos econômico, social e empresarial ? Schubert Pinto - É importante ressaltar que adquirimos grande parte de nossos insumos (matérias-primas) das cooperativas e de pequenos produtores, como a andiroba do Médio Juruá, a mangarataia do Careiro da Várzea, entre outras. Assim procuramos apoiá-los e fortalecermos a cadeia produtiva. No entanto, devido à biopirataria muitas matérias-primas saem do Estado de forma ilegal, como é o caso por exemplo da unha-de-gato, que sai daqui ao custo de 3 reais vai para São Paulo aonde é pré-beneficiada e segue para os Estados Unidos chegando ao comércio por volta de 50 reais. Ou seja, não há benefício econômico e nem social para o Amazonas. Se tivéssemos um plano para a biodiversidade Amazônica com objetivos, metas e cronogramas poderíamos solucionar parte da problemática. Revista T&C - Há outros projetos na área de fitos em que o senhor esteja envolvido? Schubert Pinto - Estou envolvido em dois projetos: o Projeto Abonari, que mantém o nome da tribo indígena e tem por objetivo realizar o cultivo orgânico de planta medicinal amazônica certificada. O projeto é pioneiro e no terreno, localizado próximo ao km 175 da estrada Manaus-Abonari, serão plantadas cerca de 22 mil mudas de mangarataia, crajiru, amor crescido, urucu e matruz, que são as mais requisitadas pelo mercado. Para a implantação do projeto, aguardo o recebimento dos recursos - da segunda fase - oriundos do financiamento da Finep, por meio do Programa de Apoio à Pesquisa na Pequena Empresa (PAPPE) e do Governo do Estado do Amazonas. A primeira fase do projeto já foi concluída, onde foi realizado um Estudo de Viabilidade Técnico Econômico. Estamos há dois anos com um projeto coordenado por um grupo do qual faço parte e que tem T&C Amazônia, Ano V, Número 11, Junho de 2007


Fitos: propostas e desafios

por finalidade implantar a bioindústria no Estado do Amazonas. Para tanto, aguardamos a regularização de um terreno localizado na Estrada da Cidade Nova que mede aproximadamente 66 mil m² , no qual pretendemos instalar 27 galpões. Este terreno foi doado “verbalmente” pelo governador Eduardo Braga, entretanto, ainda não conseguimos a documentação do terreno. Aguardamos ainda, para darmos continuidade ao projeto, uma verba de descontingenciamento do Governo Federal, gerada pela Zona Franca de Manaus.

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NOTÍCIAS

58º Congresso Nacional de Botânica

Começa em agosto o II Curso de Fitoterapia para Médicos

Estão abertas as inscrições para

A Sociedade Brasileira de

o 58º Congresso Nacional de

Fitomedicina (Sobrafito) promoverá

Botânica, que será realizado de

no período de 03 de agosto de 2007

28 de outubro a 2 de novembro,

à 05 de julho de 2008, o II Curso de

em São Paulo, com o tema cen-

Fitoterapia para Médicos.

tral “A botânica no Brasil: pesquisa, ensino e políticas públicas ambi-

O objetivo do curso é atualizar médicos sobre as particularidades

entais”.

dos medicamentos fitoterápicos, dando a conhecer suas indica-

A programação abordará vários aspectos do campo da botânica no

ções, contra-indicações e interações medicamentosas dentro da

Brasil e em outros países por meio de simpósios, mesas-redondas,

medicina alopática.

conferências, atualidades em botânica, minicursos e reuniões-

O curso é direcionado aos médicos e profissionais prescritores, e o

satélites.

corpo docente é formado por professores da UNIFESP/EPM, USP

A promoção é do Instituto de Botânica de São Paulo (Ibot) e da

e convidados de outras universidades. Mais de 80% possuem titula-

Sociedade Botânica do Brasil.

ção de mestre ou doutor. Serão também convidados alguns professores titulares.

Mais informações: www.58cnbot.com.br fonte - http://www.agencia.fapesp.br/boletim_dentro.php?id=7142

fonte - http://www.sobrafito.com.br

Instituto Butantan inaugura novas instalações do Centro de Toxinologia Aplicada

Anvisa participa de encontro de Farmacopéias no México

Pesquisadores abriram no dia 27

Atendendo a convite da Farma-

de junho uma nova temporada de

copéia Mexicana (FEUM), a

caça a moléculas da biodiversida-

Anvisa marcou presença em três

de brasileira com a inauguração

encontros técnico-científicos que

das novas instalações do Centro

debateram questões estratégicas

de Toxinologia Aplicada (CAT) do Instituto Butantan. O projeto, de

da área da farmacopéia, de 14 a

US$ 7 milhões, nasceu de uma parceria entre a Fundação de

16 de maio, na Cidade do México. O adjunto de diretor, Luiz Armando

Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e quatro labo-

Erthal, representou a Anvisa e a Farmacopéia Brasileira.

ratórios da indústria farmacêutica nacional.

No encontro do Grupo Farmacopéico de Harmonização, pertencen-

Em operação desde 2000, o CAT busca cumprir uma das maiores

te à Rede Pan-Americana de Harmonização da Regulação Sanitária

promessas da ciência brasileira, que é a identificação de moléculas

(PANDRH), os participantes apresentaram relatos da atual situação

naturais de interesse farmacológico a partir das toxinas de espéci-

e de avanços técnicos das farmacopéias mexicana, norte-

es da fauna e flora nacionais. O portfolio desenvolvido nos últimos

americana e brasileira. Também levantaram possibilidades de traba-

sete anos já inclui 11 patentes depositadas e licenciadas para em-

lhos conjuntos entre as instituições.

presas farmacêuticas, que então tentam transformar esse conheci-

(continua)

mento científico em medicamentos de fato. (continua)

Fonte:

Fonte:

http://www.anvisa.gov.br/divulga/noticias/2007/280507.htm

http://agenciact.mct.gov.br/index.php/content/view/44781.html


T&C AMAZÔNIA

AOS LEITORES

Ano V - Número 11 - Junho de 2007 ISSN - 1678-3824 Publicação Quadrimestral da Fucapi - Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica

Conselho Editorial Alessandro Bezerra Trindade Dimas José Lasmar Evandro Luiz Xerez Vieiralves Guajarino de Araújo Filho Isa Assef dos Santos José Alberto da Costa Machado Niomar Lins Pimenta

Jornalista Responsável Cristina Monte Mtb 39.238 DRT/SP

Projeto Gráfico desenvolvido pelo curso de Design de Interface Digital - CESF/ FUCAPI Coordenação de Projeto Gráfico Narle Silva Teixeira Capa e Ilustrações Carolina Azulay de Azevedo Diagramação e Soluções Gráficas Osvaldo Relder Araújo da Silva

As opiniões emitidas nos artigos publicados nesta revista são de inteira responsabilidade dos autores.

T&C Amazônia é uma publicação quadrimestral, criada com o intuito de discutir temas relevantes de interesse do país e, em especial, da região amazônica. Cada edição aborda um tema específico, divulgando o pensamento e os estudos realizados por profissionais da área focalizada. O teor dos textos é de inteira responsabilidade dos autores. Os interessados em publicar seus trabalhos devem encaminhá-los para a secretaria da revista (tec_amazonia@fucapi.br), para que sejam submetidos à análise do Conselho Editorial. O envio de um artigo não garante sua publicação. Os artigos publicados não concedem direito de remuneração ao autor. No próximo número, T&C Amazônia irá abordar o tema - TV Digital. Os interessados em publicar seus artigos no próximo número da T&C Amazônia devem encaminhá-los até o 30.09.07 para o endereço eletrônico mencionado acima. O artigo deverá ser enviado exclusivamente por meio eletrônico, em arquivo texto, digitado em editor de texto Microsoft Word 4.0 ou superior, formatado em papel Carta, com margens laterais de 3,0 cm, margem superior de 3,5 cm, margem inferior de 2,5 cm, fonte Arial tamanho 12 e espaçamento simples. O artigo deve conter um resumo e breve currículo do autor e pode apresentar gráficos e figuras com um tamanho de 4 a 6 páginas.



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