6 minute read

OS DESAFIOS DE SER MAIS BELO

COMO A SUSTENTABILIDADE TEM IMPACTADO OS MODELOS DE NEGÓCIOS DA INDÚSTRIA DE COSMÉTICOS

A marca brasileira Simple Organic foi convidada pela ONU para compartilhar seu case de sustentabilidade na COP27, realizada no Egito.

A SUSTENTABILIDADE É um termo relativamente recente, apresentado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Começou a ser delineado em 1972 na Conferência de Estocolmo e foi cunhado em 1987 no famoso Relatório Brundtland. De acordo com a definição, o uso sustentável dos recursos naturais “deve suprir as necessidades da geração presente sem afetar a possibilidade das gerações futuras de suprir as suas”.

De lá para cá, a sustentabilidade vem ditando regras aos modelos de negócios globais – e a indústria da beleza é uma das mais cobradas a se comprometer com essa prática. As exigências dos consumidores não são mais uma tendência e, sim, um movimento potente. A preocupação vai além dos valores superficiais. Ele exige que as empresas estejam verdadeiramente comprometidas com a causa, sendo, portanto, coerentes e eficazes sem abrir mão da qualidade e da eficiência em seus produtos.

Alinhadas à exigência de consumo, marcas de cosméticos – das novas às já consagradas – traçam estratégias que envolvem a abrangência sistêmica da pauta, buscando implementar processos econômicos, sociais, culturais e ambientais mais sustentáveis. Vale destacar que a indústria da beleza no Brasil é pujante. O país ocupa a quarta posição em pesquisas de cosméticos a nível mundial, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da China e do Japão.

O MERCADO

Os números comprovam a relevância da discussão sobre sustentabilidade para o business . De acordo com o relatório da PwC, até 2025, 57% dos ativos de fundos mútuos na Europa estarão em fundos que consideram os critérios ESG, o que representa US$ 8,9 trilhões. Além disso, 77% dos investidores institucionais pesquisados pela PwC disseram que planejam parar de comprar produtos não ESG nos próximos dois anos. No Brasil, um levantamento feito pela Mor - ningstar e pela Capital Reset aponta que os fundos ESG captaram R$ 2,5 bilhões em 2020.

Pablo Carpejani, professor da PUCPR que ministra disciplinas relacionadas à questão e também coordena uma especialização associada ao tema, explica que a sigla corresponde às práticas ambientais, sociais e de governança de uma organização.

“Os investidores perceberam que essas empresas têm um compromisso maior com a governança e a transparência, tanto no capital fechado quanto no aberto. Eles se sentem mais seguros para investir porque há uma sinalização de que a proteção do negócio é a prioridade”, analisa.

“ESTAMOS LIDANDO COM UM PÚBLICO CADA VEZ MAIS PREPARADO para receber um conteúdo que exige conhecimento aprofundado e específico. Como líderes, temos que atender a essa demanda.”

— Patrícia Lima

O consultor em sustentabilidade corporativa também relata como as práticas ESG podem beneficiar as empresas. Segundo ele, além de indicarem solidez e elevarem a reputação, elas ampliam a competitividade e reduzem os custos. “Em meio às incertezas e à vulnerabilidade do mercado, trata-se de um pilar para gerenciar os negócios. É uma oportunidade de minimizar juros e captar recursos para empréstimos e financiamentos – além de ser um posicionamento estratégico, atraindo nichos de mercado diferentes do convencional”, completa.

O CENÁRIO ATUAL

De startups a multinacionais, a indústria da beleza aposta na busca por essa “consciência coletiva”. As marcas de cosméticos têm investido em inovação – desde tecnologia até treinamentos de funcionários e fornecedores – para minimizar os impactos ao meio ambiente e às pessoas.

A brasileira Simple Organic, lançada em 2017 como uma marca clean beauty , afirma se preocupar com a pauta em todo o processo, desde as matérias-primas até o pós-venda. A empresa possui as certificações PETA Vegan, Cruelty Free, Eu Reciclo e Lixo Zero. “Isso legitima e credibiliza a nossa luta pelos valores da não realização de testes em animais, do respeito às normas éticas e ecológicas, bem como às matérias-primas orgânicas utilizadas na formulação dos produtos”, defende a fundadora e CEO, Patrícia Lima. Com a meta de ser a empresa líder do setor de cosméticos naturais, no último ano, o Grupo L’Occitane contratou pela primeira vez uma profissional dedicada ao tema da sustentabilidade no Brasil. Paula Cremonezzi, gerente de sustentabilidade da empresa, explica que ambas as marcas (L’Occitane en Provence e a L’Occitane au Brésil) buscam desenvolver formulações com, no mínimo, 95% de ingredientes de origem natural e 95% de ingredientes biodegradáveis. Segundo ela, esses são os targets para todos os produtos até 2030. Sendo assim, nenhum microplástico será utilizado nas fórmulas.

Cada vez mais, a mão de obra humana está sendo trocada pela de robôs.

A Simple Organic também se atenta à logística reversa dos materiais. “Coletamos embalagens plásticas em nossas lojas físicas e sempre priorizamos frascos de vidro ou opções de papel reciclado. Também desenvolvemos nossa própria sacola, totalmente solúvel em água, biodegradável e compostável”, cita Patrícia. A empresária ainda comenta sobre os rótulos, produzidos em uma gráfica certificada com o selo FSC, o que garante a utilização de madeiras de reflorestamento.

Para minimizar a produção de lixo, a marca brasileira não utiliza caixas individuais em seus produtos. A alternativa encontrada foi o desenvolvimento de saquinhos organizadores, confeccionados com material recicla - do. Eles podem ser reutilizados de várias maneiras – até mesmo como nécessaire.

Dos ingredientes da fórmula até a embalagem na qual são apresentados, Paula acrescenta que todos os produtos da L’Occitane são desenvolvidos com foco em sustentabilidade. “Nos preocupamos com a reciclabilidade e a fonte (PE Verde, PET Reciclado). Iniciamos um projeto no qual estamos alterando a fonte de material de PET virgem para PET reciclado (mínimo de 25%) e nossas bisnagas (como, por exemplo, do esfoliante de romã) são todas provenientes da cana-de-açúcar”, observa.

DESAFIOS

“Arrumar a casa” é o maior desafio entre a indústria e a sustentabilidade, segundo Carpejani. De acordo com ele, para organizar as práticas de governança das empresas, é necessário fazer um mapeamento com indicadores referentes ao que elas já fazem e relatórios sobre aquilo que ainda não realizam. “A grande dificuldade é incluir as práticas sustentáveis e propor novas ações dentro do planejamento estratégico de negócios, que se trata do gerenciamento de atividades de longo a médio prazo”, afirma.

Projeto Casa de Óleo, patrocinado pela L'Occitane au Brésil para apoiar a estruturação da cadeia produtiva do óleo de patauá em Anajás, Marajó, no Pará.

“AS

Segundo a gerente de sustentabilidade, o Grupo lançou uma frota de caminhões elétricos em que mais de 50% dos produtos são entregues com frota limpa, economizando 10 toneladas de carbono por ano. Ela declara que outros investimentos foram feitos, como a instalação de painéis solares na fábrica de Itupeva e o lançamento do programa Pequenas Grandes Ações de Logística Reversa. “Estamos no caminho de nos tornar uma Empresa B Certificada”, anuncia.

DA BELEZA POSSUEM PRÁTICAS LOUVÁVEIS NO SETOR ESG. As marcas brasileiras são reconhecidas internacionalmente por isso, tanto que são fonte de referência no assunto.”

— Pablo Carpejani

A fundadora da Simple Organic vê a educação de mercado como a grande questão atual. “Estamos lidando com um público cada vez mais preparado para receber um conteúdo que exige conhecimento aprofundado e específico. Como líderes, temos que atender a essa demanda”, afirma Patrícia. Para tanto, a CEO conta que precisou aumentar o time comercial, responsável por fazer o atendimento aos dermatologistas e apresentar informações e testes clínicos aos médicos.

Na avaliação de Carpejani, esses investimentos fomentam a indústria e aumentam a competitividade. O especialista explica que as práticas sustentáveis viram um critério de concorrência, inclusive, para as empresas que estão se inserindo no mercado. “Se eu faço determinado investimento e me destaco pelo diferencial, meus concorrentes precisam se movimentar para se igualarem ou serem superiores a mim”, exemplifica.

Já a gerente de sustentabilidade da L’Occitane aponta a desunião do setor como o obstáculo a ser superado e dá como exemplo a reciclagem – que ainda possui taxas insatisfatórias no Brasil. “Se nos uníssemos em prol das pautas em comum, teríamos uma grande força para impactar o país positivamente”, pontua. Paula defende que, na sustentabilidade, deve haver menos competição e mais colaboração: “já vemos algumas iniciativas do tipo lá fora, como a B Corp Beauty Coalition. Porém, aqui, a questão ainda está bastante vinculada às organizações setoriais”, conclui.

Apesar dos desafios, o mercado tem motivos para comemorar. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), entre janeiro e setembro de 2022, a categoria cresceu cerca de 13,5% em relação ao mesmo período do ano anterior. Ainda de acordo com a entidade, nesse período, houve um faturamento de US$ 128 milhões, exportando produtos para 117 países. Para 2023, a perspectiva é de mais crescimento.

O consultor em sustentabilidade conclui que o saldo é positivo e que os brasileiros podem sentir orgulho das iniciativas cosméticas no país. “As principais empresas da indústria da beleza possuem práticas louváveis no setor ESG. As marcas brasileiras são reconhecidas internacionalmente por isso, tanto que são fonte de referência no assunto”, finaliza Carpejani. x

This article is from: