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O Mundo Sombrio de Sabrina
A hora das bruxas
por VICS (@wondrvics)
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Sabrina Spellman é, sem sombra de dúvidas, uma das bruxas mais conhecidas do entretenimento. É nesse mesmo mundo que vivem outras personalidades, como Samantha Stevens (A Feiticeira), Elvira (Elvira: A Rainha das Trevas), as Irmãs Halliwell (Charmed) ou Hermione (Harry Potter). O que marca Sabrina, assim como as outras, são as histórias em que elas estão inseridas e suas respectivas gerações.
A primeira vez que a personagem, originária dos quadrinhos do universo Archie Comics, foi apresentada para o público mainstream foi na década de 1990. Sob o corpo de Melissa Joan Hart (na época, já muito conhecida por seu papel como a protagonista da série Clarissa Sabe Tudo), Sabrina chegou a televisão como Sabrina, A Aprendiz de Feiticeira.
Adotando um formato de sitcom, o público teve a oportunidade de conhecer e se apaixonar pela família Spellman. Na série, Sabrina é uma garota prestes a completar 16 anos, mas um desconhecido segredo paira a sua existência: ela é uma bruxa, assim como a maior parte de sua família. Com uma mãe mortal na qual nunca pode olhar nos olhos devido uma maldição e com um pai bruxo muito ocupado e viajante, os cuidados de Sabrina ficaram por conta de suas tias paternas: Hilda (Caroline Rhea) e Zelda (Beth Broderick).
Enquanto Hilda é uma mulher de espírito livre e infantil, além de muito brincalhona, Zelda tem um pulso mais firme, mas justo, sendo a figura maternal dos Spellman. Ainda, a família conta com um gato de estimação, chamado Salem Saberhagen (dublado por Nick Bakay), que na verdade é um bruxo sentenciado a passar 100 anos sob a forma de um gato, após tentar conquistar o mundo. Tudo isso é desconhecido por Sabrina até o seu 16º aniversário, quando ela terá a chance de escolher honrar o nome Spellman.
Por ser uma sitcom, A Aprendiz de Feiticeira tem um caráter bastante cômico, com Sabrina passando por diversas enrascadas onde faz o uso de sua recém descoberta magia para se safar. Seu dom também é usado para ajudar seus amigos e até mesmo sua família, ao mesmo tempo em que precisa aprender a história bruxa e ter controle total de sua magia. Para isso, ela conta com a ajuda guiada de Salem, que, embora megalomaníaco e preguiçoso, tem um bom coração. Tia Hilda e Zelda também estão ali para ajudar, ainda que uma vez ou outra causem alguns problemas.
Sabrina, a Aprendiz de Feiticeira durou sete temporadas e 163 episódios, exibidos entre 1996 e 2003, consagrando Melissa e o elenco, que ficaram imortalizado por seus papéis. Desde então, a série é um importante marco das produções adolescentes, fazendo parte da cultura pop (inclusive citando-a diversas vezes ao longo de sua exibição) e sendo celebrado em diversos meios e produções culturais, tendo até mesmo ganhado três telefilmes: Sabrina, a Aprendiz de Feiticeira (1996, como uma base piloto), Sabrina Vai à Roma (1998) e Sabrina Vai à Austrália (1999).
Com o fim da série e cheio de fãs órfãos, a produção continuou ganhando pedidos de uma reunião ou até mesmo novas temporadas, principalmente na atual época de resgate de clássicos que Hollywood está passando. Eventualmente, o pedido foi ouvido, mas com uma condição: este não seria um revival ou remake, e sim um reboot diferente de qualquer coisa já vista.
Sabrina, então, ganhou uma nova vida que seria, inicialmente, utilizada como uma personagem de Riverdale. A série da The CW é uma adaptação dos quadrinhos da Turma do Archie, universo no qual Sabrina está inserida. A produção, que adota um tom mais sombrio e misterioso, estreou em 2016, e, na concepção original, terminaria sua primeira temporada mostrando a jovem bruxa como a grande vilã para o segundo ano. A ideia era que, eventualmente, a personagem viesse a ganhar sua própria série spin-off — plano este que foi deixado para trás, colocando os direitos de Sabrina a venda. Para felicidade dos fãs, quem comprou o uso da personagem foi a Netflix, prontificando-se a criar o seu próprio universo com os Spellman (e, inicialmente, se distanciando do universo de Archie na The CW).
UM NOVO COVEN
O MUNDO SOMBRIO DE SABRINA estreou no catálogo da Netflix no dia 26 de outubro, trazendo 10 episódios com duração média de uma hora cada. Ainda que com um elenco completamente renovado, a nova versão da série, inspirada nos quadrinhos de mesmo nome, traz uma história um tanto semelhante com a da primeira adaptação. Sabrina Spellman (Kiernan Shipka) é uma garota como qualquer outra, prestes a completar seus 16 anos de vida. Mas o que seu namorado, Harvey Kinkle (Ross Lynch), e as duas melhores amigas Rosalind "Ros" Walker (Jaz Sinclair) e Susie Putnam (Lachlan Watson), não sabem é que os Spellman são uma família de bruxos – e ela é uma.
Com seu aniversário a apenas alguns dias de distância, Sabrina precisa se preparar para o seu Batismo das Trevas, um ritual milenar onde bruxas assinam, com sangue, seus respectivos nomes no Livro da Besta, jurando completa devoção à Satã, em troca de poder. Porém, o caso da jovem Spellman é especial: como ela é o fruto de uma relação entre uma mortal e um bruxo, sendo metade dos dois, ao assinar seu nome, ela precisa abdicar de sua vida como humana e, consequentemente, de seu namorado e amigos – algo que a jovem bruxa não está interessada em fazer. Assim, Sabrina precisa encontrar meios de quebrar as regras a seus favor e continuar com sua vida meio imersa no mundo mortal, e meio imersa no mundo de magia.
Órfã dos dois pais, Sabrina é criada por suas tias paternas, Hilda (Lucy Davis) e Zelda (Miranda Otto), donas da Funerária Spellman. Na casa, ainda vive seu primo Ambrose (Chance Perdomo), um jovem bruxo condenado a prisão domiciliar após tentar explodir o Vaticano. Eventualmente, a soma de moradores fica maior, com a presença do familiar Salem, um demônio em forma de gato preto que se voluntaria a ajudar e proteger Sabrina.
Com um enredo quase que familiar para o seu público, O Mundo Sombrio de Sabrina, como já introduz no título, explora de um tom mais misterioso e assustador para dar o pontapé em seu universo. Será comum, para aquele que assiste, ouvir os vários nomes de Lúcifer e uns "Em nome de Satã", ver a Igreja Católi ser chamada de "falsa Igreja" e Deus de "falso Deus", contemplar muito sangue derramado, algumas torturas psicológicas e até mesmo canibalismo. No entanto, as tias Spellman garantem que bruxos da Igreja da Noite não são, necessariamente, maus: eles apenas possuem o livre arbítrio para fazer o que quiserem, sem se arrepender, depois, perante ao falso Deus.
A série, envolta em mistério, tem um excelente ritmo bem compassado para apresentar a mitologia de seu universo. Episódio a episódio vamos descobrindo um pouco mais a regras, leis e literatura que cerca o mundo mágico de Sabrina, ao mesmo passo em que ela vai tomando conhecimento do que significa assinar seu nome no Livro da Besta. Não só a história, mas também temos a oportunidade de conhecer cada um dos personagens mais a fundo (e até mesmo seus respectivos medos).
Sabrina é uma jovem garota cheia de honra e amor por sua família e amigos, determinada a fazer qualquer coisa para ajudá-los ou salvá-los. Ambrose, embora um criminoso no passado, tendo se arrependido completamente do ato, é uma espécie de conselheiro e confidente de sua prima. Hilda é uma figura mais cômica, tendo imensa dificuldade de dizer não à sobrinha, sempre ajudando-a e guiando-a da melhor possível, as vezes até mesmo se questionando se o Caminho das Trevas é o caminho certo. Zelda, por outro lado, é uma mulher completamente devota, determinada a elevar o nome Spellman mais uma vez, carregando o peso de cuidar de toda a sua família e dizer não sempre que achar necessário, governando com um punho justo, mas de ferro.
No meio mortal, Harvey é um garoto talentoso, doce e leal, mas meio perdido e assombrado pela figura de seu pai, do qual detesta, apenas se sentindo conectado ao seu irmão mais velho Tommy (Justin Dobies). Ros é uma garota negra ciente de sua cor e não só da importância do movimento, como do feminismo e da sororidade, estando disposta a lutar pelos seus direitos e ajudar todos aqueles que estão com medo demais para ajudarem a si próprio. Susie possivelmente é uma das personagens mais interessantes da história, com uma construção de caráter que se desmembra um pouco a cada episódio, mostrando justamente a ideia de um processo. A garota é um jovem transgênero que se identifica como garoto, embora nunca tenha falado ou comentado isso em voz alta. Ele se veste como garoto e tenta se portar como um, sendo vítima de bullying por garotos que o chamam de "sapatão" e levantam sua camisa em busca de seios. Susie ainda está se descobrindo e até mesmo passa por alguns problemas, acreditando, em certo ponto, que precisa adotar o papel de menina pro resto da sua vida, afim de evitar ser mandada para um hospício ou até mesmo morrer.
São os amigos de Sabrina que representam o laço que a bruxa tem com o mundo mortal, uma conexão que o próprio Satã quer quebrar em prol de uma profecia que nunca é abertamente contada na série. Para ajudar em seus planos, ele conta com Padre Faustus Blackwood (Richard Coyle), Sacerdote da Igreja da Noite e reitor da Academia das Bruxas, e Mary Wardwell (Michelle Gomez), uma mortal, professora da escola de Sabrina, que foi possuída por um importante demônio, braço direito de Lúcifer.
Embora Faustus trabalhe com a ajuda das Irmãs Sinistras, compostas por Prudence (Tati Gabrielle), Dorcas (Abigail F. Cowen) e Agatha (Adeline Rudolph), Mary age completamente sozinha, apenas com eventuais companhias de seu familiar, um corvo preto. É da personagem de Michelle Gomez que vem, em grande parte, os discursos escancaradamente feministas e icônicos da série. É interessante ver como a produção faz um bom uso de seu espaço para fazer críticas ao patriarquismo, sexismo e ao supremacismo branco, além de outros preconceitos. É comum ouvir, durante a série, críticas aos personagens homens e até mesmo à figura de Satã. Em determinado momento, Prudence comenta que Lúcifer apenas dá duas escolhas às bruxas (liberdade ou poder) por medo do que elas representam – afinal, ele é um homem, e homens morrem de medo do resultado de dar às mulheres controle total de suas respectivas vidas.
O mundo em que Sabrina vive é também controlado por Faustus, outro personagem que acredita ser um Ser Superior não apenas por sua posição de Sacerdote, mas também por ser um homem. Em uma das últimas cenas da série, é possível perceber como o reitor da Academia planeja dar continuidade a sua linhagem apenas pela figura masculina, mantendo o gênero no poder e as mulheres em submissão. É por conta desse posicionamento machista que Sabrina tenta, a todo custo, menosprezar a sua figura e quebrar as regras que ele joga para cima dela, estando sempre com uma pulga atrás da orelha de qual a sua verdadeira agenda.
O Mundo Sombrio da Sabrina faz uso interessante de um cenário e figurino atemporal, capaz de incorporar uma estética anos 60/70, com suas casas e carros, com algumas tecnologias do séculos 21, como iPhones e notebooks. A produção é uma deliciosa, divertida, apaixonante e macabra aventura, dando vida a algo maior do que o esperado pelos telespectadores, que são surpreendidos com excelentes atuações (e química entre o elenco), uma história forte, um roteiro bem amarrado e ótimas referências à cultura pop, como os filmes Os Goonies (1975), O Exorcista (1975), Suspiria (1977) e A Hora do Pesadelo (1984), e até mesmo aos quadrinhos Sandman, que dão origem à série Lucifer e fazem o mesmo jogo de liberdade poética com as histórias da Bíblia. Sendo aclamado pelos críticos e muito bem recebido pelo público em geral, a sua segunda temporada já está confirmada e em estágio de gravação (com seis episódios já filmados). Resta agora esperar 2019 para descobrir as consequências dos chocantes acontecimentos que cercam o episódio final de Sabrina. //