#2
CASAIS QUE COMPARTILHAM a arte, o teto e o afeto
Um conto de fadas da vida real com direito a bruxas, fadas e olhares apaixonados
Dois anos viajando em uma Kombi pelo Brasil, fotografando boas histórias
Um mesmo ateliê e lar há 45 anos, criando diferentes obras
ALIANÇAS NOVEMBRO 2013
ESTIMADO LEITOR
#2 ALIANÇAS NOVEMBRO DE 2013
Os pontos de vista e definições sobre o amor são infinitos. Os poetas buscam um resumo adequado dele há anos. Alguns acham que é júbilo, outros que é apocalipse. Eu prefiro acreditar que amar é criar, é somar duas - ou mais - pessoas em uma só. É mesclar histórias, misturar vidas e, por que não, profissões. Quando um casal de artistas troca alianças, também compartilha as experiências, os pincéis, as canetas, o mouse e os acordes. São desses intercâmbios que surgem impulsos para criar. Muitos dos personagens aqui retratados descobriram talentos adormecidos em si mesmos só depois de conhecer seus amores: caso da escritora Zélia Gattai - e seu duradouro romance com Jorge Amado. Outros relacionamentos, mesmo os breves, são igualmente intensos, como o de Letícia Novaes e Lucas Vasconcellos, do Letuce. Estas e outras apaixonantes histórias estão nas próximas páginas, esperando para serem lidas por você. Vá lá, apaixone-se! Depois nos conte o que achou. Estamos sempre em busca de novas e boas histórias. Bruno Bucis
ZYLIANS EDITORES
Bruno Bucis Isaac Araguim
COLABORARAM NESTA EDIÇÃO
Bosco Lucas Fernanda Botelho Gabriela Miranda Gustavo Rener Jessica Aquino Larissa Corumbá
Maria Clara Oliveira Nana Queiroz Nívea Braga Raila Spindola Polli Di Castro
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
Isaac Araguim
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ZYLIANS
Designer, publicitário e campeão niteroiense de batalhas de ‘sabres de luz’. Acredita no poder das redes sociais e ainda mais no poder da leitura. Um dia será mestre em Semiótica e jogador profissional de pôquer, necessariamente nessa ordem.
Belo-horizontina dona de uma beleza mais ou menos, que queria ser mãe, médica, cantora e cuidar de um jardim cheio de flores. Acabou estudando Design... E gostando! Sempre apreciadora de uma companhia interessante com a cerveja certa. E vice-versa.
Cinéfila inveterada, escritora de pequenas causas poéticas e jornalista em tempo real. Carrego sempre um bloquinho para anotar elucubrações momentâneas. Atualmente ganho meu tempo escrevendo críticas de cinema e contos.
Brasiliense e bacharel em Publicidade. Gosta de aprender e procura sempre estar atualizado. Tem grande interesse por ‘branding’. O hobby preferido dele é sair em busca de cervejas desconhecidas com a sua namorada.
Formada em Desenho Industrial (FATEA – Lorena-SP) e aluna da Pós Graduação em Design de Estamparia (SENAI/CETIQT – Rio de Janeiro-RJ), é só mais uma latina -americana, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vinda do interior.
BOSCO LUCAS
FERNANDA BOTELHO
GABRIELA MIRANDA
GUSTAVO RENER
JESSICA AQUINO
Graduando em Jornalismo. Gosta de conhecer pessoas, suas histórias, seus dramas. Entre suas variadas paixões estão o jornalismo cultural e o literário. Têm livros escritos, mas não publicados, e muitos outros guardados esperando seus “felizes para sempre”.
BRUNO BUCIS
ISAAC ARAGUIM
Publicitário que já quis ser ator. Meio goiano, meio brasiliense. Gosta de fotografia, design, texto e marketing. Mesclou tudo isso às paixões pelo mundo editorial e cultura brasileira e idealizou o projeto-piloto da Zyl. Não entende muito bem o conceito de “óbvio”.
LARISSA CORUMBÁ
MARIA CLARA
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Curitibana, com sotaque nordestino. Hoje anda perdida por Brasília. Gosta de fazer um pedido para a primeira borboleta que encontra voando por aí. Enquanto lê Schopenhauer, seu fone de ouvido toca Magníficos do Forró no último volume.
Recém-formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, pela Católica de Brasília, Lê tudo o que entra em seu campo de visão e tem a mania de procurar um lado bom mesmo nas piores coisas do mundo.
Já se sentia jornalista desde se lembra. Graduada pela USP e especialista em Relações Internacionais, pela UnB. Tem uma paixão incontida por assuntos que envolvam Direitos Humanos e outra ainda maior por histórias de gente.
Redatora publicitária, com mestrado em Interações Midiáticas pela PUC-MG e professora universitária no IESB. Ama escrever, ensinar e aprender em suas mais diversas formas. Está sempre pronta para o que der e vier.
Artista visual goiana com foco em audiovisual. Sedenta por comunicação e cultura e pesquisadora de mídias digitais. Pedala por mobilidade urbana e sabe reconhecer valores naturais e humanos. Faz poesia do cotidiano no Instagram.
Estudante de jornalismo, espectadora fiel de canais do Youtube e curiosa sobre pessoas e histórias. Gosta de videogames e livros de ficção fantástica e científica. Veio ao mundo para ver o circo pegar fogo. Sério.
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SUMÁRIO
ADRIANA E MARCELO (MATRAKABERTA)
LETÍCIA E LUCAS (LETUCE)
08
CANDINHO E INÊS
18
24
FRANCO HOFF E INÊS CALIXTO
32
JORGE AMADO E ZÉLIA GATTAI
EME VIEGAS E JAQUE BARBOSA
42
JOÃO FELLET E NANA QUEIROZ
52
54
CÉLIA E DARLAN ROSA
61 4 | 5
GALERIA
‘2Minds Ego’
Apesar dos nomes pomposos, os ilustradores Luiza McAllister e Thiago Lehmann nasceram no Rio de Janeiro. Eles se conheceram como estagiários na mesma empresa, onde começaram a namorar e a criar juntos. Os dois montaram o estúdio 2Minds de design e arte conceitual há três anos, onde um desenha, o outro pinta e vice-versa.
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REPRESENTAÇÃO
O casal Adriana Maciel e Marcelo Tibúrcio vão mudando a própria rotina ao sabor das fábulas ALIANÇAS NOVEMBRO 2013
I
O encontro
Texto e visual | Larissa Corumbá Visual | Lucas Bosco
C
omo todas as histórias que valem a pena ser contadas, esta começa com um “era uma vez”. Era uma vez uma mulher muito bonita, alegre e falante. Certo dia, ela estava em uma festa de igreja, despretensiosa.
Enquanto curtia a música e conversava com os amigos, um rapaz alto e moreno se aproximou dela. E, como nas histórias que ela gostava de ler, a bela mulher se apaixonou imediatamente por ele. E ele por ela. Em um espaço de tempo de apenas três meses, os dois se conheceram, namoraram e casaram. Foi assim que Adriana conheceu seu príncipe encantado Marcelo.
“Nem que quiséssemos arranjaríamos uma desculpa para não nos casar” Marcelo Tibúrcio
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REPRESENTAÇÃO
II
A mocinha, a bruxa, a fada e tudo mais
“Eu queria uma palavra que soasse como um trava-língua e mostrasse como eu gosto de falar. Foi assim que nos batizamos de ‘Matrakaberta’” Adriana Maciel
A
driana Maciel e Marcelo Tibúrcio se casaram em 2001. Juntos eles se tornaram contares de histórias em 2003 e isto é culpa de Adriana. A professora formada em Pedagogia percebeu que não se sentia à vontade na sala de aula, cheia de regras e calendários a cumprir. Ler para as crianças era o que a deixava realizada de fato. Ela descobriu isso ao substituir por algum tempo a bibliotecária da escola. Adriana adorava descobrir as histórias escondidas nos livros esquecidos naquelas prateleiras. A professora, então, tornou-se princesa, saci-pererê e dragão aos olhos de seus alunos. Mas isso não
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durou muito tempo. Logo a bibliotecária retornou para lhe tomar o trono e ela teve que voltar a dar aulas. Distante do mundo encantado das fábulas, a realidade se fez presente. A tristeza começou a se manifestar no corpo de Adriana. Ela apresentou sintomas de fibromialgia, uma síndrome que sensibiliza as articulações, os músculos e os tendões, o que a impossibilitaria de lecionar. Mas para ela, o aprendizado não é feito só em quadros negros e tarefas de casa. Depois de haver sido orientada a trabalhar com o que gostava, Adriana voltou à delicada tarefa de contar histórias para crianças na biblioteca da escola.
III
BRUNO T[ECIO
Uma matraka é aberta
A
-paixão por narrar o que havia lido nos livros era tão grande, que Adriana resolveu que também deveria estendê-la para fora da escola em 2003. Como a boa contadora de histórias que era, fez com que seu marido, após dois anos de contos maravilhosos, também se apaixonasse pela representação. Marcelo abandonou a faculdade de Educação Física para que, junto da esposa, pudesse despertar o prazer e o hábito da leitura em crianças, a partir das lendas. Foi assim que nasceu o ‘Matrakaberta’. O grupo de contadores de história composto por Marcelo, Adriana e os bons livros do mundo, tem como missão espalhar
o amor pela literatura aonde quer que hajam crianças. É ela quem explica o nome do grupo: “Certa vez eu vi uma apresentação de um coletivo de palhaços chamado ‘BocaemBoca’. Assim mesmo, tudo junto. Achei o máximo. Quando resolvemos montar o nosso grupo eu fiquei brincando com as palavras até encontrar uma que nos definisse. Queria uma coisa que soasse como um trava-língua e que, ao mesmo tempo, mostrasse o quanto eu gosto de falar. De repente, eu falei matraca aberta. O Marcelo gostou e me lembrou da ideia de juntar tudo em uma palavra só. Foi assim que surgiu o ‘Matrakaberta’”.
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REPRESENTAÇÃO
IV
O príncipe sem cavalo
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príncipe encantado de Adriana não tem cavalo branco, mas tem um violão. Marcelo também é professor, leciona musicalização infantil em escolas particulares. No ‘Matrakaberta‘ usa canções e técnicas de recreação para interagir com a criançada. É ele quem instiga os pequenos com perguntas sobre o andamento da narrativa, quem engrossa a voz para colocar mistério nas histórias e que é capaz de fazer a criançada cair na gargalhada com um agudo tocado no violão. Marcelo é responsável por toda a parte sonora do espetáculo que reúne as notas tiradas do instrumento musical e as músicas
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interpretadas nos intervalos entre as histórias. A música entrou na vida de Marcelo na época em que ele ficava de guarda no Exército. O tempo livre em excesso fez com que ele procurasse alguma coisa para se distrair. As revistas de cifra foram a solução para o tédio. Como no Exército não tinha violão, Marcelo praticava o instrumento imaginário em um cabo de vassoura. Ele só conseguia produzir sons “audíveis” quando tinha dispensa das Forças Armadas e podia exercitar seu talento na igreja. Desde então, Marcelo nunca mais se separou da música. O violão, a caixa de som e a pasta de cifras sempre o acompanham.
V
O grupo de dois
“A gente pode estar bravo um com o outro, Mas na hora das apresentações, a gente se entende” Adriana Maciel
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o começo do Matrakaberta, o casal tentou incluir outros integrantes nas apresentações, mas a ideia não deu certo. Com os outros não havia a mesa sintonia que eles tinham entre si. O grupo permaneceu sendo o casal Marcelo, Adriana e os personagens que neles habitam. O casal garante ter uma interação muito forte nos palcos. “A gente pode estar bravo um com o
outro. Mas na hora das apresentações, a gente se entende”, conta Adriana. Para ela, o sucesso do grupo está na simplicidade. As fábulas são contadas sem o uso de muitos recursos visuais, para que a criança preste atenção na história e não nos contadores. Assim, os pequenos podem exercitar a criatividade para imaginar como os personagens que estão “falando” seriam.
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REPRESENTAÇÃO
VI
As histórias encantadas
O repertório do Matrakaberta é composto por histórias de Bia Bedran, Ana Maria Machado e contos de fada adaptados para o cotidiano brasileiro.
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grupo trabalha com estratégias diferentes em cada faixa etária para prender a atenção dos pequenos. Com crianças de dois e três anos, por exemplo, as apresentações possuem maiores recursos sonoros, a fim de que haja maior envolvimento entre contadores e plateia. Adriana diz que, para crianças de quatro a sete anos de idade, qualquer história é boa pra prender a atenção, mas com os maiores é diferente. Narrar para crianças a partir de nove anos de idade é desafiador na visão dela. “Eles dizem que não gostam de ouvir e que história é coisa de criancinha. Mas quando eu conto história de bruxas e seus feitiços rimados, a audiência é garantida! É ótimo perceber que a literatura ainda consegue chamar a atenção do público infantil”, diverte-se. O repertório do ‘Matrakaberta’ é composto
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por histórias de Bia Bedran, Ana Maria Machado e contos de fada adaptados para o cotidiano brasileiro. Os contadores de história dizem que na hora da apresentação parece mesmo que um feitiço une eles e o público. As crianças querem saber o final da história e os pais lembram de que um dia também já foram pequenos. É esse “encantamento rejuvenescedor” que garante que uma sessão do grupo seja tão bem aproveitada por papais, quanto pelos pimpolhos. Adriana conta que uma vez, logo após terminar uma apresentação, uma senhora de idade veio cumprimentá-la e dizer que tinha gostado muito do trabalho da dupla. Ela disse haver se lembrado da infância, tempo em que a prática de contar histórias era muito mais disseminada. “Adulto também gosta de ouvir história!”.
VII
É hora do show
“Eu sou o Marcelo. Essa é a minha esposa Adriana. Eu e ela. Ela e eu. Somos o grupo Ma-tra-ka-ber-ta!”
“G
osto muito de você, Leãozinho, caminhando sob o sol...” Sentado em um banquinho, Marcelo, usando uma roupa artesanal de algodão cru, começa a cantar e dedilhar ‘Leãozinho’, de Caetano Veloso. A música indica que a apresentação começou. Devagarzinho, criancinhas acompanhadas por mamães, papais, titios e vovós, aproximam-se e sentam-se no chão, pertinho do casal. Ao final da canção, todos se mostram ansiosos para que Adriana, caracterizada como boneca e cheia de colares coloridos, comece a contar histórias. Ela inicia o espetáculo disparando um trava-língua que arranca gargalhadas imediatas dos pequenos e a admiração de seus respectivos pais. A seguir, é a vez dele fazer as apresentações: “Eu sou o Marcelo. Essa é a minha esposa Adriana.
DIVULGAÇÃO
Marcelo Tibúrcio
Eu e ela. Ela e eu. Somos o grupo Ma-tra-ka-ber-ta!”. Adriana tem a responsabilidade de encantar a plateia com a narração dos contos, acompanhada do violão do marido. A magia vai se formando conforme eles visitam o lado mais fantástico da nossa literatura infantil. Ao final do espetáculo, o aplauso é inevitável. As crianças distribuem beijos estalados e abraços apertados na dupla, como um sinal de que as histórias fizeram sucesso. Os adultos também vão cumprimentar Marcelo e Adriana, sem se intimidar em dizer que o trabalho do casal foi muito bem realizado. Adriana garante que nada é mais gratificante para ela do que contar histórias. “A literatura provoca amor, ódio e inveja no homem. Nossa arte permite mexer com esses sentimentos!”.
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REPRESENTAÇÃO
VIII
A mágica dos livros
“A literatura provoca amor, ódio e inveja no homem. Nossa arte permite mexer com esses sentimentos!” Marcelo Tibúrcio
Painel interativo
M
arcelo e Adriana acreditam que a literatura tem o poder de mudar a vida das crianças. Por isso, definem o trabalho do contador de história como uma ponte que liga o mundo real a um outro cheio de sonhos e emoções diferentes, que podem libertar os pimpolhos dos problemas que eles têm de enfrentar. Os livros também os ajudam a perceber a vida de uma maneira mais mágica, mais própria da idade que têm. O objetivo do casal ao narrar as fábulas é transportar as crianças para mundos que são sonhados pelos escritores, juntando a ancestralidade de contar histórias e de falar com aquilo que há demais profundo e visceral num ser humano: a capacidade e a necessidade de imaginar!
E que continuem felizes para sempre... ALIANÇAS NOVEMBRO 2013
SOM
Q
K ALIANÇAS NOVEMBRO 2013
Os desconhecidos reis de Manaus Candinho e Inês são os cantores mais famosos da música amazônica. As celebridades do Norte, porém, são pouco prestigiadas no restante do país
Texto | Bruno Bucis | Raila Spindola Visual | ISAAC ARAGUIM
O “É UM DESAFIO TRABALHAR COM A ARTE, JÁ QUE ESTAMOS LONGE DOS GRANDES CENTROS CULTURAIS. CONSEGUIR MANTER UM TRABALHO POR 30 ANOS, É UMA GRANDE CONQUISTA” Maria Inês Pacheco
s músicos amazonenses se curvam diante de João Cândido Rodrigues, o Candinho, e Maria Inês Pacheco, a Inês. Se você não mora na quente e chuvosa Amazônia, provavelmente nunca ouviu falar deste célebre casal. Pois saiba que estes músicos regionalistas são cidadãos honorários de Manaus, jurados do prêmio de música da cidade e seu maior sucesso, ‘Renovação’, é segunda música mais tocada nas rádios do Amazonas. Os poderes da coroa, porém, são muito restritos. Como a maioria dos artistas brasileiros, mesmo com carreira consolidada, eles são obrigados a manter uma dupla jornada para se sustentarem. “É um desafio trabalhar com a arte, já que estamos
longe dos grandes centros culturais. Já conseguir manter um trabalho por 30 anos, é uma grande conquista”, disse Inês. Se mesmo coroados ainda é difícil, no começo da carreira, então, era quase impossível. Religiosa, fiel de Nossa Senhora das Graças, Inês ofereceu primeiro seus cantos à Igreja. Já Candinho, poeta desde menino, descobriu que seus versos rimavam muito melhor quando aos sons do violão. Os dois se conheceram em 1982, ao se apresentarem no Festival de Música da Ufam. Ele ofereceu a ela uma canção de presente, encantado com a bela voz da moça que acabara de encontrar. Foi assim que Candinho conquistou o 1º e também o 2º lugar do prêmio, com as músicas ‘Loucos Animais’ e ‘Seu moço’, respectivamente. Foi ali que começou a parceria entre os dois e o amor também.
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VIDEOCLIPE Clique para assistir a “Farois”, um dos sucessos de Candinho e Inês.
Muito talento, pouca ajuda
“A BOA MÚSICA TEM DE ENTRAR NO UNIVERSO INTERIOR DO HOMEM, RETRATANDO SEUS CONFLITOS, SUAS PAIXÕES E SEUS SONHOS DE LIBERDADE” João Cândido Rodrigues (Candinho)
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Começaram a namorar e seguiram com suas carreiras. Candinho fazia seus poemas, enquanto Inês interpretava e dava musicalidade para as canções dele. O reconhecimento do trabalho era constante. Dando voz às letras do poeta de sua vida, Inês voltou a ser premiada no Festival Universitário de Música de 1985 e de 1987. Ele ganhou honrarias como poeta em 1984 e em todas as décadas seguintes. O problema foi o incentivo financeiro, que nunca veio. Mesmo hoje, com mais de 30 anos de carreira, Candinho e Inês têm de trabalhar em empregos paralelos para conseguirem se sustentar. Ela é professora de escolas primárias durante o dia. Já ele trabalha como bancário na Caixa Econômica Federal. Mesmo tento lotado os 700 lugares do Teatro Amazonas por três vezes, foi com o dinheiro obtido destes empregos que o casal criou seus cinco filhos. Os dois, porém, tentam conciliar seus trabalhos com a arte que fazem com maestria. Inês usou
sua influência como professora para fundar o Espaço Cultural Moronguetá, em Manaus, no bairro da Betânia, em 1994. A cantora sonhava que aquele espaço pudesse ser um templo para apresentações musicais, exposições de artes plásticas e performances de teatro. Abrindo, assim, espaço para que as crianças da comunidade pudessem aprender com as artes. Ela só não esperava que a busca por novos talentos fosse acometer ela também. Por influência de seus alunos, em 2002 ela estreou como produtora cultural. Como não poderia deixar de ser, suas peças refletem a riqueza das tradições e das artes do Norte. A apresentação de estreia, ‘Pássaro, Canto e Cativeiro’, foi inspirada na obra do cantor e compositor amazonense Antônio Pereira, escrita por Ana Teles, também amazonense, e dirigida pela atriz e historiadora de Manaus, Taniouska Souza. “Participo de movimentos como estes por que acredito na arte como instrumento de transformação da sociedade”, afirma Inês.
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A arte a dois
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A valorização tanto da fé quanto do povo amazonense está sempre presente nas obras da dupla. “A boa música tem de entrar no universo interior do homem, retratando seus conflitos, suas paixões e seus sonhos de liberdade”, devaneia Candinho. Viver de arte no remoto Amazonas lhes foi impossível, mas o artista nunca desistiu de seu sonho. “Sempre tentamos exportar o que produzimos para o Brasil”, brinca. Atualmente, a dupla trabalha na divulgação do DVD ‘Em Cada Palmo Desse Chão’ a nível regional e não quer parar por aí. “Nossas músicas falam de cidadania, preservação, mas principalmente de esperança. Levar
nosso trabalho para todo o Brasil é sempre uma motivação”, diz Inês. Mas o que parece mesmo ser a motivação dos artistas é o amor que nutrem um pelo outro. Em todas as fotos, todos os vídeos há uma cumplicidade e uma sintonia entre os dois que diferencia eles de um simples grupo de intérpretes. Candinho e Inês não vivem de arte, mas vivem por ela. Os poemas e as canções dele foram feitos propositalmente para a voz dela. Inês parece ter nascido com o objetivo único de cantar e dar vida às composições de seu marido. É como dizem na letra de ‘Canção’: “Minha canção me toma como quem me abre as asas e voa, voa”.
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ANA ALEXANDRINO
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Entre quatro paredes deixaram de caber duas pessoas, mas ainda há espaço para uma carreira em
DIEGO CIARLARIELLO
comum
Texto | Gabriela Miranda Visual Jessica Aquino | Polli di Castro
Ela ficou impressionada ao se conhecerem, ele ficou chocado. O amor, então, surgiu.
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rabalhar e acordar junto é parte da rotina de quem vive como casal e compartilha uma carreira. Mas, quando o relacionamento termina, fecham-se várias portas. Com muito respeito e carinho, ainda é possível deixar algumas janelas abertas. Por uma delas é possível ver a amizade, após quase seis anos de união, entre dois artistas que compõem uma família chamada Letuce. Uma composição que foi além da musical e que continua mesmo depois de uma separação entre a vocalista e compositora, Letícia Novaes, e o guitarrista e compositor da banda, Lucas Vasconcellos.
De acordo com Letícia, foi a empatia musical que gerou o interesse entre os dois no dia em que se conheceram. Numa festa, Lucas começou a tocar pagodes no violão com novas roupagens e Letícia sabia todas as letras das canções. Ela ficou impressionada, ele chocado. O amor, então, surgiu. Já no primeiro dia, em meio ao assombro e ao interesse, eles improvisaram e compuseram a primeira música juntos. Esse foi o começo de uma parceria romântica e musical, que gerou uma intimidade maluca e extremamente profunda entre eles. Por terem a banda como “bem em comum”, essa proximidade só cresceu ao invés de se dissipar com a separação. “Fomos amores da vida. Nosso casamento acabou, mas não somos gavetas, do tipo ´agora só teremos uma dinâmica profissional’”, argumenta ela com sua risada retumbante. 24 | 25
ANA ALEXANDRINO
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Trabalho na cama e no palco Mesmo tendo projetos pessoais, as atenções dos dois estão voltadas para a carreira que mantém em conjunto e para o terceiro disco que têm em vista. “Convivemos bem e mal, como todos os amigos. Fase grudados, fase de bode, mas sempre com toda aquela carga emocional da bagagem do amor que ainda sentimos. Não sabemos definir o que é, a não ser que é profundo”, diz Letícia. Ter um trabalho em comum com alguém que compartilha - ou, no caso, compartilhou - da sua intimidade, traz benefícios, mas pode também trazer dificuldades. Não é raro ter de levar trabalho para casa de vez em quando. Mas quando se é um casal, com um projeto tão grande, e uma só cama, às vezes o espaço fica um pouco espremido com tantas demandas cotidianas. Para Letícia, não existem regras nesse sentido. “A gente vivia junto e, às vezes,
depois de um show, calhava de levar trabalho pra cama. Às vezes o que saía dali era bom, às vezes não”, pondera. Como ela mesma diz, tem quem goste de estar perto 24h por dia e há quem tema essa proximidade constante, por isso mesmo não dá para generalizar.
No palco sempre foi fácil perceber a conexão do casal e isso nunca mudou. Assistir aos shows da banda é como presenciar uma conversa apaixonada se desenrolando e te enrolando para junto deles. “Nosso amor ultrapassou o palco. Ainda temos muita interação e intensidade nele. Inclusive, o palco cura, de certa forma, qualquer tipo de dor de saudade que volta e meia sempre bate. A arte é sempre uma salvação para um coração partido”, destaca a vocalista.
A convivência sem o amor Quando o assunto é criar música, não existem costumes ou métodos de trabalho. Para eles, a música é um “troço livre” e é legal não ter “uma série de manias nesse aspecto”. De acordo com a vocalista, ainda acontece, como na
primeira noite, de improvisar uma música no violão: Lucas tocando e Letícia pegando uma poesia esquecida no diário dela. Mas não existem regras definidas para as composições e nem sempre elas são conjuntas. Têm vezes que um chega com a letra, a melodia e ideia de arranjo prontas. E vice-versa. Na hora de tomar as decisões, porém, os dois têm o poder de escolha. Mesmo que ela e Lucas tenham mais voz, por terem criado o grupo, cada vez mais os músicos se metem nessas decisões e isto, para Letícia,
“FOMOS AMORES DA VIDA. NOSSO CASAMENTO ACABOU, MAS NÃO SOMOS GAVETAS, DO TIPO ‘AGORA SÓ TEREMOS UMA DINÂMICA PROFISSIONAL” Letícia Novaes é bastante saudável. Segundo a vocalista, a afinidade e entrosamento entre os cinco membros da banda alcançou um alto “estágio telepático uns com os outros”. Só que no caso de dúvida entre os dois, quem desempata é o Lucas. “Eu acabo cedendo, sempre cedi. Acho que ele é mais esperto que eu. Eu sou meio doida, não regulo tão bem assim”, relativiza. Entre letras poéticas que brincam com a sonoridade das palavras e com as figuras de linguagem, a banda faz muitas experiências sonoras. É assim que as músicas fluem com maior personalidade. Os vídeos caseiros para divulgar as canções que criam são parte da identidade do Letuce. As cenas têm um cenário doméstico e fogem dos clipes usuais. “Eu tinha muitos vídeos da nossa vida cotidiana, e daí quando comecei a fazer os clipes, pirei nessa estética”. Letícia diz ainda que foram os vídeos caseiros que os tornaram famosos, não aqueles oficiais, que são criados com roteiros e direção planejados.
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LeTíCIA, POR LUCAS
“Acho o Lucas bem genial. A forma como a cabeça dele funciona, tem um delicado equilíbrio entre técnica, coração e inspiração. O Lucas, ele não desiste, isso pode ser ruim, mas também pode ser ótimo. Porque eu acredito que algumas músicas podem, sim, serem jogadas fora: ele vai até o fim. Aprendi muito com isso.”
ANA ALEXANDRINO
“Admiro a Letícia escritora, a poesia crua e definitiva dela. A música e o texto da Letícia chegam pra colocar tudo o que havia antes no limbo do mais ou menos. O texto poético dela é absoluto. É a presença de palco, é o jeito de olhar o público quando se está em cena. É muito claro que a Letícia está inteira ali, quando canta. Cada pedaço do corpo e da cabeça dela pertencem àquele lugar. Ela se conecta. E o público se magnetiza por essa conexão.”
LUCAS, POR LETÍCIA
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ANDREA POSSAMAI MARINA AZEVEDO
Para animar o público, a dinâmica dos shows da banda tem como regente os cabelos ANDREA POSSAMAI
esvoaçantes de Letícia, seus pulos e gritos. Letuce é um espetáculo vivo, onde ninguém pode sair menos feliz do que chegou.
Homenagem aos ídolos Não há um repertório padrão. Letuce segue vontade própria e a banda incrementa as músicas como uma maneira de interagir com o público. Letícia cita como exemplo o show em que reproduziram uma música do Vinícius de Morais, ‘O Que Tinha de Ser’, cantada por Maria Bethânia. Eles apenas apertaram o play e ficaram olhando a plateia e a plateia encarando de volta. O objetivo era só escutarem juntos aquela música, interagirem.
A performance da banda só evidencia esse jeito fora do comum deles. Eles contam com o vestuário sempre marcante e a presença de palco dos grandes cabelos acastanhados de Letícia, que não se seguram por muito tempo presos. De certa forma, ela tem mais liberdade para se espalhar no palco. É com as
“ACHO QUE ELE É MAIS ESPERTO QUE EU. EU SOU MEIO DOIDA, NÃO REGULO TÃO BEM ASSIM” Letícia Novaes
grandes e ágeis pernas que ela unifica os integrantes, correndo de um lado para o outro do palco, fazendo da banda um organismo pulsante.
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RENATO DAMIÃO
SOM
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“A arte é sempre uma salvação para um coração partido” Letícia Novaes
Letuce saiu em turnê para o lançamento do segundo disco ‘Manja Perene’, em julho deste ano, em Portugal. O cenário e o confinamento dos cinco, todos na mesma casa à base de bons - e baratos - vinhos, gerou novas músicas e muitas experimentações. Precisa dizer que viagem foi um dos pontos altos da carreira da banda?! Da viagem, cada um trouxe de volta um souvenir tenha sido, no sentido figurado ou real, representante da turnê. Lucas diz ter trazido o espírito do fado. Ele afirma que a maravilha estética que esse estilo impõe não irá sair da música dele. Além disso, como colecionador de instrumentos musicais típicos, não pôde resistir e comprou uma guitarra portuguesa tradicional. Letícia é que diz não ter comprado muita coisa. Mas, segundo ela, trouxe um caderno de adesivos bem divertido e raro, além de carregar consigo a língua portuguesa de lá, a maneira como eles se comportam ao utilizá-la, de maneira engraçada e poética. De volta ao Brasil, as vidas de Letícia e Lucas seguem no ritmo plácido e ao mesmo tempo animado do som da banda. E a música deles continua lhes rendendo frutos. O que muda e o que fica igual depois desse romance dinamizado? Talvez agora, que só existam duas camas, em vez de uma só, sobre mais espaço para o trabalho.
POLLI DI CASTRO
Um país de experiências
Painel interativo
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IMAGEM
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Um casal de fotógrafos sai em viagem para descobrir o país e, entre uma cidade e outra, os dois acabam encontrando a si mesmos e à beleza da nossa pátria
Texto | BRUNO BUCIS Visual | GUSTAVO RENER | Isaac Araguim
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as histórias infantis de Lewis Carroll, Alice cai em um buraco e vai parar em um mundo totalmente novo. Já na vida real, a Alice caiu de buraco em buraco por estradas Brasil afora, entrando em uma roubada pra sair de outra e pingando de cidade em cidade a fim de visitar lugares fascinantes. Esse é o conto de Alice, a intrépida Kombi que rodou o país, pilotada por um casal de fotógrafos mais corajoso ainda, Franco Hoff e Inês Calixto.
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IMAGEM
Em 2010 a dupla decidiu trocar a residência fixa e a carreira estável em São Paulo pela grande aventura de desbravar o interior do Brasil. E não era só pela viagem que eles estavam interessados, mas também pelas pessoas que encontrariam pelo caminho. Eles decidiram ir até o interior mais remoto do país para transmitir o amor que tinham pela literatura, pela fotografia e por difundir a cultura brasileira. Foi para seguir este sonho idealista que Alice, a primeira Kombi, entrou na vida deles. O carro havia sido adaptado pelo proprietário anterior, em 2008, e se tornou o domicílio móvel de Franco e Inês por dois anos. É ela quem explica a relação deles com o carro: “a Alice não era nossa filha, mas o nosso útero, o nosso aconchego e nosso lar”.
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Revisão do carro e da vida
“Tudo o que nós tínhamos era uma Kombi, um amor e um sonho” INÊS CALIXTO
“Estávamos no começo de nossa relação e quisemos apostar na possibilidade de sermos felizes vivendo do que gostamos de fazer, embora isso tenha significado reorganizar nossa vida”, conta Inês. Alice veio como a resposta para o desejo dos dois de liberdade e de aproveitar melhor a vida. Franco e Inês deram a partida no carro em 2010, mas para viver a aventura foi necessário muito planejamento prévio. Em 2009, aos poucos, eles começaram a empacotar a vida em caixas. Essa foi a maneira que encontraram de se despedir da rotina em que viviam, já que não poderiam, na verdade, levar nenhum daqueles pacotes. “Queríamos aprender a viver com menos”, diz Inês.
Dezembro de 2009 foi o mês mais intenso dos preparativos. Alice estava recebendo as últimas modificações, tais como o conserto do toldo, em que as crianças seriam recebidas, e sendo adesivada para ganhar o visual que daria à simpática Kombi o jeitão de um “carro-bandeirante”. O casal também se preparava: tentavam convencer os parentes de que aquilo não era uma loucura, planejavam os últimos ajustes nas rotas da viagem e entravam em contato com as secretarias de cultura dos estados e municípios em que iriam passar, em busca de apoio. “Na verdade, para planejar o roteiro, nós escolhíamos os lugares mais afastados possíveis e as piores estradas”, brinca Franco. Mas, mesmo com todo o planejamento, eles foram pegos de surpresa muitas vezes. O país que os esperava era bastante diferente do visto nos mapas.
Um Brasil inteiro de histórias O Brasil é o quinto maior país do mundo, mas talvez o primeiro em número de contrastes. Durante dois anos o casal documentou a vida das pessoas comuns de 21 estados diferentes e aprenderam seus hábitos mais interessantes. Nem assim eles acham que conheceram todas as nuances do nosso país. “Existe um Brasil imenso, mais profundo do que onde conseguimos chegar e que queremos conhecer um dia”, anseia a fotógrafa Inês Calixto. E olha que o mapa do Brasil deles ficou bastante riscado. Os dois conheceram das cavernas rupestres da pré-história até as mais modernas estruturas arquitetônicas. Passaram do Parque Nacional da Capivara, no Piauí, até a capital federal, no centro-oeste do país (confira o roteiro completo da viagem na página 38).
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Passaram por quilombos desconhecidos e por aldeias distantes para incentivar uma inserção cultural destas comunidades. Usaram da literatura, da fotografia e dos contos infantis encenados pelo boneco Chico para cumprir com este objetivo. E alcançaram os resultados. Os membros de aldeias xavantes e dos vilarejos do sertão, as crianças que não falam português e os mais velhos, que insistem em ditados mortos, conheceram pela primeira vez seu reflexo imortalizado pelo flash de uma câmera fotográfica. Entre uma aventura e outra, Inês e Franco também se descobriram por meio de muitos outros flashes.
“Viajar é sempre um mergulho para dentro de si mesmo” INêS CALIXTO
Roubadas e divertimentos Diz a sabedoria popular que os amores mais fortes são aqueles que conseguem superar as dificuldades e mesmo assim continuam existindo. Talvez, então, para a sorte de Franco e Inês, as dificuldades passadas durante a viagem não foram poucas. No tempo em que estiveram na estrada sofreram na pele com a falta de infraestrutura do nosso país. Foram tantos os apertos que passaram juntos que decidiram criar no blog deles uma seção dedicada a contar exclusivamente essas histórias.
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E não faltou material para eles nessa parte do projeto. Tiveram disenterias constantes com os diferentes temperos que experimentaram na estrada.
Ainda no quesito comida, em alguns restaurantes chegaram a pagar 20 reais por uma simples porção de arroz branco. Outra história que contam é que, ao tentar cozinhar perto de um cemitério em Minas Gerais, depois de ouvir histórias de assombrações zombeteiras, fugiram espantados assim que perceberam que a dúzia de ovos que tinham comprado havia apodrecido. Os problemas não pararam por aí. Foram confundidos com fugitivos da cadeia em uma cidade do nordeste, tão sujos que estavam. Inês foi atropelada no Piauí - imprevisto que esvaiu boa parte das economias do casal para que fossem pagos exames de raios x inconclusivos. Sofreram ainda com as informações de endereços que as pessoas davam nas ruas e que eram tão confusos como os mapas. E, pra fechar com chave de ouro, não foi uma só vez em que pessoas indignadas correram atrás deles por terem sido fotografadas, mesmo tendo autorizado o retrato minutos antes. O desejo deles em seguir viagem, porém, nunca foi afetado por estes imprevistos. “Cair na estrada não é uma coleção de problemas. Na verdade, em viagens itinerantes sempre há o lado engraçado, mas as dificuldades são sempre menores que os sonhos”, diz Inês.
02 “Brasil de dentro”, nome da exposição com fotos de Franco Hoff, realizada em São Paulo, e que reunia boa parte de seu acervo. As fotos são do interior do país, tiradas durante a primeira
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viagem com a Kombi Alice.
Voltando para a garagem Franco e Inês voltaram a São Paulo muito diferentes do que partiram. Seja pelas lembranças colecionadas, como os olhos brilhantes dos quilombolas com os quais partilharam a mesa, seja pelas situações engraçadas que enfrentaram. A certeza dos dois é de que aprenderam com as estradas muito mais do que conseguiram ensinar. “Viajar é sempre um mergulho para
dentro de si mesmo”, atesta Inês. Alice também voltou diferente. O carro, com o peso dos quilômetros rodados, ficou bastante gasto. Para evitar que o veículo, feito para conhecer novos ares, entrasse em desuso, Franco e Inês iniciaram uma campanha para vender Alice. Um outro casal, os catarinenses Rafael e Carolina, junto com seu cachorrinho Luca, fizeram
de Alice sua nova morada e repaginaram o carro - ou “a lata em que cabe tudo”, como diz Franco - para também cair na estrada. A Kombi ganhou teto conversível, pintura azul e um novo roteiro. Embarcou para Salvador, para as dunas do Rio Grande do Norte e deve ir para muito mais distante, para onde os ventos a levarem. A “velha” Alice voltou a ser andarilha.
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CADA PALMO DESSE CHÃO O roteiro da viagem foi longo: Começou pelo litoral paulista, onde passaram pelas nascentes do Tietê (A), indo depois para o Paraná (B) Na subida para o Norte, chegaram às minas de ouro mais antigas de Minas Gerais. Subiram as ladeiras da Serra da Canastra (C), passando pelo Vale do Jequitinhonha e indo direto às nascentes do rio São Francisco. No meio disso, conheceram as históricas e sertanejas cidades da fronteira baiana, andaram pelas grutas de Bom Jesus da Lapa (D), mergulharam nas lagoas subterrâneas da Chapada Diamantina e saíram lá do outro lado, em Canudos. (E) Seguindo o rumo da história do cangaço, acabaram desembocando, junto com as águas do Velho Chico, lá em Maceió. Na capital de Alagoas, Alice precisou de um bom descanso na oficina, mas logo seguiu em diante. (F) De Maceió, ao invés de subir para desbravar o Nordeste, resolveram fazer justo o contrário e desceram em linha reta até o Rio Grande do Sul. Lá conheceram as igrejas abandonadas das missões jesuíticas para em seguida voltar a subir pelos caminhos do Brasil. (G)
Enfrentaram enchentes no caminho até chegar à chuvosa Florianópolis (H) e se recuperarem no trânsito planejado de Curitiba. (I) Subiram pelo oeste paranaense e passaram debaixo de uma réplica diminuta da Torre Eiffel, na fronteira com o Mato Grosso do Sul. (J) Falando em fronteiras, Inês e Franco aproveitaram para levar Alice para o lado de lá delas, na Bolívia. (K). Voltaram ao Brasil para curtir uma linda paisagem em Bonito e dar voltas pela Serra do Amolar. (L) Completaram um ano de estrada a caminho de Campo Grande. (M) Provaram da verdadeira comida goiana em quilombos tão antigos que nem constavam nos registros. (N)
Em uma tarde eles saíram do Pará, acordaram no Tocantins e dormiram no Maranhão. Conheceram as sete cidades de pedra do Piauí e desembocaram novamente no mar e no mangue. (R) Passaram pelo buraco da Pedra Furada, (S) viram a opulência e a pobreza de Fortaleza e seguiram para o sertão cearense. Procuraram fósseis de dinossauros no Cariri e em seguida voltaram ao mar, rumo aos fortes dos Três Reis Magos, em Natal. (T) Chegaram, em meio às dunas, ao segundo ano na estrada. Voltaram para os Lençóis baianos (U) e deram uma nova passadinha pela capital federal. (V)
Cruzaram as ruas de pedra da cidade de Goiás e de Pirenópolis. Trafegaram também pelas largas e planejadas vias de Brasília. (O)
De lá, rumo ao sul e sem grandes paradas, não fosse Alice ter enguiçado no meio da estrada.
Alice atolou por três vezes no caminho para Tocantins e obrigou o casal a sair da estrada e desbravar o Pará mais cedo do que haviam imaginado. (P)
Saíram rebocados de Goiás e pararam nas terras Xavantes. Alice voltou a seguir viagem, mas daí já faltava pouco para o fim da aventura.
Inês foi atropelada por um motoqueiro em Serra Pelada, nada grave. (Q)
Passaram pelo interior paulista para voltar ao ponto de partida, os engarrafamentos da Grande São Paulo. (W)
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Rodas na estrada, de novo E, mesmo com o fim, a viagem de Franco e Inês não parou de mudar suas vidas. O casal não aguentou muito tempo ficar longe dos caminhos abertos pelo mundo e logo quiseram embarcar em novas aventuras e voltarem a ser nômades. Em agosto deste ano eles caíram na estrada para um projeto muito mais longo, que deve durar quatro anos. Eles vão cruzar a América, a Ásia, a Europa e a África em um roteiro totalmente diferente de aprendizados. Para essa nova aventura, muitas coisas mudaram. Agora, com a experiência que possuem, os planos mais modernos incluem um veículo sustentável, que não agride o meio ambiente e que facilitará o intercâmbio cultural do casal e dos povos que irão encontrar no caminho. Novas histórias virão para preencher outros livros e exposições que o casal venha a fazer. Entretanto, certas coisa continuaram as mesmas: o novo carro ainda é uma Kombi e a personagem principal dessa nova história também se chama Alice.
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DE ZÉLIA, O
O romance de Jorge Amado e Zélia Gattai foi temperado com cravo, canela, palavras doces e percalços amargos
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Texto | Nívea Braga vISUAL | Fernanda Fontes
“Ao pousar, pela primeira vez os olhos em você, meu coração disparou” Jorge Amado, para Zélia
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le, Jorge Amado, fez o Brasil se apaixonar por Gabriela, por Teresa Batista e até mesmo por Dona Flor, com ou sem os dois maridos. Foi tiete de Tieta, acompanhou mulheres fortes atravessando a Seara Vermelha, mas nenhuma personagem feminina marcou tanto a sua vida quanto Zélia, sua maior fonte de inspiração. Zélia Gattai, de carne, osso e também de letras. Partilharam tudo na vida – dos filhos à cadeira número 23 na Academia Brasileira de Letras. Ela nunca se aborreceu por ser conhecida como o romance mais belo do autor. Ele nunca a privou da chance de também ser conhecida pela riqueza do seu estilo – que escolhia as coisas mais simples do cotidiano e de sua própria vida para narrar. Memorialista,
era como ela insistia em se definir. Mas era também escritora, fotógrafa e militante política. Ele era político, jornalista e admirador da cultura baiana. Quando juntos,, porém, eram apenas apaixonados. A história deles começou em 1945. Naquela época o baiano Jorge Amado, membro do Partido Comunista, estava em São Paulo para participar de movimentos contra a ditadura de Getúlio Vargas. Zélia, que já lera os primeiros romances de Jorge, admirava-o e quase não se conteve quando conversou pela primeira vez com ele, como narra com riqueza de detalhes em ‘Anarquistas Graças a Deus’. Era menina, tímida e pouco confiante, mas ele já era homem, escritor e politico renomado. Ela não acreditava que Jorge ira se interessar por ela, uma garota tão comum. Mal sabia que era nesta simplicidade que moravam seus encantos.
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O amor na encruzilhada das vidas Jorge Amado já escrevia diariamente uma crônica para a Folha da Manhã, futura Folha de São Paulo, intitulada ‘Conversa Matutina’. Certo dia, ele perguntou à cabisbaixa Zélia se ela costumava lê-lo e ela disse um ofegante sim. “Pois não deixe de ler a de amanhã”, ele brincou. Na crônica do dia seguinte havia um trecho que jamais saiu da rica memória daquela menina: “te darei um pente para te pentear, colar para teus ombros enfeitar, rede pra te embalar, o céu e o mar eu vou te dar”. À noite, antes de partirem para um comício, ele perguntou se ela havia lido o que escrevera, revelando tê-lo feito pensando nela. Envergonhada, ela mentiu dizendo que não havia lido ainda, mas que o faria antes de dormir. Como despedida, ele pediu a ela uma palavra para terminar seu próximo discurso. Zélia desta vez não titubeou: “amor!”. E os paulistanos
aplaudiram em festa quando, ao encerrar o discurso, Jorge Amado pediu por “um mundo de paz, de justiça e de amor!”. Desde então aquela palavra virou o assunto da vida deles. Em meados de 1945, casaram-se.
“Zélia se envolvia na trama dos personagens, tomando carinho por eles, chegando a querer mudar o rumo das histórias”
AMOR E TRABALHO Zélia abraca Jorge escrevendo A bola e o goleiro 1984
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Juntos pelos ideais, longe do Brasil Zélia, além de leitora apaixonada de Jorge, virou revisora e cuidadora da obra dele, poucos meses depois de se casarem. Apoiou também o lado político do marido até que ele vencesse, ainda naquele ano, a eleição para a
Câmara Federal dos Deputados, como um dos representantes da esquerda comunista. A menina, nesta época, já se tornara mulher e partiu sem olhar para trás rumo ao Rio de Janeiro, onde nasceu o primeiro filho do casal, João Jorge, futuro sociólogo. Viviam a política tão intensamente quanto o amor. Mas no fim de 1947 a ditadura de Vargas se tornou mais dura. Cassaram o registro do Partido Comunista e os parlamentares eleitos por essa legenda, entre os quais Jorge Amado, foram expulsos do Congresso. Neste mesmo ano, o autor partiu para a Europa, exilando-se da política, do país e de sua mulher. Em 1948, Zélia, após meses sem ver o marido, viajou ao seu encontro. Permaneceram no lado norte do mundo durante cinco anos, participando intensamente da vida cultural europeia. Primeiramente em Paris - até serem “convidados a se retirar” do país em 15 dias - e em seguida foram para a conturbada Checoslováquia, onde viveram o caótico início das tensões da Primavera de Praga. Foi durante o exílio que nasceu a segunda filha do casal, Paloma, a futura escritora e ilustradora. Anos mais tarde, ela seria a grande incentivadora de Zélia para que a mãe se embrenhasse no mundo das palavras. Mas Zélia se dedicaria primeiro a outras artes, principalmente a fotografia, antes de arriscar seus primeiros livros. Foi ela quem cuidou dos registros de cada momento importante da vida do marido e da família, documentando o amor deles para a história.
Um pouco da Bahia na Europa Entre os preciosos registros fotográficos de Zélia, está a velha Paris, ainda à época em que era a capital cultural do mundo. Entre personagens para suas fotografias, Zélia tinha nos almoços de domingo Pablo Picasso, Nicolás Guillén, Paul Éluard, Fréderie Curie, entre tantos outros. Sem contar a presença do casal de amigos e pensadores Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre. O poeta chileno Pablo Neruda, a título de curiosidade, foi padrinho de Paloma. Jorge e Zélia levavam trabalho para casa, fosse onde fosse, e também um pouco da casa para o trabalho. Viviam das letras, misturando-as aos lençóis e às toalhas de mesa ao receberem os amigos e conhecidos. Jorge escrevendo intensamente, criando personagens que fariam história. E Zélia trabalhando com ele desde ‘Seara Vermelha’, o primeiro livro que Jorge escreveu em sua companhia. Ela cuidava do processo de revisão do texto, datilografava os originais e os passava a limpo após as correções feitas à mão. Neste processo, Zélia se envolvia na trama dos personagens, tomando carinho por eles, chegando a querer mudar o rumo das histórias. “Certa vez tentei salvar a vida de um deles. Jorge então me explicou que a menina tinha vida própria, tudo indicava que ia morrer e ele não poderia impedir. Que se fosse para mudar o rumo de seus personagens, eles deixariam de ter carne e sangue e se tornarem simples fantoches. Aprendi a lição e me convenci a não mais dar palpites”, disse Zélia no seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras.
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A vida de JORGE AMADO
A vida de Zélia Gattai
Obá com poder de voto entre os orixás do candomblé e rei da Bahia de Todos os Santos, Jorge Amado nasceu em Itabuna, ao sul do estado, em 1912. Publicou seu primeiro romance, O país do carnaval, em 1931. “Não escrevi meu primeiro livro pensando em ficar famoso. Escrevi pela necessidade de expressar o que sentia”. Teve duas esposas. Com a primeira, Matilde, o amor surgiu e passou, mas deixou de fruto a filha Lila. E então surgiu a menina paulista Zélia em sua vida. Casaram-se em 1945, perpetuando o amor até a morte os separar por um breve espaço de tempo. Jorge Amado é o autor brasileiro mais conhecido no exterior, suas obras foram traduzidas para 49 idiomas e ele é um dos três brasileiros a figurar na lista dos 501 melhores escritores do mundo. Para Zélia, porém, ele era muito mais do que isso, era seu amor. Jorge faleceu em 2001.
Zélia Gattai nasceu em São Paulo em 1916. Filha de italianos militantes da esquerda, a paulista nasceu em uma casa na Avenida Paulista, na época em que ali transitavam carroças e não se via nenhum arranha-céu pela cidade. Ela sempre passeou no mundo dos intelectuais. Ao longo da vida, pôde se orgulhar de ser chamada de amiga por Tarsila do Amaral e participar das festas de Vinícius de Moraes. Ainda assim, a aptidão para a escrita só aflorou nela muitos anos mais tarde, em 1979, quando publicou suas memórias de infância no livro ‘Anarquistas Graças a Deus’, sendo largamente incentivada pela família. No prefácio da 12ª edição, Jorge Amado faz uma declaração de amor não só a sua esposa, mas às suas letras. “Este livro me deu as lágrimas e os risos daquela menina que é minha mulher há trinta e cinco anos”. Zélia faleceu em 2008.
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TRILHANDO JUNTOS Jorge Amado passeia na praia ao lado de Zélia Gattai
Bem-vinda à Bahia e à literatura Em 1952, saudosos da terra que amavam, Jorge e Zélia voltaram ao Brasil, onde viveram por cinco anos na capital da época, o Rio de Janeiro. Após dez anos longe do país, fixaram residência em Salvador, Bahia, e nunca mais saíram da terra de suculentos acarajés e carnudos siris. Compraram uma casa com a renda dos direitos obtidos com ‘Gabriela, Cravo e Canela’ e, naquele lar, uma outra máquina de escrever se somou à do renomado baiano: a de Zélia. Ela só se curvou aos conselhos da filha e do marido para se iniciar nas letras em 1979. Embora
“Por mais de meio século Jorge Amado foi meu marido, meu mestre, meu amor. Deu-me a mão e conduziu-me por mundos os mais distantes, os mais estranhos, os mais fantásticos. Com Jorge palmilhei as estradas da vida, do mundo”. ZÉLIA GATTAI
tardiamente, iniciou sua carreira de escritora aos 63 anos. Tardiamente? Tamanho foi o reconhecimento, que nos faz crer que foi no momento certo, no auge da sua experiência, com ares de revelação. A leveza de sua prosa ganhou adaptações televisivas, versões diversas e uma legião de fãs. Foi a vez de Jorge assumir o papel de editor e de conselheiro da “iniciante”. “A confiança que Jorge depositou em mim assustou-me, comoveu-me, pois o conhecia demais para saber que jamais ele me exporia ao ridículo, aconselhando-me a escrever um livro se não me achasse capaz de fazê-lo”, relembrou emocionada.
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fundação casa de jorge amado A ‘Fundação Casa de Jorge Amado’ é uma ONG sem fins lucrativos que preserva, divulga e pesquisa o acervo de Jorge Amado e apoia estudos sobre a literatura baiana. É também um fórum de debates sobre cultura, discriminação racial e social. Localizada em imóvel colonial do século XIX, no Largo do Pelourinho, centro histórico de Salvador - sítio reconhecido pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade -, a ‘Casa de Jorge Amado’ abriga, em seus quatro andares, uma exposição permanente do acervo do escritor. Trata-se de diversas edições dos seus romances, com traduções em 49 idiomas, fotografias, vídeos, cartazes e objetos que se relacionam com o autor e com sua obra. Arquivos de cartas, manuscritos e documentos diversos estão à disposição de pesquisadores e estudiosos.
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E já que Zélia e Jorge partilharam tanto da vida, nada mais justo que dividirem o mesmo espaço na Academia Brasileira de Letras. Com a partida de Jorge, naturalmente a cadeira de número 23, a mesma que teve como patrono o escritor José de Alencar, destinou-se à Zélia. Em seu discurso de posse, ela fez questão de lembrar o amado: “Jorge sempre me dizia: ‘Ao pousar, pela primeira vez os olhos em você, meu coração disparou”’ Desse momento em diante, 56 anos se passaram e eu continuei a seu lado, acompanhando-o”.
Amado em minha vida
CENTENÁRIO Exposição 100 anos Jorge Amado realizada em São Paulo
Em um sábado do ano passado, em um passeio por São Paulo, fui surpreendida com uma exposição em comemoração aos cem anos de nascimento de Jorge Amado, no Museu da Língua Portuguesa. Cinco módulos, vários textos, fotos e sessões interativas. Jorge estava ali, inteiro, representado, não só pela sensualidade nata de suas palavras, mas também pela força de suas obras, sempre tão despojadas e fortes. Também Zélia estava presente nas entrelinhas, nos registros, na presença suave de quem sempre apostou no estilo “dois em um”. E parece mesmo que certos amores são assim. Não fazem história, pois são a própria história de tudo. Uma mistura única de pimenta com perfume francês. Um pouco de Gabriela. De cravo e de canela.
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Nada NOS inspira mais do que a companhia UM DO OUTRO ALIANÇAS NOVEMBRO 2013
Texto | Nana Queiroz
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erta vez, o livro de uma filósofa francesa chamada Cristina Nehring veio parar na minha mesa na redação do Correio Braziliense. ‘Em Defesa do Amor - Resgatando o Romance no Século XXI’ era um conjunto de argumentos vorazes e deliciosos de que o amor é a maior fonte de inspiração que existe. E Nehring não estava falando apenas de inspiração a poetas e romancistas. Ela defendia que Sartre, apesar de seus inúmeros casos, não teria sido ninguém sem Simone de Beauvoir. Que Frida Kahlo e Diego Rivera só alcançaram a plenitude artística porque se encontraram. E, assim, seguia com uma lista de cientistas, engenheiros e grandes homens e mulheres de todas as áreas do saber. Acho que li poucos livros mais sábios do que aquele. E não fiquei impressionada simplesmente pela retórica convincente do texto: eu experimento na pele a verdade da teoria de Nehring todos os dias.
O amor rende frutos Meu conto de amor e produtividade começou em 2010, quando o meu editor da Revista Galileu, onde eu então trabalhava, me recomendou que entrevistasse um rapaz que estava fazendo um blog sobre uma viagem bastante peculiar. O tal de João Fellet havia decidido que cruzaria a África, de Joanesburgo ao Cairo, de van. O tom destemido do projeto já me deixou encantada logo de cara. Mas foi ao poder entrevistar João, que percebi que estava diante
de um homem que não só poderia amar pela vida inteira: ele era capaz de me fazer amar a minha vida inteira. Por meses, trocamos mensagens reveladoras e intensas em que partilhamos medos, ansiedades e sonhos. Quando João finalmente voltou ao Brasil, nosso romance pôde se concretizar. Incentivei-o a transformar em um livro a bela experiência que havia tido. João, talentoso e observador que é, havia colhido histórias fascinantes das pessoas que conhecera em sua peripécia africana. Colocou-as no papel e, para minha surpresa, me pediu que avaliasse o tom das histórias. Acontece que João, com toda sua cultura e sabedoria formal, havia nascido em bom berço enquanto eu nasci e cresci na periferia de São Paulo. Eu tinha um olhar que João era incapaz de adquirir sozinho. Revisei o livro com carinho. Aconselhei que retirasse algumas expressões, de cunho preconceituoso, acrescentasse outras e botasse um pouco mais de coração aqui e ali. Há três anos, quando o livro do João saiu, ‘Candongueiro: Viver e Viajar pela África’, senti que nascia ali nosso primeiro filho. Em agosto deste ano recebi a notícia que estamos esperando o nosso “segundo bebê”. Fui contratada pela editora Record para a publicação do meu primeiro livro, que vai se chamar ‘Presos que Menstruam’ e tratará das histórias de vida de mulheres encarceradas no Brasil. Ainda não decidi a divisão de capítulos e nem como vou contar cada história. Mas a dedicatória eu já soube de cara: “A João, que me deu olhos para ver os outros”.
Nana Queiroz e João Fellet. O casal oficializou os votos em outubro deste ano.
FOI AO PODER ENTREVISTAR JOÃO, QUE PERCEBI QUE ESTAVA DIANTE DE UM HOMEM QUE NÃO SÓ PODERIA AMAR PELA VIDA INTEIRA: ELE ERA CAPAZ DE ME FAZER AMAR A MINHA VIDA INTEIRA
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SITES Casal Sem Vergonha e Hypeness, os sites criados por Jaque
Quando se viram
e Eme.
descontentes com a profissão, a rotina de Jaque e Eme já não podia ser a mesma
Texto e visual | Isaac Araguim
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ão complexa quanto a rede de cabos que liga o mundo por baixos dos oceanos é o emaranhado de caminhos incertos da vida profissional de cada um de nós. Sem escolher atalhos, Jaque e Eme não tiveram medo de trilhar novos rumos. Ao perceberem os sinais de que algo estava errado em suas carreiras, buscaram por soluções. Decidiram investir em novos projetos, transformando a tecnologia em aliada ao invés de uma prisão, libertando-se assim das suas frustrações profissionais.
FOTO: continuecurioso.cc
Eles já se conheceram na internet, nos nostálgicos tempos de Orkut. Foi Jaqueline quem, após se interessar pelo texto do perfil de Emerson, tomou a iniciativa de convidá-lo para sair. O amor para eles correu depressa. Pouco tempo depois, em 2009, já estavam namorando. Revolvendo este passado, não parece coincidência que o meio pelo qual se conheceram seria o que os tornaria nacionalmente conhecidos. Ou ao menos o trabalho deles. O ‘Hypeness’ e o ‘Casal Sem Vergonha’, sites criados pelo casal, hoje são líderes em seu seguimento e trouxeram à Jaque e ao Eme a oportunidade de terem a vida que tanto sonhavam.
“NUNCA É FÁCIL DESCOBRIR PARA ONDE VOCÊ TEM QUE IR. VOCÊ TEM UMA CERTEZA DE QUE NÃO É LÁ QUE VOCÊ TEM QUE ESTAR. MAS E AÍ? TÊM MILHÕES DE POSSIBILIDADES” Jaqueline Barbosa
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O primeiro caminho pelo qual o casal desejou trilhar foi o mundo editorial. O retorno demorado do produto, entretanto, fez com que Jaque e Eme afluíssem suas criações para a internet. Tiveram então a ideia de se tornarem um casal disposto a não ter vergonha de falar sobre sexo, e os tabus inerentes ao assunto, em vídeos do Youtube. Para reunir todo este conteúdo, veio o primeiro site, propositalmente batizado de ‘Casal Sem Vergonha’.
“QUANDO VOCÊ TOMA ATITUDES NA SUA VIDA QUE VOCÊ SE TORNA MAIS VOCÊ, SEU ESPÍRITO CRIATIVO FICA MUITO MAIS AFIADO E POTENCIALIZADO” Emerson Viegas
O estresse paulista Lá em 2010, ainda atuando em áreas bem diferentes - ela era tradutora e professora de inglês e ele publicitário - ambos queriam superar a frustração profissional em que estavam imersos. Apesar das carreiras já consolidadas, desejavam trabalhar com algo que os fizesse vibrar. Como muitas das surpresas que o dia a dia traz, a solução veio da própria rotina: as várias e demoradas conversas que eles têm sobre sexo e relacionamento, desde o início do namoro. Ao perceberem que seus questionamentos poderiam ser o de muitas outras pessoas, decidiram investir nisso.
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Já o Hypeness, segundo projeto do casal, tem ligação com o passado profissional de Emerson. A falta de uma fonte de inspiração diferente para o seu lado criativo de publicitário foi a ideia que deu a base para a página. O site tem como propósito despertar a criatividade nos leitores por meio de conteúdos inovadores que exploram áreas bem diversificadas. (Para conhecer mais sobre a história dos sites, assista ao vídeo do casal, clicando na imagem abaixo).
Fotos produzidas pelo ContinueCurioso. Acima, Eme em seu escritório de trabalho. À esquerda, durante a entrevista. À direita, o casal à beira do mar de Ilhabela.
De lá pra cá Uma pergunta, porém, é inevitável: como o casal pôde construir isso tudo e se destacar na internet, onde praticamente todos podem gerar conteúdo e fazer sucesso? A receita, para eles, não tem medidas exatas, mas sem dúvida usou como ingrediente o profissionalismo dos dois. Prova disso foi a percepção de traduzir todas as ideias que surgiam em um plano de negócios bem definido. Não deixaram com que a paixão pelos novos projetos precipitasse seu desenvolvimento.
A experiência passada de Emerson com produção de conteúdo para o mundo virtual também ajudou neste sentido. Junto com o também publicitário Rafael Rosa, ele criou o ‘Creativebrothers’, considerado o primeiro blog de publicidade do país. Lá, o conteúdo produzido pela dupla envolvia entrevistas com profissionais da área, cobertura de eventos e produção de artigos. Hoje, Rafael Rosa é editor e “cool hunter” - ou caçador de inovações - do Hypeness, enquanto Eme é o diretor de criação e novos negócios.
Jaque, por sua vez, sempre foi fascinada por tudo aquilo que envolvesse cultura, inovação e diversidade. Começou sua produção de conteúdo para a internet com pequenos textos para o Casal Sem Vergonha. O que estava produzindo fez muito sucesso, trazendo um monte de gente, que comentava e participava. Mas o mundo da criatividade a ganhou e hoje ela é também diretora de conteúdo do ‘Hypeness’, sendo responsável por todo o gerenciamento do que é postado, tanto na página, quanto nas redes sociais.
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Navegando na internet e no mar de Ilhabela Ao perceberem que com a renda obtida com os sites era possível embarcar em novas jornadas, Jaque e Eme decidiram se mudar. Da metrópole São Paulo, foram para a cidade que costumavam visitar nas férias, Ilhabela, a pouco mais de 200km da capital. Em meio a uma paisagem deslumbrante, com o mar próximo de casa e tendo como trilha sonora o som de pássaros e não mais o de buzinas, o casal entrou em contato com a natureza e pôde “se encontrar de vez”. Hoje vivendo numa agrovila da cidade, a dupla colhe os
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“SOMOS TOTALMENTE INSPIRADOS POR PESSOAS QUE TIVERAM A CORAGEM E AUTENTICIDADE DE FAZER DIFERENTE E DE IR EM BUSCA DOS SEUS SONHOS” Jaqueline Barbosa
frutos da persistência que tiveram para se estabelecer na rede. O comando da equipe de colaboradores segue o conceito da “Geração Wireless”, onde cada um trabalha de onde se sentir melhor, trazendo um rotina mais flexível e uma melhor qualidade de vida para todos eles. O trabalho não diminuiu, mas o prazer de fazer o que gostam - e ainda poder dar pausas para um banho de mar ou admirar o pôr do sol - estabelece uma relação maravilhosa com o que criam. A audiência dos sites só aumentou nessa nova fase de trabalho.
FOTO: CONTINUE CURIOSO
Jaque e Eme Participação no youPIX Festival 2012
Sendo a inspiração Um dos textos que Jaque escreveu para o ‘Hypeness’ mostra que a vida em busca daquilo que se deseja tem profunda importância até no trabalho dela e de Eme. “Somos totalmente inspirados por pessoas que tiveram a coragem e autenticidade de fazer diferente e de ir em busca dos seus sonhos”, diz ela na história de um arquiteto que percorreu e fotografou todas as suas paradas pelos EUA a bordo de um ônibus reformado por ele mesmo. De tanto se inspirarem em maravilhosas histórias, a dupla acabou se tornando também uma inspiração. Já tiveram, inclusive, sua vida transformada
em música - por um outro casal que também decidiu largar tudo e viver de músicas personalizadas. Outro projeto para o qual se tornaram personagens foi o ‘Continue Curioso,’ que traz histórias de pessoas que buscaram a felicidade na vida profissional. E o papel de “musos” caiu como uma luva na vida do casal. Foi usando da própria história como motivação que um outro sonho pôde ser realizado. Eles viajam pelo Brasil dando palestras sobre criatividade e inspiração. Saíram de cada uma com a certeza de terem despertado ali novos entusiastas, novas ideias, espalhando uma corrente do bem.
Jaque e Eme têm planos grandes de seguir o mundo viajando e incentivando muitas outras pessoas. E não são poucas as que se encontram com as mesmas dúvidas e frustrações pelo qual eles já passaram. Para elas, o casal afirma que não veem sua história como um exemplo a ser seguido fielmente, afinal, não há uma lista exata de regras. É preciso, na verdade, acreditar nas próprias capacidades. Todos têm muitas possibilidades para se sentirem felizes no trabalho, basta encontrar seu próprio espaço e até mesmo criá-lo se ele ainda não existir.
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MEMORIAL JK Esculturas criadas em homenagem ao Centenário de nascimento de JK
O casamento de Célia e Darlan Rosa é pontuado pelas obras dos dois, reunindo formas variadas de fazer arte
Texto | Maria Clara Oliveira Visual | Isaac Araguim
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ma casa pequena e acolhedora, com teto baixo e recém-saída de uma reforma reúne o lar e o ateliê dos artistas plásticos Célia e Darlan Rosa. Logo na entrada, duas telas de Darlan chamam a atenção pelos tons vibrantes de azul, vermelho e amarelo das imagens abstratas. Enquanto o térreo abriga uma casa comum, o segundo andar é inteiramente destinado à arte e à
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produção cultural do casal, reunindo os bordados de Célia de um lado e o computador onde Darlan cria seus projetos no canto oposto. É ali que eles trabalham, fazendo companhia um ao outro, mesmo que, por vezes, em longos silêncios. O espaço é uma grande sala, com dois sofás, livros por todo canto e diversas obras criadas pelo casal. Os dois trabalham no ateliê diariamente, e alguns netos que vêm visitá-los passam o tempo no local, observando o processo criativo dos avós famosos e já trilhando os primeiros passos na arte com seus desenhos infantis.
Na década de 1960, antes de se tornar parte de uma família numerosa, Darlan trabalhava na televisão, no programa infantil ‘Carrossel’, da TV Brasília. A apresentação na tevê local fez dele famoso entre as crianças e permitiu-lhe que conhecesse a mulher de sua vida. Se encontraram na festa junina da escola onde Célia dava aulas de Artes Visuais. Darlan era o convidado de honra e atraia a atenção de todas as crianças - e também de Célia. “Ele foi uma atração. Foi nessa festa que a gente se conheceu, conversou pela primeira vez e aí... Começou a sair junto”, ela conta, sorrindo com a lembrança. Os artistas demonstram o companheirismo dos casais que estão acostumados a fazer tudo juntos: sabem de cor a trajetória profissional um do outro e chegam a completar a linha de raciocínio quando o parceiro tenta se lembrar de um fato relevante na história dos dois. E eles têm muita história para contar.
Obra do ‘Loucos de Pedra’, grupo ao qual Célia Rosa pertence.
Carreiras distintas Filho de uma dona de casa com um escultor de mármore, Darlan começou a fazer suas primeiras obras aos nove anos, usando esse mesmo material. As habilidades manuais foram desenvolvidas aos poucos, à medida que crescia e acompanhava o pai. Seu talento o levou a construir
cenários para televisão – e, mais tarde, a iniciar-se na carreira de apresentador. De 1967 a 1971, ele era conhecido como “Titio Darlan” no comando do ‘Carrossel’. Ao sair do programa, o artista plástico voltou a trabalhar com diversas formas de artes visuais, tornando-se pintor e ilustrador. Darlan é, inclusive, o criador do Zé Gotinha personagem das campanhas de vacinação infantil contra a poliomelite. Em 1996, porém, Darlan decidiu se dedicar exclusivamente à escultura por causa de uma alergia que o obrigou a se separar das telas e dos pincéis. Célia, por sua vez, só descobriu sua vocação para a arte já na idade adulta, quase sem querer. Trabalhando como alfabetizadora na Escola Classe 21, em Taguatinga - DF, ela confeccionava o material que usaria em sala e estimulava seus alunos a fazer trabalhos manuais, tais como desenhos e pinturas. O empenho foi notado pela diretora do colégio, que a incentivou a cursar Artes Visuais – até então,
Célia só possuía o antigo curso Normal, que capacitava jovens para dar aulas ainda no que hoje é o Ensino Médio. Mesmo assim, a verdadeira produção artística de Célia só começou com a aposentadoria, quando foi convidada a participar de grupos de bordado e de mosaicos em calçadas – atividades
“você desenha, seja com pedras ou com linhas” Célia Rosa
que para ela, em sua essência, são muito parecidas: “você desenha, seja com pedras ou com linhas”, ela explica.
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Nem toda opinião precisa ser aceita O casal está sempre junto nos momentos de criação, apesar de cada um ter sua maneira diferente de iniciar a próxima obra. Ele é mais disciplinado, ela já tem uma visão mais livre de sua criação. “Eu tenho que sentar, cumprir de seis a oito horas por dia de trabalho”, explica o escultor. Célia afirma, bem-humorada, que o marido não se contenta com o tempo que
já passa obrigatoriamente no ateliê: “a gente vai a um restaurante, ele desenha em todos os guardanapos, em todos os caderninhos, até na nota fiscal”, brinca. Para Darlan, a criação de uma nova obra não tem hora nem lugar definido, basta surgir uma boa ideia. Ele projeta suas esculturas em papel, no smartphone ou no computador. Tudo é válido para não deixar a criatividade escapar. Darlan trabalha com o que chama de “engenharia reversa”. Ele cria uma imagem tridimensional da escultura e desenha o formato que cada peça teria ao ser planificada. Quando o projeto está pronto, as peças são cortadas em empresas
especializadas no trabalho com laser, e o escultor as encaixa no local onde ficarão expostas. Antes de partir para a parte concreta do trabalho, ele pede a opinião da esposa – mas admite que as sugestões nem sempre são aceitas. “As coisas que eu gosto são um pouco diferentes do que ela gosta, em termos de arte. Então, quando ela dá uma opinião, eu tenho uma ideia de como ela está vendo, mas não quer dizer que eu vá aceitar”, conta ele,
CHITA BORDADA, UM DOS TRABALHOS FEITOS POR CÉLIA ROSA
que também produz pinturas digitais – imagens criadas no computador e impressas em telas de pintura por gráficas capacitadas. Com Célia, a situação é diferente. Integrante de dois grupos de mosaico em pedra, que fazem intervenções urbanas em Brasília, e de outro de bordados, ela está acostumada a receber visitas do marido em algumas reuniões de criação. No caso dos bordados, Darlan participou até da escolha
“ As coisas que eu gosto são um pouco diferentes do que ela gosta, em termos de arte. Então, quando ela dá uma opinião, eu tenho uma ideia de como ela está vendo, mas não
do nome: “o original era ‘Meninas do Bordel’, fui eu que dei o nome. Não era mais interessante?” pergunta ele, rindo. Para não incomodar as participantes, porém, o grupo acabou por se chamar ‘Bordelando’. As obras do ‘Loucos de Pedra’ e do ‘Ciranda do Mosaico’ se encontram na Biblioteca Demonstrativa e em calçadas de Brasília, além do Jardim Botânico e do Mercado Municipal da cidade.
quer dizer que eu vá aceitar” Darlan Rosa 64 | 65
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Reconhecimento em conjunto Os bordados de Célia ganharam fama em exposições como ‘Canteiro’, montada na Aliança Francesa em 2012, e ‘Azulejos’, de 2008. Enquanto ela busca algumas amostras do trabalho, Darlan conta que o ‘Bordelando’ recebe mais atenção que suas esculturas. “Elas têm mais mídia que eu quando fazem exposição! Saem em todos os jornais, todas as revistas!”. 03
02 01- “Gravidade Zero” - Instalação de esculturas no Brookfield Place, em Toronto-Canadá. 02 Exposição “Sphere Lumineuse” - No ano 2006, durante as comemorações do ano do Brasil na França, Darlan expôs na “Cité Internationale francês. 03 - Exposição interativa “Casulo”.
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Apesar da brincadeira, se Célia atrai o público e a imprensa, Darlan não fica atrás. O artista, que tem cerca de 500 esculturas espalhadas no Brasil, Alemanha, Canadá e outros países, frequentemente é chamado para palestras e workshops – acompanhado da parceira, claro. “Esse ano a gente viajou pra dar uma consultoria em El Salvador. Eu trabalho com os artistas nas esculturas e ela trabalha com os grupos de
mulheres, nos bordados e na xilogravura”, conta, deixando escapar mais um talento da esposa. Apesar de saber trabalhar com madeira, porém, Célia encara a xilogravura como um hobby. Além de dar workshops, o casal inspira estudos acadêmicos. As esculturas de Darlan foram tema de trabalhos em uma escola norte-americana e do mestrado da filha Paula, que hoje trabalha com programação visual.
ESCULTURAS DE METAL, UM DOS TRABALHOS FEITOS POR DARLAN ROSA
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OUTROS TALENTOS Pinturas digitais feitas por Darlan. Atrás dele, umas delas, a “Icaro 001”.
Criatividade em prol da saúde Na década de 1980, Darlan foi chamado pelo Ministério da Saúde para criar uma logo para as campanhas de conscientização de vacinação. Como era época de combate à poliomelite, ele decidiu sugerir, também, um personagem. Foi assim que surgiu o Zé Gotinha, que tinha o intuito de aproximar as crianças do momento de tomarem vacina. Hoje, o artista está afastado da produção de campanhas com o personagem, que passou a ser visto de forma diferente do que Darlan havia pensado: “Ele é uma vacina, e as agências insistem em transformar numa criança”. Ainda assim, Zé Gotinha segue como o desenho animado mais conhecido do país em termos de propaganda, segundo seu criador. Na foto ao lado, de setembro deste ano, Darlan Rosa é homenageado na comemoração dos 40 anos de criação do Programa Nacional de Imunizações.
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Talento transmitido no DNA
Painel interativo - Darlan rosa
O mestrado de Paula, baseado no obra do pai, não é o único sinal de que a família do casal foi influenciada pelo trabalho dos artistas: os quatro filhos seguiram caminhos ligados à arte, mesmo não estando exatamente nas pegadas dos pais. “A Cristina é doutora em Artes Visuais e dá aula nos Estados Unidos. A Sara é arquiteta e trabalha na Califórnia”, conta Darlan. Cristina é, ainda, curadora das obras do pai. Paula, além do trabalho como programadora, é designer da linha de joias anaProsa. “Ela faz umas joias de arte maravilhosas”, elogia Célia. As joias, inclusive, denotam uma grande influência das esculturas paternas. O único filho, Davi, é professor de inglês, mas
tem a arte como segunda atividade: “ele estudou música e sempre gostou de escrever, e desenha jogos”, explica a mãe orgulhosa. Uma nova geração parece confirmar que o talento corre no sangue da família: o neto Raul, de quatro anos, gosta de brincar e desenhar no ateliê dos avós. O espaço tem vários brinquedos do garoto, esquecidos nos cantos. Mas o que Raul quer mesmo é ver seus trabalhos emoldurados nas paredes já muito ocupadas da casa dos avós. “O desenho dele é bem avançado pra idade, eu preciso até colocar um quadro dele na parede. Outro dia ele perguntou ‘por que é que você não põe num quadro o meu lindo desenho, igual põe os do vovô?’” Célia conta, divertindo-se com a cobrança.
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amor e arte Quadro, de acervo pessoal, criado por Darlan Rosa para Célia.
“Ela conversa comigo, me traz um pouco para a realidade; ela é muito importante” Darlan Rosa, sobre Célia Rosa
Painel interativo - CÉLIA rosa
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Integração pela arte Darlan e Célia nunca fizeram uma obra juntos. De acordo com a bordadeira, sempre que a ideia surge, aparece algum projeto mais importante para um dos dois, e não sobra tempo. A parceria que existe entre eles, porém, mostra que o apoio que um dá à carreira do outro já é suficiente. Bastante ligada à família, ela precisa sair antes do final da entrevista para receber uma das filhas. Darlan aproveita o momento de intimidade e fala sobre a importância que a esposa tem em sua carreira. Em momentos complicados na hora de criar suas esculturas, o artista tem em Célia a atenção necessária para encontrar a direção a ser tomada. “Às vezes eu faço e não gosto, ela diz ‘não, isso está bom’. Ela conversa comigo, me traz um pouco para a realidade; ela é muito importante”, conta. A prova do sucesso, ele brinca, é que em 45 anos, um nunca tentou matar o outro. Darlan acrescenta que seu casamento é admirado por quem os conhece: “a gente não briga, vivemos uma vida muito integrada. Tudo o que eu faço, ela está. Aonde ela vai, eu vou, sou marido que acompanha em tudo”. É dessa forma que o casal segue com seu relacionamento e sua produção: cada um com suas obras, mas sempre acompanhando as conquistas do outro.
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