Nosso Caminho n°12 - ano 2012

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Nosso Caminho V.1  N.12 - 2012

Diretoria: Oscar Niemeyer e Vera Lúcia G. Niemeyer

Sumário

Conselho Editorial: Oscar Niemeyer, Vera Lúcia G. Niemeyer, Jair Valera, José Carlos Sussekind, Cecília Scharlach, Renato Guimarães e José Fernando G. Balbi

Ao leitor 3 Vera Lúcia G. Niemeyer

Jornalista Responsável: Renato Guimarães Projeto Gráfico: Rodrigo Almeida de Paula Revisão: Luiz Otávio Barreto Leite e Deborah Prates Traduções: César Rojas Alfonzo e Leonardo da Silva Costa (Espanhol) Diogo M. G. Cabreira e Luciana Simões de Aquino (Inglês)

Uma praça para o Recife 4 Oscar Niemeyer Jardim Botânico do Rio de Janeiro 8 Oscar Niemeyer Hotel Duas Barras – Alagoas 12 Oscar Niemeyer Fundação Oswaldo Cruz 16 Oscar Niemeyer

Publicação: Editora Nosso Caminho

Tecnet 20 Oscar Niemeyer

Produção Editorial: Editora Nosso Caminho

Homenagem | Cândido Portinari

Produção Gráfica e diagramação: Chris Abbade

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Artes | Uma festa para o olhar 27 Marcus de Lontra Costa A crise mundial e a defesa da soberania brasileira Renato Guimarães

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Memória | A fortuna do Barão 33 Luiz Otávio Barreto Leite Capa: Algodão, 1938, Desenho a grafite e pastel/cartão, 42x41cm (aproximadas), Rio de Janeiro, RJ, imagem do acervo do Projeto Portinari, essa e todas as reproduções mostradas nesta edição foram autorizadas por João Cândido Portinari.

Editora Nosso Caminho Ltda. CNPJ 10.433.542/0001-01 www.revistanossocaminho.com.br

Artigos e crônicas | O custo intangível do fracasso europeu – José Luís Fiori Lembrando o carnaval – Oscar Niemeyer A Leonel Brizola, com saudade – José Carlos Sussekind Sempre Vinicius: depoimento a Regina Zappa – Chico Buarque O mito e o tempo – Luiz Alberto Oliveira

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AO LEITOR Ao completar três anos de existência, a revista Nosso Caminho tem recebido uma série de elogios sobre o seu conteúdo. Na edição no 11, fizemos uma homenagem a Vinicius de Moraes, que agradou a muitos leitores. Nesta edição vamos homenagear, na proximidade de seu centenário, um artista de que todos nós brasileiros nos orgulhamos, Cândido Portinari. Portinari nasceu na cidade de Brodósqui, interior de São Paulo, no ano de 1903. Veio para o Rio de Janeiro, iniciou-se na pintura em meados da década de 1910, vindo a falecer em 1962.

Suas obras magníficas – entre elas os paineis de Lavrador de Café e Guerra e Paz – revelam grande criatividade e beleza. Fez diversos trabalhos para se integrarem aos projetos de Oscar Niemeyer. Nós de Nosso Caminho ficamos orgulhosos de poder homenagear esse grande artista plástico brasileiro, relembrando a importância de sua contribuição cultural aos jovens de nosso país, interessados nos problemas das artes plásticas. Portinari é, sem dúvida, um exemplo de dedicação e talento extraordinário. Vera Lúcia G. Niemeyer

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UMA PRAÇA PARA O RECIFE Projeto: Oscar Niemeyer O projeto desta grande praça estabeleceu uma pausa neste correr de prédios que variam entre quatro e dez pavimentos a desmerecer a maioria das praias brasileiras. É importante frisar que tudo começou em função do poder imobiliário e sua ânsia invencível de lucro sem o menor respeito pelas mais primárias regras de correção e bom gosto. Isso sem falar do aspecto urbanístico que essas avenidas litorâneas apresentam, quando, destinadas a tráfego mais intenso, cortam a ligação mais íntima da cidade com as praias. É a preocupação de obras mais suntuosas que determina esse resultado questionável, impedindo, como seria mais agradável, que a cidade e as praias constituíssem um conjunto mais harmonioso, com praças e jardins a enriquecê-lo. No caso desta praça do Recife a solução que propusemos evita a repetição das velhas avenidas litorâneas a que me referi, criando uma separação rígida retilínea que as construções de mau gosto ajudam a empobrecer. A uma distância considerável a praça vai impedir tanto desacerto. Numa grande área ajardinada foram situados o teatro, o prédio de apoio com escritórios, e o salão de exposições.

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Outros aspectos curiosos o visitante vai encontrar. Primeiro, a maneira simples e lógica com que uma rampa suave o leva até ao foyer do teatro previsto, onde uma grande parede de vidro o separa da platéia. E do palco, que, mais adiante, permite vislumbrar, surpreso, ele pensa como foi fácil realizar esse pequeno trajeto, que termina naturalmente próximo ao local donde partiu. Acostumado a projetar teatros, conhecendo como os problemas de acesso – obrigando a rampas e escadas – são difíceis de resolver, sinto que uma lição de arquitetura talvez se faça presente neste complexo. E me agrada mais ainda saber que a abertura do palco para o exterior foi também uma contribuição minha, que adotei com certa originalidade. Continuo a recordar, entusiasmado, a planta do teatro, e o palco abrindo para o exterior me faz sorrir satisfeito. Penso novamente no conjunto deste projeto de que o teatro é o elemento principal. Vejo os outros edifícios; sinto que a vista para o mar está livre, como eu desejava, que o prédio da administração e o salão de exposições estão bem localizados, que o restaurante será um novo atrativo neste lugar magnífico, que, em boa hora, a Prefeitura desta importante capital nordestina resolveu aproveitar, transformando-o num centro de cultura e lazer da melhor qualidade.

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Jardim Botânico do Rio de Janeiro Projeto: Oscar Niemeyer Explicação necessária Fui tomado por um entusiasmo juvenil ao projetar este salão de exposições no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Era um desafio e tanto: desenhar um prédio moderno, possível de marcar um contraste com as construções antigas (algumas em estilo eclético) e monumentos diversos já fixados nesse ambiente extraordinário. Um espaço multissimbólico, de amplo significado histórico para os habitantes de minha cidade natal. O salão projetado que deverá facilitar a interação entre o público e uma natureza exuberante, de rara beleza, terá um formato diferenciado, como se impunha, e compreenderá 1.070,66m² de construção. E a fantasia do arquiteto se fará notar: um pavimento sobre pilotis com cinco metros de pé-direito todo envidraçado, liberando assim toda a vista para o jardim. E as esquadrias afastadas em pontos da laje irão formar grandes varandas, abrindo para fora de maneira provocativa.

CAFÉ/BAR

PÁTIO

EXPOSIÇÕES

No térreo, além do acesso, previu-se um café – um espaço de convivência que irá constituir-se num ponto atrativo para os visitantes. EXPOSIÇÕES

CAFÉ/BAR

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PÁTIO

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HOTEL DUAS BARRAS – ALAGOAS Projeto: Oscar Niemeyer

RECEPÇÃO

Trata-se de um conjunto que deverá chamar a atenção de todos pelo jogo dos volumes e pela liberdade com que se interveio no espaço. O projeto abrange um hotel com 40 quartos e todo o apoio necessário, o qual inclui, de forma destacada, piscinas, bares, restaurantes, fitness e saunas. Foram previstos um teleférico a estabelecer a ligação entre a praia e o restaurante, bem como uma grande recepção destinada ao condomínio residencial. Em separado, projetamos uma residência com salas, dois quartos para o casal e quatro bangalôs conectados por uma extensa e elegante marquise, totalizando 10.772,39 m² de construção.

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QUARTOS

APOIO PISCINA

LAZER

JANTAR ESTAR

PISCINA

PISCINAS BAR

RESIDÊNCIA HOTEL

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Fundação Oswaldo Cruz Projeto: Oscar Niemeyer

RESTAURANTE

MUSEU

TEATRO

Explicação necessária Este complexo que irá abrigar importantes setores da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), localizados em quatro edifícios com 27.450,20 m² de construção, impõe-se por sua harmonia e pela liberdade das soluções adotadas. Afinal, tratava-se de atender a um programa muito rico, à altura de uma das instituições científicas e acadêmicas mais renomadas do País. Em primeiro lugar, vale salientar o museu de ciência e tecnologia, que corresponde, com certeza, a um antigo sonho de profissionais vinculados aos programas avança-

CINEMA

IMPLANTAÇÃO

dos de pós-graduação oferecidos pela Fiocruz ou por esta formados. Projetei um grande salão com dois pavimentos onde serão instalados os equipamentos do museu propriamente dito. Desenhei ainda um teatro que poderá atender a diversas finalidades, capaz de comportar 600 pessoas, com acesso direto ao museu assegurado por uma grande marquise. Do lado oposto ao prédio desse teatro será construído um restaurante que tem a forma de um cilindro, a contrastar com as demais construções. Por fim, incluímos o cinema 180 para 300 lugares, o qual irá situar-se do outro lado da Avenida Brasil e terá o

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ligação garantida por um viaduto destinado a veículos e pedestres. Diferentes pesquisadores, professores e estudantes – sobretudo aqueles que atuam na área da saúde coletiva (inclusive nos domínios da saúde do trabalhador e da erradicação de doenças tropicais) –, integrantes de um variado público externo poderão realizar trocas sociais da maior relevância nesses espaços culturais que me foi possível desenhar. Estão também previstos um centro esportivo e um grande estacionamento.

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TECNET Explicação necessária A sede da TECNET por mim projetada com o maior interesse corresponde a um conjunto moderno de três edifícios que se distinguem por suas formas arrojadas, congruentes com a importância que a empresa assume em sua área de atuação. O edifício principal sobressai por um apuro plástico que deverá chamar atenção a toda gente que o visitar, a se surpreender com os espaços projetados. Compõe-se de três andares superiores onde estão previstas as salas de escritório e a administração, e do térreo, que abrange os acessos e um hall de entrada. O subsolo destina-se aos principais setores de apoio e ao estacionamento. O edifício de apoio, situado de modo expressivo no terreno, compreende cinco pavimentos reunindo salas para escritório. Completam este complexo o edifício abrigando uma sala de gravações e hangar – com a previsão de um heliporto –, totalizando 20.249,90 m² de construção.

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Homenagem

A mestria técnica, a força do gênio criativo reveladas em sua pintura mural levaram Pablo Neruda a afirmar que Portinari, juntamente com Orozco, Rivera, Tamayo e Guayasamín, forma a cordilheira dos Andes da pintura do continente americano. E tais qualidades podem também ser apreciadas nos exemplares de sua arte de inspiração religiosa, nas composições históricas, nos inúmeros trabalhos dedicados a motivos referentes ao universo da infância que é possível admirarmos, sobretudo se procedermos à leitura de O menino de Brodósqui, editado postumamente sob os cuidados de João Cândido Portinari, filho deste grande criador.

Oscar Niemeyer e Cândido Portinari, 1948

Homenagear Cândido Portinari (1903-1962), por muitos reconhecido como o maior pintor brasileiro de todos os tempos, era objeto de antiga preocupação dos editores de Nosso Caminho.

Graças a ele a nossa arte moderna pode, com certeza, figurar no quadro da cultura universal. E esse julgamento tem todo o sentido na medida em que, sempre inspirado pela sofrida e opressiva realidade brasileira, este soube fazer de sua pintura instrumento de denúncia social. E nela ganham relevo retirantes, espantalhos, favelados, 22

enfim, nossa gente menos favorecida. Suas figuras de lavradores, como aquelas tematizadas nos murais encontrados no Palácio Gustavo Capanema, antiga sede do Ministério da Educação (ver ilustrações que se seguem), sobressaem por sua majestade e por seus pés e mãos acentuadamente fortes.

No dia do seu falecimento, Carlos Drummond de Andrade, um de seus amigos mais queridos e companheiro de tantas lutas em defesa da moderna arte brasileira, escreveu um belíssimo poema, que decidimos transcrever nesta homenagem. São versos comoventes que iluminam a nossa compreensão da sensibilidade artística de Portinari, da diversidade de suas temáticas e procedimentos construtivos, da atenção que este dispensou aos seres associados pelo drama humano – dos trabalhadores do café aos meninos pobres que se destacam em seus desenhos e telas. Todos a dependerem da mão do pintor com o seu “poder de encantação”:

Erva-mate, 1938 Pintura mural a afresco 280x297cm Rio de Janeiro, RJ Sem assinatura e sem data

Algodão, 1938 Desenho a grafite e pastel/cartão 42x41cm (aproximadas) Rio de Janeiro, RJ Sem assinatura e sem data

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Figura de Homem, 1938 Desenho a carvão/papel 53x33cm Rio de Janeiro, RJ Assinatura estampada no canto inferior esquerdo “ Portinari” Sem data (estudo para a pintura do mural “Erva-mate”)

Torso, 1937 Desenho a carvão/papel 64x44cm (aproximadas) Rio de Janeiro, RJ Sem assinatura, datada na metade inferior à direita “croquis para o Pau-Brasil”.

Pau-brasil, 1938 Pintura mural a afresco 280x250cm Rio de Janeiro, RJ Assinada e datada na metade inferior à direita “C. PORTINARI” 1936-1944

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Artes

Fotos: Robinson Oliveira

A Mão Entre o cafezal e o sonho o garoto pinta uma estrela dourada na parede da capela, e nada mais resiste à mão pintora. A mão cresce e pinta o que não é para ser pintado mas sofrido. A mão está sempre compondo módul-murmurando o que escapou à fadiga da Criação e revê ensaios de formas e corrige o oblíquo pelo aéreo e semeia margaridinhas de bem-querer no baú dos vencidos. A mão cresce mais e faz do mundo como-se-repete o mundo que telequeremos. A mão sabe a cor da cor e com ela veste o nu e o invisível. Tudo tem explicação porque tudo tem (nova) cor. Tudo existe porque foi pintado à feição de laranja mágica não para aplacar a sede dos companheiros, principalmente para aguçá-la até o limite do sentimento da terra domicílio do homem.

Algodão, 1938 Pintura mural a afresco 280x300cm Rio de Janeiro, RJ Sem assinatura e sem data

Entre o sonho e o cafezal entre guerra e paz entre mártires, ofendidos, músicos, jangadas, pandorgas, entre os roceiros mecanizados de Israel a memória de Giotto e o aroma primeiro do Brasil entre o amor e o ofício eis que a mão decide: todos os meninos, ainda os mais desgraçados, sejam vertiginosamente felizes como feliz é o retrato múltiplo verde-róseo em duas gerações da criança que balança como flor no cosmo e torna humilde, serviçal e doméstica a mão excedente em seu poder de encantação. Agora há uma verdade sem angústia mesmo no estar-angustiado. O que era dor é flor, conhecimento plástico do mundo. E por assim haver disposto o essencial, deixando o resto aos doutores de Bizâncio, bruscamente se cala e voa para nunca-mais a mão infinita a mão-de-olhos-azuis de Cândido Portinari. (De Lição de coisas) [NC]

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Robinson Oliveira O Refúgio de Alek Wek, 2010 Acrílica sobre tela 1,33m x 1,86m

UMA FESTA PARA O OLHAR Marcus de Lontra Costa A figura elegante e discreta, de gestos comedidos e comunicação educada e natural, parece contrastar com as pinturas arrojadas, barrocas, repletas de referências, adereços e informações que transformam cada tela numa festa para o olhar. Assim é Robinson Antônio de Oliveira, sargento da Marinha Brasileira, morador de Duque de Caxias, apaixonado pelo mundo da moda, da beleza e do requinte que ele com sensibilidade, talento e inteligência transporta para o universo da arte contemporânea. Essa pretensa estranheza entre o Criador e a Criatura, essa informação que supera o estereótipo, essa quantidade de mensagens que um encontro emite e transporta é uma das mais valiosas e encantadoras características

desse admirável mundo novo, contemporâneo, regido pela velocidade da comunicação. E é exatamente essa realidade atual, que incorpora a diversidade como instrumento de riqueza artística e cultural, que garante validade à produção de Robinson e suas musas da Pop Music, da indústria do entretenimento, do fascínio à personalidade e à idolatria da imagem popular. Há pouco tempo, no mundo moderno, a principal função da arte seria criar formas e artefatos que fossem apropriados e reproduzidos pela atividade industrial; os ateliês (ou escritórios de criação...) seriam laboratórios de pesquisas estéticas que alimentariam a sociedade urbana através da arquitetura, do design, e da comunicação em geral. Essa estratégia de “construção da utopia” foi confrontada pela Pop Art, que ainda nos anos 60 busca responder a uma realidade mundial na qual o modernismo, em sua acep27


Robinson Oliveira Cocoon Madonna, 2009 Acrílica sobre tela 1,65 x 1,37 m

ção tradicional, não mais se identificava. A simbologia da arquitetura de Niemeyer em Brasília e as decorrências do movimento neoconcretista, de Hélio Oiticica, marcam no Brasil uma espécie de mal-estar com o formalismo clássico do modernismo, baseado na ordem e numa espécie de cartilha científica anacrônica. Assim, a iconografia da comunicação de massa, os objetos do cotidiano urbano, os apelos fantasiosos da propaganda e os vários veículos de ação cultural como o cinema, a televisão e as histórias em quadrinhos invadem em definitivo o universo da arte; a Pop Art valoriza novas referências históricas e recria novos significados para a imagem, tendo por base o surrealismo e o dadaísmo em detrimento dos movimentos construtivos. Essa nova estratégia amplia a ação artística e acaba por retomar o diálogo com a psicanálise e a antropologia além de outros setores da visualidade como o artesanato e a arte popular, até então desprezados por um tipo de raciocínio teórico que entende a arte como uma ilustração de si mesma ou como resultado de uma teoria elaborada a priori e não construída através do exercício constante da práxis. 28

O universo da Pop Art é suficientemente amplo para incorporar as ações e contribuições locais, as várias geografias, e isso ocorreu no Brasil onde ela acabou por tornar-se mais política, mais crítica, dialogando com proximidade com o Nouveau Réalisme francês e a Arte Povera italiana. Nos anos 80 com a retomada democrática os artistas da geração 80 reintroduziram a ação pictórica como arma de sedução e encantamento, produzindo imagens de grande contundência formal e intenso cromatismo, a fazerem do cotidiano urbano brasileiro seu principal tema de trabalho. Robinson Antônio de Oliveira é herdeiro direto dessa vertente artística; ele entende o mundo e o recria através da ótica barroca, sem temer as alegorias e acreditando na força dos adereços. Toda e qualquer pintura do artista busca encantar e envolver o espectador. Aqui não há espaços para silêncios, para grandes áreas chapadas e vazias; a relação pintura/ fundo é retrabalhada por Robinson sem temer aproximações com mestres (algumas vezes esquecidos) da arte brasileira como Rodolfo Amoedo e Antônio Parreiras. Entre os artistas brasileiros do século passado ele encontra abrigo naqueles poucos que recusaram a imposição construtiva como Djanira, Bonadei e, posteriormente, Gerchman e Granato. A sensualidade se insinua de maneira discreta; o artista encontra em Gustav Klimt a sua identificação. Personalidades do nosso mundo artístico e cultural são vistas e revistas através do olhar sensível do artista. Assim, numa mesma série, Arthur Bispo do Rosário e Frida Kahlo convivem harmonicamente com Amy Winehouse, Madonna e Lady Gaga, todos reunidos em pinturas de grandes dimensões que fazem o olhar agir como se estivesse num baile de carnaval, percorrendo e pipocando pelas imagens espetaculares que Robinson, régisseur dessa grande ópera contemporânea, persegue em cada pintura que elabora com maestria, sensibilidade e paixão. Rio de Janeiro, fevereiro de 2012

A CRISE MUNDIAL E A DEFESA DA SOBERANIA BRASILEIRA Renato Guimarães Neste início de 2012, com foco no Oriente Médio, mas com alastramento possível a vários continentes, o mundo vive momento de grave perigo, que ameaça degenerar em guerras e destruições de grande escala. Elas podem resultar em grandes danos também para nosso país, mas aqui igualmente abrem valiosas oportunidades de desenvolvimento econômico e institucional, que favorecem e reclamam a mobilização popular na defesa da democracia e dos interesses nacionais. I – Nas últimas décadas, especialmente após a extinção da União Soviética, uma potente ofensiva de direita abriu caminho para uma aparente vitória definitiva do sistema capitalista liderado pelo imperialismo estadunidense, que se pretendeu globalizado. Essa ofensiva afetou profundamente intelectuais e ativistas dos antigos movimentos e partidos de esquerda. Em grande medida, eles foram absorvidos por duas vertentes que, por caminhos diversos, incorporavam as ideias de vitória capitalista. Uma parte aderiu diretamente à ideologia neoliberal, que atribui ao mercado o poder exclusivo de decidir sobre as questões econômicas, sociais e políticas. Outra parte, também numerosa, se vergou à ilusão da vitória do capital, mas o fez em diversas construções ideológicas com retórica de esquerda que aceitam e difundem ideias básicas do neoliberalismo, tais como o império global, a prevalência inevitável do mercado, a falência do conceito de Estado e, por consequência, do conceito de soberania nacional, o fim da luta política organizada das massas de trabalhadores, a transformação destas em “multidão”, etc. Essa ofensiva de direita intensificou-se após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. Numa extensão singular do conceito clássico de que “soberano é quem decide sobre o estado de exceção”, o

governo daquele país, comandado pelo tenebroso complexo industrial-militar, depois de pôr seu próprio povo em certa medida sob esse estado – a ponto de submetê-lo atualmente a regime semelhante ao do AI 5, que sufocou o Brasil nos anos 1970 –, enveredou por uma política declarada e prepotente de projetar sua soberania nacional sobre o mundo inteiro e exportar o estado de exceção a qualquer país onde, a seu critério, seus interesses reclamem isso. Arrogou-se o direito de ignorar fronteiras nacionais e instituições internacionais para empreender em qualquer rincão da Terra operações militares de todo tipo, em grande escala, com invasões e bombardeios, ou em pequena escala, com operações abertas ou encobertas de perseguição a civis sob suspeita sua, aos quais, se não assassinam, sequestram e submetem a trato de presas de guerra, sem quaisquer direitos legais. A ofensiva expansionista dos Estados Unidos e seus aliados, principalmente ex-potências colonialistas da Europa, com o objetivo principal de se apossar do petróleo dos árabes, mas disfarçada sob bandeiras humanitárias, despertou natural indignação e resistência no mundo e, em primeiro lugar, nos povos agredidos. Ao mesmo tempo, contribuiu para a elevação do preço do petróleo e outras mudanças econômicas e políticas no cenário mundial que aumentaram enormemente os custos do agressor, que já vinha sobrecarregado pelo aumento de seus gastos com forças armadas, tanto pela alta de preço dos equipamentos de tecnologia atual, como pelo fato de ele não poder mais contar com alistamento obrigatório e ficar limitado ao recrutamento de soldados profissionais – que pouco diferem de mercenários –, cujo custo operacional cresce em escala geométrica. Com isso, a ofensiva comprometeu os recursos econômicos, militares e políticos dessa superpotência num grau muito acima de qualquer previsão de seu governo. Este se viu em curto prazo impossibilitado de pôr em prática sua estratégia proclamada de impor de modo fulminante e inconteste sua dominação mundial. O rápido crescimento de outras potências, especialmente a China, mas 29


também a Rússia, a Índia, o Brasil, e ainda a Alemanha e outros países europeus, opôs novos e maiores obstáculos à expressão dessa estratégia de poder sem limites dos Estados Unidos. Sem perder a pose arrogante, dispondo ainda de grandes reservas e com a maior agressividade que caracteriza o comportamento de toda fera acuada, o governo de Washington decaiu gradativamente para uma situação de dificuldade econômica, política e militar, enquanto crescia a consciência mundial sobre o caráter de rapina do imperialismo estadunidense e sobre a necessidade de resistir a ele. II – O repúdio à prepotência dos Estados Unidos e a disposição de opor-se a ela, manifestados com força crescente no mundo inteiro, evidenciaram mais uma vez a importância do fator nacional na luta política. Os Estados-nações, ao invés de desaparecerem, regressaram com força maior à cena. A defesa do interesse nacional diante da dominação ou da agressão externa, que é motor principal da mobilização popular nos movimentos revolucionários desde a luta pela independência nos próprios Estados Unidos, repontando sempre, sob diversas formas, na Revolução Francesa, na Comuna de Paris, na Revolução Russa, na Revolução Chinesa, na Revolução Cubana, volta a mostrar-se fator-chave para que a cidadania se apresente como força transformadora, a fim de levar adiante movimentos que no início se limitam a objetivos patrióticos, mas tendem a avançar para conquistas democráticas de maior alcance social. Esse ressurgimento do fator nacional no centro da ação política é realidade hoje por toda parte no mundo, particularmente na Palestina e no Oriente Médio, mas também na Ásia e na África e até na Europa. É, entretanto, na América do Sul que ele encontra sua manifestação mais singular e que mais de perto interessa aos brasileiros. III – Num eco à assertiva clássica de que a revolução escolhe o elo mais fraco da corrente para eclodir, a condição isolada e pouco relevante da América do Sul no quadro dos grandes conflitos em que se envolveram os 30

Estados Unidos, afinal, deixou esse país tolhido para intervir no que ele tradicionalmente considera seu “quintal”. Isso parece ter contribuído para que os povos da região percebessem a oportunidade de ir à forra das humilhações e infortúnios que durante décadas lhe impusera a política imperialista de Washington. Em 1998, elege-se na Venezuela o presidente Hugo Chávez, com uma plataforma claramente anti-imperialista e, para surpresa de muitos, com a intenção firme de cumprir o prometido. Em 2002, elege-se no Brasil o presidente Lula da Silva, que manteve a política econômica neoliberal dos governos anteriores no seu primeiro mandato, mas a alterou, ainda que muito gradativamente, no segundo mandato, para beneficiar a aceleração do desenvolvimento econômico, e adotou uma política de socorro às camadas mais pobres da população, fortalecendo com isso o mercado interno; adotou também uma política externa de maior aproximação com a América Latina e com outras potências que não os Estados Unidos, embora mantendo com esse país relações amistosas. Em 2003, elege-se na Argentina o presidente Néstor Kirchner, que corajosamente enfrentou a banca internacional a fim de livrar seu país de uma dívida externa abusiva e impagável, conseguindo com isso condições para pôr a nação vizinha numa trilha de desenvolvimento autogerido, que até hoje prossegue em ritmo alto, agora sob a presidência de Cristina Fernandes Kirchner, em segundo mandato. A eleição em seguida de Evo Morales, na Bolívia, Rafael Correa, no Equador, Fernando Lugo, no Paraguai, José Mujica, no Uruguai, e Ollanta Humala, no Peru, deu maior firmeza à tendência de expansão na América do Sul de governos empenhados em alcançar expressão soberana e desenvolvimento pleno, econômico, cultural e social, de suas nações. Essa tendência, embora clara e marcante, não é com certeza retilínea, nem imbatível. A ela se opõem em cada país fortes correntes internas de direita alinhadas com os Estados Unidos, que atuam orquestradas em escala

internacional e dominam a mídia, os bancos e setores importantes do empresariado local. Com apoio financeiro, político e militar dos Estados Unidos e outros países imperialistas menores, assim como de seus respectivos órgãos de espionagem e operações encobertas, de ONGs financiadas por empresas e governos imperialistas, de sociedades secretas tipo Opus Dei, etc, tais setores de direita empreendem em cada país uma campanha sem trégua através da maioria dos órgãos da grande mídia. Esta assume caráter de partido político golpista, cuja finalidade é impedir que se elejam governantes comprometidos com os interesses nacionais e, quando não conseguem isso, tentar a todo custo acuar e tornar refém deles o governante eleito para, se possível e conveniente para eles, derrubá-lo. É o que se vê cada dia, na Venezuela, na Bolívia, no Brasil, na Argentina, em toda parte. IV – Há, entretanto, nesse processo de ascensão nacional e democrática na América do Sul uma singularidade que lhe dá poder de sustentação: ela se desenvolve com a rigorosa observância pelos governos das normas de regime democrático do modelo estadunidense, que pressupõe a mídia submetida aos bancos e outros grandes patrocinadores privados e as eleições sujeitas a campanhas publicitárias de alto custo, subvencionadas por doações de empresas milionárias. A vitória e a permanência de governantes que desagradam à direita, em condições tão adversas, tornou-se possível graças a uma súbita e auspiciosa elevação da argúcia política das massas populares. Estas continuam a deslumbrar-se com a propaganda consumista na TV, mas aprenderam a descolar-se do discurso das grandes redes midiáticas na hora de escolher candidato e ajuizar governo. Com isso, definhou o poder de empossar e derrubar governos que a grande mídia exibia em décadas passadas. Criam-se portanto condições novas que favorecem e exigem a recuperação das correntes progressistas e sua intervenção na cena política. No plano internacional, a luta contra a política de guerras sem fim do imperialismo es-

tadunidense e seus associados, que hoje preparam uma agressão de grande escala e consequências imprevisíveis à Síria e ao Irã, é meta que a todos obriga. Na América do Sul, e no Brasil em particular, a luta em defesa dos interesses nacionais, da preservação e do aprofundamento do regime democrático, da soberania e da coesão dos Estados da região é a diretriz que, bem atendida, permitirá a mobilização de forças capaz de vencer as fortes coalizões de direita e assegurar o avanço econômico, político e social de nossos povos e nações. V – Não há receitas prontas nem caminhos traçados para essa luta. As experiências vividas por outros povos, no passado ou no presente, servem de lição e inspiração, mas não servem de modelo. A originalidade e a variedade das soluções que a vida vai gerando nos países sul-americanos é muito fecunda. Em comum, existe entre elas a circunstância de que são encabeçadas por líderes não egressos das classes dirigentes, que souberam perceber e potencializar o desejo de mudança das massas populares e o descrédito entre elas dos partidos e instituições que vinham conduzindo a vida política. Essa dependência de lideranças pessoais é ao mesmo tempo positiva, porque facilita a participação das grandes massas no processo político, e negativa, porque põe esse processo na dependência das escolhas e limitações pessoais do líder. Mas a necessidade de recorrer à mobilização popular, uma vez que as forças poderosas que o hostilizam manipulam as grandes empresas de comunicação, as instituições políticas formais, e facçãoes militares, induz o líder a estimular a gestação de novas formas de organização de massas do povo para o combate político e até para a resistência armada. Chama a atenção, nesse sentido, especialmente na Venezuela, na Bolívia e no Equador, a ascensão em bairros proletários de associações de moradores que se articulam em torno de conselhos comunitários e, ao mesmo tempo, defendem os interesses imediatos da população local, têm presença ativa na resistência ao golpismo de direita e pressionam em favor do aprofundamento da democracia. 31


VI – No Brasil, o movimento organizado de massas populares é ainda débil. No período final da ditadura militar, recuperou-se um pouco da derrota que esta lhe impôs, mas voltou a perder força depois. O governo do presidente Lula refletiu essa debilidade. Contraditório, ele manteve uma política econômica na qual ainda sobrevive o neoliberalismo, mas adotou medidas de favorecimento ao poder aquisitivo da população pobre e desenvolveu uma política externa de relativa autonomia em relação aos Estados Unidos, de aproximação com países do Sul e, especialmente, de apoio aos governos sul-americanos que são hostilizados pela aliança entre as forças internas de direita e o governo estadunidense. A presidente Dilma Rousseff, eleita graças ao apoio de Lula, mantém nas linhas gerais essa diretriz. Por sua política de favorecimento aos pobres e à soberania dos povos sul-americanos, o presidente Lula foi alvo de uma constante e incansável campanha hostil da mídia. Para defender-se, ele se apoiou, porém, quase exclusivamente, em sua popularidade pessoal. Isso o deixou vulnerável a pressões e o levou a fazer concessões políticas onerosas para o interesse público, além de tolher suas possibilidades de avanço e pôr em risco a preservação no governo dos traços positivos de sua gestão. Com Dilma Rousseff, tal situação de modo geral se mantém. É portanto urgente a necessidade de expansão de uma consciência pública de defesa do desenvolvimento soberano e democrático do país, na sua economia, na sua organização política e social, na sua cultura. Quanto maior seja essa consciência, mais forte estará o governo para resistir às agressões da direita e, ao mesmo tempo, maior será a pressão dos movimentos de massa para que ele torne suas políticas mais coerentes com os interesses do país e da sociedade. Um elenco de propostas nesse sentido com certeza incluirá: 1) a efetiva aceleração do desenvolvimento econômico do país; em processo voltado para a defesa nacional 32

e com cuidado pelo meio ambiente 2) a subordinação dos sistemas bancário e cambial aos interesses desse desenvolvimento; 3) a posse dos recursos naturais do país e, tanto quanto possível, a recuperação das empresas e recursos públicos estratégicos dilapidados; 4) a efetivação de um programa de reforma agrária que penalize o latifúndio improdutivo e beneficie as propriedades produtivas de pequeno e médio porte; 5) a destinação de maiores verbas às políticas públicas de educação e saúde; 6) a mudança da política vigente de repressão policial direcionada contra a população mais pobre, principalmente não branca, por uma política democrática de segurança pública; 7) o reforço do controle pelo poder público das concessões de meios de comunicação a grupos privados e outras medidas que proporcionem o aprofundamento do regime democrático; 8) o reequipamento das Forças Armadas e a dotação a elas de recursos necessários à eficiente defesa do território nacional; e 9) a ampliação e a consolidação da política externa de unidade com a América Latina – essencial para a preservação dos governos progressistas na região –, de respeito à soberania dos Estados, de relações amistosas com todos os povos e de defesa da paz. Muitas são as metas a nos desafiarem, cujo alcance requer todo o engenho e toda a força que sejam capazes de reunir as correntes progressistas em nosso país, com sentido estratégico e espírito transformador. Povo e governo precisam mobilizar suas reservas de patriotismo e civismo a fim de que o Brasil possa aproveitar a grande oportunidade que tem hoje de firmar-se em breve prazo como nação poderosa, soberana, projetada no cenário mundial e consolidada em seu papel de lastro e líder do processo democrático de reconstrução nacional, pacífico e progressista, que se desenvolve na América Latina.

Memória A FORTUNA DO BARÃO Luiz Otávio Barreto Leite Querendo bancar o esperto, o Cardoso colocou no cabide do restaurante, a certa distância da mesa que ocupava, o seu fino guarda-chuva com o seguinte cartão: “Este guarda-chuva pertence ao campeão nacional de boxe.” Findo o almoço, foi buscá-lo, mas lá só encontrou este cartão: “O guarda-chuva do campeão nacional de boxe foi levado pelo campeão nacional de corridas.” Pequenas histórias como essa, crônicas de maior extensão – igualmente voltadas à crítica dos costumes e do comportamento humano –, frases cheias de ironia (ao modo provocativo das máximas e aforismos), anúncios divertidos eram divulgados entre 1926 e 1952, a despeito de algumas interrupções, no semanário “A Manha”. Seu autor, o jornalista gaúcho Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly (1895-1971), adotou o pseudônimo irreverente de Barão de Itararé e pode ser considerado o pioneiro do jornalismo alternativo no Brasil. Ele próprio elaborava os textos dados à luz naquele periódico, paginava-os, diagramava-os, além de atuar como diretor. Memorável era a maneira como lidava com as suas atribulações pessoais (perseguições, prisão e perda de entes queridos) e a vida política. Sobressaiu como militante do PCB, crítico veemente do regime autoritário (“O Estado Novo é o estado a que chegamos”) e vereador eleito em 1946 por esse partido; o seu mandato foi cassado, juntamente com a anulação do registro dessa entidade, quase um ano depois. Não menos memorável era o seu jeito de enfrentar a fúria dos policiais censores e de simultaneamente lembrar aos que procuravam o seu jornal a oportunidade de colaborar com um anúncio, mandando insculpir esta frase na porta de entrada

do escritório de direção de “A Manhã”: “Entre sem bater, mas não entre sem anunciar”. Torelly veio a apurar a sua verve satírica em seus Almanhaques;* neles esse “marechal-almirante e brigadeiro do ar-condicionado” exibiu não a pureza (aristocrática) do sangue, mas a nobreza do espírito de zombaria: “O fígado faz muito mal à bebida.” “As mulheres de certa idade nunca são de idade certa.” “A primeira ação de despejo foi a expulsão de Adão e Eva do Paraíso por falta de pagamento de aluguel e comportamento irregular.” “A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana.” O Barão de Itararé inaugurou uma nova linhagem de humoristas no Brasil a que é possível vincular nomes como os de Stanislaw Ponte Preta (seu companheiro da Folha do Povo), Millôr Fernandes e Luís Fernando Veríssimo. Seu humorismo político inimitável revela-se muito congruente com a sua lucidez e coerência – manifestadas assim que pôde reconhecer a guinada progressista do Presidente Vargas, e quando não hesitou em fulminar os 33


críticos udenistas: “Não é triste mudar de ideias; triste é não ter ideias para mudar.” Mostra-se surpreendentemente atual a sua visão crítica da realidade política do País: “Anistia é um ato pelo qual o governo resolve perdoar generosamente as injustiças e crimes que ele mesmo cometeu.” “A moral dos políticos é como elevador: sobe e desce. Mas, em geral, enguiça por falta de energia, ou então não funciona definitivamente, deixando desesperados os infelizes que confiam nele.” “O mal do governo não é a falta de persistência, mas a persistência na falta.” Chamam a atenção na produção de Torelly as narrativas a que o autor confere, de maneira irônica, um valor etiológico. Em outras palavras: elas nos esclarecem, à semelhança dos mitos e contos populares, a origem de algum fenômeno, de uma palavra ou expressão usual (como “lágrimas de crocodilo”) ou de um fato digno de nota. Este pode ser, sob o prisma humorístico do Barão, a entrada no Céu do primeiro advogado... A gênese (desconhecida) do vocábulo larápio, por exemplo, remontaria à abreviação popular do nome de ilustre cônsul romano da Cirenaica, muito empenhado em “confundir o patrimônio alheio com o próprio”: L [ucius] A [marus] R [ufus] A PIUS. Graças aos estudos de Mikhail Bakhtin passamos a reconhecer na paródia o principal processo de carnavalização artístico-literária. Esta se faz muito presente nos textos do Barão, sobretudo quando ele “desentroniza” máximas, provérbios e adágios: “Deputado come o milho, papagaio leva a fama.” 34

“A união faz a força. Mas nem por isso deviam pôr tanta água no leite.”

Artigos e crônicas

“Deus dá peneira a quem não tem farinha.”

O CUSTO INTANGÍVEL DO FRACASSO EUROPEU José Luís Fiori

“Deus dá pente a quem não tem cabelo.” Eis um modo de o nosso humorista expressar certa fidelidade a esse fundo comum que é a cultura popular. Crítico implacável dos jornais golpistas de Assis Chateaubriand e Carlos Lacerda, ardoroso defensor da imprensa alternativa, Torelly conquistou a admiração de muitos escritores e intelectuais de nosso país, em especial os de esquerda. De 1955 a 1958, Moacyr Werneck de Castro e Jorge Amado fizeram circular, com o apoio generoso de Oscar Niemeyer, o Paratodos: quinzenário da cultura brasileira, onde comparecia o velho Barão com os textos selecionados de A Manha. Há bem pouco tempo foi criado o Centro de Estudos da Mídia Alternativa “Barão de Itararé”. Leandro Konder, por sua vez, veio a publicar, em 2007, numa obra coletiva A formação das tradições (18891945) com o selo da Ed. Civilização Brasileira, um ensaio apaixonante sobre esse magnífico escritor, elogiando-lhe a combatividade e a agudeza de visão. No modo de ver do filósofo Walter Benjamin, iludem-se aqueles que, empenhados em investigar o passado literário e político, privando-se do melhor, se limitam a realizar o inventário dos achados e não sabem “assimilar no terreno de hoje o lugar no qual é conservado o velho”. E esse espaço-tempo deve compreender as preocupações permanentes do Barão de Itararé: a necessidade de democratização dos meios de comunicação, a urgência de se harmonizarem ética e política na gestão dos destinos de um país, a defesa da soberania nacional, a busca incessante de um mundo mais justo e solidário. *O primeiro, dado ao público em 1949 (1° semestre), e os de 1955 (correspondentes ao 1° e 2° semestre) foram, em época bem recente, objeto de primorosas edições fac-similares, sob os cuidados de Sergio Luís Papi.

“Se fosse possível hierarquizar sonhos, a criação da União Européia estaria entre os mais importantes do século XX. Depois de um milênio de guerras contínuas, os estados europeus decidiram abrir mão de suas soberanias nacionais, para criar uma comunidade econômica e política, inclusiva, pacífica, harmoniosa, sem fronteiras, sem discriminações e sem hegemonias. Um verdadeiro milagre, para um continente que se transformou no centro do mundo, graças à sua capacidade de se expandir e dominar os outros povos, de forma quase sempre violenta, e muitas vezes predatória.” JLF: “Os sinos estão dobrando”, Valor Econômico, junho de 2008 Os sinais de desagregação são cada vez maiores e frequentes, e já não resta dúvida de que o processo de “unificação europeia” entrou num beco sem saída. É quase certo o calote da dívida grega, e é cada vez mais provável a ruptura da zona do euro, que teria um efeito em cadeia, de grandes proporções, dentro e fora do Velho Continente. Ao mesmo tempo, a vitória da França e da Inglaterra, na Líbia, aumentou a divisão e aprofundou o cisma alemão dentro da OTAN. Por outro lado, os governos conservadores europeus estão em queda livre, e sua alternativa social-democrata não tem mais nenhuma identidade ideológica. Os intelectuais batem cabeça e a juventude busca novos caminhos um pouco sem rumo. O próprio ideal da unificação européia tem cada vez menos força entre as elites, e dentro de sociedades em que se disseminam a violência e a xenofobia. Parece iminente o fracasso europeu.

Em tudo isso, chama a atenção que o avanço da catástrofe anunciada venha sendo acompanhado por uma consciência cada vez mais nítida e consensual a respeito das causas últimas, econômicas e políticas, da própria impotência européia. Do lado econômico, todos reconhecem a falta de um Tesouro europeu com capacidade unificada de tributar e emitir dívidas, junto com um BC capaz de atuar como emprestador de última instancia, em todos os mercados, garantindo a liquidez dos atuais títulos soberanos nacionais que deveriam ser extintos e substituídos por um único título público unificado, para toda a zona do euro. E quase todos já reconhecem a impossibilidade de uma moeda soberana e de um BC eficaz, sem um estado que lhes dê credibilidade e poder real de ação, em particular nas situações de crise. Uma posição que só poderia ser cumprida, neste momento, pela Alemanha, que não quer ou não pode fazê-lo, ou por um estado central que ninguém aceita. Da mesma forma, pelo lado político, o aumento da fragilidade e da fragmentação da Europa vem sendo atribuído pelos analistas, de forma quase consensual, ao fim da Guerra Fria e à unificação da Alemanha, junto com o aumento descontrolado da União Europeia e da OTAN, que passaram da condição de projetos defensivos, para a condição de instrumentos de conquista territorial e expansão da influência militar e econômica do ocidente, dentro da Europa do Leste, e já agora, também, na Ásia Central e no norte da África. O alargamento, em todas as direções, da União Europeia e da OTAN aumentou suas desigualdades sociais e nacionais, e reduziu o grau de homogeneidade, identidade e solidariedade que existia no início do processo de integração, quando ele era tutelado pelos EUA, e tinha um inimigo comum, a URSS. Agora bem, quando os analistas da crise europeia se dedicam a traçar cenários futuros, quase todos calculam o tamanho da desgraça em termos estritamente econômi35


cos, em bilhões e trilhões de euros. E pouco se fala dos custos intangíveis do fracasso europeu no campo das ideias, dos valores e dos grandes sonhos e símbolos que movem a humanidade. Um verdadeiro impacto atômico sobre duas pilastras fundamentais do pensamento moderno: a crença na viabilidade contratual de um governo ou governança mundial; e a aposta na possibilidade cosmopolita, de uma federação ou confederação de repúblicas, pacíficas, harmoniosas, e sem fronteiras ou egoísmos nacionais. Duas idéias europeias que foram concebidas num continente extremamente belicoso e competitivo, mas que foi o grande responsável pela criação e universalização do sistema de estados nacionais modernos e do próprio capitalismo. Agora os europeus estão experimentando na pele a impossibilidade real de suas utopias, ao tentarem construir um governo cosmopolita e contratual a partir de estados nacionais extremamente desiguais, do ponto de vista do poder e da riqueza. O problema grave e insanável é que a falência do “contratualismo” e do “cosmopolitismo” deixa os europeus sem mais nenhum sonho ou utopia coletiva. Em poucas décadas, no final do século XX, eles enterraram o seu socialismo, e agora, no início do século XXI, estão jogando na lata do lixo o seu “cosmopolitismo liberal”. E estão deixando o resto do sistema mundial, sem a bússola do seu criador, porque o sistema seguirá em frente, mas o seu “software” europeu está perdendo energia e está se apagando. Setembro de 2011

LEMBRANDO O CARNAVAL Oscar Niemeyer Carnaval do Rio como tudo mudou! Lembro, quando garoto, que era na esquina da Rua das Laranjeiras que víamos os blocos passarem, todos vestidos de índios – alguns mais organizados, como o da Fábrica Aliança. Às vezes, o pai nos levava, para assistirmos à passagem dos préstimos, no hall de entrada do Clube de Engenharia na Avenida Rio Branco, e ali ficávamos, trepados nuns bancos, proibidos de ir à rua, acompanhando o espetáculo. Recordo que, numa noite, um senhor em pé a nossa frente tentava acender um charuto e eu, inadvertidamente, procurei apagá-lo com um lança-perfume. E o fogo subiu pelo rosto do homem, que, furioso, com uma bengala na mão, se aproximou do banco onde estávamos e indagou: “Quem fez essa brincadeira?”. E foi aí, como tantas vezes acontece, que a generosidade desapareceu, e uma senhora interveio, indignada, apontando para mim: “Foi esse menino aí. Não ia falar, mas ele está rindo.” Depois de casado, nunca pensei em Carnaval, quando para surpresa minha fui convocado por Brizola para projetar o Sambódromo do Rio. Uma aventura de que me lembro com muita saudade, pela decisão com que ele e Darcy Ribeiro levaram adiante o empreendimento contra todo tipo de objeções. – que não haveria tempo para construir o Sambódromo, que a época das chuvas seria outro obstáculo impossível de vencer, e até para um córrego que diziam passar por baixo das arquibancadas, apelaram. Mas Brizola e Darcy não deram bola para tais provocações, e o Sambódromo foi inaugurado na data prevista. Durante os três meses que durou a construção, muitas vezes visitei a obra, acompanhado de Darcy e José Carlos Sussekind, responsável por sua estrutura, e, apesar do prazo curto que tínhamos pela frente, Darcy não se

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cansava de propor novas soluções. “Vamos fazer salas de aula debaixo das arquibancadas?” – sugeriu um dia. E lá está a escolinha que imaginou e que ao Prefeito de Paris tanto espantou: “Nunca vi nada parecido” – dizia este, animado. Recordo, com a obra quase concluída, Darcy a me pedir: “Oscar, faz qualquer coisa marcando o Sambódromo.” Trata-se do arco que projetei e que foi construído na Praça da Apoteose, aplaudido com entusiasmo por Brizola e Darcy. E no qual, tempos depois, César Maia resolveu pregar mais um dos inúmeros anúncios da sua prefeitura que vinha espalhando pela cidade – apesar de ser obra realizada pelo governo de Brizola e tombada pelo Estado. Pedi para retirá-los. Não me deu bola, mas depois, tendo eu recorrido ao SPHAN, esse estranho governante foi obrigado a retirá-los definitivamente. Pois bem. Sempre considerei que é durante as grandes festas populares que as palavras de ordem devem se fazer ouvir, levando aos seus participantes os protestos contra tudo que significa injustiça social ou ofensa a nossa soberania. E lamento que isso não ocorra com maior frequência, como uma resposta a este clima de miséria e opressão em que vivemos. Muitas anos atrás, lembro-me bem, estava sozinho num hotel em Brasília e assistia pela televisão ao desfile da Escola de Samba São Clemente. Para o meu espanto o tema era “O menor abandonado neste mundo de ilusão”. E fiquei a escutar o canto, triste, a lembrar a miséria que ainda persiste em nosso país, as crianças mais pobres a perambularem pelas ruas, dormindo sobre as calçadas, enquanto outras, em número muito menor, usufruem todos os privilégios que o dinheiro permite.

que me magoava, mas esta injustiça imensa que precisamos eliminar. Tudo isso explica o entusiasmo com que acompanhei tempos depois a passagem da Escola de Samba Unidos de Vila Isabel no Sambódromo. Era a concretização da idéia que sempre me acompanhou, de levar para as festas populares as nossas reivindicações mais urgentes. Dessa vez, o tema foi a defesa da unidade e da integração dos povos que compõem a América Latina. Não podia haver assunto mais apaixonante, neste momento em que vemos esse continente tão ameaçado. E senti que a campanha de defesa da América Latina atingia uma nova etapa, mais clara e vigorosa – como a atuação surpreendente e corajosa de Chávez já impunha. E o desfile da Vila Isabel prosseguiu, com a escultura monumental de Simón Bolívar a lembrar que as coisas se repetem, que é urgente a reorganização política da América Latina, continuamente ameaçada pelo imperialismo dos EUA. Pouco conhecimento guardava daquela figura extraordinária... artigos publicados, as conversas políticas no escritório, sobretudo o livro de García Márquez O general em seu labirinto. O assunto me atraía, e recorri à enciclopédia – a enciclopédia que Sartre dizia ler como um romance –, e lá estava a história desse herói venezuelano, todo feito de coragem e desprendimento. E fiquei a ver, emocionado, como o povo do Rio de Janeiro participava de tudo aquilo com especial entusiasmo, a se identificar com a luta política que sentimos crescer em seus corações.

Mal havia desligado a televisão, uma amiga me telefonou. Falei-lhe do desfile e ela me interrompeu: “Oscar, não chore.” É claro que eu não chorava, embora – quem sabe – pouco faltasse para isso. Não era apenas a miséria 37


A Leonel Brizola, com saudade José Carlos Sussekind Usando o velho chavão, parece que foi ontem, mas quase 30 anos já se passaram desde que, pela mão amiga de Oscar Niemeyer e, através dela, também pela de Darcy Ribeiro, fui levado ao então governador Brizola para conversarmos, os quatro, sobre a idéia da construção de um sambódromo. Jamais estivera com ele antes. No encontro, Oscar já levava o esboço daquilo que, cerca de quatro meses depois, estaria pronto; lembro-me da pergunta, – central e direta – do governador: “Dá, mesmo, para ficar pronto até o carnaval?” E da minha resposta dizendo que coisa igual em tal prazo talvez nunca se tivesse feito, mas que, em minha opinião, daria para ser. Começava, assim, uma inesquecível aventura: 110 dias depois da decisão do governador, a obra estava pronta, uma semana antes do prazo fatal. Nesse pouco tempo, fizemos licitações, contratamos construtores e fornecedores, desenvolvemos os projetos (que saíam de nossas pranchetas direto para a obra) e, em paralelo, respondíamos a boa parte da mídia, a afirmar que “ não ia ficar pronto”, depois, que “ ia cair”, em seguida, que “ a acústica seria péssima”, e assim por diante. Tanta onda contrária era feita, que fui obrigado a mandar fazer uma prova de carga antecipada, carregando as arquibancadas com barris cheios d’água, para atestar sua segurança e resistência aos olhos da opinião publica. No dia da inauguração, já com as escolas desfilando, o que era uma junta prevista em projeto e, portanto, existente na construção, chegou a ser interpretada como uma perigosíssima rachadura nas colunas, a traduzir risco imediato de ruína da obra... Recordo-me da figura – elegante, suave, gentil – de D. Neusa Brizola, com olhar assustado avisando que “Leonel” me procurava com ur38

gência, já que a ele estavam propondo evacuar parte das arquibancadas, em pleno desfile. Com que alegria sorrimos e comemoramos, em conjunto, a inexistência do problema e a consagração do projeto, quando expliquei que a “rachadura” era , apenas, uma junta de dilatação... Pareceu-me, assim, uma consequência natural que, com a mesma equipe e o mesmo sistema de gestão, menos de um ano depois, tenhamos sido incumbidos do programa dos Cieps, as escolas de atendimento integral às crianças, o projeto mais vezes repetido (talvez mais de 500 repetições) em nossa história. Do lado construtivo e pedagógico, não há o que acrescentar ao que todos já conhecem. Hoje, passadas três décadas, o que mais me atrai nos Cieps, no entanto, é sua gênese quase psicológica – de certo modo me fazendo lembrar a metáfora do brinquedo destacada no filme Cidadão Kane – na mente de Brizola. Uma única vez, ele me contou que, quando pequeno e muito, muito pobre, se encantava olhando, de fora das grades, para o “colégio inglês” de ( creio eu) Passo Fundo, com suas três “imponentes” construções: prédio de aulas, biblioteca e o ginásio coberto. Ele deu, meio século depois, às crianças pobres como ele o colégio que sonhou freqüentar, mas cujas grades sequer podia pensar em transpor. Isso é de uma beleza incomum, mostrando em Brizola um grau de humanidade e emoção que poucos tiveram o privilégio de poder detectar e compartilhar. Depois dos Cieps foi a vez da Linha Vermelha, que me coube conduzir, diretamente em contacto com o Governador, aprofundando muito a relação pessoal e podendo testemunhar sua honorabilidade e a lealdade, incluindo a dignidade com que geria sua vida pessoal e familiar e a coerência de seu posicionamento político, independentemente de se concordar ou discordar dele. Faria 90 anos em janeiro passado esse quase último dos grandes titãs de nossa política; inevitável, assim, tendo

tido contacto tão intenso e próximo, que transformou relação meramente profissional num vínculo de afetuosa estima, não me lembrar de todas essas coisas com especial emoção. E, com saudade, das inúmeras vezes em que ia visitá-lo, depois de estar fora do poder, e das conversas fascinantes, instigantes, que tínhamos o habito de manter. Muita saudade, mesmo. Brizola foi um homem, assim como Darcy, assim como Oscar, cuja alma nunca esteve à venda: preferiu perder eleições presidenciais que coroariam sua carreira singular a ter que, camaleonicamente, cuspir na própria história e convicções para dizer o que, nas circunstâncias de época, seria o mais palatável e agradável aos ouvidos da maioria. Embora nunca tenha formulado a frase, creio que Brizola concluiria de modo idêntico a Darcy Ribeiro: “Fracassei na maioria das propostas que defendi. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”. Fevereiro de 2012

SEMPRE VINICIUS: DEPOIMENTO A REGINA ZAPPA Chico Buarque Lembro-me dele sempre rindo, o corpo inteiro dele rindo. Desde que era bem criança, Chico Buarque já era fascinado por Vinicius. Amigo de seu pai, Sérgio Buarque de Hollanda, o poeta frequentava a casa da família Buarque de Hollanda em São Paulo, depois em Roma, onde todos viveram durante dois anos, quando Chico tinha sete anos. Depois, novamente em São Paulo. Os saraus nessa segunda fase paulistana, que misturavam música e muita conversa até de madrugada, encantavam um jovem Chico que descobria a revolucionária batida da bossa nova através da canção Chega de saudade, composta por Vinicius e Tom Jobim. Mas, para Chico, a importância de Vinicius transcendia sua obra. Uma de suas principais contribuições, não apenas para Chico, mas para todos os compositores de música popular brasileira, foi mostrar que o trabalho do letrista é também importante manifestação da cultura brasileira, e não uma poesia menor. “Até então, essa história de poeta letrista era vista como um ofício menor.” Por causa dele, a letra de música ganhou status de poesia. Vinicius consolidou a versão de que, na criação, tudo é maior. De Vinicius Chico tem as melhores lembranças. Regina Zappa “Lembro-me de Vinicius em Roma. Ele esteve lá em missão cultural do Itamaraty, ficava no hotel e ia lá em casa algumas vezes. Nessas noites, se dizia: “Hoje tem Vinicius”. A casa vibrava, aí descia o uísque, apareciam os salgadinhos, mamãe ficava alegre, papai ficava alegre. Miúcha tinha um violão que se chamava Vinicius. Eram noites formidáveis, não entendia muito o que rolava lá, mas entendi que o Vinicius era um sujeito que fazia música e que eu conhecia um compositor em carne e osso. Tinha horas em que ele pegava o violão e eu ficava fascinado porque tinha um amigo do meu pai que fazia música. 39


“Um amigo do meu pai que fizesse música era quase um salvo-conduto para poder fazer música. Naquela época fazer música era um pouco mal visto, mas se o amigo do meu pai fazia... Nos anos 50, Vinicius já era um poeta consagrado. Para ele, não devia ser fácil cantar, tocar violão, se ligar a Pixinguinha, adorar Ismael Silva, essa gente toda do samba. Naqueles tempos ele se dizer o branco mais preto do Brasil era quase uma provocação. “Para fazer letra de música, aquelas letras dele, tinha que ser músico. Vinicius era. Tinha um ouvido musical formidável. A poesia dele, mesmo a poesia não cantada, a poesia escrita, é musical, é musicável. Acho que não haveria bossa nova sem a poesia do Vinicius. Quando apareceu a bossa nova, eu tinha 14, 15 anos e aquilo me pegou. Era uma música muito moderna e com a vantagem de ser brasileira. Ouvi o Chega de saudade e falei: “Papai, me dá dinheiro para comprar o disco do Vinicius.” “Quando Vinicius optou pela música popular, ele estava rompendo com muita coisa e com amigos dele. As pessoas começaram a achar graça, ironizar, achando que era brincadeira. Mas a geração do Vinicius era literária, e a literatura estava acima de qualquer outra coisa para eles, principalmente, acima da música popular, e do cinema, coisas das quais o Vinicius gostava. Achavam graça um pouquinho da brincadeira do Vinicius, mas depois deixou de ser uma brincadeira. As pessoas implicavam. Tinham ciúmes, para não dizer inveja, dessa aproximação dele com essas artes e da dimensão humana que ele dava à poesia. “Fui-me aproximando dele paulatinamente. Fui passando de tiete, aquele bobão, para amigo. Porque quando eu estava com Vinicius ficava bobo. Aí comecei a mostrar minhas coisas. Ele estimulava, dizia: “Me mostra aquele sambinha que você fez”. Vinicius sempre deu força. Não fiz muitos shows com ele, só alguns fora do Brasil, na Argentina e Portugal. Vinicius ficava muito à vontade no palco. Ficava mesmo como se estivesse em casa, toman40

do o uisquinho, conversando com o público. Ou melhor, gostava de ter amigo no palco e aí ficava batendo papo. “Uma vez, em Portugal, ainda na época do salazarismo, ele terminou um show, no qual tinha contado muitas histórias e declamado poemas. O pessoal tinha adoração por ele. E aquela garotada vivendo a ditadura. Mas quando acabou o show, um sucesso, ele disse que queria agradecer àquela “mocidade portuguesa”. O público que aplaudia começou a ficar inquieto e depois passou a vaiar. Ele não entendeu nada. Depois explicaram que não podia falar “mocidade portuguesa”, porque era uma espécie de juventude fascista lá em Portugal. “Vinicius era de uma generosidade muito grande. E de um ciuminho também. Ele dizia: “Bom, faça a música que você tem que fazer com seu parceirinho”. Quando fiz a parceria com Tom em Retrato em branco e preto, acho que ele ficou um pouco mordido. De certa forma, sucedi o Vinicius nas parcerias com o Tom. Vinicius só fazia música e escolhia parceiros por afinidade. Não existia a menor possibilidade de Vinicius entrar num esquema de parceria profissional. “Vinicius gostava de se cercar de gente de todas as praias, não só de música. Ele gostava dos pintores – lembro-me dele dizer “Chiquinho venha aqui ver o Scliar, o Ivan.” A casa dele era uma espécie de open house, o tempo todo, todo mundo se reunindo lá. Pessoas das tribos mais diferentes, gente de fotografia, de música, de teatro, de cinema. “Vinicius tinha medo de elevador. Toda vez que saía de um apartamento, pedia que eu ficasse na janelinha até o elevador chegar embaixo. Então, eu tinha que perguntar lá de cima: “chegou?” “A busca dele pelo grande amor muitas vezes podia parecer uma opção simplesmente pelo prazer. Mas era uma opção que custava caro. Ele sofria muito quando o amor

terminava. A amizade também era muito importante, era coisa sagrada, e sofria quando se sentia traído por algum amigo. Ele enfrentou momentos de altos e baixos na vida e no trabalho. “Vinicius era um homem de esquerda, nunca escondeu isso. Na verdade, não escondia nada, era um homem de rompantes. Falava o que achava que tinha que ser dito sem medir consequências ou possíveis prejuízos. Ele não era um homem de carreira do Itamaraty. Lembro-me dele sempre rindo, o corpo inteiro dele rindo, sacudindo todo. Ele ria gostoso, ria das bobagens que ele mesmo falava e que os outros falavam. Tinha o riso frouxo e às vezes não conseguia parar de rir. Vinicius não sabia dizer não. “As pessoas achavam que Vinicius era um devasso. Era um pouquinho, mas longe do que as pessoas imaginavam. É difícil imaginar ele hoje, não sei onde estaria. Porque ele é o contrário de muita coisa que hoje é vitoriosa, como a ostentação. Ele tinha algo de generoso e, às vezes, de ingênuo. E alguma porralouquice. Hoje essas coisas não existem. O que existe é um resultado que se busca, um objetivo, uma coisa pragmática. Tudo o que o Vinicius não era. Então, Vinicius faz muita falta hoje, mas talvez ele não pudesse estar sendo o Vinicius nos nossos dias. Não imagino em que lugar ele estaria dentro deste país e deste mundo em que vivemos.”

O Mito e o Tempo Luiz Alberto Oliveira Centro Brasileiro de Pesquisas Fìsicas Em eras antigas a perder de vista, os primeiros humanos já haviam decerto observado que a natureza é rica em regularidades: biológicas, climáticas, astronômicas, etc. O problema era ajustar as ações humanas a essa variedade de recorrências. Os homens precisaram encontrar um meio de descrever essas regularidades naturais e dar-lhes expressão sistemática através da linguagem, e o fizeram sob a forma de mitos, narrativas que relatam as origens dos seres e das coisas e as linhagens dos homens. Os mitos, de fato, são as mais remotas sondas de que dispomos para aferir as visões de mundo que vigoravam nas sociedades arcaicas. É pelo exame desses relatos que podemos compreender como o espaço e o tempo eram concebidos e organizados. Graças a esse exame, observamos que não teria havido sociedade primeva na qual o tempo não fosse apreendido a partir das regularidades e repetições percebidas no mundo natural, consubstanciadas na figura do ciclo e de suas representações simbólicas. Da mesma maneira, os mitos também foram portadores de noções espaciais como centro, borda, superfície, fronteira, que serviram para as primeiras culturas categorizarem o ambiente em que viviam. Para além das evidências arqueológicas, o principal recurso de que dispomos para sondar como nossos ancestrais pensavam é exatamente o estudo dos mitos. Qual é, contudo, a confiança que podemos hoje ter na capacidade descritiva de relatos assim tão antigos? A capacidade da palavra oral de acolher, preservar e transmitir experiências e informações é singularmente notável. Por exemplo, no século XIII da Era Comum (EC), na Irlanda, foi compilada por escrito uma coleção de lendas declamadas e cantadas desde muito pelos famosos bardos irlandeses, denominada de Mabinogion. Entre essas lendas figurava um importante episódio chamado “A Batalha das Árvores”, em que uma rainha feiticeira e seu filho se desentendem e travam uma grande guerra. 41


Os seres do mundo se dividiram em partidários do príncipe e da rainha – inclusive, as árvores da floresta. O poema enumera uma série de pares de árvores que se perfilaram nas hostes adversárias – o pinheiro se opõe ao carvalho; a azinheira ao salgueiro, etc – formando sete pares de árvores contrapostas. Quando Robert Graves, o grande erudito inglês, pesquisava para escrever sua célebre obra sobre os mitos gregos, deparou-se em seus estudos com um fragmento de um hino em louvor a Demeter, uma das divindades que presidia a passagem do mundo dos vivos ao dos mortos em um culto originário na sagrada região de Delfos, no qual também se achava descrita uma série de árvores emparelhadas. Para surpresa de Graves, embora o fragmento helênico fosse datado do século III antes da Era Comum (AEC) – ou seja, separado da compilação de lendas irlandesas por 1.600 anos e 3.000 quilômetros de distância –, havia apenas três diferenças entre as duas séries, relativas a árvores que cresciam na Grécia e não eram encontradas na Irlanda! Apesar dessa adaptação “ecológica”, a imagem de árvores se opondo aos pares era rigorosamente a mesma, e, quando Graves pesquisa mais o assunto, descobre que o esquema de árvore contra árvore, na verdade, codificava um alfabeto sagrado de quatorze consoantes, empregado em rituais secretos, em que cada árvore simbolizava uma letra. Porém, ainda mais assombrado ficou ao se dar conta de que cada uma das árvores florescia, ou frutificava, ou perdia as folhas, ou dava brotos, em uma certa ocasião específica do ano. Essas quatorze árvores, portanto, também formavam um calendário, de quatorze meses. Temos então um poema (ou hino) que exprime uma lenda, codifica um alfabeto e encarna um calendário. Para Graves, é extraordinário que esse alfabeto seja simultaneamente um calendário, pois assim a palavra e o tempo se fundem, como ocorre na magia – e na poesia. Quando uma fórmula mágica é pronunciada, um certo estado de coisas, um certo momento dos seres, responde a uma potência inerente a essa invocação. Eis, segundo Graves, o poder da palavra que encanta, o poder da poesia. 42

Qual é a funcionalidade mais evidente de um sistema coletivo de registros como esse, portado pelos mitos? É o poder de correlacionar distintas regularidades naturais de tal maneira que uma delas sirva de medida para outra, como fazem os caçadores ao vincular as migrações periódicas das manadas ao retorno de uma dada constelação no céu, convertendo um ciclo celeste em padrão de referência para um ciclo terrestre. Observações como essa, acumuladas na memória coletiva e transmitidas oralmente geração após geração, contribuíram decisivamente para a sobrevivência e prosperidade da espécie humana. Por milhares de anos, a repetição de relatos míticos foi assim a forma de assegurar a repassagem de conhecimentos, evitando que as observações longamente acumuladas pelos ancestrais fossem perdidas pelas novas gerações. De fato, a atividade de associar acontecimentos terrestres com configurações celestes e registrá-los em fórmulas míticas foi tão essencial para os mais remotos grupos humanos que conduziu à constituição do primeiro objeto técnico puramente conceitual – o calendário. O que é um calendário? É um dispositivo para se correlacionarem os registros de diferentes ciclos celestes. Os ciclos astronômicos mais evidentes são os solares, a saber,

a sucessão de dias e noites e a sequência dos solstícios e equinócios, que demarcam as estações do ano. Mas além disso somos afetados por um outro ciclo muito importante, o lunar. Por ser um satélite muito grande e muito próximo, as influências que a Lua exerce sobre a Terra e os seres vivos são imensas – como é o caso das marés. Contudo, o ciclo da Lua de quatro semanas não é comensurável com o ciclo do ano solar, ou seja, não há um número exato de lunações – meses de 28 dias – que corresponda a 365 dias. Para os povos antigos sempre foi um grande problema tentar ajustar as duas escalas; os babilônios, por exemplo, procuravam acumular o resto que sobrou de seu ano solar de 360 dias em termos de lunações para eventualmente totalizar um mês adicional. Como somente de sete em sete anos esse período aproximadamente coincidia com um número inteiro de lunações, foram necessárias longas observações e um dedicado corpo de eruditos para que fosse encontrado um modo prático de exprimir o ciclo das estações em termos de fases da Lua. Os calendários mais remotos que podemos encontrar estão invariavelmente associados a alegorias míticas. As “churingas”, por exemplo, são hastes de madeira ou de osso, em que estão inscritas séries de marcas regulares que servem como uma espécie de registro portátil de memória, onde os espaçamentos representam períodos ou durações. Essas inscrições realizam assim uma notável proeza de pensamento, pois traduzem espaço em tempo. Objetos extremamente valorizados, as churingas são utilizadas ainda hoje por povos aborígenes da Austrália, quer como deposítárias provisórias do espírito de um ancestral até sua transmissão para um recém-nascido, como também, fazendo as vezes de uma ‘partitura’ tátil, para cadenciar o ritmo dos cânticos e danças rituais.

próximo estivesse a dezenas de quilômetros. Qual a função dessas marcas? Continham a valiosa informação de que, numa determinada ocasião do ano, os salmões estariam subindo o rio para a desova e as focas iriam segui-los – assinalando portanto uma boa oportunidade para fisgar salmões e arpoar focas. Essa churinga é assim uma das primeiras evidências de um objeto técnico concebido para ampliar nossas capacidades cognitivas, no caso, de registrar acontecimentos e realizar previsões, de certo modo suplementando a função que as narrativas míticas realizavam ao assinalar as regularidades da Natureza. Giorgio de Santillana, um filósofo da Ciência, após um extenso exame das mitologias de povos arcaicos e atuais, concluiu que não há sociedade humana que não tenha codificado alguma regularidade astronômica sob a forma de um mito, e elaborado desse modo algum tipo de calendário. Essa prática seria tão amplamente generalizada que o faz propor uma nova definição para nosso gênero: “Homem é o animal que olha para o céu”. Si non è vero...

Uma churinga de 25 mil anos de idade foi encontrada no interior da França, que junto à série habitual de inscrições regulares exibia ainda ícones, possivelmente representando um salmão, uma foca e um rio – embora o rio mais

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Nosso Caminho V.1  N.12 - 2012

SumArio Al lector 47 Vera Lúcia G. Niemeyer Una plaza para Recife Oscar Niemeyer

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Jardim Botânico do Rio de Janeiro 48 Oscar Niemeyer Hotel Duas Barras – Alagoas 48 Oscar Niemeyer Fundação Oswaldo Cruz 48 Oscar Niemeyer Tecnet 49 Oscar Niemeyer Homenaje | Cândido Portinari

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Artes | Una fiesta para la vista 50 Marcus de Lontra Costa La crisis mundial y la defensa de la soberanía brasilileña Renato Guimarães

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Memória | La fortuna del Barón 55 Luiz Otávio Barreto Leite Artigos e crônicas | El costo intangible del fracaso europeo – José Luís Fiori 57 Recordando el carnaval – Oscar Niemeyer 58 Para Leonel Brizola, con añoranza – José Carlos Sussekind 60 Para siempre Vinicius: declaración a Regina Zappa – Chico Buarque 61 El mito y el tiempo – Luiz Alberto Oliveira 63 44


AL LECTOR Vera Lucia G. Niemeyer

UNA PLAZA PARA RECIFE Oscar Niemeyer

Al completar tres años de existencia, la revista Nosso Caminho ha recibido muchos elogios sobre su contenido.

El diseño de esta gran plaza estableció una pausa en ese corredor de edificios que van de cuatro a diez plantas restándole importancia a la mayoría de las playas brasileñas.

En la edición no 11, rendimos un homenaje a Vinicius de Moraes, la cual agradó a muchos lectores. En este número vamos a homenajear, por su próximo centenario, a un artista de quien todos los brasileños sentimos orgullo, Cândido Portinari. Portinari nació en la ciudad de Brodósqui, interior de São Paulo, en el año de 1903. Vino para Río de Janeiro, comenzó a pintar a mediados la década de 1910 y murió en 1962. Sus grandes obras – entre ellas los paneles Guerra e Paz y Lavrador de Café – revelan una gran creatividad y belleza. Realizó diversos trabajos integrados a los proyectos de Oscar Niemeyer. Nosotros, integrantes de Nosso Caminho, nos sentimos orgullosos de poder rendir tributo a ese gran artista plástico brasileño, recordando la importancia de su aporte cultural a los jóvenes de nuestro país, interesados en los problemas de las artes visuales. Portinari es, sin duda, un ejemplo de dedicación y talento extraordinario. Vera Lúcia G. Niemeyer 46

Es importante destacar que todo comenzó debido al poder inmobiliario y su indomable ansia de lucro sin el más mínimo respeto a las reglas más elementales de corrección y buen gusto. Sin mencionar el aspecto urbanístico que esas avenidas costaneras poseen, cuando, destinadas al tráfico intenso, cortan la conexión más íntima de la ciudad con las playas. Es la preocupación por obras más suntuosas lo que determina ese resultado cuestionable, impidiendo, como sería más agradable, que la ciudad y las playas constituyesen un conjunto más armonioso, con plazas y jardines que le enriqueciesen. En el caso de esta plaza de Recife, la solución que propusimos evita la repetición de las viejas avenidas costaneras a las que me referí, creando una separación rígida rectilínea que las construcciones de mal gusto ayudan a empobrecer. A una distancia considerable la plaza va a impedir tanto desatino. En una amplia zona ajardinada se ubican el teatro, el edificio de apoyo con oficinas, y el salón de exposiciones.

Otros aspectos curiosos el visitante encontrará. En primer lugar, es la manera simple y lógica como una suave rampa le conduce hasta el vestíbulo del teatro previsto, donde una gran pared de vidrio le separa del público. Y del escenario, que, más adelante, permite vislumbrar, sorprendido, cuan fácil fue realizar ese pequeño trayecto, que termina naturalmente cerca del local de donde partió. Acostumbrado a diseñar teatros, a sabiendas de cómo los problemas de acceso – imponiendo rampas y escaleras – son difíciles de resolver, siento que una lección de arquitectura tal vez se haga presente en este proyecto. Y me agrada más aún saber que la apertura del escenario hacia el exterior fue también una contribución mía, que adopté con cierta originalidad. Sigo evocando, emocionado, la planta del teatro, y el escenario abriendo hacia el exterior, me hace sonreír satisfecho. Pienso nuevamente en el conjunto de este proyecto del que el teatro es el elemento principal. Veo los otros edificios; siento que la vista hacia el mar está libre, como yo deseaba, que el edificio de la administración y el salón de exposiciones están muy bien situados, que el restaurante será un nuevo atractivo en este magnífico lugar, que, enhorabuena, la Prefectu47


ra de esta importante capital nordestina decidió aprovechar, transformándolo en un centro de cultura y recreación de la más alta calidad. Jardim Botânico do Rio de Janeiro Oscar Niemeyer Un entusiasmo juvenil se apoderó de mí para diseñar esta sala de exposición en el Jardín Botánico de Río de Janeiro. Fue todo un reto: diseñar un edificio moderno, que pudiese marcar un contraste con los edificios antiguos (algunos de estilo ecléctico) y diversos monumentos localizados ya en ese ambiente extraordinario. Un espacio multisimbólico, de gran significado histórico para los residentes de mi ciudad natal. El salón diseñado que deberá facilitar la interacción entre el público y una naturaleza exuberante, de rara belleza, tendrá un formato diferente, como se amerita, y comprenderá 1.070,66 metros cuadrados de construcción. Y la fantasía del arquitecto será notoria: una planta acristalada sobre pilares de cinco metros de altura, liberando así toda la vista hacia el jardín. Y los marcos de las ventanas alejados en puntos del techo formarán grandes balcones, abriendo hacia afuera de manera provocativa. En la planta baja, además del acceso, se prevé un café – un espacio de convivencia que se convertirá en un punto de atracción para los visitantes. 48

HOTEL DUAS BARRAS – ALAGOAS Oscar Niemeyer Se trata de un conjunto que deberá llamar la atención de todos por el juego de volúmenes y por la libertad con la que se intervino en el espacio. El proyecto comprende un hotel con 40 habitaciones y toda la infraestructura de apoyo necesaria, que incluye, de manera destacada, piscinas, bares, restaurantes, fitness y saunas. Fueron previstos un teleférico para hacer la conexión entre la playa y el restaurante, así como una gran recepción destinada al condominio residencial. Por otra parte, diseñamos una residencia con salones, dos habitaciones matrimoniales y cuatro bungalows conectados por una amplia y elegante marquesina, que totalizan un área de 10.772,39 metros cuadrados de construcción. Fundação Oswaldo Cruz Oscar Niemeyer Este complejo albergará importantes sectores de la Fundación Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), localizados en cuatro edificios de 27.500,00 m² de construcción se impone por su armonía y por la libertad de las soluciones adoptadas. En suma, se trataba de cumplir con un programa muy rico, a la altura de una de las instituciones científicas y académicas más reconocidas del país.

En primer lugar, cabe destacar el museo de la ciencia y la tecnología, que corresponde, sin duda alguna, a un viejo anhelo de los profesionales vinculados a los programas avanzados de post grado ofrecidos por la Fiocruz o de esta egresados. Proyecté un gran salón con dos plantas donde serán instalados los equipos del museo propiamente dicho.

TECNET Oscar Niemeyer La sede de TECNET, por mi diseñada con gran interés, corresponde a un moderno conjunto de tres edificios que se distinguen por sus formas audaces, congruentes con la importancia que la empresa tiene en su área.

Diseñé inclusive un teatro que puede tener diversas finalidades, capaz de albergar 600 personas, con acceso directo al museo asegurado por una gran marquesina. Del lado opuesto del edificio del teatro será construido un restaurante que tiene forma de cilindro, en contraste con las demás construcciones.

El edificio principal se destaca por el esmero plástico que deberá impresionar a todas las personas que lo visiten, quienes se sorprenderán con los espacios diseñadas. Es conformado por tres plantas superiores donde están previstas las oficina y la administración, y la planta baja, que comprende los accesos y un hall de entrada. El sótano está destinado a los principales sectores de apoyo y al estacionamiento.

Por último, incluimos una sala de cine 180° con 300 asientos, que estará ubicada del otro lado de la Avenida Brasil y se conectará por un viaducto destinado a vehículos y peatones.

El edificio de apoyo, situado de manera expresiva en el terreno, está compuesto por 5 plantas que reúnem áreas de oficinas.

Diferentes investigadores, profesores y estudiantes – especialmente aquellos que trabajan en el área de salud pública (inclusive en salud ocupacional y en erradicación de enfermedades tropicales) – miembros de una amplia audiencia externa – podrán llevar a cabo intercambios sociales de gran relevancia en esos espacios culturales que pude diseñar. Están previstos también un centro deportivo y un amplio estacionamiento.

Completam este complejo el edificio que alberga una sala de grabaciones y hangar – con la previsión de un helipuerto – lo que totaliza 20.250,00 m² metros cuadrados de construcción. HOMENAJE Homenajear a Cándido Portinari (1903-1962), reconocido por muchos como el mejor pintor brasileño de todos los tiempos, ha sido motivo de preocupación de por mucho tiempo para los editores de Nosso Caminho.

Gracias a él, nuestro arte moderno puede, sin duda, figurar como parte de la cultura universal. Y este razonamiento tiene sentido en la medida de que, siempre inspirado por la sufrida y oprimida realidad brasilera, supo hacer de su pintura un instrumento de protesta social. Y en esta se hacen relevantes emigrantes, espantapájaros, favelados, en definitiva, nuestra gente menos favorecida. Sus representaciones de agricultores, como los que se encuentran en los murales del Palacio Capanema, antigua sede del Ministerio de Educación (ver ilustraciones), sobresalen por su majestuosidad y por sus manos y pies fuertemente acentuados. La maestría técnica, la fuerza del genio creativo reveladas en su pintura mural llevaron a Pablo Neruda a afirmar que Portinari, Orozco, Rivera, Tamayo y Guayasamín, conformaban la cordillera de los Andes de la pintura del continente americano. Y estas cualidades también pueden ser admiradas en sus obras de carácter religioso, en las composiciones históricas, en los innumerables trabajos dedicados a motivos relacionados con el universo infantil que es posible apreciar, sobretodo si leemos O menino de Brodósqui, publicado póstumamente gracias a João Candido Portinari, hijo de este gran creador. En el día de su muerte, Carlos Drummond de Andrade, uno de sus mejores amigos y compañero de tantas

luchas en defensa del arte brasileño moderno, escribió un hermoso poema, que hemos decidido transcribir en este homenaje. Son versos conmovedores que iluminan nuestro entendimiento de la sensibilidad artística de Portinari, de la diversidad de sus temas y procedimientos constructivos, de la atención que le prestó a los seres asociados por el drama humano – de los trabajadores del café a los niños pobres que se destacan en sus dibujos y pinturas. Todos dependiendo de la mano del pintor con su “poder de encantamiento”: La Mano Entre el cafetal y el sueño el niño dibuja una estrella dorada en la pared de la capilla, y nada se resiste a la mano del pintor. La mano crece y pinta lo que no debe ser pintado sino sufrido. La mano está siempre arreglando modul- murmurando lo que escapó a la fatiga de la Creación y revisa ensayos de formas y cambia lo oblicuo por lo aéreo y siembra margaritas de buena voluntad en el baúl de los derrotados. La mano crece más y hace del mundo como se repite el mundo que telequeremos. La mano sabe el color del color y con ella viste al desnudo y lo invisible. Todo tiene explicación porque todo tiene (nuevo) color. Todo existe porque fue pintado a semejanza de la naranja mecánica 49


no para mitigar la sed de los compañeros, sobretodo para aguzarla hasta el límite del sentimiento de la tierra morada del hombre. Entre el sueño y el cafetal entre guerra y paz entre mártires, ofendidos, músicos, jangadas, cometas, entre los campesinos mecanizados de Israel la memoria de Giotto y el aroma primero de Brasil entre el amor y el oficio es donde la mano decide: todos los niños, incluso los más miserables, sean vertiginosamente felices como feliz es el retrato múltiple rosa-verde en dos generaciones del niño que se mece como flor en el cosmos y hace humilde, servicial y doméstica la mano excedente en su poder de encantamiento. Ahora hay una verdad sin angustia aun sin estar angustiado. Lo que era dolor es flor, conocimiento plástico del mundo. Y así por haber dispuesto lo esencial, dejando el resto a los doctores de Bizancio, repentinamente se calla y vuela para siempre la mano infinita la mano de ojos azules de Cándido Portinari. (De Lição de coisas) [N.C]

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UNA FIESTA PARA LA VISTA Marcus de Lontra Costa La figura elegante y discreta, de gestos comedidos y hablar educado y natural parece contrastar con las pinturas audaces, barrocas, repletas de referencias, adornos e informaciones que transforman cada lienzo en una fiesta para la vista. Así es Robinson Antônio de Oliveira, sargento de la Marina Brasileña, morador de Duque de Caxias, apasionado por el mundo de la moda, la belleza y la elegancia que él, con sensibilidad, talento e inteligencia transporta al universo del arte contemporáneo. Esa supuesta extrañeza entre el Creador y la Criatura, esa información que supera el estereotipo, esa cantidad de mensajes que un encuentro emite y transporta, es una de las valiosas y encantadoras características de ese admirable nuevo mundo, contemporáneo, regido por la velocidad de la comunicación. Y es precisamente esa realidad actual, que incorpora la diversidad como instrumento de riqueza artística y cultural, que garantiza validez a la producción de Robinson y sus musas de la Pop Music, de la industria del entretenimiento, de la fascinación por la personalidad y por la idolatría de la imagen popular. Hace poco tiempo, en el mundo moderno, la principal función del arte

sería crear formas y artefactos que fuesen apropiados y reproducidos por la actividad industrial; los ateliês (o talleres de creación…) serían laboratorios de investigación estética que alimentarían a la sociedad urbana a través de la arquitectura, del diseño, y de la comunicación en general. Esa estrategia de “construcción de la utopía” fue confrontada por el Pop Art, que aún en los años 60 buscaba responder a una realidad mundial en la cual el modernismo, en su sentido tradicional, ya no se identificaba. La simbología de la arquitectura de Niemeyer en Brasilia y las consecuencias del movimiento neoconcretista, de Hélio Oiticica, dejaron en Brasil una especie de malestar con el formalismo clásico del modernismo, basado en el orden y una especie de cartilla científica anacrónica. Así, la iconografía de la comunicación de masas, los objetos del cotidiano urbano, los llamamientos fantasiosos de la propaganda y los diversos vehículos de acción cultural como el cine, la televisión y las historietas, invaden definitivamente el universo del arte; el Pop Art valoriza nuevas referencias históricas y recrea nuevos significados para la imagen, teniendo como base el surrealismo y el dadaísmo a expensas de los movimientos constructivos. Esa nueva estrategia expande su acción artística y acaba por retomar el diálogo con el psicoanálisis y la antropología además de otros sectores

de la visualidad como el arte popular, hasta entonces despreciados por un tipo de razonamiento teórico que entiende el arte como una ilustración de sí mismo o como resultado de una elaborada teoría a priori y no construida a través del ejercicio constante de la práxis. El universo del Pop Art es lo suficientemente amplio como para incorporar las acciones y contribuciones locales, las diferentes zonas geográficas, y eso ocurrió en Brasil, donde acabó por hacerse más político, más critico, y dialogando con proximidad con el Nouveau Réalisme francés y el Arte Povera italiano. En los años ochenta con la reanudación democrática, los artistas de la generación 80 reintrodujeron la acción pictórica como arma de seducción y encanto, produciendo imágenes de gran contundencia formal e intenso cromatismo, haciendo del cotidiano urbano brasileño su principal tema de trabajo. Robinson Antônio de Oliveira es heredero directo de esa vertiente artística; él entiende al mundo y lo recrea a través de la óptica barroca, sin miedo a alegorías y creyendo en la fuerza de l os aderezos. Cualquier pintura del artista trata de encantar y envolver al espectador. Aquí no hay espacio para el silencio, para grandes áreas llanas y vacías; la relación pintura /fondo es retrabajada por Robinson sin temor a aproximaciones con maestros (a

veces olvidados) del arte brasileño, como Rodolfo Amoedo y Antônio Parreiras. Entre los artistas brasileños del siglo pasado, él encuentra abrigo en aquellos que rechazaron a la imposición constructiva como Djanira, Bonadei y, más tarde, Gerchman y Granato. La sensualidad se insinúa de manera discreta; el artista encuentra en Gustav Klimt su identificación. Personalidades de nuestro mundo artístico y cultural son vistas y revistas a través de la mirada sensible del artista. Así, en una misma serie, Arthur Bispo do Rosario y Frida Kahlo conviven en armon ía con Amy Winehouse, Madonna y Lady Gaga, todos reunidos en pinturas de gran tamaño que hacen a la vista actuar como si estuviese en un baile de carnaval, recorriendo y estallando gracias a las espectaculares imágenes que Robinson, régisseur de esa gran ópera contemporánea, persigue en cada obra que ejecuta con maestría, sensibilidad y pasión. Río de Janeiro, febrero 2012 LA CRISIS MUNDIAL Y LA DEFENSA DE LA SOBERANÍA BRASILEÑA Renato Guimarães Desde inicios del 2012, en el ámbito de Oriente Medio, pero con posible extensión a varios continentes, a el mundo vive momentos de grave peligro, que amenazan con degenerar en guerras y destrucción a gran escala. Estas también pueden produ-

cir grandes daños para nuestro país, pero aquí también se abren valiosas oportunidades para el desarrollo económico e institucional, que favorecen y exigen la movilización popular en defensa de la democracia y los intereses nacionales. I – En las últimas décadas, especialmente después de la desaparición de la Unión Soviética, una potente ofensiva de derecha dio paso a una aparente victoria definitiva del sistema capitalista liderado por el imperialismo estadounidense, con pretensiones globales. Esa ofensiva afectó profundamente a intelectuales y activistas de antiguos movimientos y partidos de izquierda. En gran medida, ellos fueron absorbidos por dos vertientes que, por senderos diferentes, incorporaban las ideas de victoria capitalista. Una parte acogió directamente la ideología neoliberal, que atribuye al mercado el poder exclusivo de decidir cuestiones económicas, sociales y políticas. La otra parte, también numerosa, se inclinó ante la ilusión de la victoria del capital, pero lo hizo en diversas construcciones ideológicas con retórica izquierdista que aceptan y difunden ideas básicas de neoliberalismo, tales como el imperio global, la prevalencia inevitable del mercado, el fracaso del concepto de Estado y, por consecuencia, del concepto de soberanía nacional, el fin de la lucha política organizada de las masas de trabajadores, la transformación de éstos en “multitud”, etc. 51


Esa ofensiva de la derecha se intensificó después de los ataques terroristas del 11 de septiembre de 2001 en los Estados Unidos. En una extensión singular del concepto clásico de que “soberano es quien decide sobre el estado de excepción”, el gobierno de ese país, después de poner a su propio pueblo, hasta cierto punto, en este estado, – a punto de someterlo a un régimen similar al del AI-5[1], que sofocó al Brasil de los años 70 -, encaminó por una política declarada y prepotente de proyectar su soberanía nacional sobre el mundo entero y exportar el estado de excepción a cualquier país donde, a su criterio, sus intereses lo exijan. Se atribuyó el derecho de hacer caso omiso de las fronteras nacionales y las instituciones internacionales para emprender en cualquier rincón de la tierra operaciones militares de todo tipo, a gran escala, con invasiones y bombardeos, o en pequeña escala, con operaciones abiertas o encubiertas de persecución de civiles bajo sospecha, a quienes, si no asesinaban, secuestraban y sometían a un tratamiento de prisioneros de guerra, sin ningún derecho legal. La ofensiva expansionista de los Estados Unidos y sus aliados, en especial de las antiguas potencias coloniales de Europa, teniendo como objetivo principal apropiarse del petróleo de los árabes, bajo el disfraz de banderas humanitarias, despertó naturalmente indignación y resisten52

cia en el mundo y, en primer lugar, en los pueblos agredidos. Al mismo tiempo, contribuyó a la subida de los precios del petróleo y otros cambios económicos y políticos en el escenario mundial que aumentaron considerablemente los costos del agresor, que estaba sobrecargado ya por el aumento de sus fuerzas armadas, tanto por la elevación de los precios de los equipos de tecnología actual como por el hecho de que ya no podía contar más con los reclutas y quedaría limitado a realizar operaciones con mercenarios, cuyos aumentos de los costos de operación crecen en progresión geométrica. De esta manera, la ofensiva comprometió los recursos económicos, militares y políticos de esa superpotencia en un grado mucho más alto que cualquier predicción de su gobierno. Este se vió a corto plazo imposibilitado de llevar a cabo su estrategia proclamada de imponer de modo fulminante e irrefutable su dominio mundial. El rápido crecimiento de otras potencias, especialmente de China y también Rusia, India, Brasil, e inclusive Alemania y otros países europeos, colocó nuevos y mayores obstáculos a la expresión de esa estrategia de poder ilimitado de los Estados Unidos. Sin perder el estilo arrogante, poseyendo las más grandes reservas y con mayor agresividad, comportamiento que caracteriza a toda bestia acorralada, el gobierno de Washington decayó gradualmente a una situación de dificultad económica, política y

militar, mientras crecía la conciencia mundial sobre el carácter de ave de rapiña del imperialismo yanqui y la necesidad de resistir a este. II – El repudio a la arrogancia de los Estados Unidos y la voluntad de oponerse a la misma, expresadas con creciente fuerza en el mundo, demostraron una vez más la importancia del factor nacional en la lucha política. Los Estados naciones, en lugar de desaparecer, volvieron con más fuerza a la escena. La defensa de los intereses nacionales frente a la agresión externa o a la dominación, que es el motor principal de los movimientos populares revolucionarios desde la lucha por la independencia de los propios Estados Unidos, resurgiendo siempre de diversas formas en la Revolución Francesa, Comuna de París, Revolución Rusa, Revolución China, Revolución Cubana, vuelve a mostrarse como factor clave para que la ciudadanía se presente como una fuerza transformadora, a fin de llevar a cabo movimientos que en un principio se limitan a fines patrióticos, pero que tienden a convertirse en logros democráticos de mayor alcance social. Este resurgimiento del factor nacional en el centro de la acción política es realidad hoy en todo el mundo, especialmente en Palestina y el Medio Oriente, así como también en Asia y África e incluso en Europa. Sin embargo, es en América del Sur

que este encuentra su más singular expresión la cual interesa de cerca a los brasileños. III – En un eco a la asertiva clásica de que la revolución elige el eslabón más débil de la cadena para eclosionar, la condición aislada y poco relevante de América del Sur en el escenario de los grandes conflictos donde se involucraron los Estados Unidos, al final, dejó ese país lisiado para intervenir en lo que él tradicionalmente considera su “patio trasero”. Eso parece haber contribuido para que los pueblos de la región percibiesen la oportunidad de vengarse de las humillaciones e infortunios que durante décadas le impusiera la política imperialista de Washington. En 1998, se elige en Venezuela al presidente Hugo Chávez, con una plataforma claramente antimperialista y, para sorpresa de muchos, con la intención firme de cumplir lo prometido. En 2002, se elige en Brasil al presidente Lula da Silva, que mantuvo la política económica neoliberal de los gobiernos anteriores en su primer mandato, pero la cambió, aun que muy gradualmente, en el segundo mandato, para beneficiar la aceleración del desarrollo económico, y adoptó una política de socorro a los estratos más pobres de la población, fortaleciendo con eso al mercado interno; adoptó también una política externa de mayor aproximación a América Latina y a otras potencias

que no eran los Estados Unidos, aun manteniendo con ese país relaciones amistosas. En 2003, se elige en Argentina al presidente Néstor Kirchner, que valientemente enfrentó a la banca internacional a fin de librar a su país de una deuda externa abusiva e impagable, logrando con eso condiciones para poner la nación vecina en el camino del desarrollo autodirigido, que hasta hoy prosigue en alto ritmo, ahora bajo la presidencia de Cristina Fernandes Kirchner, en segundo mandato. La elección en seguida de Evo Morales, en Bolivia, Rafael Correa, en Ecuador, Fernando Lugo, en Paraguay, José Mujica, en Uruguay, y Ollanta Humala, en Perú, dio mayor firmeza a la tendencia de expansión en América del Sur de gobiernos comprometidos en alcanzar expresión soberana y desarrollo pleno, económico, cultural y social, de sus naciones. Esa tendencia, aunque clara y sobresaliente, no es con seguridad rectilínea, ni imbatible. A ella se oponen en cada país fuertes corrientes internas de derecha alineadas con los Estados Unidos, que actúan orquestadas en escala internacional y dominan los medios de comunicación, los bancos y sectores importantes del empresariado local. Con apoyo financiero, político y militar de los Estados Unidos y otros países imperialistas menores, así como de sus respectivos órganos de espionaje y operaciones encubiertas, de ONG

financiadas por empresas y gobiernos imperialistas, de sociedades secretas tipo Opus Dei, etc, tales sectores de derecha emprenden en cada país una campaña sin tregua a través de la mayoría de los organismos de grandes medios de comunicación. Eses asumen carácter de partido político golpista, cuya finalidad es impedir que se elijan gobernantes comprometidos con los intereses nacionales y, cuando no lo logran, intentar a todo costo acorralar y hacer rehén al gobernante electo para, si es posible y conveniente para ellos, derrocarlo. Es lo que se ve a cada día, en Venezuela, en Bolivia, en Brasil, en Argentina, en todas partes. IV – Hay entretanto en ese proceso de ascensión nacional y democrática en América del Sur una singularidad que le da poder de sustentación: ella se desarrolla con la rigurosa observancia por los gobiernos de las normas de régimen democrático del modelo estadunidense, que presupone a los medios de comunicación sometidos a los bancos y otros grandes patrocinadores privados y las elecciones sujetas a campañas publicitarias de alto costo, financiadas por donaciones de empresas millonarias. La victoria y la permanencia de gobernantes que desagradan a la derecha, en condiciones tan adversas, se hizo posible gracias a una súbita y auspiciosa elevación de la argucia po lítica de las clases populares. Estas siguen deslumbrándose con la propaganda 53


consumista de la TV, pero aprendieron a despegarse del discurso de las grandes redes de comunicación a la hora de elegir candidato y ajuiciar gobierno. Con eso, debilitó el poder de nombrar y derrocar gobiernos que los grandes medios de comunicación exhibían en décadas pasadas. Se crean por lo tanto condiciones nuevas que favorecen y exigen la recuperación de las corrientes progresistas y su intervención en el escenario político. En el plano internacional, la lucha contra la política de guerras sin fin del imperialismo estadunidense y sus asociados, que hoy preparan una agresión de gran escala y consecuencias imprevisibles para Siria e Irán, es meta que a todos obliga. En América del Sur, y en Brasil en particular, la lucha en defensa de los intereses nacionales, de la preservación y de la profundización del régimen democrático, de la soberanía y de la cohesión de los Estados de la región es la directriz que, bien atendida, permitirá la movilización de fuerzas capaz de vencer las fuertes coaliciones de derecha y asegurar el avance económico, político y social de nuestros pueblos y naciones. V – No hay recetas listas ni caminos trazados para esa lucha. Las experiencias vividas por otros pueblos, en el pasado o en el presente, sirven de lección e inspiración, pero no sirven de modelo. La originalidad y la variedad de las soluciones que la vi54

da va generando en los países sudamericanos son muy fecundas. En común, existe entre ellas la circunstancia de que son encabezadas por líderes que no provienen de las clases dirigentes, que supieron percibir y potencializar el deseo de cambio de las masas y el descrédito entre ellas de los partidos e instituciones que venían conduciendo la vida política. Esa dependencia de liderazgos personales es al mismo tiempo positiva, porque facilita la participación de las grandes masas en el proceso político, y negativa, porque pone ese proceso en la dependencia de las elecciones y limitaciones personales del líder. Pero la necesidad de recurrir a la movilización popular, una vez que las fuerzas poderosas que lo hostilizan manipulan las grandes empresas de comunicación y las instituciones políticas formales, induce al líder a estimular la gestación de nuevas formas de organización del pueblo para el combate político y hasta para la resistencia armada. Llama la atención, en ese sentido, especialmente en Venezuela, en Bolivia y en Ecuador, la ascensión en barrios proletarios de asociaciones de moradores que se articulan en torno de consejos comunitarios y, al mismo tiempo, defienden los intereses inmediatos de la población local, tienen presencia activa en la resistencia al golpismo de derecha y presionan en favor de la profundización de la democracia.

VI – En Brasil, el movimiento organizado de masas es aun débil. En el período final de la dictadura militar, se recuperó un poco de la derrota que esta le impuso, y volvió a perder fuerza posteriormente. El gobierno del presidente Lula reflejó esa debilidad. Contradictorio, él mantuvo una política económica en la cual aun sobrevive el neoliberalismo, pero adoptó medidas de favorecimiento al poder adquisitivo de la población pobre y desarrolló una política externa de relativa autonomía en relación a los Estados Unidos, de aproximación con países del Sul y, especialmente, de apoyo a los gobiernos sudamericanos que son hostilizados por la alianza entre las f uerzas internas de derecha y el gobierno estadunidense. La presidente Dilma Rousseff, electa gracias al apoyo de Lula, mantiene en las líneas generales esa directriz. Por su política de favorecimiento a los pobres y a la soberanía de los pueblos sudamericanos, el presidente Lula fue blanco de una constante e incansable campaña hostil de los medios de comunicación. Para defenderse, él se apoyó sin embargo, casi exclusivamente, en su popularidad personal. Eso lo dejó vulnerable a las presiones y lo llevó a hacer concesiones políticas onerosas para el interés público, además de paralizar sus posibilidades de avance y poner en riesgo la preservación en el gobierno de los trazos positivos de sugestión. Con

Dilma Rousseff, tal situación de modo general se mantiene. Es por lo tanto urgente la necesidad de expansión de una consciencia pública de defensa del desarrollo soberano y democrático del país, en su economía, en su organización política y social, en su cultura. Cuanto mayor sea esa consciencia, más fuerte estará el gobierno para resistir a las agresiones de la derecha y, al mismo tiempo, mayor será la presión de los movimientos de masa para que este haga sus políticas más coherentes con los intereses del país y de la sociedad. Un conjunto de propuestas en ese sentido con seguridad incluirá: 1) la efectiva aceleración del desarrollo económico del país; 2) la subordinación de los sistemas bancario y cambial a los intereses de ese desarrollo; 3) la posesión de los recursos naturales del país y, tanto como sea posible, la recuperación de las empresas y recursos públicos estratégicos dilapidados; 4) la efectuación de un programa de reforma agraria que penalice el latifundio improductivo y beneficie las propiedades productivas pequeñas y medianas; 5) la destinación de mayores presupuestos a las políticas públicas de educación y salud; 6) el cambio de la política vigente de represión policial direccionada contra la población más pobre, principalmente no blanca, por una política democrática de seguridad públi-

ca; 7) el refuerzo del control por el poder público de las concesiones de medios de comunicación a grupos privados y otras medidas que proporcionen la profundización del régimen democrático; 8) el re-equipo de las Fuerzas Armadas y la dotación a ellas de recursos necesarios para la eficiente defensa del territorio nacional; y 9) la ampliación y consolidación de la política externa de unidad con América Latina – esencial para la preservación de los gobiernos progresistas en la región –, de respeto a la soberanía de los Estados, de relaciones amistosas con todos los pueblos y de defensa de la paz. Muchas son las metas que nos desafían, cuyo alcance requiere todo el ingenio y fuerza que sean capaces de reunir las corrientes progresistas en nuestro país, con sentido estratégico y espíritu transformador. Pueblo y gobierno necesitan movilizar sus reservas de patriotismo y civismo a fin de que Brasil pueda aprovechar la gran oportunidad que tiene hoy de fortalecerse en corto tiempo como nación poderosa, soberana, proyectada en el escenario mundial y consolidada en su papel de base y líder del proceso democrático de reconstrucción nacional, pacífico y progresista, que se desarrolla en América Latina. [1] AI-5: El Acto Institucional Nº5, o AI-5, fue el quinto de una serie de decretos emitidos por el régimen militar de Brasil en los años posteriores al golpe militar de 1964.[N. del Tradutor]

LA FORTUNA DEL BARÓN Luiz Otávio Barreto Leite Haciéndose pasar por listo, Cardoso colocó en el perchero del restaurante, a cierta distancia de la mesa que ocupaba, su fino paraguas con la siguiente nota: “Este paraguas pertenece al campeón nacional de boxeo.” Al final del almuerzo, fue a buscarlo, pero solo encontró una nota que decía: “El paraguas del campeón nacional de boxeo se lo llevó el campeón nacional de corridas.” Pequeñas historias como esa, crónicas de mayor tamaño – también volcadas a la crítica de la moral y del comportamiento humano –, frases llenas de ironía (a modo provocativo de las máximas y aforismos), anuncios divertidos eran divulgados entre 1926 y 1952, a pesar de algunas interrupciones, en el semanario “A Manha”. Su autor, el periodista gaucho Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly (1895-1971), adoptó el seudónimo irreverente de Barón de Itararé y puede ser considerado como el pionero del periodismo alternativo brasilero. Él mismo elaboraba los textos dados a luz en aquel periódico, los paginaba, diagramaba, además de actuar como un director. Lo más memorable era la manera como lidiaba con sus tribulaciones personales (persecuciones, prisión y pérdida de seres 55


queridos) y la vida política. Se destacó como militante del PCB, crítico vehemente del régimen autoritario (“El Estado nuevo es el estado al que llegamos”) y concejal electo por ese partido en 1946; su mandato fue revocado, junto con la cancelación de la inscripción de esa entidad, casi un año después. No menos memorable era su manera de enfrentar la furia de la policía censuradora y simultáneamente recordarles a quienes buscaban su periódico la oportunidad de colaborar con un anuncio, mandando a escribir esta frase en la puerta de entrada de su oficina de director de “A Manha”: “Entre sin llamar, pero no entre sin anunciar”. Torelly agudizó su verbo satírico en sus Almanhaques,* en ellos ese “Mariscal Almirante y Brigadier de aire acondicionado” no mostró la pureza (aristocrática) de sangre, sino la nobleza del espíritu de burla: “El hígado es malo para la bebida.” “Las mujeres de cierta edad nunca son de edad cierta.” “El primer desalojo fue la expulsión de Adán y Eva del Paraíso por falta de pago de renta y comportamiento inadecuado.” “La televisión es la mayor maravilla de la ciencia al servicio de la estupidez humana.” El Barón de Itararé inauguró una nueva linaje de humoristas en Brasil, a la que es posible vincular nombres como 56

los de Stanislaw Ponte Preta (su compañero de trabajo en la Folha do Povo) Millôr Fernandes y Luis Fernando Veríssimo. Su inimitable humor político se muestra muy congruente con su lucidez y coherencia – manifestadas después de reconocer el cambio progresista del Presidente Vargas, y cuando no dudó en fulminar a los críticos de la UDN: “No es triste cambiar de idea; triste es no tener ideas para cambiar”. Se muestra sorprendentemente actual su visión crítica de la realidad política del País: “Amnistía es un acto por el cual el gobierno decide perdonar generosamente las injusticias y crímenes que el mismo cometió.” “La moral de los políticos es como el elevador: sube y baja. Pero, en general, se detiene por falta de energía, o definitivamente no funciona, dejando desesperados a los infelices que confían en él.” “El mal del gobierno no es la falta de persistencia, sino la persistencia en la falta.” Llaman la atención en la producción de Torelly las narrativas a las que el autor confiere, de manera irónica, un valor etiológico. En otras palabras: ellas nos aclaran, a semejanza de los mitos y cuentos populares, el origen de algún fenómeno, de una palabra o expresión inusual (como “lágrimas de cocodrilo”) o de un hecho digno de ser mencionado. Esto puede ser,

desde el punto de vista humorístico del Barón, la entrada del primer abogado en el cielo... La génesis (desconocida) del vocablo larápio, por ejemplo, remontaría a la abreviatura popular del nombre de un ilustre cónsul romano de la Cirenaica, muy comprometido a “confundir el patrimonio ajeno con el suyo”: L [ucius] A [marus] R [ufus] A PIUS. Gracias a los estudios de Mikhail Bakhtin llegamos a reconocer en la parodia el principal proceso de carnavalización artístico-literaria. Esto se hace muy presente en los escritos del Barón, especialmente cuando él “desentroniza” máximas, proverbios y adagios: “Diputado come maíz, loro gana la fama.” “La unión hace la fuerza. Pero no por eso debían ponerle tanta agua en la leche.” “Dios le da tamiz a quien no tiene harina.” “Dios le da peine a quien no tiene cabello.” Esa es una manera de nuestro humorista expresar cierta fidelidad a ese fondo común que es la cultura popular. Crítico implacable de los periódicos golpistas de Assis Chateaubriand y Carlos Lacerda, ferviente defensor de la prensa alternativa, Torelly ganó

la admiración de muchos escritores e intelectuales de nuestro país, especialmente de izquierda. De 1955 a 1958, Moacyr Werneck de Castro y Jorge Amado hicieron circular, con el generoso apoyo de Oscar Niemeyer, Paratodos: quincenario de la cultura brasileña, donde el viejo Barón aportaba textos seleccionados de A Manha. Hace poco tiempo fue creado el Centro de Estudios de Medios Alternativos “Barón de Itararé”. Leandro Konder, por su parte, llegó a publicar, en 2007, en una obra colectiva A formação das tradições (1889-1945) bajo el sello Ed. Civilização Brasileira, un ensayo apasionante sobre este maravilloso escritor, alabando su tenacidad y aguda visión. Según el filósofo Walter Benjamin, se engañan aquellos que, empeñados en investigar el pasado literario y político, privándose de lo mejor, se limitan a realizar un inventario de los hallazgos y no saben “asimilar en el terreno de hoy el lugar donde es conservado lo viejo”. Y ese espacio-tiempo debe comprender las preocupaciones permanentes del Barón de Itararé: la necesidad de democratización de los medios de comunicación, la urgencia de armonizar ética y política en la gestión de los destinos de un país, la defensa de la soberanía nacional, la búsqueda incesante de un mundo más justo y solidario. * El primero, hecho público en 1949 (1er semestre), y los de 1955 (correspondientes al 1er y 2do semestre) fueron, en tiempos muy recientes, objeto de exquisitas ediciones facsímiles, realizadas por Sergio Luis Papi.

EL COSTO INTANGIBLE DEL FRACASO EUROPEO José Luís Fiori “Si fuese posible jerarquizar sueños, la creación de la Unión Europea estaría entre los más importantes del siglo XX. Después de un milenio de guerras continuas, los estados europeos decidieron ceder sus soberanías nacionales, para crear una comunidad económica y política, inclusiva, pacífica, harmoniosa, sin fronteras, sin discriminaciones y sin hegemonías. Un verdadero milagro, para un continente que se transformó en el centro del mundo, gracias a su capacidad de expandirse y dominar otros pueblos, de forma casi siempre violenta, y muchas veces predatoria.” JLF: “Os sinos estão dobrando”, Valor Econômico, junio de 2008 Las señales de desagregación son cada vez mayores y frecuentes, y ya no cabe duda de que el proceso de “unificación europea” entró en una calle sin salida. Es casi seguro el pufo de la deuda griega, y es cada vez más probable la ruptura de la zona del euro, que tendría un efecto en cadena, de grandes proporciones, dentro y fuera del Viejo Continente. Al mismo tiempo, la victoria de Francia y de Inglaterra, en Libia, aumentó la división y profundizó la desconfianza alemana dentro de la OTAN. Por otro lado, los gobiernos conservadores europeos están en

caída libre, y su alternativa socialdemócrata no tiene más ninguna identidad ideológica. Los intelectuales se dan cabezazos y la juventud busca nuevos caminos un poco sin rumbo. El propio ideal de la unificación europea tiene cada vez menos fuerza entre las elites, y dentro de sociedades donde se diseminan la violencia y la xenofobia. Parece inminente el fracaso europeo. Dentro de todo esto, llama la atención que el avance de la catástrofe anunciada esté siendo acompañado por una consciencia cada vez más nítida y consensual al respeto de las últimas causas, económicas y políticas, de la propia impotencia europea. Por la parte económica, todos reconocen la falta de un Tesoro europeo con capacidad unificada para tributar y emitir deuda, junto con un BC capaz de actuar como prestador en última instancia, en todos los mercados, garantizando la liquidez de los actuales títulos soberanos nacionales que deberían ser extintos y substituidos por un único título público unificado, para toda la zona del euro. Y casi todos ya reconocen la imposibilidad de una moneda soberana y de un BC eficaz, sin un estado que les dé credibilidad y poder real de acción, en particular en las situaciones de crisis. Una posición que solo podría ser cumplida, en ese momento, por Alemania, que no quiere o no puede hacerlo, o por un estado central que nadie acepta. 57


De la misma manera, por el lado político, el aumento de la fragilidad y de la fragmentación de Europa viene siendo atribuido por los analistas, de forma casi consensual, al fin de la Guerra Fría y a la unificación de Alemania, junto con el aumento descontrolado de la Unión Europea y de la OTAN, que pasaron de la condición de proyectos defensivos, a la condición de instrumentos de conquista territorial y expansión de la influencia militar y económica del occidente, dentro de la Europa del Este, y ya ahora, también, en Asia Central y en el norte de África. El ensanchamiento, en todas las direcciones, de la Unión Europea y de la OTAN aumentó sus desigualdades sociales y nacionales, y redujo el grado de homogeneidad, identidad y solidaridad que existía en el inicio del proceso de integración, cuando este era tutelado por los EUA, y tenía un enemigo común, la URSS. Ahora bien, cuando los analistas de la crisis europea se dedican a trazar escenarios futuros, casi todos calculan el tamaño de la desgracia en términos estrictamente económicos, en mil millones y trillones de euros. Y poco se habla de los costos intangibles del fracaso europeo en el campo de las ideas, de los valores y de los grandes sueños y símbolos que mueven la humanidad. Un verdadero impacto atómico sobre dos pilares fundamentales del 58

pensamiento moderno: la creencia en la viabilidad contractual de un gobierno o gobernabilidad mundial; y la apuesta en la posibilidad cosmopolita, de una federación o confederación de repúblicas, pacíficas, armoniosas, y sin fronteras o egoísmos nacionales. Dos ideas europeas que fueron concebidas en un continente extremamente belicoso y competitivo, pero que fue el gran responsable por la creación y universalización del sistema de estados nacionales modernos y del propio capitalismo. Ahora los europeos están experimentando en la piel la imposibilidad real de sus utopías, al intentar construir un gobierno cosmopolita y contractual a partir de estados nacionales extremamente desiguales, desde el punto de vista del poder y de la riqueza. El problema grave e insanable es que la quiebra del “contractualismo” y del “cosmopolitismo” deja a los europeos sin ningún sueño o utopía colectiva. En pocas décadas, al final del siglo XX, ellos enterraron su socialismo, y ahora, al inicio del siglo XXI, están tirando a la basura su “cosmopolitismo liberal”. Y están dejando el resto del sistema mundial, sin la brújula de su creador, porque el sistema seguirá adelante, pero su “software” europeo está perdiendo energía y está se apagando. Septiembre de 2011.

RECORDANDO EL CARNAVAL Oscar Niemeyer Carnaval de Río, ¡cómo todo cambió! Recuerdo, cuando chico, que era en la esquina de la Rua Laranjeiras que veíamos a los blocos[1] pasar, todos vestidos de indios – algunos más organizados, como el de la Fábrica Aliança[2]. A veces, papá nos llevaba, para ver el desfile de los fiesteros, en el hall de entrada del Club de Ingeniería en la Avenida Rio Branco, y nos quedábamos allí, encaramados en unos bancos, con prohibición de ir a la calle, mirando el espectáculo. Recuerdo que, una noche, un hombre de pie frente a nosotros estaba tratando de encender un cigarro, y yo, disimuladamente, intenté apagarlo con un lança-perfume[3]. El fuego subió por la cara del hombre, quien, furioso, con un bastón en la mano, se acercó adonde estábamos y preguntó: “¿Quién me jugó esa broma?”. Fue entonces cuando, como sucede a menudo, que la generosi[1] Bloco: Grupo de personas que desfilan y cantan en las calles durante el Carnaval, de manera semi-organizada, a menudo con el mismo disfraz o vestidos de la manera que más les convenga. [2] Fábrica Aliança: Situada en barrio Laranjeiras y fundada en 1880, fue una de las mayores textileras de Brasil. Fue clausurada y vendida por partes después de haber quebrado en 1935. [3] Lança-perfume: Droga recreacional de tipo inhalante. Compuesta por éter y un solvente aromático. Se popularizó en los carnavales de Rio de Janeiro. Su venta fue prohibida en Brasil en 1961.

dad desapareció, y una señora dijo, indignada, señalándome: “Ha sido ese chico. No quería delatarlo, pero él se estaba riendo.” Después de casado, nunca más pensé en Carnaval, cuando para mi sorpresa fui convocado por Brizola para diseñar el Sambódromo de Río de Janeiro. Una aventura que recuerdo con gran nostalgia, por la decisión con que él y Darcy Ribeiro llevaron adelante el proyecto contra todo tipo de objeciones – que no habría tiempo para construir el Sambódromo, que la temporada de lluvias podría ser otro obstáculo imposible de vencer, e inclusive hasta a un arroyo que se decía pasaba por debajo de las gradas, apelaron. Sin embargo, Brizola y Darcy hicieron caso omiso a tales provocaciones, y el Sambódromo fue inaugurado en la fecha prevista. Durante los tres meses que duró la construcción, muchas veces visité la obra, acompañado de Darcy y José Carlos Sussekind, responsable de su estructura, y , a pesar del corto plazo que teníamos disponible, Darcy no se cansaba de proponer nuevas soluciones. “¿Vamos a hacer salones de clases bajo las gradas?” – sugerió un día. Y ahí está la pequeña escuela que se imaginó y que al prefecto de París tanto espantó: “Nunca vi nada parecido” – decía este, emocionado. Recuerdo a Darcy, con la obra casi terminada, pidiéndome: “Oscar, haz algo para marcar al Sambódromo.”

Se trata de un arco que diseñé y que fue construido en la Praça da Apoteose, aplaudido con entusiasmo por Brizola y Darcy. Y donde, más tarde, César Maia decidió colocar una de las innumerables propagandas de la Prefectura que venia dispersando por la ciudad – a pesar de ser una obra rea lizada por el gobierno de Brizola y preservada por el Estado. Pedí que las retiraran. No me hizo caso; entonces formalicé una denuncia ante el SPHAN (Departamento de Patrimonio Histórico y Artístico Nacional), y ese extraño gobernante se vio obligado a retirarlas definitivamente. Muy bien. Siempre he pensado que es durante las grandes fiestas populares que las consignas deben hacerse escuchar, llevando a sus participantes las protestas contra todo lo que tenga que ver con injusticia social u ofensa a nuestra soberanía. Y lamento que eso no ocurra más a menudo, como respuesta a este clima de miseria y opresión en que vivimos. Hace muchos años, lo recuerdo bien, estaba solo en un hotel en Brasilia y veía por televisión el desfile de la Escuela de Samba San Clemente. Para mi sorpresa, el tema era “El menor abandonado en este mundo de ilusión”. Y me quedé escuchando la canción, triste, recordando la miseria que aún persiste en nuestro país, los niños más pobres que

deambulan por las calles, durmiendo en las aceras, mientras que otros, en menor cantidad, disfrutan de todos los privilegios que el dinero puede comprar. Justo después de apagar el televisor, una amiga me telefonea. Le hablé sobre el desfile y ella me interrumpió: “Oscar, no llores.” Claro que no lloraba, aunque – quién sabe – faltaba poco para eso. No era apenas la miseria lo que me lastimaba, sino esta inmensa injusticia que necesitamos erradicar. Todo esto explica el entusiasmo con el que vi tiempo después el desfile de la Escuela de Samba Unidos de Vila Isabel en el Sambódromo. Era la realización de la idea que siempre tuve, de llevar a las fiestas populares nuestras demandas más urgentes. En esta ocasión el tema fue la defensa de la unidad y la integración de los pueblos que conforman América Latina. No podría haber un tema más apasionante, ahora que vemos este continente tan amenazado. Y sentí que la campaña de defensa de América Latina pasaba a una nueva etapa, más clara y vigorosa – como las acciones sorprendentes y valientes que Chávez ya ha ejecutado. Y el desfile de la Vila Isabel continuó, con la monumental escultura de Simón Bolívar para recordar que las cosas se repiten, que es urgente la reorganización política de América 59


Latina, continuamente amenazada por el imperialismo yanqui. Guardaba poco conocimiento de esa figura extraordinaria... artículos publicados, conversaciones políticas en la oficina, en especial el libro de García Márquez El general en su laberinto. El tema me atraía, y recurrí a la enciclopedia – la enciclopedia que Sartre decía leer como una novela –, y allí estaba la historia de ese héroe venezolano, hecho de coraje y altruismo. Y me quedé viendo, emocionado, como el pueblo de Río de Janeiro participaba de todo eso con especial entusiasmo, identificándose con la lucha política que sentimos crecer en nuestros corazones. Para Leonel Brizola, con añoranza José Carlos Sussekind Usando el viejo cliché, parece que fue ayer, pero pasaron ya casi 30 años desde que, de la mano amiga de Oscar Niemeyer y, a través de ella, también de la de Darcy Ribeiro, fui llevado ante el entonces gobernador Brizola para charlar, los cuatro, sobre la idea de la construcción de un sambódromo. Jamás estuve antes con él. Para la reunión, Oscar ya llevaba el esbozo de aquello que, cerca de cuatro meses después, estaría listo; recuerdo la pregunta – central y 60

directa – del gobernador: “¿Puede, realmente, estar listo para el carnaval?” Y mi respuesta diciendo que cosa igual en tal plazo tal vez nunca se habría hecho, pero que, en mi opinión, sería posible. Comenzaba, así, una inolvidable aventura: 110 días después de la decisión del gobernador, la obra estaba lista, una semana antes del plazo fatal. En ese poco tiempo, hicimos licitaciones, contratamos constructores y proveedores, desarrollamos los proyectos (que salían de nuestras mesas directo para la obra) y, en paralelo, respondíamos a buena parte de los medios de comunicación, mientras ellos afirmaban que “no iba a estar listo”, después, que “iba a caerse”, en seguida, que “la acústica sería pésima”, y así sucesivamente. Eran tantos comentarios en contra, que fui obligado a mandar a hacer una prueba de carga anticipada, colocando en las gradas barriles llenos de agua, para probar su seguridad y resistencia ante los ojos de la opinión pública. El día de la inauguración, ya con las escuelas desfilando, lo que era una junta prevista en proyecto y, por lo tanto, existente en la construcción, llegó a ser interpretada como una peligrosísima rajadura en las columnas, que acarrearía en riesgo inmediato de desmoronamiento de la obra... Me acuerdo de la figura – ele-

gante, suave, gentil – de Doña Neusa Brizola, con mirar inquieto avisándome que “Leonel” me buscaba con urgencia, ya que a él le estaban proponiendo evacuar parte de las gradas, en pleno desfile. Con qué alegría reíamos y celebramos, en conjunto, la inexistencia del problema y la consagración del proyecto, cuando expliqué que la “rajadura” era, apenas, una junta de dilatación... Me pareció, así, una consecuencia natural que, con el mismo equipo y el mismo sistema de gestión, menos de un año después, hayamos sido comisionados para realizar el programa de los Cieps, las escuelas de atención integral a los niños, el proyecto más veces repetido (tal vez más de 500 veces) en nuestra historia. Por el lado constructivo y pedagógico, no hay nada que agregarle a lo que todos ya conocen. Hoy, tres décadas después, lo que más me atrae de los Cieps, sin embargo, es su génesis casi psicológica – de cierta manera haciéndome recordar la metáfora del juguete presentada en la película Ciudadano Kane – en la mente de Brizola. Una sola vez, él me contó que, cuando pequeño y muy, muy pobre, se encantaba mirando, desde afuera de las rejas, al “colegio inglés” (creo yo) de Passo Fundo, con sus tres “imponentes” construcciones: edificio de salas de clases, biblioteca y gimnasio cubierto. Él le dio, medio siglo después, a los niños pobres como él el colegio donde soñó estudiar, pero cuyas rejas

siquiera podía pensar en traspasar. Eso es de una belleza poco común, mostrando en Brizola un grado de humanidad y emoción que pocos tuvieron el privilegio de poder percibir y compartir. Después de los Cieps vino la Linha Vermelha (Línea Roja), que me fue encomendada dirigir, directamente en contacto con el Gobernador, profundizando mucho la relación personal y pudiendo testificar su honorabilidad y lealtad, incluyendo la dignidad con que dirigía su vida personal y familiar y la coherencia de su posicionamiento político, independientemente de si concordarse o discordarse con él. Cumpliría 90 años en enero pasado ese casi último de los grandes titanes de nuestra política; inevitable, así, habiendo tenido contacto tan intenso y próximo, que transformó la relación meramente profesional en un vínculo de afectuosa estima, no recordar de todas esas cosas con especial emoción. Y, con añoranza, de las innumerables veces en que iba a visitarlo, después de estar fuera del poder, y de las charlas fascinantes, provocantes, que teníamos la costumbre de mantener. Mucha nostalgia, de verdad. Brizola fue un hombre, tal como Darcy, tal como Oscar, cuya alma nunca estuvo a la venta: prefería perder elecciones presidenciales que coronarían su carrera singular a te-

ner que, camaleónicamente, escupir en su propia historia y convicciones para decir lo que, en las circunstancias de la época, sería más apetecible y agradable a los oídos de la mayoría. Aunque nunca haya formulado la frase, creo que Brizola concluiría de modo idéntico a Darcy Ribeiro: “Fracasé en la mayoría de las propuestas que defendí. Pero mis fracasos son mis victorias. Yo odiaría estar en el lugar de quien me venció”. Rio de Janeiro, febrero de 2012 PARA SIEMPRE VINICIUS: DECLARACIÓN A REGINA ZAPPA Chico Buarque Le recuerdo siempre riendo, riendo con todo su cuerpo. Desde que era muy niño, a Chico Buarque ya le fascinaba Vinícius. Amigo de su padre, Sérgio Buarque de Hollanda, el poeta visitaba la casa de la familia Buarque de Hollanda en São Paulo, después en Roma, donde todos vivieron durante dos años, cuando Chico tenía siete años. Después, otra vez en São Paulo. Los saraos en esa segunda fase paulistana, que mezclaban música y mucha charla hasta de madrugada, encantaban al joven Chico que descubría la revolucionaria batida de la bossa nova a través de la canción Chega de saudade, compuesta por Vinícius y Tom Jobim. Pero, para Chico, la im-

portancia de Vinícius trascendía su obra. Una de sus principales contribuciones, no apenas para Chico, sino también para todos los compositores de música popular brasileña, fue demostrar que el trabajo del letrista es también una importante manifestación de la cultura brasileña, y no una poesía menor. “Hasta entonces, esa historia de poeta letrista era vista como un oficio menor.” Gracias a él, la letra de música conquistó status de poesía. Vinícius consolidó la versión de que, en la creación, todo es mayor. De Vinícius, Chico tiene los mejores recuerdos. Regina Zappa “Recuerdo a Vinícius en Roma. Él estuvo allá en misión cultural de Itamaraty, se quedaba en el hotel e iba a casa algunas veces. En esas noches, se decía: “Hoy hay Vinícius”. La casa vibraba, ahí venía el whisky, aparecían los aperitivos, mamá se alegraba, papá se alegraba. Miúcha tenía una guitarra que se llamaba Vinícius. Eran noches formidables, no sabía bien lo que allí pasaba, pero entendí que Vinícius era un sujeto que hacía música y que yo conocía a un compositor de carne y hueso. En ocasiones él tomaba la guitarra y yo quedaba encantado porque había un amigo de mi padre que componía música. “Un amigo de mi padre que compusiese música era casi un salvocon61


ducto para poder hacer música. En aquella época hacer música era un poco mal visto, pero si el amigo de mi padre la hacía... En los años 50, Vinícius ya era un poeta consagrado. Para él, no debía ser fácil cantar, tocar guitarra, conectarse con Pixinguinha, adorar a Ismael Silva, toda esa gente del samba. En aquellos tiempos hacerse llamar el blanco más negro de Brasil era casi una provocación. “Para escribir letra de música, aquellas letras de él, había que ser músico. Vinícius lo era. Tenía un oído musical formidable. Su poesía, inclusive la poesía no cantada, la poesía escrita, es musical, es musicable. Creo que no habría bossa nova sin la poesía de Vinícius. Cuando surgió la bossa nova, yo tenía 14, 15 años y aquello me capturó. Era una música muy moderna y con la ventaja de ser brasileña. Oí Chega de saudade y dije: “Papá, dame dinero para comprar el disco de Vinícius.” “Cuando Vinícius optó por la música popular, él estaba rompiendo con muchas cosas y con amigos suyos. A las personas les comenzaban a parecer chistoso, ironizar, creyendo que era broma. Pero la generación de Vinícius era literaria, y la literatura estaba por encima de cualquier otra cosa para ellos, principalmente, por encima de la música popular, y del cine, cosas que a Vinícius le gustaban. Les parecían un poquito graciosas 62

las bromas de Vinícius, pero después dejó de ser un jueguito. Las personas se liaban. Se ponían celosas, por no decir envidiosas, de esa aproximación de él con esas artes y de la dimensión humana que él daba a la poesía. “Fui aproximándome a él paulatinamente. Fui pasando de fan, un verdadero tonto, a amigo. Porque cuando yo estaba con Vinícius me quedaba bobo. Entonces comencé a mostrar mis cosas. Él me estimulaba, decía: “Toca aquél samba que compusiste”. Vinícius siempre me apoyó. No hice muchos conciertos con él, solo algunos fuera de Brasil, en Argentina y Portugal. Vinícius se sentía muy cómodo en el escenario. Parecía que estuviese en casa, tomando un whiskycito, conversando con el público. O mejor, le gustaba tener algún amigo en el escenario y ahí se quedaba charlando. “Una vez, en Portugal, aún en la época del salazarismo, él terminó un concierto, en el que había contado muchas historias y declamado poemas. La gente le adoraba. Y aquella muchachada viviendo la dictadura. Y cuando terminó el concierto, un éxito, él dijo que quería agradecer a la “mocedad portuguesa”. El público que aplaudía comenzó a ponerse inquieto y después pasó a abuchear. Él no entendió nada. Después explicaron que no se podría decir “mocedad portuguesa”, porque era una especie de juventud fascista allá en Portugal.

“Vinícius era inmensamente generoso. Y celoso también. Él decía: “Bueno, haga la música que tiene que hacer con su compañerito”. Cuando me asocié con Tom en Retrato em branco e preto, creo que él se molestó un poco. De cierta manera, fui el sucesor de Vinícius en las sociedades con Tom. Vinícius solo componía música y escogía compañeros por afinidad. No existía la menor posibilidad de que Vinícius entrase en una sociedad profesional. “A Vinícius le gustaba rodearse de personas de todas las clases, no solo a nivel musical. A él le gustaban los pintores – me acuerdo oírle decir “Chiquinho ven acá a ver a Scliar, Ivan.” Su casa era como un open house, todo el tiempo, toda la gente reuniéndose allá. Personas de las más diferentes tribus, gente de fotografía, de música, de teatro, de cine. “Vinícius tenía miedo de ascensor. Cada vez que salía de un apartamento, me pedía que me quedase en la ventanita hasta que el ascensor llegase abajo. Entonces, yo tenía que preguntar desde arriba: “¿llegaste?” “Su búsqueda por el gran amor muchas veces podía parecer una opción simplemente por el placer. Pero era una opción que costaba caro. Él sufría mucho cuando el amor terminaba. La amistad también era muy importante, era algo sagrado, y sufría cuando se sentía traicionado

por algún amigo. Él enfrentó momentos de altos y bajos en la vida y en el trabajo. “Vinícius era un hombre de izquierda, nunca lo escondió. La verdad, no escondía nada, era un hombre de ímpetus. Decía lo que le parecía que debería ser dicho sin medir consecuencias o posibles perjuicios. Él no era un funcionario de carrera del Itamaraty. Le recuerdo siempre riendo, riendo con todo su cuerpo, sacudiéndose todo. Él reía rico, reía de las tonterías que él mismo hablaba y que otros hablaban. Tenía la risa suelta y a veces no lograba parar de reír. Vinícius no sabía decir no. “Las personas creían que Vinícius era un libertino. Era un poquito, pero no tanto como las personas imaginaban. Es difícil imaginarle hoy, no sé en donde estaría. Porque él es el contrario de muchas cosas que hoy son victoriosas, como la ostentación. Él tenía algo de generoso y, a veces, de ingenuo. Y algo mentecato. Hoy esas cosas no existen. Lo que existe es un resultado que se busca, un objetivo, una cosa pragmática. Todo lo que Vinícius no era. Entonces, Vinícius nos hace mucha falta hoy, pero tal vez él no pudiese ser el Vinícius de nuestros días. No imagino en qué lugar él estaría dentro de este país y de este mundo donde vivimos.”

El Mito y el Tiempo Luiz Alberto Oliveira Centro Brasilero de Investigaciones Físicas En eras antiguas que se pierden de vista, los primeros humanos ya habían ciertamente observado que la naturaleza es rica en regularidades: biológicas, climáticas, astronómicas, etc. El problema era ajustar las acciones humanas a esa variedad de recurrencias. Los hombres necesitaron encontrar un medio de describir esas regularidades naturales y darles expresión sistemática a través del lenguaje, y lo hicieron bajo la forma de mitos, narraciones que relatan los orígenes de los seres y de las cosas y las ascendencias de estos. Los mitos, de hecho, son las más remotas sondas de que disponemos para constatar las visiones de mundo que imperaban en las sociedades arcaicas. Es por el examen de esos relatos que podemos comprender como el espacio y el tiempo eran concebidos y organizados. Gracias a ese análisis, observamos que no habría habido sociedad primeva en la cual el tiempo no fuese aprehendido a partir de las regularidades y repeticiones percibidas en el mundo natural, consubstanciadas en la figura del ciclo y de sus representaciones simbólicas. De la misma manera, los mitos también fueron portadores de nociones espaciales como centro, borde, superficie, frontera, que sirvieron para

que las primeras culturas categorizasen el ambiente donde vivían. Además de las evidencias arqueológicas, el principal recurso del que disponemos para sondar como nuestros ancestrales pensaban es exactamente el estudio de los mitos. ¿Cuál es, entonces, la confianza que podemos tener hoy en la capacidad descriptiva de relatos tan antiguos así? La capacidad de la palabra oral de acoger, preservar y transmitir experiencias e informaciones es singularmente notable. Por ejemplo, en el siglo XIII de la Era Común (EC), en Irlanda, fue recopilada por escrito una colección de leyendas declamadas y cantadas desde mucho por los famosos bardos irlandeses, denominada de Mabinogion. Entre esas leyendas figuraba un importante episodio llamado “La Batalla de los Árboles”, donde una reina hechicera y su hijo se desentienden y traban una gran guerra. Los seres del mundo se dividieron en partidarios del príncipe y de la reina – inclusive, los árboles de la floresta. El poema enumera una serie de pares de árboles que se perfilaban en las huestes adversarias – el pino se opuso al roble; la encina al sauce, etc. – formando siete pares de árboles contrapuestas. Cuando Robert Graves, el gran erudito inglés, investigaba para escribir su célebre obra sobre los mitos griegos, se deparó en sus estudios con un fragmento de un himno en alabanza a Deméter, una de las divinidades que 63


presidia el pasaje del mundo de los vivos al de los muertos en un culto originario en la sagrada región de Delfos, donde también se encontraba descrita una serie de árboles emparejadas. Para sorpresa de Graves, aunque el fragmento helénico fuese datado del siglo III antes de la Era Común (AEC) – o sea, separado de la recopilación de leyendas irlandesas por 1.600 años y 3.000 kilómetros de distancia –, había apenas tres diferencias entre las dos series, relativas a árboles que crecían en Grecia y ¡no eran encontradas en Irlanda! A pesar de esa adaptación “ecológica”, la imagen de árboles oponiéndose a los pares era rigorosamente la misma, y, cuando Graves investiga más sobre el tema, descubre que el esquema de árbol contra árbol, en realidad, codificaba un alfabeto sagrado de catorce consonantes, empleado en rituales secretos, en que cada árbol simbolizaba una letra. Pero, se asustó aún más al darse cuenta que cada uno de los árboles florecía, o producía frutos, o perdía las hojas, o daba brotes, en un momento específico del año. Esos catorce árboles, por lo tanto, también formaban un calendario, de catorce meses. Tenemos entonces un poema (o himno) que cuenta una leyenda, codifica un alfabeto y encarna un calendario. Para Graves, es extraordinario que ese alfabeto sea simultáneamente un calendario, pues así 64

la palabra y el tiempo se funden, como ocurre en la magia – y en la poesía. Cuando una fórmula mágica es pronunciada, un cierto estado de cosas, un cierto momento de los seres, responde a una potencia inherente a esa invocación. He aquí, según Graves, el poder de la palabra que encanta, el poder de la poesía. ¿Cuál es la funcionalidad más evidente de un sistema colectivo de registros como ese, traído por los mitos? Es el poder de correlacionar distintas regularidades naturales de tal manera que una de ellas sirva de medida para otra, como hacen los cazadores al vincular las migraciones periódicas de las manadas al retorno de una determinada constelación en el cielo, convirtiendo un ciclo celeste en patrón de referencia para un ciclo terrestre. Observaciones como esa, acumuladas en la memoria colectiva y transmitidas oralmente, de generación en generación, contribuyeron decisivamente para la sobrevivencia y prosperidad de la especie humana. Por millares de años, la repetición de relatos míticos fue la manera de asegurar que los conocimientos trascendiesen, evitando que las observaciones largamente acu muladas por los ancestrales fuesen olvidadas por las nuevas generaciones. De hecho, la actividad de asociar acontecimientos terrestres a configuraciones celestes y registrarlas en fórmulas míticas

fue tan esencial para los más remotos grupos humanos que condujo a la constitución del primer objeto técnico puramente conceptual – el calendario. ¿Qué es un calendario? Es un dispositivo para correlacionar los registros de diferentes ciclos celestes. Los ciclos astronómicos más evidentes son los solares, a saber, la sucesión de días y noches y la secuencia de los solsticios y equinoccios, que demarcan las estaciones del año. Pero además de eso somos afectados por otro ciclo muy importante, el lunar. Por ser un satélite muy grande y muy cercano, las influencias que la Luna ejerce sobre la Tierra y los seres vivos son inmensas – como es el caso de las mareas. Sin embargo, el ciclo de la Luna de cuatro semanas no es conmensurable con el ciclo del año solar, o sea, no hay un número exacto de lunaciones – meses de 28 días – que corresponda a 365 días. Para los pueblos antiguos siempre fue un gran problema intentar ajustar las dos escalas; los bab ilonios, por ejemplo, buscaban acumular el resto que quedó de su año solar de 360 días en términos de lunaciones para eventualmente totalizar un mes adicional. Como solamente de siete en siete años ese período aproximadamente coincidía con un número entero de lunaciones, fueron necesarias largas observaciones y un dedicado equipo de eruditos para que

fuese encontrado un modo práctico de representar el ciclo de las estaciones en términos de fases lunares. Los calendarios más remotos que podemos encontrar están invariablemente asociados a alegorías míticas. Las “churingas”, por ejemplo, son pedazos de madera o de hueso, donde están inscriptas series de marcas regulares que sirven como una especie de registro portátil de memoria, donde los espaciamientos representan períodos o duraciones. Esas inscripciones realizan así una notable proeza de pensamiento, pues traducen espacio en tiempo. Objetos extremamente valorizados, las churingas son utilizadas aún hoy por pueblos aborígenes de Australia, sea como depositarias provisorias del espíritu de un ancestral hasta su transmisión para un recién nascido, como también, haciendo a veces de una ‘partitura’ táctil, para darle cadencia al ritmo de cánticos y danzas rituales. Una churinga de 25 mil años de edad fue encontrada en el interior de Francia, que junto a la serie habitual de inscripciones regulares exhibía aún íconos, posiblemente representando un salmón, una foca y un río – aunque el río más cercano estuviese a decenas de kilómetros. ¿Cuál es la función de esas marcas? Contenían la valiosa información de que, en una determinada ocasión del año,

los salmones estarían subiendo el rio para desovar y las focas les seguirían – señalando por lo tanto una buena oportunidad para fisgar salmones y arponear focas. Esa churinga es por lo tanto una de las primeras evidencias de un objeto técnico concebido para ampliar nuestras capacidades cognitivas, en el caso, de registrar acontecimientos y realizar previsiones, de cierta manera suplementando la función que la s narraciones míticas realizaban al señalar las regularidades de la Naturaleza. Giorgio de Santillana, filósofo de Ciencia, después de un extenso análisis de las mitologías de pueblos arcaicos y actuales, concluyó que no existe sociedad humana que no haya codificado alguna regularidad astronómica bajo la forma de un mito, y elaborado de ese modo algún tipo de calendario. Esa práctica sería tan ampliamente generalizada que le hace proponer una nueva definición para nuestro género: “Hombre es el animal que mira hacia el cielo”. Si non è vero...

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Nosso Caminho V.1  N.12 - 2012

contents To the reader 69 Vera Lúcia G. Niemeyer A square for Recife 69 Oscar Niemeyer Rio de Janeiro Botanical Gardens 70 Oscar Niemeyer Duas Barras Hotel – Alagoas 70 Oscar Niemeyer Fundação Oswaldo Cruz 71 Oscar Niemeyer Tecnet 71 Oscar Niemeyer Tribute | Cândido Portinari 71 Arts | A feast for the eyes 72 Marcus de Lontra Costa The world crisis and the defense of the Brazilian sovereign Renato Guimarães

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Memory | The Baron’s fortune 77 Luiz Otávio Barreto Leite Articles and Chronicles | The intangible cost of European failure – José Luís Fiori Remembering the carnival – Oscar Niemeyer To Leonel Brizola, we miss you dearly – José Carlos Sussekind Vinicius for ever: Testimony to Regina Zappa – Chico Buarque The myth and the time – Luiz Alberto Oliveira

79 80 82 83 85


To the reader Vera Lúcia G. Niemeyer At the completion of our third year in existence, the Nosso Caminho magazine has been receiving a series of compliments about its contents. In the 11th edition, we paid homage to Vinicius de Moraes, which pleased many readers. In this edition, we will pay tribute, for his near centenary, to an artist of whom all Brazilians are proud, Cândido Portinari. Portinari was born in the city of Brodósqui, a countryside city of São Paulo, in the year of 1903. He came to Rio de Janeiro, started painting around the middle of the 1910 decade, and passed away in 1962. His magnificent works – among them the panels Lavrador de Café and Guerra e Paz – reveal great creativity and beauty. He made many pieces for Oscar Niemeyer’s projects. Our team at Nosso Caminho is proud to pay tribute to this great Brazilian plastic artist, reminding the importance of his cultural contribution to the youth of our country, who are interested in the problems of the plastic arts. Portinari is without a doubt an example of dedication and extraordinary talent. Vera Lúcia G. Niemeyer

A Square for Recife The project of this large square puts a stop to this streak of buildings that vary between four and ten floors and that plague the majority of Brazilian beaches. It is important to point out that everything started due to the power of real state and its invincible greed for profit, without the least concern to primary rules of correction and good taste. Not to mention the urban aspect that these seaside avenues, which are planned to receive heavy traffic, present when they cut through the most intimate connection of the city to the beaches. It is the concern with constructing sumptuous works that determines this questionable result, preventing cities and beaches of constituting a more harmonious complex with squares and gardens enriching them, as it would certainly be more pleasant. In the case of this square in Recife, the proposed solution avoids the repetition of the old seaside avenues that I referred to, creating a rigid, rectilinear separation that tasteless constructions help to destroy. The square will avoid many mistakes in a considerable area. The theater, the office building and the exhibition hall were placed in a large planted area. The visitor will discover other curious aspects. First,

the simple and logical way in which an elegant ramp takes him to the foyer of the planned theater, where a large glass wall separates him from the crowd; and from the stage, which, a little bit further, he can look at. And he will think surprised how easy it was to complete this small course that ends naturally close from where he started. Being used to design theaters, knowing how access problems – forced to build ramps and stairs – are difficult to solve, I feel that, perhaps, this complex is a lesson in architecture. And it pleases me even more to know that the stage opening to the outside was also my contribution, which I adopted with certain originality. I continue to enthusiastically remember the design of the theater, and the stage opening to the outside makes me smile satisfied. I once again think about the whole of this project, in which the theater is the main element. I see the other buildings, I feel that the view to the ocean is clear, as I hoped; that the administration building and the exhibition hall are well located; that the restaurant will be a new point of interest in this magnificent place, which, all in good time, the City Hall of this important capital in Brazil’s northeast region decided to make the most out of it by transforming it into a first-class center for culture and leisure. 69


Rio de Janeiro Botanical Gardens Oscar Niemeyer I was struck by juvenile enthusiasm while designing this exhibition hall at the Rio de Janeiro Botanical Gardens. It was quite a challenge: to design a modern building, capable of evidencing the contrast between the older buildings (some of eclectic style) and varied monuments already fixated in this extraordinary place – a multi-symbolic space of great historical meaning for the residents of my native city. The designed hall, which might facilitate the interaction between the public and the exuberant nature of rare beauty, will have a differentiated format, as it was needed, and will comprehend 1,070.66m² of constructed area. And the fantasy of the architect will stand out: an area over pilotis, with glass walls five meters high, which will allow for a complete view of the garden. And the separated sashes on the marquee will form large patios that will open to the outside in a provoking way. On the ground level, beyond the access, we envisioned a café – a space for interaction that will become an attractive place for the visitors.

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Duas Barras Hotel – Alagoas Oscar Niemeyer

most renowned academic and scientific institutions in the country.

TECNET Oscar Niemeyer

This is a complex that might draw the attention of everyone because of how it plays with volumes and because of the freedom with which it imposes itself over the land.

In the first place, it is worth highlighting the museum of science and technology that certainly fulfills an old dream of the professionals associated with the graduate courses offered by FIOCRUZ or those who graduated from it. I designed a large room with two levels where the equipment of the museum will be installed. I also designed a theater meant to accommodate many needs, capable of housing 600 people, with the direct access to the museum ensured by a big marquee. On the opposite side of this theater, there will be a restaurant shaped like a cylinder, to contrast with the other buildings.

TECNET’s headquarters, which was designed by me with the utmost interest, corresponds to a modern complex of three buildings set apart by their bold shapes, consistent with the importance that the company assumes in its area of expertise.

The project is comprised of a hotel with forty rooms and all the necessary support, which, prominently, include pools, bars, restaurants, fitness centers and steam saunas. There is a lift planned, establishing a connection between the beach and the restaurant, as well as a large reception area for the residential complex. On a separate space, we designed a residence with rooms, two bedrooms for the couple and four bungalows connected by an extended and elegant marquee, totaling 10,772.39m² of constructed area. Fundação Oswaldo Cruz Oscar Niemeyer This complex, which will host important sectors of Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), comprised of four buildings with 27,450.20m² of constructed area, imposes itself for its harmony and for the liberty of the adopted solutions. After all, it was meant to fulfill the needs of a very rich program, suited for one of the

Finally, we included an 180˚ movie theater for 300 people, which will be situated on the other side of Brasil Avenue and will have a guaranteed connection through a walkway for pedestrians and vehicles. Different researchers, professors and students, especially those who work in the health sector (including the domains of workers’ health and tropical diseases eradication) –, members of a varied external audience will be able to make more meaningful social exchanges in the cultural spaces I was able to design. There will also be a sports center and a big parking lot.

The main building stands out because of its plastic neatness, which will draw the attention of everyone who visits it, taking them by surprise with the designed spaces. It comprehends three higher levels for the proposed office rooms and administration, and a ground level, which will include the accesses and an entrance hall. The underground level will house the main supporting sectors and a parking lot. The supporting building, situated in an expressive style over the field, comprehends five levels of office rooms. A building hosting a recording room and a hangar – with a planned heliport – completes this complex, totaling 20,249.90 m² of constructed area. Tribute Honoring Cândido Portinari (19031962), recognized by many as the greatest Brazilian painter of all time, had been an old concern of the editors of Nosso Caminho.

Thanks to him, our modern art can definitely take its place among the universal community of culture. And this verdict makes perfect sense in the way that, always inspired by the oppressive and miserable Brazilian reality, Portinari knew how to make his painting an instrument for social criticism. And through it, migrants, scarecrows, slum dwellers, that is, our less fortunate people stand out. His pictures of farmers, such as those found in the murals of the Gustavo Capanema palace, the old headquarters of the Ministry of Education (pursuant to subsequent illustrations), stand out because of their majesty and because of their hands and feet intensely strong. The technical mastery, the strength of his creative genius revealed in his mural paintings made Pablo Neruda affirm that Portinari, along with Oroco, Rivera, Tamayo and Guayasamin, form the Andes mountain range of painting of the American continent. And such qualities can also be appreciated in samples of his religiously inspired art, in the historical compositions, in the countless works dedicated to motifs referent to the universe of childhood, which is possible for us to appreciate, especially, if we proceed to read O menino de Brodósqui, edited posthumously, under the supervision of João Cândido Portinari, son of this great creator.

On the day of his passing, Carlos Drummond de Andrade, one of his closest friends and partner in so many fights in the defense of modern Brazilian art, wrote a beautiful poem, which we chose to transcribe in this tribute. They are touching verses that illuminate our comprehension about the artistic sensibility of Portinari, about his thematic diversity and creative processes, about the attention that he gave to the beings associated with the human drama from the coffee pickers to the poor boys who stand out in his drawings and paintings. All of them depending on the painter’s hand with his “power of enchantment”: A Mão Entre o cafezal e o sonho o garoto pinta uma estrela dourada na parede da capela, e nada mais resiste à mão pintora. A mão cresce e pinta o que não é para ser pintado mas sofrido. A mão está sempre compondo módul-murmurando o que escapou à fadiga da Criação e revê ensaios de formas e corrige o oblíquo pelo aéreo e semeia margaridinhas de bem-querer no baú dos vencidos. A mão cresce mais e faz do mundo como-se-repete o mundo que telequeremos. A mão sabe a cor da cor e com ela veste o nu e o invisível. Tudo tem explicação porque tudo tem (nova) cor. 71


Tudo existe porque foi pintado à feição de laranja mágica não para aplacar a sede dos companheiros, principalmente para aguçá-la até o limite do sentimento da terra domicílio do homem. Entre o sonho e o cafezal entre guerra e paz entre mártires, ofendidos, músicos, jangadas, pandorgas, entre os roceiros mecanizados de Israel a memória de Giotto e o aroma primeiro do Brasil entre o amor e o ofício eis que a mão decide: todos os meninos, ainda os mais desgraçados, sejam vertiginosamente felizes como feliz é o retrato múltiplo verde-róseo em duas gerações da criança que balança como flor no cosmo e torna humilde, serviçal e doméstica a mão excedente em seu poder de encantação. Agora há uma verdade sem angústia mesmo no estar-angustiado. O que era dor é flor, conhecimento plástico do mundo. E por assim haver disposto o essencial, deixando o resto aos doutores de Bizâncio, bruscamente se cala e voa para nunca-mais a mão infinita a mão-de-olhos-azuis de Cândido Portinari. (De Lição de coisas)

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A feast for the eyes Marcus de Lontra Costa The elegant and discreet figure of modest gestures and natural and educated communication seems to contrast with the bold, baroque paintings, full of references, decorations and information that transform each canvas into a feast for eyes. Such is Robinson Antônio de Oliveira, a sergeant of the Brazilian Navy, resident of Duque de Caxias, in love with the world of fashion, beauty and sophistication, which he transports into the universe of contemporary art with sensibility, talent and intelligence. This pretense disconnection between the Creator and the Creature, this information which surpasses the stereotype, this amount of messages that a meeting emits and transports is one of the most valuable and enchanting characteristics of this admirable new, contemporary world, guided by the speed of communication. And it is exactly this current reality that incorporates diversity as an instrument for artistic and cultural richness, which ensures validity to Robinson’s production and his muses from the Pop Music, from the entertainment industry, the cult of personality and the worship of the popular image. Not too long ago, in the modern world, the main function of art was

to create forms and artifacts that were appropriated and reproduced by industrial activity; the ateliers (or creation offices…) would be laboratories of aesthetical research which would feed the urban society through architecture, design and communication in general. This strategy of “construction of the utopia” was confronted by the Pop Art that, even in the sixties, sought to respond to a world reality to which modernism, in its traditional form, no longer belonged. The symbolism of Niemeyer’s architecture in Brasilia and the derivations of the neoconcrete movement of Hélio Oiticica, marked, in Brazil, some kind of unpleasantness with the classic formalism of the modernism, based on order and a type of anachronistic scientific primer. This way, the iconography of mass communication, the objects of the urban routine, the fictional appeals of advertisements and the varied vehicles of cultural action such as movies, television and comic books definitively invade the universe of art; Pop Art values new historic references and recreates new meanings for the image, having as its foundations surrealism and Dadaism, in opposition to constructivist movements. This new strategy amplifies the artistic action and ends up restarting the dialogue with psychoanalysis and anthropology, among other visual

sectors such as craftsmanship and popular art, which, until then, were disparaged by a type of theoretical thinking that understands art as an illustration of itself or as a result of a theory elaborated in advance, and not as constructed through the constant use of the praxis. The Pop Art universe is sufficiently ample to incorporate local actions and contributions, the different geographies, and this happened in Brazil, where it ended up becoming more political, more critical, and closely dialoguing with the French Nouveau Réalisme and the Italian Arte Povera. In the eighties, with the democratic upsurge, artists from the eighties generation reintroduced the pictorial action as a weapon of seduction and enchantment, producing images of great formal substance and chromatic intensity, making the Brazilian urban routine its main theme. Robinson Antônio de Oliveira is a direct heir of this artistic tendency; he understands the world and recreates it through baroque lenses, without fearing the allegories and believing in the power of decorations. Each and every painting by the artist seeks to enchant and to lure the spectator. There are no spaces for silence, for extensive flat, empty areas; the relationship painting/ background is reworked by Robinson without fearing comparisons to

masters (often forgotten) of Brazilian art such as Rodolfo Amoedo and Antônio Parreiras. Among the Brazilian artists of the last century, he finds shelter in the few who denied the constructivist imposition such as Djanira, Bonadei and, later, Gerchman e Granato. Sensuality insinuates itself in a discrete way; the artist finds in Gustav Klimt his identification. Personalities from our artistic and cultural world are seen time and again trough the sensible eyes of the artist. Thus, in the same series, Arthur Bispo do Rosário and Frida Kahlo harmoniously cohabit with Amy Winehouse, Madonna and Lady Gaga, all united in paintings of large dimensions that make the eyes act as though they were in a carnival party, running over and spotting the spectacular images that Robinson, régisseur of this great contemporary opera, seeks in each painting that he masterfully, sensually and passionately elaborates. Rio de Janeiro. February, 2012. The world crisis and the defense of the Brazilian sovereign Renato Guimarães At the beginning of 2012, primarily in the Middle East, but with a possibility of spreading to other continents, the world lives a moment of grave danger, that threatens to de-

velop into wars and large scale destruction. It can also result in great damage to our country, but it can also open valuable opportunities of economic and institutional development that favor and beg popular mobilization in the defense of democracy and national interests. I – In the last decades, especially after the extinction of the Soviet Union, a powerful right wing offensive opened the way to an apparently definitive victory of the capitalistic system captained by American imperialism, which pretended to be globalized. This offensive deeply affected intellectuals and activists of former left wing movements and political parties. To a great extent, they were absorbed by one of two ideologies that, through different approaches, incorporated the ideas of the capitalist victory. One side directly adhered to the neo-liberal ideology, which attributed to the market the exclusive power to preside over economic, social and political issues. Another group, also numerous, gave in to the illusion of the victory of capital, but did that in many ideological constructions, with a left wing rhetoric that accepts and spreads basic ideas of neo-liberalism, such as the world empire, the inevitable prevalence of the market, the bankruptcy of the concept of State and, consequently, of the concept of national sovereignty, the end of organized political 73


fight of workers, the transformation of these workers into “mobs”, etc. This right wing offensive intensified after the terrorist attacks of 9/11 in the United States. In a singular extension of the classic concept in which “sovereign is the one who decides over the State of exception”, the government of that country, after putting, to a certain extent, its own people under this state – to the point of actually submitting to a regime similar to the AI 5, which suffocated Brazil during the 1970s – followed a clear and arrogant policy of projecting its national sovereignty over the entire world and of exporting the state of exception to any country where, to its own criteria, its interests required. It arrogated the right to ignore national borders and international institutions to initiate, in whichever place on Earth, any type of military operations, be it large scale with invasions and bombings or small scale with overt or covert persecution of civilians under its suspicion, whom, if it does not assassinate, it kidnaps and submits to the status of prisoner of war, without any kind of legal rights. The expansionist offensive of the United States and its allies, specially old colonialists powers from Europe, with the main goal of taking possession of the oil of the Arabs, but shielded under a humanitarian 74

banner, awakened natural revolt and resistance in the world and, primarily, among the attacked people. At the same time, it contributed to the increase in oil prices, as well as other economic and political changes in the world, which enormously increased the costs for the aggressor, who was already overloaded by the increase in its costs with military personnel, both by the increase in current equipment prices and by the fact that it could no longer count on mandatory enlistment and was limited to recruiting mercenaries, whose operational costs grew in a geometric scale. This way, the offensive compromised the economic, military and political resources of this superpower to a degree much greater than previously anticipated by its government. It found itself unable to put into action, in a fulminating and unassailable manner, its self-proclaimed strategy for world domination. The rapid growth of other powers, particularly China, but also Russia, India, Brazil, not to mention Germany and other European countries, presented new and bigger obstacles to this strategy of limitless power of the United States. Without losing its arrogant attitude, still having large reserves available and exhibiting an aggressiveness that characterizes the behavior of a cornered beast, the government in Washington gradually descended into a situation of economic, politi-

cal and military difficulty, while the world’s awareness of the vile character of American imperialism and of the necessity for resistance grew stronger. II – The rejection to American arrogance and the disposition to oppose, demonstrated, with growing force, in the entire world, showed, once again, the importance of the national factor in the political fight. The Nation-States, instead of disappearing, came back to the scene even stronger. The defense of the national interest in face of external domination or aggression, which has been the main engine for popular mobilizations in revolutionary movements since the fight for independence in the United States, and that constantly resurfaces in many forms, during the French Revolution, the Paris Commune, the Russian Revolution, the Chinese Revolution, the Cuban Revolution, is again a key factor for the civic conscience to present itself as a force of transformation, in order to push forward movements that, in the beginning, are limited to patriotic goals, but tend to develop into democratic achievements of greater social scope. This reemergence of the national factor at the center of the political action is a reality throughout the world, particularly in Palestine and the Middle East, but also in Asia and in Africa and even in Europe. It is, however, in South

America where it finds its most singular manifestation and where it matters most to Brazilians. III – Echoing the classic assertive that revolution chooses the weakest link of the chain to implode, the isolated and less relevant condition of South America in the context of the great conflicts in which the United States took part, left this country unable to intervene in what it traditionally views as its “backyard”. This seems to have contributed to the people of the region noticing an opportunity to avenge humiliations and misfortunes that, for decades, were imposed by the imperialistic politics of Washington. In 1998, Hugo Chávez is elected president of Venezuela, with a political platform clearly anti-imperialistic and, as a surprise to many, with the firm intention of fulfilling his promises. In 2002, Lula da Silva is elected president of Brazil, who kept the neo-liberal economic policy of his predecessors during his first term, but altered it, although very gradually, on his second term, to benefit the acceleration of the economic development, and adopted policies that help the poorer segments of the population, strengthening the internal market; he also adopted a foreign policy of greater approximation to Latin America and other powers aside from the United

States, while maintaining friendly relations with this country. In 2003, Argentina elects, as its president, Néstor Kirchner, who courageously confronted international groups to free his country from an abusive and unaffordable external debt, establishing the conditions needed to put the neighbor nation on a path of auto-sustainable development that, to this day, proceeds in full swing, now under the presidency of Cristina Fernandes Kirchner, on her second term. The subsequent elections of Evo Morales, in Bolivia, Rafael Correa, in Ecuador, Fernando Lugo, in Paraguay, José Mujica, in Uruguay, and Ollanta Humala, in Peru, give greater strength to the tendency of expansion, within South America, of governments engaged in achieving sovereign expression and full economic, cultural and social development for their nations. This tendency, although striking and clear, is definitely neither unanimous nor unbeatable. Opposing it, in each country, are strong internal right wing groups aligned with the United States that act orchestrated on an international scale and dominate the media, banks and important sectors of the local business. With financial, political and military support from the United States and other smaller imperialistic countries, as well as from their respective espionage agencies and covert operations,

from NGOs financed by companies and imperialistic governments, from secret societies such as Opus Dei, etc, these right wing sectors lead, in each country, relentless campaigns through the majority of the larger media stations. These campaigns assume the characteristics of a scheming political party, whose goal is to prevent the election of politicians who are committed to national interests and, when this cannot be done, they try in every possible way to threaten and control this elected politicians in order to, if at all possible and convenient to them, overthrow these officials. It is what we see every day, in Venezuela, in Brazil, in Argentina, everywhere. IV – There is, however, in this process of national and democratic ascension in South America a singularity that gives it power of sustainability: it develops under the rigorous observation of the norms of the American model of democratic regimes, which presupposes the media to be subordinated to banks and others big private sponsors and the elections subjected to extremely costly publicity campaigns, funded by donations from wealthy companies. The victory and the permanence of governments that do not please right wing sectors, in such adverse conditions, became possible due to a sudden and auspicious increase of the political sagacity of the 75


lower classes. They continue to be amazed by the consumerist propaganda on TV, but learned to discern it from the speech of large media companies when choosing their government. This way, the power to take over and to overthrow governments that the great media exhibited in past decades has weakened. New conditions that favor and demand the recovery of progressive groups and their intervention in the political scene are therefore created. On the international arena, the fight against the politics of endless wars of American imperialism and its associates, who are preparing a large scale aggression of unforeseeable consequences to Syria and Iran, is the goal that pushes everyone forward. In South America, and particularly in Brazil, the fight in defense of national interests, the preservation and the strengthening of the democratic regime, the sovereignty and the cohesion of the States of the region is the guideline that, if fulfilled, will enable the mobilization of forces capable of winning the strong right wing coalitions and will assure the economic, political and social development of our people and nations. V – There are no specific formulas or charted roads for this fight. The events experienced by other people, in the past or in the present, serve as lessons and inspiration, but not as 76

models. The originality and the variety of solutions that life generates in South American countries are too fecund. In common, there is the condition amongst them that they are captained by leaders who are not from the dominant classes, who were able to perceive and capitalize on the desire for change demonstrated by the poorer classes and the distrust they had in the political parties and institutions that were dictating their political lives. This dependency on personal leaderships is, at the same time, positive because it facilitates the participation of the people in the political process, and negative because this process depends on the personal choices and limitations of the leader. But the necessity to appeal to popular mobilization, since the powerful forces that threaten him manipulate the big communication companies and the formal political institutions, instigate the leader to stimulate the gestation of new forms of popular organization for political combat and even for armed resistance. It is worth noticing, on this subject, especially in Venezuela, Bolivia and Ecuador, the ascension of homeowners associations that form community councils in proletarian neighborhoods and, at the same time, defend the immediate interests of the local population, have active presence in the resistance against right wing coups and pressure in favor of the development of democracy.

VI – In Brazil, the organized movement of the lower classes is still weak. During the last period of the military dictatorship, it recovered a bit from the defeat it had suffered, but it lost strength later. The Lula administration reflected this feebleness. Contradictorily, he kept an economic policy in which the neo liberalism still lives, but adopted measures that favored the buying power of the poorer levels of the population and developed a foreign policy of relative autonomy in relation to the United States, one of approximation to countries of the South and, especially, one that supports South American governments that are threatened by the alliance between internal right wing forces and the United States government. President Dilma Rousseff, elected thanks to Lula‘s support, maintains this guideline in the overall context. For his policies that favored the poorer and the sovereignty of the South American people, President Lula was the target of a constant and unrelenting hostile campaign by the media. To defend himself he used, almost exclusively, his personal popularity. This made him vulnerable to pressures and caused him to make political concessions onerous to the public interest, aside from limiting his possibilities of development and risking the preservation of the positive aspects of his administration.

This situation, in general, is the same with Dilma Rousseff. Thus, there is an urgent necessity for expansion of a public conscience in defense of the democratic and sovereign development of the country, in its economy, its political and social organization, its culture. The bigger this conscience, the stronger the government will be to resist the right wing aggressions and, at the same time, the greater the pressure of the mass movements will be for the government to make its policies more coherent with the interests of the country and of society. A list of propositions on this subject will definitely include: 1) the effective acceleration of the economic development of the country; 2) the subordination of the banking and financial systems to this development; 3) the possession of the natural resources of the country and, to the extent possible, the recovery of the companies and public resources that were strategically dilapidated; 4) the implementation of a land reform that penalizes unproductive large properties and benefits the productive small and medium sized properties; 5) the allocation of larger budgets to health and education public policies; 6) the change of the current policy of violent repression against the poorer classes of the population, especially the non-whites, for a

democratic policy of public security; 7) the reinforcement of the public control of concessions for communication channels to private groups and other measures that enable the strengthening of the democratic regime; 8) the renovation of equipment employed by the Armed Forces and the allocation of the necessary resources for the efficient defense of the national territory; 9) the intensification and the consolidation of the foreign policy of Latin America unity – essential for the preservation of the progressive governments in the region –, of respect to the sovereignty of the States, and of cordial relations with all the people and defense of the peace. Many are the goals that challenge us, whose attainment require all the ingenuity and strength capable of uniting the progressive groups of our country, with a sense of strategy and a spirit of transformation. People and government need to mobilize their reserves of patriotism and civic duty so that Brazil may take advantage of the great opportunity that it has today of affirming itself in a short period of time as a powerful nation, sovereign, projected in the world scene and consolidated in its role as the foundation and the leader for the democratic, pacific and progressive processes of national reconstruction that are under way in Latin America.

The Baron’s fortune Luiz Otávio Barreto Leite Trying to be the smart one, Cardoso left his classy umbrella on the hanger of the restaurant, which was a small distance from the table where he was sitting, with the following card: “This umbrella belongs to the national boxing champion.” After he finished his lunch, he went to get his umbrella, but he found only another card: “The national boxing champion’s umbrella has been taken by the national running champion.” Short stories like this one, or others a little bit longer but equally geared towards analyzing human behavior and customs, phrases full of irony (filled with provoking maxims and aphorisms), funny advertisements were all continuously published from 1926 to1952, aside from some interruptions, in the newspaper “A Manha”. Their author, the newsman from Rio Grande do Sul, Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly (1895-1971), adopted the irreverent pseudonym of Baron of Itararé and can be considered the pioneer of alternative journalism in Brazil. He himself elaborated the passages that came to life in that periodic, paginated them, did the layout, and also worked as the director. He dealt with his personal tribulations (persecutions, prison and the loss of loved 77


ones) and political life in the most memorable way. He stood out as a member of the PCB (Brazilian Communist Party), a relentless critic of the authoritarian regime (“The Estado Novo – meaning New State – is the state that we have come to”) and elected as city councilor in 1946 by this party; his term was terminated, along with the annulment of the registration of this entity, almost a year later. Not less remarkable was the way in which he confronted the fury of the censorship police, and simultaneously reminded those who sought his paper of the opportunity to collaborate with an advertisement, engraving this phrase on the entrance door of the “A Manha” director’s office: “Enter without knocking, but do not enter without advertising”. Torelly refined his satirical vein in his almanacs*; in them, this Marshal-Admiral and Brigadier of air conditioning exhibited not the purity (aristocratic) of the blood, but the nobility of the mocking spirit: “The liver is very bad to the alcohol.” “Women of a certain age are never the right age.” “The first eviction action was the expulsion of Adam and Eve from Paradise due to not paying rent and disrespectful behavior.” “Television is the biggest wonder of science in service of human stupidity.” 78

The Baron of Itararé inaugurated a new lineage of humorists in Brazil, to which one can possibly associate names such as Stanislaw Ponte Preta (his partner at Folha do Povo), Millôr Fernandes and Luís Fernando Veríssimo. His inimitable political humor reveals itself deeply congruent with his lucidity and coherence – which were manifested as soon as he could perceive the progressive turn in President Vargas administration, and when he did not hesitate to obliterate the critics at UDN: “The sad thing is not to change ideas; the sad thing is to not have ideas to change.” His critical perception of the political reality of the country appears surprisingly fresh.

us, similarly to myths and old popular tales, the origin of some phenomenon, of a word or common expression (such as “crocodile tears”) or of a noteworthy fact. This can be, under the humoristic prism of the Baron, the entrance of the first lawyer into heaven… The (unknown) genesis of the word larápio (a thief), for example, would go back to the popular abbreviation for the name of an illustrious Roman consul from Cyrenaica, deeply engaged in “mistaking other people’s possessions for his own”:

“Amnesty is an act with which the government decides to generously forgive the injustices and crimes that it has committed.”

Thanks to the studies of Mikhail Bakhtin, we started to recognize, in the parody, the main artistic-literary process of carnivalization. This is present in the Baron’s writings, especially when he “dethrones” maxims, proverbs and adages:

“The moral standards of politicians are like elevators: they go up and down, but, in general, they get stuck because of power failure, or definitively do not work, leaving the unfortunate ones who trust them in a desperate state.” “The government’s mistake is not the lack of persistence, but the persistence in the mistake.” It stands out in Torelly’s production the narratives to which the author grants, in an ironic way, an etiologic value. In other words: they explain to

L [ucius] A [marus] R [ufus] A PIUS.

“The Deputy eats the corn, and the parrot is the one who takes the blame.” “Union gives us strength, but even then we should not add so much water to the milk.” “God gives a sieve to those who do not have flour.” “God gives a comb to those who have no hair.”

This is one way of how our humorist can express certain fidelity to this common background that is popular culture. Implacable critic of the oppositionist newspapers of Assis Chateaubriand and Carlos Lacerda, impassionate advocate of the alternative media, Torelly earned the admiration of many writers and intellectuals of our country, especially those of left-wing political orientation. From 1955 to 1958, Moacyr Werneck de Castro and Jorge Amado published, with the generous support of Oscar Niemeyer, the Paratodos: a bi-monthly publication about Brazilian culture, in which the old Baron participated with selected writings from A Manha. Very recently, the Centro de Estudos da Mídia Alternativa “Barão de Itararé” was created. Leandro Konder, in turn, published, in 2007, in a collective work entitled A formação das tradições (1889-1945) under the printing stamp of Ed. Civilização Brasileira, an exciting essay about this magnificent writer, praising his combativeness and critical sharpness. According to Walter Benjamin’s point of view, misled are those who, while engaged in investigating the literary and political past, deprive themselves of the best, limit themselves to making an inventory of the findings and fail to “assimilate in the world of today the place in which the old is preserved”. And this space-

time must comprehend the permanent preoccupations of the Baron of Itararé: the necessity for the democratization of communication channels, the urgency to harmonize ethics and politics in the administration of a country, the defense of national sovereignty, the unrelenting search for a world that is fairer and more compassionate. * The first one, given to the public in 1949 (1st semester), and the ones from 1955 (corresponding to the 1st and 2nd semesters) were, in recent years, objects of perfect reprinting, under the care of Sergio Luís Papi.

The intangible cost of European failure José Luís Fiori “If it were possible to rank dreams, the creation of the European Union would be among one of the most important of the 20th century. After a millennium of continuous wars, the European States decided to give up their national sovereignties to create an economic and political community, inclusive, pacific, and harmonious, without borders, without discrimination and without hegemonies. It was a true miracle for a continent that became the center of the world thanks to its capacity to expand and dominate other people, generally in a violent and often predatory manner.” JLF: “The bells are tolling”, Valor Econômico, June, 2008

The signs of dissolution are becoming more evident and more frequent, and there is no doubt left that the “European unification” process has entered a dead end. It is all but certain that Greece will default, and the rupture of the Euro zone is ever more likely, which would have a chain effect of great proportion inside and out of the Old Continent. At the same time, France and England’s victory in Libya increased the division and deepened the German schism in NATO. On the other hand, the conservative European governments are in free-fall, and their social-democratic alternative does not have any ideological identity. Intellectuals are bumping their heads and the youth is aimlessly searching for new paths. The European unification ideal is becoming weaker among the elites, and among societies in which violence and xenophobia are disseminated. The European failure seems imminent. In all of this, it stands out that the development of the announced catastrophe is being followed by a clearer and more consensual conscience about the ultimate causes, economic and political, of the European impotence. On the economic side of things, everybody recognizes the lack of an European Treasure with the unified capacity to tax and to sell bonds, along with a Central Bank capable of acting as a lender of last resort in all markets, thus guaranteeing the liquidity of the current national 79


sovereign bonds which should be extinct and replaced by a single unified public bond for the whole Eurozone. And nearly everybody recognizes the impossibility of a sovereign currency and an efficient Central Bank without a State that can confer them credibility and real action power, particularly during crises – a role that, at this time, could only be played by Germany, who does not want to or cannot do it, or by a central State that no one recognizes. Mostly in the same way, on a political point of view, the increase of Europe’s fragility and fragmentation is being attributed, almost consensually by specialists, to the end of the Cold War and the unification of Germany, along with the uncontrolled growth of the European Union and NATO, which morphed from their origins of being defensive projects to their present day condition of instruments for territorial conquest and expansion of the military and economic influences of the West inside of East Europe and now also of Central Asia and North Africa. The European Union and NATO expansion in all directions increased its social and national differences and reduced the degree of homogeneity, identity and solidarity that existed at the beginning of the integration process, when it was safeguarded by the United States and had a common enemy: The Soviet Union. 80

Now, at a time when analysts of the European crisis are dedicated to forecasting future scenarios, nearly everyone is calculating the size of the tragedy in strictly economic terms, in billions or trillions of Euros. And yet, people barely speak about the intangible costs of the European failure on the field of ideas, values, and the great dreams and symbols that move humanity. A true atomic impact on two fundamental pillars of modern thinking: the belief in the contractual viability of a global government or governance; and the wage on the cosmopolitan possibility of a federation or confederation of pacific, harmonious republics, without borders or national egotism. Two European ideas, conceived in an extremely competitive and bellicose continent, but which were mostly responsible for the creation and the globalization of the system of modern national States and capitalism itself. Now, Europeans are experiencing the real impossibility of their utopias, trying to build a cosmopolitan and contractual government from extremely unequal, in terms of wealth and power, national States. The grave and irremediable problem is that the bankruptcy of the “contractualism” and the “cosmopolitism” leaves Europeans without any other collective dream or utopia. Within a few decades, at the end of the 20th century, they buried their

socialism, and now, at the beginning of the 21st century, they are throwing away their “liberal cosmopolitism”. And they are leaving the remaining world systems without the compass of its creator, because the system will go on, but its European “software” is losing energy and burning out. September, 2011. Remembering the carnival Oscar Niemeyer Rio’s carnival, how things have changed! I remember, as a little boy, that it was on the corner of Laranjeiras street where we saw the carnival groups parading, all dressed as Indians – some more organized than others, such as the one from Fábrica Aliança. Sometimes, our dad would take us to watch the car parade at the entrance hall of the Clube de Engenharia at Rio Branco Avenue, and there we stayed, perched on sitting benches, prohibited from going into the street, following the spectacle. I remember that one night, an old man standing in front of us was trying to light up his cigar, and I, inadvertently, tried to put it out with a popper. And the fire went up the man’s face, who, furiously, with a cane in his hand, got closer to the bench where we were and asked: “Who did this?”. And it was then, as it often happens, that generosity disappeared, and an

outraged old lady intervened pointing at me: “It was that boy over there. I was not going to say anything, but he is laughing.” After I got married, I never thought about Carnival anymore, when, to my surprise, I was asked by Brizola to design the sambadrome of Rio de Janeiro. An adventure which I fondly remember, because of the decisiveness with which him and Darcy Ribeiro kept the project going against all types of objections. – that we would not have enough time to build the sambadrome, that the rain season would be another unbeatable obstacle, and they even appealed to a stream, which people thought to ran underneath the stands. But Brizola and Darcy did not care about such provocations, and the sambadrome opened on the planned date. During the three months that the construction lasted, I visited it many times, accompanied by Darcy and José Carlos Sussekind, who was responsible for the structure, and, even though we had an impeding deadline ahead of us, Darcy did not tire of proposing new solutions. “Let’s build classrooms underneath the stands?” – he suggested one day. And there it is the little school which he imagined and that perplexed the Mayor of Paris: “I have never seen anything like it” – he used to say excitedly. I remember, with the construction almost finished, Darcy asking me:

“Oscar, do something to mark the sambadrome.” And then I designed an arch that was built in the Apotheosis Square, and was enthusiastically received by Brizola and Darcy. And on which, years later, César Maia decided to hang another one of the countless advertisements that he had been spreading throughout the city about his administration – even though the place had been constructed by Brizola and had been declared a national historic landmark. I asked him to remove them. He did not listen to me, but, later, after I pleaded with the SPHAN, this odd politician was obligated to definitively remove them. Well. I always felt that it is during big popular events that words of order must be heard, bringing to its participants the protests against all that translates into social injustice or offense to our sovereignty. And I regret that this does not happen more frequently, as a response to this state of misery and oppression in which we live. Many years ago, I remember well, I was alone in a hotel in Brasilia and I was watching the parade of the samba school São Clemente on the TV. To my surprise, the theme was “the homeless kid in this world of illusion”. And I kept listening to the song, sad, remembering the misery that still persists in our country, the

poorer children wandering on the streets, sleeping on the sidewalks, while others, in a much smaller number, enjoy all the privileges that money can buy. I had just turned off the TV, when a friend called me. I told her about the parade and she interrupted me: “Oscar, do not cry.” It is obvious that I was not crying, although – who knows – I was close to. It was not just the misery that bothered me, but this immense injustice that we need to eliminate. All of this explains the enthusiasm with which I watched, years later, the parade of the samba school Unidos de Vila Isabel in the sambadrome. It was the concretization of the idea that always accompanied me, taking to popular parties our most urgent pleads. This time, the theme was the defense of the unity and the integration of the people that compose Latin America. There could not have been a more passionate topic at this moment in which we see this continent so threatened. And I felt that the campaign for the defense of Latin America had reached a new level, clearer and more vigorous- as the surprising and courageous political stance of Chavez already demonstrated. And Vila Isabel’s parade continued with the monumental statue of Simón Bolivar, reminding us that things repeat themselves, that the 81


political reorganization of Latin America is urgent, that we are still threatened by United States imperialism. I had little knowledge about that extraordinary figure… published articles, political conversations at the office, specially the book by García Márquez The General in his Labyrinth. The topic attracted me, and I searched in the encyclopedia – the encyclopedia that Sartre used to read like a novel –, and there it was, the story of this Venezuelan hero, all made of courage and generosity. And I was touched to see how the people from Rio de Janeiro participated in all of that with a special enthusiasm, identifying themselves with the political fight that we feel growing inside our hearts. To Leonel Brizola, we miss you dearly José Carlos Sussekind To use the old adage, it feels like it was yesterday, but almost 30 years have gone by since, through the friendly hand of Oscar Niemeyer and, also, through the hand of Darcy Ribeiro, I was brought before with then-governor Brizola for a talk, between the four of us, about the idea of building a Sambadrome. I had never been with him before. 82

At the meeting, Oscar already had the sketch of what, about four months later, would be completed; I remember the question – straight and direct – by the governor: “Can it really be done before the Carnaval?” And my answer, stating that something of similar scale had, perhaps, never been done in so little time, but that, in my opinion, it could be done. Thus began an unforgettable adventure: 110 days after the decision by the governor, the work was completed, one week before the deadline. In this short period of time, we had bid for the construction, hired workers and suppliers, developed the projects (which would go to the construction site straight from our drawing boards) and, in parallel, answered to a fair share of the media who declared that “it would not be ready”, then that “it was going to collapse” and again that “the acoustic would be terrible”, and so on. There was such a negative reaction to it that I was forced to have an anticipated weight test, loading the stands with barrels full of water, in order to attest to their security and resistance in the court of public opinion. On opening day, already with the samba schools parading, what was, in reality, a joint designed into the project which, therefore, should be present in the construction, was in-

terpreted to be an extremely dangerous crack in the columns, posing an immediate risk to the construction… I recall the – elegant, tender, gentle – figure of D. Neusa Brizola, with a terrified look on her face, telling me that “Leonel” was urgently looking for me, since people were suggesting an evacuation of part of the stands in the middle of the parade. How happy we smiled and celebrated together the inexistence of the problem and the success of the project, when I explained that the “crack” was, simply, an expansion joint. Thus, it seemed to me a natural consequence that, with the same team and the same administration system, less than a year later, we were put in charge of the Cieps program – the schools for the day-long care of children – the most repeated project (perhaps more than 500 repetitions) of our history. On the pedagogical and structural side of things, there is nothing else to add to what everyone already knows. Today, after three decades, what attracts me the most in the Cieps, however, is its practically psychological genesis – in a way reminding me of the toy metaphor highlighted in the movie Citizen Kane – in Brizola’s mind. He told me, only once, that, when he was a little kid and very, very poor, he would be amazed by looking at, from outside the fences, the

“English school” of (I believe) Passo Fundo, with its three “imposing” buildings: the classroom building, the library and the indoor gymnasium. He gave, half a century later, to the children, poor like he had once been, the school he dreamt of attending, but whose fences he could not cross. This is of such an uncommon beauty, showing Brizola on a level of humanity and emotion perceived and shared by very few. After the Cieps, it was time for the Linha Vermelha, of which I was put in charge, directly in contact with the governor, strengthening our personal relationship and allowing me to witness his honorability and loyalty, including the dignity with which he led his personal and family life and the coherency of his political attitudes, independently of agreeing or not with him. He would have been 90 years old this past January, one of the last few great titans of our politics; thus, it is inevitable not to remember all of these things with special emotion, having had such close and intense contact that transformed our strictly professional relationship into a bond of affectionate esteem. And, to dearly miss the countless times in which I visited him, after he had left office, and the fascinating and instigating talks we had the habit of having. Indeed, I dearly miss this.

Brizola was a man, much like Darcy, much like Oscar, whose soul was never for sale: he chose to lose presidential elections that would crown his singular career rather than, like a chameleon, spit on his own history and convictions to say what, given the circumstances of the time, would be the most palatable and pleasing to the majority of ears. Although he was not the author of the phrase, I believe that Brizola would conclude identically to Darcy Ribeiro: “I failed in the majority of proposals I defended. But the failures are my victories. I would hate to be in the place of those who bested me”.

discovered the revolutionary beat of the bossa nova through the song Chega de saudade, composed by Vinicius and Tom Jobim. But, to Chico, the importance of Vinicius transcended his work. One of his main contributions, not only to Chico, but to all composers of Brazilian popular music, was to show that the work of a lyricist also is an important manifestation of Brazilian culture, and not a lesser poetry. “Till then, this idea of a lyricist poet was seen as a lesser craft.” Because of him, song lyrics gained the status of poetry. Vinicius consolidated the idea that in creation, everything is grand. Chico has the fondest memories of Vinicius.

VINICIUS FOREVER: Testimony to Regina Zappa Chico Buarque

Regina Zappa

I remember him laughing all of the time, his entire body laughing. Even when he was still a little kid, Chico Buarque was already fascinated by Vinicius. A friend to his dad, Sérgio Buarque de Hollanda, the poet used to visit the home of the Buarque de Hollanda family in São Paulo, then, later, in Rome, where they lived for two years, when Chico was seven years old. Then, again, in São Paulo. The soirees during this second time in São Paulo, which combined music and conversation late through the night, enthralled a young Chico, who

“I remember Vinicius in Rome. He was there on a cultural mission for the Itamarati, he stayed in a hotel and sometimes came to our house. On these nights, we used to say: “Vinicius is coming today”. The whole house vibrated, we brought out the whisky, prepared the snacks, my mom was happy, my dad was happy. Miúcha had a guitar that was named Vinicius. Those were extraordinary nights, I did not understand much what was happening, but I understood that Vinicius was a person who made music and that I knew a real flesh and blood composer. There were times in which he would take the guitar and I would become fas83


cinated because there was a friend of my dad who made music. “A friend of my dad who made music was almost a free pass for me to make music. At that time, to make music was frowned upon, but if a friend of my dad did it… In the fifties, Vinicius was already a renowned poet. To him, it should not be easy to sing, play the guitar, enjoy Pixinguinha, adore Ismael Silva, all these samba people. At that time, for him to say that he was the blackest white man in Brazil was almost an offense.” “In order to write song lyrics, those kinds of lyrics, one had to be a musician. Vinicius was. He had an amazing musical ear. His poetry, even his non-lyrical poetry, the written poetry, is musical, can be turned into music. I think that there would be no bossa nova without Vinicius’ poetry. When bossa nova appeared, I was 14, 15 years old, and that caught me. It was very modern music and had the advantage of being Brazilian. I listened to Chega de saudade and I said: “Dad, can I have some money to buy Vinicius’ record.” “When Vinicius opted for popular music, he was breaking up with a lot of things and with many friends. People started to find it amusing, to make fun, thinking that he was joking. But Vinicius’ generation was 84

a literary one, and literature was above everything else for them, especially above popular music and movies, things that Vinicius loved. They thought that Vinicius’ antics were funny, but then it stopped being an antic. People mocked. They were jealous, not to say envious, of his relationship with these arts and the humane dimension that he gave to poetry.” “I gradually grew closer to him. I was changing from a fan, that goofy one, to a friend. Because when I was with Vinicius I got giddy. Then I started showing him my things. He encouraged me, he used to say: “Show me that samba that you made”. Vinicius always supported me. I did not have many concerts with him, only a few outside of Brazil, in Argentina and Portugal. Vinicius felt comfortable on the stage. He felt as though he was at home, drinking his whisky, chatting with the public. Better yet, he liked to have friends on the stage and then he would stay there just chatting. “One time, in Portugal, still during Salazar’s government, he finished a show in which he had told many stories and recited poems. People adored him. And those young people living through the dictatorship. But when the show ended, a success, he said that he wanted to thank that “Portuguese youth”. The crowd that

was clapping became uneasy and then they started booing. He did not understand why. Later, someone explained that people could not say “Portuguese youth” because it was a type of a youth fascist group in Portugal.” “Vinicius was incredibly generous. And a little jealous too. He used to say: “Well, make the music that you have to with your little partner”. When I paired with Tom in Retrato em branco e preto, I think he got a little green with envy. In a way, I succeeded Vinicius in partnerships with Tom. Vinicius only made music and chose his partners by affinity. There was not the slightest chance of Vinicius entering a scheme of professional partnerships.” “Vinicius liked to be around people from different crowds, not only musicians. He liked painters – I remember him saying “Chiquinho come see Scliar, Ivan. His home was a kind of open house, all the time, everybody gathered there. People from the most varied tribes, photographers, musicians, people from the theater and the movies.” “Vinicius was afraid of elevators. Every time he left an apartment, he asked me to wait by the little window on the door until he reached the first floor. Then, I had to ask from above: “Are you there?”

“His search for the great love could often seems as an option simply for pleasure. But it was an option that took its toll. He suffered greatly when the love ended. Friendship was also really important, it was sacred, and he suffered when he felt betrayed by a friend. He faced ups and downs in his life and his work.” “Vinicius was a left wing man, he never hid that. Actually, he did not hide anything, he was an impetuous man. He spoke whatever he thought needed to be said without measuring the consequences or possible damages. He was not a man for the Itamarati career. I remember him laughing all of the time, his entire body laughing, shaking completely. He had a delightful laughter, he laughed from the silly things that he and other people would say. He had an easy smile and sometimes he could not stop laughing. Vinicius did not know how to say no.” “People though that Vinicius was perverted. He was a little bit, but far from what people imagined. It is hard to imagine him today, I do not know where he would be. Because he is the opposite of many things that today are considered a success, such as ostentation. He had something of generous and, sometimes, naive. And a degree of craziness. Today these things do not exist. What exists is a sought after result, an objective,

something pragmatic. Everything that Vinicius was not. So, Vinicius really is missed today, but perhaps he could not be like Vinicius these days. I cannot imagine what would be his place in this country or in this world that we live in.” The Myth and the Time Luiz Alberto Oliveira Brazilian Center for Physics Research In ancient times long forgotten, the first humans had certainly already observed that nature is rich of regularities: biological, climatic, astronomical, etc. The problem was to adjust human actions to this variety of occurrences. Men needed to find a way to describe these natural regularities and give them systematic expression through language, and they did this under the form of myths, narratives that tell of the origins of beings and things and the lineages of men. Myths, in fact, are the most ancient sources available to explore how archaic civilizations saw the world. It is though the examination of these recounts that we can comprehend how space and time were conceived and organized. Thanks to this exam, we observe that there was not a primitive society in which time was not understood from the regularities and repetitions perceived in the natural world, consubstantiated in the figure of the cycle and

its symbolic representations. In the same way, myths were also the carriers of spatial notions such as center, border, surface, frontier, which the first cultures used to categorize the environment in which they lived. Beyond the archeological evidences, the main resource that we have available to probe how our ancestors thought is exactly through the study of myths. What is, however, the certainty that we can have today in the descriptive capacity of such ancient recounts? The oral capacity of the word to accommodate, preserve and transmit experiences and information is uniquely notable. For example, in the 13th century of the Common Era (CE), in Ireland, it was compiled in written form a collection of oral legends that were long sung by the famous Irish bards, called Mabinogion. Among these legends there was an important episode called “The Battle of the Trees”, in which a witch queen and her son have a disagreement and start a great war. The beings of the world were divided into supporters of the prince and of the queen – including the trees of the forest. The poem enumerates a series of tree couples that were placed in rival armies – the pine tree opposed the oak tree, the Holm oak opposed the willow, etc – forming seven pairs of trees against each other. When Robert Graves, the great English 85


thinker, was researching to write his famous work about the Greek myths, he found, in his studies, a fragment of an anthem in honor of Demeter, one of the goddess that presided over the passage from the world of the living to the world of the dead in a cult originated in the sacred region of Delphos, in which there was also the description of a series of paired trees. To Graves’ surprise, although the Hellenic fragment dated back to the 3rd century before the Common Era (BCE) – that is, separated from the compilation of Irish legends by 1.600 years and 3.000 kilometers -, there were only three differences between the two series, relating to trees that grew in Greece and could not be found in Ireland! Despite this “ecologic” adaptation, the image of the trees opposing their pairs was rigorously the same and, upon further research, Graves discovers that the scheme of tree against tree in fact codified a sacred alphabet of fourteen consonants, used in secret rituals, in which each tree symbolized a letter. However, he was even more amazed when he noticed that each tree flourished, or gave fruits, or lost its leaves, or bloomed, in a specific occasion of the year. Therefore, these fourteen trees also formed a calendar of fourteen months. We then have a poem (or anthem) that tells a legend, codifies an alphabet and incarnates a cal86

endar. To Graves it is extraordinary that this alphabet is simultaneously a calendar, because this way word and time merge together, as it happens in magic – and poetry. When a magic spell is pronounced, a certain state of things, a certain moment of beings, answers to the inherent power of this invocation. This is, according to Graves, the enchanting power of words, the power of poetry. What is the most evident functionality of a system of collective registers such as this one characterized by the myths? It is the power to correlate distinct natural regularities in such a way that one of them act as a measurement for the other, such as hunters do when they relate the periodic migrations of animals to the return of a certain constellation to the sky, converting a celestial cycle into a reference standard for a terrestrial cycle. Observations such as this, accumulated in the collective memory and transmitted orally, generation after generation, decisively contributed to the survival and the prosperity of the human species. For millions of years, the repetition of mythical recounts was the way to assure the dissemination of knowledge, preventing the long accumulated observations of our ancestors from being lost in the new generations. In fact, the activity of associating terrestrial occurrences to celestial configurations and registering them in mythical formulas

was so essential to ancient groups of humans that it led to the creation of the first purely conceptual technical object – the calendar. What is a calendar? It is a device to correlate the records of different terrestrial cycles. The most evident astronomical cycles are the solar ones, that is, the succession of days and nights and the sequence of solstices and equinoxes, which mark the seasons of the year. But aside from that, we are affected by another very important cycle, the lunar cycle. Due to its status as a very large, proximate satellite, the influences that the moon exert over the Earth and the living beings are immense – such as in the case of the tides. However, the fourweek moon cycle is not commensurable with the year-long solar cycle, that is, there is not an exact number of lunations – months of 28 days – that correspond to 365 days. For the ancient civilizations, it was always a great problem trying to adjust the two scales; the Babylonians, for example, tried to accumulate what was left of their solar year of 360 days in terms of lunations to eventually create an additional month. Since this period only coincided with an even number of lunations every seven years, it required long observations and a dedicated body of thinkers for the discovery of a practical way of expressing the seasons in terms of lunar phases.

The oldest calendars that we can find are invariably associated with mythical allegories. “Churingas”, for example, are wood or bone shafts in which there are series of regular marks inscribed, which serve as some kind of a portable record of memories, where the spaces represent periods or durations. These inscriptions accomplish a notable achievement, because they translate space into time. Extremely valuable objects, churingas are still used today by the aboriginal people of Australia, be it as provisory receptacles for the soul of an ancestor until its transmission to a newborn, or as a baton to conduct the rhythm of ritual songs and dances.

registering occurrences and making predictions, in a way, supplementing the function that mythical narratives fulfilled when recording the regularities of nature. Giorgio de Santillana, a philosopher of Science, after an extensive examination of the mythologies of archaic and current civilization, concluded that there is not a human society that has not codified some astronomical regularity in the form of a myth, and thus elaborated some type of calendar. This practice was so extensively utilized that he proposes a new definition to our species: “Men is the animal that looks to the sky”. Si non è vero...

A twenty five thousand year old churinga was found in the countryside of France, in which, along with the usual series of regular inscriptions, it exhibited icons, possibly representing a salmon, a seal and a river – although the closest river was dozens of miles away. What was the function of these marks? They contained valuable information that, in a certain occasion of the year, the salmons would be going up the river to procreate and the seals would follow them – signaling a good opportunity to catch salmon and hunt seals. Thus, this churinga is one of the first evidences of a technical object conceived to amplify our cognitive capacities in the case of 87


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