CIRCUITO ALTERNATIVO
A resistência das locadoras de vídeo no Centro de Salvador
por Luisa Calmon
Edifício Alaska, número 30, Largo Dois de Julho. Edifício Primavera, número 162, Jardim Apipema. Estes são os prédios residenciais que abrigam, há mais de duas décadas, as duas últimas locadoras remanescentes no Centro de Salvador. A Vídeo & Cia e a Home Vídeo, respectivamente, são exemplos simbólicos da resistência da cultura de aluguel de filmes e séries dentro de um contexto de ascensão de plataformas de streaming, uma nova forma de distribuição digital que promete, na teoria, a praticidade de assistir o que quiser, à hora que quiser, sem sair de casa.
Estas plataformas, surgidas em meados de 2010 e intensificadas, no Brasil, a partir de 2013, são reflexos de uma sociedade cada vez mais veloz e tecnológica. Netflix, Hulu e Crackle são algumas das diversas opções de streaming de vídeo presentes no mercado de entretenimento que, gradualmente, tornaram-se a primeira opção majoritária daqueles que costumam consumir esse tipo de conteúdo - e não somente ela: o aumento da disponibilidade de links piratas para download de séries e filmes também se constitui um dos motivos para o surgimento de dificuldades enfrentadas pelo mercado de locadoras. No contexto de Salvador, desde o surgimento dessa nova modalidade, o número de estabelecimentos decresceu. Mas José Jonas e Ana Paula, proprietários das únicas locadoras de vídeo da região do Centro da cidade, são os exemplos vivos de que essa realidade pode ser contornada com bom-humor, receptividade, tradição e estratégias bem-sucedidas.
Logo quando se pesquisa “Locadoras de vídeo” no Google, obtêm-se, na aba de pesquisas relacionadas, resultados como “fim das locadoras de vídeo”; “locadoras de filme fechando”; e “locadora de vídeo ainda dá dinheiro?”. Este é o estigma de senso comum que existe com relação a esse tipo de estabelecimento. Contudo, embora seu número tenha diminuído com o passar das décadas, ainda há um mercado que procura se reinventar.
Na Vídeo & Cia, gerenciada por Jonas, existe um acervo de cerca de 20 mil DVDs em uma única loja de aproximadamente 50 m², chegando perto dos quase 25 mil títulos da Netflix Brasil (a plataforma mais utilizada) que, embora aparente ter uma gama completa de opções, representa apenas 10% do catálogo estadunidense. Contudo, a diferença está nos títulos ofertados: ambas as locadoras possuem obras que não estão presentes ou foram retiradas dos catálogos de streaming - muitas delas são clássicos do cinema, como Titanic, e também lançamentos que costumam demorar para serem postos nas plataformas e que chegam mais rápido às prateleiras físicas.
Ana Paula comenta que muitos títulos bem-sucedidos, os blockbusters - como a série de filmes Harry Potter - não estão presentes nas plataformas de streaming mais famosas, como a Netflix. Séries longas de TV, como How I Met Your Mother e Game of Thrones, também não fazem parte do catálogo da gigante do entretenimento e, por isso, são comumente alugadas na locadora De forma geral, tanto Jonas como Ana Paula afirmam que o catálogo dessas plataformas, pelo menos no Brasil, ainda é escasso se comparado a outros países.
Além disso, nas duas locadoras há uma variedade de gêneros não muito explorados por essa indústria tecnológica: evangélico, cult, regional e erótico são alguns deles.
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gundo Ana Paula, proprietária da Home Vídeo, muitos unirios da UFBA, principalmente durante as férias, buscam a ra para ver títulos raros, cults e/ou regionais, inacessíveis a Netflix quanto na internet. Jonas acrescenta que, na époque aconteciam os vestibulares tradicionais, havia muita entação de aluguel dos títulos obrigatórios para as proa sua locadora, a Video & Cia, há, também, uma sessão va para maiores de dezoito anos, escondida em meio às iras convencionais: a erótica. Predominantemente utilizada mens adultos no ápice da sua meia idade, esta e as deategorias representam mais uma maneira de manifestar erencial em meio às opções habituais e, assim, resistir.
Ademais, há, nos estabelecimentos, outros planos que vão além do aluguel de vídeos. Ana Paula, por exemplo, planeja criar um café nos fundos da locadora. Ela constata que, em Salvador, faltam locais para ver e apreciar um bom filme enquanto se bate papo, principalmente em bairros de classe média alta, como é o que está localizada a Home Vídeo. Em viagem recente para São Paulo, ela faz uma comparação com uma grande locadora local que possui um esquema parecido e é bem frequentada. Na conversa, ainda, ela aponta a semelhança que essa logística pode ter com relação às livrarias, em que as pessoas tomam seu café e folheiam livros e revistas.
Com cerca de duas décadas de surgimento, ambas as contar. A Home Video, fundada há 24 anos, já passou por solina do Apipema e o Ondina Apart Hotel, locais próximo um pouco mais de estrada, com 27 anos de fundação e d gar a uma floricultura na Mouraria e a outra ainda em func
locadoras têm muitas histórias para r outros dois locais: o posto de gaos à atual loja. Já a Video & Cia tem duas sedes - uma delas que deu lucionamento, no Largo Dois de Julho.
Antes com aluguel de fitas VHS, as locadoras, desde sempre, ajustaram-se às demandas de seus clientes: atualmente trabalham com Blu-Ray’s e continuarão se ajustando, sempre na medida do possível. Ao passo que as gerações de multimídia foram evoluindo, as gerações de pais e filhos também foram se perpetuando. As duas locadoras possuem clientes que cultivam o hábito de alugar filmes e, hoje, trazem seus filhos para o espaço, uma forma de botá-los em contato com o universo do Cinema e sua diversidade. É o caso de Priscila e Cleberson, pais do pequeno Moisés, que sempre frequentam a locadora do Largo Dois de Julho para alugar filmes infantis.
Cada locadora possui sua peculiaridade. Jonas é religioso e deixa isso estampado por entre as paredes da sua locadora, com cruzes, frases e símbolos que fazem alusão a sua crença. Já Ana Paula é um pouco mais impessoal, mas, dentro do seu estabelecimento, mantém uma prateleira de doces e snacks.
Nos últimos anos, os dois empresários já foram procurados por jornais locais para dar entrevistas e comentar sobre a diminuição da presença de locadoras na cidade de Salvador. Ao lembrar das épocas passadas, em que as filas para alugar lançamentos costumavam sair da loja em direção à calçada, Júnior comenta que, hoje, prefere não contribuir para veículos de informação por acreditar que eles distorcem e inferiorizam não somente a sua locadora, mas todas as outras da cidade. Por outro lado, Ana Paula vê nessa situação a oportunidade de divulgar seu empreendimento e, claro, quebrar o estigma de que as locadoras de vídeo continuarão decaindo.
Dessa maneira, a aceitação do crescimento das plataformas de streaming e de downloads da internet é uma etapa necessária, mas que, nesse caso, apresenta um diferencial: a criação de soluções criativas é uma forma de ressignificar um mercado que passa por altos e baixos. E que mais Ana Paulas e Jonas façam-se presentes neste circuito alternativo.
Agradecimentos especiais a Ana Paula e JosĂŠ Jonas