Campus BRASÍLIA, 16 de novembro a 29 de novembro de 2009
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Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB
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ANO 39, EDIÇÃO 343
Isabela Horta
Santuário indígena barra tratores no Noroeste Obras começaram a ser feitas no local, que ocupa 20% do novo setor habitacional, mas pararam por pressão de índios como Kafhixu (foto). Funai deve definir até o fim do ano se a terra é reserva indígena
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Propaganda volante Por determinação do GDF, há dois meses táxis começaram a circular com as cores e a logomarca do governador Arruda
Fundadores desconhecidos
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Personagens decisivos para a fundação e concepção da UnB, Darcy Ribeiro e Agostinho não são lembados por alunos
Verde é o novo preto
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Pesquisa da Sociologia mostra como o politicamente correto virou moda
Esporte à deriva UnB quer ajudar a Copa de 2014, mas CO está em condições precárias
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Perspectiva Expediente
Opinião
Campus Darcy Ribeiro, Faculdade de Comunicação, ICC Ala Norte. Contato: (61) 3307-2519 Ramal 207/241 – Caixa Postal 01660 CEP: 70910-900 - campus@unb.br Editora-chefe: Juliana Reis Secretária de Redação: Marina Rocha Diretora de Arte: Marcella Cunha Diagramação: Heitor Albernaz, Luana Richter, Mariana Niederauer e Renata Zago Fotografia: Mariana de Paula (editora), Ana Clara Martins, Cláudio Vicente, Isabela Horta e Maíra Morais Perspectiva: Vanessa Vieira (editora) Cotidiano: Laís Miranda (editora), Bárbara Lopes, Gabriel de Sá, Guilherme Oliveira e Tiago Padilha Contexto: Camila Santos (editora), Alessandra Watanabe, Manuela Marla, Mel Bleil Gallo e Verônica Honório Laboratório: Marina Marquez (editora), Ana Carolina Seiça, Fabiana Closs, Mariana Tokarnia e Priscila Crispi Bloco C: Lucas Leon (editor), Manuela Marla, Mariana Haubert e Plácida Lopes ContraCapa: João Paulo Vicente (editor), Ludmilla Alves e Marcela Ulhoa Projeto Gráfico: Ana Clara Martins, Heitor Albernaz, Juliana Reis, Laís Miranda, Marcella Cunha, Marcela Ulhoa, Marina Rocha Revisão: Igor Miguel Pereira, Rafaela Felicciano e Rafaella Vianna Professor responsável: Solano Nascimento Jornalista: José Luiz Silva Monitor: Leonardo Muniz Suporte Técnico e assistência em Fotografia: Pedro França Ilustrações: Guilherme Teles, Heitor Albernaz e Luísa Malheiros Gráfica Guiapack - 4000 exemplares
Cotas em debate
Acesse o fac.unb.br/campusonline Campus 40 anos
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tema religião várias vezes foi destaque no Campus. Na edição 159 de fevereiro de 1992, o misticismo de Brasília preencheu o caderno especial Suplementos. As profecias e visões que antecederam a fundação da cidade também não poderiam ficar de fora. Com o título Todos os caminhos levam a Deus, uma das reportagens fez um panorama das religiões e doutrinas com mais adeptos e afirmou que “Brasília abriga um mosaico de cruzes, credos, doutrinas e escolas de sabedoria”. O repórter Robson Leão incitou o leitor: “Em que momento da trajetória humana teria aflorado o sentimento religioso?” Já a repórter Karla Mendes, abordou a religião “verde” do Santo Daime, vinda de raízes da Amazônia e que tem como principal rito a ingestão do ayahuasca, chá com propriedades alucinógenas. Para Renata Lima, também repórter, não havia dúvidas sobre o misticismo de Brasília: “Do umbandismo ao Templo da Boa Vontade, do bramanismo ao seicho-no-iê, do taoísmo ao candomblé, Brasília respira religiosidade”.
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Guilherme Teles
VANESSA VIEIRA
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e 16 a 19 de novembro, em homenagem ao Dia da Consciência Negra, foi celebrada a 3ª Semana da Consciência Negra no campus de Ceilândia, com palestras e debates abertos à sociedade. A discussão é essencial ao considerar que o país está às portas de uma importante decisão: em março do próximo ano, o Supremo Tribunal Federal realizará uma série de audiências públicas para debater o fim das cotas raciais, devido a um pedido do partido político Democratas (DEM), questionando a legalidade dessa ação afirmativa. Mais de um século se passou desde a assinatura da Lei Áurea. Contudo, a promessa de liberdade não significou igualdade. Hoje as marcas deixadas pela escravidão são vistas nos indicadores sociais que com-
provam a exclusão dos negros. Como aponta estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os negros ocupam majoritariamente as profissões que exigem menos qualificação, como o serviço doméstico. Sua renda é cerca de 46% inferior à renda da população de brancos. Nascida com a colonização, a discriminação racial no Brasil perpetuou-se por meio das políticas de branqueamento. Na luta contra essa herança histórica, a UnB foi pioneira ao implantar, em 2004, o sistema de cotas raciais em seu processo seletivo, provocando uma avalanche de debates. Essa discussão também é necessária antes de abolir as cotas. E, se apagar o passado de pelo menos 300 anos de escravidão não é possível, cabe, então, assegurar que o nosso futuro não seja um registro de séculos de discriminação racial.
Carta do editor-chefe
Carta do leitor
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ndando pelos corredores da UnB durante o semestre ouvimos vários comentários sobre o Campus. Uns acharam que o jornal está lindo, outros que ficou sem graça. Houve aqueles que gostaram muito das matérias publicadas, e aqueles que não viram nada de novo nas páginas. Alguns ainda nos deram o título de “empresa júnior de estatística”. Entre erros e acertos, aprendemos. Nesta última edição você encontra um pouquinho da história da Universidade e seus fundadores. Pode inteirar-se das discussões sobre o uso ou não de cobaias no aprendizado e conhecer pessoas que deixaram tudo para se dedicar à vida espiritual. Enquanto isso, índios e GDF disputam a “posse” do Setor Noroeste, e a nova padronização dos táxis da capital gera polêmica. E também se questionar sobre como realizar os grandes planos para o esporte na UnB se não há investimento. E será que as pessoas realmente estão interessadas em consumo consciente ou é apenas modismo? Despedimos-nos por aqui e esperamos que você que nos acompanhou tenha aproveitado o que leu.
A infeliz comparação feita pelo reitor entre reformar sua própria casa e a CEU demonstra seu desconhecimento sobre a realidade, chegando a ser um desaforo a nós, moradores. Além disso, se a reforma do RU, que afeta a vida de mais de cinco mil usuários, foi “levemente” adiada por um ano, que garantia nós temos para acreditar em seis meses de
reforma? Só podemos demonstrar nossa indignação para com o reitor e também para com o Campus, que não averiguou a veracidade da afirmação do reitor ao nos culpar de incompetência administrativa na solução desse impasse. A proposta da Associação dos Moradores da Casa do Estudante (Amceu) está dentro da verba destinada para o remanejamento, sendo, inclusive, R$ 913.468,80 mais barata que a proposta do DAC.
Mande sua opinião para o Campus: campus@unb.br
Estudante do 2° semestre de Geografia
LUANA WEYL
da UnB, membro da Amceu e do DCE.
Ombudskvinna*
Escolhas certas e erradas CAMILA GUEDES
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mistério para os altos e baixos da editoria ContraCapa acaba de ser revelado! O segredo para tanta oscilação é nada menos que o repórter responsável por ela. É evidente que alguns se saíram muito bem, mas só depois da última matéria o enigma pôde ser solucionado. O fato é que apenas algumas pessoas estão preparadas para lidar com a liberdade inerente à editoria.
Nada de que devam se envergonhar, afinal aqui é o lugar de experimentar. Então fica a dica: o leitor acha ótimo que o Campus abra espaço para matérias não tradicionais, mas o assunto ainda tem de ser relevante para o público e ter as raízes bem plantadas no jornalismo. A reportagem sobre os cordéis está de parabéns pelo assunto inusitado e admiravelmente atual. Mas, enquanto há gente se enrolando para separar
literatura de jornalismo, há aqueles que conseguem ser confusos por serem objetivos demais. Como? Bem, a matéria de capa da última edição ilustra bem isso. A afirmação de que apenas duas das 15 promessas feitas pelo reitor foram cumpridas atrai o leitor, mas ao chegar à lista interminável de metas não há santo que não perca a paciência. Se vocês acharam imprescindível serem tão detalhistas, tinham que ter achado uma forma de a
matéria não ficar tão maçante. Afinal, texto chato o leitor não lê. Outro problema foi que as duas partes da reportagem ficaram contraditórias. Na primeira vocês sugerem uma denúncia e na segunda parece que tiveram uma conversa super descontraída com o reitor. Afinal, o que vocês queriam? *Ombudskivinna, feminino de ombudsman. Na imprensa, pessoa que analisa o jornal do ponto de vista do leitor
Cotidiano
Entre a cruz e o diploma
Estudantes abandonam cursos universitários para se dedicar à vida religiosa. Conheça a experiência de um pastor, um padre e um hare krishna Mariana de Paula
GABRIEL DE SÁ TIAGO PADILHA
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ocê teria coragem de largar seus estudos em uma universidade para se dedicar plenamente a uma religião? Se fosse há alguns anos, o seminarista Devanilson de Souza, 24, responderia que não. Ele era estudante de Jornalismo na UnB e de Direito na Universidade Católica de Brasília. Em 2005, largou os dois cursos e ingressou no seminário. “Abrir mão do curso para ir ao seminário é uma decisão que traz maturidade”, diz. O primeiro contato com a Igreja foi a catequese. Inicialmente estava somente interessado por meninas que frequentavam as aulas. Acabou se dedicando aos estudos. Após algum tempo, um diácono (padre em fase final de preparação) fez o convite: “Você tem jeito para ser padre”. O choque foi seguido por sua inscrição, feita por um amigo, em um seminário. “Chegaram lá
em casa e disseram: ‘Vem pro seminário’. E eu fui com a roupa que tava no corpo. Só falei para minha mãe: ‘Vou ser padre’.” Depois de um mês, ele fugiu do lugar. Após refletir muito, terminou com a namorada, demitiu-se do emprego, trancou os cursos e se desfez de tudo o que tinha. “Quando entrei no seminário, fui muito criticado. Até meu pai me disse: ‘Filho, investi tanto em você pra você fazer uma besteira dessas’. Ele só me visitou uma vez. Minha mãe, três”, afirma. O pastor Ricardo de Almeida, 47, começou a frequentar a Igreja Presbiteriana aos 13 anos. “Sempre pensei em fazer alguma coisa voltada para a área missionária”, conta. Apesar dessa vontade, ingressou em Engenharia Elétrica na sua cidade natal, Governador Valadares (MG). “Era uma área crescente, tinha uma carreira promissora”, justifica. Não durou muito: largou no primeiro semestre e foi para Campinas (SP) fazer Teologia.
Almeida deixou Engenharia Elétrica para virar pastor evangélico
“Fui convicto”, garante. “Mas, de qualquer forma, sempre dá um frio na barriga.” Trabalhava com as igrejas nos finais de semana. “Teve época em que
eu morava no fundo de uma lanchonete, dormia no chão, só tinha minhas pilhas de livro. Procurava fazer o que dava para poder sobreviver e continuar
Drible maior que as pernas
fazendo o curso.” Formado, especializouse em Linguística Aplicada. Assumiu o pastorado em Americana (SP) e, depois, em Minas. Ainda fez dois mestrados, em Teologia e em Ciências da Religião, e um doutorado em Educação. Dedicou-se, também, ao ensino. Hoje, dá aulas no Seminário Presbiteriano Nacional, em Brasília. “Eu tento ligar todas essas áreas (acadêmicas) pelas quais passei com minha perspectiva de fé”, afirma. Não são somente cristãos, como católicos e evangélicos, que trocam cursos universitários pela religião. Luís Gustavo Prado, 32, trancou sua matrícula em Ciências Sociais na UnB para viver em Nova Gokula, uma comunidade rural no interior de São Paulo, dedicandose ao Movimento Hare Krishna. Lá, ele trabalhou em uma escola durante seis meses. Após esse período, mudou-se para a cidade de São Paulo, onde vendia livros e incensos. Prado tinha 18 anos. Ele teve que
voltar para Brasília por motivos pessoais e acredita que a experiência não tenha sido proveitosa. Atualmente, tem uma rotina comum e trabalha como fotógrafo. “Acho meio difícil conciliar os estudos e a vida monástica (abdicação da vida comum em prol da prática religiosa), pois existe grande fanatismo e muitos desprezam qualquer formação acadêmica”, comenta. Com Marco Yasunaka, 37, a história foi diferente. O interesse em ser monge budista surgiu por volta dos dez anos de idade. Ainda assim, ele ingressou na Universidade de São Paulo, onde se graduou em Psicologia em 1995. Mesmo sem nunca ter pensado em largar os estudos, depois de formado ele não exerceu a profissão. Yasunaka terminou o curso e foi ao encontro do Budismo, religião que pratica desde a infância. Acha “louvável” a dedicação exclusiva à vida religiosa. “Mas isso exige esforço, dedicação, desprendimento e perseverança.” •
Isabela Horta
Enquanto UnB sonha com a Copa, falta estrutura à Associação Atlética e ao CO BÁRBARA LOPES GUILHERME OLIVEIRA
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o início do mês, a reitoria criou um comitê para elaborar projetos de revitalização do Centro Olímpico (CO) visando a Copa de 2014 e pensando no legado para a sociedade acadêmica e para a população. A iniciativa a longo prazo, no entanto, não alcança os problemas estruturais mais imediatos no esporte da UnB. As necessidades do CO são conhecidas. O problema é a falta de dinheiro. Jônatas Barros, diretor da Faculdade de Educação Física, diz que os recursos atendem apenas às situações urgentes. “Aqui, trabalhamos com prioridades. Estão previstas reforma no ginásio, instalação de ar-condicionados nas salas de aula e dança e revitalização do parque aquático. Será quase R$ 1 milhão para essas reformas”, garante Barros. “A burocracia empata o desenvolvimento”, afirma Marisete Safons, coordenadora do CO. “Há mais de um ano eu peço mais iluminação para o estacionamento e nada. O dinheiro para a reforma das piscinas já foi liberado, não sei por que não usaram. Há também desleixo e mau uso. Seria bom melhorar o campo de futebol, ter uma clínica de fisioterapia e um hotel-escola para atletas. Mas, para isso, muita coisa tem que mudar no Centro Olímpico.” Procurada, a prefeitura do campus não se manifestou a respeito da iluminação do estacionamento e o Decanato de Assuntos Financeiros (DAF) não confirmou se a reforma das piscinas consta na lista de obras aprovadas pelos conselhos de Administração
Estado atual das piscinas é reflexo da situação do Centro Olímpico, que reitoria pretende transformar em instalação para a Copa
(CAD) e Universitário (Consuni). Também problemática está a Associação Atlética Acadêmica (AAAUnB), que tem só seis membros para realizar todo o trabalho. Não há sede – a entidade utiliza o espaço físico da Diretoria de Esporte, Arte e Cultura (DEA). O principal desafio enfrentado é estimular a participação dos estudantes na gestão desportiva. O presidente João Lasse explica que a AAAUnB não pode se dedicar a incitar os alunos, devido ao acúmulo de funções. “Se eu parar para fazer panfletos, umas três equipes ficam sem competir no ano”, resume. A maioria dos membros da atual gestão da Atlética se formou no fim de 2008 e deixou os cargos. Um novo grupo foi composto às pressas. Lasse conta que a gestão remontada convocou assembléia para eleições no início do ano. “Quem apareceu entrou, e ainda ficamos com falta de pessoal”, lembra. O plano é tentar novas eleições ainda em novembro, mas seria preciso mudar o estatuto, o que não é viável antes do fim do mandato. A diretora de Esporte, Arte e Cultura, Lucila Souto
Mayor, explica que o apoio prestado é temporário. “A Atlética precisa ter autonomia. Enquanto está em transição, damos suporte técnico e financeiro. Esperamos que a reestruturação deixe-a independente.” A AAAUnB dá apoio a atletas que representam a Universidade, como Edil Carvalho, da Agronomia, lutador de jiu-jitsu e boxe chinês. Ele passou a ser patrocinado em 2009. Desde então, soma quatro medalhas. “Os resultados melhoraram desde que a ajuda começou. Fico muito mais motivado quando defendo a UnB.” Ele diz que o apoio, apesar de pouco, é imprescindível. “Sem ele eu não iria às competições. Os gastos são muito grandes.” Em 2009, mais de 50 atletas da UnB receberam ajuda para competições nacionais e internacionais. Segundo Lucila, a verba disponível não permite subsidiar todo o preparo. “O apoio que podemos dar é restrito a pagamento de inscrições, passagens aéreas e alimentação. Ainda não podemos oferecer auxílio para treinos, mas os alunos podem usar as instalações da UnB.” •
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Contexto
GDF põe logomarca de Arruda nos táxis
Veículos começam a circular com as cores e o símbolo que identificam a atual administração
ALESSANDRA WATANABE
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um ano das eleições, a frota de táxis de Brasília começa a circular com as cores e a logomarca do governo de José Roberto Arruda (DEM), pré-candidato à reeleição. Taxistas e representantes da categoria se dividem, o Governo do Distrito Federal (GDF) defende a iniciativa, e especialista em legislação eleitoral diz que medida é questionável. Os táxis são uma concessão pública, ou seja, precisam de autorização do GDF para circular. Pela portaria 63/2009, o governo determinou que até fevereiro do ano que vem 3,4 mil táxis do DF estejam com a nova caracterização, que são as duas faixas, cada uma com 11 centímetros de largura, e a logomarca. Adotada pela gestão Arruda em substituição a um desenho da Ponte JK, utilizado no segundo mandato do governador Joaquim Roriz, a nova logomarca reproduz um dos pilares do Palácio da Alvorada e, originalmente, está no brasão do DF. A única diferença é que a logo, colocada no canto lateral esquerdo dos táxis, não tem a base amarela que aparece na propagan-
da do governo. “Para mim isto é campanha política”, diz Marcelo Terra, enfático. O militar de 45 anos, que sempre anda de táxi, já percorreu o Brasil afora e nunca viu a marca do governo nos veículos. “Já morei em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Natal, Manaus e João Pessoa. Em todas essas cidades, o máximo de padronização é a mesma cor para os táxis”, conta. A Federação Nacional dos Taxistas e Transportadores Autônomos de Passageiros confima. “Em nenhum estado brasileiro os táxis contam com isso (logomarca de governo) e nem podem”, diz Edgar Ferreira, presidente da federação.
Insatisfação Para alguns taxistas, não há dúvidas quanto às intenções do governo. “O verde do símbolo ali é de quem? É do Arruda!”, ressalta José Mordono. Taxista há 25 anos, o cearense pensa em entrar na Justiça com outros colegas insatisfeitos. Os taxistas são convocados a colocar as faixas seguindo a ordem da permissão. Quando foi emplacar seu carro, José Hamilton se viu obrigado a cumprir a regulamenta-
ção. Para ele, o que acontece hoje não tem diferença nenhuma de uma situação que viveu há alguns anos, quando um fiscal lhe pediu que retirasse do vidro o adesivo com a propaganda política de um candidato que gostava. “Isso que eu estou carregando no meu carro agora é a mesma coisa.” Apesar de admitir os benefícios que o atual go-
do GDF”. Nem todos veem a marca dessa forma. Além de aprovar todo o processo de padronização, o taxista Valdenir Pereira não acha que a faixa fará qualquer diferença. “Escolha de candidato aqui sempre foi no toma lá dá cá, não é a faixa que vai influenciar o eleitor”, argumenta. Raimundo Ferreira, taxista há 23 anos, é
Em nenhum estado brasileiro os táxis contam com isso e nem podem verno trouxe para a categoria - como a abertura de crédito e a redução do prazo para troca de veículo com isenção de impostos -, o diretor da Cooperativa de Condutores Autônomos de Brasília (Coobrás), Ademar de Carvalho, destaca que a classe irá cumprir a portaria, mas que não aprova “divulgar a imagem do governo de graça”. Para ele, “não é necessário informar e marcar que somos uma melhoria do GDF”. Célio Batista, que divide a diretoria da Coobrás com Carvalho, diz não enxergar o símbolo de outra forma que não como uma campanha eleitoral. “Se fosse outra cor, até ia, mas assim é declaradamente a logomarca
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adepto de seguir a regulamentação. “Não compensa se aborrecer por isso. Você não pode ir contra a lei e, além do mais, os clientes não reclamam”, esclarece o cearense, que teve seu carro modificado há cerca de um mês. Aprovando ou não, quem decide se há propaganda política não são os taxistas. Cabe à Justiça Eleitoral interpretar o caso. Segundo José Eduardo Alckmin, ex-ministro do Superior Tribunal Eleitoral (TSE) e especialista em Justiça Eleitoral, o assunto é muito controverso e questionável. Se o entendimento for que essa logomarca, de alguma forma, evoca a atual administração, é muito provável que ela seja vetada. Porém, se
o parecer for de que se trata de uma logomarca absolutamente impessoal e que não é essa circunstância que fará as pessoas lembrarem-se desse governo, ela poderá ser mantida. De qualquer forma, Alckmin fala em tese, sem opinar sobre este caso. “Em 1998, na reeleição, de Fernando Henrique Cardoso, o TSE determinou que fossem tiradas as logomarcas (Avança Brasil) de todas as placas enunciativas de obras. Apesar de não ser algo que identifique ou personalize a administração, é normal que as pessoas relacionem”, lembra Alckmin. Como ministro do TSE, ele elaborou as normas para inibir o uso da máquina administrativa em eleições. Caso haja uma identificação direta, trata-se também de um flagrante desrespeito à Constituição Federal, que proíbe, em seu artigo 37, parágrafo 1º, o uso de símbolos que signifiquem promoção social. “Isso depende muito de um grau de subjetivismo do juiz”, ressalta o ex-ministro.
Mesmo símbolo O subsecretário de Infraestrutura e Transporte Público Individual do GDF, Dilvan Rodrigues Silva, diz que a colocação
da marca nos táxis não tem “nada a ver” com processo eleitoral nem com política. “Essa logomarca é o símbolo oficial do GDF. Os táxis são um serviço público e têm que ter o símbolo, que não muda, independente de quem senta na cadeira de governador. Pode entrar quem for, PT, Roriz, o símbolo é o mesmo, que está em qualquer documento oficial do governo.” O assessor de comunicação do ex-governador Joaquim Roriz, Paulo Fona, afirmou que a marca, com essa estilização utilizada pela atual administração, nunca foi usada no governo de Roriz. Mesmo circulando desde agora, os táxis com as faixas têm mais chances de serem avaliados pela Justiça Eleitoral só no ano que vem. O chamado microprocesso eleitoral se inicia com a escolha dos candidatos e o período de registro, o que se dá até o dia 5 de julho do ano da eleição. A partir daí é que toda propaganda deve cessar. Procurados pelo Campus, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) não se manifestaram. O Sindicato dos Taxistas do DF afirmou não ter interesse em comentar o assunto. • Ana Clara Martins
Semelhança Segundo o Manual de Apreciação da Marca do GDF, a nova marca é inspirada no formato de um pilar estilizado do Palácio da Alvorada. A única diferença entre a logo afixada nos táxis e a do GDF é a ausência dos detalhes amarelos, mas a estilização do símbolo é a mesma.
Em ano eleitoral, toda a frota de táxis da cidade carregará a logomarca do Governo do Distrito Federal desenhada nas duas faixas adesivas, nas cores verde e amarelo
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Contexto
Poder do santuário
Isabela Horta
Falta de parecer da Funai suspende obras do Noroeste na área dos Fulni-ô e Tapuya MEL BLEIL GALLO
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egão tem o rabo em carne viva. O cachorro magricelo anda pra lá e pra cá durante a conversa, com claros sinais de dor. “Foi um raio”, explica Awa Mirim entre uma tragada e outra do cachimbo. “O grande Tupã está nos avisando que tem algo de errado acontecendo.” O indígena se refere, entre outras coisas, aos tratores que no mês passado começaram a construir, sobre o que é chamado pelos índios de Santuário dos Pajés, as vias públicas do Setor Noroeste. A resistência dos índios, no entanto, paralisou a obra naquela área, que representa cerca de 20% do Noroeste. É nas proximidades da quadra 914 do Setor de Grandes Áreas Norte que fica a terra indígena Bananal. Ali, para eles, tudo é sagrado e forma o santuário: as ocas, um reservatório de peixes, um herbário e um abrigo para imagens de antepassados. A entrada do parque Burle Marx, cheia de lixo e entulho, esconde o local, de aproximadamente 50 hectares. Lá vivem duas famílias das comunidades indígenas Fulni-ô e Tapuya. Antes das obras, eram quatro. “Elas não aguentaram a pressão dos tratores e um incêndio que destruiu uma das ocas da tribo”, conta Awa Mirim. Quando a construção do Noroeste começou a sair do papel, após mais de uma década de discussão, se agravaram os conflitos sobre a posse da terra. De um lado, estão os índios – duas famílias que moram no santuário desde a década de 1960 e algumas dezenas que foram instaladas lá a partir de 2005. De outro, construtores e o Governo do Distrito Federal (GDF). No meio da polêmica, o Ministério Público Federal no DF (MP-DF) recomendou ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) que suspendesse as licenças prévias para o empreendimento, concedidas em 2007. De acordo com o MP-DF, as licenças não devem ser emitidas antes de um posicionamento definitivo da Fundação Nacional do Índio (Funai). A assessoria de imprensa da Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) informa que, apesar de considerar a terra “posse do Governo do Distrito Federal”,
Awa Mirim em estrada construída dentro do santuário (E); Kafhixu dentro da terra indígena bananal (D-alto); oca destruída em incêndio
as obras e licitações da área reivindicada pelos índios foram temporariamente suspensas “para evitar problemas”. O órgão aguarda o parecer da Funai, solicitado em março pelo MP-DF.
Uso tradicional Até agora, a Funai ainda não criou um Grupo Técnico (GT) para dizer se a terra pertence ou não aos índios. O órgão, que mostra resistência para falar sobre o assunto, alega haver na fila de espera outros 300 pedidos para criação de GTs. “Não temos como atender todas as demandas”, explica um assessor da Diretoria de Assuntos Fundiários (DAF) da Funai. Desde a Constituição de 1988, o reconhecimento de terras indígenas é feito a partir do chamado uso tradicional da terra, e não necessariamente por uma ocupação imemorial, pré-descobrimento. De acordo com a Funai, o Santuário dos Pajés “é uma terra indígena, a partir do momento em que há índios que ali desenvolvem sua cultura”. No entanto, “daí a constituir uma propriedade indígena há uma diferença, e é isso que está sendo analisado”, explica o assessor. O DAF também garante “que as terras reivindicadas estão protegidas até que se concluam os estudos”. O MP-DF reconhece a demora e procura uma solução para até o fim deste ano. A espera não é tranquila. Em 27 de outubro, os tratores iniciaram a construção de uma das vias públicas dentro do território em discussão. Devido à pressão local, a obra foi interrompida.
Agora, na área restaram apenas as raízes das árvores arrancadas e novas mudas plantadas pelos índios. Os pais de Mirim, de origem Tupinambá, vieram do nordeste em meados de 1957 para trabalhar na construção de Brasília. “Eles deixaram seus lares por uma questão de terra que até hoje não foi resolvida”, lembra o índio. “E, por uma necessidade de voltarem a se conectar com suas identidades aqui na cidade, instalaramse definitivamente no santuário por volta de 1967.” Lá, os indígenas passaram a desenvolver seus costumes e o local se tornou um ponto de encontro étnico. “Os estudantes indígenas da Universidade de Brasília, por exemplo, vêm aqui para se manter conectados com a cultura. Pajés de todo o Brasil ficam aqui quando vêm à Brasília. É um ponto de referência”, explica Mirim. Desde que começaram as negociações, os Fulni-ô Tapuya se recusaram a aceitar indenizações para sair dali. “Índio que aceita dinheiro pelo seu território não é índio. O santuário tem um significado espiritual para a gente. Quem aceita dinheiro são as comunidades que chegaram depois e que não têm envolvimento com o local”, critica Awa Mirim, em referência a tribos instaladas na área depois de 2005. A espera preocupa os indígenas. “A cada dia as obras ao redor do santuário avançam, e fica ainda mais difícil negociar com o GDF. Depois que tudo tiver sido derrubado, que cerrado nós vamos preservar? Que cultura nós vamos defender?”, questiona Awa Mirim, à espera de uma resposta da Funai, do Ministério Público, do GDF ou, até mesmo, do grande Tupã. •
Moradia, um problema da classe média
Distrito Federal é a unidade da federação com maior índice de déficit habitacional entre famílias com renda acima de dez salários mínimos
MANUELA MARLA VERÔNICA HONÓRIO
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ablo Alves sonha em sair da casa de seu pai, no Guará, e ter um lugar próprio para morar. Ele olha o jornal e procura apartamentos que cabem dentro de seu salário de bancário. O que encontra, entretanto, são imóveis em áreas de regiões administrativas do Distrito Federal e do Entorno bem distantes de seu trabalho, no Setor de Indústrias e Abastecimento. “Morar onde é melhor pra mim é um sonho que tem de ser adiado”, lamenta o bancário. Situações semelhantes a de Alves são muito comuns entre a classe média de Brasília. De acordo com estudo realizado pela Fundação João Pinheiros, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Distrito Federal é a unidade da federação com o maior índice de déficit habitacional de todo o país na faixa das famílias com renda acima de dez salários mínimos (R$ 4,65 mil) mensais. Com a taxa de 3,2%, o DF supera em muito o segundo colocado, Acre, com índice de 2,1%. O número do DF é quase o dobro dos registrados no terceiro e quarto colocados, Santa Catarina (1,9%) e a
região metropolitana de São Paulo (1,8%). A pesquisa levou em conta os dados do ano de 2007 e utiliza um conceito amplo de déficit habitacional, que considera questões como coabitação familiar forçada, residências sem condições de serem habitadas e moradia em locais com fins não residenciais. Para o especialista em finanças públicas da Universidade de Brasília Roberto Piscitelli, a classe média brasiliense é a mais afetada porque, no Distrito Federal, os terrenos são muito caros quando comparados às outras unidades da federação. “O movimento especulativo é muito forte e há concentração das áreas nas mãos de poucas pessoas, instituições e entidades”, explica.
Estabilidade e salário alto O presidente do Sindicato de Compra e Venda de Imóveis, Miguel Setembrino, afirma que é difícil conseguir comprar imóveis nas áreas nobres de Brasília. Ele explica que isso se deve ao fato de haver grande índice de estabilidade de empregos e de os salários estarem acima da média brasileira. Além disso, Brasília, por ser uma área tombada, faz com que não haja mais espaço para construção de novas residências. “A classe média tem condições de morar em cidades como Ceilândia,
Valparaíso, Taguatinga, mas sabe que, assim, perde em qualidade de vida.” A socióloga Magda Lúcio aponta como uma das principais causas do déficit habitacional na classe média o fato de a maioria dos programas governamentais atingir as classes mais baixas. “A classe alta pode morar em qualquer lugar, pois possui condições. A baixa recebe assistência do governo, mas a média fica apenas com a possibilidade de financiamentos ofertados.” A assessoria de imprensa da Secretaria Nacional de Habitação informa que o Programa Minha Casa Minha Vida possibilitará o enfrentamento de parte do déficit habitacional para famílias com renda de até dez salários mínimos. Segundo a secretaria, para rendas acima disso há os financiamentos da Caixa Econômica Federal. O empresário Breno Arnoud e sua mulher, a contabilista Cristina, enfrentam o problema descrito pela socióloga. O casal, com renda de mais de dez salários mínimos, não possuía condições de comprar uma casa imediatamente após se casar e decidiu morar de aluguel. O preço que pagava mensalmente, porém, não permitia que economizasse para comprar o imóvel próprio. “Voltamos a morar na casa de meus pais. Vamos ficar ali até terminarmos de pagar um apartamento no lugar onde realmente queremos, em Águas Claras”, diz Arnoud. •
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Laboratório
Última tendência: verde
se a indústria é ecologicamente correta. “Mas tem aqueles que compram pra dizer ‘eu sou naturalista, tenho consciência, sou mais intelectual’. Na realidade, não é”, afirma. ECO
VIL A
Luta de classes
Pesquisa da Sociologia aponta para a ascensão do movimento ecofashion ANA CAROLINA SEIÇA PRISCILA CRISPI
Ilustração: Heitor Albernaz
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moda agora é ecobag, ecoponto de coleta, ecovilas... E quem não adere é politicamente incorreto. Mas será mesmo que todo mundo que consome esses produtos tem consciência ambiental? A doutoranda da Universidade de Brasília (UnB) Josi Paz revela que não. Ela descobriu um novo perfil de consumidores verdes: aqueles que transformaram um suposto cuidado com o mundo em sinal de status social. A pesquisadora explica que atualmente a população em geral possui maior poder de compra, e consumir verde passou a ser uma forma de se diferenciar. “O ‘consumidor consciente’ se sente melhor que os outros”, diz. O fato de os produtos naturais serem exclusivos os torna mais caros e só quem tem acesso são as pessoas de maior poder aquisitivo. A pesquisa, que será concluída em um ano, indica que esse tipo de consumo está mais ligado à estética do que à consciência. Ela enfatiza que a sociedade se organiza em torno do consumo. Com isso, ser um consumidor ecologicamente correto equivaleria a tornar-se um ser humano melhor. Porém, Josi explica que apenas a substituição de produtos tradicionais pelos naturais, característica das classes mais altas, não configura um comportamento consciente por não incluir a reutilização e redução da compra. Vânia de Morais, consumidora de produtos naturais há alguns anos, conta que só começou a levar em conta a preservação ambiental na hora da compra devido à influência da mídia. “Fiquei sabendo muito pela revista
Boa Forma, que eu assino. Me sinto uma consumidora consciente, ultimamente muito mais, com relação a sacolas de supermercado, essas coisas. Acho que sou mais consciente que a maioria das pessoas”, afirma. A vendedora Patrícia Amorim, funcionária da loja Mundo Verde, maior rede de produtos ambientais da América Latina, conta que grande parte dos seus clientes se preocupa em saber a procedência do produto e
Cobaias virtuais MARIANA TOKARNIA FABIANA CLOSS
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m ratinho que pode ser monitorado de casa, que não precisa de maiores cuidados, que pode ser ligado e desligado. Esse é o CyberRat, um programa de computador desenvolvido nos Estados Unidos que encontrou lugar nas uni-
versidades brasileiras. Junto com ele, chegou o SNA (Farmacologia básica do Sistema Nervoso Autônomo), software que simula a reação do sistema circulatório a diversas substâncias. Ambos, utilizados pela UnB, auxiliam no processo de aprendizado dos alunos e evitam o esgotamento e até mesmo a morte das cobaias. “Antes, para fazer as
Programas simulam experimentos, salvam a vida de animais e ajudam no aprendizado, mas dividem opiniões dos alunos
experiências, eu utilizava cachorros. Eram dois por semestre. Nesse caso, fazíamos a eutanásia. O procedimento não permitia que o cão retornasse a uma vida normal”, diz o professor Ricardo Titze, da Veterinária, que agora utiliza o coração virtual do SNA na disciplina Farmacologia. “O programa faz uma simulação, passa de um dado experimental Cláudio Vicente
Filipe Côrtes, 3º semestre de Psicologia, usou o CyberRat e achou o programa prático
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O Instituto Akatu, associação civil que tem objetivo de conscientizar os cidadãos de seus atos de consumo, desenhou o suposto perfil desse novo comprador. Nele, os consumidores indiferentes somam 3%; o grupo dos iniciantes, 54%; os comprometidos são 37%; e os conscientes, 6%. Os critérios para encaixe foram estabelecidos pela adesão de uma a 13 atitudes responsáveis estabelecidas pelo instituto, como evitar deixar lâmpadas acesas em ambientes desocupados e até apresentar queixa a algum órgão de defesa do consumidor. As classes A e B aparecem como as campeãs em representantes conscientes. Segundo pesquisa do jornal O Globo, os produtos sustentáveis podem chegar a custar cinco vezes mais que o produto tradicional. A diferença de preço reforça a ideia de que o consumo verde é inviável para as classes C e D, que priorizam a economia como valor de compra. “Se eu tivesse meu salário, com certeza compraria esses produtos”, conta a estudante de Serviço Social da UnB Karina Almeida. “São muito caros.” As pesquisadoras Maria Elisabeth Goidanich e Carmen Silvia Rial, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), desenvolveram um estudo sobre os hábitos de consumo de dez donas de casa. Elas destacam que muitas dessas mulheres entendem consumo consciente como economia, “comprar o que pode pagar”. A preocupação ambiental ficaria em segundo plano. Em contrapartida, a pesquisa de Josi demonstra que ainda existem os naturalistas por militância. Reginaldo Bezerra, 45 anos, químico e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), afirma que toda sua família se envolve com a causa ambiental, reciclando o lixo, armazenando óleo de fritura e até restringindo a compra em empresas fast food. “Não existe da nossa parte uma preocupação doentia de nos encaixar socialmente. Mas acho válido se preocupar com o meio ambiente, mesmo por modismo. Acho que as pessoas ainda não se deram conta da gravidade e da necessidade de tomar providências rápidas”, afirma. •
para um dado didático. É possível que não seja exatamente igual ao do indivíduo experimental, mas é uma forma de os alunos verem”, explica o professor. Na Psicologia, a professora Laércia Vasconcelos adota o CyberRat. Mas, diferente de Titze, ela não substitui os ratos albinos, utiliza o software para complementar o aprendizado. “O animal é um valioso instrumento conquistado pela instituição pública. É uma vida que está te ensinando a lidar com outras vidas”, defende. O CyberRat foi adotado há cerca de três anos na disciplina Psicologia Geral e Experimental (PGE) e a UnB foi pioneira na utilização do programa no Brasil. No caso da Psicologia, até o início deste semestre, parte das aulas era realizada com o rato real e parte com o virtual. Mas uma reforma nos laboratórios fez com que o CyberRat ganhasse o espaço dos verdadeiros ratos. Não ter contato com os
animais dividiu os alunos matriculados e os que já passaram pela disciplina, obrigatória para o curso. Alguns estudantes acreditam que ficaram defasados no conteúdo, outros, acham que o programa bastou. “Eu usei e achei bem prático porque não tem que cuidar. É bem fiel”, defende Filipe Côrtes, estudante do 3º semestre de Psicologia. Já Ana Luísa Iunes, do 10º semestre, não gostou muito da ideia: “O programa não lida com problemas como pragas e doenças que vemos nos ratos reais”. Apesar de ser um programa de computador, o software funciona a partir de vídeos verídicos. Ao todo, são cerca de 1.800 trechos de imagens. Tratase da simulação de uma experiência antiga na área, realizada por Ivan Pavlov em 1900. Ele descobriu o chamado reflexo condicionado, comprovando que é possível condicionar alguém a partir de privação e recompensa. A representante da Vete-
Ilustração: Luisa Malheiros
rinária no Comitê de Ética da UnB, Cristine Martins, apóia o uso de simuladores, mas não acredita que eles sejam capazes de substituir as cobaias. Cristine explica que a Universidade se preocupa em promover o respeito às cobaias, que são necessárias para novas descobertas e avanços científicos. Uma das providências para reduzir o número de eutanásias é utilizar menos cobaias e promover o rodízio entre os alunos. “Todos os projetos que têm aula prática devem passar pelo comitê. Os professores mandam a ementa e nós analisamos. Antigamente isso era optativo, mas com a aprovação da Lei Arouca, que regulamenta o uso de animais em experimentos, o procedimento tornou-se mais rigoroso”, diz Cristine. •
Bloco C
Poucos sabem quem foi Darcy
Cláudio Versiani/D.A.Press
Dicas LUCAS LEON
Álbum
De 30 alunos entrevistados, apenas seis conhecem a história do fundador da UnB
PLÁCIDA LOPES
- Sei que Darcy é homenageado na UnB, mas não sei quem foi (Aluna do último semestre de Economia) - Não sei quem ela é, nunca ouvi falar (Estudante do 2º semestre de Engenharia Florestal) - Sei que é alguém importante para a história da UnB, desconfio que é um educador, mas posso estar totalmente enganado. (Aluno do 6º semestre de Ciência da Computação) O Campus realizou uma enquete para verificar se os alunos sabem quem foi Darcy Ribeiro, fundador da UnB que dá nome ao campus do Plano Piloto da Universidade. Mais de 30 alunos, de cursos e semestres distintos, foram entrevistados. Do total, 80% não sabiam por que Darcy é homenageado na UnB. E 20% afirmaram que sabiam quem ele é, mas não conheciam detalhes da história do fundador. Darcy Ribeiro nasceu
em Montes Claros (MG), no dia 26 de outubro de 1922. Foi antropólogo, escritor e político. Idealizou a Universidade Estadual do Norte Fluminense. Foi também vice-governador, secretário de Cultura e senador. Nessas atividades, criou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) e a Universidade de Brasília, tendo ao seu lado o amigo e mentor Anísio Teixeira, também responsável pela criação da UnB. “Darcy é um dos personagens mais importante da história do Brasil. Notabilizou-se por trabalhos nas áreas de educação e antropologia. Ninguém pode estudar antropologia e história da educação sem pensar em Darcy Ribeiro”, diz Reinaldo Guedes, professor de Desenho Plástico da UnB. Em março de 1995, Darcy foi homenageado na UnB por ter sido fundador e primeiro reitor. No dia, se emocionou ao discursar. “Nada me
Di melo, 1975 O cantor e compositor recifense, de único álbum, é mais um artista injustiçado. Não dá para acreditar que ele ficou no anonimato. Soul, funk e MPB são os sons que enchem os ouvidos de quem escuta a obra.
Livro
Darcy também foi político, gestor público e um grande estudioso, com mais de 30 obras publicadas
comoveu tanto nesta vida de tantas emoções desencontradas como saber que este campus da Universidade de Brasília terá doravante meu nome”, declarou Darcy Ribeiro. Dois anos depois, morreu em Brasília e foi sepultado no mausoléu da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro. Para que Darcy seja mais conhecido, foi criada na UnB uma revista científica que leva seu nome e
há um projeto para erguer um memorial do fundador. Será construído ao lado da reitoria, a partir de julho de 2010. “O prédio funcionará como biblioteca, realizará pesquisas, eventos e atividades culturais”, garante Alberto Faria, diretor do Centro de Planejamento (Ceplan), que planeja concluir a obra em um ano. Quando entram na UnB, os alunos ficam sabendo como se faz a matrícula,
onde ficam suas faculdades, o RU, a biblioteca, a reitoria. Muitos acreditam que o desconhecimento sobre a história da UnB se deve à falta de divulgação e de interesse dos estudantes. As sugestões são que as semanas dos calouros e de extensão e os meios de comunicação da UnB sejam aproveitados para fazer uma campanha de divulgação de Darcy e outros personagens históricos da Universidade. •
Os sonhos não envelhecem – Histórias do Clube da Esquina, de Márcio Borges, 1996 Integrante do Clube, Márcio conta com propriedade os causos do movimento surgido na Beagá dos anos 60. O som de Milton, Lô Borges, Beto Guedes e Toninho Horta criou nova identidade para a música de Minas Gerais.
Blog
Ninguém conhece Agostinho
Filósofo português que influenciou a concepção da UnB e criou centros de estudos é esquecido pela comunidade acadêmica Divulgação
O comportamento de Agostinho causou polêmica na Universidade
mariana haubert manuela marla
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m uma caminhada pela UnB, é fácil encontrar referências a pessoas importantes para a criação da Universidade. Nomes como Anísio Teixeira, João Calmon e o idealizador da UnB, Darcy
Ribeiro, podem ser vistos em placas e prédios por todo o campus do Plano Piloto. Uma figura, entretanto, passa despercebida pela maioria. O português Agostinho da Silva, importante nome da filosofia do século XX, foi essencial na concepção da UnB e sua história parece ter sido apagada da memória
da instituição. No ano de 1961, a convite de Darcy Ribeiro, o filósofo se mudou para a capital do país com uma importante missão: ajudar na formação da Universidade. “Agostinho acreditava em uma educação horizontal em que professores e alunos deviam ter igual participação no processo de aprendizagem”, afirma Bruno Borges, aluno de Letras e pesquisador da atuação do pensador português. Em Brasília, Agostinho tinha o objetivo de ajudar a transformar a UnB em uma universidade diferente, com outros padrões de ensino, um local onde o conhecimento pudesse circular livremente. Assim, criou o Centro Brasileiro de Estudos Portugueses e o Centro de Estudos Clássicos. “O primeiro centro tinha como objetivo promover o intercâmbio do conhecimento de todas as culturas lusófonas de uma
maneira que qualquer interessado pudesse pesquisar, independente de curso ou área de formação”, afirma Borges. O estilo franciscano do professor chamava a atenção, para o bem e para o mal. Para a ditadura que se instalou no país a partir de 1964, um português com ampla influência na Universidade não deveria ganhar tanto destaque. “O Agostinho nunca se incomodou com a ditadura. Com sua grandeza e conhecimento, ele estava além de qualquer extremismo”, afirma Santiago Naud, professor aposentado e amigo de Agostinho. Para ele, o esquecimento do amigo português se reduz a um único fator: inveja. “Muitas vezes não perdoamos a grandeza dos outros. Isso nos leva a puxar o tapete daquele que tem êxito”, conclui. Um fato que incomodou alguns docentes na época foi a construção de
um barraco de madeira no campus. “A Trapa, como era chamada, servia como um internato em que Agostinho dividia o espaço com alunos que ele havia trazido da Bahia e não tinham onde morar”, conta João Ferreira, outro professor aposentado que foi amigo de Agostinho. Em 2006, uma cátedra foi criada no Instituto de Letras. “Criamos a cátedra para que os alunos possam ter contato com o pensamento de Agostinho e deem continuidade às pesquisas”, explica o chefe do Departamento de Teoria Literária e Literatura, André Luis Gomes. Pesquisadores da UnB estão criando a Associação Agostinho da Silva no Brasil, para estudar o pensador. Santiago Naud sintetiza a importância do amigo, que será estudado: “Ele se chamava Agostinho, mas todos sabíamos que era grande demais para ter um nome no diminutivo”. •
Notas Musicais blogdomauroferreira. blogspot.com Notícias, críticas e resenhas honestas e inteligentes de álbuns, DVDs, shows e futuros lançamentos de todos os estilos pela visão de Mauro Ferreira, um jornalista especializado em (e aficionado por) música.
Filme
Z, Costa-Gavras – 1967 Clássico do cinema político, o filme retrata de forma frenética a história real do assassinato de um líder político grego. Personagens marcantes, diálogos inteligentes e ótimas cenas de brigas completam a obra.
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ContraCapa
Maturidade para aprender Ludmilla alves Marcela ulhoa Isabela Horta
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s 9h, Marli volta da igreja e começa a lavar roupas, as suas e as do marido. A atividade é repetida duas vezes por semana. Não dá para acumular o serviço. José Manuel, com quem é casada há 27 anos, trabalha na construção civil, emprego danado para sujar tudo. A rotina é sempre a mesma. Marli Prudência, 43 anos, utiliza parte do dia para fabricar sabonetes, cremes e sachês perfumados. Além de dona de casa, vende os produtos em comerciais do DF. Também dá cursos para quem quer aprender a arte dos cheiros. “Mas não quero ficar de vendedora de rua, não.Tenho fé que terei uma vida melhor”. Ela ainda pretende montar o próprio negócio. O ofício aprendeu ano passado, quando se mudou para Brasília. Nascida no município de Minaçu, extremo norte de Goiás, Marli já morou em Anápolis, Uberaba e Goiânia. Foi alfabetizada aos 12 anos e cursou a 1ª e a 2ª séries na cidade natal. Largou a escola aos 16, quando casou com José Manuel. Em Brasília, retomou os estudos. Hoje Marli cursa a 5ª série do ensino fundamental. Para quem antes tinha vergonha até de falar com as pessoas, os estudos foram essenciais. Desinibida e confiante, sai todos os dias para vender seus produtos. De loja em loja, caminha a tarde toda. “Ando tranquilamente, sem correria. Não me canso, não. Eu gosto”, diz.
manhã de Eliene Salomão se dá entre telefonemas e o passeio no bloco onde mora na Asa Norte como filho Eduardo. Ele tem dois anos e não vê a hora de começar a estudar. A animação tem significado especial para a mãe, que lida diariamente com pessoas que interromperam os estudos por dez, 20 anos. Dos 32 anos de idade, nove são dedicados a ensinar Língua Portuguesa no programa do governo federal de Educação para Jovens e Adultos (EJA). À semelhança de parte dos 70 mil* matriculados no EJA do Distrito Federal, a jornada de Eliene é múltipla. Dividida entre família, empregos de professora e advogada, afirma: “Se pudesse, ficava só com o EJA, mas só o salário de professor não é suficiente”. O almoço é corrido e sem descanso: minutos depois, Eliene está no carro rumo a Ceilândia. Depois, vai aos Fóruns de Taguatinga e do Gama. Enquanto percorre quilômetros, fala do trabalho com educação: “EJA é outra realidade. A indisciplina é rara. Ali, o professor tem que lidar com as defasagens do aluno”. Na 5ª série, às vezes é preciso retomar o alfabeto. Histórias vividas carregam os alunos de maturidade. Não há educador de EJA que não ressalte a dedicação dos estudantes, o aprendizado mútuo. “Quem obriga o aluno de EJA a ir pra escola? Ninguém. Eles vão porque têm sede de aprender”, diz Eliene. Ludmilla Alves
Isabela Horta
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Ilustração: Luísa Malheiros
* Fontes: censo escolar de 2008 e Secretaria de Educação (SUBIP/ DPEAC/GERPE)
oras depois, Eliene está no Centro de Ensino Médio 15 (CEM 15) de Taguatinga. A turma vai chegando devagar para a aula de substantivos. Chegam o mestre de obras José Manuel e a esposa, mestra dos sabonetes, dona Marli. Chegam Andréa, sabida de culinária, Ana Paula dos pães de mel, Pedro e seus 56 anos. Nomes próprios e desconhecidos vão, às 19h, preenchendo o espaço concreto e coletivo da educação de jovens e adultos nas 201* escolas com EJA do DF. Além da troca de experiências, alunos e professores compartilham dificuldades. Rutilene dos Anjos, diretora do CEM 15, afirma que o maior problema é o perfil, de quem estuda e de quem ensina. “Muitos professores não têm especialização em educação para jovens e adultos. Além disso, a incompatibilidade de idades dos alunos é uma verdadeira bomba”. Segundo a diretora, é grande o desafio de trabalhar com adultos e, ao mesmo tempo, com jovens de 18 anos que frequentam o EJA por ser mais fácil de passar do que o ensino regular. A evasão escolar tem várias causas: ausência de merenda, de material específico (os livros trazem temas infantis ou pré-adolescentes) e reprovação por falta. No CEM 15, metade dos alunos desiste antes do final do semestre. A diretora acredita que discutir as diretrizes educacionais é um grande passo para reverter o quadro. Os problemas e encantos desse ensino vêm por meio de Eliene, de Marli, mas não se restringem a elas: ecoam nas vozes de tantos outros professores e alunos. O tema estará em evidência em dezembro, quando Belém sediará a 6ª Conferência Internacional de Educação de Jovens e Adultos, promovida pela Unesco. Espera-se que a conferência, que acontece a cada 12 anos e vem pela primeira vez ao Brasil, contribua para melhorar as ações desse ensino que diminui desigualdades. Afinal, “se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda” (Paulo Freire).•