Geraldo Cândido
Anos de Luta
Geraldo Cândido, ex-presidente do PT e da CUT do Rio de Janeiro, ex-senador da República e primeiro presidente do Sindicato dos Metroviários do Rio, está completando em 2012 o seu cinquentenário de militância política em prol dos trabalhadores brasileiros.
Geraldo Cândido
Anos de Luta
Esta revista não é apenas de comemoração dos 50 anos de militância política do companheiro Geraldo Cândido. Contando a trajetória de Geraldo, estamos resgatando parte da memória dos trabalhadores brasileiros e passando às novas gerações as lutas históricas dos trabalhadores. Geraldo esteve e continua presente em todos os movimentos políticos da sociedade brasileira, nos últimos 50 anos, seja em época de esperanças, de chumbo, de redemocratização. A sua atuação é uma prova inquestionável de que trabalhadores são atores políticos, e não meros figurantes. O menino que saiu de Pedro Velho, no Rio Grande do Norte, para tentar uma vida melhor no Rio de Janeiro, começou sua militância no Partidão, passou pela organização Ala Vermelha e foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, da Central Única dos Trabalhadores e do Sindicato dos Metroviários do Rio. Foi um combativo senador da República e, hoje, é membro ativo da Comissão da Verdade do Estado do Rio. Este é Geraldo Cândido.
Revista especial em homenagem aos 50 anos de militância de Geraldo Cândido Jornalista responsável: Fernando Paulino (Reg. Prof. 12.684 DRT-RJ) Computação gráfica: Ricardo Alves Revisão: Glória Maria Castro Fotografia: Arquivo do Sindicato dos Metroviários do Rio de Janeiro e arquivo pessoal Apoio:
TRAQUIMFAR Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, Farmacêuticas, de Tinta e Vernizes, de Sabão e Velas e de Plásticos/RJ
Com a palavra, Geraldo Cândido No auge dos seus 50 anos de militância política e de 72 anos de idade, Geraldo Cândido faz uma avaliação do PT, da CUT e dos governos Lula e Dilma. Veja a entrevista: Como você avalia os governos petistas de Lula e Dilma? Eu esperava mais do governo do PT, no sentido de atender as reivindicações da sociedade como um todo. Quando nós criamos o PT, tínhamos como principais bandeiras a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma da
“Perdemos uma oportunidade histórica de fazer um governo verdadeiramente de esquerda” educação, a taxação das grandes riquezas, a redução da jornada de trabalho, o direito irrestrito de greve e o fim do pagamento da dívida externa. Foi importante a eleição do Lula, de origem operária e do PT. O problema é que, já no primeiro governo, as alianças que foram feitas empurraram as
nossas bandeiras de luta para longe. Na medida em que você se alia a essas pessoas que só querem ocupar espaço no poder, o governo começa a fazer concessões. São aliados não no sentido programático; são partidos que estiveram em todos os outros governos. Portanto, acho que perdemos uma oportunidade histórica de fazer um governo verdadeiramente de esquerda. Essa situação provocou mudanças internas no Partido dos Trabalhadores? Para nós, fundadores com tradição de lutas nos movimentos sociais, causou estranheza. Alguns, revoltados, até rasgaram a carteirinha do partido; outros foram para outros partidos. Hoje, a hegemonia do partido é de social3
demcratas. Um dia desses, um deles falou: “Eu defendo humanizar o capitalismo”. Isso lembra os socialistas utópicos da França, que acreditavam que iriam sensibilizar os capitalistas a dividir a riqueza. Os social-democratas chegam a querer nos ridicularizar, nos chamando de “velhos dinossauros”. Mas eu acho que as teorias de Marx continuam válidas; precisam de uma atualização. Mas, na sua essência, estão corretas. Então, o que o PT tem de diferente de outros partidos no governo?
É inegável que houve diversos avanços. Temos aí o Bolsa Família, o ProUni, o programa Minha Casa, Minha Vida, o ProJovem, a ampliação do número de escolas técnicas, o pagamento da dívida com o FMI. Hoje, nós temos reservas superiores a 350 bilhões de dólares, o que é motivo de elogio de toda a comunidade internacional.Temos também oferta de empregos para mão de obra qualificada. Estamos investindo na área naval. Antes, importávamos navios construídos na Coreia do Sul, por exemplo. O Lula fez um negócio muito importante, que foi a aproximação com a África. Isso
Geraldo Cândido e amigos no aniversário da deputada Inês Pandeló do PT/RJ
merece aplausos. Não só anistiou dívidas de países africanos, como organizou um programa de ajuda financeira para aqueles países. Acho importante também a ajuda dada ao Haiti. Não concordo com a crítica de alguns setores da esquerda que se posicionaram contra a ida de tropas brasileiras para lá. Olha, fomos pra lá para evitar uma guerra civil. É, de certa forma, uma ajuda humanitária.
“Lula fez um negócio importante, que foi a aproximação com a África. Nenhum governo fez isso” E como você vê o atendimento das necessidades básicas da população, como saúde e educação? Olha, apesar dos avanços, em termos de educação, está muito longe, inclusive atrás de vários países da América Latina e da África. O nosso ensino médio vai mal. E tem o problema sério dos salários dos professores. A Saúde também vai mal. Os hospitais, públicos e privados, dão péssimo atendimento à população. As pessoas continuam morrendo nas filas dos hospitais. Para mim, isso é um problema de gestão.
Na sua opinião, quais são os grandes desafios do atual governo? Veja só: o Brasil, hoje, é a sexta economia do mundo, mas ainda tem 15 milhões de analfabetos. Isso é mais que a população de Cuba, e lá não tem analfabeto. Os sem-terra continuam aí lutando porque o governo não fez reforma agrária. Os latifúndios improdutivos continuam por aí. Há pouco tempo, o MST procurou a Dilma e ela foi taxativa: “Não tem reforma agrária!“. Enquanto isso, continuam
“Os sem-terra continuam lutando porque não foi feita a reforma agrária. Se não falarmos isso, não estamos ajudando o partido” 5
Nosso governo tem que melhorar mais, ser mais social. Mas o Poder Judiciário não poderia agir neste sentido?
os assassinatos de líderes rurais. O governo não tem pulso firme nessa questão. O latifúndio fica dando gargalhada. Eu já visitei acampamentos de sem-terra e sem-teto. O governo tem que entender que essas pessoas não são animais. São pessoas desprovidas de qualquer recurso material. Ninguém quer essa condição de vida. A pressão deles é em busca de uma alternativa. Veja a situação de Pinheirinhos, em São Paulo. Aquilo ali foi uma barbárie. Outra coisa: esse Código Florestal é uma vergonha! Essas coisas têm que ser faladas. Ou vamos bancar o avestruz, escondendo a cabeça? A nossa experiência de militância nos dá autoridade moral para falar essas coisas. Se não falarmos, não estamos ajudando o Partido. 6
O problema é que há muita corrupção no Poder Judiciário, e ele é formado na ideologia antipovo. Na verdade, é o poder mais corrupto da República. Eles têm o poder de decidir sobre a vida dos cidadãos, sem prestar conta a ninguém, e tem uma brutal aversão a qualquer tipo de controle externo. Você está decepcionado com o governo Dilma? Confesso que esperava mais da Dilma, ela que foi da luta armada. Na questão de direitos humanos, por exemplo. A Comissão da Anistia, nesse governo, está muito lenta, está reduzindo valores de indenizações e tem dado pareceres contrários questionáveis. E essa é uma questão de Estado. Outro problema é o trabalho da Comissão da Verdade. A Dilma aceitou uma proposta do ACM Neto, que queria impedir a participação na Comissão de pessoas que se
“Nosso Poder Judiciário é corrupto e é formado na ideologia antipovo”
envolveram diretamente no combate à ditadura militar. A Dilma, temendo uma obstrução da pauta do Congresso pela oposição, concordou com a posição do ACM Neto. Vejo também uma insensibilidade do governo com a questão da população carcerária. Os caras são tratados como animais e vão sair de lá mais animais ainda. Eu acho que com uma política de direitos humanos muitos poderiam sair de lá reintegrados. Nós não podemos esquecer que o cidadão é vítima de uma sociedade burguesa, capitalista, individualista e injusta. Nós temos, hoje, no Brasil mais de 16 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza.
“O PT do Rio precisa ser protagonista, e não coadjuvante do governo do PMDB”
origens, de suas lutas. Sou defensor da candidatura própria. Satisfeito com a política de segurança do Sérgio Cabral? É muita propaganda, muito obaoba, é um embuste. A Imprensa, sobretudo a TV Globo, faz uma maquiagem, mas a realidade é outra. Um amigo meumorador do Complexo do Alemão sempre me fala que, na prática, a relação é muito difícil. “Eles tratam a gente mal. É uma área pacificada por uma polícia corrupta”, diz ele. E a CUT também mudou?
E a aliança do PT com o PMDB no Rio de Janeiro? O PT do Rio de Janeiro não cumpre o papel para o qual fundamos o Partido. Cumpre um papel coadjuvante do governo do PMDB. O PT precisa ser protagonista, à altura de suas
A exemplo do PT, a CUT sofreu desvios de rota. Perdeu muito da sua autenticidade; tornou-se uma central chapa branca. Central tem que preservar a sua autonomia, e não ficar a serviço de qualquer que seja o governo. Não é à toa que vários sindicatos importantes 7
E a situação do negro no Brasil?
“A CUT tem que preservar a sua autonomia, e não ficar a serviço de qualquer governo”
saíram da CUT. No início, todos os movimentos dos trabalhadores tinham o trabalho da CUT. Era uma central aguerrida, com seriedade e compromisso. Depois, eu vi alguns dirigentes
Isso é um negócio muito sério. O próprio Lula tinha uma visão pouco consciente disso. Me lembro que o FHC dizia que vivíamos numa democracia racial. Estamos muito longe disso. Existe, sim, discriminação racial. Eu vejo aí que vários intelectuais se colocam contra as cotas, tentando tapar o sol com a peneira. Você vê: a Dilma não trata dessa questão. Não vi a Dilma falar em combater o racismo.
falando: “Agora, nós somos governo”. Eu acho que trabalhador não tem que pisar no freio; tem que pensar na classe. Ou vai abrir mão dos seus direitos?
“Vários intelectuais se colocam contra as cotas raciais, tentando tapar o sol com a peneira” Multidão na posse do presidente Lula em janeiro de 2003
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Anos 40
O garoto nordestino que lia cordel Geraldo Cândido da Silva nasceu no dia 19 de fevereiro de 1940, no município de Pedro Velho, no litoral sul do Rio Grande do Norte. É um dos 13 filhos do casal Francisco Cândido da Silva, agricultor e pequeno comerciante, e Maria José da Silva, doméstica. Nasceu em pleno período do Estado Novo e da II Guerra Mundial. “Eu tinha lá meus 5 anos de idade e já dava para ter consciência da guerra. Faltava querosene. Nós usávamos lamparina. Eu só fui conhecer bacalhau e outras coisas depois da guerra. Tinha um grande racionamento”, lembra Geraldo. “Meu pai me falava muito da Intentona
Pedro Velho - RN: cidade natal de Geraldo Cândido
Comunista, de 35. Lá na cidade, os comunistas ficaram no poder por uma semana. O José Praxedes, do PCB, foi escolhido interventor do município. O tenente Rangel foi lá, depôs o prefeito, trancou o cara na cadeia e levou a chave. O Praxedes reunia a população na praça e dizia: “Nós somos a Revolução e vamos fazer uma redistribuição de renda!”. Aí, o pessoal ia lá e esvaziava os estoques do pequeno comércio. Nessa época, o Giocondo Dias, também do PCB, era cabo do Exército em Natal. Era a mesma época em que o Gregório Bezerra incendiou o quartel em Pernambuco. Mas essa experiência de governo comunista durou só uma semana. Vieram tropas de Recife e acabaram com a Intentona”, revela. Geraldo, o mais velho dos irmãos, foi o primeiro a estudar na família. “Como eu era o único que sabia ler, sempre era chamado quando tinha uma viola de cordel ou um coco, que eram o principal divertimento da época. Eu ia lá para ler cordel. Vinha gente de vários lugares. Os músicos eram convidados para tocar nas casas. E o dono da casa chamava 9
você sabia que o fim do mundo é lá na União Soviética?”. Ele era anticomunista ferrenho”, conta Geraldo. Mas ainda garoto, sabia que havia comunistas pela cidade. “Uma vez, picharam um muro com a inscrição “Abaixo a bomba atômica. PCB”. Era sinal evidente de que os comunistas continuavam por lá”, ressalta.
José Praxedes: líder comunista do Rio Grande do Norte
parentes e vizinhos. Tinha uma bacia que ficava no centro do terreno e o pessoal ia lá depositar sua contribuição para os músicos”, recorda. “As famílias quase não utilizavam dinheiro. Na nossa casa, por exemplo, tinha porco, galinha, macaxeira. E as pessoas iam trocando”. Outra lembrança de infância de Geraldo é a casa do seu Moreira: “Ele era um cara da UDN. De vez em quando, chamava meu pai para conversar sobre política. E aí eu ia junto. Devia ter meus 8 anos. Seu Moreira recebia a revista O Cruzeiro e ficava passando informações para as pessoas. Me lembro que ele falava com meu pai: “Seu Chico, 10
Vale destacar que Rio Grande do Norte foi o primeiro estado da Federação que instituiu o direito de voto para as mulheres, em 1927. Somente em 1932, no primeiro governo Getúlio Vargas, esse direito tornou-se nacional. Em 1937, o Brasil se preparava para
Giocondo Dias
eleger um novo presidente da República, mas Getúlio divulgou pelo programa de rádio A Hora do Brasil uma falsa notícia de que os comunistas estariam organizando uma insurreição. Era a senha para Getúlio implantar o Estado Novo e suspender a sucessão presidencial. Vargas, ao mesmo tempo, era um ditador e o “pai dos pobres”. Passou a governar sem partidos e colocou o Estado controlando os sindicatos. Por outro lado, implantou a Consolidação das Leis do Trabalho - a CLT -, estimulou a indústria de base, mas mantinha privilégios para o setor agrário exportador.
FEB na Itália
É como diz Luiz Werneck Vianna, em seu livro O Estado Novo e a ampliação autoritária da República: “Fechado o Parlamento, banidos os partidos políticos, postos os sindicatos sob tutela estatal, abremse amplas oportunidades para a ação modernizadora do Estado, objetivando, principalmente, o estabelecimento das bases para um processo duradouro de industrialização do país, em que ocupam papel central os temas da siderurgia, do petróleo e o da regulação de um mercado de trabalho nacional”. Com o fim da II Guerra Mundial, em 1945, a população brasileira passou a empunhar a bandeira da redemocratização. Getúlio, desgastado e para não perder o controle da situação, decide criar dois partidos: o PTB, que basicamente reunia lideranças sindicais formadas durante o Estado Novo, e o PSD, uma espécie de articulação dos interventores regionais do período ditatorial. Essa jogada política permitiu o surgimento do Queremismo, ou seja, um processo de redemocratização coordenado pelo próprio Getúlio. O Partido Comunista Brasileiro decidiu apoiar Getúlio neste momento. Para muitos, essa posição era contraditória, já que, durante o Estado Novo, vários comunistas foram presos, torturados e mortos. É 11
dessa época a deportação de Olga Benário, então mulher do secretário geral do PCB, Luiz Carlos Prestes. Olga foi enviada para a Alemanha, onde morreu numa câmara de gás, num campo de concentração nazista. Prestes, mais tarde, explicava a opção política do Partidão dizendo que uma possível vitória dos adversários conservadores de Getúlio poderia significar um retrocesso para os trabalhadores. Assim, o PCB passou a defender o projeto getulista, que considerava “popular e desenvolvimentista”. Porém, o Queremismo não vingou e Vargas foi deposto pelos militares. Nas eleições gerais de 1945, o Partidão, que mal havia saído da clandestinidade, obteve 10% dos votos, elegendo Luiz Carlos Prestes para o Senado e 14 deputados federais, entre eles, Carlos Marighela, Maurício Grabois e João Amazonas. Tanto durante o Estado Novo, como nos governos eleitos desde 1945 até 1964, o movimento sindical teve um papel relevante nas conquistas sociais dos trabalhadores. A
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historiadora Ângela de Castro Gomes, em seu trabalho intitulado A invenção do Trabalhismo, afirma que Vargas encampou diversas reivindicações históricas do movimento operário brasileiro. Para Ângela Castro, os trabalhadores não ficaram passivos e, sim, foram participantes de uma complexa relação entre o Estado e os sindicatos. Alguns sindicalistas chamados de pelegos preferiam atuar de forma subordinada ao Estado, mas, de modo geral, o movimento dos trabalhadores reunia nacionalistas, trabalhistas, comunistas e católicos. Foram esses companheiros que forjaram bandeiras de luta como o nacionalismo, a defesa da soberania nacional, as reformas de base e a ampliação dos direitos sociais dos trabalhadores da cidade e do campo. Essas ideias “foram derrotadas em 1964, mas não liquidadas”, como diz a historiadora Maria Paula Araújo, em seu livro Memórias Estudantis.
Geraldo Cândido e Luiz Carlos Prestes
Anos 50
Nove dias de viagem para chegar ao Rio Depois de servir no Exército, Geraldo Cândido desembarca no Rio de Janeiro em fevereiro de 1959, em busca de melhor perspectiva de vida. Vai morar com um tio no bairro de Olaria e uma semana depois já estava trabalhando numa firma em Bonsucesso, indicado pelo tio, que já era empregado lá. “Olha, foram 9 dias de viagem! Comecei ganhando salário mínimo, que naquela época era muito valorizado.”
Quando Geraldo chegou ao Rio, eram os anos JK, cujo governo tinha o lema “50 anos em 5”. No cenário cultural, apareciam a Bossa Nova e o CPC - Centro Popular de Cultura da UNE. No ano anterior a sua chegada, a Seleção Brasileira conquistava, na Suécia, o seu primeiro título de campeão mundial de futebol, depois da derrota em casa, em 1950, para o Uruguai. Porém, a grande questão política do momento era como
Eram anos de efervescência política: em maio de 1954, Getúlio Vargas, já de volta ao poder, decreta um aumento de 100% do salário mínimo. As forças conservadoras intensificaram uma campanha acusando Vargas de querer implantar no Brasil uma “República Sindicalista”. Em agosto do mesmo ano, Getúlio se suicida. “O prefeito de Pedro Velho era da UDN. A cidade só tinha luz de gerador, que era desligado às 10 da noite. Aí, quando Getúlio morreu, o prefeito ligou o gerador, colocou som na praça para comemorar, com música e tudo”, conta Geraldo.
sustentar o desenvolvimento nacional. Velório de Getúlio
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Anos 60
Clandestinidade na Ala Vermelha e no Tacape Geraldo efetivamente passou a se interessar por política a partir da leitura do jornal Semanário, do Partidão, que lhe foi apresentado por um colega de trabalho. Em 1961, filiou-se ao PCB. Em 62, foi trabalhar na Castrol, onde participou da sua primeira greve, fez parte do piquete, foi demitido e ficou um tempo desempregado.
O início dos anos 60 era outro momento conturbado da política brasileira, já que, no dia 25 de agosto de 61, Jânio Quadros, após sete meses de governo, renunciou à Presidência da República. Pela linha natural de sucessão, quem deveria assumir o governo seria o vicepresidente João Goulart, que estava em viagem à China. Os ministros
militares decidem impedir a posse de Jango, considerando sua forte ligação com os movimentos populares. A resposta ao veto militar a Jango veio rápida, tanto no Congresso Nacional como em diferentes camadas da sociedade. O ponto alto se deu no Rio Grande do Sul, onde o então governador Leonel Brizola organizou a Campanha da Legalidade. Já no dia 27 de agosto, um domingo, ante a iminência de golpe militar, Brizola requisita para o governo estadual o controle da Rádio Guaíba, criando a Rede da Legalidade, que chegou a contar com mais de 150 estações de rádio espalhadas por todo o País. Greves e outras manifestações explodiram por diversas cidades brasileiras, exigindo o cumprimento da Constituição e a posse de João Goulart. No Rio de Janeiro, a situação era especialmente tensa, já que o governador da época, Carlos Lacerda, defendia o golpe. A solução encontrada foi substituir o sistema presidencialista pelo parlamentarismo. Assim, no dia 7 de setembro de 1961, Jango assumiu a presidência, porém, com restrições de poder. Em janeiro de 1963, um plebiscito restaurou o sistema presidencialista no
Brasil. As forças conservadoras e os militares golpistas, entretanto, continuaram articulados. Em 31 de março de 1964, Jango foi deposto por um golpe militar. - Em 64, estava trabalhando na Tintas Ypiranga, em São Cristovão. Nós fomos organizados para o Comício da Central, no dia 13 de março. Levamos bandeiras vermelhas. Lembro bem da chegada do pessoal da Petrobras, todo mundo de macacão. Nessa época, eu morava com um amigo em Olaria. Eu fiquei sabendo da queda do Jango ouvindo a Rádio Mayrink Veiga, que depois foi fechada pelos militares. Na televisão, o Flávio Cavalcanti aparecia mostrando tropas do Exército cercando o Palácio: “contra os comunistas”, recorda Geraldo. Nos primeiros anos da década de 60, o Partidão começava a ter a sua hegemonia questionada, com o surgimento de novas organizações de Comício da Campanha da Legalidade
Comício do dia 13 de março de 1964 pelas Reformas de Base
esquerda. Em 1961, era criada em São Paulo a Política Operária-PO, que, em verdade, era o nome do jornal da Organização Revolucionária Marxista-ORM, que defendia uma revolução socialista. No ano seguinte, alguns dirigentes históricos do PCB, criticando o imobilismo do partido e pregando a luta armada, fundam o PC do B, que, de fato, nos anos 70, organizou a Guerrilha do Araguaia. Há quem veja responsabilidades políticas das forças progressistas no golpe. Para Argelina Figueiredo, por exemplo - que fez um estudo acadêmico sobre o golpe -, as forças políticas que se expressavam nos partidos, frentes e movimentos sociais do período Jango atuaram de 16
forma isolada, no sentido de fortalecer e radicalizar a sua própria proposta política, enfraquecendo assim os mecanismos institucionais que possibilitavam a construção de posições negociadas. Jango, em consequência disso, ficou isolado. Já para Daniel Aarão Reis Filho, historiador e militante dos anos 60, a classe média ficou com medo do comunismo e com possíveis perdas patrimoniais. E assim se mobilizou pela mudança de regime. O historiador Jacob Gorender, que saiu do Partidão e foi com outros companheiros fundar o PCBR , em seu livro Combate nas trevas, afirma que as reformas de base iam na direção oposta aos interesses da burguesia nacional, fortemente
vinculada ao capital estrangeiro.
Latina.
Por sua vez, o cientista político René Dreifuss cita que havia duas correntes da burguesia no Brasil: uma com traços mais tradicionais e com visão nacionalista; outra bastante ligada ao capital internacional, estimulada sobretudo no governo JK. Esses novos setores da chamada burguesia multinacional se organizaram em entidades empresariais como o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais-IPES e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática-IBAD, uma espécie de linha de frente do capital internacional que elaborou as iniciativas que levaram ao golpe militar. Há de considerar, também, a participação estratégica dos Estados Unidos para evitar a ampliação de governos de esquerda na América
Embora de curta duração - de setembro de 61 a março de 64 -, o governo Jango foi marcado por uma intensa politização da sociedade, tendo na pauta principal os projetos de desenvolvimento para o País. Os anos que seguiram a 64 foram marcados pela atividade política clandestina, já que as entidades que apoiavam João Goulart foram sumariamente fechadas, seus dirigentes presos e outros exilados. - Eu estudava à noite; era secundarista. Nessa época, participava de uma célula estudantil. A gente se reunia numa igreja, perto da estação de Bonsucesso. Na Passeata dos 100 Mil, em 68, nós estávamos lá. Aí, veio o AI-5 e o bicho pegou. Foi quando eu entrei
Passeata dos 100 mil no dia 26 de junho de 1968 no Rio de Janeiro
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para a Ala Vermelha, uma organização clandestina de esquerda, operando no grupo de apoio logístico. A gente fazia um rastreamento na área para saber onde dava para esconder um companheiro. A gente levantava o perfil da área. O melhor lugar mesmo para se esconder era nas comunidades. Em Ramos, por exemplo, várias pessoas liberavam as suas casas para os perseguidos. Certa vez, foram à casa da mãe de um companheiro nosso, desconfiando que tivesse gente escondida lá. Na verdade, tinha gente na casinha dele, não na da mãe. Ele deixava um pouco de roupa com a mãe, pra disfarçar. Dias depois, ele caiu. A gente foi lá na casa dele e limpou a área. Ele levou muita porrada na cadeia e abriu o endereço. Quando os caras chegaram lá, não encontraram nada. Já tinha um outro esconderijo, revela Geraldo. Devido a sua militância atividades políticas, sempre ligada à oposição sindical nas empresas em que trabalhava, em plena ditadura militar, Geraldo mudava constantemente de emprego. - Com a desarticulação da Ala, nós formamos 18
o Tacape, que era um grupo que atuava na Leopoldina nos anos 74/75. Lá no aparelho, a gente tinha um mimeógrafo e fazia um jornalzinho de 4 páginas, que a gente pendurava vários exemplares num arame perto da estação. A gente fazia isso de madrugada. Então, de manhã, as pessoas passavam e pegavam pra ler. Alguns, quando viam a manchete, “Abaixo a ditadura”, se assustavam e não levavam, recorda. Geraldo lembra de outro episódio: - A gente circulava portas de fábricas para panfletar. Teve uma vez que a gente foi lá na Cobrasmar, em Parada de Lucas, na hora do almoço. Um de nós observou que tinha um basculhante que dava acesso ao refeitório. Então, nos jogamos os panfletos por aquela entradinha. Mas na hora bateu um pé de vento e os
AI-5: militares nas ruas
panfletos foram cair justamente na comida do pessoal! Muita gente não gostou.
governadores foram cassados.
“A orientação política era de todo mundo fazer Senai, para aprender uma profissão e ingressar numa fábrica. Eu, por exemplo, me formei em torneiro mecânico”, afirma.
Iniciavam-se os Anos de Chumbo.
A decretação do AI-5, no dia 13 de dezembro de 68, foi uma tempestade sobre um movimento político que começava a se rearticular acreditando numa nova fase de redemocratização. O AI-5 dava poderes discricionários aos generais de plantão. O Congresso Nacional foi fechado, a perseguição a sindicalistas e outros ativistas políticos se intensificou, diversos parlamentares, prefeitos e
estimulou o surgimento de novos
Instaurou-se a censura prévia e foi suspenso o direito ao habeas corpus.
A opção pela luta armada já vinha sendo germinada antes de 68, mas, sem sombra de dúvida, o AI-5
grupos de guerrilha. Entre 1966 e 1969, surgiram a Aliança Libertadora Nacional, o PCBR, Comandos de Libertação Nacional - Colina -, Vanguarda Popular Revolucionária VPR -, Movimento Revolucionário 8 de Outubro - MR-8 -, Vanguarda Armada Revolucionária Palmares VAR-Palmares -, entre outros.
Repressão durante a vigência do AI-5
Anos 70
Brasil tricampeão, muitas torturas e mortes Os anos 70 começam com o Brasil conquistando o tricampeonato de futebol. O general de plantão era Emílio Garrastazu Médici, que tinha o hábito de ir ao Maracanã ver jogos de futebol com um radinho de pilha. A Imprensa subserviente chegou a chamá-lo de “presidente pé-quente”, enquanto diversos militantes eram presos, torturados e mortos nos porões da ditadura.
parte do povo. Eu acho que muita gente criticava devido a uma visão elitista. Eles chegavam a dizer que “futebol é coisa de alienado”. É igual à esquerda de hoje, que torce pelo quanto pior, melhor. O discurso do Psol e PSTU é mais ou menos nessa linha. Eu torci pelo Brasil, mesmo sabendo que o Medici ia faturar. Se a Seleção perdesse, por acaso, a gente ia fazer a revolução?, avalia Geraldo.
O Brasil parou para ver a Copa do México, a primeira transmitida ao vivo pela TV. A militância, de certa maneira, se dividia: uns torcendo para o insucesso da Seleção Brasileira, acreditando que assim estaria desestabilizando o regime militar; outros torcendo fervorosamente por Pelé, Tostão, Rivelino e outros craques. No final, Brasil tricampeão!
Mas os anos 70 foram particularmente importantes para Geraldo Cândido. Em 72, ele se
- A esquerda estava errada. Futebol, samba, tudo isso faz
casou com Maurina Barbosa da Silva, na época costureira industrial e com quem participaria de movimentos populares nas associações de moradores do Complexo do Alemão e de Ramos, no início da década de 80. “Maurina já tinha trabalhado numa fábrica de tecidos na Paraíba e aqui ficou 10 anos numa fábrica de uns franceses, na Avenida Itaoca. Tivemos quatro filhos, sendo que um morreu”. Com a chegada do general Ernesto Geisel ao poder, em 1974, iniciou-se no País um processo de “distensão política”, articulada basicamente pelo general Golbery do Couto e Silva, então chefe da Casa Civil, que pregava uma “abertura lenta, gradual e segura”. Paralelamente a esse processo, sindicatos, partidos politicos e organizações de esquerda começaram a desenvolver uma campanha nacional cujas palavras de Wladimir Herzog
ordem eram “pelas liberdades democráticas”. O movimento pelas liberdades democráticas fez reaglutinar forças de esquerda que haviam se afastado nos anos 60. Assim, PCB, PC do B, AP - Ação Popular -, MR-8 e organizações trotskistas formaram uma frente em que as bandeiras de luta passaram a ser a liberdade de organização, de expressão e manifestação, contra a tortura, contra as prisões arbitrárias, contra a censura, pelo restabelecimento do habeas corpus, contra a Lei de Segurança Nacional e toda a legislação de exceção, pela anistia, por eleições diretas e pela garantia dos direitos humanos. As atrocidades da ditadura militar continuavam: em 1975, foi morto no Doi-Codi de São Paulo o jornalista Wladimir Herzog; em 1976, morreu também na prisão o líder sindical Manuel Fiel Filho. No mesmo ano, uma invasão de uma reunião do Comitê Central do PC do B, também em São Paulo, resultou na morte dos dirigentes Pedro Pomar e Ângelo Arroyo. Ainda no mesmo ano, a estilista Zuzu Angel que denunciou à Imprensa internacional o desaparecimento do seu filho Stuart morreu em circunstâncias suspeitas num acidente 21
de carro. Grupos paramilitares agiam intensamente, sequestrando o bispo de Nova Iguaçu, D. Adriano Hipólito e detonando bombas nas sedes da ABI, OAB e Cebrap - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento -, que reunia intelectuais de esquerda de São Paulo. A insatisfação popular seria aferida nas eleições de 74, quando o MDB saiu vitorioso das urnas. Em 79, o Brasil voltava a respirar ares mais democráticos, com a promulgação, no mês de agosto, da Lei da Anistia, fruto de uma grande mobilização popular de diferentes forças políticas, inclusive com a participação de segmentos que antes apoiavam o regime militar. - Nessa época, eu era da Oposição do Sindicato dos Metalúrgicos e da Pastoral do Trabalhador. Vendemos muitos bônus de solidariedade à greve dos operários do ABC. Participamos de várias manifestações pró-anistia. A gente já saía de casa com água boricada e lenço no bolso para evitar o gás lacrimogênio lançado pela repressão, relembra. Não foi uma anistia ampla, geral e irrestrita,como se reivindicava, mas permitiu a libertação de vários presos políticos, a saída da clandestinidade e o retorno do exílio. Semanas após à promulgação da Anistia, voltaram ao Pais figuras como Leonel Brizola, Miguel Arraes, Gregório Bezerra, Luiz Carlos Prestes, Wladimir Palmeira, Fernando Gabeira, entre outros, 22
todos recebidos com grandes festas nos aeroportos. Começava o verão de 79/80, com os exilados trazendo novas ideias para a política brasileira. A canção do momento era Apesar de você, de Chico Buarque de Holanda. Em 79, Geraldo, que já estava há meses na Companhia do Metropolitano do Rio de Janeiro exercendo a função de mecânico de manutenção de máquinas, participou da criação da Associação dos Funcionários do Metrô, ocupando o cargo de primeiro secretário da entidade. O ano de 1979 foi também de intensa militância de Geraldo, atuando no movimento para a criação do Partido dos Trabalhadores, tanto do nacional, quanto do estadual do Rio de Janeiro. Geraldo é um fundadores históricos do Partido. - Foi uma época em que eu exercia ao mesmo tempo 8 funções políticas, no partido, no movimento sindical, na associação de moradores, recorda.
Anos 80
Surgem o PT e a CUT Após meses de gestação, eis que no dia 10 de fevereiro de 1980 foi fundado, no Colégio Sion, em São Paulo, o Partido dos Trabalhadores, com objetivo de ser um partido de massa, socialista e popular. O PT congregava em suas fileiras diferentes expressões da luta contra a ditadura militar: os sindicalistas, representantes de movimentos populares, lideranças que retornavam do exílio e da clandestinidade, setores Fundação do PT: Colégio Sion em São Paulo
progressistas da Igreja, ligados às pastorais e às comunidades eclesiais de base, lideranças estudantis. A criação do PT tornou-se o fato novo da política brasileira, acalentando o sonho de uma vida melhor e mais democrática de milhões de brasileiros. No plano institucional, a criação do PT foi possível porque, em novembro de 1979, o general de plantão João Batista de Figueiredo, representando o temor do sistema militar, acatou proposta de Golbery do Couto e Silva e promoveu uma reforma política, acabando com o bipartidarismo. O objetivo principal era conter o avanço do MDB que congregava cada vez mais a oposição, e o consequente esvaziamento da Arena. Assim, de imediato foram criados o PMDB, o 23
PDS, o PTB, o PDT e o PT. Geraldo Cândido fez parte do primeiro Diretório Nacional do PT e integrou por três mandatos a sua direção nacional. Como militante, atuava sempre nas bases do PT no Rio de Janeiro e fundou a 22a Zonal Estadual do partido. O PT se fortalecia como a principal referência do movimento sindical combativo. No Rio, Geraldo participou da construção do primeiro núcleo de categoria, o de Transportes. Foi também vice-presidente da Direção Estadual e exerceu três cargos de direção como membro da Executiva Regional, nos anos de 1981, 83 e 85. No cenário político brasileiro, uma nova pauta surgia: a Campanha pelas Diretas Já. O Comício das Diretas no Rio de Janeiro reuniu mais de 1 milhão de pessoas na Candelária. No Vale do Anhangabaú, em São Paulo, foram 2 milhões de pessoas. Em diversas cidades, foram realizadas manifestações reivindicando Diretas Já. - O Sindicato dos Metroviários entrou firme nesse movimento. Fizemos 24
Comício pelas Diretas Já na Cinelândia em 1984
panfletos, jornais, debates. Nos dias de manifestações, a gente fazia concentração nas saídas das estações do Metrô e íamos todos para as passeatas e comícios vestindo camisetas com os dizeres “Diretas Já”, lembra. Geraldo Cândido era o presidente do Sindicato dos Metroviários. Ele, em 81, foi eleito o primeiro presidente da
entidade recém-criada. A posse foi no ano seguinte. Na época, 96% da categoria eram sindicalizados. Em 85, Geraldo foi reeleito, exercendo mandato até 87. Foi nesse período que o sindicato comprou sua sede própria, que fica na Avenida Rio Branco, 277, na altura da Cinelândia. A campanha das diretas ocupava as ruas, mas, no dia 25 de abril de 1984, Brasília amanheceu ocupada por tropas do Exército, comandadas pelo general Newton Cruz. Era dia da votação da Emenda Dante de Oliveira, que propunha as eleições diretas. A emenda não passou e, em janeiro de 85, a escolha do novo presidente da República se deu dentro de um Colégio Eleitoral. O Partido dos Trabalhadores se recusou a votar. Foi eleito Tancredo Neves, derrotando o candidato da
direita Paulo Maluf, mas Tancredo nem chegou a tomar posse, devido a problemas de saúde, e quem passou a ser o primeiro presidente pósditadura militar foi José Sarney. Em maio de 85, o novo Congresso Nacional, saído das urnas de 1984, restabeleceu as eleições diretas para presidente da República, legalizou os partidos comunistas e instituiu o voto para analfabetos. Em 1986, o Núcleo dos Metroviários do Rio de Janeiro decide lançar Geraldo Cândido candidato a deputado federal constituinte pelo PT.
João Nogueira no show pela criação do Sindicato dos Metroviários do Rio de Janeiro
Foi uma campanha de poucos recursos, porém, bem aceita pelos sindicalistas. Mesmo não se elegendo, Geraldo foi o quinto candidato mais votado do partido no Rio de Janeiro. Os anos 80 marcaram também o fim de ditaduras na América Latina, como na Argentina e no Uruguai e em 1990 pôs-se fim à ditadura de Pinochet no Chile. No Brasil, a redemocratização foi
Congresso de fundação do Departamento de Transporte da CUT
consolidada em outubro de 1988, com a promulgação de uma nova Constituição Federal, fruto de uma ampla discussão sobre conquistas e reconquistas de direitos sociais. Na primeira eleição direta pósditadura, o PT lançou como candidato a presidente da República o líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva, metalúrgico egresso das lutas sindicais do ABC. Derrotando figuras como Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Aureliano Chaves, Mário Covas, Afif Domingos, Paulo Maluf, Ronaldo Caiado e Roberto Freire, Lula chegou ao segundo turno contra Fernando Collor de Mello, forjado pela grande mídia como um político moralizador, um “caçador de marajás”! A dois dias das eleições, a TV Globo editou um compacto do último debate entre os dois candidatos, mostrando um Collor
vigoroso e um Lula apático. Isso contribuiu sobremaneira na hora do voto. Collor ganhou a primeira eleição direta, tomou posse em 1990, mas saiu pela porta dos fundos do Palácio do Planalto em 1992, após aprovação do seu impeachment no Congresso Nacional. Inúmeras denúncias de corrupção marcaram o efêmero governo Collor, o que levou milhões de pessoas às ruas, exigindo a sua renúncia. Foi o momento dos “caras pintadas”, organizados pela União Nacional dos Estudantes. No plano sindical, os anos 80 registram a fundação da Central Única dos Trabalhadores, no dia 28 de agosto de 83. A criação da CUT vinha sendo discutida nos últimos anos. Em 82, Geraldo Cândido esteve presente ao encontro que reuniria, em São Paulo, cerca de 400 líderes sindicais de todo o Brasil,
sendo eleito como um dos l0 representantes do Rio de Janeiro para a II Comissão Nacional PróCentral Única dos Trabalhadores (CUT), objetivando organizar o congresso de fundação da CUT nacional. À época, Geraldo integrava o grupo CUT pela Base. Geraldo Cândido fez parte da primeira direção nacional, função que exerceria até 1988. Uma de suas tarefas era criar as CUTs estaduais e regionais. Em abril de 84, foi realizado o I Congresso Estadual das Classes Trabalhadoras do Rio de Janeiro, fundando a CUT- RJ. Geraldo foi eleito o primeiro presidente da Central no Rio, sendo reeleito por mais três vezes consecutivas. - Eu me lembro da mobilização que fizemos contra o Plano Cruzado, dizendo para a população que era um plano eleitoreiro, que o Sarney queria 27
mesmo era ganhar as eleições de 86. Teve um dia que reunimos umas 500 pessoas para fazer uma passeata da Candelária à Cinelândia. Aí, caiu um pé-d'água daqueles. Ficamos eu e o Ciro Garcia no carro de som, gritando “nós somos a CUT até debaixo d'água”. Muita gente aplaudia, outras pessoas se admiravam com aqueles caras debaixo de uma forte chuva. Hoje, nós temos uma geração de dirigentes conciliadores. A CUT tornou-se um elemento ausente, lamenta. A militância, na década de 80, era intensa também nas comunidades. - Logo após a fundação do PT, a Maurina ajudou a fundar a Associação dos Moradores de Ramos a AMAR. Teve um momento em que queriam acabar com o PAM
Dia Continental de Luta Contra o FMI
de Ramos, que era o único posto de saúde que atendia a região. Começamos a mobilizar a comunidade. Saíamos de madrugada para colar cartazes, corremos abaixoassinado. Aí, marcamos um ato público e chamamos a Imprensa. O tráfico chegou junto com a gente, porque suas famílias precisavam também do PAM. Foi um ato com muita gente e conseguimos manter o posto, conta Geraldo.
Passeata pela Reforma Agrária em 21 de maio de1986
28
Anos 90
Um operário no Senado A década de 90 ficou marcada como
Geraldo Cândido na Comissão de Educação do Senado
a Era FHC e do Plano Real. Fernando Henrique Cardoso, que chegou a ser exilado no período da ditadura militar, virou uma liderança social democrata, defensor fervoroso da política neoliberal. No governo Itamar Franco, que sucedeu Collor de Mello, FHC foi ministro da Fazenda e em 94 foi um dos elaboradores do Plano Real, que acabou com a fase de hiperinflação e iniciou uma certa estabilidade
Lula foi o candidato do PT, ficando em segundo lugar.
econômica no País. Nessa onda de estabilidade, Fernando Henrique
- Os governos FHC foram os mais
conseguiu se eleger presidente da
violentos em termos de
República por duas vezes seguidas:
desnacionalização da nossa
em 94 e 98. Nessas duas eleições,
economia. Foi nessa época que quebraram a Telebras, venderam Furnas, iniciaram a terceirização dos serviços da Petrobras, além de atingirem outras estatais. O desemprego chegava a 20% da população ativa. Enquanto isso, FHC falava em flexibilização dos direitos trabalhistas, alegando que dessa maneira poderia gerar mais empregos. Que nada! Esse seu 29
projeto tinha como objetivo mexer em conquistas históricas dos o
trabalhadores, como o 13 salário, as férias, o aviso-prévio, as horas extras. Eles falavam que o custo Brasil era muito alto e, por isso, tinham que reduzir direitos trabalhistas para abrir empregos. Nós reagimos. O movimento sindical foi às ruas várias vezes, em defesa do patrimônio nacional e dos direitos dos trabalhadores, cita Geraldo. Na convenção estadual do PT de 1994, Geraldo Cândido foi lançado novamente para concorrer a um cargo público. Saiu da convenção como primeiro suplente da então candidata ao Senado, Benedita da Silva. Benedita foi eleita para um mandato de 8 anos. Nas eleições de 98, o PT se aliou ao PDT para disputar o governo do Estado do Rio e a dobradinha Garotinho governador e Bené vice saiu vitoriosa das urnas. Em consequência disso, no ano seguinte, Geraldo assumiu a vaga de Benedita no Senado. Na época, ele
militava na tendência Movimento de Tendência Marxista (MTM) e, no campo sindical, era da Alternativa Sindical Socialista. Antes, Geraldo era da Articulação, mas logo se afastou da tendência, por divergências políticas. Quando foi para o Senado, ele já estava aposentado no Metrô, onde trabalhou até 1996. Geraldo chegou ao Senado precisamente no dia 9 de janeiro de 1999 e exerceu um mandato de 4 anos. Era um gabinete parlamentar diferente dos demais: diariamente, era um entra-e-sai de militantes sindicais, comunitários e partidários, em busca de apoio do senador. Geraldo dizia: “O
apresentação de projetos de lei e acompanhamento direto em diferentes locais das mobilizações sociais. Havia uma sintonia permanente com as reivindicações dos trabalhadores e dos movimentos sociais. Em seu primeiro ano como senador, Geraldo ocupou a I Encontro Americano pela Humanidade Contra o Neoliberalismo - Belém 11-12-1999
tribuna para falar sobre o Massacre de Eldorado dos Carajás,
gabinete está aí à disposição das
Tribunal da Dívida Externa,
nossas lutas”. Ele adotou, na época,
privatização do Banerj, privatização
um lema: “O que é bom para o
de Furnas, situação da mulher na
trabalhador é bom para o Brasil.”
sociedade, além de denunciar
A Grande Imprensa alardeava: “Sai a moderada Benedita para dar lugar ao xiita Geraldo.”
problemas enfrentados pelos petroleiros, telefônicos, empregados domésticos, trabalhadores dos Correios, da fábrica da Kibon, mata-
- Logo entendi que a ida ao Senado
mosquitos, aposentados, portadores
de um operário, militante de
de deficiência, entre diversos outros
esquerda voltado para a luta de
temas do interesse dos movimentos
classe e para o socialismo,
sociais.
incomodava muitos setores. Até na bancada do PT havia uma certa apreensão, porque achavam que eu poderia provocar transtornos, não aceitando certas posições conciliatórias que vários companheiros, mesmo muito atuantes no partido, acham normais no jogo parlamentar, avalia Geraldo. Foram diversos pronunciamentos na tribuna do Senado,
Anos 2000
O PT chega ao poder Um tema em especial que sempre esteve na agenda do senador Geraldo Cândido foi o combate à discriminação. Ainda em 99, Geraldo apresentou projeto de lei determinando a proibição da expressão “boa aparência” em anúncios de recrutamento e seleção de pessoal. Em sua justificativa, dizia que a exigência da “boa aparência” era uma forma velada de discriminação: “é utilizado para excluir pessoas de outras etnias, notadamente os afrodescendentes, o que significa dizer que a empresa
Ato no dia 15 de março de 2002 marcando 1 ano da explosão da plataforma P-36
não pretende contratar pessoas negras”.
Em março de 2000, por ocasião da passagem do Dia Internacional da Oficina sobre América Latina no Fórum Social Mundial de 2002 Eliminação da Discriminação Racial, Geraldo subiu à tribuna para afirmar que “é absurda a forma com que os países ricos vêm tratando a questão das imigrações, com uma legislação cada vez mais rígida e restritiva, em flagrante tom de segregacionismo,
João Cândido, o Almirante Negro da Revolta da Chibata. Nas ruas, a população empunhava uma só bandeira: “Fora FHC!”. Era a senha para apresentar, de forma consolidada, uma alternativa de poder surgida das camadas populares. Luiz Inácio Lula da Silva partia para a sua quarta candidatura à presidência Geraldo Cândido recebe do vereador Adilson Pires a Medalha Pedro Ernesto da República. Em outubro de 2002, o nordestino de Garanhuns principalmente com os países que se tornou líder sindical no ABC periféricos. Infelizmente, a civilização foi eleito o primeiro operário não conseguiu eliminar a presidente do Brasil. discriminação, a segregação e ódio - Foi uma grande conquista, mas não racial”. fiquei eufórico, não. Eu me Ao falar sobre a situação brasileira, perguntava: vai ser uma vitória no mesmo pronunciamento, o nossa? Imaginava que alguma coisa nos traria alguma angústia. Me senador ressaltou que “vivemos em lembrei de Marx, quando ele dizia um país racista e excludente que o que o poder é o econômico. Nós digam a população negra e a estávamos chegando ao governo, indígena. Os afrodescendentes vivem sob a herança da escravidão. Os resultados da escravidão podem não estar presentes em nossa memória, mas os resultados da desigualdade são concretos”, afirmou. Em junho de 2000, Geraldo Cândido fez publicar na gráfica do Senado uma cartilha de 42 páginas, contando a trajetória de
mas não ao poder, relembra Geraldo. Hoje, Geraldo Cândido da Silva, aos 72 anos de idade, continua na militância. É da tendência Articulação de Esquerda, faz parte da Comissão Estadual da Verdade e vem se reunindo, aqui e ali, para discutir as eleições municipais, enfim, o futuro do Brasil.
Homenagem a Lélia Abramo na Câmara Municipal do Rio de Janeiro
Sempre que pode, volta a sua terra natal. Torce pelo Vasco da Gama:
Leopoldinense: “Afinal, morei 40 anos na Leopoldina”.
- Sempre gostei do Vasco. O pessoal me sacaneava, dizendo que era time de português. Mas depois que conheci a história do clube, que foi o primeiro time a aceitar jogadores negros, aí é que passei a ser mais defensor do Vasco, conta.
Dia desses, andando pela rua, Geraldo foi parado por um rapaz, que abordou:
No samba, é Imperatriz
Eis aí Geraldo Cândido da Silva.
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- Seu Geraldo, lembra de mim? Foi o senhor que assinou a minha primeira carteira de trabalho, como funcionário do PT, disse o rapaz.
Pedro Velho, RN, 11 de fevereiro de 2000: Geraldo Cândido de volta a sua terra natal como Senador Ê recebido com carinho pela comunidade local.
Há homens que lutam um dia, e são bons; Há outros que lutam um ano, e são melhores; Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons; Porém há os que lutam toda a vida Estes são os imprescindíveis Bertold Brecht