BEVILAQUA, Clovis - Criminologia e Direito

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OBRAS DO lIESlIO AUCTOR: Plliloso!J]lia Positim no Bmsi l. Rc~ire, 1884. Traços Biogrnjl]lÍ«tS do Th."'Z. José Maoor! dC' Frei!:!!!, R('{'if<" 1 888.

Lccções de IRgislnÇiiO Comparnda solJl'f' o direito ]lrirado, Rce.if(', 1893. PhrnSC'S (l Phnnt,1siaR, Hooife, editol'f'S IIngo & C., l S04. E)IOC.'\S e Indh-iduali(L1dll!\ 2." milheiro, n ..\hiu, editora Lh-rnri1l. Magnlhlit'S, I SO:)' Direito das Obrigações, Bahia, editor Josó Luiz da Fonscea Magalh:1cs, 1890. DiJ'('ilo da FlImilia, U('eifr. editllm R'lmiro M. rASt.'l & C.o l A90.

TRADUCÇOES: J esus e os E,angclhos de J. S01lry. (('m c(\llabomç;io com J Olio fuita s Mnrtins JUllior), Recif(', " 18BO. HORpitalidade no Pa.',;sado, U('Cif(', 180 1.

ElI VIA DE PUBLICAÇAo: . Juristas plliloso)lh08.

Esboços c Frngmentos.

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Clovis Bevilaq ua -

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1896

José Luiz da Fonseca Magalhães, editor e proprietario • •

LIVRAI\lA. M..,GALRXZ8 FUNDADA EM 9 DE OUTUBRO DE 1888

26, Rua de Pnlacio, 20 DAHIA

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'UÇA 00 O\l~o. ". I_.""U

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Desentranhei do An:hú·o Bra:.ileil·o, qUI.', em 1887, redigi com JoiIo l;'roitas, da &t-i/fla do No,.te, (1890), da Retiala Academica (1891 a 1893), da Redsta Omlelll]JO'lYlnea (1894), da !let;Jlfa B,.azikira e tl'O Pão (da, pndariu Ctipiritual do Ct-aní), alguns artigos em que abordei dinlrs06

RSSUrupt08

juridicos o criminologicos, addicionei·lhes alguma cousa

colhida em leituras o ob&>mu;õcs posterioJ'Cs,

accrt'SCentei·lhes

a~'1lIllUs

pngin:ls iuooitas, e assim constituiu.flC o llrescnte ,·olume. Quo

I\S

questões abordadas nos ensaios qno '"Ao passar pelos olh08 do

leitor romport.,riam maior desem"oh"jmento tenho por incontestarei; mas

rotomal--as ou nb'Úra p.ara estudal..1S do no,"o, pum '"cr se obtenho notas que rul0 ,·ibniram na priUll.'irn el.llCriencia, dl.'SCoulio que seria retirnr·lhesn força e a froscurn da primeira emoção, sob o influxo da qual foram ellas discutidas,

sem a ccrU!ta de poder ajuutnr·lhes elcmentos em compcultaç.l0 da perda dessa qualidade.

Por isso lilllitci·me a retocar, do lere, os oscriplos quo jít editára nas citadas nwistas,

o.

quando aplJUfOCCu monção, additei·lhes algumas

obsermt,'ÕC8 cornlllomentaros.

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Não é BÓmonto no campo abstracto dA },llilooo}lhia juridica, não é sómento no terreno accidcntado o uOOrt06O do direito criminal quo tem ecboado, em '\'ibrnções fecundas, os novos conceitos da scieneia. Tamoom no placido

rece!liO

do direito j)rimdo, a pol\ãO ruais intima do direito, ou.em-se

os romore:s alviçnreiros da torrente que rola, dOSC<l e alaga num ('ltrnvasameDto que submerge ou desmorona as dceropitudos persistentes, e desperta expallbibilidade ende ('listam energias vit.'l('S.

E' do mothado bistorico o comparativo, croio ou, quo 1ll.1is

don~

{'6pornr o direito }lrivrulo. Alguns ensaios do Tobias Barretto cm rolaç.l0 fi. thooria do processo, como e6tud06 )lOSteriores do Martins Junior ro'\'elamnC6 bem quo o)lulcnto ruinerio existe nhi 11roHlCando a nossa ambição e

curiosidade. Por

IlIOU

turno, tentei

explorn~'iics

nessa regi:10, om csbo<;-lIndo quadroe

mais vastos, como no Direito lias Obrigaçijt8 o

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da Familia, om deli-

neando estudos muis liglliros c fragmentados, p.1m firmar ideas ou preparar a base do indagações mais demoradas.

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('nsaias 1l\'<,liminaft'S

!irfO. Como taC'S tI('f('m Qnanto <'Xcnrsionista.

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}1T'('Bl'DtO

lidos.

Imrto eriminologiea,

nl~'\ixollado

comp\i<' a 11.111(' jllritlic.'\ tio

fam~m

lig('ira, flllo 11(If notas do um

lIdas paysagms por ondo paSS!l ao comr da loco-

motim, 011 por SiUweltM úmp.,\,>tad«l, que d:lo os cOlltorniS dos objl'dos, mas nfio Ihrs indi('am ali

nnan~a8

do cúlúritlo

n('m as oudulaçÕl'S do

T'('lero.

Dou-Ih!'S dtl Ilnt<,-mão a H>madeira fl'ição, p.'\m qn('

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Il'itor nl'l.o

JK'I;a mais do que lhe pretl'nde o!Ttll't'CIer. Recif(>, I}(oz('mbro de 189ii.

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Criminologla e direito •

A criminologia, cm sua feição puramente naturalistica, pretende desaggregar da. sciencia do direito o estudo do criminoso e do crime, da imputabilidade c da reacção social que se traduz em penalidade. Ao direito restará sómente o poneto de vista pratico da applicação e da interpretação da lei. As altas indagações sociologicas em relação ao phe-

Domeno do crime, como o exame do criminoso como individuo biologico de feição proplia, não (:abem na csphera dos estudos juridicOf" c, portanto, deve o legista, como se diz

cm linguagem de menos-prezo, esperar que a soluç;.10 das questões criminologicas lhe sejam obsequiosamente offerecidas, sem que elle tome intervenção alguma, por aquclles a quem foi dada ao graça especial de penetrar Das mysteriosas regiões ~agradas das sciencias llaturaes, si é que um tal adjectivo ainda. póde ser empregado sem pleonasmo. C.D.

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10 cnmrxOLQGJA ------ -- - - - - -

E DIREITO

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Eu comprehellderia que eS!'rt interdirç1l:o fos se atirada sobre o direito em lIome da sciellcia, como um cOllcitamento para que elle sacudisse de cima dos hombros a velha toga pretexta que eUYergllra no tempo da cultura romana, e que jlt andala. desbotada e poida, a fazer um doloroso contraste com as \'e~tes noms e brilhantes da.~ sciellcia.c; em floraç.ão neste sooulo, :Mas essa epocha não é mais a nossa, e desconhecel.l a sciencia do direito quem suppuler que a sua biblia. ainda é, actualmente, o Corpus Jun's, alilís um thesouro opulclltissimo de C'xpcricncia e saber, ali{ls um prreiosi88imo documento para o conhecimento da consciencia ethicojurídica de uma 'cpocha. Hoje · o direito, si ainda llito póde gabar-se de ter consummado a transformação scientifica que iniciou, illcolltcstayelmcntc j.i se apresenta. sob um aspecto differente e uito mais yem manquejando como eaudatario remisso no scquito magestoso das seiencia.<l, Eu comprehellderia essa intcrdic\'ãoj mas, ainda a.'isim, manteria a. con\""icç..l:o de que nenhuma outra sciencia conseguiria dar uma idéa complet:\ do crime, e, con~equcntemente, nenhuma. conseguiria explicar cabalmente o criminoso que é o agente productor d'aquelle phenomeno. Melhor do que qualquer outra Rciencia, \'eria a physiologia uma face do assumpto; uma outra illuminaria a ps:'cbologia com recursos que 8óme nte em seu dominio eneontrar-sc-iam; a ethnología, a anthropologia a linguistica., a. sociologia \·ei.'iam dos seus ponctos de \"ista especiaes; e o phcnomeno se ackaria em'olvida por um circulo cerrado de factos luminosos1 mas ainda. faltaria alguma cousa para bem o oomprehelldermos e, yisin'l-

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____________ _ ~cn~I~U~~~·O~L~OG~lA~~E~D~tR~~~·~..~.

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niente, o fim prat.ico que determinou a necessidade das inda· gRÇÕes sobre a origem, a naturez~ as fórmas c o alcance do phenomello criminologico, se não desllubJarüL Scr-.í. preciso qUf', depois de tod!l.S essas sciencia.'i, e aprovei-

t9.lldo certamente os dados por eIlas fornecidoH, fale ainda o direito. Sómente eIle potlení. cffectuar ll. cOll'Çcrgellcia dos ponctos de vista, somente eUe poderá dar um remate e o acabamento natural nos pror.essos de illUllcção iniciados por outras quaesquel' disciplinas em relação ao crime, porque é esse um phellollleno da ordem sociologica e da rspecic jurídica, muito embóra suas raizes se prolonguem c penetrem nos domínios

distantes da psychologia c da biologi~ muito embóra outras disciplinas rt·clo.mp.m a competencia para o esclarecimento de suas condições llrimarias. Não é uma disputa vã essa, c similhante á querela fatua do trasgo (' do gnomo 110S Opusmlos c pemalluwt.Js de Leopardi. Os lczardos e 01') mOl')quitos suppl1cll1, como o homem e dispondo dos mesmos titulas, ahi se diz, que o mundo foi feito para o seu uso exclusi\·o. Cada scienciu, ou, melhor, cada escriptor que se apaixona })or um ramo do conhecimento humano, imagina que domina, do poncto onde se acha, a totalidn;de do mundo ou do ulli.erso; ~lo menos acredita que a porçíIo de phenomellos que estuda. é a mais nobre, e que as leis que encontra em a nesga da natureza sob seus olhos são as melhor verificadas. Não se .eja, no que affirmo, uma pretensão desse genera, inoffensiva e ingenuft, mas absolutamente insusrentavel. ACE'itemos, os juristas, todas as informações, quaesqu('r que sejam

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CRDfllS'OLOGlA E DmElíO

as suas fontes, com tanto que sejam sinceras e provadas, peçamos doculIlentos a todos os systcmas, a todos os methodos empregados para dissC(',ar, explanar e classific-ar o crime c o criminoso; mas, neste conflicto de jurisdicção, não ceda-

mos uma linha, porque iriamos assim amputar uma das mais bcllas porç(ics da jurisprudcncia.

E uelll é sÓllleute no estudar o crime e o criminoso que o direito pede auxilio a outros dominios da sciencia. As diversas diseiplinns cm que o saber humano 50 di\"itle forma.m um consenso cntrctccido por intcnlcpClldellcias perfeitamente assigllalay<.'is. Cada qual rocclX!, de outras, os elementos de vida, c sobre cllas tambem os tmllsfulldc.

Seja-rue permittido concluir com uma exemplificação n SCll'ic de considerações que estou fazendo. A economia politica so occupa com a pl'oducção c circulação das riquezas na sociedade. O cOlllmercio, liendo um dos meios de effectuar n. circulaç..l0, porque elle é n. força que approxima o productor do cunsumidor, cne sob o domínio da economia politica. E é justamente cUa que nos devc nssignalar sua natureza, suas fllIlCçõcS, determinar seu dcseuvoh-imento c suas crises. E as relaçõês que engendra. o commel'cio de\-cll1 ser apreciadas atra\'cz do criterio da economia politica.. Si olharmos para a litteratura commercialista de nossos dias, wrificarcnlOs, ao primeiro golpe de vista, que nilo h6 jurista de ,-alor que penetre no campo do direito corumercial, sem previamente saturar-se dos l)rincipios fundamentaes d'aquella sciencia. Mas o que concluir d'alli? Que o jurista

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CRIllINOLOGlA E DmEITO

não se deve aprofundar no conhecimento desse phellomeno sociologico, que todo ellc dere COllSer\'ar-se CllCa.'1tOado na sciencia cconomica? Gross0iro absurdo seria o de similhante cOllclllSão. O que cumpre inferir dessa transformação do idéas é que noyos horisontes se n.l)l'irum á sc.ieacia do direito, Ileste como cm outros departamentos. A idéa do crime const-itue ullla oppositio cOlltraria li. itll'll. do direito. Se existe crime é porque existe direito, c a idéa SUb\'el~iYn de um é como que a sombra da idéa coustructora do outro. NascerA!U conjullcta e simulta.neamente, têm vindo a rolar engalfinhados um no outro, atravcz das idade;;;, transformando-se muitas vezes, em repercussão 1'('ciproca, e, si o direito jc'l conseguiu dilatar considcl'ayelDlente seu campo de acção, não expulsou da. sociedade nem j:lllUUS expulsm"l:í o elelllento dosorgallisadol' que lIella fC'rlD')llta.

Dessa coujulIC\·üo logica, historiou, social c psychicu, resulta que, para determinar a noção do crime se tem dC', pre\'iamente, firmar a 1l04;~ão de direito; para eonheccr como a uC\'uo conosim do crime actlla sobre a organisação social, se tem de examinar, ao mesmo t0111po, como o direito luctou com eUol até que pollCtO fOI yjctorioso e porque não conseguiu mais; pam estnbclccer as tmnsmutaçoos successivas porque tem paf.:sado as fórlllas criminaesl forçoso sení. estudar as transfOrlllUf",-ÕC3 correspondentes das fórmas jUl'idicas. E' c03tum(l rep<:!tir quel no c.;;tudo do direito, ha materia para uma arte e para. lima scicnciã. A idéã parece-me verdadeira, cmbóra incompleta,

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CUU1INOLOOlA E DIREITO •

Ha, realmente, no estudo do direito, uma parte que se destina ao conhecimento das leis c dos principios juridicos que não se condensam nos codigos, pam lIar ulUa Ma applic9f,'ão do." pl'CCCitos legacs ao" factos occorrenres e fazer fUDecionar a Ulcchallica juridica em consoaalldn. com a lUcchanica social. Mas u derel'miuaçao dc.~sa consonancia exige indagações :superiorcs, cm que o espírito transcenda

fi

uIlIa ordem

de idéas mais elcHtdas. A ru1p. de applicação soel'gue-se 1\ categoria de sciellcia. Esta SciC'llcin, para repousar cm dados cxperimelltacs, dcyc consultar os documentos do direito humano, tanto quanto rÓI' possiycl, desde os homens primiti\'os

c os selvagens até os civilisados. E, pois que o direito apparece na sociedade c

lla!:!

consciencias dos indi\"iduos, cumpre

estudaI-o pelos seus dois aspectos-o sociologico c o pRychologico. E ' complexo um tal estudo, c tanto mais quanto a. sociologia c a psychologia se cntroncam na biologia, de onde emergem, sob a fórma de instillctos, os elementos primarios do direito. E' um estudo complexo, é uma tarefa exgotante, mas . .. nao menos necessarHl Sobre a. base lIa seicllcia do direito, condensando em syuthcse elevada os seus resultados, tanto de aspreto psycho.

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logico quanto sociologico, c combinando-os com as construc-

çõcs da philosophia geral, ergue-se a. philosophia do direito. Em cada um dos ramos cm que se expande a ar\'ore jurídica., reproduz-se essa triplice ordem de estudo~, a artc, a sciencia. e a philosophia. No direito criminal, temos, ao lado do conhecimcllto das leis e dos principios para a applicação immcdiata, a scicucia que recorre a todos os clc-

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CnmrNOIllGTA E DIREITO

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mentos da historia, da estntistica, da psychologia, da biologia, da etymologia e de quaesquer out.ra.'3 diseil)linas que lhe possam fornecer luzes e documentos. E' a ifi....o que se dá o nome cri· minologia, cm cuja e!-lphern tambem se inclue a philosophia do direito penal. Não ho, portanto, razão plausi ,-el paro. deslocal·a da juris· prudencin. A eschola authropologica tc>m meritos illcontesta,·cisj grandes scr'\"iços pr~stou e está prestando á scienC"ia. Segundo Alirncna, são estes principalmente: «o fUlldar·sc sobre a ncgação do h\TC arbitrio; o ter insistido sobre a defesa social; o ter estudado o delinquente c o delicto; o ter dado logar mais largo á pre,·cu ..:ão» (I) Mas essa escholu, como ainda o faz notar o douto escriptor nnpolihmo, deixou·se lcyar muito peJa theoria do organismo !-Iocial, esquecendo que, me.~m~ para Spencer, ha organismos continuos, que sito os ltninIn,)!-I, c organi!-lIllos discretos, que são os sociaes, os chamados superorganislllos. A cOllsequencia na· tural de~t~'\ exagcrw,.ão foi essa extrnordinaria c chocante simplificação da reacçlo pcaal, pelos pro(',{lSSOS de pura cli· Illinar,l(o e de rigor dracollhno, a (lue conduziam os principios da logica. Outro cx~crero de com'cquencia.<; egualmellte inacceitay('is é o que consiste na interpretaç.ão puramente biologica das modalidad~ crimil1acs, como si por ba.<;eara~;e na biologia não ti\"esse uma esphera propria a sociologia.. A pena actúa sobre uma grande maioria dos homens, tornando·se um motiyo f ') I Ii",i/i. mtJJif/m/or" tklrimptlltl/ollild,

T~ri1\ll, I&lj . ~.

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CRllfrXOLOGIA E DIREITO

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que o afasta do crinH" pela intimidação actual sobro o individuo, c, como dctl'rminantc moral, C) agindo sobro a cousciellcia dos co-associados, isto é, de todo o grupo social, para o qual foi clla cdictada. A csehola ant.hropologica sustenta que a pena não tem cffi~acia, senão como eliminação, 0, por uma cOlltrndicção difficil de explicar, pede penas 8e,"Crissimas }Hlra os dclinquclltrs. A preoccupação biologica é ainda a causa de a anthropologia criminal entender que para o legislador, como para o criminologista, só dcyc existir o criminoso, mas nilo propriamente o crime que é uma rutidadc abstracta.

Certamellte o delinquente dcyc ter lIma rOllstituic;iio physiologica mlequadn li eclosao do criml', AO menos cm sua gellcralidadr. E' Ullla COnfiC'qucnda immediata da. doutrina, ha muito \'ictoriosa cm pS)'chologia, s{'gnndo n (lual os phenomcllos mentacs de qualqu~r modalidade têm, por concomitantes llPCessarios, ('('rtas modificaçÔl:'s do ~ystema ner\'oso, que nua podemos deixar de considerar como determinantes ou como condições do upparetÍmentQ dos phenomenos psychiem;. Isto que é nordade para os actos da \'ida normal, de\'e 8el-o necessariamente pnra os dn, "ida anormal , da qual é parte considümwl a delictuosidadc. E é ju~tnlll(,llte porque estou eOll\'Cllcido da intima li ga~'ãol da consonancia fundaw{'utal <'Iltrc o pbysiol ogico e psychico, que julgo i o I I ...

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CRL'fINOLOGlA E DIREITO

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natural attribuir, lí. pena, uma poderosa força modificadora das condições gemes da. criminalidade. Mas a pena, agindo sobre os individuos, com a continuaç.ílv de sua acção, produzirá no organismo psychico, na cOllscicncia da. especie, uma saturação dos principios que ella defende. Desse facto resulta uma dupla consequencia: a pena) ,-isando directamente O criminoso, alveja, t1ffi repercussão, a extirpação do ~eljct!) no grupo social; ferindo exclusivamente ao individuo, actúa mais efficazmente sobre 8 conectividade, cuja moralidade consegue ir transformando. E..,tou convencido de que ha um pathos criminogenco, um morbus que impelle ao delicto, qualquer que seja a sua natureza, e contra o qual a peDa se rewlartÍ. impotente na maioria dos casos; mas essannomalia é menos commum do que se poderia SUppOl', estou igualmente convencido. O que ma.is ordinariamente se depara na vida, é n combinal,'ão de certas condições physio-psychicas apropriadas ÍL perpetração do maleficio, com certa.., out!'aS condições soeiaes que fecundam esse gel'men individua], si é que muitas vezes ntto o fazem produzir-se. Ellesse caml'o, a acção da pena é certamente efficaz; não que fa.ça desappal'cccr completamente o delicto, mas circumSCreYelldo-o o, mesmo, conseguindo eliminar algumas de suas f6rm8S, segundo noI-o testemunha a historia do direito criminal. E' considerando tudo isso que eu repito ainda hoje o que tive occnsiíto de affirmar, quando,CSTlle\'alc agitQu a tormentosa questão da Il'Iza sC1(.ola di dirillo ,maIl', no conhecido e ardente pamphIeto que trazia como illsigllia de combate esse titulo provocanle:-« Acredito no advento de uma doutrina crinúc.

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CRnnNOLOOIA E DDU:I'I\J

nalistica, filha. dos nossos processos, sem renegar a tradiçilo dos velhos operarios que tanto se esforçáram para desbravar o terreno hoje victoriosamente pisado pela. cschola positiva.. E este facto se me antolhava tal100 mais simples e natural quantv achava que a evolução mental, neste dominio, não

poderia ter uma soluçiIo de continuidade, como não tinha. em todos os outroj;, Além disso a no\"8. cschola nos havia sido trazida como uma. cOllsequcncia. da concepção evolucionista ou llaturalistica do mundo e achára os C'spil'itos aptos para

acceital-a. «E' claro que me refiro aos f'Spiritos emancipados, que tinham convicções . philosophicas e nllo á generalidade. Sendo

o modo de compreÍlender o crime um reflexo, um caso especial de hossa concepção do mundo, era natural, que o rossemos affeiçoando pelo modo que nos pareçesse mais consoante com elIa e em ordem a traduzir~lhe as modificações destes ultimos tempos. ~ Assim a concepçiIo do crime subordinada á. noção mais vasta do direito e esta a da sociedade como a da sociedade se subordina Il. do universo, os varios ramos do conhecimento humano que procuram determinar as leis que presidem aos phe. Domenos appa.recem nesses departamentos da vida kosruica. e social tambem se acham em subordinação correspontente,n'uma concentracão harmollica de espheras, que se envolvom 8uccessi~ vamente umas as outras, do pequeno para o grande, do particular para o geral.

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CRIMINOLOGIA E DIREITO

••• No Brazil ainda não é vasta 8. liUeratura da crimino.. logia. Tobias Barreto, sem ter conhecido das novas doutrinas mais do que o livro capital de Lombroso, a cujas idéas se não submetteu, comtudo, com 08 seus Me1lQ1'es e loucos é com varios eseriptos sobre o direito criminal, todos vasados em moldes que nilo eram os que se vendiam a varejo, contribuiu certamente para o ad"ento da criminologia scienti· fica, entre n6s (1). Este era um jurista e a elle devemos a introduccíto, no BraziJ, das idéas que iam transfonnando, no velho mundo, a theona do direito para imprimir.lhe ruo cunho moderno, experimental, scientifico. Outros juristas se lhe seguiram tornando conhecidas as idéas da cschola anthropologica, sobretudo as de Lombroso. I"'mbro os escriptos de Arthnr Orlando, reeditados na PltilOt:ri/ica (1886), do Dr. Ferrer, de erro de Azevedo e do Dr. Jo~o Vieira.. &00, porém, não se limitou a escriptos de vulgari. fiação. Emprehendeu um trabalho de maior vulto, o Com I1Imla,io philoso-sclmlifjco do oodigo criminal brazileiro (1889), que, aliás, já fôra precedido do Emaio de Direilo penal (1884), onde, si ainda nilo se nota a completa saturação das idéas da eschola positiva, como no Commenlario, alguma cousa existe devida a influencia de Llmbroso, Puglia e Sergi. Depois appareceram: a these inaugW1\l do Dr. Marcolino (,) Ao ,rlaelra

',pueeldo, II_e

dM J(ttlort. t ltxlCln , de 1884; mu o lh'TO UI ~olll111l1U do DWrio de PernaIR/llleo.

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CRIMINOLOGIA E

nme:iiv

Fragoso, sobre o que elIe chamou Genioide ali/rico; os trabalhos do Dr. Estellita Tapajoz.,de Adelino Filho, do Dr. Nina ~rigue!õ;, de Viveiros de Castro c, ultimamente, de Pedro de Queiroz, no Ceará, Nina Rodrigues, além do estudado anthropologiacriminal sobm o cralleo do criminoso Lucas, publicou um livro curioso c original, as Rtlfas humau:lS e a respoltSabilidade criminal no Brazil (Bahia, 1894). Viveiros de Castro C3creveu um fort.e c bem trabalhado livro de propaganda, a Nova Esc/w/a penal,

(Rio de Janeiro, 1894) e nos fer. conhecer a estatistica do Suícidj() c dos Crimes na capital federal Adelino Filho, além da traducção da Medida penal do Dr. Kraeplin, deu-nos uma beBa expo!ição dos 'principios basicos da. Nova escho/a de direilo crimillal, na Revista Academ/ca do Recife (1891). Biologistas e sociologistas, quero dizer, medicos e jurisprudentes, lavrado têm esse mesmo tcnello, conduzindo-se cada qual seguudo sua orientação philosophica, segundo sua educação montaI. A razoo é obvia. No crime, como no direito, e mais yisi\'ol Ilaquelle do que ne3tc, ha um aspecto puramente biologico: são as raizes, os fundamentos, aí; condiçiJe.:; primarias. Mas esse bolbo não germinaria si nilo encontras~e o meio social. Dalti o aspecto social do direito do crime, o qual é C!>"sideravclmente preponderante. Continuemos, portanto, em paz as investigações sobre esse escabroso assumpto da criminologia. Concentrem-se os biologistas no dominio que lhes é proprio e não terão exigua tarefaj mas não transponham as raias delle, sem que previamente se munam de outros instrumentos adequados li investi· gar,ão sociologica. •

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CRDUNOLOOIA E DIBEI'l'O

Si pela porta da biologia é que devemos entrar na sociologia, nilo é com os mesmos methodos que as duas ordens de phenomenos se devem estudar. Não teremos resolyido os complexos problemas sociologicoR só com as explanAções feitas pela biologia. Por seu turno os sociologistas não desdenhem as oonclusoos da biologia, saibam afastar os exageros, que têm sido em grande numero, e rooolllaUl a vc.rdade biologicn, que terão deslanado o campo por onde têm de seguir. Si a criminologia de"e ser um esgalhamento da sociologia, porque se expande de um dos 1'a.1l10S deHa., que é o direito, não é possivel esquElC('r que o crimino8ol IS um individuo biologico, que a vontade, que o sentimento, que a idéa do crime têm sempre uma. fei~..u:o indh'idual, ao lado de outra social. Antes o direito se transforme sob a acçito do espirito scientifioo para, no estudo da. criminalidade, sa.tisfazer ás nooesRidades mentaes do presente do que, por fraqueza ou desidia., abrir mão desse estudo, mutilando assim desastrosamente a construcção jurídica moderna. Essa transformação não é mais uma pura aspiraçã.o mais ou menos generosa, mais ou menos impulsiva; antes j<í vae em meio do caminho, em via de consummar-se.

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II

Sobre uma nova theoria da responsabilidade Si o conceito da responsabilidade é simples e apprehensivei por todos, si o tenno evoca, na generalidade dos espiritôs, ums sit.uação moral de fllCil determinação, a theoria scientifica. que pretenda nos dar uma explicação genetica dessa mesma situação mora~ determinando os factores que concorrem para. a sua produOo;ão, depara com embaraços pertinazes, a lhe tolherem 1\ marcha. E si, além de querermos acompanhar a formação dessa complexidade de noções, emoções, e volições que constituem a responsabilidade, pretendermos reconhecer-lhe o valor ethicojaridico e o alcance socia~ si, transmouta.ndo as raias das indagações historicas sobre o phenomeno, da constatação de suas condições estancas, procurarmos levantar suas irradiações no tecido das relações da coexistencia humana, e a importancia de seus impulsos no dynamismo social, as obscuridades augmentario, as divergencias se entrecruzario 1\ cada momento, e 8 solução de todas as duvidas se afastará e se afundari em um canevasabstruso, para. O qual contribuem a psychologia, & &l1thro-

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CRIMINOLOGIA E DIREITO

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pologia C a sociologia que haviam tomado a si o t'l5clal'eci·

mento da questão. Realmente para estabelecermos a responsabilidade mOfal de uma pessoa ('), para indicarmos o nexo causal que a vincula a um dado acto, a conformidade entre as representações mentaes do agente c a etfectividadc do acto acompanhado de suas consequencial'l, a normalidade ou anormalidade do querer que precedeu o acto c a consonancia ou dissonancia entre a finnlidadn. ueste e a social, enfrentaremos com diversas questões escabrosas que nos eumprirá resolver previamente de qualquer f6rma.A. conscicncia psychica, o senso moral, a. natureza da \'"ontade a do caracter, a conwn-crsia do linc arbitrio, do determinismo e das causas finaes, os postulados c' os fundamen-

"

tos da sociologia, (', em 'part.icular, da moral I passam, um momento,deante de nossos olhos, <'; para não estacarmos lIojuizo 8 pronunciar, deyeremos acceitar, ainda que seja 'provisoria" mente, uma t-heori8, Ullla interpretação sobre cada UIU desses phenolUenos e sobre cada um ·desses principias. Ora ninguem ignora que ah.i se encontram justamente , algumas das mais arduas questões que a philosophia agita de longa data sem impôr uma conclusão aos pensamentos em divergencia..

I, ) o qlle ehmo 11ul. eom IIIIIII?! 01111"01 'iI('rlpwrtt. rtllponublllda.d •. 101:11 era dl!'!'lt.o erlmloll. militai \·nh, o IIOme delmplltlbilidade. K Allmelll aelll qae es~ 1111\· 1110 nollle de\"e ler conH'n·a.do Plrtl t l!uUlear p~rtleal.lTlenr.e a rMponsabllldad. erimldaJ. Nu !'!'IIÇl'lel da \"Id. elvll. dll elle. a te' JMlMlbllldade ti 11m \"I!lelllo de elU ... e d"ulto de ..p~t~ exl.eroo e p~ lIIleo; nu relaç·}eJ domloa.du pelo dlrello erllnlnll. a Impltablllda4e ti tambDIII 11111 \"IMlllo unal. porém, de O.tllt.... psreh!~a e lIIonl, apteClla"'1 ~r r.od • • hlllllanld.d,. IIlItldo pelo proprlo dellqllllnte. ( flilMitl e i JIlCdificatcri Ihlfi"'p"t4bilit6, ..0\ I, (1(. %0)

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CRDONOLOGIA E nmEITO

Para não insistir sinão sobre ·as que mais proxima ·e directamente se prendem ,i. idéa da responsabilidade, lé~­ bremo-nos de que a dispuh secular entre o determinismo c O indeterminismo psychico o.inda perdura, de que a noç.ão do dever não se apresenta sob o mesmo a.'ipecto ás diversas c!iCholas etbicas. Mas poderemos fugir fi todas estas difficuldadcs, em direito criminal? Ser-nos-á indiffereute, neste dominio particular, a idéa de .responsabilidade? li. eschola dos CaITara, Pe~sina, Chauyeau, lIanss, e que hoje é costullle designar sob adenominaç.ão gellerica de cschola classica, calando a.~ di\'crgencias secundarias realmente erisrent.es entre os diversos escripto.res que acompOOm, nosrespondcria pelo negatinl, porque o conceito da responsabilidade é um dos fundamentos sobre que clla se apoia, A eschola positivo-naturalistica (') ·nos faria crer na •

(I) HaveMo h"Je De-e&uldade de dlJ'lngulr &! dllaJ correntO!1 prlnetpaes da crlml · nol!'gla m""-ernll. Julgo IldoplanlJ lU dennmluç(ies qae emprPgupl lia preJente eJfrlplo. Chamo esehola p<Mlllvo.nlllllrllliJtlca de dlrello criminal a flue li dlrlglda por Lombroao. (larofllo. Pprrl. FlontU, ak.: e o epltheto de pG311Ivo'loclologlea me pArece eaber a eue gntpJ .'u!denle. onde brllh~m ~ IIOlUel conho>e!dos ·de Tlroe, CO!aJIDI, AlImeu. Camenle. Amblu II eilllbolu alo po!ltll·AJ. (Y.lrqlle 141 lpollm em dadol .elenllllcot e appllum o metbodo lllperlmental, J'Orem, lima a~hmde mlu lOS raetores ko. m'-, pby. IICOlI, e a outra _ factonJ _11e1I do l'benomellO ~rlmln.1. flklerla consernr. para a prlmolra, o adJeett,o -IOIllOrOMnII. porém. erelo qlil! eUe Já nio eorrO!1ponde á ulell~·dA dOlllrlnA. caJu ralleJ foram lInçadll pelo emlnellte uclo, de- Uomo Ikli,,," fI"".:e, e porqu, toln. lndUlI~ 11J11t'm a .nppor qll.8 lia renl'gldol pelA eschola dlal4ellte Wt!(>lo 01 achados de Lombro~o. Pira a Il'glIndl. menos prol'rlu allllla me pareciam .,. '1l11l1t1caçi)~~ de ~rctira ue/loIa, tadlOla crinua, uehom ter~enea. Todll eslU dt',II'IIIÇ6flt " JlIlItlllelm e podIam ser aeeellss I,anallorllmellte, em'l1llnto I esclIoll nl~ emel"J1l de . ell perlodo de crlUea e prop.g.nda, 1011 como denomln.~lo delllilln é pn!ferlnl lIIIIa que IlIdl'llle. a 11m tempe, u analogias e I I anlltbelleJ lu d.melltAet d.,. dlll", ~1I01 ... de crimInologia .elllnlltlea. Na penslr de L1111, Oanckler e Tarde. a Helio!. antbropo!O(fle. llio tem 10." rulo de ler. depois qne foI desfeito, a eamartelladu de eritlca, o ellAmldo Iypo do crlmlnolO . ...., ., ntalmellte o te~elro DOngI"fI$IO de allthropologlA erlmlnal foi desulroJO pita a Hãola ~IUVO-lllllualllt!eII. 1110 é poaslvel repelir DOm o ell&4o O.lICkler qu r «6lt jlnlo\r~ "'II 1'IIIJ droit A r~. A. etcllolA ex"" ,trabalha. prodn aludI..

·c. b,-

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CRIMINOLOGIA E DIREITO

improficuidade de qUM,!ô;quer esforços para a. soluçA<! desse grave problema, porque elIe lião constitue um dos elementos condicion~s do delicto, segundo ella o comprehcnd~.

Podia dispensar-me de pedir, aos adeptos desta cschols, a confirmação do que acabo de asseverar, pois, é sabido geralmente que, si elles UM negam a responsabilidade , moral, a julgam improducente para os cHeitos da represslo de crime. .Entretanto, para quem nilo lhps conheça esta inD<r vn,illo fundamental no conceito do crime o do criminoso, será de vantagem ciw.l-os textualmente. Escelherei sómente alguns traços decisivos. Abramos a

Criminologia de GarofaLo e ahi leremos: II: responsabiliclatk fllerltl e propol'çito penal, eis justamente dois principios com.batidos pela nova eschola Ilsturalistica:t

Em outra occasião disse o mesmo Buetor que II: o principio da re8ponsabilidade nilo representa,,'). mai~ do que um escolho lançado pelo legislador diante da pena, para. impçdil-a de attingir o _~elillquente:t. E ainda. mais: «é talvez licito conduir que ha uma contl'adicçlo manifesta Clltre o fim da tutela ou deCelA social e a condiç.ão da responsabilidade moral> (I). Kraepliu, por seu turno, acha. que « o conceito da responsabilidade criminal é impresta"el ,» quc o conceito da imputahilidade é artificial e arbitrario «e finalmente que, com a idéa de crimc deve desapparecer a de responsabilidade,

fll CriIMUtolOf!ia, Torlllo, 1885, plUte UI, tap, I, , II.

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«pois, em verdade, a. acção de um homem irresponsavel p6de ser tio perigosa, quanto a. de um criminoso veterano intelligente, e a. reacçIo" social contra ella. deve ser, por conseguinte, -em. ambos os casos, a mesma» (I). Para citar tambem um brazileiro, recorro ao Commen~ I4rio do Dr. JoiIo Vieira, que, com louvavel constaneia e notorio esforço, tem propagado as doutrinas iunovadoras da

velha praxe criminal. EUe exclama wnvicto que a. responsabilidade moral «é uma. chimerà. psychica, uma ,pum ilI Llsilo phantasmagorica,

que nilo póde penetrar mais -na cidadella' do pensamento moderno> ('l. Como se vê, todas estaS apostrophes se dirigem ao ~nceito da responsabilidade, porVlue acreditam esses anctores que ella. som sempre uma face do livre arbítrio. Veremos, em geguida, que ella póde estribar-se cm outro fundamento menos faUivol c mais COllsentaneo com a.<J conclusões da sciencia •

contemporanea.

Encontráram um tropeço diante de si os innovadores da criminologilL; e acháram mais simples sapal-o cerce pela. (1.) Ahli,io da "",dida peRfil, 'ra.tloçio 4e A4ellllO Pllbo, ,.bl\ca4a 110'" pqt. • aelO tepara4a li. Rr:vUta AC4dClRiefl 4a PacDld&4.4, DI..lto 40 iMU•. Bem , _ _ ,real,lt.., a 4"n"to. Il1o me II poall't'1 delnr d, poden, qDl o ndoellllo d, K"" .. plll. aliá eom.l. a 10401 01 Illler1ptores da melma _bola. II pt.lpanlmel" 'allO. CeM a _IMlde t.em necelllrlllmet" 4e reallr coetra a aeçio pI!rllosa, "la de 11m Irrupollluel ..Ja 40 1m l,dll'I,II,o 4e eo~lellcla tl'1ll.e e 11Ielda. III .......ti por modo .11'8r.lO. ·Acuo 'QÓJ nOI d,',lIIIemos d, _m .~u" 11111Iral. d, _mi .neltento, de 11m "lItrag10, de 11m IlCendlo, pi'los m"mos pl'OCUiOII ,~e empnogamoa quedo atac&4Oi ,.Iu rllti brariu' Part ,ena,. do ka rulot .e IDlimldl.(:i<l e de IIIIUlo ,i.i Iio d. 1040 luppUca...11 ao. plIenomenOl da nalUl'I'ta Inanimada r I'.gualmnte, quall40 • _1· de.. te d.feHe eollka lU &&i.euGe. do ~01lQÓ II"" de expedlnte4 dll'eMlI 40. qlle elllprep .." rilllÇAo .., lIomem .e meote d . 1') Dr. Joio Vieira d. Araujo, Ovdigo mmifl/ll ~$rimta"eo,

~ariUire

tOllltnCfttOrio pAilOQ-

Beelte, 111811, PI. 211.

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2.8

CBDUN'OLOOlA E

Dm~

raiz do que gastar esforços menta.es em interpretar as palavrM da .esphinge, quando podiam ser puramente infructiferos esses esforços e elIes tinham pressa em apresentar as descobertas que

hf\Yiam feito. Não nos. devemos surprehender com isso, pois que scmilhanoo ha sido em todos os domínios a marcha da iotelligcncia humana. .Mas continuemos na ordem de idéns que iam sendoexpost~. Já vimos que a eschola classica e a positiyo-naturalistica ~

collooam em po3ições diametra.lme!lte Opp'J3taQ, cm rela.ção a esh noção, fundamental para a criminologia antiga. c absolut!l-mentc impresta\"el para a anthropologia criminallombrosiana. Falta- . nos indagar qual poderá ser a attitudo da eschola positi\"osoci~logica ll'cste lllom~lltoso, debate, para. o qual é solicitada por influições diversas.

EUa não devia. ded.ignar-se de r.)tomar o velho conceito dos criminalistas e moralistas da geração passada. Cumpria-Ihe,. porém, dar-lhe uma feiç.<lo no,'o., infundir-lhe outr~ vida, realisando, mais uma \'C7., esse curioso avalar, tantas \'o7..os reprodu7.ido na historia do pensamento humano, consistente na transmissão de noyas idéas sob a emTergadllra de um velho termo, na illtroduc.;ão do novo instituto sob a vetm;ta engrenagem d.e fórmulas obsoletas. E foi justamente o que clla. emprehendeu e tenta reali7.ar pelo orgam de alguns deseus &j)Ctario.'i mais distinctos. . Ainda . não foi obtida . uma soluç..lo que satisfizesse a todas . as ex.igen{;ia.~, . ma:;; é inconte3ta,'el que o bom caminha; está indicado, restando sómenoo afastar alguus tropeços que, aqui e além, aiuda o obstruem.

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20 •

Acompanhando com observações criticas as soluções que me parecem preferi\"eis, dentre as que foram propostas, procurando cerceaI-as

110

que julguei inutil ou

i11\'erifica\'e~

tentando

em suas ooul'lusoos e completaI-as reciprocamente, julgo que contribuo lambem, cmbóra limitadamellte, para

combillal-a~

aproximar n solução definitiva, ao menos, para meu uso particul~r. Nesta II08sa epocha, tam fecunda en~ theorias. não é desprcún'l esforço o d'nquelle qu~ tenta orientar-se entre

rllm.;.

• • • A responsabilidade, corollario immediat-O do livre arbítrio, tal como a comprchendialli a psychologiu. e a moral cspiritunlista.."" e tal como dcILa.", recebeu, para. suns nppiicaçiJes especiacs, a eschola classica de direito criminal, julgo-a completamente fóra de questão, deantcdo espírito dominante na seieReis moderna, que transportou para "ns regiões do espirito o prin~

cipio de eaugalidade em sua fórma superior de transformação e conservação das forças. Póde muito b9m ReI' que tenham ra7.ão Hume e seus dis~ cipulos e que a. causaçAo não seja mais do que uma re]ati\'i~ dade de nossos meios de percepção, mas é incontestayel que todo o nosso saber repousa sobre essa ba.'Jc c que eUa é o trama que ela as nossas idéas, organisando-as em um todo e tornando possivel uma interp.rctaçiIo positint, liCientifica do mundo. ., ,.,

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CRIVINOLOOU. E DmEI'l\)

Dado o principio de casualidade, como traduzindo abstracta· mente o modo uniforme pelo qual se realisam os phenomenos de todo kosmos, e admittida a unidade evolucional dos mundos, inorganico e orgauico, do physioo e do psychico, o livre . arbitrio se afigura como uma. illcongruencia, como um sonho creado pela imagina.çlo para fugir ás contingencias d'esta- existencia phenomenica.

o

E é desta desconveniencia fundamental entre o conceito do livre arbítrio e os elementos immediatos de nossa cognição que resulta a inanidade de todos os esforços para concHial~ com o detenninismo. Todo o engenho de FouiLlêe Dilo bastou para obstruir a valIa que a intelligencia humana cavou entre os dois conceitos. O espirito não é livre, diz ·o philo-sopho francez, mas formando a idéa de liberdade, esta por 8ua propria força; por sua tendencia a actuar externamente, erea o facto que eIla representa, crea a liberdade. Mas isto ou nada significa ou é simplesmente um outro modo de dizer que a consciencia. nos dá testemunho de nossa liberdade, velha affirml\ÇãO, com que os philosophos espiritualistas jul. gáram cortar a questão e á. qual a sciencia já fez n devida. justiça.

Não tem um fundamento serio esta confiança no depoimento da, conscier.cia, qual ostentam os partidarios do liv.re arbitrio. Quando praticamos um acto e affil"mamos que poderiamos nilo tel.-o praticado, a affirruaçito é gratuita, porque houve no espirito uma simples representação de factos possíveis em an· tithese á existencia real de actos consummados; representação

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CRDrINOLOGIA E DmElI'O

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que oilo nos habilita a prejulgar, com certe1.&., a cffectuação desses actos representados pela imaginação. E':Ita explicação é simples e clara. Além disso, a iIlusão da liberdade t'Jm outra origem ainda mais intima. .:Nosso pensamento nos parooc H\'1'C, diz; Wundt, nilo porque não obedeça. a. leis, mas porque é determinado por ossas leis que residem dentro de nós mesmos. Todavia, essas leis são precisamente ,a s mais obrigatorias que existem para nós e denas sahiu a idéa de Cl\usalidade, segundo a qual consideramos como plenamente determinado o CUNO da naturer.8 cx.terior.:t (1) Todas l\.<; outras tentativas de ressurreição do livre arbitrio têm falhado, me3mo a de R~nouvier, ape7.ar de seu alto criterio philosophico c do sua subtilez.& de engenho. Parece ter sido com muitissima razão que Ba.in (2) declarou que a idéa de libérdade introduz!da u'uma explicar.,ão theorica da. vontade, confu,'.lde tudo, p~uz um embroglio, nm cabos! E aconselha-nOs ~ v~ltl1t)so " e profundo psycho1060 a expulsl1-a. st1mm'lriamen~, substituindo-a pela noção mais clara o mais Jll'Opria de aptidito (ability.) E" portanto, inconciliayel com as conclusões da acÍencia experimf:'ntal a doutrina. Ma livre-arbitristas, e a eschola. eriminal ·· positivo-naturalistiea é merecedora. de applausos por tel-a. rejeitado, procurando ap~io 1113.is seguro para (.) Wun II , P,,,~;.~ ""!f.ftoloqique, IrM, de ROllvl" , P.r!l,I88G, '1"01, II. PI, n5, f ' ) Bala. PAPwltiOfU ,..,,{ .nu IX - eh. Rf('eD~mellw J. III . I\IIldwlll (H.."ciboo.l: o( JNydolon. New York, 18\11) propo& Ilma llleorl. orl«lll.l d' eoDeUIfI~. B\I·. teplldo o proprlo ret...o.o &IIdor; < .." I. 'JColh Uni! II.De. teve losar _ moth·OI: Z." • 4e&enallllo:Ao e.eolllld. 6 tell1pre 1UI1••)'oth_ 4e \040' 01 moll'l"OI rre.MIllIH _ nlo é ad"iu4&mellw repre5llllWla por nenhum llellM ; I ." ata 1)'1Id1._ 1111. aellridade &ui ~, Mal allalOlla oom a eoll1po»l~ 4IU fol'ÇaJ pb)'.Ie&li. A. e.eolha II"" é, . . ea<\a elllO, oo1l41c1oud. por .... ,le._llto11, m .. ulo é, 'III cuo tlp.m, c....... por ,U• . ' J. co.elllaçio, ...'" WI'1DOI, 'ate_lu.TeI, DIU ..,ldtllt.emellle tM1'LIea o Um arbllrlo,

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CRIMINOLOGIA E DIREITO

súpportat O pezo das nova~ construcÇõCs que ella ia empreheu,jer, Maa o que talvez s~ dct"9. attribuir a um extrava'iament'l natuml ás reaCÇ'Jes foi ter elIa eliminado, com o mesmo golJX" o livro arbítrio c a responsabilidade criminal. A associiU',ão entre M dilas idóa.s era sem duvida forte, resistente, mas não era, por certo, insolu\'el, como essas que SeryeD\ de alicerce aos lineamentos gcnws de IlOS!W pen~mellto. . Afastadas estas noções, a func<,'ão por elias exercida nQ dominio do direito criminal passou a ser preenchida pela determinação do sellSO moral, pois que o crime é a offensa de um do:'! dois sentimentos constit.uti,·os da parte fundamcntr.l e unh'ersal do senso moral cOlltemporanco;, (1), pelo criterio da lemi6i/idaie c, falu.lldo mais genericamente, pela theoria da defeza social. Perante a theoria da defcza social, rcalmente, os factos se simplificam extraordinariamentc, podemos affirmal-o com intenções de cncomio, pois a simplicida.dc nas idOOs é um sigllal de força e clareza. Lucchini achou ·uma deIlomiIla~ão flxacm para os intrepidos iunovadorcs, , chamando-o.s · i sü"j/icúti dd di'Jllo /,t':la/I', mas parece que deixou ir na expressão ulIla corta dose de irolli~ que !)(l acha afastada de meu pensamento, nest.a occasiiIo. (t

Dada a offensa pelo crime, a sociedade é le,'ada illstincti\'amente a providencia.r reagindo contra elle, pois a isso a impulsiona a necessidade rcse ntida de COIlSCl'\'ar-se. Pouco (')

(l~rofato. Oj>.

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CRl)IJNOLOOIA E DmEfi\}

--------------------------importa. que esta offensa. parta de um responsavel ou de um irrespollSaYe~ de um louco ou do um são. e O direito da sociedade a defender-se contra os individuos • que a prejudicam ou ameaçam-na, escreve o illustre Ferr~ é independente de sua responsabilidade moral, Tudo consiste em adaptar. ás diversas categorias de acções os meios niais opportunos da defeza social.:& Não ha. que indagar si o acto nocivo foi praticado por Une deliberação do agente, para que se lhe adjective a. qU&~ lidado de criminoso j o que é necessario é demonstrar que eIle re'\'"el& áeshumaniáade e improbidade, Não importa conhecer si o agente gozava de faculdades mentaes integras, na occasião de perpetrar o attentado pu• nido pelos codigos criminaes, para saoormos com que energia deve desprender-se & reacção penal j o que nos cumpre é determinar o grau de temibilidade desse enro perturbador da harmonia social, e examinar até que poneto elle se revela adaptavel ús condições da coexistencia humana. A theoria da defezR, da. consermção social para explicar o fundamento e a finalidade da pena., impõe-se a todos os espiritos que se libertáram dos sonhos . theologicos e das nevoentas entidades metaphysicas. A ·sociedarle tem o de'\'"er de defender-se contra as perturbações do crime; é incontestavel. . Procura, por meio de penas racionaes, adaptar a seus fins todos os individuas, meRmo os inquinados pela tara criminal, e o consegue, dentro de certos limites, intimidando a uns, conigindo a outros, Cl'eando para todos, motivos lDoraes assás poderosos para contrabalançarem as energias •

C.D.

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CRIMINOLOGIA E DmEITO

immoraes que dentro deIles pódem fermentar. Assim penso,

e n'isto estou de pleno accôrdo com muitos dos pr6ceres da. eschola Ilaturalistica. Outros, simplificando mais a doutrina acham illusoria a idêa de conseguir a emenda. dos culpados c pensam que a sociedade «deve considerar o delicto como effeito de anomalias individuacs ou um symptorna de pathologia social, reclamando apenas o isolamento dos elementos de infecção e o saneamento da atmosphera onde se

lhe desenvolvem os germens." Esta. divergellcia é, porém, secundaria e creio que tende 8 desapparecer. O que impo~ neste momento, para os fins desta discussilo, é deixar firmado que as bases da doutrina naturalistica (-a conservaç.ão e defe7.8 sociaes, o crime ('ÜIllO offensa á. sociedade, a reacção pcnal como meio de defeza e conservação) me parecem perfeitamente solidas, de uma clareza e simplicidade mar~\Yilhosas, de um yigor e resisteneia incalcula\'"eis. Mas seja-me licito interrogar: Será consequencia immediata, será iIlação forçosa destes princípios basicos que desprezemos, por inutil, o criterio da responsabilidade? Nilo o creio, e entendo que justamente esta noção se conformará com enes uma .ez que lhe dispamos as vestes metaphyBicas em que se têm até hoje" envolvido. Muitos espiritos egualmente preoccupados com obter uma solução scientifica para o problema do crime, não se mostram satisfeitos com o criterio da lemióilidade, achado pelo fecundo engenho de Garofalo, nome que dispensa qualquer encomio,

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cnnttNOLOOll E nffiEJ'I'Q

e repellem a egualdade em que são collocadas, a assimilação completa em que são tidas as mentes sadias e as enfermas, sob o poncto de vista do crime. Sentem que existe ahi uma falha que é preciso rever e completar, e nllo lhes occorre outra idéa sinão firmar uma clara e certa noção da respon· sabilid.de. Nesta occasião, não recordarei os debates ' que esta questão suscitou no segando congresso de anthropologia criminal, nem as theorias de Biuet, o illustre physiologista., nem de Paul DubuissOll. Apenas considerarei os trabalhos de Tarde e Paulhall. Collocando·se no terreno firme do determinismo, julgáram estes dois escriptores, como aquelles acima lem. brados, dever restabelecer o principio da responsabilidade, insufflando·lhe novos elementos de vida, injectando·lhe a ju'\"enilidade perdida, havia muito.

• • • Tarde firma a responsabilidade na identidade pessoal e na similhança social «Em todos os tempos, julgou·se um ser responsavel por um facto, escreve este auctor (1) quando julgou-se que era elie, e não outro, o auctor desse facto. E' um problema de causalidade e de identidade, não de liber· dade que se resolve por esse julgamento., E mais adeante: Admitíamos o livre arbitrio, seja, mas, ao menos, deve·se reconhecer que ha uma vantagem pratica das mais ineou(I) PAiluopIM pmak, P&rII, 1890, pp. 84, 87 .88.

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36 testaveis em fazer repousar a responsabilidade sobre a. identidade que é um facto patente, antes que sobre a. liocr. dade que é uma força latente... (1) :Mas este elemento individual nito basta para determinar a responsabilidade criminal. Para que clla. se erga., é indispensavel «que o auctor e a victima de um facto sejam, mais ou menos, compatriotas sociaes, que apresentem um numero sufficiente de similhanças de origem social, isto é, imitativas.» (2) E' da combillaçiro destes dois elementos, a. identidade individual e a similhança social, que o illustrc criminologista pretende extrahir uma solução plausi\'el do embaraçoso,

cstnrrecente problema. Fixemos as duas noções para bem comprehelldermos o alcance da theona proposta. Afastarei todas as disputas sobre a natureza do cu. Collsideral-~ei, de accôrdo com a psychologia experimental, a. synthese dos estados psychicos unificados pela associação que os encadeia uns aos outros, e pelo systema nervoso que é a base physiologica de todos eHes. Desde que os estados psychicos passados se vinculam aos presentes} formando mais que uma serie, uma orgallisação de sensações, imagens} pensamentos, emoções e volições numerosas e complicadas} e desde que a associação entre estes estMos, tanto actuaes} como passados} não accusa uma ruptura prof1lnda em algum de seus élos} porém} se mantém integr-dlisada em seu trama (1) (I) PhiklOp/lie ptnllk, Pari ••

18~.

pp. U. 81 • 81.

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37 fundamenta~

realisa.-se a identidade do eu. Esta identidade, _portanto, não póde ser Sillito a permanellcia das oolldencias

fundamentaes ou predominantes do individuo. Em termos breves, é a consonancia outre os estados act.ll8.eS e os passados. O individuo ou, melllOr, o cu considera-se o mesmo, identico em suas diversas phases de ac~ividade, porque o

fundo de idéas, sentimentos e telldencias qtle o constituem, imprime um cunho especial, uma. côr propria em todas as suas manifestações psychicas, as quaes se nos apresentam

como desenvolvimento ou, ao menos, como vibrações peculiares d'eUe. E! claro que, si, no

desellvoh~imento

da actividade psy-

chica, appareccm cstado's melltaes cm divergencia essencial

com o aggregado organico de idéas, sentimentos e tendencias constituitivas no eu, rompe-se esse élo associativo que deter-

mina a identidade nos typos normaes. Supponhamos um desses casos de alternancia na personalidade psychica, um desses casos de dupla ronsciencia, como o de Felida., por exemplo. Existem ahi duas series de estados · de espirito,que se desenvolvem a parte, cada uma com um timbre especial, caractcristico. Desfaz-se a unidade primitiva do eu e, portanto, a identidade não é mais um predicamento da totalidade dos phenomenos psychicos do individuo, para se circumscreyer a. cada uma das serie~ a cada uma. das almas, mostrando-se completa na. alma primitiva e normal, vascillante, obscura, ondeante, na alma secundaria. e anormal. Ora, realisado um acto nesta denominada condição segunda da personalidade dupla, não encontraremos sempre o laço

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CBIlrINOLOOlA t nmelro

psychico existente entre clie, os seus antecedentes e os seus consequentes. O individuo que praticou o acto, o que responde por elle e o que soffre as COllSeqUCIlCias delle, seja por exemplo uma pena mais ou meDOS prolongada, nito será o mesmo, não será identico em toda a sua existellcia mental. Estas anomalias, aliás não muito raras, esclarecem perfeitamente os termos da questão e mostram, de um modo claro, que o elemento da identidade é fundamental para a determin~o d. responsabilidade. :Mas pergunta-se:- o eu, uma vez conformado, depois da elaboração da primeira cdade, se manterá essencialmente o mesmo, atravez de uma longa vida? Embóra os resíduos depositados pela actividade psychica, na infancia e primeira mocidade, esse periodo de adaptação e modelação do eu, perdurem tenazes até a desorgallisação final do ser, é incontestavel que se dito alterações na personalidade, com a accelltuação das tendencias de cada um, sob a acção da educação e do meio social, que póde variar, e ao influxo das modificaçOOs organicas produzidas pela edade. Mas quaesquer alterações destas, sendo normaes, regulares, effectuadas por uma transição, cujos estadios se suooc· dem logicamente , como desenvolvimentos naturaes de seus antecedentes, nilo prejudicam, em nada, a theoria que toma ' por base da responsabilidade a. identidade do eu. E justamente a theoria. deve attender para essas alterações, afim de por ellas regular um systema racional de penalidade. Os impetos desordenados das paixões, os actos violentos . que ellas produzem, mesmo sem romper o vinculo da identi·

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CRDfINOLOOIA E DffifWru

dade, occasionam desvios mais ou menos profundos da uorma~ lidade do ser. Tambem estes afastamentos não podemo servir de base a objecções contra a theoria., antes a confirmam. Como diz o illustre criminologista, «no meio dessas olldu~ laçúes que nenhuma fonnula poderia fixar, constata-se facilmente este facto geral que depois de se ter transformado com uma rapidez relativa durante a inIancia e a juventude, a pessoa pára., se ossifica., e, a partir desse momento, se modifica muito pouco, si é que ainda se modifica.» (1) O segundo elemento para a determinação da responsabilidade criminal, segundo a theoria proposta, é a similhança social entre o auetar do attentado e ti. victima. Thta similhança social, de que fala. Tarde, consiste na conformidade do juizo sobre as acções censuraveis ou louv8.veis em partilhar com os seus consocios uma repulsito identica pelo mal e uma il1entica approvação ao bem, q:; em concordar com enes, em these geral, sobre os modos licitas e illicitos de alcançar seus fins (2). E' uma siruilhança moral, social, teleologica., qne se pMe aferir pela opiniito dominante, pelo grau de gelleralisação dos sentimentos mames. E, como estes se sedimentam, se organisam na mente, creando uma fonte poderosa de energias que orientam o homem para a teleogia social, um armazenamento de impulsos e motivos que contrabalançam as solicitações antisociaes, podemos dizer que a similaridade em questão se deixa reconhecer pelo senso moral, I) Taro,.

(') Op.

Op. til., ,r. 111, m. Pr. 100,

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CRIMINOLOGIA E Dr:REITO

- - - - - - - - -- - - -- - ql1e é Um deposito do inclinações transmit.tidos hereditariamente e incutidas pelá. edücttç!o, principalmente durante o periodo da infancia e da juventude. Iffi que este elemento da similitude social entra na composicão do conceito da responsabilidade, o escriptor france? nos convence com uma. abund'1l1tissima profusão de provas pedidas ás anomalias mentaes e á historia da justiça repressiva, o que, aliás, não nos impede de consideraI-o como secundaria, menos profundo do que o da. identidade pessoal

••• E' conveniente resumir agóra a theoria. para simplificai-a. Tomarei ao proprio auctor- a.<; suas palavras: «Responsabilidade implica um laço social, um conjuncto de similhança

de natureza não organica, entre os seres grandes ou pequenos, julgados responsaveis; e responsabilidade implica, além d'isso, um vinculo psychologico entre o estado anterior durante o qual o ser julgado responsayel agiu ou contractou e -o estado posterior durante o qual clle é intimado a vir responder por seu acto ou a executar seu contracto. » (1) E' fóra de -duvida que essa affirmação é perfeitamente exacta, que está em a.ccôrdo cam a realidade phenomenica de nossa existeucia social. Mas ouso levantar uma duvida, exposta aqui muito a wedo pelo respeito em que tenho o vigoroso e arguto en~ (1)

0,. ri'., PI. Df.

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CRIMINOLOGIA E DIREITO

genho de G. Tarde. Parece-me que na idéa de responsabilidade existe alguma cousa, além desses dois elementos aponctados, que elies são cond ições da responsabilidade mas não abrangem-na em sua inteira complexidade. E não me refiro ao nexo causal que prende o individtlo ao acto, pelo qual o responsabilisam, pois que este elemento est..'Í contido no principio da identidade tal como o expõe o egregio pensador ou, antes, é presupposto como existente, qualquer que seja a. theoria adoptada. Portanto é um pourto collocado fóra do

debate. Mas estabelecido que A seja o auctor de um facto puni-rel, e mais que sua identidade psychica se manteve inalterada, nos diversos momentos que precederam e succederam ao delicto, e ainda mais a sua similitude com o meio socio.1, estará nossa consciellcia plenamente satisfeita., para, sem hesitação, como quem cumpre um dever inilludive~ declarai-o responsavel e em condições de soffrer a pena por meio da qual a sociedade prooura defe.nder as bases de sua existencia e seleccionar os individuos, adaptando-os, de mais em mais, a seus fins? Creio que não. Julgo que ainda falta um élo na cadeia do raciocínio que nos le-r& fi, proferir o juizo, a affirmação . final que determina a Ie;:,pollsabilidade ou irresponsabilidade

do agente. Pela causalidade, excluimos a hypothese de que fosse outro, e não o indigitado, o auctor do facto criminoso ou do contracto, podemos accrescentar, uma vez que n'este poncto fratemisam os dois dominios, o criminal e o civil. c. D.

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CBTMINOLOGU E DIREITQ

Pela idmlidade, verificamos que o individuo não aceusa alietlafffes, psychoses, perturbações mentaes, que o tornem moralmente diverso de si mesmo em seus diversos estados successivos de espirito. Pela similltanra social, determinamos que certas idéas, tendencias e sentimentos generalisados no grupo social pro. duzem no animo do individuo, um echo mais ou meDOS vibrante, mais forte ou mais amortecido, em todo o caso sulficiente para assimilaF, para cousonar, dentro de certos limites, a actividade de um com a actividade de outro. Aquellc, portanto, que é fatalmente impellido ao · crime por um desarranjo physiologico irremediayel nito está em condições de ser responsabilisado. E ' um alienado, não propriamente • • um cnmmoso.

Mas exgottados os elementos que a theoria tardiana indica como constitui ti vos da responsabilidade, sentimos que , ainda não está egualmente exgottada a serie de condições que a determinam. A irritação de nossa sensibilidade moral abalada- por um attentado só poderá recahir, inteira e completa, sobre seu auetor, s~ além de pertenct)r, por ~ suas idêas, ao grupo social que o condemna, si, além de - permanecer o mesmo antes e depois de agir. si, além de praticar um acto de accôrdo com sua propria natureza, reconhecermos que esse a.do foi querido ou, pelo menos, devia ter sido previsto. Aqui é justamente que está um poneto fundamental da questão que não póde ser descurado e que é incontestavelmente preciso atacar sem receio. Para· determinumos esta circumstancia indispensavel,

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aRTVlNOLOGU-E DJBEI'I'O

nps é mister simplesmente indagar si ha coorde~açIo .entre 88 conseqnencias do acto e o conjuncto de idéas; __senti.men,tos e tendencias do individuo que o produziu. Si esta CQOrdenação é completa e perfeita, a responsabilidade .!tinge seu maximo grau i em caso contrario, diminuirá . pro. gressivamente até extinguir·se. Comprehende-se facilmente esta gradação na responsabilidade, que é possivel traduzir mais ou menos, pelas idéa.s de dó/o, crime COllSU1ll1lladfJ, simPles telltativa., culpa, etc. Creio que é indispensavel á th.eoria de Tarde este complemento que me offereceu ou, melhor, me suscitou o iliustre psychologico F. Paulhan, em um extenso artigo publicado ultimamente ('). Estou longe de acceitar tod.. as iM.. expendidas pelo citado auctor sobre esta v.e.xata questio. Assim opponho embargos á sua categorica affirmação de que - la responsabilité n'est pas une questum de causaliM, c'est une question de Jinalité. Estou convencido de que a causa e o fim aqui se irmanam e se penetram. Si a finalidade prepondera, é indiscutivel que tllla presuppõe a causalidade. Egnal. mente faço minhas reservas á responsabilidade dos elementos psyc4icos, que é uma subtileza psychologica., aliás, sem resultado .pratico apreciavel. Mas apezar destas restriCÇÕ6s, opino que ha. neste bem elaborado estudo muita observação justa, muita idéa profi}

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Jlhilo,OJIÀ>qtu. 1892, III. , e 6. Dlpalldo-H

pnHItu aUellQio

a."" \borta

çbu"aqO ... aIlIrmoç o Ulllltre phUOIOpllo fraBeel qu e-o. Ullha rulo em ver D& de Pnl.ll.all 11m eomplemellto da que elle expuera n PAillmlflhi/l petUll, bem que .. idéa d~ !i_fIlUlfld, ahl ji 116 eelle_ ImplleitameDte iudlelda,

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44 veitosa para esclarecimento da obscura. questão da respon-

sabilidade. E" sobretudo, fundamental para uma. theoria solida. e exacta. da. responsabilidade fazeI-a repousar sobre a systematisação da.':I tendencias, e medil-a pelo grau de cohe-

reneia entre o acto e essas tenrlencias. Firmado este principio, as theorias do dólo e da culpa, e a dos crimes illtencionaes e involuntarios que tanto preoccupavam a esohala classica, recebem, em suas linhas gerae3, uma explicação racional e logica. A intenção, como nos diz o insigne psychologv, suppõa uma. systema.tisayito maior entre o eu, o acw, e su.a.s consequencias, implica

«uma coordenação estreita de um acto com as idéas e Mm os desejos que o acompanham e o precedem:t, revela « uma. intervenção maior do conjuncto do eu II. Sendo assim, a responsabilidade é mais accentuada. e mais ampla nos delictos intencionaes do que naquelles onde o elemento intencional falha, afrouxando o laço de systeruatisação entre o subjectivo e objectivo. Outra questão que estas idéas resolvem, de um modo claro e satisfactorio, é a da tentativa A eschola. italiana, collocando-se no terreno do subjectivismo, declara que a tentativa e o crime consummado devem ser considerados como egurumente offensi'Vos e que não h8. razão para. distinguil-os, quando se tracta de repressão a. esse.'i maleficios. Geralmente pensa-se ou, melhor, sente-se que ha um excesso de rigor neste modo de ver dos criminologistas italianos~ e Tarde justificou o sentimento geral em cou-

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CRtvINOLOOlA E ntRRItO

--------------------,----------trario, di1.endo que si a tentativa., revelando tlma tendencia criminosa, assiguala um perigo social, é certo que, h~­ vendo execução, este perigo é duplo, porque, ao habito cri. minoso iniciado, se deve accrescentar um exemplo criminoso dado. Além disso, accrescenta o mesmo auctor, que a indulgencia do jury e dos tribWlaes, em relação aos auctores de delictos abortados, c se funda sobre o sentimento inconsciente que rodos temos da. importancia maior que é precisa conceder ao accidenta~ ao fortuito nos factos sociacs:$. «Quando o auetor de uma tentativa de assassinato, impedido por uma circumstancia in'Voluntaria, é levado á presença. dos tribWlaes, parece que é uma bôa fortuna para elIe e não s61l1ente para sua victima, que seu fuzil tenha mentido logo, que a mecha accesa por sua mão, para fazer explodir a dynamite na passagem dê um comboyo real, se haja extincto em caminho:t (1). Estas razões são Mas, convém Paulhan., mas, julga dever accrescentar outra, tirada de sua propria doutrina sobre a responsabilidade. «No caso em que a tentativa aborta, escreve elle, a systematisação é menor; existe no individuo antes do crime, ou parece existir, ruas nilo ha mais coordenn.ção alguma entre as illações, os resultados do acto e os sentimentos, os desejos, os pensamentos do individuo ». E, portanto, li responsabilidade é menor. Considerarei ainda. a questão por uma outra face, que nos •

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.,

desvendará a grande imporlancia. social ' da responsabilidade,

mostrando que esse conceito não é uma velharia

impres~

tavel, como se pretende. A responsabilidade é um dos modos pelos quaes 8. moral e o direito corrigem, aperfeiçoo,m o homem, sob o poncto de vista da finalidade social, ou, melhor, é um dOR p0-

derosos elementos pelos quaes essas disciplinas, norteiam, orientam a mente humana para os destinos da sociedade, para suas condições de vida e desenvolvimento. A moral e o direito, favorecendo <-.erros actos, impedindo

ou difficultando certos outros, crearo, pouco a pouco, uma inclinação para a actividade humana, que se vae sempre affirmslldo, desde a infancia, por meio da educação domestica e escholar, até a virilidade, por meio das penas ju-

ridicas e dos -diversos freios da moral Organisa.-se, então, o senso

mo~l

e juridico que fornece p.stimullos de a.cção e .

juizos para a. conduçm de cada um. Si esses estimulas são fortes e esseij juizos segurosl a. actividade individual se desdobrará de harmonia com o desenvolvimento da vida social j si !aes estimulos, ao contrario, forem fracos ou nullos e os juizos forem incertos ou falsos, já e,ssa concordancia não poderá perdurar. Apparecerão choques que denominamoFi acções repro,'aveis ou • crlmes.

-

?tJas, como esses estimulos afinal constituem o dever, • sulco profundo onde a vontade individual se canalisa para

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47 a orientação social (1), as acções que destôam delle repercutem na propria consciencia do agente como dignos da. reprovação de seus pares, salvo si elle é um alienado. Ora, si o individuo conhecendo que age contra seu dever, nlo obstante prosegne na mesma senda, é natural e logico que responda por seu acto, mesmo porque, attenda-se bem, essa responsabilidade substancia uma consideravel força. educacional. Si 08 motiyos que obliteraram, no momento, a DoçM do dever podiam (2) ser superados, a sociedade alarmada sobrevem para fortificar e~sa noção por meio do motivos que facilitem sua effectividade em emergencias analogas. No dominio da moral, esta intervenção social apresenta diversas fórmas, entre as quaes sobresahem os costumes, as crenças religiosas e a. opinião publica No dominio do direito eUa se opera por meio da pena, cujo fim nilo é simplesmente eliminar, como estão inclinados a crer muitos anthropologista.s, porém, con-igir e ainda prevenir por meio da intimidação e pela creação de motivos contrarios ás in~ clinaÇÕEls criminosas. Si o individuo é, porém, um louco ou um doen.te, o dever não existe para eIle, nem tambem a responsabilidade. Improficuas serão todas as penas em tal caso, como cor~ recção e como intimidação. Mas tambem nito é este o verdadeiro criminoso. O verdadeiro criminoso, penso, é o que •

( I) Jherlllr dallniv. IIIv.L$O bel:!. o denr llruta, pala'l'Z'lu-PLlleb L Id d.. SüLI= I1lI8"I'er·

batLIII.. der. Penoll flr dle Zweeke dei G_lltehR (Zu:red: im Htdtt. I. PI. 224). (I) V'-IfI 'IlIe Bale "'m ruI.o eJII ••.,.U,R!r fru .nU por a~ity.

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CRIVINOLOOlA E DIBElW

tem errado ou enfraquecido, quasi DuHo mesmo, o senso moral, a. noção do dever. E' neste meio que a sociedade intervem para le'rantar as energias que ameaçam dcsfallecer ou 'Ç"ão desfallecendo. Pode-se dizer que este MVO a..ospecto, pelo qual abordei a questão, niIo é mais que um desenvolvimento d'aquella base da similitude social de que nos fala Tarde. Póde ser que sim; mas como os factos aqui são olhados de outro poneto de vista, pareecu-me util accrescenoo as considerações que ahi ficam. E' tempo de concluir. Minha intenção, ao escre\'er estas linhas, foi mostrar que a idéa da responsabilidade despresada pela criminologia italiana, deixava um certo ch\ro em nosso pensamento, que era preciso preencher. Para conseguir este resultado conviria ou substituil-a por outra, que exercesHc as mesma.~ funcções no mechanismo da justiça repressiva e no dominio mais amplo da moral, ou inocular no\'o sangue no principio que as velhas escholac; nos haviam entregue cachetico, illan€'. A corrente do pensamento tomou este segundo rumo, onde um sulco aberto já havia desbravado algumas das difficuldades, embóra. os trabalhos da drainagem abandonada o ti'ressem, em parte, obsh'uido com escombros e detritos, Mas, a.pezar disso, a. empreza vae avançando sem desanimo, parecendo-me que o grande esforço do illustre Tarde deixou firmados os princípios fundamelltaes da nova theoria da responsabilidade, e que completados elles e com•

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CRIIIINOLQGIA. E

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binados com algumas das contribuições de Paulhall, essa theoria está em condições de satisfazer ás exigencias da justiça repressiv~ dando, ao mesmo tempo, a segurança social que era o seu lado fraco, quando - fundada no livre arbitrio, e pacüicando as revoltas da consciencia vulgar que se insurge contra algumas durezas da. criminologia naturalistica.. A theoria offerecc um flanco á psychologia e outro á sociologia, apresenta uma face social e outra. individual, justamente porque o criminoso é um ente biologico e sociologico, e o crime é um phenomeno que, emittido pela acção individual, cchôa nas abobadas da construcção social, contra a qual é directamento atirado. Certamente exige elIa o exame das determinações da vontade, e ha na eschola anthropologica uma telldencia para eliminar a VOIltade conjunctamente com o livre arbitrio, como si as duas cousas fossem identic8S. Mas, si -Schopenhauer e Fouillé não têm razão em ver na vontade o elemento primordial da personalidade psychica (1), é incontestavel que ahi se acha um factor que não póde ser desprezado, quando se estudam as acções humanas.

••• E si em vez de individual fôr o crime collectivo, d'esses que Scipio Sighele chamou, crimes da multidão, e lhe ser(I) Con.nlw.M um InlerelllDW .tudo de 'oalll'. L'ab ... tk rillCOllllaulable, na RI~ philOltlJ7Ãlqul, 1892. PI. 111 e .eg. C. D.

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CRIVINOLOOIA E DIREITO

yiram de thema a uma bella. tnollographia. sob o titulo de FolIa ddillqUCll1e f Seria imprestayel a theoria, IÜ se mos- ' trasse impotente para a resolução desta nova face da questão. • E verdade que Sighele recorre ao criterio da temibili· dade . ( I) c julga absurda a doutrina de Tarde em relação ú responsabilidade, muito emoora siga suas pégadas no tracejar as linha.s principacs de seu brilhanre, bem que pouco systcmatico, ensaio de pSJchologia coIlecti,·a. ],ias o que importa, a lUeu yer, nos crimes commettidos pelas multidõcs exaltadas, é determinar até que poneta a suggcstfto do grupo, até que poncto o contagio das emoções modificou a illdi,·idualidadc daqucllcs que foram impl~llidos •

ao cnme. É natural que,

maior numero de casos, sejam os individuos reconhecidamente pel'Ycrsos, jil experimentados na pratica, dc maJefirios, os que se flITcbatem atê o detirio sanguinario. Muitas outras YC7.CS, seres imprcssionayeis, espiritos illten~amentc \'ibratci s, mas de oonducta perfeitamente honesta, sentirão a Ycrtigem do abJsmo que SP. cava tenebroso em to1110 da mente agitada c lleJle se precipitarãe,., Sighele cita. exemplos desta especic. Jolr os· apollcta egualmente. E si poss~ pedir apoio a obras litterarias, que sendo productos da imaginaç.t10, são ao mesmo tempo, curiosos estudos psychologicos , recordarei a Rcena do Ld bas em que, na. missa diabolica, sopra rodopiando uma rajada infernal de (1) Vide

La

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JII!!. 1118 e lU e prlnel pllmente a

cn",indle, 'rad. de PIlIl VI!ny,

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IlW.u _lIima, da 'dlçlo fr&neel& 18&2.

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ctnii~OLOGll

E DiRgl1v

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sordido sacrilegio e abjecta. bacchsnaJ, torcendo os espiritos como se fossem frageis caniços e roja.ndo os corpos no pó, revolvendo-os raivosamente na lama infecta de uma vo-

lupia repellenOO. Nestas condições devemos di7.er que a responsabilidade é menor nos dominados do que nos directores. O bom senso popular o diz e a seiencis o confirma. Mas ha gradações nessa responsabilidade limitada; e essa gradação nos poderá ser dada satü:lfactoriamente pela theoria da identidade combinada com a da finalidade. O individuo conservou-se o mesmo antes e depois do acto, se mostra este em coordenação com 8S SUM tendencias, a responsabilidade será completa. Encontrou elle, na multidito insurrec~ apenas um estimulante, COlllO si ingerisse uma porção de alcoo~ para adquirjr a coragem que lhe falta, a sua responsabilidade ainda será completa, embóra este tal . não seja tam fcmivel quanto o da hypothese anterior. Houve completa allucinação no individuo, assidiado, dominado, intimidado, tra.nsfonnado pela acção violentadora do meio circumdante, a responsabilidade poderá ser inteiramente nulla. ou muito restrlcm conforme as circumst&ncias. Deu-se uma combinação de energias convergentes, de um lado, a. acção suggestionadora da multidão e, do outro, a consonancia da finalidade malevola, por elIa almejada, com as idéas e as tendeneias do individuo, sua responsabilidade deve ser tanto maior quanto mais harmonica fôr essa collsonancia, quanto mais conservar o homem a sua feição individual, a sua personalidade no torvelinho das paixões do grande numero.

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I I I

Notas sobre a criminalidade no Estado do Ceará (A' PEDRO DE QUEIROZ)

N oçl.o do crime

Começarei firmando algumas idéas sobre o modo de comprehender e explicar o crime. A idéa de considerai-o como um producto da sobrevi.. vencia da vida selvagem, como um phenomeno bem característico de ataviamo, que foi o poneto de partida dessa. brilhante e numerosa eschola italian8,que tem por chefes L:lmhroso,Ferri, Garofalo, Marro, Fioretti, parece ter feito seu tempo. Os golpes certeiros da critica manejada por Colajani, por JaIy, por Gabriel Tarde, sobretudo em sua magistral Phi/osfr phie pena/e, por Alimena, em seu admiravel estudo sobre os Limiti e i modfJicatori de'" tltljutaóilitd, onde o exemplo da critica é dirigido com surprehendentc habilidade, pela maioria

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54 dos criminologistas que se reuniram no ultimo congresso, levaram a convicção mesmo aos centros orthodoxos. Em França., esta idés. capital da theoria lombrosiana fo~ desde os primeiros momentos, posta, por assim dizer, em quarentena do observação, quando não de todo afastada. O proprio Lacassagne, o illustre professor de medicina. legal em LYOD, que é, embóra dissidente, I) mais illustre representante da 1luova scuo/a na Republica Franceza, oppoz, á hypothese do atavismo, a da suspensão no desenvolvimento do individuo, c a da degenerencia, que parece ter ultimamente conquistado

maior numero de adhesoos. Mas ainda. que se admitta como verdadeira a theoria do criminologista francez, ainda que consideremos os criminosos

natos como individuos cujo desenvolvimento normal foi sustado por quaesquer causas ou cujas faculdades se mostram am~squinhadas ou irregulares, em cotejo com as da generalidade, é sempre \'erdade qlle este pOllCto de vista biologico

não explica o crime de um modo completo, pois que este é, antes de tudo, um facto social. Muito embóra seu apparecimento exija., geralmente, da parte dos individuos certas condições physiologicas especiaes, muito embóra slla embryogellia se desdobre no dominio da psychologia, sua eclosão se vae fazer na sociedade, seu germen veio deUa e., dentre os factores que concorrem para a sua producção, os sociaes são, sem duvida, os mais valiosos, o que não importa affjrmar que os physicos e anthropologicos sejam de exigua importancia. O crime surge na mente do individuo sob a fórma de idéa

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CRDaNOLOOIA E

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ou emoção, elabora-~e na consciencia e, produzindo a. volição, tendc a I'(>alisar-se. É claro que os espirito~ bem formados não se deixarão, sinão excepcionalmente, arrastar á pratica desses tristissimos factos, que são um forte grilhlIo a. nos prender inexoravelmente á bruteza. da. animal idade, donde a. cultura nos pretende distanciar, mas onde nos arrastamos e nos debatemos, em YOO, como frageis insectos envolvidos nos fios resistentes de yasto aranhol. Esta semente necessita de um terreno proprio. Este terreno, que é o homem., ou existin\ con\"cnicntemente affeiçoado pela natureza, quero dizer, por condições physiologicas especiaes, ou será preparado por circumstancias di'n~n:;as como sejam, o meio social, cujo niyeI moral decresce, cujos meios de repressão se affrouxam, a educação descurada que não tracta de cultivar o caracter e as inclinações bôas, as crises economicas e politicas, a falta de adaptação ao meio social, a miseria illVenci\'el dos que não pódem luctar ,'alltajosamente pela vida, o alcoolismo, o contacto com os malfcitores, cujos successos despertam desejos de imital-os e cujos actos de fera bravura suscitam cnthusiasmos. É naturalissimo que concorram para o mesmo resultado, corroborando esses factores, certas tendencias ethnica.~ e certas influencias kosmicas. Cabinda a semente do crime cm um terreno a.'isim apropriado a fazeI-a germinar, sua elaboração psychica é rapida. VeI-o-emos apparecer geralmente com uma precocidade assustadora e propagar-se com tanto mais facilidade quanto mais favoravellhe fôr o meio social pelo desequilibrio dos costumes e pela. frouxidão dos meios repressivos empregados para reba.tel~.

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CRIMINOLOGIA E DIREITO

Como essas plantas aquaticas, cujas raizes se prendem ao 8610 lamacento, à vasa dos panta.nos c que atravessando, as vezes, profundas massa.c; d'agua, vilo expandir-se em florações ao lume d'um lago, sob a claridade quente do sol, o crime que nos alarma e nos inquieta, que pcrturba a eurythmia social e vibra desagradavelmente na consciencia dos homens honestos, atravessou phases diversas na mente sombria do criminoso, é a ultima evolução de uma idéa ou de um sentiruellt() suggerido pelo meio social. Si o crime é um facto social como o direito, que é sua antithese logica, cOllsideremol-o principalmente em seu aspecto social, emb6ra tenhamos de pedir auxilias Ií. psychologia, á psychiatria c á ant-hropologia. Considerado sob esse poneto de vista, julgo que devemos comprehender o crime como - uma offensa ás condições exisoollciaes da sociedade ou, mais claramente, como uma perturbação mais O,t menos grave produzida l1a ordc1Jl social e acarretalldo um embaraço mais ou mellos comidCl'ave/ da mechamca social.

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re.f!,ular juncdonammto

É facil de nr que me coUoro, ainda desta vez, a sombra das doutrinas do grande jurista philosopho que já ooye 00casião de definir o delicto - « um attcntado ás condições de vida da sociedade, constatado da parte da legislação por meio de penas repressivas:. (1). (I) Jherlng. Der Zwe-ek 1m Rech t. T. pg, '110, &lte modo de \'er eneOlltra apoio lia linguagem, A pal""'ra portllgue ..... Iklitro. pro" ém de dffelinquffe, abandonar (o re-. glDleD 1egt.1); a palnra alleDl' Vffbru" en. erlDle, ,'em de t,et"bruMn romper (a oro dem ,oclal), Qnanlo , p.I"ra I.Un. rrimm (donde II portDgu.e~ crime), derl' .....e de cernere,

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CRIMINOLOGIA E DmEl1'O

E como aR condiÇ'ÕCs existollciaos da Rociedade variam de po'\"o á pOYO, do época á époc~, com eUas variará este elemento Pf1rtuooador de seu equilihrio e de sua acç'ãoAttendendo fi. essa trauRformaçffo e\'olutiva dos elementos sãos e doontios da yida social, rcconh<.'Ce-se quanto andou acertado o auetor da Criminalidade comparada dizendo que o crime constitue uma profissíto de um certo numero de homens, e que consiste em adas que a oPinião dominaute, acnditada 11-' um grupo social, julga jasÚZIÚf de pma (1). Distancio-me, ImItanto, neste poncto fundamental, da eschola italiana., o que não importa em rejeitar suas conclusoos em outros. Antes, devo dizeI-o som rebuço, admiro e acato o labor desses infatiga\'cis in\"Cstigadores, a quem deve immellso a transformação porque est.á passando a sciencia do direito criminal. O que faço é conservar meu direito de critica para guiar-me, á luz dos principios, nesse amontoado cOllsiderayel de dados fornecidos pela psychiatria, pela pathologia, pela allthropologia, pelas doutrinas carccrarias; o que procuro é nito perder-me nesse Jabyrilltho de dflscripç(íes, de cifras, de obscnaÇÕC's, de estatísticas, de representações graphicas, de galtonísaçõcs de craneos e phyEm grego %(1(vw algnilloll '- o que est4 sllbmettldo 11. deelsilo de om Jui~. Ot';mm designava. poru.nto. na rrlmlnal idic4 romunu. n eaun. o proeenn; outras \·e1.l'!I, a aeeu· aaçlo. Mal, como a liMe du uceuso.('i\o li uma viollÇl1o do direito, em~regou'le a plllana trimtn. afiliaI. rara Ilgn lficnr PHil. \·loIDç~~ (Vide o Dirlirnll1llire deI< Ill1tiq"i/ts !I"erq"~" et f"OfIUIinu.lOu la dlrpcliou de Vlr~m berg et &gl!o ). fi) TarJo La eriminnliti t<lmpllrü . A pron.. de que o crime ~e afére pola oplolll.o. e$t4 na pel'lisLencla dlU g-gerru. onde mnLllm'S8 (\li houwnl n()ll mllh"PI. aem om grito de piedade pelo Inimigo afllg11.10 em ungue; e~t' ua peni.l!tencla do duell'>. em que um 110. mem honesto 8 finamente Mneado golpeia leu nd"enlrlo e o maU. a IItIngu8 frio, com ~u u regras d'art~ sem que, em ambos 0lI casos. a oplnllo esllgmatlso (\li p,..te_ b.eroes. C. D. 8

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CRnlINOLOGIA E DmEl'l'O

siODomias, de anthropomctria1 011dc as affirmaçõcs e as eall· testações se degladiam; o .que ambiciono é "er depuradas n'uma synthese final, todas essas analyscs lllÍnuciosas c de-

liradas que DOS yão descohrindo, dia por dia., um aspecto novo deste phcllomeno prott'ico.

Si vejo muita terdadc Jlas tn.'R ordens de factores do crime, os physicos, os anthropologicos c os Rociaes, tão profundamente estudados por Fcrri i si admiro as pacientes obseryações de Lombroso e ?farro, {lS yistas ousada.';, quasi geniacs do primeiro, c as dcducções lealmente rigorosas do segundo; si applaudo as habeis applicaçõcs da thcoria ao direito como as sabe fazer Garofaloj u[o posso de.sconhcccr que ha muita cousa a refa7,cl', que muitas illações foram prrcipitadamcntc tiradal'! c que o camill ho seguido nem sempre foi o mais conveniente. Não me proponho fi. fa7.er uma eriticadetalhada daC'schola, mas,para fundamentar o que acabo de avançar, limitar-me-ei a lembrar que, procurando interpretar o crime mais biologi ca do que socialmellte, por mais que investiguem, nunca 110S poderão dar uma idéa exacta e completa delle. A throria de um delicto natural de Garofalo se prende a essa prooccupação caracteristica da eschola italiana, preoccupa~10 que actúa mesmo sobre aquelles que procuram reagir contra e11a, como é, por ('erto, o caso do illustrc presidente do tribunal de Ferrara. « Delicto natural ou social, escreye ('stc COllspieuo escriptor, é uma lesão d'aquella parte do senso moral consistente. nos sentimentos altruistas fundamentaps (piedade e probidade) segundo a medida mooia em que se acham a!"i raç.a!"i humanas

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CBI)ITNOLOOll E DmEITO

• superiores, medida que é necessana para adaptação do intlividuo li sociedade:. (1).

Antes de tudo, os qualificativos lIaturai e sodal nilo se equivalem para que nos seja. indifferente attribuir um ou outro ao mesmo ser. Silo até anthiteticos sob certo poneto de vista, pois que a sociedade reage contra a natureza da qual procura libertar os individuos. Além disso, depois que a sciencia demonstrou a inanidade da religiiIo natural e do direito natural, devemos nos premunir contra um delicio lIahtral. A natureza, é sediço, não conhece o bem e o ma~ o jw;to e o injusto. Estes conceitos nasceram com a sociedade e sómelloo n'clla se comprehelldem. Se a natureza conhece alguma lei é o movimento, a evolução que trabalha a materia., transformando-a constantemente de nebulosa amorpha em sócs radiosos, de anorganismos em seres vivos, em arvores frondentes, em florações pomposas, flammejantes, cm associações humanas. Que importa á nat.urcza que, no cur::lO des::la evolução, se desencadeiem as tempestades das paixões e dos vicios, que os imperios se RIllliquilem na carnificina das batalhas ou que um homem honesto cáia sob o punhal de um sicario? A morte serve de pasto ..í. vida, como já o reconhecia Shakspeare; um campo juncado do cadaveres é o berço de , milhões de vidas. E justamente a sociedade, ultimo cio da cadeia evolucional dos seres vivos cm nosso planeta., que ( 1) Crinlinologi<J. pg. SO. Rda delllllção pareM bón. "Ja. mais po:tlUn e ma.1.\I dara.

IlüCli~a.

por Ollka de Polell. em·

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CRDITNOLOQlA E DIREITO

procura dominar c dirigir, cm beneficio proprio, as forças que formam em seu conjuncto a nahu'cza.. :Mas nito é sómcnte por esse ladil que pêCca a theoria de Garofalo sobre o delicto natural ou social. Este defeito podia ser considerado de fÓl'1ll4 simplesmente. O ;1'010# pseudoll, o ClTO fundamental está, penso cu, cm considerar-se n'ella o detiato como offcllsa aos sentimento:.. de piedade e probidade, com exclusão de outros sentimontos c outros estados de caD/)ciencia yisi...-clmclltc mais em relação com este facto, como são os do direito e do deycr. Como si a idéa do crime, diz Tardo, não implicasse essencial e natumlmcnte a de um direito ou de um dc\'cr violado, c não simplesmente de um sentimento violado, e como si este sentimento mesmo fosse cousa. diversa de uma fé acculllulada. e consCllidada. no direito c no dc"el'» (1), Todo crime se resolve n ' uma infracção do direito, não porqne a lei o declare acto punivel, pois não me refiro exclusivamente ao direito em sua. mUllifestaç-ão legal, mas porque o 4;

(I) PhiloHJphie

~!I<llt,

pg.

71. ~A~

qRa aqui vou expondo. 8i)bre o car.cter a as oxpond l pJr oeca~lio de leeelollar

aOll·Jorlol.leo do crime. u pouul. Já. em partIcularmente o dIreito crlmln.l. NUDC' me havIa. porém.•ervido dellas na hnprcn'll.. Rneontr.ndo·u lndleadu no trecho wmuo .0 admlranl erimlno\ogl~l", e eritlco fraDcez. onl~n"i dO\'er apresouul·l.! apolUIt.ll por .lIa grande &lIcwrld~e. qDe alláJ nla é a IInlea a que mo podia lOCCO~r. Por ea!locar-me DO poneto de "hta Juridlco. n'~ le Imagill0 qllo l'xcluo o .eollmenw. Nla j nem elle. nem o senso moral 10 p,Uem p~r de p.n te DI. I.p1'e<l:I.~lo do dpllela; mu quero lleeOD!Ul.r que amOOj 110 formaç,;eJ postarlareJ. adllpt.r.çlie~. Inclioa\lÔOl cl'udaj o heredltt.riamente ImumitUd a •. 81 o bomem e1'Jsiftel. Je MM ctrl.. 'cç6et; e de m.IÍl eerL/l..s outru. nlo é porque lenha ~Ido <lb duna dotll.do de uma t&eu\d&de apropriada a es~e diseernimento. 1>' 11m. parque Coi trahal hosamente educado _1m phllog,met!ea e oDLogen~l!cameDte. Iml llO sobre 1$10, com rl~eo de repellr-m n. p;lrq:J.e I. ~lmreza é lodlspenSlvel oeJlu asIIomptJs. Nilo Il3plra a gloria daquelle ingeo\lo phllolopho ntco que ao ~ollelg l r um maolliCrlpto 01.9 il'llnJeedellCl .. meill.pb)·~lea. elclamou t. tl'llnlbordar de Jubilo. dll·nail Bernardlnl (Litlerllo,rt ,.tll"dinat~, pg. 79): MagnUleo I Nloguem DO mundo poderá comprehencler, .Infto Deu padre o OU).

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61 direito é o tecido de llórmas garantidc,ras da. vida social e tudo que a embaraça, ou perturbando a ordem de um modo alarmante ou impedindo o descllvoldmento de uma maneira que é ou poderia ser efficaz, tudo o que põe em perigo a synergia das forças sociaes ou desvia sua directrix, se colloca em antinomia com o direito. Isto nilo significa absolutamente que nos limitemos a estudar o crime como legistas. O que jli ficou dicto antecedente· Illente é bastante para que senito me attribua um tal pensamento. Só poderia opinar assim quem não reconhecesse o valor das conquistas realisada<; estes ultimos tempos pela anthropologia,

estntistica e sociologia criminaes, c só poderia suspeitar em mim tão mesquinha e rançosa idéa., quem acreditasse na impossibilidade de estudar·se tambem o direito pelos prooessos naturalistas. Mas é quasi uma vulgaridade hoje tractar o direito como um phenomeno social que se trallSforma e modifica por leis analogas ás que presidem a evolução de todos os phenomenos sociaes. Seria até incongruente que o elemento perturbador da co-existeneia humana podesse ser explicado de modo diverso d'aquelle pelo qual se deve explicar o elemento garantidor · que se lhe oppOO. A verdade é que direito e crime, si não evoluem em parallelísmo, silo inseparaveis um do outro CQmo ambos o silo da sociedade: transformam·se e modificam-se sem que um possa eliminar o outro. Acredito que, de mais em mais, a victoria do direito se CQDsolide, que de mais em mais se apouque, se adelgace 1\ producção criminosa, porém, sem que jamais nos seja dado

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CRTVINOLQGlA. E Dmgl1Q

extirpalRa, de um modo completo do corpo social Essa perspectiva não conseguirá descoroçoar os que andam empenhados na humanitaria missão de encadeiar, de reduúr <Í impotencia essa Mrma do mal, porque não se diz que sejam illfructiferos seus nobres esforços. Pensando assim, acreditando que a parte sã do gencro humano deve armar-se contra a parte infeccionada para dominaI-a, para enfraquecei-a, e achando que não se poderá fazer nada de proveitoso sem que se conheça. bem as condições desse terrivel adversaria, animei-me a emprehender este trabalho, a exemplo do que se tem feito noutros centros. Não o podia executar com o vagaI' e a largueza que o assumpto exige, ma.s reconhecendo que não me é dado fazeI-o definitivo, desejaria, ao menos, que fosse suggcstivo. Dizia BayIc, o sceptico espirituoso e Incido, que o homem constituia-Ie 1Jlorceau le plus dilfictle d digérer que se presente d ÚJUS les systémes. Vr~rifiquei mais uma vez, no presente

estudo, a verdade desse profundo apophtegma. E é que elIe se corroborava, aqui com a pobreza jobica

dc nossa estatistica. •

E conhe01da. a ousada metaphora de um celebre escriptor allemito-abramos a bocca ás cifras. Seria muito difficil • fa7..el~o á nossa estatistica. E de uma reserva, de um mutismo desesperador sob certas relações. Uma sornma de crimes, nem sempre destribuidos geographicamcute, uma obsenaçâ:o desta~ cada e quasi mais nada.

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CRDlINOLOOIA E NREl'I'O

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Em taes condições seria impo~~ivel .esperar um estudo perfeito, ainda que me sobrasse a compeoollcia que me falta. Porém, 0.0 menos} tenho esperança de que ene seja provocador de outros mais vastos e mais sólidos} mai.~ profundos e mais completos. Eu só poude conseguir o que ahi segue-se. Outros Sfrão mais felizes ( I).

(I) P.itou eonnneldo . de que li Inlbalho de multa pronllo .ppllcn iii m.nifMt.~ d. etimlnalidade brlllllell1l os pro...e~~03 qlle lém pro .... do bem nOlltro. palte!l. »11 a.eeresee que nd& pai!; M'ri. l U' modI.1idade e<> lI!muclonal 011 IÓmente fane<l\oDal de dellelo,. No Ce.ri.• lnnuel\ela das lf'I'CU periodiCal li 11m. p8eullarldde qlle 1110 póde pus&r h.pereebld. tanlo em re!.o;J.o et\me qUinto em rell~lo 1011 Olltroa factos de ordem soel.1. A qlle'StIo eibnlca que ultlmamanle preoecupan o Dr. NIII& Roarlgues li um facto 111-&11 ganll t!1I.Jo n!or deT' lei' eriletlolllmen\e delemlllado.

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Cooglc


IV

o

crime em relação ao tempo e á população

A cultura humana, embóra YI\., todos os dias, se tor·

nando mais int('nsa e mais extensa, com tudo não 86 tam sido impotente para expullgir da crosta. social a macula do crime, como ainda tem nlllitas ",ezes luctado cm vão para diminuirlhe a. acção malefica. O crime bmbem luem. para viver. Resiste, modifica-se, transforma-se, adapta-se ás novas condições, se adelgaça ou se contrabe, segundo as necessidades, porém persiste ainda que combatido. Na Frrl.1lÇR, de 1838 a 1887, houve um accrescimo de 133 por cento, na massa geral da criminalidade. A cifra total uaquelle primeiro aIlIlO foi de 237 e a deste ultimo foi de 552 crimes por cem mil habitantes. E por toda a parte 8. progressão se mostra cgurumellte acabrunhadora, como se póde yerificar na Crimillo/Qgia de Garofalo. Mas esta progressão está longe de ser egual para todas M especies e modalidades delictuosas e para. todos os paizes. C. D.

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CllIMINOLOOlA. E nm€I"\I

Em rela<;ão

França, nos diz Jaly:

«Desde os primeiros ensaios de nossas estatisticas, pode. se dizer que a proporção dos crimes contra as pessôas foi sempre diminuindo e a propo!\,ão dos crimes contra a. propriedade foi sempre augmentando. As differellças seriam maiores

ainda, si a primeira categoria nilo encerrasse um genero de attentados que se tem continuamente augmentado, e em proporções enormes; quero falar dos attcntados contra os costumes e sobretudo dos attentados perpetrados contra. creanças:t (l). Assim, pois, a ferocidade me cedendo logar á cubiça e á. immoralidade; a yiolencia apaixonada dos homens rusticos desapparece, pouco a pouco, debaixo da lllaré montante da fraude astuciosa, e friamente pcn"ersa, e da depravação dos faccinoras intelligcntes e civilisados. Todos os crimillologis. tas reconhecem, de accôrdo com as estatisticas, esta. transformação porque vae passando o crime, não sómente na Republica Frallccza como em muitos outros paizes da culta Europa. Devemos concluir desta obseryaç.ão que a educação o que a cultura não influem sobre a producç.ão delictuosa? Tarde acha que a transformação, que, sob a acção da civilisação occidclltal, tem experimentado o crime, segurnlo acabamos de indicar, é favoravel lÍ expansão dos bons principios, porque, «embóra seja a vingança IllIl movd mais nobre do que o inte.ressc, é eomtudo mais pcrigosa para a segurança das p{'ssõas c dos bens ». Além disso, devemos (I) La

FraD~e

erlmlnelle, pg. 18.

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CRnrtNOLOGlA. t tltB!1'ro

-------------- ---------------notar que essa. transformação é, sem duvida, um effeiro da cirilisnção, que vae tornando de mais em mais difficil a violencia, e, portanto, podemos ter esperança de que novas e mais profundas modificações sejam impostas ao crimE", em ordem a enfraquecel~o continuamente. Sei que duas objecções se pódem levantar contra o opti~ mismo de minha conclusão. A primeira é o accrescimo dos homicidios entre povos cultos como a Belgica, a Italia, a Prussia, por exemplo (1). A segunda é a desoladora pro~ gressilo das offensas á moral e ao pudor, que parecem ser a ulcera propria de Dossa ci ,-ilisação. Ma.s, não obstante, estou convencido de que os elementos sadios hão de ter energia sufficiente para absorver os mOl'bidos, fazendo baixar o nivel da criminalidade, elllból'a sejam dissimiles nos diversos • paIzes. Vejamos agóra o que DOS diz a estatistica criminal do Ceará sobre este poncto interessante da criminologia. Em 1875, o numero total de crimes de todas as espe~ eies commettidos nesse Estado-foi de 408. Em 1887, ini~ cio da grande seeca, vemos esse numero baixar a 386, pe~ riado agudo da ruinosa calamidade e da penoria, aflDO em que a cifra total dos crimes não E:xcedeu de 187. Em 1880, a estatística assignala sómente 130 delictos. Depois o impulso criminoso ascende, para nos dar uma sornma de 149 deli~ ctos em 1883, de 220 em 1885, epocha de prosperidade, e de 231, em 1890. ,tI VIde

&

(,Wminologill de

O~rOr&lI,

PI. a18.

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CRDIINOLOOIA 11: DtREI'1O

É claro que a marcha dos crimes, considerados em seu conjuncto, não foi ascencional. Apezar do augmento accentuado nos ultimos annos, a producção criminosa do Ceará, se distancia do que foi d07..e ou quinze RIlllOS antes, e ainda mais do que • foi em periodo mais affastado. E motivo para nos rejubilarmos.

São manifestos e relativamente collsideraveis os progressos realisados nesta porção do territorio brazileiro, tanto no dOmillio in!ellectual quanto no material E correlativamente com o desenvolvimento progressivo da cultura. foi diminuindo quantitativamente a producção criminosa.

Mais forte motivo temos para exultar e conservar a CODsciencia livre de sobresaltos pelo futuro, notando que essa marcha descenciona.l dos factos punireis se verifica tanto nos que offendem directamente as pessôas, quanto nos que recahem contra a propriedade. Para 91 homicidios, em 1875 e 112 em 1877, só contamos 30 em 1880, 58 em 1883 e 37 em 1890. Para 11 furtos em 1875,33 em 1877 e 40 em 1878, deparamos com 6 em 1880, 7 em 1883, 4 em 1885 e 16 em 1890. Esta diminuição na massa dos (".rimes, que indica um sensivel abrandamento nos costumes e diffusllo de cultura, attestada tambem pela historia. ( 1) se observa ainda em outros Estados da Uuiito Brazileira., cujas cstatisticas poude COID(I) o coro..1 ~oIo Brlctdo, 11m ap&l:.:onado pelo. utll.dOJ IIltwrlOOl,

-.DI' ...... d, Inlp. 1011 o lhlllo- Crimu cdtbret-q1l.8 fon.m publicado. 110 LibtrUJ40r 4a capUal do Cem, d. Outllbro a Nonmbro d, 18U, ' pejo. qllNl ,e coalrma II II" arón lfIr1ao, d. p""I'III.. Voltarei tobrt ..la "'Ilmpkl II1II pouo JIIalI adHoD".

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CRTllr!{OLOOll li DIRÉI'l'O

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puJsar (1). Mas estas duas causas uAo me parece que sejam

as unicas a produzir esse benefico resultado. A emigração para a Amazonia é, illcontestayclmeut.e, um poderoso factor da purificação da. athmospltera social. E nilo contribuir'\ tambem para. o mesmo effeito o afastamento da criminalidade indigena? Creio que sim. Uma outra causa, que tah'ez a muitos pareça paradoxal, é o enfranquocimento moral, (lucro dizer, da altivez natural dos brazileiros, que voo produzindo a acção corrosiva das seccas com as ruinosas cOllcumitancias de uma administrat;ão mal orientada e pouco escrupulosa nessas epochas dilliceis que obriga o ceaI'cnse a csmolar, a curvar-se, a rebaixar-se.

Mas attellda-sc a que certos crimes violentos e sanguinarias, si indicam bal'baria e crueza, muitas vezes prel:iuppõem a existencia de sentimentos elevados que se desorientam, presuppõem essa braveza inculta mas illdoruave], que é tambem um modo de ser nobre. Quanto aos crimes conh'a os bons costumllli, são feliz-

°

(I) J.!. 0m 1881. ConMlhelro LalfayeUe. eollo pl'9llldellte do Mal'l.Dhlo. dl.$la, elll. Mil relaLorlo, qlle o nllmero dOI erlmM nos 16 aollOll anterlor&l. dlmlnulra na proporçlo d. H por cento. g eu. m.TIlba conUnuolI alé hoje, Em J884, o eher. d. pollela de Pernamblleo, Dr, Ibymlln.lo Tbeodorieo, CIll relaLorlo .prnenl&do ao pnuhlente da pro\'lncla, DeJembarglldor Josê )laootll de Frei""', dlJ.laqll.8' parUr d. 1818 eomeçal'l.m 01 erlmMa deere.eer conalderavelmellte n.qllcllll prol-toola e qll.8l!al'lam douppareeldo o. !fllpoI do erlml_ ";_;:,,qll" em grande nllm.ro, Infestavam o Interior, CU.o .6mente 81te1 dou eNOl por

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IlIt1Ieleotem.nte COrroboradOfU 189'do

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ÇRt'MtNOLOOU E Dmgi'iv

mente mais raros do que os das duas especies a. que me referi acima., e não têm revelado uma contracção ou expansão apreciaveis, talvez por sua pouca frcquellcia, tal vez por defeito da estatística. Em todo o caso, parece que constituem casos excepcionaes, mesmo porque, em muiros logares, a facilidade dos costumes e a vida promiscua dos dous sexos entre

o povo evitam que o instincto genesíaco irrompa em violencias perturbadoras da ordem social. Em 1875, a estatística assignala 1 rapto e 1 estupro; em 1877, fi est.upros; em 1878, esta rubrica acha-se cm branco; em 1880, 5 defloramentos c 1 rapto; em 1883,7 estupros j cm 1885, 2 estupros; cm 1890, 4 estupros e 2 raptos. Si (ossemos representar essa marcha graphicamente, formaríamos uma linha em zig-zag, com angulo-

sidades diversamente alongadas, mas sem grandes desvios de uma linha mediana. Tenho até aqui considerado a producção criminosa destaca· damente do meio de seus factores c das condições de sua . viabilidade. Será util referil-a ag6ra à população em cujo seio ella se manifesta. Só temos dados positi vos, para. a população do Ceará, em 1872 e em 1890. N'aquelle anno a estatistica. nos dava 720.000 habitantes· para a então provincia, e, hoje, nos dá 762.000 approximadamente. Acredito que não seja esta a expresião rigorosa da verdade e que seja mais compacta a população do Estado, mas nilo podemos desprezar essa base para adoptar uma outra meramente conjectural. Nos annos intermedios ás duas datas que ficam assignaladas, devemos nos contentar com as estimativas de accôrdo

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CRTVTNOLOOll E nmEITO

com as regras da estatística e com os trabalhos dos competentes, entre os quaes merecem especial menção o senador Pompeu e o Dr. José Pompeu. Assim me parece admissivel que, em 1875, anno que tomei para começo de minhas observações criminalisticas, o Ceará tivesse já uma população de 900.000 habitantes, que, aliás, o senador Pompeu lhe dá para 1876. Em 1877 começa a população a ser dizimada pela..<; pestes concomittantes com a secca e por uma emigração mais furte. O Dr. José Pompeu calcula a populaçiIo desse anuo em 845.000 habitantes. Este decreticimento continúa aoo 1880, em que os competentes estimam que o Ceará nilo tenha mais do que os 720.000 que a estatistica encontdra em 1872. Exgottada., então, a força. deprimente da expansão da população e rccobrada.... novas energias com os tempos de prosperidade, começ.a novamente a progressOCo crescente, producto da victoria das propriedades proliferas do clima sobre as causas várias que l'C'tardam o desenvolvimento da populaçlto cearcnsc. Admittindo estes dados, c comparando a massa total d03 crimcs com a da populat;'ilo, temos por cada 100.000 habitantos, desprezadas as fracçues, para tomar mais claro oconfronto: cm 1875 • • • • • • • • • • 45

em 1877 em 1870 em 1880 em 1883 em 1885 em 1890

• •

45 22 18 34 29 28

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CRlHINOr..ooIA E nmEITO

Estes numeros mostram, de um modo claro, que a pro~ porção do crime, entre nos, é inferior a de outros paize.'i mais cultos, a da França, por exemplo. Dir~se~1Í talvez que aqui o policiamento é menos energico, que a estatística nlIo tem a lllesma exactidão. Tudo isso é certo e deve ser tomado em

linha de conta. Mas si recordarmos que, a medida que a sociedade brazileira se organisa melhor, decresce a criminalidade, e que na Republica franceza, os anuos tra7.em constantemente um accrescimo de deHctos, reconhecoremos que aquella objecção não terá força sufficiente para illfirmar o "meu asserto. Uma outra ObSerYRção suggere este confronto da populaç..'lo com a massa dos crimes, e é que os annos de grande secca accusam um correspondente decrescimento na delie-

tuosidadc, De,cmos explicar este facto cxtranho por meio do princi}lÍo estabelecido por Ferri de que o accrescimo do bem cstal' é seguido de um accrescimo de criminalidadc, dc quc be_ 1Iessere e aiminalitd marcham em parallelismo? Hcnry George, o talentoso collectivista americano, sustentlÍra. a curiosa these de que a pobreza, a miseria, se afunda mais e maisá proporção que augmcnta o progresso industrial; Ferri nos surprehende com esta outra não menos curiosa, porém, menos aeceitaycl, da correlação entre a fartura c a explosão delictuosa. Que tristes caracteristicas para nossa preconisada ciyilisação! A serem verdadeira.s, não seria preferi\'el a vida ingenua dos não civilisados, á vida dos que luctal~ dia a dia, para. não morrer de fome?

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CRIMP.\OLOOIA E nmElro

E tal prefercncia se avigoraria com a obserml;ão feita pelo Dr. Corre de que os indigellas, nas colouias francczas, são menos dados ao crime do que os colonos europeus. Porém, estou longe de adoptar o contristador principio, e penso que o decrescimento da criminilidade cearense, Das epochas de pcnuria se de,'c explicar por outras causas. "Eu jii affirrnei, e agóra repito, que certos crimes presuppõcm energia e certa nobreza barbara. As grandes seccas, com o seu torculo de mi se r.ia.~, vasto e irresisti\'el, quebram as -ralentias mais firmes, como as moendas de um engenho 1'Cd uzem a bagaço as ha.....tes garbozas da canlla. O cearens(', intrcpido por indole e por oouCW;ão, acobardOIH;C diante da enormidade do mal, contra o qual eram impotentes todos os esforços humanos. Esta depressão do caracter, si eliminou certos crimes, si tornou os indi"iduos menos turbulentos e mais cgoist..'\~, de\'crill tornar possi\'cis certos outros, os mais yit-õ, os mais pusilanimes, que, sem ella., se não dariam. Quem ler a Historia da sccr.a do G:ard, (l o romallce1 a FOII/I', do iIlustrndo escriptol' cearens(', Rodolpho Theophilo, quem atteutar, com animo desprcwmido, para as observações contidas na Normalis/a de Adolpho Caminha, um livro de estr'éa, que ",ale uma producção de mestre, ficará counllcido do que deixo affu'mado, neste momento. Effecti,'amellte esses crimes que rerelam maior vileza e abjecção se deram, mas ainda assim a somma total da criminalidade foi sensivelmente baixa. Porque? Em primeiro logar, nutelllos que, nesses anuas calamitosos, da-se uma desorganisação na justiça reprcssi \'a pelo abandono dos logares assolados C.D.

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CRIMTNOWGIA E DIREl'l'O

c pelos reclamos inexoraycÍs das necessidades que qua<;i só permittem attendcr para a consE'r\'ação individual Em segundo lo~ar, cumpre reconhecer que f\ emigraç.ão avulta considerayel· mente com os anuas Receas, e que si nos tira muitas energias salutares, muitos trabalhadores valentes, produz tambem o cffeito de expurgar a população dos fracos, dos desequilibrados, dos chercheurs d' avenhtrt, de cuja massa emergeriam muitos dos hospedes de nossos eareeres. Esta acçílo depuradora da emigração, que Joly observâra em relação á França, é, a meu ver, a causa mais poderosa do decrescimento da crimilla1idade nas epochas de secca· E é porque emigraram, por esse tempo, em grandes massas, os candidatos M carooro, que os jornacs de alguns Estados do Norte em"ohernm, muitas rezes, os honestos e os criminosos na. mesma condemnaçlto (1), Outras rar.ões existem ainda que determinam essa baixa do crime uas epochas de secea. Algumas dollas apontarei ainda, quando eomparar os cdmes contra as pessOa.') com os contra a propriedade ; outras se descobrirão tnIwz com !lstudo • mais acurado. E incolltest.wel, porém, que as apollctrulas agól'a silo sufficiE'lltes para nos explicarem a anomalia., sem que tenhamos necessidade do principio paradoxal de Enrieo Fcrri, Observando agóra a estatistica criminal por um ouh'o aspecto, reconhecer~se -á que os homicidios avultam sobre os (I) Alndll hoJ~. nio ii dlmcJl encontrar, nas folhu de 8. Lui. (lU Behim, n IMlc.çlo de um orlml Dolo InLei pela .1111 nalu",lldade, quando ii cta,"!lIU, do que IlOr Ban nome. Foi nm ctaren.Je o nll~t.or do crime, poueo Importa o nome. I!.' um pbeDomeno de IObl'in"lvencla de Idé&.il a mulh desappaT8ilidu, (I que alI l se re"ela. A rosponS&blUdr.da

collacUn dOI tempos prlmltlvClt reprodlll-se Inoouelellwmellte, n.es$a bypotbDlle,

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CRIMINOLOGIA E nmBi'lO

furtos. E si addicionarmos áquelles os infanticídios e os ferimentos gra,'es e le\'es, a differença . se reforçará ainda mais, muito embórn englobemos na mesma classe, roubos, furtos, estellionatos e damno~. Sendo assim, é claro que a marcha evolucional do crime não tem seguido, no Cean\, a trajectoria que os criminologistas assigllaláram em diversos paií'.es da Europa. Aqui não se observa o decrescimento dos crimes contra as peSSÔM em para1lelistrlo com o augmento dos crimes contra a propriedade. O quadro seguinte confirmará, de modo acaba de ser affirmado. Almas

1875 1877 1878 1880 1883 1885 1890

crimes contra as pessõas

296 280 92 97 215 179 151

inilludive~

o quo

contra a propriedade

32 77 67 21 9 15 40

Os crimes contra as pcssôas, é patente, avultam assusta~ doramente sobre os delictos contra a propriedade. E o que nos diz a estatistica é confirmado por outros meios de infonnação, pelos jorna.es, pelo conhecimento dos costumes, por observações pessôaes. Entretanto, devo dizeI-o, esta é a feição predominante da criminalidndc brazileirs, em quasi todos os E~tados da

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CRIMINOLOGIA E nmErl'O

Federação; os crimes contra a propriedade jámais ascendem á

cifra dos perpetrados contra

M

l~sôas.

Creio, porém, que ao Norte de Pernambuco essa inferioridade na cifra dos crimes contra a Pl'Opricdndc é muito maior do que ao Sul. Um dü,tincto magistrado pCl"IIamlJUcflllo,

conhecedor do interior de seu E,<;tado natal e do Ctal'l.í, me dizia que a segurança para o viandante era muito superior neste ultimo Estado. A simples construcç-.ão das casas no Ceará, Piauhy, Maranhão, etc., abert..'ls em varandas, que dariam

facil ingresso aos gatunos, instruo eloquentemente a rcspcito. Parece-mo natural e simplCf' explicar este facto pela

extensão e uherdade dos

tcrrenos~

ainda incultos cm grande

parte, que tornam mais faci], mais commoda a existencia.,

mais largo e ma:s franco o campo onde se exercem as acti\'idadcs de cada um, mcnos acirrado o conflic.to vital, menos penoso arrastar a vida indolente, descuidosamente. Num paiz onde a população é mais compacta, o sólo lIlrnos ubertoso ou mais exhausto, comprchendc-sc bem, o combate pela existelleia é implacavrl e scm tregoas, cxige muito esforço, muita pcrseveran,-3, e, ainda assim, não ha lagar para todos. Muitos serão sacrificados. Aquelle que não possue sentimentos moraes bem firmes ou nM tem a coragem precisa para arrostar os transes rJifficeis do noyiciado da yida pratica, ha de procurar obter a YÍctOlia por meios monos nobres, 0, conforme ás cil'cumstancias, ir,i. descendo a espiral das transigcllcias com a moral e o direito até afulldir-se 110 tremedal do crÍllle que se lhe extende aos pés.

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CBDO'NOLOOU E DmEI'rt)

7T

Prefiro interpretar os factos por este modo (I) á u.ttribuir a predominancb dos crimes violentog ao simples cffeito do clima quente, p:\l'U o que me auctorisariam l!~()rri c wassaglle, nlHs contra o pensar de Cola,jalli e Tarde, Não que o clima deixe de entrar aqui como elemento apreciavel, DIas porque sua acção {l inferior á do factor social a que al1udi. No Ce!\.l'!í, entretanto, o clima ó um agente podcrosissimo. A eHe se attl'ibu<" com razílo, uma parte eOllsidel1lYel no augmellto da pollUlação, delle dependem o genero de vida e o caracter dos illdividuo~ que em seu seio se agitam. A escassez das cllUyaS necessarias para dar~m ao sóio a productividadc de que eIle é capaz, as grandes f:K'CCaS periodicas (2), yã.o retemperando, ellrijl..'Cclldo o cearense no mourejar quotidiano, dando-lhe habitos de trabalho, tornando-o mais precavido, prescn'ando-o das scducçi.'ies do crime, principalmente porque o. concorrcllcia não se faz ainda sentir em larga escala, e porque a pugna aqui se fero mais entre o homem e os elementos naturaes do que entre seres humanos que se disputam a posse c o goso do mesmo objecto. Um amigo chamou-me a attençüo um dia para a effcl'Ycscencia dos odios politicos no Ccaní, por occasiílo das crises NOl'O Jury, defe!tuoJO, eomo IfOr t,oda. parta ú, uh'~ haja. uwlH.>m contrib-..ldo pira llI'ecmtllr e.lu. de~proporçlo ('nlre O.! er!me~ rlulrllS IJ('SlIrm.i e coutra a propriedade. NOlItOs Jurados p<!1Ipam ()Om 'Ie ili dadc m.lgT um IIUMsino do que um ladrio, !nC'Smo porque & pJlIllea lnwn'HID malta! ,'ezeJ pRra CUll re~uIÚldo. (t )

(!) IOeilntcJluclmente ai .NU.!I do 1001<» 0lI UDOI !lo um podcroso rador rbyslell do Urlltl~r ~eII~n ... e. '" dl','ldll a ellao ~ne III eeBreo~ IHI m<);ttr~m Illbrl<);t, I~abalh~oro~, l'ei)no. mle,~, empreb(lndl'iure~ e dll,los II llmlgrllçio, ,\.~ l!:",n~eJ leec,u, !lO eOnl,.rlo I!iQ elenlunto. "lu]enlos du p;II'lurbaçio qU~T na. ,'tlll >iQ('!1I1 quor na p.~rebê Indh'idual, MI clo rG.i~e a. nh'ula.

da elll;!;l'ft~, eroio que 1\ erimlnalhladp aerla.extrlloT'lilnarill neutU epoebM. }I.~, mCimo lUIIim, IIU&odg "x~le um~ ho~eJt!,lade fllrlllmenl.o Tc,lslentc, & pcnpeet!,'a da mlllerla de.envol\'e o lriallllel.(l de eonsertaçl.o, o • Inlluenela da. _ a orlllll""58 para 11m lado talltlJU.lO,

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CRIXtNOLOOll E DrnE11\)

climatericas que periodicamente nos accommettem e que irritam e alteram o s,rstema nervoso do ccarcnse. Mas, pergunto cu: essa explosão biliosa. nos dominios dH. politica não u-ria o valor de urna valvula de segurança? E sendo assim, não conviria encoutrar outra menos nociYa ao nosso caracter? Estas considerações me levariam a fazer uma yerificação do que hn de verdadeiro no Caiei/dano criminal de Laca.')sagnc

applicado ao 110SS0 meio social. Infelizmente os dados estatisticos não me aucwrisam a conclusões firmes' c completas. Entretanto parece que a estação quente, o verão, é mais fertil em crimes do que a cstaçào chuvosa, o inverno. Digo-o, porque, cm muitos aUIlos, a estatistica criminal do Ceará constata esse resultado, c):ubóra apparcçarn exccI)ÇOOS em alguns outros annos, e porque ponde tambcm observaI-o, bem que parcialmente, no Recife, comparando o movimento da casa de detenção em lUezes de inverno e mezes de verno. Isto é tanto mais natural, no Ceará, quanto o estio é uma estação de ocio, em todo o sertão. Cessam os trabalhos e as agitações Ilas fazendas, e espera-se a epocha das plantações. Durante essa epocha do quietação, os que silo doptados de bôas disposições pam o trabalho hão de achar em que occupar as suas horas; os que são de indoIe passiva se deixarão afogar no somno hybernal da indolencia. A esses applicar-se-á, com exactidilo, a phrase de Herudon, citada por José V crissimo, na Educação nacional: « provavelmente o povo é demasiado indolente para ser mau ~ . :Mas uma outra classe terá o sangue abrasado pelos ardores do sol canicular c irá dar expansão á sua indole :irrequieta por ahi além, comprando

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CRJMINOLOOIA E nmEITO

rixas em todos os sambas, augmentando, com o aleool, a tUl'bação mental que já os traz agitados.

pcr~

• • • Disse que no CeariÍ, como em quasi todos os Estados do Brazil, os crimes contra as pcssôas avultam sobre os contra a propriedade. E' facto que já tem sido observado com satisfação para uns c com desconsolo para outros. Aqui no Ceará, nota-sp, porem, que, nos annos da grande secca ultima, a delictuosidade contra a propriedade, embóra uilo attingisse a cifra da delictuosidade contra as pessôas, augmen~ tou consideravelmente ao passo que esta outra baixou. Nos annos seguintes foi novamente decrescendo, como que ll'uma react',ão até á depressito extraordinaria de 1883, quando, para 247 crimes de todo genero, os contra a propriedade apenas contribuíram com a reduzida eifra de 9. Comparando as cifras dessas duas categorias de delictos, veremos que, em 1877, o numero dos attontados ('outro as pessõas é pouco mais do triplo dos contra a propriedade que, em 1878, não chega ao duplo. Entretanto em 1875, anuo de prosperidade, a proporção é quasi de 1 para 10 e em 1883 de 1 para 25. E devemos acreditar que a estatística não diz tudo. Muitas escroqul'rics de pouca monta, mesmo muitos ataques graves á fortuna privada so deram durante a calamidade que per· durou de 1877 a 1870, sem que a policia tomasse conhe· cimento dellcH. Quero crer que, nos annos normaes, muitos

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cnnm;OLOQIA E nffiEI't'O

desses delictas não chC'gucm n pôr cm actividade os poderes publicas, porque as victimas não se queixem ou façum justiça por si mesmas, ou porque a policia seja. desidiosa; mas a som ma desses maleficios que ficam na sombra é muito maior nas epochas anOl'macs. Avalio que, em mmos lt>gU·

larcR, 10 n/" de delictos se cOllsermm nesta obscuridade e qu<.>, nos anIlOS de cataclismo, essa poreentagc:n se deve a 30 "/ .

E' justamente ncster.; aJlIlOS quo vemos orga II •L8al'<'111-80 essas associu\ws para o crime, os bando:; de malfeitores quP, percorrem os sertões, aliás em muito menor ($cala do que se poderia csperru', Essa alteração na feição propria da dcliduofojidndc UC\'c

ser uttrihuida (L penuria, II falta de ün' l"(,s c de trabalho que coagem os miseros rdiraJlk.r (como f'iio chamndos os que em tristissimo cxodo se ana stam do fundo dos s(>rtõcs pam Olittornl) a C'squ(,(,{,I1'm o respeito:í propriedade alheia., Por outro lado, emagrecidos, acobardados pda grande desgraça que sobre piles p€'za, lIilo se sentem agl!i1hoados pda illlp(ltuos i~ dade arrebatada quC', cm tC'mpos mais benignos, os leY8 11 yiolellcia e au crime contra as pessOas. Elltretanto~

convém notar qlH', muitas H !ZCS, o respeito ílJ)ropricdade alheia é mais rigorosamente mantido do que se poderia espersr de bandos esfaiuHldos em sua peregrinação de miserias e pl'onu;õcs, sem ter diante dos olhos uma força capaz de os conter nos limites da ororl11 sQ{' ial. Ao passo que os comboios de yjyercs que o gOWI'DO expedia para as locali~

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CRJM1NOLOOIA E DIREITO

dades do centro eram atacados nas estradas, passavam incolumes as mercadorias dos particulares. O que é do governo é de todos, pensavam, e portanto, cada um p6de tirar o seu quinhão. O que é do individuo, só a ene pertence. Respeitemos Q seu direito e a sua propriedade.

C. D.

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I

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• •


v

DistribuiçãO geographica dos crimes Si é vantajoso e interessante acompanhar a marcha. do crime atravez dos tempos, não é menos certamente conhecer como elIe se adapta ao meio e como se distribue pelo territorio de um paiz dado. A ac~'ão do meio physico e social já ' foi, sob algumas relações, ob.<3ervada no capitulo anterior. Ag6ra accentuarei outras faces do assumpto, começando por indicar as variações locaes do crime no Estado do Ceant Ninguem supponí., estou certo, que tenho a pretenção de apresentar um quadro extreme de lacuna,<J ou defeitos. Tmuando por poncto de partida o anuo de 1875 e COIÚl'ODtando a média da criminalidade de cada uma das actuaes comarcas com sua população, tracei tres esboços de cartas criminaes a similhança das que costuma. levantar em França o millisterio da justiça. Mais verdadeiro, mais

rigorosamente exacto seria tomar o exemplo de .Toly e determinar a. criminalidade, para cada. comarca, não pelo numero

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84 de aUentados commettidos cm seu territorio, mas pelo numero do dolictos perpetrados por seus filhos, quer dentro quer f61'& do Estado; pois que, como diz o anotor citado, c; não se pôde imputar o. um depa.rtame~tto os crimes commettidos, nelle e contra eUe, por extrallgeiros que ahi residem ou apenas por ahl passam:t, No Ceará, a capital é o centro de convergencia para. onde confluem filhos de todos os ponctos do Estado. Os cincoenta e um mil e muitos habitantes da comarca da Fortaleza e principalmente os trinta e cinco mil da cidade silo, em grande parte, naturacs de outras regiões do Estado. Não deviamos, portanto,sttribuir-lbe exclusivamente todos os detictos realisados em sua circumscripyão, si bem que, muitas vezes, quasi sE'mpre o individuo não traz o germen do crime em si, mas o meio social por mil circumstancias diversas, a alIe o arrasta. Esta ultima ponderação attenúa a deficien~ cia do trabalho que poude fazer. Além disso, elIe era o unico possivel, com os dados que poude obter. . Todos sabem que a estatística, e principalmente a criniinal, não tem tido, entre nós, assiduos e tena7..es cultores que lhe dessem o cunho de perfeição scientifica a que poude attillgir na França, na Italia e na Allemanha (1). Olhemos, em primeiro logar, a. carta dos crimes sem distincção de cspccies. A mancha mais escura, indicadora (I) UUim.meole fi) tem ensaiado algllma eOl1sa de mal, "",lar. aqlli em Peraam· bueo. 01. C.pltal IIederal a em 8. Palllo (lIidt a JUl/tira Crimmal d' Cllodldo Moita). 81 nlo fI/rem abaDdonadoil ""01 '''bolbol eJtatilllcoJ. COIIIO J' tem. por VN'I ... ven. acontooldo. teremol para o futuro mllior e melbor lomma de doellmeD~ p~rD Oi eltudOll de erlllliuologlD. Aetualmente alo eUa! milito reduldOil.

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CRtMINOLOGIA. E nmEnu

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de mais forte criminalidade, está. na comarca da Fortaleza, que dá um crime para IDenos de mil habitantes. Manchas menos escuras so projectam aqui e além, nas proximidades da capita~ ao norte o ao sul do E'Itado, deixando uma cinta mais esbranquiçada ao cenh"O, nas comarcas de Quixeramobim, Batu~ rité e Crnthoús, a qual so approxima, a éste e léste, de duas zonas irregulares, e, ao centro, do nucleo om claro formado pelo Iguatú as quaes se conservam na carta completamente brancas, porque nilo dilo mais de um crime por cinco á oito mil habitantes. O que se torna. digno de nota é que estas comarcas de menor criminalidade se enfileiram de norte a. sul ao longo, do valle do Jaguaribe ou da serra da Ibiapaba, \!o Jardim ao Aracaty, comprimindo-50 ao centro pela reilltrancia do Icó o iuclinando-se no alto da carta, a oeste, para Cascavel, c do Viçosa a Granja. Prendendo-se li zona branca .de leste e contor~ nando, de sul fi norte, a zona branca de oeste, se extende uma larga mancha IDenos escura do quo a da Fortaleza, porém mais do que a que constitue o nucleo central composto das comarcas do Baturité, Quixeramobim e Cratheús. Esta facha de criminalidade intermedia va.e do Crato a. Itapipoca., passando por lnhamuns, Assaré e Sobral, curvando-se, ao Norte, para Maranguape e, ao sul, para Icó. Para tornar mais visivel o que affirmo, deveria. a.presentar os esboços de cartas crimillMs a que a.liudo, mas dispenso-me de fazel..o, e não julgo prejudicar muito, com isso, a clareza de minha exposição. Sei que essas representações graphicas nlIo traduzem de um modo exacto as variações da criminalidade, 11em dilo conta de muitos accidentes que nilo

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86 podem ser desprezados por quem deseja apanhar fi. vida criminal em funcção. Mas tem reaes vantagens por outro lado.

Peçamo-lhes, portanto, só o que elias nos podem dar. Serviu de base fi. CQlistrucção da carta geograplúca do crime no Ceará o quadro seguinte, no qual as comarcas estão distribuidas em quatro classes, segundo a propon,:ão de sua crimina-

lidade com a sua população: 1," classe: de um crime para 5.000 habitantes, a um crime pera 8.000. E' composta das comarcas do Ameaty, Cascavel, Jaguaribe-merirn, Jardim, Granja, Viç.osa e Iguatú. 2: classe: de um crime para. menos de 5,000 até um

crime para mais de 4,000 habitantes. Entram llella as comarcas de Baturité, Quixeramobim e Cratheús. 3,- classe: ~e um crime para 4,000 habitantes a um crime para 2,000 habitantes. Comprchende as comarca.., de Crato, Ic6, Inhamuns, Assare, Sobral, Itapipóca c 'Ma· ranguape. 4.- classe: de um crime para menos de 1,000 habi· tantes. Nesta só se inclúe a Fortaleza. É um triste privilegio das grandes eidades (e Farta· leza é, para o Ceará, uma grande cidade) pagarem maior tributo ao ncio e ao crime. O departamento da Seine, onde estA Paris, sobre 11000 accusados ou detentos, dá 6,74, ao passo que DeuxSevres apenas dá 1,30. A razão deste anomalo crescimento de deJictuosidade concomitante com o desenvolvimento mental e industrial

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CRtMJNOLOGIA E DmEI'lU

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dos centros populosos, está no contacto mais immediato de indinduos de indole e costumes diversos, que tornam mais aspero o conflicto yital, na reunião dos ociosos que ahi vêm procurar fortuna sem trabalho} na prostituição} no jogo} no alcoolismo, e cm todas essas profissões} industrias e modos de vida suspeitos que constituem as fronteiras do crime, segundo a caracteristica expressão de um escriptor. Só pelo CODCUl'SO de todas essas causas a criminalidade da comarca da Fortaleza de ..eria se revelar mais forte numericamente do que a de quaesquer outras do Estado. Mas} além della..':I, uma outra existe que não póde ser olvidada. Refiro-me á concentração cm sua detenção de criminosos de várias proccdencias, os quaes, terminada a. reclusão a que foram condemnados, vuo naturalmente ficando como habitantes da cidade e serão, em reg~ fomentadores, quando nilo auctore~ de attentados de todo gcnero. Depois da Fortaleza M cornareas que; accusam mais forte criminalidade relativa são as de Inhamuns e Sobral j aquella por condiçôcs historicas especiaes e esta talvez por ter em si o segundo nucleo populoso do Estado e talvez por outros motivos que não poude desvendar. Entretanto, cumpre observar (e eis um gra'\"e inconTeDiente do mappa nilo organisado de accôrdo com o lagar do nascimento dos criminosos, o que, já disse, me era impossivel fazer por falta de dados), que grande parte dos criminosos de Sobral são, ao que I)arecc, originarios de outros municípios. De 66 detentos na cadeia publica em 1892, apenas 30 eram sobralenses. O municipio que maior numero de cri-

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CJUMTNOLOGIA E DIBE11U

minosos ·forneceu para ser elevado aquelle numero foi o da. Viçosa que contribuiu com 13. A Viçosa, que, aliá", apresenta uma criminalidade pouco ~ltuosa, tem, por ve:r.es, sido o theatro de crimes altamente tragicos, desses que se gravam, com tristeza e pavor, na memoria dos povos. O assassinato em grosso da íamilia

Correia, acompanhado do iJ1:cendio da vivenda, é um especimen dessa classe. Omsidernndo que os elementos cthnicos (lue constituem a população do Estado são os mesmos em todas a.<) comarcas, variando apenas o quantum de cada um desses elementos,

procurei ver, si onde preponderava a raça indigena, exalçava-se a cifra. dos crimes, o que seria uma comprov8C;.ão indirecta da. theoria lombrosiana. Porém os factos uito me inclinaram para essa hypothcsc. Sabe-se que na Ibiapaba é onde talvez exista ainda, no Estado, mais directa c mais larga dcscendencia dos selvicolas primitivos, que aUi se ~OTemia\"am a. voz dos cathechisadores. No cmtanto a criminalidade da comarca de Viç.os&, que se assenta quasi toda ao longo dessa cordilheira., é das mais fraca,<;, cm relação á sua

população. Tambem nilo se póde asseverar que os municipios agricolas sejam mais propicias ao crim" do que os creadores, si bem que uma primeira inspecção pareça nos auctorisar essa conclusão. Mas as excepções de um c outro lado são cm numero a fazei-a periclita.r, a tornaI-a vacillante e mal segura. Um principio da cschola italiana que se me afigura confirmado, quer na observaç1l:o do crime em massa quer em

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CRIMINOLOGIA E DmEIW

sua distribui4(ão geographica, é a chamada lei da-inver· são entre as relações mutuas dos crimes contra. a propriedade. Tarde acha que na França, de accôrdo com as cartas de Yvernés «existe antes uma concordancia muito sensivel na distribuição geographica dessas duas ordens de crime:. e accrescenta que as cartas de Lizt, para a Alie· manha, e de Bodio, para a Italia) dão resultados analogos. Entretanto acredito que, neste poncto, a 1ltlOVa smola está com a verdade. No Brazil, e particularmente no Ceará, os crimes yiolentos sobrepujam os cúpidos. Localisando os crimes em seus districtos territoriacs, no Estado do Ceará, observamos a persistencia do mesmo facto. Ora a divergellcia nas duas categorias de crimes se aprofunda mais, ora um pouco menos, porém em todos os ponctos encontramos a prepon· derancia da violcncia sobre a cubiça. Mesmo na Fortaleza, comparando a estatistica de muitos anil OS, apurei a media de 1 t delictos contra a propriedade sobre a de 33 contra as pessôas. E é aqui que as duas ordens menos se distanciam.

C. D.

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I •

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VI •

Confrontos ethnicos e historicos Em minhas pesquizas dirigidas para o fim de determinar a. porção com que os diversos elementos ethnicos contribuiam para producção do crime no Ceará, foram consideraveis as difficuldades com que deparei, ape1.ar da bôa vootade daquelles a quem me dirigi, afim de obter as informações de que necessitava. Mas é que essas informações eram, muitas vezes, contradictorias, e, não raro, me traziam insoluveis embaraços. Sabe-se que tres raça.'i fusionáram-sc para a formação do brazileiro: a branca., a cabocla e a preta. Geralmente a branca preponderou sobre as outras duas i mas é certo egualmente que

as quantidades que entráram para essa combina.çilo ruetachimica. se não conserváram constantes. No Ceará, avultou consideravelmente o contingente autochtone sobre o preto. O que affirma José Verissimo em relação a Amazonia., tem applicação egualmente ao Ceará, embóra seja indubilavel

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CRtM1l{OLOGU E nme:i'l\)

que ali, no extremo norte, seja ainda mais avultada a contri-

blrição do olemento indigena., para a formação do typo compósito do mestiço actual. É uma pequena modificaçlto que se deve fa7.er á these de. Sylvio Romero, o valoroso espirito que, com tanto amor, tem estudado as questões de ethnogellia brazileira. O mestiço, porém, uOCa se apresenta sob uma só feição.

As nuanças, ao contrario, são consideraveis, podendo-se estratificar a mesti.;agem por seis ou oiro classes (1). Para o fim fi. que me proponho uilo é necessario apurar demasiadaUlente essas subdivisões, além de que por não pMer assegurar a impeccabilidade das classificações que me fóram fornecidas, tenho necessidade de agrupar essas multiplas subdivisões em classes mais amplas, mais commummente conhecidas e mai!> facilmente detel'minaveis. Em um grupo de 232 c~iminosos disseminados por várias comarcas & distribuição ethnica dos crimes so fez pelo modo seguinte : Pardos (mestiçagem das tres raças), a branca, a indigen& e a negra • • 109 33 Caboclos • • • • • • • • • • 32 Pretos. • • • • • • • • • • 23 Cabras (') • • • • • • • • • 23 Brancos • • • • • • • • • • 14 Mulatos (branco e negro) • • • • (t) Vide o qu a ale I'&ipel~ etereve o Dr. Nini Bod.rlpu, ROfO' A...ll.lln/W, cap. IV. (t) Cnu;BmenLo da mlllaLo e negro (Beurepalre- Rohan). lIultu velft. convem, enlretanLo notar, I. pe.laV1a talwa é empn>pda. no. Ce"i, Indlstllletameate, plU'& dl'!llgna~ qualqller mestlÇ<l e ml'llmo um braMO (Juven.1 O.leno, Lttlda.t e (bllfti.!, pop«kn.t,

aOI&ll). E', porém, na prlme\n.

~eapçio

Indicada qlle aqui vle Lomado o ,'oub1tlo.

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CRTMINOLOGll E Dme:illi

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Esta relação se presta a algumas considerações, creio , que nilo desprovidas de interesse pllra a criminologia. E natural que os resultantes do cruzamento das tres raças e que aqui vila designados pela denominação de pardos apresentem um maior numero de delinquentes, visto como a grande mas~a da população proletaria é composta deRse typo ethnico. Nilo façamos cabedal das outras categorias de mestiÇQs, pois que não sã:o de facil determinação, muitas vezes, os elemen~ tos originarios do fusionamento, e certamente, sendo muitos os meus informantes não applicáram todos elies o mesmo padrão, nem se achavam todos orientados pelos mesmos principios. O quo se póde affirmar é que o cruzamento das dua<; raças inferiores é mais productivo em seres inquinados pelo estigma. da delictuosidade do que a mestiçagem de qualquer dellas ~om a raça brança. Quanto ao mais, attendendo á incerteza da classificação, devemos limitar~lloS a additar os crimes dos cruzamentos binarios aos dos cruzamentos terciarios. Considerando as camadas da. população em que a mescla se deu em pequenas dosagens, o branco creoulo, pois que no Ceará o elemento estrangeiro é insignificante, o negro, e o caboçlo, vê-se que os descendentes mais directos dos europeus contribuiram com uma fraca parcella. de criminalidade, si compararmol-a com as dos descendentes mais directos da.s tribus africanas e americanas. Comparando estas duas classes, entre si, vê-se que os caboclos produziram mais um crime , do que os negros. E insignificante essa differenÇ8. e desapparecerá de todo para deprimir-se em sentido contrario, si nos recoruarmos de que o elemento indigena entrou em quantidade

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94

CRIMINOLOGIA E DmRITO

mais forte nesse amalgama cthnico. Esses caboclos, de que aqui se fala, não são judias, mas descendentes delles, em cujas veias correm gottas diluidas de sangue alienigenR, sejam Cl'UZalllelltos primarias como os chamados mamelucos sejam

cruzamentos secundarias. Os pretos tambem u[o são de raça pura; haYen~

alguma causa de sangue indigeuR (curibocas, cafuzos); haverá mesmo uns longes de elemento aryano despercebido na trevosidade das granulações do pigmento. Quando o preto se combina com o branco (mulato), a inclinação criminosa baixa; mas, si ha um retorno á fonte negra (cabra), se realça aquclla inclinaç;.10. As conclusões que se podem tirar destas ponderações resumem-se no seguinte: as duas raças inferiores contribuem muito

mais poderosamente para a criminalidade do que os aryanos, creio que, principalmente, por dcfeiro de educação e pelo impluso do alcoolismo,porquanro grande numerados crimes violentos têm sua origem nos sambas, si não são mesmo durante elIes praticados. E por educação entendo eu aqui aquella que se recebe no lar e no cOllvi\'io 5ocial, ligada á inclinação recebida hereditariamente. Deste grupo de 232 criminosos que agóra estou exa· minando, quarenta haviam passado pelos bancos escolares, recebendo uma instrucç.ão certamente rudimentar, mas que deveria desenvolver nelIes as telldencias sociaes. Assim, porém, não foi, aqui como em parte alguma. A instrucção é de todo impotente para debellar os impulsos criminosos; antes, muitas vezes os têm augmentado. Os Laucenaire, os Abadie e os Lesbiez ahi estão para prova.l.o.

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95 Esses 40 criminosos represcntam mais de 17 por cento do numero total que serve de base á obser\'ação, nesta occasiilo.

E, no entanto, em relação á população absoluta do Estado} a proporção dos que sabem ler é inferior, não chegando a 15 por cento. Nilo basta mettcr a carta de a b c na.,> mãos do povo (c quam pouco se tcm feito!); é preciso dar-lhe f'!ducaçito ci\·ica. Que elle apprenda a ler} e apprcnda em muito maior escala (l o que actualmcnte, pois é triste que de cem hlHnens 85 sejam complrtamentc analphabetos. Mas que com a articulaç,ão das s~' lIabas se lhe injectem os preceitos da moral o do direito, e não simplesmente falando á intclligcncia, mas principalmente ao sentimento) para melhor disciplina da youtade.

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Seja} porém} como for, é certo que a criminalidade no Ceará se conrrae c adelgaça. Além do testemunho da." cifras a que já ti ,'e occusião de recorrer, yolnl.lu-so os nossos olhos para a histfJria} para as chronieas, para a tradiç,[o e nos Couyoucercmos do que, emergindo 1\ luz benefira da ci,'ilisaç.ã.o, o Cearil, e creio que todo o norte do Braúl, perdeu grande quantidade da ferocidade que leYR\'a á l)ratica dos crimes sanguinolentos, Do seculo passado ao começo .deste, os assassinos se organisavam em bandos capitaneados por pcssõas das mais gradas da provincia e atravcssa\-am os sertõcs impunemente, levando a devastaç<"(o e a morte pelas far.enda."I e YiUas do

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96 interior (1). Esses truculentos her6es de baixa tragedia . encontravam imitadores para seus barbares feitos, as creauças se exaltavam ouvindo-lhes as façanhas engrandecidas pela tradição, e creio que, si n!:') fosse a ar,çi'to do meio physioo impondo a necessidade inadiavel de luctar pela vida não teria o abrandamento dos costumes marchado tam acceleradamente.

Occupando-se deste assumpto, escreveu o Coronel João Brigido: «O meio social em que se vivia só permittia que cada um justiçasse por si. A necessidade de defeza, era imperiosa, os precouceitos civis e religiosos, as profissões, tudo, emfim, dispunha á crueldade. Os indios, que nito tinham noção da propriedade, eram todavia salteadores, além de pagãos i logo matavam-nos desapiedadamente. Os brancos se attribuiam o direito vitae et llCCis sobre os africanos. As creanças abriam os olhos vendo matar aquclles e flagiciar a estes, e entravam para o trabalho endurecendo o coray'lo na industria unica do tempo-a creação de gados-, que se fazia cMtrando, cerrando os chifres, jarrctcando, tangendo a aguilhão, derribando e finalmente, sangrando na jugular. Com tal educação, matar e ser

morto era cousa triyia~ além de que o homem só tem coração de um lado, o canhoto (2). Mas si se formaram associações de facinom." para o massacre dos inimigos e desaffcctos, associações que se dissol~ (1) Vide Not~JJ pllra II hi,kru. do Otar<i. relo Dr. Oullherm~ SLudan. Clp. IX, Telergt>, EabOfO. e $Obrelado. Jolo Brlgido. Cri"k!.f ultb rtlJ. clladol. A prolongada lneta entre Idou~ e Fello!AI, O! nomNl de Julo André, r.taell, Jo!é JAi,Q e outros, alo !;rilte· mente celebrei como eber811 de mlta.dore!. (t ) (kimt.f Otkbrt" ao Libertador de te de Onhbro de 1889,

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(lRIMINOLOGIA E DmEI'l'O

veram, afinal, com o avigoramento da auctoridade e maior cultura do!) povos, é certo que associações para o roubo a mão armada só appareceram ephemeramente, em epochas de seccas. Ainda da curiosa pagina de historia juridica escripta pelo erudiro desembargador Paulino Nogueira, ExeClJfi1cs de pena de morte 110 Ceard, se extrahem conclusões consoantes com as que acabam de ser apresentadas. Os crimes violentos avultaY8m outrora e a reacção social apresentava·se, não com a serenidade magestatica do direito, mas sob a feição mesquinha e adiantada da yindicta aldêa,servida pela ignor8:ucia astuciosa da.q auctoridades sertanejas. E foi o senador Alencar, quando presidente do Ceará, quem conseguia dar, a custa de esforços mal comprehcndidos, uma oricntaçito mais digna ao funccionamento da justiça repressiva naquella provincia. E' a que resalta conyincentemente do paciente e bem documentado estlldo do Dr. Paulino Nogueira (I). Uma outra face animadora da criminalidade cearense, como da brazileira, em geral, é' a ausencia quasi completa do elemento feminino. Outrora envoheram-se ahi as mulheres nas IllCtas politica.q, c, por essa razão, participaram dos crimes a que por alicantina.'i de politicagem matuta eram os homens arrastados. A paixão levava a todos de roldão, sem distincção de edades nem de sexos. E além dessas damas q1J.e se deixavam influenciar e suggestiouar pelos adias e vinganças de seus paes, maridos e irmãos, appareceram alguma.q mulheres publicas sem vinculos familiaes, que entravam na agitaçito criminosa ( I ) Revista elo Instituto elo Orard . 1894, C. D.

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CRIM1'NOLOQIA E DIREITO

• por mero cffeiro do contagio actuando sobre orgamsmo:3 predispostos a um viver anti-social.

Nada disso, porém, se reproduz hoje, sendo a. criminalidade feminina uma exr,epção. A vai vula por onde se lhe escapam os maus instinctos é a prostituição.

Quetelet dizia que, tomando os crimes em massa, a inclinação criminosa é quatro ou cinco vezes mais desenvolvida no homem do que na mulher. Detalhando, porém, vcrificáram Colaj'llü e u.mbroso que, em muitas categorias de crimes ha egualdade para os dois sexos. É assim, por exemplo, nos crimes commereiaes, nos familiares e domesticas, sendo que nestes ultimas , as vezes, a mulher delinquc mais frequentemente do que o homem. Ha maior numero de esposas que assassinam seus maridos do que de homens que assassinam suas mulheres. A reincidencia tambem é maior na mulher do que no homem (I).

No Brazilnada disso é verdadeiro. Estabelecendo a relação entre a. delictuosidade do sexo masculino e a do feminino encc.ntrar-se-á um quociente entre dois e tres por cent(). Quanto aos delictos commerciaes de que fala Colajani, nilo existem para o sexo feminino brazileiro. Os crimes das brazileiras silo, geralmente, lesões corporaes. Agem ellas, porém, muitas vezes, como incitadoras e instigadoras mesmo de graves delictos. O que é indubitavel é que, manuseando as estatisticas criminaes brazileiras se póde affirmnrque, ás nossas patricias, consideradas em globo, cabe adequadamente o epitheto de honestas. ( I) ColaJ&nl. Sociologia cri",inal, II, pg. 9~; Leklll.rne&lI, &'01 ..&" jurid~ pp. 1i0' & lioe.

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VII

o

suicidio na Capital Federal

Prestou um real serviço aos que se occupam de estudos domograprucos o Sr. Dr. Viveiros de Castro, publicando a estatistica. do Suicidio l1a CaPital Federal (Rio de J aueiro,

1894). Não é um trabalho completo e plenamente satisfactorio pelos dados que fornece. Faltam-lhe a indicação das idades, a distincção das causas de autochiria, segundo os sexos, a distincção dos meios empn'gados, tambem segundo os sexos, a

determinação dos meze5 cm que esses actos de violencia foram praticados, do estado civil (casados, solteiros e viUVOS), da condição social, do grau de cultura, a constatnçilo do logar preferido para o suicídio. Mas o illustre professor da faculdade

juridica fluminense não é um productor de estatística. Colligiu os dados que 88 repartições publicas haviam colhido e archivado entre as cousas iuuteis. Seu trabalho consistiu simplesmente

Disso e seu merito está em ter reconhecido que nilo fOra em pura perda que as cifras se haviam alinhado.

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CRIMINOLOGU E DmElTO

E, incontestavelmente, mesmo la.cunosa como se mostra. a estatística do Stúcidio !la Capital Federal, é muito superior, sob todos os ponctos de vista, á do crime, colleccionada pelo mesmo

anetor que, nestes dois trabalhos, estava. forçosamente a.d.stricto a apresentar sómente os parcos documentos que encolltrára Apezar de tudo, porém, este opusenlo, que talvez pareça

tão mudo ao muita gente, por constar de 39 paginas dealgarismos sobre 9 de phrases, é dos mais fortemente suggestivos, para quem sabe o valor da applicação da estatistica aos phenomenos da. vida moral. O organizador da ostatística expoz algumas considerações que lhe suscitáram os algarismos representantes da marcha do suicídio cm nossa capital. . Mais copiosas poderá fazeI-as elle mesmo ou outro que se dedique a este genero de estudos. Porem, emquanto isso não se faz} não se leve a mal que me anime a dizer tambem alguns dos pensamentos que me assomáram ú mente} quando passava os olhos por essa ruma de cifras.

••

E} fóra de duvida que é na Capital Federal que o numero dos srucidios attinge a maior elevação em todo o BraúL Em quinze aunos, de 1875 a 1890} em todo o estado do Ceará não , se encontra uma cifra MIluru superior a 3 suicidios. E facto tão anormal a autoc:hiria naquella região que} occupando-me de suaestatistica criminal, a alguns aunos, julgei desnecessario consagrar qualquer ponderação sobre ella. E o mesmo se

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CROONOLOOll E Dmmo

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póde affirmar em relação á quasi totalidade dos estados do Norte

do Brazil. Aqui mesmo no Recife, onde a. populaçilo se condensa mais e, por isso mesmo, recrudesce o conflicto vital, o numero

dos suicidios, em relaçito aos crimes e ás mortes de outro genero, é insignificante (1). Infelizmente a cifra attillgida pela autochiria na capital da republica não é das mais modestas. Em 1888, sendo a população da cidade avaliada, por dados officiaes, em 406.950 habitantes e tendo sido registrados 46 suicidios, tem-se uma proporção de um suicida para 9282 habitantes, ou 11,3 suicidios para 100.000 habitantes. Si a Dinamarca, a patria de Hamlet e a terra classica do suicidio, como faz observar o sabia Morseli, (2) si a Franca, si a Suissa e outros estados europeus ofierecem uma porcentagem maior, tambem outros

ha que apresentam-na menor. O que, porém, felizmente se não observa no autochirismo fluminense é' essa marcha ascencional constante que os demographistas e crimjnologistas hão notado nos diversos paizes da

Europ~

achando-se neste poncto de accôrdo as dissidencias.

JoIy confirma as inducções de Morsell~ Tarde e Lacassagne, as de Feni. Na França, por exemplo, a marcha do suicidio foi a seguinte, a começar de 1871: 11 suicidios por 100.000 habitantes, nesse anno; em 1875 a porcentagem já era de 15, e (I) 8e«'alldo a Bsla\LaUea demograpbo nD[aria publleada pelo Dr, Octav[o de II a medll. em mlll~ aDDOI FnIIIU. em 18it regllllriram·. 4. 8uleldlM. B _ obse"8:1.. (1) ll.uicidio, lOggio di ,tati,tiCIJ morale cOll1parata, WaDO, 181i, PIl. 61.

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CRIVINOLOGIA E DmEn'O

foi assim regularmente progredindo, atê attingir o numero de 21 em 1886 ( 1). E assim por todos os paizes da Europa,excepção feita, talvez, para a Noruega. No Rio de Janeiro, entretanto assim nito foi. Em 1870, a porcentagem Robre 100.000 habitantes foi de 11,9; em 1872, eleyou-se a 14,5; attingiu sua altura maxima cm 1882, para ir baixando, em seguida., irregular, porém, seguramente. Em 1888, a proporção foi de 11,3, 0, em 1890, de 1,9 suicidios por 100.000 hahitalltes. Si nos recordarmos de que a 15 de NO\'cmbro de 1889 foi proclamada a republica no Brazil, e de que o citado anno de 1890 foi justamente o primeiro em que funccionou a nova fórma de governo, em nosso paiz, nilo nos poderemos furtar ao reconhecimento de que esse evento politico actuou, necessariamente, sobre a mente dos individuos de modo a determinar aquella baixa extraordinaria e repentina. Não é que a republica se deva considerar um meio prophylatico de grande energia contra o mal do suicidio. Mas é que ella veio trazer1 ao menos nos primeiros momentos 1 alentos novos aos que se haviam desenganado da fortuna, aos que haviam descrido da justiça e do futuro da patria, aos que patinavam desilludidos e acabrunhados por entre o tedio e a hypocondria de quasi todos. Inaugurou urna phase nova da vida, e isso foi sulficiente para aquelle effeito. Uma outra generali7.a.çito que não encont.ra apoio naestatistica do Rio de Janeiro1 agóra publicada, é a chamada lei de antagonismo entre o crime e o suicidio1 e que Morselli formu(I) Jo]y, Le tri,,\t'. Parli. 1888. pg. a~4 . Em Mllnelll, op. etúda, b& gralld,eõpla de 41.401 a retptUo.

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CRDfINOLOOIA E DIREITO

lou nos termos seguintes: Ollde predominam os crimes contra a propriedade, os suicidios são mais frequentes do qu.e onde pre~ ponderam os de sangue ( 1). Ferri, em seu tino OmiCldio-su.icidio sustentou a mesma doutrina, procurando demonstrar que bomicidio e suicidio eram, em toda parte, actos que se completavam e se substituíam, tendo origens biologicas similares. Sit<> ambos manifestações da ovóluçlo do mesmo germe li mOl'bido, como disse o citado Morselli no Congresso de Roma. Partindo dos mesmos prinpipios, o iôlabio Llcassagne colhe cOllclllSões que nilo silo perfeitamente identicas. « Um grande numero de suicidas, diz elle, silo apeuas criminosos modificados pelo meio social. O suicidio é o assassinato de si mesmo. • E um crime complexo; é como que o coroamento de todas as outras f6rmas de criminalidade~. Ma.s não ó s6mente isso que vem, de ccrto modo, enfraquecer o caracter de uniformidade natural da citada lei de um antagonismo de apparencias, resultando de UlIl parallelislllo de essencia. Tarde não poude reconhecer a constaucia na divergellcia das curvas graphicas represeutativas da marcha do crime e do suicídio em varios paizes, em embóra confesse que, ruguma.'i vezes, o phenomeno se dá (2): Tomando por base os dados fornecidos pelas: duas publicações orgllnisadas pelo Dr. Viveiros de Castro, tracei a curva graphica dos crimes de sangue e do suicirlio na capital da republica brazileil'a. As duas linhas ora se cruz8Jll, ora so (1) O" nt. pg. UI. (I)

OriminaUtl ee»nparn, pg. 167.

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CRIMINOLOGIA E DIREI'l'O

emparelham ascendendo conjunctamente, ora se afastam cm profunda divergencia, desbaratando toda. idéa de synchronismo ou de antagonismo que se tenha. imaginado existir entre ambas. O qlle concluir? Que as generalizações de Marselli e Ferri são inexactas? Ni'to o direi} que para. tanto nito me habilitam observações circumscriptas a um só agrupamento humano, a uma cidade. Mas creio que não estarei afastado da verdade affirmando que essas observR.ÇÕes, corroboradas pelas que se vito seguir, au"ctorizam a dizer que o suicídio é uma anormalidade no Brazil.

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CBIJaNOLOOIA E DIBEI'lV

Sommando OS suicidios e as tentativas abortadas que} phellomeno singular, avultam notavelmente sobre os actos con· 8ummados, obtem-se a cifra de 1262 em 19 amtos, si se desprezarem os casos de nacionalidade não declarada. O~ desses 1262 illdiriduos, 874 eram brazileirose 456 eram extrangeiros, isto é, mais de um terço. Examinando um só anuo, o de 1890, ter-se-tÍ, para 29 suicídios c tentativas, 10 extmngeiros e 19 llacionaes. Mas, sendo a relação entre illdigella.'i c alielligenas, na capital federal, de 20 para 8,2, vê-se que os extrangeiros contribuem com um contingente maior para R!'> mortes voluutarias, em parte por se acharem deslocados, muitas VC7.es, onde fugia-lhes a fortuna que os enfeitiçára e, '3111 parte, porque o numero das mulheres é muito menor ali, entro cxtrangeiro~l e maior entre nacionaes, e, por toda a partc, as mulheres se suicidam muitissi mo menoiôl do que M homclls. Acrescente-se ainda qne muitos dos suicida8 que se inclúem na classe dos nacionaes sel-o-ão apenas por naturalisação, e l'ccollheccr-se-á que os nacionMs Ri'(O menos sujeitos a essas crises de desequilibrio moral do que resultam os suicidioiôl, meRmo ahi na grande cidade kMmopolita onde tantas causas de desarranjo biologico e social se accumulam. Di7.em os escriptoros que a telldcllcia ao suicidio presuppõe um certo grau de cultura e deiôlenvolvimcnto exigindo do cerebro que tome parte priucipal na lucta pela existencia. Se essa a,<;serção fosse inteiramente exacta, explicar-nas-ia perfeitamente, porque o suicidio avulta no Rio de Janeiro. Bastaria dizer-se: é a cidade mais culta e mais desenvolvida

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por sua industria, commercio e população. Mas, si o suicidio é um doloroso consectario .da civilisação, como a loucura,

nilo é certo que sómente elIa o condicione. Em primeiro logar, os selvagens, os homens primitivos tambem se suicidam. Nossos indios aprisionados se deixavam muitas vezes

mOlTer até de fome, si lhes era de todo impossível o regresso ás patrias selvas. Ha mesmo o caso celebre daquelle chE::fe g011U11a que, traiçoeiramente colhido com os seus, foi conduzido do Codó para a capital do Maranhito, onde vendo

que maltractavarn, contra

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promettido, seus miseros compa-

nheiros, atirou-se de um segundo andar á rua, terminando assim a existencia vilipendiada ( 1). Em segundo logar, não é certo que os suicidios augmentem proporcionalmente com a cultura humana.. Já foi mostrado que no Brazil Dilo tem sido essa a marcha do suicidio. É fóra de duvida que temos

progredido em todos os sentidos; mas não é verdade que o numero de suicidios haja augmentado proporcionalmente.

Si o homem moderno é mais propelH;o a matar-se e a enlouquecer, porque seu cerebro trabalha excessivamente, sobrecarrega-se e desequilibra-se. devemos levar em conta muitas outras circumstancias, muitos outros factores, sem os quaes aquelle resultado da inquietante progressílo do suicidio não se daria. Onde a lucm pela vida é mais renhida e mais difficil a subsistencia, o numero dos que succumbem é forçosamente maior. E muitos desses vencidos só encontmm duas • sahidas: o crime -ou o suicidio. E neste poncto que me parece

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muito arguta a observação de Lacassagne: é sobretudo com os crimes contra a propriedade que o suicidio está em relação.

Os que DIa têm energia pa.ra traba.lbar e vencer, os que nIo têm resignaçilo para viver obscuramente e sentem-se impulsionados para os gozos da vida., entregam-se ao crime, li. embriaguez ou ao suicídio, crime e embriaguez que, muitas vezes, terminamo tambem pelo suicídio. É no meio dessa . gente golpeada pela ambição doentia, seviciada pelos vici08, desidiosa e sem caracter, que se multiplicam as desavenças, domesticas porque um dos conjuges (ou ambos, por contagio), perde a noçllo de seus deveres e da honorabilidade que lhe

cumpre manter. Lancemos a vista para o quadro resumitivo das causS8 do suicidio no Rio de Janeiro, e veremos que, de facto, a mais tristemente fecunda é a. loucura que produziu 183

suicidios, em 18 annos; seguem-5e-Ihe os desgostos domesticos, que originaram 174, c a embriaguez, que motivou 133. Pondo de parte a loucura, que é causa manifestamennte morbida, e considerando as outras .Iuru:, é fórn de duvida que as victimas do autochirismo foram colhidas entre os ebrios e os desgostosos da existencia que lhes coube no lar. Será passivei que entre estes ultimas haja. algum doente desse mal dos saciados, dos desequilibrados e dos degenerados-o ttdium vila, a 1Wja della vila, acobertada aqui com os desgostos domesticos, mas certamente o grande numero é formado daquelles individuas ambiciosos e sem energia para o trabalho, pervfrtidos, ainda mais, pelo meio social, para quem a vida se torna um verdadeiro inferno sob o tecto conjugal. Desse mesmo grupo

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CR1'VTNOLOOlA E nmp;l'ru

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sabiram aquelles ebrios que termináram a. exist.encia arremes· sando-se ao mar ou esmagando-se em quedas desastrosas de dois ou tres andares. É certo que não havendo, entre 11ÓS, o divorcio civil sinão

de pouco tempo e esse mesmo sem dissolução do vinculo matrimonial, a.'i uniões infelizes collocavam os conjuges, muitas vezes, na dum ceotingencia de eliminarem-BC, quando não tivessem animo para affrontar os rigores da moral sooial. Mas nilo rue parece que tenha assim acontecido muitas YC'zes fóra do grupo a que alludo. Em quarto logar, na ordem da fecundidade, vejo indicada como causa autochiro-genetica- as difficuldades pecuniarias, que olliginaram 112 suicídios, nos 19 annos examinados. Ora, num paiz em que as industrias começam aiuda a ser exploradas, em que a popula.çilo é dispersa, em que a vida é facil, havendo logar para todos, 1100 se ouvindo ainda o rugir truculento da. miseria que escanca.ra as, fances nos centro;; populosos da Europa, é curioso que se ache tanta gente em difficuldades pecuniarias taes que outra soluçilo se não lhes apresente a não ser o suicidio. E, si nos lelllbrarmos de que

esses voluntarios da morte foram principalmente negociantes que não souberam pautar seus dispendios pelos ganhos regularmente auferidos, que se oompromctteram cm jogos, especulações ou bambochatas orgíacas como outros tantos exemplares de Jacques Rola, não teremos difficuldades em rotlllar este grupo com a mesma etiqueta dos antecedentes. Silo victimas de si mesmo e do lado mau da civilisaçlto. Arruinam-se porque são fracos, ambiciosos c sedentos de

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110 gozos, e porque não sabem resistir á attracçlo dos vicios elegan. teso Vá esse contigente levado á conta. da civilisaçito arruinada, assim como á conta. da verdadeira cultura deve~se imputar a mais clara cOllsciencia. da propria miseria. Um homem culto e normalmente honesto que, num momento de allucinação, pratica um acto desprezível ou criminoso, quando se lhe restabelece o equilibrio da mente, e a luz da conscieucia se projecta vivida. sobre a negrura de seu acto, deve ter horror e asco de si mesmo. Como é irremediavel o que está feito, desfallecem-lhe as energias e, de um jacto, atira-se no abysmo da inexistellcia. E assim a cultura entrou de alguma fórma

para essa resultante-o suicidio; mas de um modo indirecto, como sempre. Em quinto logar vem a paixão amorosa, motivando 92 suicídios. A raça de Werther ainda não se extinguiu. Muitos dos suicidas desta categoria são almas apaixonadas e simples, inquietas e scismadoras a quem não poderiamo~ com justica, recusar nossas sympathiasj porém, por uma. gradação insen· si\'el vae este grupo se aproximando dos circulas da loucura, de modo que não sabemos bem quando a transição se opera. Seja assim ou não, o certo é que perteuce elle a uma classe • differelltc das que, até agóra, temos contemplado. E pena, entretanto, que nito possamos saber o sexo, a nacionalidade e B edade dcsl:lcs que, presos 110 torculo de uma paixi'to amorosa incura\'el e de satisfação impossive~ affrontáram a mo~ im· pavidos e talvez sorridentes, como as victimas da.~ religioos cm lucta., ás quaes o mysticismo anima, exalta c insensibilisa. Abstrahindo das causas autochirogenas que indicam mui

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111 claramente 8. esa8vidão, felizmente abolida desde 1888, deparamos, cm sexto logar, as enfermidades incuravcis, c, cm

setimo, o remorso por crimes commcttidos. Estes ultimas COIl!5tituem os criminosos occnsionacs ou fortuitos que, arrependidos do crime a que foram

irresistin~lmclltc l<~yado~, sentem-se

tão profundamente desgostosos qne, nito raro, acabam pelo suicidio, • E sobre estes, penso cu, c sobre os amorosos de que me occupei

ha pouco, que mais força.

t<llll

n imitaf',.ão, pois grande numero

de suicidios são imitatiyos.

De tudo que acaba. de ser dieta, se póde concluir que os suicidas são, em regra, indi\"iduos que soffrcm de uma anomalia psychica, mais ou monos profulld~ mais ou menos combatinJ, algumas vezes incura\'cl, inerradicaycI; e que o suicidio

brota, crime, tendo ficam

corama e viceja numa l'cgiito quc toca, por um lado, o por outro, a loucura, e por outro, a mediania honesta, nfto limites precisos c nitidos que sCllarcm-na das que lhe contiguas.

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I .

Da concepção do direito como reflectora da concepção do mundo II esl een&!n auJourd'bnl. que pu UM qDeslloD. si mlnlmeOll11 \'ulgairll

'1u'elle pnr&lue, n6 pilut êlre 'ralkl uns l'lnt<lll!geoee eomplête de Lolll le!l pheuomhes. LERlU..'HER.

Em qualquer outro circulo, talvez peceasse por ociosa a discusssão da thcse indicada no alto dest.a pagina, hoj e que • a sciencia repete, com Thomas Bucklr, que « todas as vicissitudes da. raç-a human~ seus progressos ou sua decadcncia, sua felicidade ou sua miseria, dcyem ser o fructo de uma dupla acção: a dos phenomenos exteriores sobre o espírito c a do espírito sobre os phellomcnos» (J). Si é certo o choque de acções e reacções reciprocas entre a mentalidade e o meio kosmico, DM monos real e productiva é a mutualidadtl de influxos entre (11 Hi.tt./Ü 14 C.D.

avotlngillUe,

lrad. de B&i!lol, Pllrls,

186~,

PlI'. 21.

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CRIMINOLOGIA E DIREI'l'Q

as idéas e sentimentos domillant'.!s cm um momento historico ou em epochas subsequentes. A vida humana, por qualquer face que a encaremos, na~ l'onccp',:W3, na sensibilidade, na.s industrias, na politica, no direito, em tudo, apresenta-se como um mechanismo gigantesco tam perfeitamente combinado que a suppressão de uma roda ou de uma '\"ah'ula, n 'um departamento qualquer, ó consciente ou inconscientemente resen• tida em todos os outros. E assim que se explica a rcpercussito da victoria dos exercito5 na. producti vídado litteraria, na fei'{ito do caracter, nas modificações monetarias, 6, n'uma só palavra, em todas as modalidades porque se externa. a força activa do homem.

Todas estas consideraçõcs, porém, não procedem contra a. opportullidade da these que me proponho discutir nesta occasiitol porque, em nosso meio, ainda ha espiritos quc o~ lhc silo preventivamcnte hostis ou ainda não se nperc eb~ram do facto que eUa indica. Desconfiança timorata ou ataraxia descuidosu.

• • • o direito, como phcnomcllo, aP}JaJ:ccc na sociedade humana; o dixcito, como scicncia, estuda o homem cm seus contractos c relações mutuas. Todas as construcç3es th ~orjcas do dirC'ito sciencia têm, por substracluJIl, O conceito do homem e da sociedade, . assim como todas 11..<; instituições do direito real , do direito vivo, não são outra cousa mais do que consagrações de certas necessidades da yid':l. cm commum ou, melhor, da vida social, pois que, neste vortice tumultuoso da existencia,

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CRI'M'TNOLQGIA E DIREI1U

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a collectividade arrasta e absorve o individuo que esbate-se, descolora-se, confunde-se como simples uotl n'uma ruidosa harmonia de orchestra. Mas os conceitos do homem c da sociedade, o jurista os recebe já preparados e completos, das mitos do physiologista, do psychologo, do anthropologista, do historiador, do sociologo. Resta-lhe apenas a contrarprova da critica e da

applicaçllo. Si aquclles sabias lhe demonstraram que o homem e a sociedade são feituras sobrenaturaes, é á divindade que, logicamente, irá o jurista pedir as suas luzes, ó sob sua inspiração que os legisladores dictaram as leis ao povo, será o braço divino que ferirá o culpado. Ahi estão os antigos legisladores Menés, Lycurgu, Zalmoxis, Numa, verdadeiras personificações das tranSa~::l3 op3radas entre a religião e o direito, entra o for tenebroso e mystico e o jus pesado e form!Llista. Nilo é com o caracter religioso, sempre apavorante, do crime (tabú) qne os selvagens da Oceania se contêm de tocar no corpo do chefe, que a mulher não ousa roçar Biquer com sua mão profana nas armas sacrosantas do guerreiro? Não é o caracter religiosv do direito que faz o hebreu punir o trabalho aos sabbados com a pena de morte? O duelo, o juramento, as ordalias não serão outras tantas concretisações da intervenção celeste no julgamento dos factos r.riminosos? Mas seria perfeitamente absurda uma tal intervenção, si o homem não se açreditasse uma combinação binaria da alma imlllater'ial insuffiada por Deus no grosseiro barro do •

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116 paraizo, assim como praticariam um formidavel dislate os velhos legisladores, si se a.eastellassem por traz das sombras olympicas para infundirem respeito a um povo de atheus, assim como permaneceria incomprchensivel o laba dos 8elvagelL'J si, entre ellcs, o medo do ignoto não tivesse ainda suscitado a crença em forças sobrenaturaes, segundo

a verdade sociologics expressa na. conhecida e beIla phrase de Petraneo: I" il1lttS ill orbe Deus ficit limar. Si, ao contrario, ficar fóra de qualquer duvida que o homem e a sociedade surgiram um dia, em nosso planeta., não por . mercê do fia! creador, mas em virtude da força que vem, ab eterno, transformando a face do universo, 11 'uma ostentação pomposa de vigoI,ll'uma enormo paixão de gerar fórmas novas, o jurista deverá necessariamente pedir, á theoria da progenese, a verdadeira. comprehcllsíto dessa força. extranha (I) que ( 1) Lombroso &, depob d&lle, L,e...agotl ti perrl emprehtDderam Ir bucar as 1'1118' embl'fogenlcu do crime 1101 organbmos loferlor8l, pl.ntu e aolm.es. Nel .... m_as regiÕtli afutadlU. de ldartlJ e Rabeoo foram eoeootrar eloeld.9~1lII pata a ~ollomla politica ti HOll$&tll plra a psyebologl •. NI.o serlli, pois. ró ... da propoalto qoa, trampondo ... barrei,"" d. bumaold.de, fOll1tmOS e3tlld.r • embl'fogenle do direito a eomel'" pelu UJQClaçôe5 dos enlmaes. chamados Infenore., Aeeruee qne algnmu deu.. orpnlu.~ UJoelath'u oll'erecem multai! ponetoJ de Ilmllhanç& eom u non.... Qunto a II..ID dIreIto obJeeth'O, li Ineglvel que U. o eneon tramoa IIOb a fórm. de e05ta.me. Imperlo.. , mente obrlptorloJ, NI.o haveri. por eerto. orpms do dIreIto Dom f~neções eapeelalllad .... mas Inqnesttoolvelmente atei org&lllJ 'pperecem q!laodo a oceaslio o ulge. A prlll-llote nota, qneodo tol pele primeira \' &li pllblleade 110 Arc1lil'O Br4flleiro em 1887. provou algnmas crltleu mordue. da qoem ola u.bl .. fuel ,u .I~ eOlD uedllllle, FoI elle que provOOQo omu phrtlle1l uperu do .oetor d... Q!lutõu Vigm~l; m.. QOmo n&o elUlilff8.\'am nm argumento em eO lltrarlo .Iquer. eoteMo que valem 'penu por lime expreuio de pumo. Mas o qne digo eo Deita de:;preteoelou. DOta? ApeDU qoe as IOeledad81 allim_ tllltlo nJellu. eertu norm ... equ ivalente' ao direito, B quem ln. BJplllu (Lu 80eictâ A"Ilimaks) n&o ,'eril. II8IIJ. IImrm. çlo nme novldlde, Retomendo m.l. u,rde a mllm. thlle, Mererl en ne RI!1.VM A cade:mea do Reei.fe, em 1891, em addltamento. qne n&o se poderl. nepr • 81181 mellmOI lteftl!l Illrenore.. vl\'e ndo em soeledr.de, • faee IIIbJectlY& do direito.•Inl.o a Idét, ao DleDOI o Mntlm,nto jurldleo. poli que os nmot comblter denodr.damente, Immolar'le metlmo, n. defeR de .eu Duc1eos u!ociltivo~. de seus graneis de Inverno. de 1111.11 cldadel". S- modaUdade e. llIperlor 01. Irritabilidade. d. leD»lbllld.dl b)'perphlea, IIÓ • eonhecem o homem e pequnos seres Intelllgentes, 11.119 \'Ivem em aagremllç6M soei... eomo el1&. \ Vide o tIlICrlpto, lntrodvc,ão d "'~na do direit!), a4lante IlIHrto.) r

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mmemOLOOIA E DIREITO

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empolga o homem e os agrupamentos humanos, regulando sua vontade, motivando suas acções por um lado c, por outro, contendo a. expansão de sua actividade irrequicta.. Isto é tam diaphano, tam lucido, que me abstenho de insistir por mais tempo, rcceioso de tirar, ao facto, o vigor natural com que elle 50 impõe. Pergunto simplesmente: porque é que • o conceito do direito tem variado, desde o momento em que o homem começou á reflectir sobre isso até hoje, substituindo escholas o theorias por escholas c theorias novas, todas vivendo um dia, todas impotentes para conseguirem satisfazer-lhe as insaciaveis necessidades mentaes, essas torturas cruciantes que fazem a agonia e o deleite supremo da intelligencia ? Porquo é que, um dia, o direito appareceu como a vontade indiscutivel do mais forte, o, em outra epocha, apresentou-so como a vontade di\'ina transmittida aos homens? Porquo é que, depois de os juristas nos assegurarem que o direito era a vontade geral (Jjollsio c01JJlIIunis reipublicce), nos vieram affirmar, em nome da metaphysica, que se tinham onganado, porquanto o justo em. uma eutidade inereada que assomava poderosa e dominadora onde quer que desabrochava uma inteHigeneia? E, apczar dessas e de tantas outras interpretações secundarias do mesmo phenomeno, a sciencia actual nos declara que o direito é simplesmente uma creação humana, suscitada pelas duras cOlltingencias da vida social, que é um dos escudos com que os individuas se defendem das investidas da natureza.. É, pois, clarissimo que o conceito do direito tem variado, impellido ou arrastado pelo turbilhão das idéas sobre

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CRIMINOLOGIA E DIBEI'ro

a mechallica universal, pois que o universo é um s6, governado pelo Dlesmo principio soberano. • E criveI que um S. Thomaz de Aquino ou um Bossuet acccitassem a concepção mechanica do direito tal como a formulou Jherillg? Concebe-se um Hreckel acceitando a definição do direitlJ sciencia como llol-a dão Ahrem;e consocios ?

••• o individuo

que emprehende uma excursão pelos yastos dominios da sciencia jurídica tem obrigação de premunir-se com certas idéu,s fundament:acs, que serno os seus guias atravez dessas regiões tam trilhadas e, apezar disso, ainda tam desconhecidas. Sem esse preparo prévio, arrisca-se a mostrar-se como um espírito lamentavelmente vMillallte e desconjunctado, que póde ser evolucionista em sciencias naturaes, metaphysico em direito, fetichista em religião.

Entre essas idéas fundamelltaes, avultam o systema geral de interpretação da natureza, o problema da posição do homem na escala animal, e as questões sobre aconstituição das sociedades humanas. Antes de enfrentar com as difficuldades particulares de sua sciencia,o jurista deve ter confrontado a concepção monista do universo com a dualis~ deve se ter decidido sobre a possibilidade de sondar a origem primaria das cousas, den ter feito conhecimento ",om essa ousada aspiração da sciencia á reduzir todos os phel1omenos, desde o esphacelamento de um astro até a inspiração do artista, o apaixonamellto dos amo.rosos, a religião, as crenças, tudo, á modalidades do movimento.

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CBDIINOLOOll E nmEITO

Figurarei uma hypothese no intuito de salientar a necessidade desta iniciação. A linguistica nos diz que a palavra portugueza-pena conta, entre seus antepassados, o vocabulo latino p(l!1la e o grego poliu, que ao tempo de Homero e de Herodoto, significaya simplesmente a compensação por uma offensa. MAS paine, que por sua vez, deriva de Kcooll8., de Kz~ que se deve traduzir por-lançar uma coima. O jurista, que Receitar a lei das transformações em virtude das proprias forças da materia e, para o qual, a idéa fôr um caso da evolução organica operada nos centros nerYOSOS do cerebro, tomar-á o testemunho da linguagem para confirmar suas theorias sobre a historia da idéa de justiça, e dirá que tal idéa em uma epocha affastada era. menos subtil e menos transcendental do que actualmente: equivalia á compensaç..llo. Esta affirmação, aliás, não lhe deverá surprehender, porque seus estudos historicos já necessariamente haviam-na reyelado e já o tinham conduzido a um estadia mais longi..'lquo, no qual melhor se a.r-Cen tuára a origem plebeia, a estirpe grosseira de que brotou o conceito da justit;a repressiva. Assim, po·r sobre a lama dos paúe<;, desatam-se flores de colorido delicado e suave perfume, A linguistica insiste: Skel, cm allemilo, significa matar e ska! ser devedor; mordruJ/l é homicidio e direito que se paga ao juiz; klevessa, em sanskrito, se traduz por peccado e sacrificio ( 1 ). Mas tudo isso que importa aos que acreditam no justo Poderia prolo ngar fslal eltll(lGes, mu Julgo ler die&o o IUl!elente. O. qlle da· teJarem mail del.lllhldos eacllreclmenlol eon!Ultem dll Bo)'I, ThonlAen, LombrollO, ato. (I)

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CRIMINOLOGIA E DmEJTO

absoluto, eterno, iouam. ElIes riem-se da historia., da linguistica e da anthropologia., porque as idéas archetypos não têill historia pela simplissima razão de que são perfeita-

mente identicas á si mesmas em seu passado, em seu presentee em seu futuro; surgiram no ceI'ebro humano tal como são hoje e sobl'evivcI"J:o á catastrophe que terminará um dia a tragi-comedia terrestre. Não ha escureceI-o; para que o direito pudesse ser normalmente concebido e regularmente estudado scm o influxo desses principios fUlldamentaes á que me referi, seria nccessaria que constituisse uma noção completamente aparte, não só independente das relações do homem com o mundo externo e com a sociedade, como independente da intelligcncia. humana atravcz da qual eUa se côa. Assim, todM as grandes philosophias, a jOllia, como a christtt, a idealista, como a materialis ta, nunca se esqueceram de completar a s ua contextura, pondo {\ margem qualquer noção dessas que podemos chamar dominad.oras da vida mcntal , affectka, cconomica e physica do gcnero humano. Uma philosophia é uma co ncepção do lllundo, e uma theoria só poderá aspirar á este pomposo titulo, si poder explicar todos os phellomenos com o auxilio de um aro dois principios superiores. Toda" as concepções do mundo ou silo monistas ou dualistas. Si, para cada ordem ou para cada especie de phellomello, tivermos de recorrer n. um novo principio, a uma combinação diversa., formaremos uma architectura extranha, asymetrica., iucougrua e a.rruinada, teremos uma doutrina defectiva, manquejante, incapaz.

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CRIMINOLOGIA E DIREITO

Mas, ainda ficariamos distanciados da. verdade, si nos limitassemos a reconhecer a acção das idéas momes sobre o direito. O espirito observador não póde deter-se ahi, como si tivesse chegado no termo de sua peregrinação. Si alongar a vista pelo horizonte, que se aprofuuda alem, verá. as transmutações jurídicas operadas por certas relações que, a principio, lhe pareciam incapazes de produzir esse resultado. , E o lançamento de : um rait-way sobre a planura setinosa e longa dos campos ainda incultivados, é o primeiro triturar das aguas oceallicas ou fluviaes pelas poderosas maxila.s dos sleamers, é o plantio da canua ou do café, do fumo ou do milho, on trigo ou da mandioca (1). É, n'uma palavra, todo esse tecido compacto de pensamentos, de idéa.s, de sentimentos, de dôres, de aspirações, de imprevistos de toda so~ que constituem a vida humana, aliás um episodio secundaria da vida superior do universo da qual reflecte as oscillaçôes e o &yanço. Só poderão desconhecer estas verdades aquelles que se acastelam por traz de uma fórmula cabalística e de um bro· cardo romano; que, além do pergaminho descorado de um palim.. psesto e das inscripÇÕ9s dos velhos codigos, nada mais vêem. O horizonte fecha.-se-Ihes n'um enclausuramento de monas· teria de muros altos e grossos, em cuja face negra não se rasga uma fenda pJr onde enfiltre o ar que vivifica os (I) 810 loooDt"foavel. JS IQ"uenclu d&!ll IDlImul9llti eeoDomleu sobre o dlfflUo. ALé o IIppll,eelm&lIto de cm ln cl.l.al 1001," e 'Itrlbuldo • e&UJU Ilmllhan&el. A eIIUura do milho combinada c>m o commerelo Illterll&Clonlll e. d_obena d. polvol'& doo. 110 p8naar de .lgnu. ot rBctore~ que SorlW'.m P'D"lvel o advfllto do prolet&riamo moderno. \ T. Dnp. PMlufl!Phia poMnJ),

C.D.

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CRTMINOLOOU E DmElto

pulmões e a luz que desata 8') flôres e os pensamentos bons. Ignoram si, além, o mundo se a.gih em convulsões tempestuosa.", si o espírito soffre as angustias da. impotencia ou experimenta. as doudas alegrias do triumpho. Nas suas meditações, pouco fecundas, Dito ouvem o estrugir da lucta nem o atroar alegre das fanfaITas~ os ascetas.

Emile AcoUas reconheceu, com. toda franqueza, este lastimave} estado de espírito quando escreveu estas palavras., dirigidas á Sociedade de Anthropologia de Paris: «n6s outros juristas somos escravos das tradições mais avelhan-

tadas, das {abulas sociaes e religiosas mais grosseiras e, quando DOS acontece escapar d'estas tradições avelhantadas, d'est.as fabulas, nos persuadimos facilmente de que o direito é um conceito puramente arbitrario, oriundo simplesmente de nossas paixões c de nossos caprichos :.,

Infelizmente1 porém, o illustre professor nito fez mais do que arredondar uma phrase e esqueceu-se da regeneração scientifica do direito pela. applicação do methodo induc· tivo cm todo Q curso dos grossos volumes de seu Manual de direito civil. Seja, porém, como fôr, é incontestavel que cinzelou uma. profunda. e triste verdade ( 1). (I) 1I0Je, puwlo, oito &11001. dtpJI, que foi publlc&do eJ~ tj~rlpto .• al1u&çio nI~ " m.la Inteiramente. mesma. Ã reno'l'a(lo eclentiOe. do direito Ji. II lima n!alldade ao dlreib erhDlnal II ue p,'nelrll:loto DO civil, a, pro~ouual. em \odOJ Ol ramos. emllm, ota arvoro Ju.rldlea. Sobrel1l10 II appllea~1 da blJtorla e da eomp.raçlo Ji. le Impu0T&m a \odOI os e'plrlto.. E.•berLa e3U JlIlrtI. &O 8!plrl\.o eclenillleo. (uroJI.Ne·;' elle I f1"8l111lvel· men" por tod05 03 angu!Ol do e:IUlelo. Rena o e.p!!el.culo que ,,~m03 p","ael"ndo ne,w momenlo. O Br&dl nlo fu exeepçl.'J • (lue mov imen to. Dtop'JlI dos IUllllesllvOJ trablllbos de Tobl.l BIrrt'I'J. \"lernID o~ do Jolo Vieira. Martlu .1unlor. 8ylvlo Rom era. "'I.ula CI.rdoso. e multo. oulro., mll3lr&ndo 'lUB n&o SOI1lOil l.lo moro$O!l no p~ DJar qoanto se telQ .f1I.rJDI.do.

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II

Sobre a philosophia juridica Assumptos ha que se não devem tocar sem o firme intuito de apreciaI-os com a delonga e o desvelo que sua magnitude exige. Entra, com certeza, Desta classe aquelle que a inscripção deste capitulo indica. Peço, por isso, escusa para as simples notas que esbocei e se vão seguir. Distingamos, no direito, o phenomeno social que póde ser considerado como um organismo, com a ('.oudição de não nos deixarmos arrastar illudidos pela força do termo, e a noçAo. O direito phenomeno, visto como póde ser equiparado a um . organismo, deve ser um systema. de tecidos e de orgams. E esses tecidos são compostos de regras que, se aggre-

gaudo, formam os institutos i esses orgams funccionam fazendo realisar-se o direito n& vida. Estes principios suspeitados por Bentham e que foram tam magistralmente desenvolvidos por Jhering( '), fazem ver que não é fóra de proposito falar-se

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CRJ"MINOLOQU E DffiE!'I\)

de uma anatomia e de unta physiologia do direito, nem tam pouco de uma psychologia, pois que o phellomeno jurídico se revela em nossa conscieucia, sob a tríplice fórma de em<Y',ilo, idéa e volição.

É a primeira distincção que se deve fazer, ao encararmos o direito, essa entre o phenomeno e a. noção, entre o facto e o principio. É uma distincção elementar, mas que deve ser tida sempre em vista, para que não se dêem descarninhos em nossas observações. Nisto o direito não differe de outros pheDomenos do domínio biologico e sociologico. Na."I linguas, por . exemplo, sio perfeitamente distinctas a grammatica., a philologia e a linguistica 0.08 phenomenos da linguagem que estudam sob várias feições.

O direito noção se nos offerece sob tres aspectos differentes. Quando consiste no conhecimento pratico das normas do direito positivo e em sua appliçação aos casos occurrenres, tem-se a. arte jurídica.. Quando o objecto do estudo é o díreito constituido examinado sob o ponelo de vista das "aMes especiaiS que o delennitlaram, da historia, da comparação, da vida economiC8 e social, apparece a. sciencia geral do direito, que pMe ser, de preferencia, chamada-jurú·prudmcla, no sentido em que a comprehendera Ulpianus, - de justi atque fnjusti saentia e não de usus fori ( 1) Dentro da orbita. da 8ciencia geral do direito, seccionam-se as sciencias particulares, que obedecem aos mesmos preceitos, mas se restringem (II B' UIIa lelanela romana por neellaD~la. QCla AI Dome ID41qla tlla proeed'Dda

• NU luto.. Repito, por

8tH

motlyO, o lIome belleD"aut.e 4e dilcoíologia.

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CRIMINOLOGIA. E DmF:i'IQ

a um campo mais limitado, c, conseguintemente, permittem mais franca applicação da analyse. E qual é o terreno que resta para a philosophia jurídica, o terceiro e ultimo estadio da evolução ascencional do pensa~ mento juridico? Dando á seiencia geral do direito, á jurispru~ deneia a latitude e a elevação que lhe 'assignalei, não terei invadido o donúnio da philosophia? Creio que não. E para determinar o objecto proprio da philosophia juridica irei mar~ chando por tentativas atravez da concepção que delIa formá~ -' ram alguns juristas philosophos italianos. Começarei por Schiatarella que expoz as suas idéas con~ testando Meyen. A philosophia juridica, diz elle, deve esporce la genesi e r evoluzio ue de! dirilto. É pelo methodo que adis· tinguimos da sciencia. Para a philosophia, o methodo é gene/ieuevolutivo; para a scientia é analytico-synthetieo (1). Decorre logo interrogar: que lugar ficará. para a historia do direitot Não se applicará mais propriamente a esta a de· finição dada á philosophia? Não incumbe especialmente a esta ir buscar o regimen do direito tal como se revela entre os selvagens e as civilisaÇÕC:s prehistoric8.S para ascender d'ahi, comparando as diversas f6rmas de manifestação jUlidica entre os povos, até chegar á eclosão ultima da consciencia moderna? Parece obvio, e nilo se comprehende uma historia do direito por oubll modo, quer ella abrace o direito em genera, quer se especialise a um instituto.

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CRIVINOLOGU E DIREITO

Ao notavel escriptor italiano não escapou essa. objecção, mas seu espirito Incido se anuuviou nessa. occasiílo, e não soube tirar-se da difficulda.de. A unica selução seria elimjnar aquelle conceito da philosophia jurídica. O objecto da historia, affirma eile, é o studia de/la successione s/()rica deik fonne giuridiche (istiiuti) gidbelle é formate. Não sei porque a historia do direito só ha de começar depois da constituição definitiva dos institutos, quando a. sua fonnação nos dará capitulo de alto interesse dramatico e muito instructivo para quem lhes deseja determinar & finalidade social. Além disso, poderemos esquecer que, actualmen~ a. paleontologia ou archeologia jurídica, por outras palavras, a. prehístoria do direito, é cultivada hoje com afaD, sómente

explicavel pelos grandes resultados que tem produzido? E será a prehistoria antes um ramo da philosophia. do que um prolongamento da historia? Ninguem ousará dizeI-o, acledito. Não tenho necessidade de insistir. Está evidenciado que foi victima de uma desastrada confusão de idéas o douto professor de Palermo. A historia é um auxiliar illdispensavel para a phiIosophia do direito, conviremos todos, é mesmo um dos esteios em que esta repousa e um luzeiro que lhe esclarecerá o kosmos juridico, mas não se identificam, constituindo uma s6 estas duas doutrinas. Tamoom nito necessito accrescentar que, si afasto as idéas do jurista italiano, não será. para adoptar as do philosopho tedesco, um hegeliano retardado que publicando, em 1884 uma obra com o pomposo titulo de Recht.sphilosojhie 1t4Ch den Prineipien der Wissensch~/lslehre, ainda procurou demons-

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CJU)O'NOLOQlA E Dmfuru

trar que a idéa de mOl'alidade é a unidade primitiva que yincula a familia humana; e quanto aos processos scientifico~ deixou-os completamente abandonados. Nem de hegelianos nem de krausistas me preoccuparei agóra. Representam uma. phase das menos fecundas no desenvolvimento do espirito humano que já passaram definitivamente, deixando poucos vestigios. . F. Pnglia viu as cousas por um prisma diverso e, procurando accommodar á philosophia particular do direito o conceito positivistico da philosophia geral, definiu-a como sendo la sienza integranJe dei "eneltati ultimi dtl/e sillgoli senze giuridclu e deifrillcip,:i mfremi deI/a jilosophia gencrale.

Não me parece, porem, ter sido mais feliz. Por grande que seja meu esforço, escapam-me sempre estes resultados ultimos das sciencias juridicas, aliás tam claros e salientes nas sciencias abstractas, cuja seriação fórma. a herarchia do saber humano. Não é que eu os confunda com os ultimos principios de direito, uma encambulhada de palavras gastas, com que ainda se enfeitiça Miraglia. Nãoj lllas é que sciencias analytico-descriptivas e de applicação, como visivelmente o são as que constituem a jurisprudencia., não se acham nas condições das sciencias abstractas, cujos principios ma.is elevados e geraes pódem ser assimilados e transformados pela synthesc philosophica, que se ergue das segmentações do saber empírico, para nos dar uma vista de conjuncto sobre o kosmos que, só então, adquire sua bella eurythmia natural. Por outro lado, si a philosophia geral ê a synthese mais elevada do saber humano que ella gelleralisa, fUlijica e com-

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CRIMINOLOGIA E DIREITO

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pIela., de um modo abstract.o e transccndental, como falar em uma sciencia que venha integrar-lhe os principias superiores? Tcriamos uma abstracção q::intesscllciada, uma gencralisação elevada á terceira dynamisação. Comprehender-se-ia um tal modo de ver em um adepto da metaphisica renascente, mas nilo em um ueo-positivista declarado.

Dir-se-á,porém,que a philosophia geral não reaja.,de alguma fórma., sobro a philosophia juridica? Absolutamente não.

O estudo scientifico do direito serú sempre uma contribuição para a :construcção da philosophiageral baseada na. synthcse harmonica de todas as scicncias; 0, por outro lado, constituida a philosophia geral esclarecerá orientando a philosophia jucidica e facilitando asua tarefa. Mas essa mutualidade de influiçôes

está, penso eu, muito longe do que affirma Fernando Puglia. Entre ade Puglia e a de Schiatarella levanta-se a theoriade Cogliola (I) para quem a philosophia do direito é «aquella • disciplina chericerca le leggi piu generali e le cause piu remate degli instituti giuridici ». Acho preferivel este conceito1 porque indicando o elemento historico e o abstracto da philosophia jlU"idic~ consegui~ não obstante, assignalar-Ihe uma posiçtto independente entre a historia e a philosophia geral. Indagando as causas mais remotas dos institutos juridicos, ted o philosopho necessidade de remontar á sociologia, á psychologia e á biologia. Mas qual o fim a que se propõe com essas investigações? Creio eu que é estabelecer uma (I) FlUJsofi4 dd dirilto prit'ato. 2.' ed., pg. 8.

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CRnaNOLOGlA E DmUh)

concepção do direito em harmonia com a concepção do mundo. E para conseguil-o terá necessidade iudeclinavel de determinar, a par da origem, a «finalidade » do direito, e, a par do

modo porque o phenomeno jurídico se manifesta o onde elie apparece.

c: meio ~

Ora como esse meio é o social e essa. finalidade é egualmente social, sendo o direito uma creação da sociedade, e trabalhando elle para preparar-lhe condições de vida e desenvolvimento,

parece-me que, por esse lado, a definição de Cogliolo é lacunas&, apezar dos termos largos em que é exposta. •

Encarando mais directamente este aspecto do assumpto,

houve já quem entendesse ser a philosophia do direito a mesma sociologia. Saint-Marc, na França, Filomusi-Guelli, na ltalia,

entre outros, sustentaram esta opinião. Contrariando essa tendencia absorvente, que exagerava

inconsideradamente uma observação verdadeira,- a dependencia em que está o direito da. sociologia, ergueu·se o sympathico e erudito professor italiano Icilio Vanlli, que tomou sobre si a tarefa de assignalar os verdadeiros limites da philosophia juridica e da sociologia (1). Não é possh'el que permaneçamos nesta perplexidade, em frente a. opiniões divergentes quase excluem e se combatem, ao menos parcialmente. Forçoso é tentar novas investidas até que seja escalado o reducto da verdade. Não faltará quem o faça

com Yantag'3m para a doutrina. Mas me seja permittido (1) II probl«llG deli" filo8ofia dd diriUo, Verrona. laia.

C. D.

" 0'9'·

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CIUMINOLOOIA E DIREITO

tambem carregar a minha pedra, pois que o faço quasi as occultas, falando cm uma lingurr que ninguem conhece na Europa culta., e neste recanto de mundo que mal se sabe que existe, porque as cartas geographicas o assignalam. Falarei no dcsrrto, o que é innocuo paro todos, a não ser para mim mesmo.

Em cDmpensação, falarei mais em desafogo, certo de que serei o unico a ouvir o som de minha voz;, Diante do desvio de intclligencias bem nutridas c perspicazes, doyoeu tambem me Rrr8Cciar descr victima de uma pseudesthesia., muito commum aliás, nestas regiões, afastadas e brumosas , mal illuminadas pelos clarões crepusculares das primeiras

explorações. RealmeItte até bem pouco cra este o paiz predilecto, nilo direi dos sonhos, mas das especulações vaidosas dos que julgaram ter empolgado o corpo donairoso ma."! impalpavel da verdade absoluta. As primeiras abordagens dos methodos scientificos são de data recente. Não obstante consignarei aqui o meu modo do ver. Bem poderá nlIo ser exacto, mas traduz um esforço para o reconhecimento da verdade relati\'a a que nos devemos resignar. «Philosophia jurídica, entendo, ê a sciollcia que, nos dando uma vista de conj uncto sobre as várias manifestações do phenomeno jurídico, estuda as condições de seu npparecimento e evolução, c determina as relações existen tes ontre eUe e a vida humana em sociedade. Para no."! dar essa yif,ta de conjuncto, unificadora das variações juridictts, a philosophia do direito estuda-o como

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CRlVINOLOOIA E DmEITO

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força que opera a cohesão das molleculas sociaes e se reflecte na consciencia, dos individuos, destaca, da cerrada vegetação ethicojuridica,' as instituições fundamentaes e mais generalisadas, (como o Estado, a penalidade, a personalidade, a propriedadc, a fa.milia" a succcssão) e as considera debaixo de um poncto de vista abstracto. As condições da existencia e desenvolvimento do direito ella as reconhece applicando-Ihe principios adqueridos pelas scicncias que estudam os seres vivos e especialmente pela psychologia, pela historia e pela sociologia. Depois disto não será difficil estabelecer a correlação entre as f6rmas da vida do homem em sociedade e as f6rmas do direito, no que nos será um guia seguro a historia illuminada pela philosophia

geral. Eis, em phrases rapidas, porênl que me parecem sufficientemente claras, como entendo que deve ser, essa porção mais elevada da jurisprudencia, que denominamos philosophia juridica.

Seu apparecimento foi naturalmente posterior li constituição dos delineamentos geraes dos ramos concretos do direito. Assim como a esthetica foi creada depois das elaborações da poesia, da pintura, da architectura e da estatuaria; assim como a biologia presuppõe a botanica, a zoologia, a medicina, etc. ; tam bem a philosophia jurídica traduz um grau superior D3 evolução das sciellcias do direito. A ordem natural é, sem duvidl., a ascensão do concreto para o abstracto, do particular para o geral. Isto, porém, não importa affirmar quc devamos cnsinar a philosophia juridica s6mentc depois de termos iniciado o

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(!1UvtNOLOGU E

nmm'O

----------------------------- espirito do estudante nas complicadas minudencias de todos os ramos do direito. Não, a. ordem dogmatica póde, com vantagem, inverter a ordem genetica e partir deductivamente do geral para. o particular, poupando aos neophytos custosas meditações e lentas peregrinações atravez da successão dos

factos. Penso deste modo.

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,

III

IntroducçãO á historia do direito ÃII

Idli.. 11ldlmental'9l 40 dlrel\o do p&f&

(I

JnltcODtI1Uo (I qll.tI ... ~&das prlIl1illvu da &erra .ao para (I pologo: cont.êm potneLalmn14 Wd.u

u f6rmaa q1l8 (I dlnUo tomara_Is tarde. 8U_NER llAINE.

lUta ldéada JIllIIII~o a, ro~ peuoalere&Dd.o II protegelldo &eu campoc\e aeç:lio por ,I PlEMIm. II (I ulremo ,,111.1110 em qae póda coml!Ç&r .. formaç4o 40 dlr'f'lto. JllEJUNO.

Eu cheguei á coD,v\eç!o de q1l9 .. uniu. base

JeCUr& para aJurlspl1ldeoela do fll'II1O teri. enllODt!'ada em 11111& .oelologla gen.l.polad.. 81cluln· meok! 11011 dadot d. erpPrleocla. HERVAlII'N POS1'.

Os materiaes de que dispomos ainda. SM insufficientes para levantarmos do pó das tradições esquecidas ou adnlteradas a evoluçllo ascencional e cUl'velinea. do facto juridico, com aquella. _ impavida segurança, com a. precisão scientifica do naturalista á traçar, atravez das camadas geologicas, com a ponta dos

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CROfINOLOGll E DIREI'l"O

silex e das ossadas fasseis, a obscura e lenta phylogenia, das cspecies &nimaes. Entretanw, já temos certas posições bem determinadas que nos poderlo servir de poncto de apoio nesta longuissima •

vIagem. Cumpre deixar ao lado o caminho largo e profusamente ílluminado da historia, onde a cada momento esbarramos ora com um vulto altivo e venerando de apostolo ou de sabio, ora com um criminoso audaz e feliz cujos actos de perversidade formam lendas e opopéas j cumpre, abandonando os Estados civilisados, irmos pedir ás velhas usallças, ao forma-

lismo obsoleto, ás crendices populares, o segredo dessas primeiras instituições jurídicas que presidiram aos agrupamentos primitivos. D'aru remontaremos pela India, Grecia e Roma, até a rubra floração dos tempos modernos.

Não hl1 muito escrevia eu: «Tomando por guia os vestígios dispersos e consenados pela historia, pela tradição ou pelas religiões, um espirito indagador poderia subir o longuissimo curso das affinidades juridicas até esse momento decisivo para o futuro da especie humana, em que a nobre raça aryana, compellida pela estreiteza do habitat e pelo grupo mongol, deslocou-se dos planatos do Thibet ou das margens do :mar AraI, em direcção do Occidente e das regiões meridion&es. c: Uns

trinta seculos antes de Christo, essa raça já havia descoberto o fogo, falava, uma lillgua harmoniosa e abUlldante, conhecia os rnetaes, flUldara a familia, respeitava a autoridade

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CRI MINOLOQIA E DIUP:I1\J •

patriarchal dos chefes de tribus e possuia uns rudimentos de justiça. As diversas correntes migratorias, cm que ella se dispersou foram leyando comsigo a tingua, as idéas, os costumes e as instituições que, desde então, começáram a trilhar caminhos divergentes, sem comtudo eliminarem totalmente certos indi~ cios da commullidade originaria. Este gigantesco trabalho de reconstrucção do pensa~ menta e das Mrmas juridicas, a sciellcia ha de executaI-o, como já levantou, tão affoita quanto brilhantemente, a arvore genealogica das linguas. Então, acima de toda duvida ficarão provadas a natureza organica· do direito e sua origem polyphyletica; serilo indicados seus crusamentos, seus casos de hereditariedade, atavismo e sobrcyivencia, cm certas regiõcs do globoj n'uma palavra, toda a sua eyolução phylogenetica c ontongenetica 11 (1) . • E a execução desse programma que agóra emprehendo (2). , Certamente a tarefa é por demais pesada e difficil para que a possa levar a fim, com a largueza e exatidão de detalhes que seriam para desejar. Só ambiciono esboçar o assumpto. Si o conseguir, ficarei plenamente satisfeito. Mas este programma necessita ainda ser completado. O[

(I:

219 e 220. Qlle til .albe, !ol o Dr. Tobilu BBrrelo quem primeiro oMen'OU qlle II dire/lo, como fado hilllOrleo, dnl. olferecer cstll. dlll'licldade de upe<:to em 9ua Cfoluçl0. (I )

&hlda

d~

Direita t Ecan()mia Politiell, Reelfe, 1886.

pg~,

(2) J. tmpreza. aHá:!. Dio !ol levaol.a ao eabo,olltl"lUl preoceupaçlies sol!eitaram mell

Em t.odo o eQ,SO, e<lm este (oram eserlptos mILhol omln» fragmentos dos qllle! publiquei alguns na RetUta do Norú e na RtL'üm A CllcUmúa. O que '161'& o lolt.or paua pelai olhO'! li o plano da obra que proJeetel mal 010 concluI.

jHlnUm~uto.

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As instituições juridico-sociaes do~ povos aryanos attestam um periodo de civilisação já adiantado. Só o estudo das

populações selvagens e dos mais antigos precursores do homem ci"ilisado poderá preencher o quadro. Esse primeiro estadia representa o elemento homogeneo e confuso, a cepa vetusta e bronca de onde filharam os bacelos

que vão formar Do\"as faro mas, succedidas por outras mais novas, diffundidas e multiplicadas segundo o preceito bíblico. Sua ausencia produziria o effeito de uma horrenda. mutilação. Figurac uma. est..'\tua sem pés, um monURlento sem alicerce.

O homem, anros de ser basco, semita, hottentotc ou cafre, te\c necessariamente de ser o homem, o homo ttimigCllius, o animal distincto dos sjmios pela estação vertical e pela

articulaç.ão da palaYra, o typo do gencro á que pertencemos todos, qualquer que seja o colorido de nossa cutis, a conformação e espessura do nosso craneo, o aspecto morphologico do nosso systema piloso. Estudando um fructo da civilisação humana é devcr procurar· lhe as primeiras manifestações até ás eras recuadas em que a l('i do polymorphismo não veio ainda differenciar os homens em muitas especies, sulrespecies, raças e sub·raças, si é que o genero humano provém de um s6 typo ancest.ral e nito de muitos, como é talvez mais provavel. Mas, seja um ou sejam muitos os progenitores do homem, o problema é sempre o mE'smo para este estudo que, se afigurando adminicUJar, é a base das construcçõcs posteriores. Depois do homem primitivo, deparamos com as especies

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CRWINOLOOIA E DIREITO

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supClriores do quadro taxillornÍco de Fr. Muller e Hoockel ou com as grandes raças da classifiração proposta por Marcelli (1). Deixando seguir o curso de suas evoluções divergentes onze das raças humanas, acompanharei o rastilho deixado pela duodecima. Não me occupal'ei,de um modo directo, pelo menos, com os papuas, hottentotes, negros, cnfres, australianos, arctiros, , mongóes, americanos, dravidiallos e rubisnos. E a. grande raça que espalhou os trophéos de sua victoria c os monumentos de sua ciriJisação pelas margcns recortadas do Mediterraneo, que mais particularmente solicitará minha attençilo e ainda será preciso destacar da raça mediterrallea o grupo dos indo-europeus ou aryanos. Assim chegaremos a esta victoriosa cultura occidental que tanto nos distancia dos agrupamentos tardi· grados, que formam a juncta de couce da humanidade.

••• Aqui surge umagraYe questiIo.É a thcoriado monophylct.ismo ou do polyphylctismo applicada á genealogia do direito humano. fi ) HlI.'ekel. Hin . <ft, 14 Cl-taii<m. I.lad. par ClJ . Ltotonrneaa. Pari!. 18;4. vingttrol~lem ~ leÇOn. N. Mlrtelll. Ú grarnli ,-azze d~lrumanifll. TorlllO e Homa. 1880. plute l!!Cono1:l.. )Jo.rseLII ~ma-se lia linguagem; H~ke l eomeç& por apolANe IIOS eabellos e dbllngne I! e.ipeeles IIUDlIII.... depoll toma por gll lll. a Iingllbllu. li dllltlngne u dl~i!lOOl de$lu e.peeleJ em ral,llll. g' alQo1a umo. questio dila q1le 1& ehtllll&m ab~rta1. ~.d.. do. tn.lmonln "-aúaçtu humanu. HO\"elo.eqn~. l'm ReU Instnlet]vo Ih·rlnho. L~II tace.. JIIClM;lItll. descobre o ledo fraeo 0111.'1 dl\'er~u ~las!lller.f6e~ l' estabelece, com todo erlteTlo. que: lO mal. Ilmple!. o Inelhor. e t~nlar por bue. peI.u,lo·o~ bem. M dltrerenl"~ l'lemenLos de ela5SUleaçlo., mM li foi fl'lIz no! obJc rvlQljes eritleu. nlo me pII!"eee tel·o .ldo 11& tarefa mal. d!N1ell da reeOD Jlnlcçt.o dUJe poneto de dehate. lA Bou (.·ú';I;"(ltõ()!~, dtllndt). por sua vez. lembra outrotl elementos pa.ro .. ela.lfteaçto d .. !"'-(III. que elJo jlllga IUperieret lOlI earaeiN'es aauomleos e ti. llngna; do 01 ~~n.etere! mo!"'-eJ• • 1ll1eJ st.o Il expr! ,"O da const1tulçlo meflul de u,n po\·o. eOllltltulçlo depeDdente da e.tmetura anltomleo. especial do eerebro. muito de licada para ser boje apreciada por 110:;..0. In!lrnmPDtos ' . O que é certo, a meu ver. é que 104M "ses compHco.o1o! elemcntol. denm ler 1'01111· dtrado! n'aM& cl....Ulc.\lIO de raç". C.D 18

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CRIMINOLOOIA E Dffigl'lv

Friedrich Muller e os linguistas de mail)r auct.oridade actual opinam que os grupos linguisticos ti'leram cada um sua origem e,.<;poutanea, independente, isolada. • E um poncto assentado. E, tomando a linguagem por guia na classificação das cRpecics humanas, grande numero de anthropologistas concluíram cgualmentc peja multiplicidade na. origem dell a,';, Pareee·me tambem incolleusso que a idéa polyphyletica é a uuica applic8.ycl ao direito. E não sómente por ser isso uma consequcncia llcccssaria da pluralidade de origem no genero human o c Das linguas por 0110 faladas. Além disso, c principalmcnre, porque é um llhcnomcno que, cmbóra tenha, () cffectiyamcntc ou creio que tem, precursores mesmo fóra da familia hominal, 6, cm sua csscncia, um producto da associação c da cultura do animal perfl'ctiycl por excellencia. Lombroso, IAWassagnc e Ferri cmprehenderam ir buscar as raizcs crnbryogcllicas do crime nos organismos inferiores, plantas c auinH\e~.N('~sa~ mesmas regiões afastadas, de Martiis c Rabeno foram encontrar ducidaçõcs para a economia politica e Rouseau para a pychologia. Os bons rcsllltado~ mostram íJue bem acertada foi fi idéa dessa remota excursão. Não seria, pois, fóra de pro}losito que, transpondo as barreiras t!a humanidade, fo;;scmos estudar a embryogcnia do direito, a cOIll~ar })('las ass{)('iaç(i('s dos aninla.f>s considerados inf('riorc~l mas sÓIl1C'u te dl'uaixo do ponl'to de vista humano, gl.'gundo a ohsl'n-a~'ão dl' Theodol'c V ft'hniakoff. ACCl-esce que algumas dessas orgallisaç?ies associath:as offe-

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CBDIlN'OLOOIA. E Dm.:l'lti

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recem muitos ponetos de similhança com as nossa.q. Póde-se mesmo di7.er que existe ahi um phenomcno correspondente ao direito objectivo, sob a fórma de costnmes imperiosamente obrigatorios. E tambem não lhes poderemos negar a face subjectiva do direito, si não a idéa, ao menos o sentimento juridieo, vendo esses animaes combatendo denodadamente, immolando-se pela defeza de seus nucleos associativos, de seus graneis de inverno, de sua.c; cidadelas. Essa modalidade superior da irritabilidade, da sensibilidade hyperphysica só a conhecem o homem e esses pequenos seres intelligentes, que vivem por ~remiações sociaes como clIe. É verdade que o homem sente as offensa.q ao seu direito, ao direito de outrem e ao direito geral, e os animaes inferiores parece que são apenas impellidos pelo instincto de defeza social e individual Falta-lhes muitíssimo para prehencherem a noção do facto juridico. Tambem o grito não é a palavra, mas, sem duvida, é o poneto inicial de uma serie de lentissimas transformações que fizeram destacar, da escalas dos sons, o som articulado, o phonema. E assim como nilo podemos concluir pelo monophyletismo linguístico constatando que a linguagem humana começou por ser o grito rouquellho e gutturaJ, do selvicola, e que é uma simples metabole do uivar do lobo e do ladrar do cão, tambem ,não devemos estadear monophyletismo juridico pela pobl'issiUla razão de que tambem as vespas e as termitas conformam sua condueta pelas injuncções que as necessidades da "ida em COllllllum impõem de modo irresistivel. Accrescc que o direito humano não póde ser absoluta-

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CRDnNOLOGlA E nillE1'rtJ

mente um simples desdobramento progressivo, sem solução de continuidade, ininterrupto de quaesquer normas sociaes inferiores, que são consequ611cias innilludiveis, fatalis8.ÇÕes do associonismo, onde quer que elle surja. O direito humano tem um caracter proprio indubitavelmente; o que se affirma é que equivale e corresponde ás instituições que encontramos em estadios menos elevados da evolução do ser, como diria um palltheista darwinisante. Foi lá que se debuxáram

os primeiros esboços do direioo, como é lá que cm peregrinação descencional iremos deparar com as l'adiculas de quasi todas

as artes e, o que é mais, de 'luasi todos os sentimentos humanos. As artes de formare dirigir os exercitos na.s batalhas, de cons-

truir cidades, de cultivar as plantas uteis, serão invenções exclusivas da intelligencia humana? 8el·0·ilo egualmente a domesticação dos Rnimaes, as distincções de classes sociacs, a cscravisação dos inimigos? Esse delicado phenomeno physio. psychico, que faz á noite nos floridos balcões desmaiarem as Julietas, que suggere os doudos heroismos das almas apaixo. nadas, é a manifestação, em (lutra esphe~ do mesmo pl'ill. cipio que desata as flores no prado, para o hyroineu das plantas c que aguça nos animaes as rudezas do appetite sexual. Já foi dieta, com muitissima propriedade., que o amor ma· ternal Dilo deixava de ser um nobre sentimento porque uma cadella o possue. É ainda o prejuiso anthropocentrico em suas ultimas pcquices que cerra os sobrolhos, n'uma colera inutil, ao ver essa aproximação dos phcnomellos sooiaes humanos com os • phenomellOs sociaes de outro qualquer genero. E preciso com-

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CJUMINOLOOlA E DmElTO

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prehender o direito, não como um facto do homem, porem sim como um facto social, o facto que torna possivel a co-cxisteneia humana. Os ,direitos não são aureolas illuminalldo os individuos para regalo proprio. Creou-os a collectividade para assegurar suas condições da vida e desenvolvimento. Tanto isto é certo que a grande mnsliIados direitos, antes de serem individuaes, foram communs, isto é, da associação. Ora., si a sociedade 11ã:O é um privilegio do homem, que admira si cm alguma outra descobrimos algo de similhante ao nosso direito? Em apoio ao que ueixo affirmado posso ainda lembrar estas sensatas palavras de Sehiattarella: c: Os que fazem sciencia, nito astrologando em seus gabinetes, mas estudando e meditando o livro da vida, puzeram f6rn de qualquer duvida que a maior parte das especies animaes possue quasi todos os nossos sentimentos moraes; atfeição da prole, o amor filial, a fidelidade conjugal, o amor do elogio, a generosidade, o sentimento do dever, o sacrifieio em prol da commullidade, etc.; e, do mesmo modo, possuem os sentimentos que costumamos chamar immoraes: o odio, o orgulho, o resentimento, o desprezo, etc. (Ipresupposti die diridio scielltiftcO, 2,- cd., pg. 31). Não menos decisivas são as affirlllaçOOS seguintes do grande sociologo inglez: «As formigas consideram como uma propriedade collectiva as galerias que constroem, os adytos pelos quaes nellas se penetra e os objectos que alli depositam. Certos arumaes carnivoros têm os seus territorios de caça que defendem unguibus et rostro contra a invasão de

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__1_4_2___________OB __DDN ___O_~ __u~.~D~m~'~'~;lv~_____________ novos concorrentes. Os nossos cães domesticos possuem, em

grau elevado, este sentimento e o manifestam de ccrn maneiras~. (Spencer,PrinClpes de socio!ogze, vol. III). Nilo quiz propositalmente pedir, a esta. justificaçilo, os argumentos colhidos pelos sabias na. obgervação da vida e costumes dos allimaes inferiores. Não posso, porém, resistir ao desejo de lembrar os factos seguintes, que me parecem decisivos. Lacassagnc 1I0S fala de uns elephantes que são repellidos do grupo dos seus parceiros como nós afastamos do corpo social os malfeitores. Fore~ o grande entomologista, narra-nos casos de verdadeiras rebelliões das formigas fuscas,

escravas das amazona.<;, e da execução consequente das rebeldes, cujas cabeças são esmagadas entre as mandibulas serrilhadas das vencedoras, que as apertam como tenazes de ferro! Final~ mente, Lombroso cita~nos casos de animaes criminosos natos com anomalias do craneo, assassinos por antipathia, por excesso de raiva, por paixão, por amor, e, o que ó mais, nos informa de casos de associação de malfeitores entre os animaes. E nito falo ag6ra das cegonhas ciumentas que, movidas por esse impulso a que nós damos o nome de sentimento de hon.ra, massacravam inexoravelmente as femeas culpadas, segundo diz-nos Houseau. Nada disso é o direito nem oífensa ao direito como o conhecemos sob a. fórma exclusivamente humana, porém, alguma cousa que se lhe assimilha., que é s~u equivalente n'uma ordem inferior e só uma forte preoccupação de nossas prerogativas realengas o poderá desconhecer. Mas nada disso impede que o direito hwnano apresente

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CRDlINOLOOlA E DIREITO

um caracter proprio, que lhe dê um aspecto novo e o constitua um producto superior da evolução dos povos, pois que o homem é sem contestação, o animal que mais longe levou a organisação social. É forçoso insistir e turrar sobre esta idéa, polindo-a, clarificando-a, para que a incompetencia n[o a possa perverter, , nem a possa achincalhar a risota. E forçoso insistir e repisar, para que a malignidade não deturpe estas idéM, aliás simplissimas, e quo não encerram em si nenhuma heresia contra os postulados da sciencia moderna (1). Em conclusão, O direito, por isso mesmo que é nm produeto das nC'Cessidades sociaes, reflecte, em sua origem, sua orgallisação e sua vida, as dÜ'ergencias que distanciam entre si, os diversos nuclcos associatiyos que o crearam uma vcz que estas divergencias não sejam puramente supcrficiaes o secundarias. Assim, até as diversa.s raças ou subraças humanas que têm uma feição cultural differente, nos costumes, nas artes, nas industrias, nos conhecimentos scientificos, possuem direitos trl.moom dissimilhalltcs. Si a civilisaç;.10 humana é polymorpha1 direito qUG a reflecte e a estimula. devo ser necessariamcnte polymorpho.

°

Afastadas assim estas difficuldados que; nM passam de futilissimas nugaÇÕüs da chicana philosophantc, e lançados os primeiros fundamentos desta construcção, é tempo de enfrentar • embaraços mais scrtOS. F.m 81'~ne ~r. r..~ J, ../iu . Isn. \'eJlllml'lR e \'igJrolam afll g t onnrmadu u Ideai, qne aqull"Xpunha ell fi medo. Vide tambem .'oi~ Fn.'ita.<. B.'C(}R r6~. eap. \. (li

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CRDrINOLOGIA E DIRElro

••• ( I) Todos os phcnomenos da natureza fórmam a clação intermina de uma cadeia, e se pódem reduzir a modalidades do movimento, das energias da materia em acção.

Considerada debaixo d'este poncto de vista.,

ti.

sociedade se

revela corno um phcnomeno natural, nascido das condições mesmas da evolução. Uma V"ez formada a sociedade, trava-se dentro de seu seio um duplo combate. Externamente a sociedade tem de defender, palmo ;'l palmo, o sóIo em que pousa., momento. por momento, o escoar de sua cxistcncia. Internamente os individuas têm de luC'tar cada um contra cada um c contra todos; mas como a di'\"isllo dos affieios estractifica a sociedade em diversas classes, é finalmente, entre estas que a Iueta mais ordinariamente se empenha. Da victoria ou do cquilibrio das forças sociacs combatentes surge o direito como a resultante das solicitaÇÕC8 divergentes. O equilibrio dos interesses antinomicos é necessariamente instayel. Quando a situaçilo das classes muda., por acrescimo ou diminuiçtto de (,!lC'I'{,';a, renova-se o combate. • E, pois, a lucta o factor principal do direito. ElIa o ereou, e eHa o mantêm. O resultado da lueta ha de ser necessariamente confonne aos interC'sses da sociedade, porque, se fI) ,\lgumu du ~oMld~raçõcJ (tuue YIlc .eguir. l\e'l.e p&rlgrapho, nlc pl.!um de ~enden!llçAo multo r.pld. do qlle ese~\' IIl(lUlro 11\'1'0, (E.'twJ.OI' de Di,"cilo e eeon&mi4

politiea, pg>l. 118

lo

188 l, e .qullDl'luldu pira encamlnh&mento de Id....

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CRrnINOLOOIA E DIBEITO

formando elIa em yirtude da colligação de diversas pareia· lidades que visam a consecução de um fim commum, si entre estas parcialidades sllrgem cOIlUictos, é natural que tenha

auxilio da maioria aquella cujo interesse coincidir com a utilidade geral (I).

&te apoio vem decidir a sorte do eombatc; e, assim, ,ae a sociedade, pouco a

!,(\~.cc,

harmonisando os interesses

desencontrados, equilibrando as forças antagollicas, submet· tendo as divcrgeucias particulares a uma direcção synergica, sanccionando o resultado da pugna pela fixação do direito. .'

Para a satisfação deste mister a sociedade vac gradu. almentc urganisando as suas forças coactivas, que um dia se transformam na instituição do Estado, cuja funcção pre· cipua consiste cm cobrir os interesses com o amicto santo do direito, após havel·os assegurado e protegido. Quando as sociedades se organisam em Estados, suas fo~.as

coa.ctivas se acham concentradas em certos ponetos d'onde, nas occasiõcs proprias, se fazem sentir prompta e efficazmente. , E o poder publico considerado em seu conjuncro. Mas o poder publico tem necessariamente limites que o circumscrevem á seu campo de acção, deve ter principios que o gllÍem, regras que pautem e determinem suas funcç3es. Estes principias, estas regras, SM o mesmo direito, cujo nascirncnro elle presidiu e a.<:isegul"ou j o que importa dizer: são os - interesses gemes dominantes. (I) Of. R. "fon Jbllrlng·Drr Z"·t't"h 1m Ret'bt. I, 2 Auf.. lAlp1lg.1884, pp. %91 & 298. C.D. 19

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(!RIMINOLOOIA. E DIBEITO

São estes os principaes, porém, não os unicas factores do direito. O meio kosmico c social, as tradições nacionaes, a \'al'iação das necessidades, produzindo o progresso das artes, das sciencias e das industrias, silo para o direito, co mo para as lillguas,

uma causa permanente e vigorosa de variações e selecções. A estes devemos accresoontar outros factores, como as conquistas, o

contacto com os povos cultos, as relações commerciaes,os phellomenos economicos, o modo porque são comprehendidos os nexos causaes que vinculam as co usas entre si, O~ prejuizos, as crençM

religiosas, os methodos logicos, os juriscousultos, os professores e até a imitação. Para firmar melhor as idéas cumpre definir o que seja direito. Acceitarei a cOlleepcão formulada por Jherillg, que satisfaz á todas as exigencias scientificas. «O direito, diz elle, é o oonjuncto das condições existenciaes da sociedade coactivamente asseguradas pelo poder publico ». Rechl is! der ftlbe,!{ri(f damiltels! ceusseren Zwangcs durch die Stalsgewalt gesiclterlen. Lebembedingungm {kr Gesellscltajt im zoei/esltll Si/m des Worles (1).

Esta definição tem o alto merito dc não dcsprender-s(>, de não separar-se do grande drama da "ida cm acção} de indicar a funcção especial c a finalidade do dir~iw no organismo social. Considerada allatomicamentc, a estructura do direito é um ( I) Jherlllg, Oh. cil .. pg. 611.

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CBI'MINOLQGll E nmp:n\J

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aggregado de institutos que, por sua vez, silo aggregados systematicos de normas. Parece que o primeiro momento da formação do direito em seu inicio den-ra ser a norma, isto é, uma regra pela qual os homens de'fiaru pautar seus actos na convivencia mundana. Effectiyamente assim é, segundQ a nossa logica jurídica actual; mas a historia natural do direito nos revela que a fix~ da norma foi precedida não só por uma serie de phenomenos embryogellicos em que a força individual desempenhava a funcção de llÚUS lonnativus, como pelas sentenças dos juizes patriarchaes, dos tribunaes domesticos, dos chefes guerreiros. O primeiro destes periodos é o menos disciplinado, e os phenomellos de feição juridica por elle produzidos são ainda muito indecisos ; mas, ainda assim, ba.':Itante vigorosos para fundarem o direito e para deixarem nelle impressos os seus traçOs indeleveis. O periodo das sentenças, já mais disciplinado, foi posto em . evidencia pelos trabalhos de S. Maine. A tradição romana recorda que, DOS tempos originarios, tudo era decidido pelo judiclum regis, e ·nos livros de Homero não se cncontm a paIana 1lomos (lei), «mas o direito é indicado pela palavra Themislcs1 ordem ou sentença, e pela palavra themú, costumes, e Maine affirma que os tJumistis eram, em Homero, juizos inspirados por motivos pessoaes e não por um costume precedente ». Estas sentenças, generalisando-se, foram constituindo o costume jurídico. Comprehende-se perfeitamente que estes tres momentos successivos não se substituiram de um modo completo desde

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~OLOGIA.

E DmEM'O

logo. É antes acreditave} que por longo tempo subsistissem simultaneamente, mas que a tendencia disciplinadora, a ordem que dirige a evolução do kosmos, fosse impellindo a transformação das forças indisciplinadas e oollidelltes do primeiro

período nas regulamentações dos periodos seguintes.

• • • CreMO o costume jurídico, nilo se destacou, de chofre, o direito, da lllassa geral homogenea das normas sociaes, e nós

encontramol-o, a esse tempo, quasi sempre confundido com preceitos religiosos e outros, mas começou, pouco a pouco, a integrar-se a parte, a constituÍr um mundo distincto, o que lhe foi mais facil de conseguir quando do costumeiro passou á

etapa superior da legislação escripta. Pelo que acabo de affirmar se reconhecerá que não podemos, sem uma certa reserva, !lOS conformar com os termos absolntos da doutrina pregada por Hormallll Post, na parte em que ensina que «os ultimos fundamentos do costume e do direito silo os mesmos::o sendo o direito II: simplesmente uma ramificação do costume ::o, «É com a evolução gradualdo estado, accrescenta o jurista pl~ilosopho, que o direito começa a separar·se mais accentua· damellte do costume:t (1). Entendo que ha costumes jurídicos e costumes lli'lo juridicos. lIemann POli, Di. Oru,vUagtn M I :&eAu. Oldellblrg. 18U, pg. 18. 81118 polido li fllllClllllental na obra de H. Poet, qne a eIJe hllllte por PlIII~ V(!li_, A' pg, II, por uePlplo, amrPla '1110 DO! IIIl8.d lo, prlPlltlvos dI. bl&torla, direIto. collume 1110 H dbllD(lUt.lll.. • ( I)

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• ______._________ ~CR~DUN~~OLOG~~lA~E~D~IR~.~no~__________~1~4~9~

Os primeiros se originam, geralmente, pela fórma que ficou indicada, isto é, pela generalisação das sentenças patriarchaes

que se fundam nos interesses e na opinião dominante ua sociedade primitiva., interesses c opiniões que se mantêm e preponderam desenvolvendo maior grau de euergia:doque seus contrarias e por estarem de accôrdo com as necessidades geraes. Quanto aos costumes não jurídicos, se pertencerem a moral, poderão ser

auxiliares e supplementaJ.'es ou mesmo creadores do direito, si forem de outra categoria, serão indifferentes ao direito. Nilo obstante esta ligeira divergencia em que me colloco em relação ao illustre pesquisador tedesco, reconh<-'ÇO que sua theoria sobre jundameutos do direi/() encerra muitos princípios verdadeiros. Assim, pensa e11e, com bons fundamentos e de harmonia

com os dados da sociologia modernil, que o direito «tem sua base na estructura morphologica dos aggregados 80ciacs e nas relações de expansão em que se acham os homens, uns para com os outros, e os aggregados sociaes inferiores, para os que estão mais altamente collocados ». E desse modo de ver, tira uma definição acceitavel do phenomeno juridico que comprehende «como o modo de ser (die Ordflullg) de um circulo de orgnllisavito social por meio do qual se conservam em equilibrio os individu08e os aggregados sociaes em que os mesmos individuas se reUHem » (!).

-

Ainda acredita elle que o direito nilo nos apparece sómentc como phenomeno social, mas lambem como phenomeno psychico, (I) HerlU.D.ll Pot'- Op. cn ..

PI-

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~1~5~O_ _ _ _ _~CR~Il!TN~~OLOG~~IA~E~D~m~'~;"~jU~_ _ _ _ _ _ _ sendo cada homem dotado de uma collsciencia juridica que o impulsiona para a conformação de seus actos com a lei e que tende continuamente a alargar a esphera do direito vi~nk>. O complexo harmonico de todas :15 consciencias juridicas . individuaes, constitue um reflector da intuição juridica de cada epocha c ao mesmo tempo UIU factor poderoso do desell· volvimento juridico, pois que o direito, considerado sob este poncto de vista interno, se mostra como uma exigencia da vida psychica geral de um circulo de organisação social.

Esta consciencia nlo é um outro nome da ideia illllata do justo. Ena se f6rma lentamente COIU o desenvolvimento de cada individuo c de cada grupo associativo. Desde os primeiros annos de sua existellcia que o homem se acba sob a disciplina do goVerIlll domestico, depois que attingc uma cdade mais adiantada) entra na vida social sob a disciplina das leis positivas, dus costumes e de todas as normas reguladoras da conducta humana. Assim se fórma em cada illdividuíi uma adaptação instincti\Ta ao viver em commurnj é a esta adaptação que Post dá o nome de cons· ciencia j uridica. .

Estas observações são exactas e muito instructivas para a verdadeira comprchensão do direito considerado em seu aspecto social e em seu aspecto psychico de idéa e senti· mento. Nós havemos de voltar sobre este assumpto quando falarmos ào senso moral ou juridico que é essa mesma acquisição ou adaptac;,ão) de que nos fala H. Post, mas que elle estudou de um modo captivante e original.

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CRUUNOLOOIA E DmEITO

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• • • Nas paginas deste livro o leitor ha de ter occasião de ver o surgimento das leis desde os seus primeiros especimens (1). Entretanto me parece cOll\"eniente esboçar aqui, cm traços ligeiros, uma generalisação historiea do apparceimento e evolução das primeiras regras juridicas. QUMS as primeiras leis que o costume originou ou que os legisladores promulgaram, 8S politico-sociaes ou as civis e individuaes? Parece iucontestavcl que a,q: injuncções do direito privado vieram a tona muito antes de suas congellercs politicas, porque as leis de organisação social suppõern um Estado constituido P. já mais ou menos consciente de suas fuucções; porque as relações iudi"iduaes silo as que se fazem sentir mais cedo, creando os elos que vão constituir a communidade, o c/ali, a naçitoj e porque ao menos no direito aryano, mesmo quando os povos ainda viviam em aggremiaç3es meramente familiares, já se proferiam sentenç'as cm tribullaes, já o costume se impunha imperioso. S6mente um ramo do que actualmente constitue direito publico-o criminal, é contemporalleo dessas primeiras leis priyadas, com as quaes, aliás, anda",a cm completa confusiIo. Mas é bem claro que esses direitos privados visavam mais direc tameJl~ aggrcmiações do que individuas. Por essas considerações e pelos motivos que espouctarilo II) Lembro que este &lICrlpto é II. iutrodur,üo dll 11m Ii,'ro do q,ll&1 J' pllbll'llllll .. lgllM c.. pltulOll d9ll'ac·doa na RevütQ. Amdemira d.. P....,n ldade de Vlrello cio Rllelfa •

m.. 0111 ell.ja ecllç&o IlItegral n&o cOJlt.o mail.

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CRllIlNOLOOIA. E DmEt'IQ

naturalmente na parte especial da historia juridica., acho que tinha. razão o benemeriro Goguet em dizer que os

regu~

lamentos relativos aos bens particulares, as leis penaes, as fOl'malidades do casamento e o estabelecimento de um culto publico, foram tanto quanto podemos conjecturar, os primeiros objectos de que se occuparam os legisladores » (1) A esta ass(>r.~ de Goguet devemos, entretanto, fazer uma rcstricç.ão quanto ás leis de culto publico que suppõem uma igreja constituida cm sociedade independente do Estado. O que se deve dizer ó que as imposições religiosas a.ndavam immiscuidas com toda8 as normas de cOllducta.

O chefe de familia, entre os aryas, é o sacrificador religioso c o juiz. E assim por toda parte. O direito de propriedade immoyel, que começou por ser a posse tcmporaria do s610 por parte da tribu, emquanto havia o que oxtrarur doHe ou emquanto era possivel dofen· dcl·o dos ataquos do inimigo, se foi perpetuando com a introducção da agriclllturn., até espooialisar-se para cada família e depois l)affi cada individuo. A propriedade movei se definiu mais cedo, ma.,> em contrario, era mai" sugeita a ser espoliada A partilha das terras, a que deu lagar a cultllra. do 5610, foi da maxima importallcia para a evoluç[o do direito. Macrohio julgava de valor social tão grande esse facto que a elle attribuia o nascimento do direito, da jurisprudencia:Y\"es Ooguet, lh l'origi/le Parú, 1820. '-0/. 1, P!l' 84. (t ) À

,le" loi4,

rft" arfe" tI de" 4Cie/lcu.

6 ldition,

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-

CRIMINOLOGIA E DmEil\J

15~

- - - - --- - -- - - -- - ----- - -- - -ila que ex agrorum divisione ·inventa SUII! jura. E o citado Goguct diz que, si percorrermos os aDoaes de todos os povos ciyilisados, ycremos as leis civis nascerem no mesmo tempo que a agricultura. O que é incontestavel é que essa illdus~ tria, sobre a qual ainda se apoiam as sociedades moderna.'), foi a causa originaria de muitos eventos que transformaram completamente a engrenagem dos corpos sociaes. As leis reguladoras das affeiçiJes sexuaes e das relações de famiJia devem ser consideradas tambem como fundamen· tacs, pela acção que exerceram sobre o iudi\"iduo e sobre a sooiedade. Muito cedo os poYOS se lembraram de regular essas relações, começando por submetter a ulliito do homem eom a mulher á certas ceremonias c solellluidades. Depois tratou-se de prover ao sustento e educação da prole, de determinar os graus de parentesco, de firmar os direitos e deveres dos esposos, emfim, de organisar jw-idicamcntc os laÇils que prendem entre si O!i membros de uma familia. Um outro ramo do direito que vai fincar suas rai7.cs nos tempos mais remotos ê, como já ficou dicto, o direito criminal que, como direito tutelar e sancciollador dos mai::;, apparcce com as primeiras normas, obrigatorias, quer religiosas quer profanas, cmbóra fosse puramente completamentar, então, do diI1lito civil, com o qual andava ainda ligado. Sua primeira manifestação disciplinada é o talião, pois que a vingança desordenada, tumultuosa, que tinha por unica medida a ir8.'Scibilidade do offendido, é apenas o phenomeno psychico que a sociedade amoldou c dirigiu para constituir a justiça penal. Muitos povos sl'1Yagf'lls appliram a chamada lei deLy"ch ~. O

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154 que os hebreus observavam assim como todos os povos

DO

estado do civilisação cm que eltos se achavam. Não tentarei uma prova detalhada do que acabo de affirmar. Lembrarei apenas que o taliito foi um principio ainda

seguido pelos romaDos ao tempo da lei das xn taboas, como se colligc do § 7.°, til 4.'\ das Institutas Justillianeas e como o diz claramente o celebre fragmento daquelle velho codigo: si .membrom tupil, 1li cum eo paút, lalio CJIo. E mais que os versículos 19 e 20 do Levítico, cap. XXIV,

constatam a existencia do mesmo principio entre os hebreus; «O que ferir a qualquer de seus compatriotas, assim como fez, assim se

lhe fará: quebradura. por quebradura., olho

por olho, deuro por dente. Qual fôr o mal que tiver fcito, tal será constrangido a soffrer ». Em grau superior de ci"ilisação, na Grecia de Homero,

na Germania. de Taeito, a vingança e o talião são substituidos por uma composição ou indemnisação. Em Homero lemos estas pala.vras de Ajax, que são muito gigllificativas: II: Recebe-se a composiçilo pelo assassinaw de um irmilo ou de um filho; o assassino continúa entre os seus e o offendido indemnisado se a.pasigua e renuncia a. seu resentimenw:t, A palavra empregada n'esta passagem da. grandiosa collecçito das rapsodias hellpuieas, é poillé que em Homero e Herodoto signiiica a satisfação por um delicto. Tacito encontrou o mesmo costume entre os germanos. Luilur homicidium cer/() armen/()rum ac pe(OfUm lIU1IW'O 1-aipit que satisfoclitmcm uni'llcrsa domus , diz ellc cm sua Germania. Em Gregoire

de TOUT, certo individuo atreve-se a dizer a outro: Tu me

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()RIVTNOLOOIA E DIURro

deves dar graças a Deus porque eu te matei os parentes; porquanto, por meio da composição que recebeste, o ouro e a prata abundam em tua casa» (1). O mesmo facto se observa nos tempos primitivos de Roma., como o demonstrou JheFing, e consta da lei das xrr taboas.

Este periodo das instituições penaes, que IS o periodo familiar, fo~

com o andar dos annos, substituído pela administração da justiça por parte do Estado, entrando, a principio, a religião, olas, com a sua acção concurrentemente com o Estado, depois deixando ao crime s6mente o seu caracter secular de offenBa ao direito. Perdeu a justiça o seu caracter primitivo de justiça privada, para tornar-se a manifestação coercitiva da auctoridade publica, legalmente constituida. Noperiodo primaria elIa deveu sua existencia á energia individual do offendido depois, porém, de consolidada, poude deixar de lado, por desnecessaria, essa energia., porque o Estado substituira o individuo, na comminação da pena. Mas, nos casos de necessidade e legitima defeUlt vemos resurgir a mesma situação jm'idica dos tempos originarios. Creado o direito, começou eUe a reagir sobre a sociedade, tornando-se um dos principaes factores de sua evolução moral, corrigindo, transformando, adaptando o homem ao meio social I creando O chamado senso moral É este um dos resultados mais importantes da acção das normas juridicas sobre o homem. Effectivamente a reproducção iIÚnterrupta e prolongada das mesmas ordens e das ruesmas prohibições a.ffeiçôam o caracter

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CRIlfl)i'OLOOU E DIBE11V

humano, de modo a repugnar certa..'i acções e a ser espontaneamente levado á pratica de certas outras, pois que a hereditariedade, como elemento conservador da evolução, transnütte, de geração a geração1 os habitos, os costumes, as idéa.'i adquiridas. D'ahi o alto valor educacional do direito, que só póJe ser bem aquilatado por quem percorrer o seu longuissimo curso através dos eventos que ora abrilhantam ora obscurecem a hist.oria da conquista do planeta telurico pelos descendentes d'cssa grosseira raça que talhou os silex de Thenay. O senso moral e seu congenere o senso juridico se avigora de mais em mais ti proporção que a sociedade se voo eulturando, de modo a transformar a psychologia humana; de accôrrlo com &5

condições da "lUa. social, pela creação de inclinações e im-

pulsos desinteressados ou guiados por um interesse de ordem superior. Esta adaptação psychica oriunda das continuas modificações que ao homem impõem as disciplinas juridicas, dl.l. logar a que se acredite em uma idéa innata ou, si preferirem, absoluta do direito, quando, lia realidade, não ha mais do que uma aequisição transmittida pela herança, um habito tendendo a fazer-se instincto, um sentimento que a vida social gerou e desenvolve no individuo. Tal sentimento é sufficientemente vigoroso, na actualidade, para. nos obrigar a. propendermos para o lado do que é justo, mesmo a despeito das solicitações contrarias de outras forças psychicas mais indiyidualistas. É ainda elle que se nos apresenta sob a fórma do principio de equidade, nessas occasiões em que a consciellcia de cada wm ou de todos, por estar em uma phase evolucional

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CRIVINOLOOU.. E DIBIí!I'lu

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superior a lei, protesta contra a estreiteza de seu dispositivo c procura ampliar-lhe o alcance ou se rebela com impetos de indignação si é impraticavel a dilata.çilo exigida.. Se tem longamente dissertado sobre a equidade, dando afinal a um phcnomeno psychico dos mais elementares, um torvo a.<3pecto de mysterio impenetravel. Parece-me, porém, que a questão se resolve a um modo de agir do sentimento moral ou juridico, ou da consciellcia juridica., como quer Hermann Post, que esclarocido pelas operações fundamenfaes da intelligencia (a percepção da differença e da similhança) estabelece a equa.çilo moral eutre dour~ ou mais factos, um comprehendido na lei c os outros não. Ra7.ão, pois, tinha Littré quando affirmanl. que o juizo primitivo de egualdade A= B se encontra no fundo de nosso conceito de equidade.

•••

o ·direito,

nos primeiros momentos de sua c\"oluçilo e mesmo, uma vez por outra, em periodos ulteriores, foi secundado pela acção poderosa do elemento religioso.. O las trazia os seus mysterios, as suas maldições, para cercar de maior prestigio moral os edictos do jus. É um facto incontestavel que o espirito de religiosidade foi um poderoso agente da evolução juridica Sua acção foi dupla.. Por um lado a religião, impondo-se como condiçilo vital á sociedade e ao individuo, exigiu prerogativas e garantias especiaes para seus representantes, para seu culto, •

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158 para todas as suas manifestaçres externas. Por outro lado, associando-se aos illRtitutos juridicos, insufflou-lhes uma força mais actuante, apresentando-os sob o aspecto sagrado de mandamentos diyinos. Sem esse auxilio, as llormas juridicas teriam difficilmellte prevalecido nesses tempos obscuros em que a illtelligellcia nilo descobria as vantagens das limitações que o direito impunha. á liberdade em que a iraquissima cohesão dos corpos sociacs e em que a embryonaria organisa.çllo do poder publico eram embaraços para 8 applicação exacta e cfficaz do elemento coactivo, garantidor da vida j uridica. É por isso que houve uma phase em que as determinações emanadas do di.r€:ito humano andavam confundidas com as prescripçõcs religiosas, em que as leis eram revestidas do caracter mystico dv decretos de um ser divino, inspirador dos juizes e dos legisladores. Só a um deus podemos conceder o tit ulo de primeiro creador das leis, nos diz Platão. Vishnú, o velho ~eo-jurista da Indi~ nos mostra a theoria da transmigração das almas produzindo o effeito de uma pena juridica e ao mesmo tempo de punição religiosa. c Os criminosos do mais alto grau entram, successivalllentc, nos corpos de todas as plantas. Os que peccaram mortalmente entram no corpo dos vermes e dos insectos. Os que silo culpados por offensas menores entram nos corpos dos passaros. Os criminosos do quarto grau entram nos corpos dos animaes aquaticos. Os que commetteram um crime punido com a perda de sua casta entram nos corpos dos amphibios».

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CRDfTNOLOOIA E DmEITQ

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Nito é occasilto asada para reproduzir d'estes exemplos que apenas silo aqui invocados para. comprovação de um asserto. E, si fosse mister invocar maior numero d'ellos, nada melhor encontraria do que as ordalias cm suas diversas cspecies e os ducllos juridicos. Ma.r; nito se prolongou de um modo indefinido a. acçlto auxiliar do elemento rcligim;o. Outros orgams sOC'iacs, os reis, as assembléa.'J, os tribullMs seculares, se libertam da acção sacerdotal, nito de chofre, mas pouco a pouco; o direito se desprendeu das faixas mythologicas o liturgicas, que o envolviam, deixou as religiões, os preceitos de seu rito e da moral religiosa e se integrou á parte, adq uirilldo, com a selecção occasionada pelo tempo c pelos contacws sociaes , a beBa eurythmia de sua organisação artistica e scientifica.

• • •

o

Completemos estas noções preliminares com o conceito philosorhico e a origem historica da sociedade e do Estado, pois que ó na sociedade que o direito se manifesta e é por outro lado o Estado que mantém o direito. Quizera começar firmando o conceito da sociedade, CODvencido como estou do valor do conselho que nos dá Voltaire para definirmos os termos fundarnentaes da questão cujo desenvolvimento nos occupa Mas lançar uma definição concisa, exacta e lucida é certamente uma embaraçosa difficuldade que nito raro desconcerta quando não tolhe o caminho a quem escreve sobre uma scicncia qualquor. E (cousa. llotaycl!) são

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160 justamente os factos de observação quotidiana, são as palavras que mais vezes pronunciamos, que mais custosarnellte colhemos na8 malhas de uma definição. Accresce que a divergcm:ia dos mestres derrama sobre o assumpto uma caudal de trevas e confusão. Alguns chegam

até ao extremado exagero de Gneist que apenas vê na sociedade uma reunião fundada pura c simplesmente no instincto acquisitivo (Erwerbegcsellshaft). O proprio Bluntschli, que nos

aponcta a estreitc7.a do conceito de Gnciat, não foi mais feliz do que clle «A sociedade nada mais é que uma ligação insta;,el de pessôas privadas nos limites do Estado ~, diz o grande jurista ( I ). Não, a sociedn.dc é alguma cousa. de mais constante, direi mesmo de mais essencial á vida humana, do que o

suppulIhá o sabia professor de Heidelberg. Repetir com os philosophos hellenos que o homem é o ser sociave! (ZOOIl po/itikoll), si não é a!'õsignalar-Ihe a differença. especifica porque !)c conhecem outros animaes vivendo em sociedade, é, pelo menos, indicar uma das condições da. vida. humana. Encontram-se homens c até povos atheus, ( 2) ha mesmo rcligiÕt's scm deusc!), ningucm concebe, porém, o homem fóra da sociedade. A sciencia já fez justiça á t-heoria do estado natural ou extra-social. Não temos hoje que nos preoccupar' com a excavação desses fosseis da historia mental do homem. Assim como só podemos comprehf'ndcr os corpos com (I) B1l1nheh li, Theo ri~ geJll'rale df I'''fat , trad. de 1"1 UemlDd par .l.rmaad RlMlllltteD, PULt, 1881 . pg. !U.

12\ "ilUdo li deftnl\"f.O do homem: i"", 1111;"'11/ religioso,

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CJIDfTNOLOGIA E nmEl1v

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suas propriedade~ considerando·os no espaço como seu meio }lroprio, do mesmo moJo só pod.emoR conceber o homem, com sua nature7....'\ moral c intcllectunl, estudando·o na socil!d.ade. O pararello é perfeito. Todo corpo occupa., no espaço illimi· tado, uma extensão limitada; mas suppondo que qualquer delles se desloca. succcssi\'amente cm todas as direcções, irá occupaudo, uma ap6s outra.,;, di,ersas posições, sem que em uma só não esteja o espaço envoh·endo.o, mesmo porque o espaço é justamente o conjuncto de todas as direcç&s o amplexo gcneralisador de todas as dimensoos. Si,em consequencia, porum processo logico, eliminarmos o espaço ondc todos os corpos estão situados, teremos, do mesmo golpe, eliminado os mesmos corpos, porque a extensito dellcs é que fôrma a extenii'lo geral de cspaço illimitado, que nilo passa de uma abstração compre· hensi,a de todas as relações de coexistellcia. Assim o homem relativamente IÍ. sociedade. De todos os lados clla o em'oh'c e subjuga, forllecendo·Jhe suas idéias, sua..<J crenças, seus sentimentos, suas aspirações ieus usos, sua lillgun.gc!n, sua scicucia, sua phiIosophia, o pilo que o alimcnta e o panno que o vestR. Si estudarmos no homem o que tiyer de mais intimo, abstrahindo do meio em que cllc yi\'c, da educação que recebeu e de outms con· diç.ões que actuam sobre eUe na sociedade, a'isim como no ambiente physico, nada. a.ffirmaremos dc verdadeiro; nada comprehenderemos do <[uo neIIe 'lIlcontrél;rmos. Sem:adoptal-a cm todo seu rigor, n~jo muita verdade na doutrina. que ex· punha a tempos, Quetelet: « O homem possue incontestavelmente uma illdividunlidadr, pol'ém, é cmillentenentc sociavel C. D.

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CRJVINOLOOU E

nmm:o

e sua. individualidade acha-se ligada á um grande corpo que tem sua "ida e vontade proprias. Esta vontade pesa.

sobre cHe com força tanto maior quanto são menos appreciaveis seus effeitos; clla o C-Cl'ca de exigcncias tyl'allieas, suas mcnores acções, seus passeios, seus discursos, seus prazeres, do mesmo módo que o momento de suas llupcias, a escolha de sua COllsOlte, silo reguladas não cxclusi~' a­ mente por sua vontade, porém pela do povo á que pertence ~. A sociedade é, para o homem, mais do que uma necessidade, é uma condição de vida e descu\"oh·imellto. Os

selvagens que vagueiam pelas floresta.<J ria Africa ou da Au.c;tralia, aos pares ou aos pequenos bandos, arrastam uma vida miscra"c1 e improgrcssim, uma vida tilo grosseira c tão bestial, que mal podemos considerai-os Os ul•

hmos representantes da familia humana. E sómcnte depois que os homens se ~O']'llpam em familia.~, a.~ familias em tribus (' as tribu ~ em 118\,ooS, que surge e se desdobra essi.~ prodigiosn fOl"a impulsora da ci,·ilisrv;.ão - u di"isito dos officios, centuplicando os esforços de cada um, dando incremento ti. industria, refulgencia :í..~ artes, transformando os agrupamentos humanos. Os prineipios superiores da moral, as regrn~ do direito, as bellezas das produCÇÕüs artisticas e a constatação da~ leis sr.ientificas nilo sM, por certo, creaçOOs simplesmente .de alguns homens intelligenWs, são creaçôes · para as quacs a sociedade contribue mais mesmo do que os cspiritos privilegiados que a humanidade vonera como seus luminares. O homem perseguido de todos os lados e Hob todas as

I •

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CRIllINOLOOIA E DIREITO

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fôrmas pela. natureza, pela acção depressi\'a do mundo physico que inevita\'clmente o 8,nniquilaria, encontrou Da. SQ.o ciedade um modo de resistencia a essa. oppressão, uma forte muralha contra esses ataques. Mas a sociedade, transformand<Hl de animal em homem, absorveu-o de um modo com· plero, quasi absoluto, estabelecendo a dependencia. mutua mw.usavel e fatal. E neste concurso de prestações de serviços reciprocos nllo são os pobres, os pequenos, os humildes, os iunominados, que menos dão. Elles são a grande massa imponcnte pelo numero c pelos sacrificios ignorados. Alóm disso, como lembra Jhering, c: o berço do maior homem arma-se ás \'ezes na choupana mais humilde, e a mulher quc o deu á luz, amamentou e educou, fez a humanidadc um sflrvi\O mais uti! do que tal rei elu seu throno» (I) Christo nasceu n 'um esta bulo, Bpieteto, Horacio e Terellcio foram ('serayos; Malfilatrc, Chattertoll, Camões c muitos outros contorceram-se na... convulsões cruciantes da fome e da miseria.

Esta mutualidade de serviços, esta depelldoncia reciproca vao crralldo todos os dias fillCulos novos, que mais prendem, que mais jungem os homens entre si. Basta notar-se que a cspccia.lisação das funcções cresce com a eivilisação, para que se torne c\'idente a verdade do que acaba de ser affirmado. Um tupinambá não tinha mais que vergar um galho de ipé, atar-lhe as pontas em al'CO por meio de uma (I) Rlldol! fon .Therlng. Der Zwek 1m

Hoo~'.

LeI""lg. ISU. enter S'nd. 8., 78.


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CBIVINOLOOU B DmEI'i(J

embira e apparelhar as flexas que a natureza lhe offe!Ceia prodigamente) toda VC7. que lhe surgisse o descjo de possuir um novo instrumento bellico ou um instrumento ycnatorio. Todas ossas operações, aliás simplissimas, ene as podia fazer independentemente de qualquer auxilio. Paro obtermos, porém, um callhilo Armstrong, uma clavill8 ou um rewolvcr, uma longa selie do operações difficeis se faz mister, desde o trabalho inicial da mineraçAo até a exposição lias vitrines dos armeiros, as quaes solicitam muitas c diversas aptidõcs telcologicarnenro combinadas. Si, pois, é essa mutuação je serviços que torna possível a vida. humana, com seu.'; dcseu\'"olYimclIoos economicos, intellcctuaes e cthicos, é clu.ro que uma certa prcoccupação mental não permittiu a Blulll<;ehli cnchcrgar a face intima da sociedade. É essa. mesma preoccupa.çilo quo lho faz chamar jónllas do Estado as fórmns do goYerno. Em seu bello estudo sobre o Estado, tudo lhe appal\.."'Ce debaixo da feição desse Leviatan. A sociedade deve ser comprehendida como n orgalllsação da vida em commum, lia 'lual os homeJls se IraJlsjOnllalll, uns para com os outros, cm instrumentos c meios com que cada qual procura alcançar seus fins. Mas a sociedade nM é um todo compacto e uniforme como nilo é uma collecção desaggrcgada. Depois dos estudos de St.ein, Moh~ Gneist e Ferraris se reconheceu que em cada sociedade se aggremiam diversos grupos ou classes ligadas por interesses communs e dentro de cuja esphera.

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165 luctam os · individuos mais fortes pela uniito. «Todos os

que têm interesses idcllticos se rennem, diz Ferraris, todos os que têm interesses oppostos se separam, c assim C0115· titucm-se as c/asses sociaes, hoje nua mais rcconhccida.<; lo· galrncntc, lIlas ,·ims c yjgorosas na realidade (l que mantem com seu antagonismo, a agitação lU\. vida do po,'o c geram aqucllc complexo de problemas que se denomina a questão sociai (I). Y)

Debaixo deste poneto de "ista o mesmo auetor define a sociedade como « a orgallisaç.ão dos individuas de um dado povo cm classes fundadas sobro os interesses ccollomicos, physicM c intcUectuaes », Ainda mais clara é a indicação dada pelo DJ'. José Hygino: « o conjullcto dos grupos sociaes existentes no tclTitorio do Estado é o que modernamente se chama sociedade », aUinna e1le e).

Ent.retanto, apezar de a sociedade observada de perto se nos apresentar como um COlljUllcto de aggregados diversos, llilo é menos certo que uma força., um interesse mais ellergico e mais amplo, unifica esses grupos collidentcs, dando-lhe uma fórma de organisação analoga á orgalllsação dos individuas. É o Estado que vem dar este 110\'0 aspecto á sociedade. Olhada por dentro} ella úffcrece o espectaculo de uma infinidade de Ilucleolos se agitando em sua esphera propria e em toruo ou sob a dil'eCÇilo de um centro commum. É um kosmos ou seri.Í um simples systema pIauetario} com seus mo\'imentos descllCario Fern.ru. Saggl di economia, .~tbtiea e eeloQu deli .mmIIlLdrulollll. Torlno-&om., 1880, pg. lõ. (2) Prel't,õ., tk Direito Admini.drali~·Q, RN ire. 1889. pc. II. NO moamo 11;1111140 é felu. a defilll\'iO de 1II0bl citada por lIollln40r1. (t)

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ClRDUNOLOOIA E DmEn'O

contrados, porém harmonicos. Olhado por fóm, esse ,kosmos se aóna como se o afastassemos a longa distancia, c nós vemos então na sociedade uma consequcncia da. Iueta universal pela existencia ou, mais claramente, como o meio que o honlcul encontrou para escapar á inexorabilidade da lei darwiniall8.

No primeiro aspecto, a sociedade accommoda.-se aos interesses •

indiyiduaes agrupados cm classes. B tema s)llUrgia le/c%ffi(a de for{as anlagollicas. No segundo aspecto, os illdividuo.J e as c/asses, cm que d/es .fe distribuem, subordinam-se (J()S lins da sociedade. E a abso1'jlrão do iJldivicl1W lia cOlllJ/ltwhão. Esta distincção não é arbitraria em seus fundam entos nem esteril cm conscquencias proveitosas. O homem, nlIo ha negal-o, possue unudndi\"idualiuadc pro-

pl'inj age aguilhoadu parauas lleccssidadcs,por seus instinctos, por seu egoismo e tambem por seu altl'uismo. A sociedade, reunindo os homens, aproveita directamente aos fins individuaes, porque organisa um systema de !>Crviços rcciprocos por meio do qual cadl\ um adquire o que lhe seria impossivel obter por suas forças isoladas. Mas cada povo constituido em nação tem uma vida propria em que o elemento estatico da. orgallisaçlIo se combina com o elemento dynamico da desellvolução, partindo do interior para o exterior. Este ser de uma categoria superior, a mais elevada manifestação da evolução dos organismos cm nosso planeta, eru Iucta com a natureza que o envolve e com os outros seres similhantes, tende a imprimir, sobre os indi . .·iduos que o formam, a direcç.lIo mais conveniente para que eIle não succumba. Não ha na sociedade uma consciencia nitida

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CRIMINOLOGIA E DmE:ltV

de seus fins, mas ha uma decidida aptidão para reconhecer e afastar os elementos que lhe são nocivos. EUa poderá va.cillar muitas ye7.es, mas si dispuzer de uma vitalidade potente, ha de afinal conseguir avançar cm seu caminho por maiores que sejam os estorvos oppostos interna ou externamente.

É um poncto que UM deve ser descurado este cm que insisto agúra. O homem n1to é só individuo, mas tambem a í:lociedade não é um todo compacto c homogelleo. Morphologicamente é um organismo, devemos acreditaI-o, seIU OOlUtudo nos deixarmos illudir pela força do termo. O organismo social, si off(\l\'CC analogia, nito é identico aos organismos oommuns. O proprio Spencer o reconheceu, e nistu foi mais prudílnte do que Lilicnfeld. Physiologicamente a sociedade éuma pluralidade de vidas. ,

E preciso ter sempre cru vista este facto para que nilo sf"ja sacrificado o individuo .1 sociedade, com'} é tendencia do socialismo puro, do neo-socialismo ou collecti\'ismo de Marx, de S'::hro[lfl, de Geurge e de outros, nem tão I)OUOO devem ser desconhecidos os interesses sociaes que UM pódem se resumir nos intuitos indiyiduacs. ,

E elite o conceito da sociedade, creio, e não aquelle que DOS offerece um escriptor moderno, G. Tarde, que em tudo yê sómente o estimulo das leis da imitação. Segundo clle, a sociedade "é uma collccçito de seres em quanto se acham em acto de imitação reciproca, ou emquallto, sem se imitarem

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CRIMINOLOOIA E nmElTO •

actualmente, se a..<;similham, c cm seus traços communs Sw) cópias antigas de um mesmo modelo » (I). Vivendo a sociedade sob fi cgidc do E:itadO, cumpre firmar este conceito, }lara que nilo se confundam phcllomeno.... perfeitamente distinctos. O Estado é uma instituição social que t~m por rim manter a harmonia. entre os iudi\' iduos c entre as classes que com])Ôem uma unidade social fixada n'um paiz c firmal' o cquilibrio entre esta unidade c suas cougencrcs. Si nlIo é ncceit.wcl o cOllc('ito pessimista de Gumplowiez, pam quem o Estado é simplesnH'IlOO <-:0 coujuncto das instituições destinadas a assegurar o pOOCl' de uma minoria. sobre

uma maioria ~, n\1o nos parece prcfcriYí'1 a theoria dos qu(', identificando o Estado com a nação, \'ôem ncHe um organismo • supenor. Ainda de!:ita YC7. a yerdadc estA com Jhel'illg quando nOi diz : « o Estado é fi sociedade que s~ coage, para pod~l' eoagir é que ella se organi:');\ cm Estado, que é a fórmu pela qual o poder coactiyo social se exercita de um modo certo e regular, cm uma pah\\'ra, é a orgallisaç.ão das força)! coacti,-as sociaes .. ,-die 0r..t?,anúa!iou dcs soâa/m Zwauges (!)« O observador attcllto, dizia cu cm outro logar, não tercl difficuhlade cm reconhecer que o Estado se constitue pela

armação do mcchauismo <,xterno do poder publico e pelo dcli11) Tude. L'.f 10i~ às /'â,nitafio'l, [':uh . 1888. pg. i 5. (! I Jher[ng. df.. pg. 80~. Rm outro [ligar ( E,p,.it dn droit romai". !. Pi. 10'. 8 - e·l.J Dil o mesmo alICIor; <o El\adO ~ a[gRm:l. OOIU. dlveua e IDa[, elev..... qo e a ~"lIIma dos in,lifldool; eUe tem OU1TM ftns e olltro\ melol que nlo eU!!I. Seu ftm anlei de tndo. é realiur o direito ~ a Jlllliifa It~ nu mlnlmu e~pheraa.. •

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CRnIINOLOQIA E nmEl'íO

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ncamellto dos principios que têm de regular a acção e dererminar a amplitude do m('fjmo. R'ites principias slo o direito. « O poder llUblico vire c se excrce pelo direito e para. o direito, que, por sua ve", llão pódc prescindir delle que é

um de seus C'lcrncl1tos constituiti\"ofl. «O poder publico é a forya collectim da sociedade} tendo por attribuição fixar e applicar o direito suggerido pelas necessidades sociacs, imposto pelo conflicto dos illtP.rcSseS. Nenhum outro poder, na socicdadr, se lhe avantaja ou mesmo o ('gusla porque é eIle a suprema polcstas, a expressão,

o orgam da soberania

nacional~.

Mas, desde que sahe f61'& das regulamentações do direito,

perde sua qualidade de energia reguladora, para. tornar-se um principio dissolvente. O poder devo proteger o direito, mas

o direito limita o poder. A evolução do Estado acompanhou, dirigiu e protegeu a evolução da sociedade, mas seria eITO grosseiro concluir desse facto a completa assimilação de pbenornenos tão facH. mente descriminaveis. A sociedade precedeu aos primeiros rudimentos do Estado, é uma resultante da acção combinada de certos instinctos natames, crnquallto que o Estado é urna creação social e tem por fim garantir a ordem c o equilibrio das energias sociacs. O desen~ohimcllto do collllllercio, uma das luais collside· raveis manifestações da "ida social, se effectua sem a inter. ferencia do Estado, a não ser nas occasiôes em que é necessario restabelecer a harmonia dos intef('sses co11idelltes, que se • procuram eliminar tnmultuaril\menU>. E "erdade, e isto de\'"c C. D.

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(JRIMINOLOOIA E DmBl'lO

ser tido sempre em vista., que o Estado contribue muit-o com suas prescripçõt's juridicas c a sua penalidade para manter-se o equilíbrio desejado, sem que lhe seja necessario intervir

directa e positivamente cm todas as occasiôcs, mas é certo egualmente que a sociedade dispõe, por si, de meios proprios para realisar seus desiduata, como seja, entre outros, a con• correnCla. Si nas relações commerciaes, que jogam com a propriedade, que acoondem, portanto, as paixõcs mais indomavei."J, porque

mais radicadas e mais fundu.mclltacs,- a.s que nascem da

Ineta pelo pão, si, nessa. esphera, é possível o desenvolvimento sem & coacção do Estado, muito mais facB sel-o-á, por certo, em outra:l relações da vjda social, no domínio mais sereno das

sciencias e das artes libcraes, por exemplo, onde, á par das necessidades materiaes da vida, yicejam os impulsos nobres do

renome, c, llito raro, os impetos do mais depurado altruismo, como nas dedicações pela familia, pela patrin, ímpetos que, aliás, nilo faltam em outras classes ou grupos socia.es. Das quatro alavancas encontradas por Jhering na mecha· nica socíal- o de\"er, o amor, a coacção e a remuneração, sómente a terceira é propriamentM da compctencia especial do Thtado. Todas as outra.'l se movem cm circulo diverso. Olm isto ainda nito exgottamos o descrimea existente entre o Estado e a sociedade. Embóra os membros do F~tado sejam os mcsmos individuos que compõem a sociedade em um paiz dado, é facil reconhecer que o aspecto puralllente social de cada um não se confunde com os titulos que o fazem orgam do :&<itado. O Estado fórma essa engrenagem extensa e com·

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I 171 plicada de. mechanismo do poder publico e dos orgams externos ~o

direito que se expraia e ramifica por todo o corpo nacional, desde o seu chefe até as ultimas auctoridades, como um vasto syst.ema de nervos afferentcs e efferent.es. O presidente da republica ou o monarcha, os senadores, os deputados, as hierarchias administrativa e judiciaria, !lo policia o exercito e tudo o que exerce uma parcella da. auctoridade publica e serve para garantir c restabelecer o direito-eis os orgams do Estado, eis o Estado objectivamente considerado (1). A sociedade, porem, é composta de classes ou grupos que

se fórmam dentro de cada pa.i?, pela .identidade dos interesses e pela necessidade da defeza, e de cujo conflicto surge o progresso geral e cujo numero varia com os tempos e com os povos. Além d'isso as grandes wudades sociaes complexas, as Dações, tendem á se agrupar, Cl'eando fóra dos limites do Estado um tecido de interesses, sentimentos e opiniões commUDS que lhes dá uma certa cohesão, uma certa af6nidade de facilapre· dação. Nós pertencemos ao grupo occidental que marcha á fronte da civilisação e que, apezar dos antagonismos ethnicos c mesologicos, é dirigido por certo numero de idéas e senti· mentos communs e apresenta pronunciadamente as mesmas tendencias gemes. O grupo mongolico já se ca.ratterisa por instituições, idéas e aspira.çõe!! diffcrentes, a despeito do contacto, .oje frequente, entre os grandes e os pequenos po\'OS disseminados pela superficie da terra. (I ) Cario FmvII, 0,. cit., PI. 12.

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E clara, como se yê, a differcllça entre Estado e sociedade. Tambcm é possivcl distinguir sociedade de povo e nação, si bem que ás vezes possamos tomar estes tl'CS vocabulos como synonimos. Si attendesscmos sómclltc á etymologia diriamos que lIaçiúJ (de nasci) refere-se mais ao vinculo hcroli· tario, l\ raça, c que povo, fopulus (de polis, rcs publica) indica apenas a existencia publica da coUootividade (1). Bluntschli e Littré nos dariam razão. O uso, porém,

COIl-

fundiu e transformou a significação originaria das palavras o, entre nós, se pMe affinnar que nação suppiJe um laço politico; é o povo organizado em Estado; c fovo,lembra o laço , hereditario. E a collstituiçilo do Estado que transfonna. o povo em nação; mas a sociedade é alguma cousa. differente,

como já ficou exposto. Um rapido olhar sobre as origens da coexistencia. humana nos mostrará, desde os primeiros momentos da evalu-;ão social, o Estado efiectuando a cohesito intima e a defeza da sociedade, mesmo quando delle nito existiam sinito os primeiros e ainda vacillsutes fundamentos. De'\"emos acreditar que o homem herdou de seus asccndentes irracionaes a aptidão para socialisar-sc, quero dizer, a tendencia para viver cru commum. Mas esta tendencia. s6 se revela poderosa c exigente, porque encontra duas forças victoriosas que se dirigem para o mesmo al\'o; ( I' MOmm1le1l II outrol 11'&111 JHlPUIu.ra poplliare (deyular) porqu 8D&eIl4_ que 11111 Roma o povo era o e!emito. era. II mlllllll dos guerreiros. que III,",vam dln&e de .1 a dnula(t.o , o Cl&ermlnlo, o IneoQdlo (JIOP'I). Nlo altera II forÇ& do al'Jlllllllnto esl.a olltra etymolOtfla.

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CH(VINOLOOIA E DmRrl'O

o mstineto sexual que faz brotar as faculdades famíliacs l e o instincto de conservação que produz aggremiaç3es para o saque e para a defezn. Assim collRtituem-se as famílias l que., se agrupando, transforma.m-se em horda,,> e tribus. As tribuR aggregáram-se e oonstituiram as nações, que, fortes pela uniílOI a.bsorveram os aggregados sociaes menores 011 fliminaram-nos em pouco tempo no conmcto vital. De dois factos dependeu a vida e o desenvolvimento dessas associações humanas: da divislW do trabalho e da constituição da auetoridade. Spencer opina que essa auetoridade se engendra pela necessidade da defeza. «Por toda partel escreve cUe., alo as guerras entre as sociedadesl que eroo.m 08 apparelhos de gO'ferno e que são as causas de todo aperfeiçoamento desteo apparelhos, que augmentam a efficacia da acçãQ collectiva. contra as sociedades visinhas ~ ( 1 ). Transitoria a principio, tornou-se depoisl com a pereisteneia das gue~ estavel essa auetoridade e 08 chefes militares se fazem reis encaminhando 08 povos para a formação das grand~s nacionalidades prepollderantas. Esta acção unificadora das auctoridades militares foi grandemente secundada pelas theocracias iniCiaeBI sendo que a eUa. devemos, em grande parte, a uuificaçilo do Egypto, de Israel e de tantos outros povos. Devemos tambem observar! e nisso me parece consistir a falha da doutrina de Spencer! que não são sómente as urgentes (I ) II. Spa_,

PrillCipe~

de &ew.logi., lrad. par CUelln e OenclItl,

t .· Id.,

ParlII, J884. vol. I, pc, 111.

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(lRIVIVOLOQU B DJJtRlN

neces:ritlades da defem que determinam a constituição dos governos, do poder publico; as necessidades internaa se norteiam para o mesmo . fim, nlJo podendo ser regularmente satisfeitas sem a regulamentação das forças coactivas da

sociedade na. engrenagem do Estado. A guerra é a. lueta pela existencia, que travam os povos, e, como tal, é, por certo, um factor poderosissimo de selecção; mas dentro do aggregado social se agitam outras pugnas que propendem para o mesmo alvo. c: Onde a missão das guelT8B torna-se insubstitutivel é na formaçlo das nacionalidades, pois que ellas 810 a CODsequencia natural do iDStincto de expansi10 da sociedade. Mas

a formaçiu do poder social não se confunde com a forma.ção das nacionalidades. Desde 08 seus inicios que a sociedade teve de erigir-se em poder sobre seus membros para decidir, em

tempos de paz, as questões e as luctas suscitaO.as entre elIes, e o patria.rchado parece que é a fórma definida mais antiga poder. ( I).

d....

A influencia das chamadas theocracias inicia.es sobre 8. constituição dos grandes Estados antigos nilo póde ser doslembrada sem grave injustiça. ..\.preciemol-a. rapidamente em sua acção combinada com a de outros elementos.

Os primeiros especu1a.dorea sobre os phenomenos da na-

tureza, d'CiBa natureza primitiva que se impunha pela immensidade e pelo mysterio, foram tam bem os primeiros caltores da religilo. Sua prudencia., seus conselhos acertados, (I) &I'doinu., PI. lU.

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ÇRJ'VINOLOOlA. E DIBJüiU

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sua edade, seus conhecimentos, suas prophecias, satisfazendo as necessidades mentaes do tempo, ciroumdavam-nos de uma offuscante aureola de superioridade, e sua ascendencia sobre os espiritos foi, pouco a pouco, condensando-se sob a fórma de auctoridade effectiva, que se avantajou á do guerreiro, sem comtudo eliminai-a. .A familia primitiva teve seu sacerdote no ancilo que lhe era tronco, mas sua auctoridade era muito circumseripta. O sacerdote de quo se fala. &gÓra. tem um campo de acçlo mais vasto. O guerreiro continuou a. exercer suas funeçôes de conductor das populações para a defeza. ou para a pilhagem, mas a religião apertou, n'um laço mais estreito, mais forte e mais estavel, as tribus unidas sob a auctoridade do chefe militar e muitas vezes conseguiu a.ggremiar os ramos dispersos da mesma raça, que nlo haviam conseguido manter-se vinculados por outro modo ( '). Já por esse tempo os povos haviam abandonado as correrias do nomadismo e fixavam-se, adherindo ao sóIo como as plantas e as rochas. Este facto que fOra a condiçiio preliminar indispensavel para. a constituiçiio da na.çlo resultou principalmente, segundo as pesquizas mais severamente mantidas, do estabelecimento da. escravidilo. «Entre todas as causas que troux:emm a mudança da. vida nómade para a sedcntaria, diz Taylor, nilo sei uma que haja actuado com força maior do que a lei social pela qual o prisioneiro de ( I ) De Call1a.f e_Ina aeeio rellglou a" la co..\hlllçlo da '.muta, da geltll, 4a nrla I da trlbll. NAo é f.lso 11.1 a rellgllo "aba ea\rado ah1 com o lO. elemeakl. Par.ee, parim, elapnl do erv.dl\o lllerlpklr dar·lhe a prepollderaRIa I q...1 etGluln ~

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CJlDUN6LOOIA E nmE! 10

guerra transformou-se em escravo do vencedor. Eis, pois,

uma das grandes (·.adeias causaes da historia da raça humana : a guerra traz a escravidito, favorece a agricultura () por sua VC7" esta acarreta e determina a paz:t. A pRZ!? O illustre escriptor parece que via antes o que aspiravam seus nobres intuit\.tS de homem civilisado do que a verdadeira expressão dos factos. A paz vac sempre fugindo

diante de nós, ainda barbaros de mais para erigil-a em principio supremo de nossas relações internaciona.es, como fugiu diante de nossos ante-passMos. Embóra confinados

em um territorio, nem por isso os homens deixttram longamente em rerouso 08 seus visinhos. Póde-se até dizer que a instituição da escravidão, embóra consolidando a estabilidade

dos povos, foi um novo moveI de guerra) pois que a necessidade de ter escravos, para o amanho das terras e para a.~ grandes CODStruCçlJeS publicas, arrojou-o sobre seus mais conchegados ou mais fracos visinhos, com a mesma impetuosidade com que outr'ora se arrojavam sobre as hordas estacionadaS nas cercanias, e que desIructavam as delicias de um terreno fertil em raizes fcculenwou cm caça.

Entretanto, é bem certo que a escravatura foi um elemento de transfonnação progressiva na vida social do homem. A dominaçilo dos sacerdotes nilo se manteve sem protesto e desde estes tempos longinquos vemos, com sorte vária, acinu-se a lncta pela dominação mtre o poder tempoml e o espiritual. Os guerreiros não se contcntárulll com sua posição subalterna. Um dia colloca-se ti. frente das milicias um habil

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CRDUNOLOGIA E vmEllv

politico que chama fi. si as rt'galias do sacerdocio. Surge então fi. reale7.a do direito divino, que inicia o periodo das grandes COUqUbitaS. A proporç-ão que estas augmentam, o rei sente que seu prestigio se a\'ulta e sua ambi~o não se sacia com a sujeição dos povos limitrophes, impelle-o a expedições a'f'enturosas, em regiõcs longinquas. Da.~ prolongadas ausencia.<J á que o coagem as guerras de conquista, nasce a necessidade de delegar, a outras entidades, uma palie de sua auctoridadc temporal e de resignar em outras mãos o poder espiritual. Mas, nesse momento da historia, fi. auctoridade do sacerdote já passou para o segundo plano d'onde nilomais conseguirá se realçar si nilo ephemerarnentc cm certas epochas de crise c abalo dos fundamentos dR organisação social. Sob o domínio d'esses reis antigos, que são bellamente representados pelos pharahós, por Dayid, Salomito, as conquistas se dilatam, as actividades diversas mais impetuosamente se exercem, a sciencia perde seu!:! ares mysteriosos, a litteratura e as artes se (>xpandem, porque os elementos da vida nacional se acham consolidados e procuram florir. Quem tivCJ acompanhado esta exposição da marcha evolutiva da coexistencia humana que ficou esbocada, r~­ conhecerá que as fórrnas apresentadas succissivamente pela sociedade são as mesma..;; que o illustre profes!'ior de Turim, G. Carie, encontrou, seguindo, si não um methodo di'\"erso, ao mellOS um caminho que se não confunde com aquelle que foi percorrido por mim n'este fim de capitulo. ...\. familia, a tribn e a nação foram a.<; modalidades a..;;sOC'iativas que dciôln

C.D.

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CRrnINOJ.OGlA E DntEI'l'O

t..'\quC'i; O patrial'chado, O llluuicipio c a nnção constituem as fÓl'mas da cOllvin'ucia civil c politica~ segundo Carle. «A casa do patriarcha que, com o municipio, transformara-se na or/!ita saoa de seus muros, com a nação transformou-:·m em um

pai:,

sobre o qual clla reina independente e soberana c ao qual parece que a natureza traçou certos limites llaturaes. O "inculo da familia ou da communa que com o municipio tnmsformára-se em Cidadania, torna-se nacionalidade com a nação c emfim aquclle poder quasi paterno do patria.rcha, rlue já t.ran!;formára~se na publica a-t«:lorislas do municipio, ycm, com o tempo, a constituir-se a soberania Ilac;onal» (1). E assim constituido definitivamente o mechanismo go-

YCrlIumental c juridico do R.. tado, os POYOS tendem a abandonar como imprC'stayeis certos orgams do poder publica, que lhes prcstáram rcaes sen'iços cm erochas mais difficeis. Nestas condições se colloearam os reis que se tornaram orgams sem fUlwção; nestas condiçõcs se collocaram outros orgams ainda Yigentes, ma.<.; que vlto perdendo o prestigio e a benefiea acção de que já gozaram outr'ora. Tambem no direito e na cyolução social se encontram dC'sscs orgams que se atrophiam , por auscncia de funcção. E um tresyario que só o fanatismo justifica pretender prolongar-lhes a vida indefinidamente, como si niIo dependesse ella unica c exclusivamente das necessidades que os evocaram e que dcsapparecendo os abysmarlto de novo J10 sombrio cahos do nada de onde os hariam guindado. i I 1 OlllSl'ppe Carl@. G~Msi6 ~ Itt"J;it"J'pn d1:l«! politi(lI, Torlno. lSi8. pp. IIZ I' 88.

t'lIri~

{<Jrm ! de C<JIlI'il'MIII nti/t ~

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. _______________~CR~00N~~OLOG~~lJl~.~D~Ill~E~no~__________~1~7~9~

• • • Para concluir esta vista J'olhos sobre a evolução juri~ dica, nlo será illutil quo procure indicar ligeiramente, como os diversos ramos que hoje distinguimo3 no dir",ito se foram destacando do aggrcgado compacto c cahotico · das IlOl'D1:lS eritos primitivos, para constituírem agrupações claras c bem ligadas de injuncçõcs especiaes garantidas pela coação do potler

publico. Este af>sumpto fórmou materia para um dos capitulos mais interessantes dos FUl1dammtos do direito de HCl'mann Post. E não ó preciso procurar melhor guia.

Actualmente, na vida jurídica dos po\'OS cultos, distinguimos diversos dominios particulares do direito, nomeadamente, um direito coustituciollal, um direito administrat.iyo, um direito criminal, um direito civil e um commcrcial. Este polymorphysmo é o resultado de uma evolução, muitas yozes secular.

I

Como demonstrou o auetor a que me referia a poueo «os tCffi pos primitivos só conheceram dois dominios j uridicos} que, ainda assim} aprescntaní.m-se com os caracteres do costume} e eram: um regulamento para a vida interna da collectividade familiar e um regulamento para o commercio da collectividade com outra. O primeiro é o germen do direito civil, uma parte do direito criminal, do processo civil, do processo criminal, uma parte do direito const.itucional, do

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CRIVI'NOLOOI4 E Dm..,liU

administrativo e do ecclesiastico. O segundo é o gennen do direito internacional e uma parte do direito constitucional e administrativo criminal .. ( 1).

O direito commercial como dominio distincto é umacreação recente e o mesmo se pôde dizer do direito administrath'o, cujo dominio DitO se pôde desligar do constitucional. Mesmo o direito criminal se integrou muito ma.is cedo, vin,'u longamente confundido com o ci\'il e o publico. Ainda

hoje no direito chinez é desconhecida a distincç1to entre direito ci\'il e direito criminal, segundo o nosso ponctode vistaoccidental· O direito internacional surgin com as relações commcr· ciaes, andou por muito tempo identificado com a.s normas de outros ramOij jurídicos e até envolto nas obscuridades dos ritos religiosos e de outras normas sociaes como a pura civilidade. Ainda hoje se mantém n'urna posição dubia, vacilando entre a utilidade e a equidade, á procura. de uma positivação que lhe escapa. O processo foi, a principio, a mesma cousa que o direito que punha em effectividade. Pouco a pouco é que as doas noções se foram destacando para que nós vissemos, como hoje, de um lado, a n011ua reguladora da conducta e do outro os meios de forçaI-a á adaptação, si por ventura esta nito se effectuou espontaneamente. Esta transformação evolutiva do hOlllogeneo para o heterogeneo que se observa D8.I!i formações associativas, nos ( I ) RermaDO Poal ~ Onmdklg~lu du R~eAU, PI. a5 . Feita a II_...-t., aN' traeçio da tlleon.. do au.dor .abre a orlrem do dlrel\O, a que J' me referi. al' _te tnocbo eOlltida &.ma J.... ta oblervaçlo.

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carvrNOLOGM E DIRgl"lU

agrupamentos tIo direito objectivo, opera-se egualmente nas fonna.çõcs do direito subjectivo. Nos primeiros momentos da "ida social encontramos, embóra ainda não perfeitamente garantido!?, embóra sujeitos ás mil dcissitude8 da falta do policiamento e dos caprichos dOi chefes, porém, comtudo, inconscientemente reconhecido, o direito de consen"ação da ,"ida e, até certo poncto, o da liberdade. -É verdade que esses direitos eram, então, muito precarios, pois que a. sociedade não dava a vida humana o valor que hoje lhe damos j é verdade que .em começo o menino, a mulher e os velhos nilo go7.&vam desse direito mesmo limitado e manco, mas as tribus tinham necessidade de homens para a defeza de sua propria existencia e do territorio onde pousavam. Com o sedentarismo e a agricultura, a inviolabilidade da vida foi-se reforçando e se estendendo a todos os habitantes da tribu, • qualquer que fosse o seu sexo e a sua edade. D'este nucleo se foram destacando irradiações diversas, á proporção que as condições de vida se foram modificando e melhorando. Surgem o direito de acquisição e uso dos moveis e, depois, dos immoveis, o direito de invocar a protectão da collectividade, mais tarde, com o derrocamento do feudalismo e do absolutismo, o direito de igualdade, e, emfirn, todos esses direitos que constituem a personalidade humana tal como a reconhecem os povos occidenf.aes. Fernando Puglia (1) ensaiando traçar a evolução desses direitos, não me parece ter visto com justeza quaes os que primeiro

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CRJ'VJ'NOLOGU. E DmE!i1l

se destacáram da massa homogenea primitiva. Assim, a par do direito li vida e á integridade pessoal e do direito á libel'~

dade, nos fala do direito de defeza.. Mas esta dcfeza nito era um direito reconhecido. primitivamente. Confiada a.o individuo nos rutles tempos de barbária.

de nossos avoengos, era, em vez de um direito, a sancção do direito,

C,

portanto, um de seus elementos constitutivos.

Mais tarde a defeza dos direitos passou a ser exercida sómente pela sociedade e s6 excepcionalmente permittida ao individuo,lIaquel1as circumstancias especiaes quenãoadmittem demora sob pena de succumbir o direito. Desde então é que a defeza constituiu-se em verdadeiro direito, pois que, desde então, eIla passou a ser uma

faculdade

assegurada pelo poder

publico. Sem esse elemento social nilo se comprehende direito alguUl, e eile llíto se manifesta na defeza dos tempos primi. tiV08.

Assim numa exposição puramente dogmatica, pódemos

falar na legitima de defeza da vida e da propriedade, como um dos direitos constitutivos da personalidade humana, tal como a concebemos hoje. Mas, numa exposição historica, gene· tica é preciso não perder de vista. as condições de seu apparccimento.

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IV

A fórmula da evolução juridica Mesmo DOS momentos em que as theorias refulgem trium~ phantcs, por terem attingido Íl plenitude de sua expansão avassaladora, cm que o dominio dcHas parece definitivamente enrai7.ado, começam a germinar, de seu proprio regaço, elementos de modificação ou transformação que, pouco fi. pouco, sarjam-lhes o corpo em todas as direcções, c preparam-lhes a dissolução, si eHas llitO têm essa resistencia adamantina que se appoo secularmente victoriosa aos embates da.~ opiniões contrarias, e ás vicissitudes várias que conturbam as crcaçôes do homem . . O evolucionismo applicado ao direito YM, entretanto, SOffrelldo o surto dessas collisões, antes de ycr seu imperio completamente consolidado cm toda a latitude da scieucia juridica. Algumas rajada.~ mais fortes agitam-lhe hoje as construcçOOs.

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CRJXINOLOOIA E nmEli\l

É preciso que examinemos a solidez da nau que nos conduz, que reconheçamos si ella pederá vencer a violenci.R dos vagalhões c da ventania que csfusia.·lhe hostil pelas cor·

dagens. Este exame é tanto mais ncccssario quanto é certo que alguns espíritos, dos mais fortemente blindados por conscienciosos estudos, se têm julgado obrigados a appor, ao evolucionismo jurídico, o embaraço de seus reparos criticos. Um deIles, jurista dos mais doutos da Italia contemporanea., evolucionista, experimentalista, como se tem revelado em suas obras valiosíssimas, Pietro Cogliolo, querendo evitar que

dissessem talvez deBe que se deixava ir de roldl1o pela torrente i mpctuosa da moda, escrevia no portico de seus Ensaios: «La evoluzillc ehe t til fronte dei libra vuol indicare solamente la via. de progresso percorsa de uma cosa que sorge c cresce: qualunque idea de esagerato indirizzo filosofico, che forsc questa parola puó far so~petare, non corrisponde alla natura de questo la\'óro » . No emtanto, nessa preciosa collecção de escriptos, se assentáram muitos dos degraus da c"olução juridica, se descnvoh"eram sabias disquisiçOOs, elucidando ponctos da historia intima do direito, de accôrdo com a transformaçllo evolutiva, como a comprehende a theoria monistica apoiada na.') conclusões do darwinismo c da philosophia spenceriana. Outro critico do evolucionismo juridico é G. Tarde, espírito sagacissimo, de um senso critico aguçado, criminologista dos mais abalisados, que espargiu suas objecções pelos vários capitulos de sua recente publicação: -Lcs transfonllalio1lS

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I

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CRDrmOLOOlA E DIRFÜv

dt~

dro/I. Tambem não é um ad\"crsario do evolucionismo, porém sim um espirito que, nílo recusando suas sympathias a essa. doutrina philosophica, adxcrtc os seus zelosos sectarios contra temeridades das generalisaçõcs precipitadas, contra a inconsistcllcia de affirmações não comprovadas por urna seria sufficicntemente repetida de obsermçõcs. E porque rugumas obj~s do ilIustre critico me pareceu ferirem bem o alvo, entendi que havia necessidade não de ir ao encontro dellas, . mas simplesmente de terçar pela doutrina da evolução que julgo capa7- de produzir 'muitissimo em suas applicações ao direito, já o tendo vantajosamente transformado em seus fundamentos.

As criticas de Tarde reçunu'iram, em sua maioria, da leitura que fez da Etlo/ulioH Jitridique do operoso sociologo franccz, Oh. ~tourneau (I). Antes, pois, de expor as razões da minha adhesrIo ao evolucionismo juridico, direi, em poucas palavras, como aquilato o valor dessa obra. É uma preliminar que, preabrilldo a senda a trilhar neste escripto, dará mais facil ingresso ás alleg8.ÇÕes que se vão seguir. Nito serno as illusõcs nem os desvios de alguns experimentadores que devam fazer obra. contra uma doutrina, habilitandonos a pronunciar sentença. condemnatoria. contra sua validade. Granel copioso de informações e documentos juridicos interessantíssimos sobre varios ponctos de vista, é a Evu!uti'tm juridifjtte de Últourneau um trabalho alt.amente meri· torio. Contém grande cabedal de factos, de observações, de (1) E,.olution juridigue da"" le" dit'er.ru rare6 C,D,

,~II,_i"u.

Paris, 18111.

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CRTVTNOLOOIA E DfflEl'lv

ill\'estignç?les padelltes. E tael'; contribuiçi1cs nunca s~o superabundantes. Ao contrario, SCl"Jo sempre merecedores de justos encornios os que se derem (l tarefa estafante de coHigil-os. Infelizmente, porém, outro yalor real nito se pódC', cm rigor, attribuir ao lino do sooiologo france?. Os principias de uma philosophia elc~ada uílo penetram sempre os factos ahi compendiados, illumillando-os c distribuindo-os em agrupamentos naturacs. E não é porque o materialismo seja improprio para ('sta ordem de estudo.i, pois que outl'O!'l, guiados por suas doutrinas, souberam construir thcorias sobre o direito, de uma cleyação que emociona quando nilo a\'assala, de uma belley,a (lue captim u admiray<1o quando não infunde a prtsuflRuo.

A auscncia desse predicamcllto poocriaser escusada, porque o anetor poderia 11M tür em mente erguer-se .Is explanaÇÕt)s philosophicas, e nioguem tem direito de cxigir dc um anctor sillllo aquillo quc ellc llrom<>tte claramente dar. Mas, no livro de Lctourneau, um leitor, flue não seja excessimmente bonachão, podel".í.descobl'ir cquiyocos,lacunas e exageros. Podereí. ver, além disto, que o auctor, niTo sendo jurist.'l, seure-se embaraçado para cxplicar certos phenomcllos que lhe ferem a "ista, mas por um só de seus aspectos. Não me proporei a respigar, minuciando, as falhas que julgo lobrigar nessc trabalho, a que, ali{\s, não regateioapplausos Ilcl0 scrviço que prestou á scicncia, offerecendo-lhe meda abundante dc materiaes quc ella certamente approV'citará para as constru('Ç'ÕCs que está erguendo. Direi apenas o suffi-

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187 ciente para que não se acoime de tcrnerario o juizo que nODciei a respeito.

pro~

Hs equivocos disse eu. Ao menos em relação li doutrinallão

é dillicil descobril-os. O propl'io titulo do livro envoh"e um, pois Evo/urão jundica indica alguma cousa mais do que aquillo que se contém no livro do estima\'el í'scriptor francez. Elle preoccupou-se quasi exclusivamente com o direito criminal, preceito e proeesso como aliás o confessa, qllaudo já bem adiantado no caminho percorrido (J). Mas destacar um ramalho da arvore jw'idica importarl! tel-a toJa inteira. sob á mão ? O domínio da jurisprudencia não trallSlIlollta as raias do direito criminal? As respostas a estas interrogaçõcs, que me dispenso de dar por estarem ,ish'eis a todos os olhos, denunciam que, pelo menos, o titulo que Letourncau deu a seu livro não foi bem talhado para clle.

É verdade que o mesmo auctor havia anteriormente estudado outros segmentos juridicos, cm suas monographias sobre a c'\'"olução do casamento e !la familia, da propriedade, da politica e da moral. Mas, ainda assim, não exgottou o domi~ nio juridico, como poderá reconhecer {luem quer que tenha noções regulares sobre o assumpto. E, além disso, llão compre~ helldo porque se de\"a recusar o titulo de juridica a muitas dessas relações para só collcedel~o úsque procedem do crime e e da pena. Familia, propriedade e politica illcontesta\'clmcnte rem, como a crimillwidttde e a pcnalidade, um aspecto juridico (I) ErolutiOR juricJiql~. 1l~l'fIm'DI iDteté , oollultn~.

pS.

HO, e c'esl lo ~rolt crlmlnel que n(lUJ al'OIM (NIrtlel·

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CRTVINOLOGU E DmBij\)

ao lado de outro puramente social, o que nilo é admiravel

quando o direito é um phenomeno social Mas, então, ou aquella.s outras monographias foram cscriptas sob o impulso de outro methodo, ou existe um equivoco palpavel DO titulo adoptado para a que se occupa com o direito criminal, ou, melhor, com a penalidade. Compare.se a evolução juridica do sociologo francez com a que nos traça. Hermano Post cm seus Gnllldlaffen des Recltts. Aqui o direito c seus institutos se destacam, se erguem, se dostendem, se transformam, diante de nossos olhos, como si

estivessemos assistindo ao processo continuo em que se agitam, deooe os remotissimos tempos em que foram esboçados pela primeira ve7, até nossos dias. O masenla pensador e erudito jurista allemilo, senhor de seu assumpto, marcha erecto e sem hesitações, porque sabe onde vae e a. que vae. Letourneau,

ao contrario, parece embaraça.do diante da congerie dos factos que tem diante de si, e bem se vê que lhe custa arrumaI-os nos logares convenientes. Finda a leitura da obra, não ficam gravados lucidamente no espirito os ra.<;tilhos que descre~eram os costumes e as leis criminacs atravez dos tempos. Só por urna operaç.ão mental sua, por esforç.o proprio, poderá o leitor retraçar essa evolução. Esse primeiro equi,'oco se prende a um outro. Letourneau quer surprehender o direito no momento em que eUe de facto puramente biologico se transforma em phenomeno sociologico, e enfrenta com a acção reflexa, que se lhe afigura o plasson de onde se desprendeu o direit9. o; O instincto reflexo de dofeza, diz eUe, é a raiz biologica das idéas de direito

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CRIMlNOLOOU E Dmfmo

e de justiça., pois que elle é a base mesma da prImeIra das leis, a, I ei de talião:t (1). Visivelmente o escriptor só tem diante dos olhos o direito criminal. É exacto, penso eu, prender o que hoje chamamos direito criminal a. esse poderoso instincto da conservação individual, mas nilo sen\ completo quem se detiver a,hi, quem com eIle se contentar. O investigador arguto e paciente descobrir:í que muitos institutos juridicos 8[0 irradiações desse mesmo nucleo. A propriedade e a, successiIo ahi vito ter. Muitos dos direitos pcssoaes remontam egualmente até lá. Porém, ha um outro instincto, o sexual, que fez a faruilia., de onde surgiram 0.') formações sociaes mais vastas, e que não póde ser olvidado, 110 estudo da embryogenia do direito crimina4 pois que seu aspecto social, que é hoje preponderante e que existiu, embóra muito restricto, desde os primeiros momentos, não pôde recusar essa origem. Si o direito alonga suas raizes até o domínio da physiologia, é preciso reconhecer tambem que eUe é um phenomeno essencinhnente social, e que siro as acções e reacções agitando a alma humana dentro da sociedade, os ingredientes que tl'8.nsformam puras impulsões physiologieas em normalisações juridicas. Ha lacunas 11a Evo/ulioll juridiquc, disse cu taOlhem. Apontarei a ausencia do homem prehistorico. Pouco delle nos resta., em relação ao direito, é certo; e se poderá tambem

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(1) Op. elt., Pi. 10.

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CJUV!NOLOOU E DIREito

dizer que os costumes dos selvagens actoaes são perfeitamente apropriados para. o prchenchimcuto dessa folha. Mas a quem traça fi evolução do direito criminal, não é Jieito desconhecer que essa pagina da prohistoria já foi abordada. directamente e nito em pura perda.

Ainda que não se déssc ao incommodo de rcstolhar por esse terreno safaro, duas phrascs ao menos devia-se esperar de utourneau, em referencia a esse momento da evolução juridica.

E outras lacunas se abrem aqui c ali pelo corpo do livro. Por exemplo, si ha capitulo!'; plenamente satisfactorios, como os que se dedicam ao direito cgypcio e chiuez, entro outros, os ha tambem desproporcionalmente ligeiros. Quanto aos exageros de qne falei, basta-me apouetar o capitulo consagrado ao direito romallo, onde elles borbulham a cada pagina, porque o povo romano, que foi jurista c imperialista, cm dada epocha de sua vida, lhe é p~cularmcnu> anti-

pathico. Confrontando o direito romano com o de outros PO\TOS, não vê utourncau porque mereça elle os encomios que lhe vcm, de longo tempo, repetindo a humanidade. o:: A prodigiosa fortuna., desse direito, pensa elle, é divida, em primeiro logar o:: á fortuna politica de Roma que impoz seus codigos aos povos vencidos e subjugados, apreseutando-os na poneta de sua espada victoriosa., ( 1). Em segun,lo logar, o succcsso do direito romano resulta, «em grande parte, de seus proprios defeitos, das ridiculas minucias do seu processo, razão ( t)

Op. elt., PI. IIH!.

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CU;TMINOLOGU E DmEtro

unica de ser de um PO\'O inteiro de legistas, sem o auxilio dos quaes, um profano nílo poderia se aventurar no mattagal das formalidades legaes "}) (1). Mas isto é um puro desabafo, em que so objurgam legistas de todos os tempos, principalmonte os romanos, quo são os representantes p<,r excellencia da classe. Não nos demos por offendidos liÓS outros os que culth'amos este horto mal conhecido do direito, e aparemos o golpe vibrado contra esse cxcelso monumento do direito romano, com as palavras cheias de nobreza e verdade de um insignc mestre: «CIte si si domando per ultimo, qual sia stato ii vaIare intrinseco di questa giurispl'udellZa, non será cxagerato ii respondere, eh 'essa é l'opera piú elevata e perfeita dello sp irito romano. ln essa si contemperallo mirabilmentc iI senso pratico e iI coppo d'occhio teorico) la materia e la forma: nê é da far mara viglia, chei frammenti degl i scritti dei giuriscons~ti romani rimangano anche oggi la migliClri scuola deI giurista ( 2). Um tantl) mais confortados depois da meditação deste bello trecho de um pensador verdadeiramente notavel) pódem os juristas voltar á leitura da objurgntoriu de Lctourneau, e notarão,' sem custo, que, afinal, ella só falsamente tem por si o esteio de uma confirmação historica. Effectivamente n110 é, em rigor, exacto que os romanos impuzessem sempre, seus codigos aos vencidos, nem é verdado que por tal motivo sómentc é que os modernos os voneram como grandiosos monu· (1 ) op. elt .• pg. S96. ( 2) Ooldo Pa.delleU. Stm*, ed .. Plreoze 1886, PI. 419.

dei diritlo rOlntlIlO,

CO/l.

note de Piefro

Coglioto, 2."

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CRIHINOLOOIA E DIREmJ

montos de previdente expericncia c de logica rigorosa. Ao c-Outrario, 1I0S affirma a historia alguma cousa de diverso. O imporia romano cahi u desfeito, esphacelMo pelas hordas barbaras que se despenharam do norte. A principio pareceu que o direito c toda a civilisat;i'io romalla se haviam afundido llaquclle rlesastrc que anniquilára o mundo, Mas viu-se depois que a civilisação não dcsapparcccra de todo c que o direito romano cOlltinuúra a subsistir, como lei, sob o dominio dos barroros, e que estes, por ultímo, o adopbí.ram fundindo-o • com seus costumes nacionacs. E desta flL'ião, imposta, ul'to pela força das armas victorioSM, m!lS pelo valor illcontcs· taxeI de uma cultura superior, que procedem os direitos, as legislações dos povos occidentacs. Accrescenro-se a acção dos canoues da egl'eja e se p'Xierá, sem receio, affirmar que ó essa a ",erdade historica bem conhecida pelos jllristas que não se limitam mais; hoje, COIllO nos sooul03 XU a XV, a «fazer a excgésc dos textos », c aos quaos nito são noyidades nem a compara.ç[o nem a historia. Não irei por diante. 03 defeitos aponcta.d.os na Evolutum ;itridfque, e outros mais que uella se encontram ainda, nito a tornam por certo impropria para o cstlldo, e eu já disse que a considero valiosa, mas fazem com que não seja ella uma obra represelltativ~ f) lucido tra.nsumpt'J do evolucionismo juridico. Silo achegas, não doutrinamcnt{)s que alli devemos

todos procurar. Mas quaesquer que sejam as impressões produzidas por esse livro, é incontesta.vel que a realidade da evolução nelle se attesta irrecusavelmelloo.

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CRDIlNOLOGIA E DIR@:l1v

•••

Jll. por mais de uma YÜz tive oecnsiUo de expôr a evoluÇlto

jlU'idica ( 1 ), ora encarando·n por um aspecto, ora por outro, sem que ullIa yez s6 se le"alltasse diante de mim um facto cnIla?., de infirmar as gcueraJisaçõcs e as applicaç'Ões dessa grande lei, que reSUI110, para nossa sciencia hodierna., o modo de existir do universo. Hoje ,"cnho apenas accrescentar algumas considerações novas ti. affirmações j{l feitas o principalmente tentar estabeleccr uma generalisação que synthetise, em traços rapidos, porém sufficientcmente claros, incisivos, toda essa laboriosa asccnção do direito humano, desde sua. apparição indisciplinada sob a fôrma dc força physica., de força pessoal «oreando e protegendo seu campo de acção », segundo a phrase de Jhering, até suas transfigurações mais idéalisadas da consciencia ethico-juridica actual. Si é passiveI uma generalisação para a cultura humanaconsiderada em seu conjuncto, deve-se l)resuppor egualmenw uma para a.~ suas facêtas gemes variadas, entre as quaes occupa , lagar vasto e saliente o direito. E certo que as tentativas de reduzir n civilisação a uma f6rmula geral, bastante ampla para emmoldurar-lhe todas &<J' oscillaçõ"es e recuos, níIo tem sido completas nem satisfactorias. Ma~ o faem geral da transformação e do aperfeiçoamento da sociedade e dos individuos que a compõem está definitivamente estabelecido, e, ( I ) Vide, prIDelp&lmeute. u mlnhh Contribt,irõel para u. hmorUl do Direito, InlrodlMçào lia Rtt"Úfa Aca rlc","icQ, 1891, l\3. I e II, e IIfIÓ'" lIesie 11\1"0. ~D.

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CRIUINOLOGIA E DffiF:J1\J

conscqUClloomflllW, se tem como incontestavcl que o homem evolue melhorando, e que essa cvolu~ se opera não por movimentos iSOChrOIlO:'i, porém dcscgualmclloo, por todas as faces possiveis da vida humana social e individual. Antes, pois, de contemplar directamente o facto juridico tal como ene se rem apresentado no mundo em cp()(~has e raças differentcs, já o investigador contemporaneo acha-se habilitado a presuppor que, tambom neste dominio, os phenomonos silo impulsados por uma força immancntc que os transforma e apcrfciçôa. Depois de uma longa c cuidadosa. obsermçã.o dos factos, esse principio, estabclC\.'ido dcductiva-

mente, terá encont.rado plena confirmação, acredito eu. E, synthetigando, generalisando suas observaç'ÕCs, o jurista poderá rrouúl-as a principios capazes de indicar a orientação do evolucionismo juridico. O que se vae seguir é uma tentativa desse genero que poderá ser falha como tantas outras; mas llilo importa. Ao menos até o momento presente, julgo-a em condições de traduzir a realidade dos factos.

Não tenho em vist..'\ sini(o o direito cm si, CQmo phenomeno social, modo de viver da sociedade humana, e não o direito idéa, o direito sciencia. A idéa do direito evolue egualmente na consciencia dos povos e, principalmente, na concepção dos philosophos, mas omb6ra reaja sobre as regras positivas do direito disciplina social, e deste receba directas illfluiçOOs, comtudo vive e desdobra-se ell1 campo diverso e por modo diverso.

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(1RTMJNOLOOIA E DIRBITO

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• • • Si de um só golpe de

Yi!:~ta

procurarmos abranger o Va.Bto

pélago do direito humano irregularmente ondeado c tauxeado de sombras que fazem suspeitar abysmos, apezar de ainda nito possuirmos uma historia geral do direito, apezar das

variações de aspectos que ahi se destacarem, apezar das obscl1ridadr~s que nos hão de impedir a penetração da vista por um

.

horizonte largo, haveremos de reconhecer que se tem dado um

desdobramento gradual nos costumes jurídicos e nas legislações que constantemente se trauRformam e tendem a melhor adaptar o homem á. vida social, nnica em que clle poderá vantajosamente luciar com a natureza.. Esta é a Ie/c%sis suprema do direito: assegurar á sociedade as condições de sua existencia e, pela sociedade, tornar possivel a vida. humana fóra dos limites da pura animalidade. E elle evolue, solicitado por

essa finalidade, aproximando--se mais e mais desse alvo que lhe foge incessantemente, de dia a dia. mais perto, porém nunca attingido. Para esse fim trabalham, mais ou Illenos incon~ scientemelltl; os legisladores, os juristas, os philosophos, os applicadores da lei e mesmo os povos. Mas, para conseguir esse desideratum remoto, o direito descreve tres ordens de desdobramentos em sua marcha evolu~ tiva., as quaes se unificam convergindo para o mesmo fim. Âssim a historia mostra que a evolução do direito se tem effe~ ctuado: a) pelo reconhecimento de um numero de mais em mais avultado de direitos attribuidos a cada pessoa; b) pelo alar~

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CRIMINOLOQU E Dfflg!'lV

gamento progressivo das garantias juridicas,que são concedidas a um maior numero de pessõas; c) pela segurança sempre crescente dos direitos reconhecidos (1). ,

E uma descllvolução triplice, realisada por tres movimentos differclltes, emlxíra norteados para o mesmo pólo. Pelo primeiro, o direito cresce, avoluma-se, corno uma cellula, dentro

de certa esphera que é o seu morphopl3.:S111a. Depois, pelo segundo, o direito se "ae expalldindo a novas classHs de individuos até abranger a totalidade dos seres humanos. O terceiro moviment.o, que se poderá chamaI'de reforço, vse consolidando as conquistas rcalisadas pela acção illtcnsi\'a dos outros dois. Consorciadas essas tres evoluções parciaes, valorisam, de mai s em mais, os indiyiduos perante a sociedade, accommodam-llos mais ás necessidades desta"0, ao mesmo tempo, conservam e roboram a existencia dos grupos sociaes. Á l'RZi'to e á historia cabe confirmar a exactidão das affirmações que acabam de ser feitas. Consultemol-as. Como nos primeiros momentos da existencia social, o individuo é fraco para resistir, para luctar contra as oppressões multiplas . da natureza, contra os ataques reiterados de seus similhantes, de seus visinhos, e só a collcctividadc (I) E' o que podemos denominar - leis de npand.o e reCorça. 8)'lvlo Romero prel tou o apoio de lUa lUctoridade em favor dHla minha generallllçl.o, e eolloc&lldo·se no pondo de vMa nterno da hl.torl ... epre:senklll a fórmula quinte: c 1.- I1I1PIlI. lo. nl~mo II15t1clivo e lIatllrali.'loo; 2.· primeiros albore~ da eolLlCllencla mora l modilleatlvos da força lnl ll netln. 8 produ ldo! pela luperlor lntell lgellcla dos ehHea; S.• Imlt.açlo hahl· tual du IOIDç6el d'all orlglnadu; ~ .• e,tratlncl(io sooulaf dos _Lume!! ; 5.• tranafor· mlÇlo dOI eos lumu, mlil ou meDOS loeae •• em lei. eserlptu gerau; 6 .•• ylleNIlImo anllg~ du aspira~J garaeJ prodllllndo 01 v'rlOI eOmmtllllsmOl; 1 .• dltl'tlrelle!lo:s,o progre,~IVl deüe communlamo palo lndlvldUllllmo. drude I epocha da! proprlu arllloel"lldu all llgal ; 8 .• progreulo. 110 me~m o I\!ntldo, pela demMnlcla moderoa (Philtnop/li4 do Direito, 1895. pg~. lU a 211~J.

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CRIVINOLOOIA E DIREl'lv

terú capacidade suffieiente para não succumbir fatalmente a esses asperrimos embates, elIa deve absorver o individuo para. protegeI-o, garalltil-o, conservaI-o, para manter a vida mesma da especie. A proporção, porem, que a humanidade vae conseguindo dominar-se e dominar a natureza externa, as condições mudam, o individuo reconhece que p6de dispensar uma tute1a social tão rigorosa, que é capaz de empenhar-se na lucta por si, c s6 necessitando da protecção social em certos momentos i v&e-se-lhe reconhecendo, dia a dia, malor numero de direitos, esses direitos vilo sendo cercados de mais sérias garantias, e iC vila extendendo das classes privilegiadas ás camadas inferiores d. populaçilo. Esta é a. marcha, a evolução que tem seguido o direito aryano; que se póde reconhecer tambem no direito semítico, embórn TIilo se haja desenvoh"ido tanto, e offercça rnaior($ oscillações e mais largas soluções de continuidade i e nito seria difficil indicaI-a em qualquer outro grupo jurídico, si nito noS preoccupassemos demasiado com retardamentos e excepções parciaes. Esta é a marcha do direito como podemos desprendeI-a da. historia geral das conquistas que o homem tem realisado sobre o planeta que lhe foi dado por habitação, e é tambem a marcha de cada direito nacional e de cada ramo de direito, pois que é bem verdade que a ontogenese synthetisa sempre, em traços rapidos, a phyIogenese. Nilo tenhamos olhos s6mente para ver divergencias, e nito haverá difficuldades cm reconhecermos a exactidão do que fica affirmado. Realmente, vistos de perto, sob o vidro de augmcnro do analysta, muitos phenomenos, que á distancia DOS parecem

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198 similhantes, se afastam em divcrgencias mais ou menos profundas; porém, é preciso saber olhar do alto para abranger os grandes lineamentos dos factos c das cousas. A crusta da terra não se enruga em mQotanhas altíssimas, nilo se

cava em valIes in-egnlares, asymetricos, c, no entanto, esses levantamentos c depressões impedem-nos de dizer, com verdade, que a terra é uma espheroide? não se diluem, não se apagam, todas estas desegualdades na grandeza nivelladora. do planeta, cuja fórma se destaca nos traços geraes dominantes?

••• Deixarei de lado a historia do direito entre ontros povos c, para mais faei! reconhecimento dos factos, procurarei verificar si o romano e o germaniw confirmam as generalis8ÇÕeS indicadas aqui como sendo o resumo da marcha evolutiva do direito. Si para esses direitos de cuja fecunda combinação nasceu o dos povos occidlmtaes, aquellas propo-

sições forem verdadeira~ se indicarem realmente o elance dessas duas Yergonteas mais yjvazes do direito aryano, é que eIlas são egualmente exactas para todo esse grupo juridico. A presumpção é forte, pelo menos. Decomporei o direito em suas duas faces, a objectiva e a subjectiva, e examinarei si} por cada uma deIlas, se effectuou o desenvolvimento} segundo affirmei: 1.", pelo reconhecimento de um numero de mais em mais avultado de direitos attri· buidos a cada pessôa; 2.", pelo aJargamento-progressiyo das

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CRJ"MINOLOGIA E DIBf"1v

garantias juridicas, que são concedidas a um maior numero de pessOas; 3.°, pela segurança sempre crescente dos direitos reconhecidos.

Seja. a facc objectiva do direito a primeira obser-çada. No primeiro mom~nto da vida juridica, ainda. não existo uma norma de agir, nem escripta uem cOllsuetudinaria. Os individuos como as tribus, procuram realisar seus interesses por suas proprias forças ou pelos esforços combinados dos que têm interesses communs. Si taes interesses se harmonisarem com os da collectiyidade serão definitivamente victorios'ls e constituirão o primeiro elemento da formação do direito.

O direito romano conservou, cm sua lir.guagcm, vestigios llotayeis des!'ie periodo indisciplinado em que a actividade do cada um era protegida (l assegurada. por sua energia. phy~ sica, em que o direito ainda não desaggregára do grosseiro involucro da força. O diamante jazia ainda nas dobras do cascalho. As palavras mallcipim1#, manus, no sentido de poder emc1't', jINl'diu1Il, são bastante eloquentes e von Jherillg obrigou-a.') 1\ depOr longamente no sentido de provar a vcrdade do facto a que acabo lamoom de referir~me (1). Tito Livio (V. 31) já dissera: se iII anil is Jus fine d ollllliajórtiulIl • V1Y01"tUlt esse. A mesma caracteristica se assignala no direito germanico ( I) L'e6pril dei rJ'·oit romaô.. , 'rad. de MeulellDrt!, I 1'01, Prlnelpllmellte d. PIIl. 110 em dlanw, o grande Jm.ta dntlcl. di Unglllgem d~ romlnOll, 0lI doeUlDenW!l c(lIl1probl· torl~ de qu o dIreito prlmll]}'o dnt8 PCl\' o MI fllndoll pela energia p_aJ, peja foJ"\l&, lacUlldo para ImpOr·n.

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CBDrTNOLOOIA. E DmF:I1V

das epochas originarias, em que as tribus o concebiam como um estado de paz, entre as forças individuaes collidcntcs.

O direito para o germano é bem o dcsenvolvimclltodc sua energia physics, do esforço ffiUlScul3.l' do indhiduo ou de grupos de individuos, mas, associando-se, esses individuos renDem suas forças e se promcttcm reciprocamente uma. tregua indetermi.

nada, para que possam melhor conseguir seus fins c luctar contra os a.ta.qucs extranItos. Assim, as tribus tomam o caracter de associações de paz (FrieáclIsgllosSCIlSc!U1jICJt), o direito é a pacificação das luctas quotidianas (Friedm) o~ como diz H. Post, «a paz que se garantem mutuamente os 00-a,."80ciados» (1). Esse equilibrio introduzido pela pacificação dos individuos

associados cm trihus

{jU

classes ou outros grupos limitados, já

inicia outro estadio juridico. Anres de chegru.' lá, é preciso deixar constatado que nessa primeira epocha da formação do direito não podia o individuo reI' sinão um valor social ainda muito exiguo, e, consequentemente, poucos são os direitos que se lho reconhecem, poucas as garantias que se lhe conferem aos interesses, si é que se p6de realmente falar de direitos, cm um tal momento de yida social. E esses poucos direitos confiados a dcfeza indisciplinada dos musculos mais rijos, si'Lo o apanagio de poucos individuos, porquanto cada tribu só os reconhece dentro do sua propria esphera e, ahi mesmo, como o quinhão de entes privilegiados pela força e pelos laços de sangue. Os extrangeitos, os escravos, &os crcanças e mesmo as mulheres não se (I)

Gnmdlagen. eU., pg. 86.

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cnrnrnOLOQIA E DIREITO

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consideram associados nesse pacto juridico, não têm valor social, ostão excluidos, de todo ou em pUl'tc, dos direitos que já então conseguiram medrar. E 116m Ó para causar extratlheza esse exclusivismo, quando, em epcchrm posteriores, mais prosperas, maiscultas e de uma orgrllli~ação social mais consolidada, eIle ainda viceja robusto, como planta que se expande em clima

e 8ólo apropriados. Da proprilllucta empenhada entre os individuos, surgiu a directriz do direito, obscuramente reflectido na consciencia

dosindividuos dotados de intellectualidndc mais poderosa. Desde que o interesse individual assegurado pela força coincidia com o interesse da collcctividade, firmava-se definitivamente e trans-

formava-se cm direito. Os casos similhalltes vindo posterior~ mente já encontravam a trilha traçrula, e menores dilficuldades se oppunham á sua affirmação e reconhecimento. Formou-se assim, pouco o. pouco, uma athmosphera juridica, que das indi~ vidualidades selectas se propagou para as inferiores, de modo que os chefes de familias, os patriarchas, os cabos de gu.erra, quando, no segundo pt>riodo da formação do direit-o, proferiam suas sentenças encontravam, 110S fastos da vida do grupo social a. que pertenciam, alguma situa~io allaloga, ou na propria consciencia uma orientaç.ão formada pela successão dos factos nella iufiltradas e extractados sob a fórma de associação de idéas e de sentimentos. Não havia ainda o costume, mas a consciencia dos chefes estava mais ou menos adaptada, inclinada, affeiçoada a se decidir por motivos consoantes com o direito. Entretanto, comprehendc-se bem que esse aperfeiçoamento não podia absolutamente ser tal que excluisse o a.rbitrio. C.D.

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CRDTIXOLOOU E Dmuro

Não, por certo, Bem larga era [\ parte do arbitrio, então, llorque o kos!l~oS juridico m:1.1 s~ desprendera da nebulosa. primiti\'~ mas tendia sempre a diminuir até que a generalisação das selltellça.~ (Ihemislcs, judicilfl/l rc,t:is) ereando o costume jUl'idico, o direito co nsuetudinario, o l't'OUÚll n propofÇÕCs menores. Estes dois e:~tadio.' da fortilUl.~!O do direito são camcterisadas, na historia tio direito rOIllUIH\ pelos judicia n!,.(ls, judicia dOllll'.ltÚ',l e pelos JlJ:J/'es 1IJ:1jorulIl, isto é, pelo direito objectivado Ilas scn truças dos reis e dos par:; de familia, c nos costumes dos antepassados (]). Os gt'rmano~, ao tempo de s('us primeil'os contactos com os romanos, nchan\ln-se justamente no momento de transição ent.re o pel'iodo das sc ntl'll ~as c o do eostullH', sendo que este já l)repOlldcnwu, apresentando uilla rica variedade de fôrmas juridicas, a pondo de 'faeito }}odcr diz!.'r: ~ pltl.fqtU ibi bOlli mOrt's <'ale,,! quam alibi bOJl({' I/;!.{<,s. Gom a constituição do direito costumeiL'o a.; garantia~ dos . interesses jnridil.'os adquirem uma sl'gurança mais real, mais "isi\'el c todus as rdaçlies entJ'c os iudi\'iduo.'i offcrccclIl um caracter d~ maior estabilidad<'. As fluctuaÇ<Jes e indecisões do periodo anterior se csgal'çl\LIl, se contrahelll e tendem a ser eliminadas, R-;se aI "O é lllenaLllentc conseguido com a lei escripta que , di. maior fixidez, cCJ'h'za c f'jC'gurança, ao direito. E um

,·e!!"'"

'I' .\" Itgt $ ~o!l-'('riona~a;! m:.l~ ]mf,le P)f l"Jli ru~. ~'lo oonjUl\t'loaDlenle ilE'lI· leB~B' e crdeu 4e reb. pl<?ceilO~ rellghlO$, e.utu me,j U llgllLQBI lelt propriamente 4ie'U devldu ao! ullimo~ rei~, I Iii"t. dei tliriU~ ,'Ollan(), de I'a1eUettL. P8. 10], 001. B, .

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CRIMINOLOGIA E DIREITO

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momento particular do direito escripto aquelle cm queas leis se orgallisam em codigos, que realisRm um \"('1l'dadciro llrogresso, da.ndo ao direito escripto o maximo grau de clareza csimplicidade, que são predicamentos in(>Xtima"eis para as normas juridicas, poisquc requintam os elementos de certeza e segurança do direito. As leis escriptas appareceram cedo em Roma, coexistindo com os costumcs que afinal foram rlimillados. A primeira codificação, que ahi apparcccu foi ti. h.'X duodrcilJl lalmlarulIl, publicada nos anuos a03 c !10-J.,alltes de Christo. :Foi justalll C' ute llcste tracto de tempo em que surgiram as leis eseriptas até a codificação das doze taboas que se deram as luctas mais temerosas entre n pl~he c o patriciato, aquella esforçando-se por escalar a. cidadel a da plenitude do direito e este defendendo seu mOllopolio por todos os modos a seu alcance, a forç.a , a astucia, as concessões parciaes. Essas leis assignaIam, quasi todas, um lemntamento dos espoliados plebeus, que obtêm magistrados seus, os tribunos, que conseguem "er os plebiscitos, começados por uma usurpação, se transformarem em fontes do direito, obrigando a todes, se m distincçãCl. Mas foi a lei das XII Taboas, que consolidou, ll ' uma construcção inabalayel, a expal1s11o das garantias juridicas aos plebeus, fundindo os direitos das duas classes de cidadãos romanos. Foi ef'isa codificação, um e'·ento de tão grande "alor para a população romana, que os rapazes decoraYRm-na uas eschola,j como um Ca17J1etl m:crssariu1JI, que mesmo depois da publicação do cdiclu11l paraluum ainda coutillUOU a ser o codigo funda~ mental de Roma, e que os escriptores sempre se referiam

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CBI'MT'NOIJ)QIA E DmEl'lv

a ena cm termos de reverencia e calido enthusismo. Admiror uec réru11l SOIWII, !Cd verborum clcxanliam, exclama Cicero: fons o11l1lis jublici pril:atifJuc ;"1In'8, sentencia Livius. Tudo isto significa que o direito adquirira uma fórma

naturalmente mais perfeita, maisfirme,ll1rus exacta, mais garantidora dos interesses, abrangendo maior num6ro de relRÇÕt's e sobretudo, estendendo-se de uma classe privilegiada á totalidade dos cidadãos romanos. No direito germanico, a fórma cscripta começou a apparecer no seculo V cm diante, determinada pela noccssidadc de proteger os indivíduos em um momento em que se misturavam, na Europa, populações de raças, costumes c cultura diffe-

rentes, e tambem pela necessidade de se tornar mais forte cm frente ao mo\"ünento il1\'asor da lei romana, mais polida e mais complGta. Era impossi'\"cl desalujar o direito romano dos psizcs conquistados pelos germanos, comprehenderam-no os barbaros, mas para que o direito nacional costumeiro não sucumbisse em conflicto com o romano cscripto, foi preciso dar·lhe consistencia, modalidade tangivel e permanente, redusindo-o a fórma eseripta. Porém,oi germanos não ti ,'eram um codigo cm que consolidassem o seu direito. A lex saNea, a burgundiorwll, a dos wisigados, colIeccionada pelo rei Eurico. e todas as outras, 8[0 leis condensando os costumes especiaes de ea.da uma dessas tribus germanicas, leis de caracter pessoal e não territorial, isto é., regulando as relações d03 que procediam dessas tribus e não as de todos os que habitassem o tcrritorio por clIas occupado. Mesmo o Edidus dos lombardos, apezar de apresentar

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205 algnns dOi caracteres que devem exornar um codigo, nila se levantou á altura de uma excepção ao que acaba de ser affirmado. Quanto ao codigo wisigothico, ó incontestavel que já pertence a uma categoria outra.. É um verdadeiro codigo territorial c, apezar dos defeitos que lhe apl)Dctou Savigny, um valiosissimo repositorio de preceitos jurídicos, ao qual se vito prender, como tronco ancestral commu~ a. legislação portugneza, a hespanhola c as ibero-americanas. Mas não é um codigo germanico, em sua esscncia. É uma fllSíto de trcs correntes juridicas differentes, a. germanica, a romana e a canouica, 8. primeira fusão consciente e systematica a que se submetteram CMes syst.emas juridicos na Europa medieval·

Ainda hoje, decorridos tantos anoos, realisadas tam grandes transformaÇÕC5 ethnicas e culturaes, ainda hoje, a raça gel'manieR encontra embaraços para cffcctuar a systematisação de seus codigos de direito privado.

••• Encaremos agóra a outra face do assumpto, a evolução do direito subjectivo, do direito poJer de ar-Ção. Effectuando-se elle necessariamente pela força, nos tempos primitivos em que Themis ainda dormia nas trevas do increado, e estando a fol'Çft, principalmente, nas aggremiações associativas, comprehende-se facilmente que, na generalidade, os direitos que se foram affirmando começaram por ser collectivos., communs. O campo restrieto em que se affirma. a individualidade das pcssôas, consideradas em separado, tem de ser traçado e

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CRTM IISOLOOIA E DIREliV

defendid.o pelo desen'\"olvimento de sua potencia muscular. Assim, pois, a norma c a faculdade se encontra no lll{'smo S('I', o indiyiduo ou a collectividade, c appal'<.'C~m simultaneamente. E

é das affirmaçõcs succ{>s!-;i,-a<; do poder de agir que afinal a norma se destaca, constituindo o molde dentro do qual tem, de ser vasado, d'ahi em diante, aquellc mesmo po'leI'. Dá-se na vida jnridica, então, um phenomeno similhantc a esse que se ObSCl'nl no mundo physico. A~ a.guas plu\'jMs, descendo pelas

CllCO:;;b.S

das montanhas c internando-se pelos

campos cm procura du oceano que, ao IQIlW, muge, regouga c as attrahe vão, pouco a pouco, l'asgando o., sulcos dentro dos quaes hão dI', para scmprt-', dcslis:ll' eaualisada"" submcttid.\s, disciplinadas.

A"mllçalldo um pOtlCO, a historia no;; mo.:.; tra o direito partilha de UIll pequeno, limitadissimo numero, dentro de cada pequena aggremiação social. Em Roma, vemos o povodividiuo em classes: 1.\ os patl'icios e plebeus, aquelles g07.ando da plenitude dos direiros , estes privados de muitas das mais importantes prcrogativas j uridicas: 2.\ os c/lm"'s, cm uma posi\'ão ainda inferior a dos plebeus; 3. os CSCfa\·os completamente despidos de valor juridico, ao menos, no.'i primeiros tempo::;: 4. os extrangeiros qu~, embóra Ji\Tes,não tomam parte llacommunhão juridica. Em cada familia, o chefe dispõc de uma autoridade soberana,lhe estando subordinados os filhos, as mulheres, os libertos, B

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R ,

os clientc>s e os escravos.

Lenta, custosa, mas prog:essi\"anlCllh\ a lu7. do direito se vae expandindo e descendo do cimo da montanha occupado

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ÇHDID,"()LOGlA E DIRErnl

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pelos patricio~, para os flan cos, onde estullcia a plebe, nttinge as fraldas ondc demoram os extl'ftngeiros, e penetra nos antro~, onde se ankylosa e animalisa o escravo. !lealmente e!'iSC mo\'imeJlto de dilatação juridica é manifesto. A pleb<>, que fôrn a clirutda manumettida, segund o o conjecturar de MOlllmsell e !ludolf "Oll Jhering, e que, por longo, tempo, rugira rai\'osa em tormo do l'edllcto impenetrayel do direito, que os patrício.:.; tlefcndiam ulIgllibus d rostris, vae pouco a POUC{l, ~e guilldanuo ou se iusilluando pelas brechas, até que, um di", se \'ê dentro do l'CC'i neto sagrado. Nilo insistin'i sobre esteasi>umpto que j;i.foi C'xpostoullteriormellte. Os dil'llks de:-iappnrccf'1ll itl ~orporado ;.; na plebe i os libertos vito pertlelldo, pour.o a pOtICO, as di scollsiderações resultantes de sua primitinl. condição e se ('levando lÍ. posição rescn'ada aos illgtlnuos; Oi! filhos surgem de uma incallacidade absoluta para as relações do direito ci \'il, e alcançam uma capacidade restrieta, qUf', dia a dia, se alarga; ri. lJJ1tlhl!r, a principio tutellac!a perpetua, sahindo da /,okslas do ralo' para mallus do marido, se liberta desse enclaui-iuramellto asphyxiantc, e se não se ergue ao pleno gozo da libetdadc e da capacidade cidl, adquire ulIla situação mais digna e mai ~ folgada claque aque lhe era marcada pelo velho direito. Quanto ao extrangeiro, o C:1'30 Ó tum instructivo que julguei cOIl,eniente destacaI-o, em plano mais aproximado do espectador. Nesse agrllpamento de I·elnções juridicas que se entretecem entre nacionaes e extrangeiros, a evolução assume uma e,idencia irrecusa\'el aos olhos dos mais obstinado.,> illCredulos.

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CRJMINOLOOU E nmgll\)

Do exclusivismo juridico d03 primeiros povos que circum· mUfa'f"am o direito com o principio da nacionalidade, rigido, impermeavel e cnnexivel nessa. epocha, da completa ausencia de direitos, desse estado especial que os allemães chamáram Rechilosigkeit, na. qual eram relegados quantos não haviam nascido no territario nacional, ou no gremio da tribu, a evolução começou a elaborar um instituto novo: a cgu.aldade dos di. reitos civis entre os individuos, qualquer que seja sua origem. A principio se fizeram concessões que ladeavam abrandando • os rigores do direito. E o periodo da hospitalidade. Depois permittiu-se ao extrangciro a fruição dos direitos civis, sob

a cgide de um nacional Mais tarde uma limitada esphera de direitos lhe é franqueada (o connumbium, o commercium) e dentro della poderá ellu agir livremente sob la protecção das auctoridades do paiz. E, pouco a pouco, sob a oonefica influencia do JitsgmtiulIl, essa esphera se alarg~ sempre mais e mais, até o desmoronamento do imperio. É verdade que a antiguidade não viu O ultimo desdobramento desse instituto, que só modernamenro fez eclosão nas legislações mais adiantadas, pelo estabelecimento da egualdade civil eutre indigenas e alienigenas. Isso mesmo prova a continuidade da cultura humana. Os modernos nada mais fizeram do que proseguir no caminho aberto ~los antigos. A exposição que acabo de fazer mostra o alargamento do direito romano que foi, dia adia, extendendo-se a maior numero de pessOas cujos interesses se lhe vinham abrigar no vasto gremio protector) e que lhes foi concedendo um poder de acção cada vez mais intenso. Seria faci! de mostrar que esse

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CRllIINOLOQIA. E Dmeuv

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movimento intensivo e expansi\'o do direito romano foi acompanhado ~la assecuração, do mai3 em mais completa, das faculdades juridicas l'C'Conhccidas. Mas uma ultima exemplificação mostraI-a-Ii em esperic, corroborando as asserções anterion'S. Esta exemplificação podC'l'l:í fornecer o desenvolvimento dos dircitm; aggJ.'('gados ao illstituto da cidadania. MrslIlo depois que os plebeus adquiriram ti egualdade ci\-il c politica com os patrícios, os privilegias e honras immanentes á quaJidooe de cidadão romano, cil'is romallUS, estam adistricta aos habitantes da urb.f. Mesmo os italianos e os latinos estavam excluidos dessas regalias proprias do jus qtu'ritium ou do jus clz'ilt', como foi mais tarde chamado o direito proprio dos cidadãos romanos, froprium civiam 1'0mallOfUIJI. SÓIllClltc o cidadão romano tinha o COIIIlUbiulIl, o c01ll1llerciuTIl, a lestalJleJIti /flclia, s6rucutc elle podia usar da legis adio. Os latinos e os soeios, porem, obtiveram cedo o COll1lUóiu11t e o commerciu1IJ, mas, mesmo assim, lhes faltavam algumas fórmas da capacidade civil como a Ic,s:is adio. O titulo de cidadão romano começou depois a ser concroido, como por acto de magntlnimidade, em recompensa. á fidelidade dos subditos. Lisbõa, desde o tempo de Cesar, gozou desse privilegio. Os italiotas, depois de muitas reclamações inattcndidas, tomaram armas, rcvolucionáram toda a peninsula, e o resultado dessa commoçlltJ social foi a lei Julia dI.! civilall.! (anilo 644) garantiudo o jus ílt,ill' a todos os que se con~rvá.ram C. D.

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CRIMINOLOGIA E DIREITO

fieis a Roma, c, depois, 3. lei Pla:tfia PaPiria, estendcndo-o mais largamente a todas as cidades federadas. Da. ItaJia espraiou. se o ils civiulIl romallorum á Gallia, á. alguns municipios da Hespanha e de outra.<i provincias, até que Antoninus Caracalla realisou a aspira-;ão que se condcHsa,'a, de muito tempo, cm toda a vasta extensão do imperia romano, ampliando a todos os subditos livres, então existentes, o direito de cidade. No direito germanico, o mO\'imento é perfeitamente similar. A principio, cada tribu c/)ntinha camadas estratificadas de população, a cada uma das quaes se conferiam direitos differentes. No nlto, estallceavam os lIobres, que go7.avam de consideraçõcs e;,pcciaes, de onde saluam os reis e os mais galardoados funccionarios publicos. ltJgo em seguida, ...inham os homClls, livres, pouco djstanciadOf~ dos nobres, e que, com eIles estavam habilitados para exercer o direito de propriedade, tomar parte nas Msembléas populares, conduzir armas, usar de talião ou exigir o Wergeld, e conservar a 10lll'a cabelleira intonsurada e livre. Abaixo, OR lIão livres, que permaneciam 110 ",1u"iiu1Il do senhor ou passavam ao do príncipe, que nilo podiam ser proprietarios fiem exercer direitos politicOi e cujo valor [IOOuniario para o calculo das penas era a metade do de um homem livre. Estavam, pouco mais ou menos, na mesma situação dos nilo livres, os rusticos, fites fazem. Final~ mente, na base desta pyramide social, supporfando o maior pezo dos trabalhos e gozando de menores vanta.gt>ns, encontravamwse os escravos, e ainda assim, pela amenidade dos

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CRIXINOLOOIA. E DmEI'IQ

costumes, cm posição menos miseravel do que seus confrades romanos, O desenvolvimento ascencional dos direitos e prerogativas dessas classeS' inferiores não foi em linha recta, nem isempto de ...!rocessiles perturbadoras. Pelas modificações trazidas por causas diversas, princi. palmente pelas condições ecollomicas c constituição social dominante, umas dessas classes se confundiram, outras se obscureceram, até que se vasaram em outros moldes mais p~ prios para o alargamQuto de seus direitos, Assim é que os nobres peNeram muito de sua importancia primitiva. em sua maioria, ao passo que -delles se destacou uma parcella., a cllloSso dos gralldes, cujas prerogati ,-as e privilegios augmentaram desproporcionalmente. Uma categoria nova surgiu, com os cavaUeiros, ou homens de guerra, que provinham quer da classe dos livres quer da. dos nlo livres.

FtJta. tmnsformaçlo da condição dos homens se reflectiu nos livros de direito do seculo XH, No Sachsen Spiege/, (1), a condição mais elevada é a. dos principes, dos barões, dos bispos, dos abbades, depois dos quaes seguem·se os escabinos. Em grau inferior da hierarehia social, estão os cavalleiroo, e, em escala descendente, os descendentes dos camponezes e os não livres. Com a quéda do feudalismo, os principes, condes, barões ( 1 ) 8a111lIlte, Hill 411 4roi\ 0\ 48.1 lIu\. 4al' All8111.ape. \raol. FOllra!er. Parli, 1882:. "81 a Si.

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CRTVTNOI.OGU E nmE1'v

e cavalleiros

se unificam cm uma classe ullica, a nobre?.&.,

aliás subdividida cm pequena e grande. Mas as prcroga.tivas da nobreza foram progressh'amcllw decahindo ao passo que, • a seu lado, erguia-se a classe dos proprietarios c altos tuDecionarios. A condição jw'idica dos habitantes das cidades se egualou, comltituiudo clles a burguczia-, c os camponezcs se deslocaram de sob a auctoridadc dos senhores das terras, para a dos soberanos e CleV8yam-SC a UDla condição juridica certam(>ote mais digna pela supressão da !'tef\Tidão. Apezaf de menos Incida. e mais indecisa, ahi se descobre, em vacilla ntes evolutas, o rastilho da evolução juridica que,

cspil'alando em torno dos individuas c das cla'lscs a-vança c alarga suas curvas .

socjae~,

• • • Neste estudo, olhou-se mais particularmente para o direito, tal como se reflecte no indi\"iduo, porque é principalmente clle que o direito Yis~ para "alorisal-o perante a sociedade, • e para adaptai-o aos fins desta. Sendo um producto social, creado em beneficio e para a manutenção da sociedade, é aos individuas que se dirige de profercllcia o direito. Mas como eIle actua sobre a orgallisação social c tambem encara as aggrcmia.çõe~ humanas tomadas como unidades, será uma these de exploração illtercss~ntc e fecunda, inrlaga~ como a evolução juridica se reflecte no organismo social. Sobre ella, porém, apenas affirmarei meu modo de pensar

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CRINlNOLOOIA E DmEIl\) •

em phrases parcas, tanto quanto baste para não se imaginar que aqui ~c e~conr1.c algum embaraço invcncivel ao ovolu• • C10nISmo. Com o progredir do direito, a sociedade se avigora, se fortalece, porque "tio diminuindo concomitantemente os perigos que ameaçam sua exi:iwneia, principalmente os externos, c porque me clla dispoudo de remedias mais seguros para dominar as perturbações interna~ que assaltam-na. Della é que sc desprendem, II proporctto das necessidades, os direitos que "ão blindar os indi\' iduos e as llórmas -que os subjugam; mas, sendo a fonte de todo o direito, e dispondo de di~itos supremos, age de modo a eliminar-se dos primeiros planos do scenario, á medida que a adaptação cultural do homem se confirma e se alarga, fazendo com que o Estado, pouco a pouco, se c.ircum screva a uma orbita de mais em mais limitada de ac<,;ão, até que, um dia., 1Ii10 exerça mais do que as funcções do constatar e manter o direito. Um poncto curioso que se destaca nesta ordem de idéas, é cOilsiderar as nações umas cm frente tis outra.<;, dentro da orbita uo direito publico internacional. Na antiguidade, as nações fortes silo le"Mas a desconhecer a existencia juridica das mais fracas e não p6dem tolerar a daquellas outras que dispõem de "italidade e energia para resistir-lhes aos embates. Erguem-se isoladas, enfrentam-se hostis e travam duellos terriveis com as que se atre\'em a crescer e prosperar diante dos olhos de seu egoismo. A unidade soda!, fundamento nCC('ssario ao funccionamento do di.reito, só existe dóntro de cada

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nação, em particular, extendendo-se, quando muito, ás que lhe sIo subordinadas. Essa unidade, porem, expandiu-se, as nações se aproximaram, formando agrupamen tos naturaes e mais ou menos fortemente colligados. Consequcncia desse movimento de expansão da unidade

social e de consorciamento dos povos de cultura aproximadamente analoga c eguaI, vê-se hoje, l\ frente das mais, o grupo das DaçõeS occidentaes (EuI'Qpa e America), tendo um direito publico internacional commum, e, em via de formaçA:o, um direito internacional privado commum. O lUoyimcnto se poderá continuar indefinidamente, á proporção que os poYOS do outras regiões alcançarem o mesmo grau de força c cultura medias do grupo occidental.

A orientação, é, pois, a mesma, quer a evolução do direito seja observada no campo das relações individuaes e privadas, quer no das relações sociaiS c publicas. ,

••• Poderia depor aqui a penna, porque julgo Oleu pensamento a."isás esclarecido, minha these sufficicutemente explanada. Mas nilo me contenho bastante para nilo tentar outro genero de prova. O leitor me consinta mais este emprazamento, e, volvendo os olhos do passndo onde os demorou alguns instantes, venha surprehender a vida conteruporanea, desatan, do-se azafamada ou ruooerrenbl., á. sombra de um governo

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CBDlINOLQGIA E DIREI1tI

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democratico. Seja nossa. pousa.da uma cidade bmzileira qualquer, requeimada pelo sol dos tropicos e conscienciosamenoo prcoccupada com assimilar os refinamentos da cultura hodierna. E o primeiro transeunte sina-nos de objecto de estudo. EU-o. É um exemplar tri via} da especie. Sem fort.una, sem preoccupações que o amofinem. só por leituras tem conhecimento das cruas miserias do operariato extrangoiro. Analysemol-o sob o pODeto de Yist~ juridico. Tem direito de votar e de ser votado para quaesquer funcções políticas, desde 8.'i do municipio até ás da federação. Assim como concorro para que -outros se façam representantes do povo, poderá tambem elIe vir a ser um dia membro do conselho municipal, duma assem bléa estad uaI, do congresso da União, e nilo está inhibido de ser eleito presidente da Republica. Tudo depende de seus meritos e de sua bôa fortuna. Si Dilo é, poderá ser proprietario de terras ou de quncsquer outros bens. Suas producções litterarias. artistieas e iudustriacs silo desveladarnentc protegidas e garantidas pela lei. A facção activa e passiva de testamento lhe é reconhecid~ herdará de seus parentes que morrerem intestados, e, si conseguir, com seu trabalho, enthesourar um reculio qualquer, limitado que seja., tem certeza. de que sua familia o poderá fruir depois de sua morte, e, si nilo tiver familia, aquelle estabelt'eimento pio que escolher sua devoçito, ou seus sentimentos. Suas dividas activas e pa.~sivas, seus contractos, seu casamento, sua vida de familia, a. vida dos seus, constituem outras tantas veget&çOOs juridicas, assignaladas e protegidas pelo direito, ao menos emquanto o direito tiver a seu lado a força material capa.z

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CBDfINOLOOIA E Dmha 10

de suffocar o arbitrio c a prepúwllcia dos que nito se submettem a seus pre<,eitos. Seu somno I\. noite é tranquillo, porque sous ~uenos ha\,('res estão sob a guarda da policia, c porque essa mesma policia, em suas funcçõcs hygienica.s, afastará para longe os acommettidos de moll'Stias infecciosas que se ,"cohalU dccompôr a seu lado. Póde accionar c $('r accionado, ser juiz de facto no tribunal do jUl'y. Assim como transita li\Tcmelltc pelas ruas da cidad<" podertí, si sua fortuna o pcrmittir, flC'rambulal' pela superficic do globo, C', por mesquinba que seja sua appareucia, sua pcssõa podcni suscitar um couflicto internacional, porque clle representa uma parcella da soberania de seu Estado, é uma ccHula do organismo nacional. Nito "ale a pena continuar esta anah,sc . • Si Taino ponde, com OOIl S fundamentos, dizer que o homem é um theorcma <jue marcha, o jurista está, por sua "C7., habilitado a affirmar que o homem é um codigo que vi,"c. Agóra ponhamos o indiyiduo, cuja engrenagem juridica. iamos desmontando, cm polnrisação com U111 cidadito romano c serão de pasmar as differcnças, entre ambos, :-:.endo o aCtlr\'"o jurídico do moderno cousidera.\"olmellte mais lato. Porem, que não se ní tão longe. Sel'l.Í. mais edificante a antithese que offerccer um brazileiro dos tempos coloniaes. O domicilio do cidadão é um logar sagrado, cujo respeito 6 garantido pela força da lei. sua fixação é livre no cidadílo? Pois não é cssa uma conquista muito remota de nosso piltrimonio juridico. Ainda neste sccul0, com a ch~gada no Rio de Janeiro de D. João VI, que espayorido fugia ií.s garras

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CRDIINOLOOIA E DIREl1u

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potentes de Napoleão I, para alojar-a multidlo de ociosos do scquito real, as familias brazilciras foram coagidas ao aban· dono de seus lares, indo abrigar-se em barracas improvisadas e choupanas misers.veis pelos arrabaldes ou sob o tecto hospitaleiro de algum amigo mais feliz. «Bastava um lettreiro,

Prf'gado na porta de uma casa, para que o inquilino ou proprictario que a habitasse fosse constrangido a deixaI-a em algumas horas, ou de motu-proprio ou com o auxilio da. força. publica (I). Podemos os brazileiros entrar e sahir livremente do paizj pódcm os nossos portos receber navios de qualquer nacionalidade e assim facilitar nosso commercio com aquellas praças que melhores vantagens offerecerem? Nada mais justo nem mais proveitoso para os individuos e para a collectividade. Entretanto, até 1808, nossos portos estivera.m trancados aos

extrangeiros, e s6 com a metropole se cammunica,"R a calania, Si accedendo ás suggestões de Silva Lisbôa e outros espiritos esclarecidos, o go\'erno portuguez permittiu, então, que os porto\do Brazil fossem abertos ao eommercio e á navegação · dos po'vos extrangeiros, essa medida revestiu um ca.racter provisorio, e, um pouco mais tarde, se lhe fizeram restricções. Mesmo a passagem de umas para. outras capitanias era diffi· cultada por varios modos, Só com a independencia politica é que o direito de livre locommoção nos foi definitivamente assegurado. Estão os brazileiras tam habituados a dar vazão ás suas . idéas, a seus sonheis, a suas paixões, a seus adias pela imti)

Pereira d.. 8th... Fllfltlaruo do bIlJ'triO, '1"01. II. PI - 25.

C. D.

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CRrnJXOJ.ooJA p. OlRErro

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prt'IlSU 1 lluma lilJ('rdad c

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llluitílS n-z('s, Duma

incontillcllcia não raro t'hot'anfl'. (jlH' se julgaria h'rem ell~ "ido acalentado-,-, dcsdc o berço da nacionalidade, peJo ruido 1I10notOllo dOf:\ prelos cm modmcnto. Eutretanto, (linda no começo deste &ecnlo, p(~:;a\"a a muldicçito c o banimento sobre as t)"pographias, que se ni:lo podiam cstalJ.:>lcccr no Brnzil. E quando afinal :-;e fizerem rOIlCCssões ao tempo de D. João VI, aiuda \'ieram ('lias timoratas ou ruyiuhosas, enyoltas nas malhas da censura pré\'ia, da 1IIt'.~a alisaria, ti qllru se tinham de submettcr quacsqucr trabalhos que aspirassem n }mblicidadc pelo. imprensa. }~oi, p<lrtanto, oom considf'ru\'C'l il. distancia galgada ent.re essa cpocha de comprcssiJo c a dos tempos que

correm. Não ha muito tCIlII10 que foi derrocada a instituiç~ da cscravidão com {l.') suas concomitullcias de miserias e degradações. Não ha muito tempo que a lei prohibiu. a CrcC)do de templos não catholicos, porque a sumptuosidade possiyeI desscs cdificios poderia offend<,r a gloria triumphal da religião dominante. :Mas uma força im pulsiYa socrguiu. os espiritas iuinterruptamelltç, esclarecia n opinião geral e fazia descer da culminancia das mentalidades mais avantajadas para as intelligencias vulgares n noç1to c o sentimento da liberdade. E a engrenagem juridica fabricada para dirigir e conter a sociedade, teve de refazer-se, vazando-se em moldes mais largos c mais fortes, que, por sua \'CZ, um dia, quando a cultura nacional florescer mais ,'igorosa c elevada, hão de ser nova-

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CRIWNOLOOIA E DIREITO

mente quebrados por já serem rstnitos e debeis e incapazes de conter as Côrmas sempre nons da "ida. E, como diz a phrnso grandiosa do cheCe do naturalismo francez, la vie est clernelle, d/e 1le fait jamais que reC01Jlmellce~ et s'accroitre. É rude a tarefa de interpretar os mysterios da natureza. Desde longos annos que o homem consome a..'i suas forças, exgotta. as suns energias na decifração desse encadeia.mento dc enigmas, que, parece, s6mente se desvcnda.m para descobrirem, por traz de si, novos reductos. Mas, illusão ou realidade, estou convencido de que a theoria da evolução deITamou um poderoso jacto de luz llestas trevas.

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Instituições e costumes juridicos dos indigenas brazileiros ao tempo . da conquista De nossos antepassados caboclos, conser.amos, além de modalidades lexicas e syllt.acticas, que dão ao portuguez falado d'estc lado do Atlalltico um aceentuado cunho de brazileirismo, certa.~ usanças e costumes não juridicos, persistentes, principalmente, no interior dos E.. . tados, como um attestado irrecusavel de que a raça vencida não era tão desprovida de vitalidade quanto approuve affirma.l-o a sobranceria

fidalga d. algall' escriptores. De costumes juridicos dos brazis é que não nos restam vestigios incrustados na legislação patria. O direito portuguez

dominou soberano, varrendo

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instituições dos aborigenes

que, acossados pejo cyclone de uma civilisação intolerante,

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222 sauguinal'ia e de\'astadora, segundo lhes de da parecer pelo que "iam e soffriam, se foram refugiar no adyt'l das no~ restas impenetraycis do interior, á margem. dos grandes rios que retalham regiões ubertosas mas illsaluberrimas, onde quer que os rigores da natureza os defendessem das bruta~ lidades de uma cultura tão balda de movimentos affectivos, c ahi subsistem ainda, mas como que allkylosados, e com SUM instituições incontestavelmente deformadas como a sua língua.

Entretanto Cllmpre ao historiador investigar qual o estado a que haviam attingido as instituições deRses povos, nilo só porque encerram taes indagações um interesse verdadeiro para. a ethnologia jurídica, como ainda porque dellas nos pódem resultar esclarecimentos para comprehendermos

melhor a inclinação particular da cvoluçtto do direito no BraziL O definhamento de certas instituições, o reflorimento de outras, as modificações de mais outras poden10, em muitos casos, ter exp1ica~o n 'alguma tendencia herdada dessas tribus que vagabundeamm ao longo e ao largo deste \'asro paiz antes de conquistado pelas armas }lortuguezlUi. Não me dominam preoccupações romanticas nem de um nativisme exagerado, mas simplesmente o desejo de ser exacto, quanto a indole e os limites deste trabalhopermittirem e minllas forças comportarem. Quanto ao elemento negro que ent.rou para a formação do typo ethuico do braúleiro, que contribuiu para o a.ugmento de nosso lexico, para a adopção de certos costumes e saliencia de celtas tendencias de caracter, não pellso que deva constituir

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CRIMINOLOGIA E OmEll"O

objecto de um capitulo da historia do direito natural. E a.s razões em que me apoio para assim opinar são as seguintes: Como elemento etllnioo é natural que a raça negra tenha predisposto o braúlciro para um certo modo de conceber c executar o direito. Sobretudo a riqueza - aUcctiva que alguns ethnulogos e philosophos assignalam como funda.mental na. psychologia de muitas trihus africana~, por certo não se perdeu de um modo absoluto.

E nosso. benignidade jUl'idica Mão creio que seja exclusivamente latina, nem uma simples superfectação litteraria. Mas, por outro lado, e além dessa tendencio. diffusa., não encontro um instituto juridico em que a acção dessa raça escmvisada se manifeste de um modo apreciavel. J ustamcntc porque entrou para a formação do PO\'O brazileiro na qualidade de escravo, isto é, som personalidade, sem attributos juridicos, além daquelles que pódem irradiar deum fardo de mercadorias, a raça negra apenas apparecc em nossa logislaç.10 para determinar o regirncn de excepção do esclavagismo que ainda a tisnou em nossos dias. No estudo das leis da escravidão, mes como se decretaram cm nosso paiz, desde os tempos colonio.es, modificando-se, avançando, recuando, alterando-se de accôrdo com as tendencias do momento e as preponderancias das classes egoisticas, até sua extincção completa., -rasgando as portas do paiz para o ingresso da Republica, estudando estas leis, enfrentaremos com o elemento africano, mas incont.estavclmcnte elle entra am sem feição peculiar.

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E um escravo. Que importa a. côr das grnnulaÇA1es de seu pigmento.? Que importa a sua origem ethnica? Eliminado o. regimen da escravidito, foram os pretos definitivamente incorporados á sociedade brazileira, já fórmada e distincta especificamente. Não poderIo mais ser objecto de uma analyse particular do historiador nem do ethnologista

do direito.

••• Alguns indianologos nacionaes c extrangciros, ioycstigaudo a lingua, os costumes, as tradições vArias, os detritos soterrados dos povos e das ci"ilisaçOOs que estanciaram pelo

Brazil ante,<;; dR. descoberta e nos primeiros

aODOS

da conquista.,

julgaram poder reduzir todas essas nações tribus. c hordas

dos selvioolas braúleiros a dois typos ethnicos: os tuprs e os tapúias. Outros, com d'Orbigny por abalisado guia, Dito hesitaram

em incluil-as todas num só famo ethnico, a qU('i se deu a denominação de bra.zilio-guarany. Dentre os que adoptaram a generalisação do sabio ethnologo france7; destacarei o nosso illustre conterranco, Baptista Caetano, inconresta\'elmente o brazileiro que mais pro"eitosamente estudou as linguas e dialectos de nossos bugres. Este escriptor affirma que «as tribus americanas inquestionavelmente se differençam menos umas das outras, do que cada uma della.<; da africana ou da caucasica» e que o aba-

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CBDlINOLOOIA E DIBEl'rtI

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neenga, o tronco de onde procede o guarany, o tupy, o omagua, extendeu o seu dominio desde o Panamá até o Rio da Prata, c dC8de os Andes até .: o cabo mais fi vançado da costa do Brazil que penetra pelo AUantico a frontear com a Africa ... Desta unidade idionomica faz resultar a unidade ethnica, affirrnundo ainda ser provavel «que I.í. das cabeceiras onde nascem os ingentes rios tambcm deftuiram as tribus dessa dilatada raça de aborigener.; que se derramaram por toda parte a leste dos Andes ,. (1). Os estudos de Karl von Steinen !õlobre a lingua, as lendas e a ethnographia dos baeahirys pa.rece que vieram dar alguma raziIo aos que affirmam não haver unidade ethnica entre os aborigenes da America do Sul, embóra entre o bacahiry e a lingua denominado. tup'y haja maior aproximaç30 mesmo do que entre esta e o Keriry, qllC entretanto Baptista Caetano julgava connuos (~). •

Não está, portanto, liquidado este poncto. Nenhuma duvida, porem, poderá. existir sobre a variação do~ graus de adian~ tamento dos indios brazileiro:'l, pertencess9m eIles ou nilo á. mesma raça. Os Aymores eram incontestavelnlente mais grosseiros, mais atra.zado~ muitissiIRo mais aproximados da animal idade (I) AfO"/ament(M .oora a /loonaenga, RLa de JalleLro. U114. I'. ap., "', UI, (2) Vide, _Ilda 4a lI~ro d, SleLaell, lia J anl4l do Q,,,,_I"eio. &Ia 4, ~'II,lro. un, a. 161. o.poll de eserlpLlI e pllblleed.u estu pln',_, Iollle\ collbeellllellw 41, _,\ln'" 8brellreleb .obre a d;~ a dutrifNirão dai mbw d{I BI'IUil, trab,lb '{De ke4ul .. o ,",dilo pJOte.af c.pt.tnmo 41, Abre.. HbreDnlIdl 4esLiea 0110 CR.JIf?' _&11111_ : T.pll, OH. OoLlaeú. C,n.blbu, )IIip.re. Puo, )(Iralllla, O'lufÍi (Ratuta da &a.dadc 4c (}f~i4 do Rio de JtmfÔra, 10111, 8; kldoro Kartlll .I.. laf. B~ do Diraito kaàOfl/ll, 181!t, PI. II~ e .... (~ D ,

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226 do que os chamados I,,/')'s. E estes por sua .e1., q.uer em S. Vicente, quer na Bahia, quer no Maranhão se rC"eláramde uma cultura patentemente inferior ás antigas tribus amazonicllS, segundo 001-0 demonsf-ráram os estudos do professor Rartt, de Ferreira PeIUla., Barbosa Rodrigues e Ladislau Netto sobre arC'heologia do Baixo Amazonas. R('almente a~ construcções de montes artificiaes, medindo

até duzentos metros de comprimento sobre treze de altura, os trabalhos de cer:lmica, os ornatos c gravuras d03 povos que hahitarám as regiões adjacentes á foz do grande rio, attestam li. existencia de uma cü-ilisaçlto intermedia, uma transição entre os Índios do sul c os peruvianos. O professor Hartt nilo trepidou em comparar os fabricantes de tangas de argila do Baixo Amazonas aos oleiros da Grccia antiga, pela firmeza admira-.el C(Im que insculpiram os adornos graciosos e complicados (I). A organisação social reflecte neces:'iariamente essas gradações de cultura. V"ma:'i tribns apenas reconhecem um chefe de occa~ião que as conduz á guerra,á depredaçito e .i. pilhagem; outras, jáconsolidadas em uma orgallisação associativa mais cohesiva, embóra rudimentar, pódem coUigar-se diante do perigo, fazendo-se fortes pela união, como as CJue formaram a celebre e malograda confederação dos tamo\-os . • Aquellas tribus, em fine o principio da auctoridade já se localisltra como centro de cOllvergencia c se accentuára com!) energia orgallisadora, haviam adoptado signaes indicati'\"os da ,I,

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CRIMINOLOGIA E nmEITO

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presença do chefe, de modo que ",lIe se podesse annuueisr ti distancia e, cm torno do seu busto symbolisaudo a coll6ctividade, se viessem congregar ci~ valentes. Eram principalmente fogueiras que, á similhallça do que pratica"f"àm os ·hebreus, se accendiam pelos campos ou pelas encostas das montanhas c que, pelo modo de sua distribuição, por sua situação ou por outro qualquer accidcnte, determinavam o rcconhecimento do chefe que as mandára queimar. Eram tambem certas V07.eS imitadas á natureza, á fauna principalmentr, grito deum animal, canto de uma ave," que indicavam o logar onde se achava o guerreiro, chamando a postos os seus COlliOCios, animando-o.,>ou guiando-os Para melhor comprehensão dos factos, c methodisação. no modo de cxpol-os, tomarei por itillerario o que me tra· çaram as grandes divisões da scieae!'l do direito. Consideremos tm primeiro lagar direito publico internacional. Comprehende-se facilmente que os broncos sel\'icolas de nossos sertões não podiam ter um complexo de normas reguladoras das relações internacionaes, quand.o aiuda estavam ma] affirmadas as organisaÇÕ6s associativas em que vi\'iam, e quando.) é bem certo que nos culturados povos do oCcidente este ramo do direito possue simplesmente um "alor moral, pouco mais é do que um postulado do sentimento, desprovido de sancção. O que aqui se poderá collocar sob esta rubrica silo as relações externas, de tl'ibu a tribu seh"agem, ou de aggremiaÇÕ6s de aborigenes em frente aos povos europeus. O estado de guena era normal entre as hordas brazilicas, se bem que muitas delIas fossem entre si amigas nos remansosos dias de paz como nas horas affiictivas da lucta,

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CRlVINOLOOIA B nWEITO

formando como que allianças offensivfl.ii e defensivas. Si, entre Ay",orés, as investidas se fazi8.IB de imprenso, sem regra, e sempre li trahição, segundo o testemunho de Pedro de Magalbileg e de outros, povos havia que tinham a.dOptad9 um certo formalismo, não despido de nobreza, para as IiUas declaraç&s de guerra e traetados de paz. Resolvida a guerra em seus conselhos, punham-se em marcha procurando fa.7..er a ultima jornada «de noite, pelo luar ~ como d.iz o anctor das Noticias do Brazil. Chegando jnncto aos arraiaes inimigos ou atacavam-nos antes de apercebidos, ou atiravam, dentro do ocdra um arco retesado e uma flecha, na qual, muitas Ve1.e8, se achavam

ma.rcados, por entalhas, os dias que pretendiam cem1tater. Outras vezes, mais cavalheiresoa, C, a similhança dos romanos que faziam atirar por seus feciaes uma lança no territorio inimigo a que dcclaravam guerra, os noSiOS selvicolas arremessavam, de longe, algumas fleehas que vi8ham cahir no centro da taba inimiga ( 1 ). Para estabeleceram a paz nilo raro vel-os-emos recorrer

a symbolismos poeticos, taes cerno o que nos descreve AleD:CRr no cap. 2: da Iracema: c. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba e correu para o guerreiro, sentida da magoa que cansara. A mito que rapida. ferira estancou mais rapida e compassiva o sangue que gottejava. Depois Iracema quMrou a jkcha homicida,. e dalldo a haste ao d~scoRiucido. guarrlou comsigo a panda farpada. O guerreiro falou: Quebras commigo a flecha da paz.' » (1) Goaçalnl Diu, O Brllnl e II (k'AIIÍlI, pc. II!.

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229 A hospitalidade reconhecida e iam gabada pelos chronistas e viajantes (I) como um dos bons predicados da familia tupy, me parece que deve tambem ser incluida em suas relações externas, pois que vivendo as tribus dentro de um pequeno tracto de terreno prestes a ser trocado aliás, por outro, dentro em pouco, possuindo os bens em commum e habitando em completa promiscuidade as ocas das !abas, nilo se da.ria pro-priamente hospitalidade dentro de cada uma dellas em relação a seus consortes, mas simplesmente communbllo, franquia, ou qualquer outra relação social similbante.

A este· proposito reproduzirei com pequenos o que já tive CK:Casillo de escrever.

acereSCUJlOS

O caracter de obrigatoriedade que resaIta da hospitalidade indigena do proprio modo de saúdar um recem -chegado é um problema que se me afigurou, a principio, como um caso de idiosyncrasin, por nilo lhe achar outra. explicação em face da bruteza de nossos índios. As doutas investigações de Jhering em relação á hospitalidade entre phenicios, gregos e romanos, não vinham cm meu auxilio, porque o Brazil, antes da coBquista, não conhecia o commercio.

Por outro lado, lembrava-me de que em quasi todas as (I ) Claudio de Abe,llIe lI._revI, entre iNmlmo e earilllloeo, OlmooOl lI.oeplcalelr'Ol

dOI 7"l1pinotllb.ú: d.eolheDI .... UI!

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CRDUNOLOGIA E DIREITO

partes do mundo, encontravam·se povos incultos, praticando rigorosamente a hospitalidade. Os germanos, por exemplo,

gozavam da fama de hospitaleiros, e o mesmo se póde affirmar dos hebreus, segundo o testemunho de seus fastos consignados DO Velho Testamento. Mesmo, de alguns insulares da Oceania, sabemos de actos de 00116\'0Ia hospitalidade, segundo DOS testemunham muitos navegantes. Kotzehue, por exemplo, refere que um certo Kadu natural de Uléa, foi ter, impellido pelos ventos, a 2,400 kilomctros do poneto de onde partira, na ilha de Aur, na extremidade or!cntal das Carolinas, onde foi acolhido e tractado como amigo por individuos que lhe eram completamente extranhos, e, o que mais é, perfeitamente barbaros (1). E similhantes a este, se poderiam aponctar outros

depoimentos. A.'õJsim, quando Ler.", no seu Dialogo, tradu? a palavra tupy Mous sacaI (ou antes che mbosakã, segundo a orthographia de Baptista Caetano) dizendo- ui bonus ti petjêclus la/e, jamilias qui peregrinos uialous exciPlil, que hospeda os viajantes, não assignala um facto puramente extranho a outros povos. Mas a caracteristica encontrada para o chefe indio no facto mesmo da hospitalidade parece indicar-nos que, entre os nossos broncos alltepa:'Jsados o exeitere vialores era um verdadeiro culto persistente e forte, por elles transmittido aos nossos sertanejos, onde ainda hoje a hospitalidade é uma das virtudes mais cultivadas.

Sem querer dar uma explicação que abranja todos os casos, (I) Aplld Lyell, PrlacJpeII ele Geologia, li, H. 6iS.

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CBJXTNOLOOIA. E DIltEl1'O

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e simplesmente encarando o caso brazileiro, pereceu-me que factores diversos haviam concorrido para a erecção da hospitalidade em preceito obrigatorio. Em primeiro lagar, devemos recordar-nos de que os carahybas ou falsos prophetas, como os chama Lery, andavam errantes de aldeia em aldeia, incitando á guer~ insufflando o espirito da força, promettendo chums, firmnndô crenças e colhendo presentes. As tribus receiavam certamente desagradar esses feiticeiros que gozavam de alta nomeada c eram considerados entes superiores. E o primeiro vindo não podia ser um carahyba.? Era, pois, llccessario tractal-o" benL Em segundo lagar, os indios, ociosos como eram, nlo estando cm gllen-a, gosta\'am immellso de ouvir nalTaç.3es de lendas ou contos, e 3,.<; monotonas canções de seus trovadores. Um recernchegado tinha, pelo menos, a historia de sua viagem a contar, e bem podia acontecer que fos se um desses trovadores que narravam, em linguagem poetiC8, as ('.renças e os feitos dos antepassados. LerJ'" e Cardim nos dizem que eram os indios uns apaixouados da conversa e da musica., falando com certa paixão e rythmo, affirma o segundo, e com muita fluencia por muitas horas, accrescenta o primeiro. Nestas condições um extrangeiro, por menos novidades que trouxesse, havia de necessariamente ser um companheiro para as longas palestras, e um companheiro com algum sainete de novidade, emquanto que os consocios da oea já esta\"am exgottados corno ouvintes c como falantes. • Póde-sc ainda accrescentar um tal ou qual enfatuamento de hospedeiro, uma ostentação de fartura e largue7.&, a que

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f'!RIVINOLOOIA. E Dmparo

nilo seriam extranhos esses individuos por mais atrazados que fossem: e, finalmcn~ uma., talvez, inconsciente previsão de que o hospedeiro de hoje podia ser o peregrino de amanhã. Julgo que por cstn.'~ razões se terá obtido uma explicação acceitavel da hospitalidade dos velhos tupinambás e tupinikins, sendo, porém, para mim de valor principal o preconceito, a superstiçlo religiosa.. E tanto ê provavel isso quanto a h05- . pitalidade offerecia., entre elles, um accentuado aspecto de culto, a que todos porfiavam por se prestar do m.elhor modo, com exageros mesmo, sopitando quaesqner constrangilPcntos. Vieste? interrogava" dono da casa ao hospede, como si já o esperasse, desde muito. Sim, respondia este natural e simplesmente. Fizeste bem ( 1), approvava de novo o hospedeiro, e estava tudo concluido, passando ás demonstrações a que já

me referi. Voltemo-RQs agóra. a examinar o governo e a organisaçlo social dos indigenas, os rudimentos incorrectos e vacillantes do que se poderia chamar seu direito publico interno. Esse governo devia ter sido necessariamente, é facil imaginar, de uma simplicidade yerdadeiramente primitiva. Em algumas tribus, a organisa.ção da auctoridadr, que é o nucleo em torno do qual se vinculam os individuos para a formação das a&~miações sociaes, é por tal modo inconsistente que podemos affinnar sua completa auseuda., a DOO ser transitoriamente, du.ra.nte uma guerra, por ooca.siíto de um Maalto aos visinhos, cmquanto" era, cmfim, realiSMO qllalB' ft.lj·pé' Pt, . ·Jl1r. Tt ag1IrJ 111", (I)

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t1UMINOLOOIA E DIREITO

quer feito em que a ronb'l'e~10 de todos os membros do grupo sob a dircCI;iIo uo mais apto se impunha com o lmpcrlO c a persuasão do instincto de rOllsermç.oo. Algumas outras uaÇÕ€'!-;, porém, como se pMe deduzir das narraç.õcs de Abe"ille, Fernão Cardim, Lery, H. Stadt, as dos chamados tupinambás (1),I)or exemplo, já deixavam ver um ccrto esboço de governo e policiamento &C()usando-se por traços mais aprecia\'eis, que lhes dito direito a um logar mais elevado na escala do desen\"olvimeuto social. Nito estilo, porém, estes narradores cm perfeito accôrdo sobre tudo quanto affirmam, e dahi difficuldades para quem estuda, atravéz delles, as usanças dos inditosos habitantes das selvas brazileiras antes de transformadas pelo contacto da ci\'ilisaçl1o curopéa.

Parece, entretanto, que se pôde ter como assentado que no governo desses povos a que me estou referindo, se punham cm evidencia, no cimo da aggremiação, os chefes directores da guerra, possuindo auctoridade superior á do pae de familia (móoJ'akd) e dos cabos de suas milícias (Kyreitnba.ba) por ... :t,' .".,.' mais intrepidos e aguerridos que fossem. Esses chefe! que, muitas vezes, eram dotados de altas qualidades, a poncto do venccrem odesprezo da raça. invasora e perpetuarem seus nomes na historie. patria, como foi o caso de Juruparyaçú, Cunhan-

(I ) Bap,tata C..tallO IAp.mkllllt'ftlo.r clt .• fate. r. ps. 14. II. pp. 41 I 1) põe d"'ldu que . . u duomlntç6H- t'upi1<lH"M tUJlinik8 Il'jam _III gtlllilleot, en1'lIldo I

I 11gv.ml trlbl. No Rio. lia nahll, 110 Maranhlo. 110 Amownu. eneont.r"'lm·M IlIdlOll dl~l'ndQ-M IlplDembú. Serll um" vullallml 111(11.0 8 n10 IIml hordl M1v.,.lI'I. _ qlle. 110 eXI1'8111.0 la",. OIVIMe o rugido IpnOt'lnte du pororoeu do gfallda rio. 'lIe d _ dOll AII4I11. e 110 ex""'1II0 1111 MI ",vlae DU IguU llmphl:u di aDlDlban. TupillGlIIh4, Mgl:lldo o endlkl pblllll0g0 • • 1gnlncl gente di tem ( /oco"''''' ':"eolae l. respo8t.11llRral , perpnt.l do, ellrol'"' ;- qll~1II M>I•. T1fpiniki 11gnlflClr' g9l1te vlllDhl.

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234

bebe, incluido por Thevet na .sua galeria de homens celebres; Poty, Jaraguary, Jacaúna e outros, eram designados geral. mente pelo Dome de che rubicha6a, que equivale a rex ou áux rei ou capitão.

Além do chefe, do principal, havia o conselho dos anciãos qu~

por sua. experiencia, eram sempre ouvidos e consultados,

É um facoo incontestavel esse do respeito aos velhos que, depois de uma. vida esforçada. de prelios e viagens, sentindo o braço desfallecer. impotente ao peso do tacape, recolhiam-se ao gremio da taba, promptos a esclarecer, com a sciencia que haviam adquirido, aos fortes da geraçlo que os vinham substituir. • E natural que assim fosse; mas dahi ao phantasiado cenaculo de certos chronistas, ao carbel do padre Claudio de Abeville, talhado pelo molde do senado romano ao tempo da republica, vae considerave} distancia. Nem tinha necessidade a critica de lembrar que a palavra carbct nito pertence á lingua geral, para pôr em duvida essa creaçito da mente exaltada do bene~ volente capuchinho. Bastava-lhe o simples bom senso. Mas, exagero á parte, resw. o facto de que os velhos eram acatados por todos e emittiaru votos em negocias militares e mesmo

domesticos (1). O territorio das tribus nito era perpetuo, mas nem por isso era menos ciosamente guardado e defendido. Certos accidentes naturaes do terreno, como os rios e as montanhas, serviam de (1) O. Diu, Q Bl'fUil ~ <I Oc~<lnM, pgt. 172. 1a ; Abedllo, op. eU., M. 880; F,fIll· ulldt 1)01111, migo, no U"iw,,, . .obro os Indloa do Drull ; Çafdlm. No,.,ati"" ~r, pr. '6: cem eada oca d.8$c.o.. lia lempre 11m prloolpal ...•• ba .tgnl "0111ot de gr.... de 10lle , .ue\Olld.~.. ; LeI')'. Dialogo. Outro. telItemllnhol ,llId.. podl ..... I0Il1 IIIVoead.oa, porim. para eGlIlIrmlçlo do upolldldo pareeom-m, IlItki.lIl81 oa q •• 1111 le ......

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CRIVINOLOOIA E DmEl'iU

235

marcos ás respectivas fronteiras, além das quaes os visinhos nlo tinham O direito de levar suas excursões venatorias, nem siquer transitar vagabundeando, sem arriscarem-se a chamar

sobre 08 seus uma guerra de exterminio. Sabiam ou pretendiam saber distiuguir entre o \"iajante innocuo ou mesmo benefieo

que era l'9Cebido segundo os ritos da hospitalidade, e o invasor malevolo que delles se aproximaya para defraudaI-os ou espionalo.(ls, e com o qual 8 crueza da repressão selvagem não se mostrava esquiva nem hesitrulte.

A justiça penal desses povos se achava, como é natural

-

suppôr, num estado de grosseria e atrazo consoante com os rascunhos de organisação social a que me tenho referido até agóra. Costumes tradiccionalmcnte observados como leis,

e crenças de tempos irnmemoriaes prescreviam certas norma.s a observar, impunham penas civis e punições de caracter

religioso. O taJião era muito usado e parece que tambem a vindicta por familia, embóra Dilo se possa absolutamente jurar sobre as narrativas notoriamente imaginosas com que nos empanturraram os chronistas ingenuos que por aqui estancearam nos tempos coloniaes (1). A responsabilidade, como geralmente acontece no periodo da civilisaçlo que atravessa.vam OR aborígenes brazilicos, era mais collectiva do que individual.• Eu te maltracto diziam

(1) I SI a,I*..-oe al(UIII IDJutIÇII. "lplll lo n,....ç&o coatonue .. 1"* d. "1110. 81 Ul njeUo di 1lO1Itro 1l1li1 bofetada, li ollr'«'4o" n-ber Oltrl.. ,I ta. qdbra mil 111'190 011 Oltro q..,lqDlõr !Delllllro, Ila d. njelwr-H lo 1,.11 dn&nl(lo 011 mIlW~. 01 1..-0&1, te .ata, .l.bftlll., elt.• PI, 180. O. DI... op. el"', pr, II" Ii'. ot.h:.op. eU., : CDO e_ ......·nlilato fh.edUadO, .,. o 1I01llie1'a 'lIbep. _ p .. a? "a TIe'lIIIa qlle o JutJç&l'IJII, o. d.malJ erimn pulam... com alei d. \Illf,o.

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CBJYTNOLOO~IA.~E~D~m~!~T~I\I'---_ _ _ _ __

ao prisioneiro, cm nome do meu amigo c parente que foi morto pelos teus ~. Como bayia tribus monogamas e outras em que as relações sexuaes ainda se nilo haviam submettido á disciplina de um diNito costumeiro, nilo é para extranhar que o adultario fosse em algumas partes facto indiffercnte, dando, quando muito, origem ao espancamento da mulher, segundo nos diz Gabriel Soares, em seu Role;,'o, ao passo que, noutros logares provo· CMie rigores de penalidade, désse mesmo logar á applicaçlo da pena de morte, si acreditarmos cm Abeville. O furto a inimigos e a extranhos que nIo fossem hos· -pedes era um acto licito. Dentro da. talJa., entro cousocios era quasi desconhecido, nos garante o accôrdo dos chronis· tas. «São rigor050s em respeitar o alheio, diz Abe\'ille. Como nada têm fechado, Dito ha furto, diz-nos Cardim. Si lhes falta ruguma cousa., narra outro escriptor, os carahibas dizem logo: algum christito andou aqui:.. Não devemos, entretanto, levar sómente á. conta da bôa indole dos nossos selvagens essa virtude, mas principalmente 0.0 estado de communbito da propriedade em que \'iviam, sendo até a. caça, quando obtida em abundaucia., distribuida. irmãmente e havendo poucos objectos sob a. posse individual de cada um. Sendo a caça o principal sustento dos incolas do Brazil, ao tempo 8 qne me reporto, para traçar este escripto, é natural que possuissem, a tal respeito, um direito nito escripto, apresen· tado aos espiritos sob o aspecto de crenças religiosas, pois que outra fórma jUl'idica nilo lhes era dado possuir. Foi da necessidade de submetter o exercicio da caça ao certas limitações, tendcn-

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CUDrINOLOOIA. E DIREITO

tes a garantirem a subsistcllcia da coUectividade que surgiram as concepções de Allhal~(d, CaltapoJa e CtentPira, os espiritos das florestas, lJarocletos dos allimaes bravios que serviam de alimento no homem c das arYOl'CS uteis.

Couto de Mngalhilcs nos refere, eutre outras, uma bonita lenda que encerra, corno elie mesmo diz, « uma profunda licção de moral e uma regra eminentemente conservadora» ( 1). Eil-a' tal qual nol-a conta o sabia indianologo: q;; Um indio perseguia uma veada que era seguida do filhinho que amamentava; depois de havel-a ferido, o índio podendo agarrar o filho da veada, escondeu-se por traz de uma arvore e fel-o gritar j attrahida pelos gritos de agonia do filhinho, chegou-se a poucos passos de distancia do iudio e eUe a flecheu ; elIa cahiu; quando o indio satisfeito foi apauhar sua presa., reconheceu que havia sido victima de uma illusão de Atmangdj a veada a quem o iudio havia perseguido, nilo era uma veada, era sua propria mãe, que jazia morta no chito, varada por uma flecha e toda dilacerada pelos e~piuhos~.

Esta beBa e curiosa lenda faz lembrar nm interessante episodio do Ramayana em que Dacharta involuntariamente traspassa um brahmane fi flechadas quando se deixa certa occasião dominar por um delirio yenatorio que o faz esquecer seu.~ deveres mais imperiosos. E esta simples aproxjmação indica-nos a grandeza de concepção a que se alevautáram

.. .-

(I) Coll~ de lill(.l hlea. O&l<-aget". pg. 12g. N" enrl<l8O OItlldo .obre 01 Baeauy• . pRbllClld" ~a Reluta Brtuilnra. ISg5. pJT Cap~lra no do Abreu, 01lCoDtra·s.e a Lmpodçlo di mlllet;u cOlltra ot 11110 mat.m certos 'Dlm.u.

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os nossos pobres selvagens ao imaginarem a lenda que acabo

de citar. Com estas e outras crenças espalhadas e facilmente impostas á. ingenuidade dos selvicolas, a collectividade ia regulamentando o exercicio da caça em beneficio de todos. Podemos traduzir esse conto da. veada em um artigo de le4 do modo seguinte: É prohibido matar 8nimaes de caça durante o periodo em que amamentam os filhos. E ninguem desconhecerá. quanto vue de sabia prudencia nessa injuncçlo, para um povo que nas raizes das arvores

sylvestres e nos animaes bravios tinha todo o material de sua 8ubsistencia. Os índios sabiam domesticar alguns passaros e

mesmo quadrupedes, mas nilo sabiam aproveitar o animal como auxiliar de suas industrias, nem possuíam rebanhos de onde aurissem meios de sustento. Sua fa7..enda c seu celleiro era.

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flore.~ta.

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E chegado o momento de enfrentar com o direito privado, isto é, com aquellas n6rmas que presidem as relaç(Jes mais pessoa.es e mais intimas do viver dos povos, cuja consciencia juridica, rudimentar ainda e obsc~ é meu fito interpretar com o presente estudo. O quadro que nos deixou Gabriel Soares é deveras escuro e triste, quando pinta os habitos da vida privada. dos selvagens brazileiros. As borraeheiras em que se espojam continuamente tribus inteiras, velhos, mulheres e creanças; a lascivia indomavel que rompe todos os preceitos j os incestos mais horripilantes j a ostentação de peeeaminosa luxnria, de requintes nefandos j e nIo sei quantas outras pechas, voltam c se repetem pelas paginas do

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CRIMINOLOGIA. E DmEliU

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Roleiro. É um painel de tintas escutas, expondo intencic..lDal· mente sujidades e grosserias, com um vagar e tal minaeia que, por certo, se arreceiaria. de ostentar um sisudo narrador moderno. Mas é preciso ter em lembrança que a maior parte dos chronistas luzos timbrava em malsinar dos pobres índios, talvez para que nito repugnassem muito, á consciencias christãs, a crueldade com que os tractavam e a escravidão a que os reduziam. Pois si até houve um, o padre Simito de Vasconcellos, que achou de incluir num rosario de mazeUas da infeliz raça explorada, o costume de banharem·se os indios a cada passo nos rios! Era para o acanhado espirito do religioso mais uma similhança que apresentavam os précitos da America com os précitos que, oriundos d1.Asia, se dcrramarám pelos paizes da Europa, os judeus. , E outra a feição dos francezes, sempre inclinados a. exagerar o lado bom dos selvagens, a emprestar-lhes virtudes ás 'vezes inscred.itaveis. É preciso traçar um caminho equidistante desses dois extremos.· Nas relações familiares, como nas sociaes, depara-se com a mesma differença de typos ou de desenvolvimentos que já tive de indicar. Algumas tribus praticavam o ma.is desenvolto hetairismo, aggravado excessivamente nos aldeiamentos submettidos á auctoridade dos povos civilisadosj outras eram polygamas ou monogamss, mas de um rigor extraordillario nas relações matrimoniaes, ndmittindo, erub6ra, licença na vida anterior ao ca~amento. A lenda de Mani é uma prova de que havia leis

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CRnnNOJ/.lOU E DIRI'::rtO

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cthico - religiosa., prohibith'as da copula indisciplinada., ao menos em algumas nações. A lenda. dcix atrausparcccl' influiÇÕCls de crenças cxtranhas, de idoos inoculadas por alicnigenas, mas n[o se radicaria clIa na consciellcia popular si Dito correspondesse a sentimentos pIT'cxisrentes (1).

Ainda cm noss('ls dia.'), os Guatosquc habitam os campos do alto Paraguay, não são mOllogamos, porem, entre clIes, a mulher, contam os \' iajautcs, não ousa cncarar outro homem além do marido.

Os chambWd.'J, no A.llI3.r.onu.'), são eguaLmente rigorosos em suas relações de família, condcrnnando á morte as adulteras e mantendo essa instituição singular dos viri-viduant1ll de que nos fala Couto de MagaUliles_ Ao lado. desses rigores existiam as facilidades de que nos dá testemunho o missionario Anchiêta, «Os indios do Brazil, diz ene, parece que nunca têm animo de se obrigar, nem o marido á mulher, nem a mulhel' ao marido »,

«Nunca vi, nem oU'f"i, a.ccrescenta, que com o sentimento de ndulterio algum indio matasse algumn de suas mulheres i quando muito espancam o adultero se pódcII1, c elle tem pacieneia pelo que sabe que tem feito, sal.o si é algum principal e a mulher não tim pae ou irmitos ,"alentes de que elIe tenha (I) Tra'--tlc da fIIba de 11m ~herEl III'lfagcm do babo Amazonu, qIII Ipp_. ","vida, sem rODfelS4r quI fóra ,ell. lIumpllre por mal~ 'I" fnu'1I oe rutlp empnogadoe. Ao contrt.r\o, diante de rogos" 1IIIll"Oçu, a_v(')'t,\·a aempre qlle nlo iIIvla lido rellçio com homem algllm. TerIa lido &lI_loadl pelo pile enr'lLrll1lldo, II, em souo, lIlID bra!leo elo vIesse dlM>r I"~ que IUI (.lha era Inn~IIk' . Afioll nnee 1i111 lIIelllDO oJl.raOfdlll&flamrnkl dotado, ml.lL que mone Impre,·ll:tameokl. o. IlOva ode foi eaterra40 _1'11 • maodlot'l, plania Ite en!.Ao deM'ollhet'ldl 1". d'ohl em dlaate.llullto "ti· Inlda pell farlnba e peJo flnho "lIboro~o que fornece.

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CRIM1NOLOGIA E Dmgll\)

medo::t (1). Este mesmo escriptor,porém, distingue entre mulheres legitimas (TonerirJ,.dê), c não legitimas, cujos filhos slto considerados furtos (mandaró a~ero) (1. O casamento se fazia, em todo o Brazil, sem formalidades. O simples concurso das pnrtes era sufficiente para atal·os e dissolveI-os. Contam, entreta.nto, alguns auetores que tractando-sc de uma Yirg('ffi de grande estimação por sua fonnosura ou Pf'Ja nohreza ele sua c:-;tirpe, si assim é permittido dizer, exigia-so que o noivo praticasse algum feito brilhante para merecE'l-a. Üfrtas trihus eram exogamasi iam tomar raparigas a

outras aldeias; outras citabel{'Ciam jogos para. experimentarem a destreza dos pretrnd(,lltes. quando varios disputavam a. posse da mesma moça, naturalmcntl! filha de um chefe notavel (S). Como aUestado da C'xogamia, relatam e)lronistas um aeolltodlllC'uto que FE'rdinaud Ilenis aproxima do drama que deu assumpto a llIiada, e 11:10 é difficil que outros roubos de sabinas so praticassem lias tE'ITns incultas do Brazil. Eis o facto: "U"ma rapariga de certa tribu da ilha de Itaparica foi raptada pelos habitantes do local onde depois se edificou a cidade da Bahia; l' dahi accendeu-se uma guerra terrivel:t (4) que prolongou-se por annos e anllos) com uma pertinacia e crueldade extraordinarias. O. . casamentos com aR sobrillhaR eram permítt-idos, mas 2) RelvM da Erpo.,iC,ill Al1thrOf'llI.fJ!]itll, I'p. i\ ti a. (I) fi. DIu, ap. rit., pg. 196. {41 Fenllll",d Dell!~, ap!/d Li5bo&, Obm ... \"01. II . pg. -l66.

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2-12

QRIVINOLOGIA E Dm",i'OO

não com as filhas, nem com as irmits, bem que, em rela~ a estas ultimas, quebrassem algumas vezes fi regra. Simlto de Ya~('onC'Cllos affirma que certas nações instituiram o costume di os irmitQs sobrcú"cnws se casarem com as viuvas dos irmãos fallecidos, para snr conser"ada a geração, -e nisto, di~ o padre, que sc pareciam os índios com o judeus. ADchieta o que nos diz é que os selvagens chamavam filhas as filhas dos irrnítos, e com ella~ se nilo casa vão, ao pa~so que julgavam lhes pertencerem as filhas das irmãs e por isso as tomavam para mulheres.

É que já então o parentesco pela linha masculina era o preponderante (/ a supremacia do homem no lar estava estabelecida. Realmente o chefe da familia era o pa.e, chefe supremo de poder iucOIldicionado. .

Entretant.o parece que houve um tempo em que as relações f&Dliliares eram todas pelo lado materno, tal como sabemos que existiram entre PO\'os de várias raças, ao tempo da chamada matriarchia. O que me leva a pensar deste modo é, em primeiro logar, esse costume, referido pelos chronistas, de sujeitar-se o pae do recemnascido ao resguardo que devera ter, não elIe, porém, sim a mulher (1). Parece que, no selvagem estava arraigada a crença de que sómente o acto de dar a creança á luz é que estabelecia as relações entre esta e a mie. E querendo elle concentrar em si todos os direit.os da familia, desde que esta se condensou sob SQ& auctori(I ) Ir ade o ehamldo ()OIIlume da roul/lo tIue 01 ethnolOffOI eaWIl\rnam m1l1lo

plloralilado, eDtrfl os 'elvlpu.

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243 dade exclusiy&, simulava soffrer em Qonsequencia do parto. Visivelmente estão ahi sobrevi vencias de cpocha.8 anteriores, em que a oognaçilo feminina i a unica existente. Outro argumento cu colho nas palavras com que os índios designaram 8.~nelações entre o mundo e as divindades 8Upe· riores, os fetiches astrolatricos que preparavam o advento de um polytheismo que nlo teve tempo de vir. ]acy, fi. lua, que assim ilha-se .á Tanit dos pheBicioR, com acção muito mais restricta1 aliás, é a mie dos vegetaes; de Jd, fructa, brotar, e cy mtte. Coaracy, o sól, é a mie dos viventes; de guára ou codra, vivente, e C)I, mie. Isto indica bem claramente que, ao tempo da formação destas palavras, o elemento creador era., para os tupys guaranys, s6mente o feminino. Depois vieram outras idéas. Suppor.-se o filho exclusiva-

mente procedente do pae, como o demonstram o CHnhamnenbira e o marabd. Cunhallméllbú-a era o nome dado ao filho

do prisioneiro que ia ser immolado e, como tal, reputado sangue odioso do inimigo, embóra procedesse de uma mulher da tribu, a esposa dos ultimos momentos do condemnado. Os marabds eram os resultados dos connubios de indias com brancos, in~ correndo nos mesmos odios votados aos paes, sendo, muitas ver.es, para extincção da raça, enterrados vi vosA. mulher, desde que podia prestar serviço, ia. auxiliar a mãe no serviço domestico, apanhar agua e lenha, preparar a comida, transpOltar os objectos de uso diario nas viagens e mais ineommodos, pois o marido ou o pae s6 tinha que con~ duzir o arco. Attingindo a puberdade} necessitavam de puri-

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CRilrtNotoou E DtRElto

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ficar-se, e abriam incisões nos seios o nas pernas para indicarem a todos que já eram unheis (I). Mas, cmqllanto ,rirgens (cunnancoaray11la), traziam atado aos braços ou á rillctura uma cincta que dc\;am romper logo que se C!lSflSSem ou de qualquer • fórma perdessem a virgindade. B costume idl.'ntic{) ao de muitos

-

povos do oriente e d'Afriea. Qu('m lião se recorda das cllot'Uelits de Salambô que se romperam c l'c~altal'am })010 chilo em teilidos escarninhos, na tenda d<> )faUlô, o herculcs amoroso? Direi mais algumas phrasrs, c estas, sobre a propriedade. Tempo é já de dar mn remate a este achambOld;j rascunho. Habitando muita::; familias a mesma oca, po.:;suiam tudo, mais ou IRenos, em COlllftlUm, c;;;taHdo apenas il1dividualisada a propriedade de certos moveiti, utcllsilios e armas do uso

commum, O dorulnio tcrritol'ial 1 esse não existia absoluta~ mente. O sólo era passuido em COfilmum pela tribu inteira1 e isso mesmo temporariamentc porquanto, cle temp05 em tempos, le'\"antava.·se o grupo, abamlona"a as choupana", e mais longe ia novamente fixar seus lares, nito dcmol'ando~se cm um local, ordinariamente, mais de cinco ou seis anllos. 1

Em relação a. este assumpto, deixou-nos Thevet, uma ,hrase que vale por um longo e minucioso tratado: « Reputar-se-ia. para sempre deshonrado o seh'agem que, possuindo qualquer cousa, nilo supri~sc o visinho ou parente que carecesse d'ella ». {lI Alfr. Wallaee ( A n"rnrtú'l! of tNu'ez" OA Me AlIllUolICu' and Rio Negro, 3-' M.. pr. tUJo eOllnrma 'lU, .01 prim.elro. 31S_ d. PQberd.ade, lêm .. mulheres de Ktrrer lIA. 01'4&11 ... E refltl'e que DU reglõ," pGr ,lia \'Ialt.\du eoulilte ena alma futl,pçAo • 11p6lanlgld. pelo. ",reolei lobre I rapariga, em complel. lIdei, Ilê 'lU eUa .'Ia Bem. Mlltldot, _DteolCllldo malW veut lllo recobrar u imo 'poz ena barblra plritie&çlo. Depois dlMo per-.JtteJll,·lbe eomer algama. eo.... e eUa é declaMa. II1Ibll, _riagea61e

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CRtV1NOLOGlA. B BTUi'lv

Isto quer dizer que, mesmo naquella parte limitada em flue a propriedade se individualisara, uma incJ;naçl&do espiritoestava sempre disposta a diluil-a, restabelecendo a oommunbão. Ás mUlheres incumbiam ma.is directamente os trabalhai de cultura dos ca.mpos e a direcçIo eoonomica das ocas. E affirma-nos d'Orbigny «qUi ellas nuncasoffriam censura. pela • maDClr& porque governavam a casa:t. Deficiente ~ ,por certo, este estudo. Mas guiaram-Do e penetraram-no, de extremo a extremo, a sympathia por uma das raças que contribuiram para a formaçJo do povo brazileiro e o desejo de acertar nesse dubio terreno da ethnologia juridica. E se o fructo é fanMo, eiQOoum-no aquelles dois sentimentos (1). u) Martlu ~uiOl',

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CIIIIROLOGIl E DIIEITO I

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.... Prefacio.

Criminologia O Direito

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theoria da respousabiljdade,

Notas sobre a eriminalidade

O crime om

rela~o

ao tempo e á popnlaç1Q •

Confrontos ethnicoa e historieos

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capital federal

Da ooooepclo do direito

• •

5

9

23

53

65

83

91

lDtroducç4o á historia do direito .

Jo'órmula da evolução jaridiea

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da coneepçAo do

OODKl IUOoc\Qra

Sobre a philoeophia juri<lka

• •

Estado do Ceará

DO

DisViIJuiçIo b-tq§iaphiea doa eriDK'll

O Suicidio

113

123

133

183

Instituiçio e Mtumes juridie09 doa indigenas braziieiroe ao tempo da oooq'lista

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