A objetividade do conhecimento nas ciências sociais: o caso dos assentamentos * Reforma Agrária – Revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária – nº 3, vol 24:36-53 – set-out - 1994 Ricardo Abramovay ** José Juliano de Carvalho Filho *** * Versão parcial e modificada de relatório de pesquisa apresentado para o Departamento de Macro Estratégias da Secretaria de Assuntos Estratégicos (DME/SAE) da Presidência da República e para o PNUD em fevereiro de 1993. ** Sociólogo, professor do Departamento de Economia da FEA/USP, pesquisador visitante no Centre d'Etudes des Relations Internationales da Fondationa Nationale des Sciences Politiques (Paris), autor de Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão - Hucitec/Edunicamp/Anpocs, 1992 *** Economista, professor do Departamento de Economia da FEA/USP e conselheiro da ABRA
1. Apresentação O contraste entre os resultados dos dois mais importantes e abrangentes estudos sobre o desempenho econômico dos assentamentos no Brasil - o do BNDES (Castro, 1992) e o da FAO (1992) - poderia ser usado em cursos de metodologia para ilustrar a célebre discussão sobre a "objetividade do conhecimento nas ciências sociais". Com efeito, Max Weber (1989:87) ensina que "não existe qualquer análise científica puramente `objetiva' da vida cultural, ou...dos `fenômenos sociais', que seja independente de determinadas perspectivas especiais e parciais, graças às quais estas manifestações possam ser, explícita ou implicitamente, consciente ou inconscientemente, selecionadas, analisadas e organizadas na exposição, enquanto objeto de pesquisa" De fato, ambas as pesquisas trabalham com informações quantitativas baseadas em entrevistas, ambas quantificam a renda dos agricultores, mas seus resultados não poderiam ser mais diferentes. O trabalho da FAO (1992), dirigido pelo economista Carlos Guanzirolli e referente a amostra de cerca de 10% dos projetos desenvolvidos durante a Nova República - 44 projetos visitados, num total de 828 famílias entrevistadas - apresenta dados animadores. No outro extremo encontra-se a pesquisa do economista Márcio Henrique de Castro (sintetizada em sua tese de doutoramento, Castro, 1992), resultado de um grande levantamento do BNDES realizado com 1.517 parceleiros contemplados com