Paisagem Humanizada

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PAISAGEM HUMANIZADA



Componente teรณrica da Prova Final, Serra de รกgua Thermae Escola Universitรกria das Artes de Coimbra Ricardo Faia 2012


Tutor / Orientador


Arquitecto Paulo David


Agradecimentos


ao Arquitecto Paulo David ao Geólogo João Baptista ao Engenheiro Pedro Nascimento ao Júri da Prova Final ao professor João Paulo Conceição à minha linda namorada, Carolina Neves e à minha família que sempre me apoiou ao longo do curso


Ă?ndice


Introdução Preâmbulo Objecto Objectivo Metodologia Estrutura

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Etapa I- Paisagem Humanizada; aprender com o passado, para desenhar o futuro no presente Retrato físico da ilha Geografia, Clima e precipitação 6 Orografia e topografia 11 Geologia 17 Desenho da paisagem Paisagem Humanizada Paisagem Humanizada na ilha da Madeira Carácter vernacular Socalcos/Poios Veredas Levadas Poços/tanques de rega Casa elementar Miradouros Moinhos de água Serras de água Vigia da caça à baleia

29 37 45 47 51 55 59 61 63 65 67 69

Tipologia habitacional Furna 71 Tectónica 72 Levadas e recursos hídricos 83 Etapa II- O que construir?; a água como matéria de projecto Artemis – Diana 97 Esculápio 101 Baptismo 103 Peregrinação 105


107 111 113 119 121 121 123 125 128 129 132 137

O ritual do banho Vitruvio Laconium Hipocausto Caldarium Banho de flores Frigidarium Banho termal Spa Água minero – medicinal Água termal Cenotes

Etapa III- Onde construir?; a utopia da escolha 143 A escolha Contextualização 144 144 145 147

O território O clima e a água As serras A levada do norte

O povoamento 149 A Ribeira Brava como porto de exportação de bens 149 O povoamento da serra de água 151 Economia Transportes 153 Os transportes terrestres 155 O cais da Ribeira Brava Pedreiras, feridas na paisagem Conclusão Notas e referências bibliográficas Bibliografia Proveniência das imagens


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Introdução


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Preâmbulo

“No épico poema de Homero, Ulisses vive uma longa odisseia plena de dificuldades para regressar a casa. Procura o caminho de regresso á sua amada, acompanhado por um novo universo de experiencias.”1 Assim começa a reflexão do Arq. Paulo David, intitulada “ Aprender o caminho de regresso”. Dificilmente conseguiria sintetizar melhor o objectivo para o final da minha viagem académica, regressar a casa acompanhado por um novo universo de experiencias, por uma nova sensibilidade para ver e intervir. Estes textos aproximar-se-ão a um diário de bordo, relatando o percurso de investigação e desenho; servindo o mesmo como uma reflexão sobre o valor da paisagem na obra arquitectónica, e como cada risco por nós arquitectos feito não é mais do que magma, lava liquida pronta a adquirir forma e corpo num contexto mais alargado que é a geografia. A Arquitectura do lugar em cada lugar, em cada porto e cada nova aventura, a paisagem torna-se assim o herói dos textos que agora começo a escrever. Num território de beleza impar, qualquer gesto pode tal como a ninfa Cila, assumir-se como um monstro de seis cabeças...o primeiro passo foi estudar a ilha, compreender o seu passado e como foi sendo humanizada. A partir da apreensão desta Paisagem Humanizada, tanto dos aspecto naturais como do seu carácter antropológico na relação com o Homem, que ainda hoje é base da economia local; posso então elaborar três questões, tendo sempre uma quarta presente... Porquê?

...o que construir? ...onde construir? ...como construir? Acompanhando a enorme paixão, as folhas em branco, o inicio de cada projecto...e nelas uma frase: “ O espaço que desaparece parece-me ser a qualidade mais susceptível de dar alma e duração à Arquitectura e dela ser apreciada.”2 John Lautner

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Objecto O objecto de estudo desta tese é a paisagem humanizada no âmbito do panorama regional da ilha da Madeira. Pretende-se compreender a forma como no passado o ilhéu transformou o território, alcançando uma simbiose entre homem e natureza. Em determinado momento na história, a forma de intervir alterou-se; os motivos seriam material mais do que suficiente para uma outra tese, mas interessa-me sim perceber como voltar a intervir mantendo uma leitura harmoniosa da paisagem. Numa fase posterior do estudo, é compreendido que a água é um elemento de união entre homem e natureza, e motivo de grande humanização da paisagem, facto pelo qual torna-se fundamental analisar paralelamente, o papel da água, e do banho desde os seus mais antigos registos. Objectivo Primeiramente, compreender o território através de uma caracterização física da ilha. Posteriormente assimilar as motivações da intervenção humana na paisagem e resultados arquitectónicos vernaculares obtidos. Finalmente constatar que uma das formas de alcançar esta mesma harmonia está no uso de materiais nativos, potenciadores de uma simbiose entre construção e o meio em que se insere. O estudo por exemplo da geologia permite dotar a intervenção de um carácter tectónico extremamente forte.

Paralelamente... Ao pretender desenhar uma paisagem, marcada pela água, e que adquire forma em diversos programas, é relevante compreender a relação do homem com este elemento. Desde as primeiras referencias mitológicas, aos registos históricos; a relação e simbolismo da água e do banho apresentam-se como fundamentais. Muito em parte pelo grande problema que é a compreensão do programa que se pretende desenhar. Porque razão no passado se construíram enormes templos de fruição, como as termas? Mais do que a necessidade processual de compreender o programa com o qual se trabalha, está a necessidade de entender um programa com o qual não tenho qualquer memória, nenhuma associação da hierarquia de funções e partes que o compõem, de um percurso interno lógico de sucessão de espaços. Uma vez que um corpo arquitectónico é muito mais que a soma das partes, torna-se crítico, alcançar uma lógica de espaços que não um amontoado de programa, perceber a função de cada espaço, recuando até ás termas romanas como forma de obter uma base comparativa.

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Metodologia A etapa “Paisagem Humanizada”, foi elaborada através da análise de livros que documentassem os motivos pela qual o ilhéu humanizou a ilha, a par desses registos foram efectuados em diversos dias percursos de montanha para os observar e registar. “O que construir?”, deu-se um grande estudo sobre o que é o banho nas suas formas mais abrangentes, através de pesquisas multiculturais, e ainda uma extensa catalogação de termas romanas e a forma como funcionavam. Na etapa “Onde construir?”, parte dos estudos teóricos encontram-se nesta publicação e uma segunda parte mais concreta e objectiva na secção de projecto. Foram feitas recolhas de documentos, exaustivo levantamento dos recursos hídricos, e apreensão de toda a paisagem humanizada, assim como feridas na mesma.

Estrutura Como mencionado anteriormente este trabalho estrutura-se como um diário de bordo, sistematizando as etapas que conduzirã ao programa proposto e respectivo desenho e materialidade. Assim sendo a tese é compreendida por quatro partes, nomeadamente I- Paisagem Humanizada, II- O que construir?, III- Onde construir?, III- Como construir? Na primeira etapa é necessário compreender o território insular, na medida em que é condicionador e potenciador de uma determinada resposta/ forma de construir. Um carácter vernacular que se perdeu, mas do qual se baseia a primeira premissa da tese, recuperar a harmonia entre construção e natureza. Uma PAISAGEM HUMANIZADA Apreendida a paisagem humanizada da ilha, é delineado um programa, o qual é explorado desde os tempos mais remotos, e numa total abrangência do tema. Esta necessidade surge da pergunta O QUE CONSTRUIR? A quarta etapa consiste na escolha do local ideal para implantar o programa escolhido, é apresentado assim a justificação da escolha e feita uma caracterização do meio local. Já conhecemos a ilha, a forma como foi humanizada, o programa a desenhar, o local onde a construir, resta o COMO CONSTRUIR, a tradução da extensa pesquisa num projecto que no fim consiga ser lido como paisagem.

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I - Paisagem Humanizada aprender com o passado, para desenhar o futuro no presente

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Retrato físico da ilha

Geografia, Clima e Precipitação

A ilha da Madeira é a maior ilha do arquipélago madeirense e situa-se no Oceano Atlântico, a 796km da costa Africana, em frente ao Cabo Branco, e a 978km de Lisboa. A latitude está compreendida entre os paralelos 32º52´N e 32º38´N e a sua longitude está compreendida entre os meridianos 16º39´W e 17º16´W, encontrando-se em pleno domínio oceânico. A ilha desenvolve-se longitudinalmente no sentido NO-SE, atingindo o comprimento máximo, de 58km, que vai desde a Ponta de S. Lourenço à Ponta do Pargo. A sua maior largura encontra-se num eixo com uma direcção cujo sentido é quase N-S, com cerca de 23km, que vai desde a Ponta de São Jorge até à Ponta da Cruz. A área total da ilha é de 737km2, cujo perímetro, correspondente à linha de costa, atinge um comprimento total de 153km. A Madeira é uma das maiores ilhas da Macaronésia, região que possui algumas características particulares: ilhas oceânicas de origem vulcânica, que nunca estiveram unidas ao continente; estão sob a influência de ventos alísios de nordeste que sopram em direcção ao equador; partilham os restos da flora subtropical que habitava a Europa durante o Terciário. Um dos ex-líbris da Macaronésia é a floresta Laurissilva, que se forma entre os 300 e os 1300 metros de altitude e onde se desenvolvem uma vasta variedade de árvores e outros tipos de vegetação. Na ilha da Madeira constitui-se uma grande mancha de floresta Laurissilva, a mais extensa e mais bem conservada da Macaronésia, sendo considerada como a mais importante do mundo. Segundo o Censos de 2001 a população residente era de 240.538 habitantes. Devido à sua situação geográfica, a ilha da Madeira apresenta aspectos subtropicais com geração dos denominados micro climas; assim assistimos frequentemente a duas realidades distintas; na costa Norte, com presença de ventos dominantes, e o da costa Sul protegida pelo maciço montanhoso central e logo de temperaturas mais amenas. O clima da ilha define-se como subtropical oceânico, com as temperaturas a oscilarem consoante a altitude, embora se mantenham amenas. Apesar do clima ameno no Inverno é hábito nevar nos pontos mais altos, com as zonas sob a sua influencia a apresentarem temperaturas

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baixas e neblinas compactas. Os nevoeiros costumam fixar-se numa cota máxima dos 800 metros, dando origem ao denominado mar de nuvens, quando vistos de uma cota superior. Os ventos apresentam-se ciclicamente de Norte e Nordeste, com presença no Verão dos ventos de Leste, vindos da costa africana; estes elevam dramaticamente a temperatura, e a humidade desce, o resultado são dias de calor difícil de suportar e muitas vezes acompanhados de poeiras e areias trazidas dos desertos africanos. A temperatura da água do mar varia entre os 17° no Inverno e os 26° no Verão. É o clima da ilha que desempenha um papel primordial na formação de várias espécies vegetais. A conjugação dos factores (luz, temperatura, humidade e vento) vêm constituir um meio ambiente próprio e ao qual as plantas dos mais diversos tipos vêm a se adaptar. No que concerne à precipitação, a orografia e os ventos têm um papel fundamental, a grande abundancia de água na região deriva da absorção da precipitação no planalto e em aquíferos de maior altitude, criando bolsas de retenção a diversas cotas, fortemente relacionadas com a topografia e solos. É na vertente Norte que se formam as nuvens no período matinal, movendo-se sob acção dos ventos para a costa sul, descendo pelas encostas mais altas, é visível em alguns locais como o da intervenção desta tese, na Encumeada um movimento de nuvens, que empurradas pelos ventos de Nordeste, parecem criar uma cascata de nuvens que descem rapidamente pelos cumes do maciço montanhoso central. É no entanto no lado Norte que se verificam os maiores níveis de precipitação, e razão pela qual a maior parte da água usada teve de ser conduzida por levadas até ao litoral Sul.

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Orografia e topografia

Na ilha sobressaem duas formações, nomeadamente o maciço montanhoso central rasgado transversalmente pelos vales da Ribeira Brava e de São Vicente, e o planalto do Paul da serra. A partir do maciço e por acção das chuvas constam outros vales de menores dimensões que seguem em direcção ao oceano, já o planalto é marcado por uma forte oposição ao resto da ilha, principalmente com as zonas de forte florestação como as lombadas e achadas. A água surge assim no planalto onde, a que não é absorvida desce pelas encostas criando marcadas ribeiras e escavando as escarvas. As ribeiras são elementos naturais de condução da água enquanto as levadas apresentam-se como elementos humanizados, e estruturantes do território. A Madeira é uma ilha de origem vulcânica com uma orografia muito marcada. Esta característica do solo resulta da acumulação e sobreposição de várias camadas de massas provenientes de diversos focos de erupção. Vulcões activos durante muito tempo mas extintos há mais de 6000 anos, após vários períodos de actividade ao longo de vários milhares de anos que antecederam a sua estagnação. Pode-se identificar cronologicamente cinco fases distintas e relacionadas com a acção vulcânica que levou à formação da ilha e que foram cruciais para a formação e caracterização da sua topografia. A primeira terminou há cerca de 3 milhões de anos, na qual se deram grandes erupções e expulsão de material que levou à formação Base. A segunda terminou há 740 mil anos, na qual houve uma diminuição significativa das condições anteriores, levando à formação de alguns diques e planaltos e que resultou na formação da Periferia. A terceira fase terminou há aproximadamente 620 mil anos e foi marcada pela continuação da expulsão de material piroclástico que originou a formação das Zonas Altas e a formação das falésias das Costas Norte e Sul. A quarta etapa deu-se há 550 mil anos devido a uma fenda na Bica da Cana, originando a formação dos Basaltos do Paúl da Serra. A quinta e última terminou há 6500 anos, em que os fluidos magmáticos praticamente definem a ilha. Foi devido às várias acções dos vulcões na ilha, juntamente com os factores da erosão e dos movimentos tectónicos, que moldaram a orografia da ilha da Madeira e deram-lhe a orientação Noroeste-Sudeste , coincidente com o movimento da placa africana onde se insere.

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Os principais focos de erupção localizam-se na zona central da ilha, onde se formaram uma cadeia de altas montanhas que atravessam a ilha quase de uma ponta à outra, no sentido do seu maior comprimento. Esta cadeia de montanhas é caracterizada por dois grandes maciços que se separam pelos grandes vales da Ribeira Brava e São Vicente, constituindo o principal acesso natural entre o Norte e o Sul da ilha. O maciço mais alto e mais acidentado é o do Pico Ruivo, localizado no lado Este e quase a meio da ilha. Nele salientam-se os mais altos e bem definidos picos que tanto caracterizam a topografia da ilha. São eles: o Pico Ruivo (1861m), o Pico das Torres (1851m), o Pico do Areeiro (1811m), o Pico do Cedro (1758m), e o Pico do Canário (1593m). Tratam-se de picos tão altos que conseguem exibir as suas linhas de contorno mesmo acima das nuvens. É neste maciço que se encontram os principais centros vulcânicos que desempenharam um papel fundamental no processo de formação da ilha na sua fase inicial. Do lado Oeste localiza-se o maciço do Paúl da Serra, pior definido que o anterior e com menores altitudes: o Pico da Urze (1418m), o Pico Gordo (1264m), o Pico do Remal (1320m), entre outros. Estes maciços prolongam-se até as Costas, tanto Norte como Sul, e vão perdendo altitude à medida que se aproximam das mesmas através de lombas e achadas. Contudo, em alguns pontos da costa, distinguem-se ainda alguns picos notáveis, sobretudo no Norte da ilha. A acção erosiva das torrentes das chuvas tem cavado, nas encostas, vales extensos que se vão aprofundando à medida que se vão aproximando do litoral. Por outro lado, a acção das vagas tem produzido elevadas arribas e grandes quebradas. A Madeira é limitada, em quase todo o seu perímetro, por arribas com algumas centenas de metros de altura; o Cabo Girão, a 2km da cidade de Câmara de Lobos, ergue-se até os 580 metros a cima do nível do mar, o segundo promontório mais alto do mundo. O litoral da ilha é muito instável e está sujeito a desmoronamentos frequentes devido à inclinação dos mantos de lava em direcção à costa, o que facilita a ocorrência de desabamentos. Este processo deve-se ao contacto dos tufos, brechas, lavas com a água, dando origem a argilas que se tornam, com este contacto, plásticas e dando lugar a escorregamentos. É na costa Norte da ilha que este fenómeno é mais evidente devido à exposição dos ventos gerais e onde há precipitações mais abundantes. Esta costa é caracterizada por uma grande frente de arribas, visivelmente mais assumida do que na costa Sul. Contudo, é na vertente Sul que se localiza o Cabo Girão, a arriba mais alta da ilha e praticamente vertical, como acontece em muitas outras partes do litoral madeirense.

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Esta realidade da costa da ilha ocupa cerca de 80% do seu contorno, sendo apenas interrompidas pelos vales onde desaguam as pequenas ribeiras. Foram estas as zonas estratégicas escolhidas para a implantação das principais vilas e cidades da ilha, devido à estabilidade topográfica e ao contacto com o mar, que permitia um mais fácil acesso à ilha pela via marítima. Nota-se ainda que 30% das escarpas abruptas, que definem grande parte do perímetro da ilha, ultrapassam os 100 metros de altura. A ilha da Madeira é conhecida pelos altos montes. Isto deve-se a que cerca de um 1/3 da superfície total da ilha ser ocupado por relevos com alturas superiores a 1000 metros, desempenhando um papel importante e muito característico desta orografia. Estas alturas parecem acentuarem-se ainda mais devido ao pouco espaço que ocupam para se erguerem. Este relevo constitui, às relações norte-sul da ilha, um obstáculo difícil de transpor. Estes cumes elevados, no centro da ilha, vão-se aproximando do litoral através de declives, que correspondem a derrames mais antigos e são, como já foi referido, bruscamente cortados por arribas. As formações vulcânicas da ilha têm sido ao longo dos tempos muito destruídas pela acção das chuvas e das águas correntes, tendo-se constituído uma paisagem onde os picos, de rochas duras, alternam com vales muito encaixados. Os vales são outra característica importante na orografia da ilha . Estes, fruto das torrentes das chuvas, foram cavados nas montanhas e encontram-se agora incrustados entre os picos mais altos e falésias. Isto faz da topografia madeirense uma topografia de relevo perigoso mas, ao mesmo tempo, deslumbrante e atractivo pela sua beleza. Vistos desde o litoral, eles vão penetrando e serpenteando por entre as montanhas até ao interior da ilha. Ali dá-se, muitas vezes e mais acentuadamente, um grande contraste de diferenças de cota. Em poucos metros de separação, pode-se dar abruptas diferenças de cota com centenas de metros entre os pontos mais baixos aos mais altos, chegando mesmo, em alguns casos, a ultrapassar os 1000 metros. A sensação é de que os vales estão a ser engolidos pelas montanhas, desaparecendo, estas, sob a cobertura de florestas. É a cordilheira central que, devido à sua orientação, divide topograficamente a ilha em duas partes: o Norte e o Sul. Deste modo, a vertente Sul torna-se protegida, pela topografia, dos ventos predominantes de nordeste e desfrute de mais horas de sol. Por outro lado, a vertente Norte, com menos horas de sol e exposta aos ventos alísios, é claramente mais agreste. A orografia, particular da ilha, é, portanto, também um dos factores que proporciona a existência de diversos microclimas que se reflectem numa riqueza paisagística única.

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Geologia (Informação retirada da publicação “Uma visita geológica ao Arquipélago da Madeira”)

Traços gerais da morfologia da ilha... A ilha da Madeira foi influenciada pelas estruturas vulcânicas que a originaram, pela natureza das suas rochas (litologia), pelas variações do nível do mar, pelo clima e pelo tempo de exposição aos agentes de erosão. A combinação destes factores levou ao aparecimento de formas de relevo especiais – cones vulcânicos, depressões profundas, arribas, ravinas, caldeiras, planaltos, terraços, entre outras. O relevo apresenta-se vigoroso, atingindo 1862m no Pico Ruivo, o mais alto da ilha, e os vales, muitos encaixados. As ribeiras, ladeadas por enormes escarpas, são grosso modo, perpendiculares à linha da costa. Em geral, têm regime torrencial durante o inverno e secam no verão. Este tipo de relevo deve-se, por um lado, à morfologia primária da ilha e à juventude do relevo, e por outro lado, à presença de litologias muito particulares que correspondem a alternâncias, em espessuras variáveis, de materiais com competências muito diferentes – basaltos maciços, muito resistentes e rochas piroclásticas (tufos, brechas, cinzas, etc.) extremamente friáveis. As rochas piroclásticas ao chegarem ao contacto com agentes atmosféricos por erosão dos níveis superiores desagregam-se rapidamente permitindo assim, o seu rápido transporte pelas águas da chuva e das ribeiras, pelo vento, etc. Pelo contrário, as lavas e os filões basálticos, nas mesmas circunstâncias, resistem muito mais tempo aos agentes erosivos e acabam por servir de protecção às rochas adjacentes. Um aspecto particular desta erosão diferencial, é a frequente ocorrência de filões basálticos verticais, que permaneceram in situ depois do seu encaixe ter sido completamente erodido, formando diques visíveis na paisagem das regiões mais altas da ilha.

Maciço vulcânico central... O Maciço Vulcânico Central é composto por um vasto conjunto de elevações de natureza vulcânica cujos picos mais altos se encontram na parte central da ilha. Este conjunto apresenta-se subdividido em duas partes; o maciço ocidental e o maciço oriental – pelos vales de duas importantes ribeiras : a Ribeira Brava que desagua na costa sul e a Ribeira de São Vicente que desagua na costa norte. A região da Encumeada, na parte alta de duas bacias, é um dos locais privilegiados onde se pode observar como aquelas ribeiras estão muito perto de se encontrar.

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O Maciço Ocidental... Tem como característica principal a presença de um extenso planalto, situado entre 1300 e 1500 metros de altitude, designado por Paúl da Serra. Este planalto encontra-se profundamente recortado pela Ribeira do Seixal e pela Ribeira da Janela, a mais longa da ilha. No Paúl da Serra, um nível basáltico, pouco inclinado e relativamente compacto, capeia e protege as rochas sobre que assenta originando, assim, a espectacular superfície de erosão. Recentemente, nesta região tem região tem sido referida a acção de glaciares durante o Würn, o último período glaciar cujo expoente máximo terá ocorrido há aproximadamente 18000 anos. Embora a Madeira se situe a latitudes bastante baixas, a hipótese da presença de glaciares nas suas terras altas não é nova, tendo ultimamente, sido apresentadas evidências morfológicas da sua acção ou pelo menos, de neves persistentes em determinados locais. O Paúl da Serra é a região mais citada para observação de formas de erosão glaciar, circos ou anfiteatros de gelos e moreias glaciares, nomeadamente a Sul da Fonte do Juncal, onde grandes blocos prismáticos terão sido removidos do seu local original, por efeitos combinados do gelo-degelo das rochas encaixantes.

O Maciço Oriental... Apresenta morfologia bastante diferente devido à presença de vários picos que atingem grandes altitudes (Pico Ruivo, 1862m, Pico das Torres, 1851m, Pico do Areeiro, 1818m, etc.). Estas elevações são devidas à presença de níveis piroclásticos grosseiros acumulados em torno de prováveis centros emissores e cortados por diversões filões basálticos que asseguram a sua preservação, servindo-lhes como que de “ esqueleto interno”. As enormes depressões que separam os vários picos, possuem por vezes configurações geomorfológicas muito especiais como é o caso do Curral das Freiras, na parte alta da Ribeira dos Socorridos. Aqui os declives entre os 1000m e os 700m são de tal forma abruptos que a representação cartográfica das curvas de nível quase se confundo num único traço. A morfologia desta depressão, levou alguns autores a formular a hipótese de corresponder a uma caldeira vulcânica. Contudo, actualmente, sabe-se que estas fundas depressões são apenas consequência da forte erosão diferencial entre as lavas e os piroclastos que aí

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afloram. Outra depressão importante e do mesmo tipo, é a da Serra de Água na parte alta da Ribeira Brava. Geologia... Na ilha da Madeira afloram rochas de dois tipos principais – as Ígneas, que podemos designar de primárias, pois estão directamente associadas ao vulcanismo que originou a própria ilha; e as sedimentares, que embora sejam maioritariamente associadas à erosão das anteriores, têm também outras proveniências – umas chegaram à ilha transportadas pelo vento, a partir da plataforma marinha quando emersa, outras ainda, muito raras na Madeira mas abundantes no Porto Santo, correspondem a depósitos marinhos com fósseis, incluindo corais.

Rochas Ígneas... Na sua grande maioria, as rochas ígneas da Madeira correspondem a produtos vulcânicos, embora existam pequenos afloramentos de rochas granulares (gabros e monzograbos com feldspatóides e essexitos) comprovando a existência de cristalização fraccionada de pequenas quantidades de líquidos magmáticos, no interior de alguns edifícios vulcânicos. O maior dos afloramentos deste tipo de rochas, não cartografado à escala da carta, situa-se na região do Porto da Cruz, entre as ribeiras das Voltas e de Massapez. Em geral, pode dizer-se que o processo de construção da Ilha da Madeira ocorreu em várias etapas, tendo as litologias daí resultantes, sido agrupadas e representadas na cartografia geológica, como complexos vulcânicos β1 a β6. β1, é o complexo mais antigo, com litologias formadas provavelmente, antes da transição do Miocénico ao Pliocénico, como sugerem alguns fósseis encontrados nos calcários recifais do Vale de São Vicente, nele intercalados. Este complexo aflora nos vales encaixados de muitas ribeiras, que de São Vicente a Machico desaguam na costa norte e oriental da ilha, e ainda, nas zonas altas dos vales das ribeiras Brava e dos Socorridos, atingindo a região dos picos mais altos. Pode observar-se por exemplo, na região do Curral das Freiras prolongando-se em várias direcções. É essencialmente constituído por materiais piroclásticos grosseiros (com blocos angulosos, bombas, escórias, etc.) com algumas intercalações basálticas pouco espessas na parte superior, formando um conjunto cortado por densa rede de filões básicos. A predominância de materiais piroclásticos sobre as escoadas basálticas indica que a sua origem está relacionada com uma fase especialmente explosiva da origem da ilha.

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β2, é o complexo constituído por alternâncias de escoadas lávicas e níveis de piroclastos, tanto mais finos quanto mais afastados dos centros de emissão. Pequenos afloramentos de piroclastos grosseiros, com blocos angulosos a atingir 1m de diâmetro, não representados nos mapas, observam-se na zona dos picos mais altos da Madeira. Contudo, ao contrario do anterior, neste complexo, as escoadas lávicas são bastante mais abundantes, formando essencialmente, empilhamentos lávicos com intercalações de níveis de piroclastos. Filões de rochas básicas, verticais e paralelas entre si cortam estes depósitos em vários locais. Este complexo aflora em toda a ilha, com pequenas exepções na costa norte, sendo o que ocupa a maior área de exposição em toda a ilha. β3,ccorresponde ao complexo que ocupa uma razoável superfície de exposição que é recortada pelas grandes ribeiras ( da Janela, dos Socorridos, da Brava e da Ponta do Sol) que chegam a individualizar algumas áreas de bancadas de lavas basálticas e de materiais piroclásticos. β4, sobrepõe-se ao anterior, mas ocupa uma área de afloramento de expressão muito mais limitada que os anteriores. É igualmente constituído por alternâncias de escoadas lávicas e de materiais piroclásticos muito variados A predominância das lavas sobre os piroclastos, nos complexos β2 β3 e β4 demonstra que a sua emissão correspondeu a fases essencialmente efusivas da história vulcânica da ilha. β5 corresponde ás escoadas basálticas do Porto Moniz e dos vales das ribeiras de São Vicente e do Seixal.

β6 corresponde ás manifestações vulcânicas mais tardias que afloram como cones de escórias e piroclastos, chaminés e filões. Datações recentes indicaram como idades mais jovens 6000 anos (Bica da Cana, na ponta oriental do Paul da Serra. É interessante salientar que alguns dos filões deste complexo (e eventualmente do anterior), tendo encontrado a superfície, esvaziaram o seu conteúdo no exterior deixando abertos os túneis de passagem das respectivas lavas, como acontece nas Grutas de São Vicente. Estas, são pouco inclinadas, estendendo-se por centenas de metros e podendo ser visitadas. Noutros casos os túneis são fortemente inclinados não permitindo a sua observação. A expressão local e, ou, restrita dos complexos β5 e β6 , demonstra que a intensidade do vulcanismo foi progressivamente diminuindo.

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Exceptuando um caso duvidoso, em que se relataram eventuais sinais luminosos numa parte da ilha durante uma crise sísmica do séc. XVIII, há cerca de 6000 anos que não ocorre qualquer manifestação vulcânica na Madeira. Como se sabe, não se pode afirmar que não haverá recorrências, sobretudo se considerarmos que o período de recorrência do vulcanismo da ilha foi estimado em 10000 a 15000 anos. Contudo, a diminuição progressiva das quantidades de materiais vulcânicos expelidos e a fraca actividade sísmica da ilha, favorecem a ideia de acalmia vulcânica.

As grandes variações litológicas anteriormente assinaladas permitem caracterizar três importantes etapas na formação da ilha... 1ª Fase de Transição_ essencialmente explosiva, referente ao período de passagem de montanha submarina a ilha. 2ª Fase de Consolidação Insular_ essencialmente efusiva. 3ª Fase de Erosão ou Madura_ com vulcanismo localizado e em decréscimo.

Aspectos da composição mineralógica e química das lavas e filões do arquipélago.... Embora as rochas piroclásticas sejam abundantes, especialmente nos complexos mais antigos, as rochas lávicas têm também, enorme representatividade nas ilhas do arquipélago. Na Madeira, não há grande variabilidade de tipos litológicos, sendo mais comuns os basaltos, basanitos e alguns mugearitos. Os basaltos têm cor negra ou muito escura, granulometria geralmente muito fina, e, muitas vezes apresentam estruturas vacuolares. Ao microscópio distinguem-se fenocristais de olivina, piroxena e plagióclase em matrizes mais finas, compostas pelos mesmos tipos de minerais, e ainda óxidos de ferro. As percentagens destes minerais podem variar dando origem aos diferentes tipos de basaltos. Os mugearitos e os traquitos (sobretudo filonianos) são mais claros, acinzentados ou esbranquiçados, respectivamente. Neste ultimo caso, a plagióclase é mais sódica, a olivina é muito escassa ou inexistente e, em seu lugar, pode observar-se anfíbola. O quartzo está ausente na generalidade das rochas madeirenses, embora possa aparecer nalguns traquitos. Quanto à sua composição química, as rochas ígneas da Madeira podem integrar-se nas designadas sequencias alcalinas relativamente à sílica quando comparadas com os das outras sequências conhecidas – toleíticas e calco-alcalinas.

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Tectónica e a formação do arquipélago... Em vulcões do tipo que se estima terem existido no Arquipélago da Madeira os materiais, sempre muito diversos, são expulsos da câmara magmática, onde se acumularam, através de uma conduta central, e muitas vezes também por condutas secundarias. As condutas que não atingem a superfície proporcionam a formação de filões. A conduta central corresponde, muitas vezes, à intersecção de grandes falhas litosféricas ou de uma grande falha com outras falhas secundarias, ou ainda, a pontos de escape no percurso dessas estruturas sucessivamente activados com a subida dos magmas. Na ilha da Madeira, alinhamentos de filões e de cones vulcânicos mais tardios, secundários, têm sido assinalados por diversos autores, assim como grandes falhas grosseiramente orientadas a E-W e NNE-SSW condicionando o litoral. No entanto existe forte controvérsia relativamente às funções desempenhadas por essas estruturas tectónicas alinhadas. Enquanto alguns autores lhes atribuem um papel fundamental no transporte dos magmas, e reconhecem nelas as estruturas originais que levaram aos aparecimento de um “ ponto quente”, outros consideram que correspondem apenas, a movimentos de extensão, eventualmente relacionados com o relaxamento térmico e respectivos ajustamentos gravíticos.

Ponto de interesse geológico - turístico relevante no trabalho... Encumeada. Este é o local onde se insere a intervenção no âmbito do trabalho, e apresenta-se como um dos mais significativos pontos da morfologia da Ilha da Madeira. Aqui pode-se observar como o recuo das ribeiras Brava e de São Vicente, a 1ª correndo para Sul e a 2ª, para Norte, estão a passos de se encontrar, e assim, dividir a ilha em duas partes. O complexo vulcânico β3 que ainda aflora nesta região, possui forte intercalação de escoadas lávicas que capeia e protegem da erosão as rochas subjacentes, essencialmente piroclásticas, do complexo de base β1. Os agentes atmosféricos terão o trabalho facilitado logo que essas camadas mais resistentes do complexo β3 tenham desaparecido. Na antiga pedreira podemos observar rochas basálticas com estruturas de disjunção prismática. Seguindo em direcção ao Paúl da Serra, na região do Lombo do Mouro, tem-se uma ideia aproximada da natureza do complexo vulcânico β3 e da persistência de escoadas lávicas relativamente às suas intercalações piroclásticas que, sendo mais brandas à erosão, sobressaem menos bem na paisagem

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Desenho da paisagem

Paisagem Humanizada... O termo paisagem engloba a síntese de todos os elementos que caracterizam um determinado território, estes mesmos elementos podem ser meramente de ordem natural, criando assim a paisagem natural, ou serem mais abrangentes, incorporando a acção do Homem, sobre e neste mesmo território. Resulta assim a definição de paisagem humanizada. O homem desde os tempos primordiais tem-se apropriado do meio natural, por forma a adapta-lo ás suas necessidades, numa primeira fase usou os espaços naturais, as formas de abrigo que este mesmo meio lhe proporcionava como as grutas; ainda não existia uma transformação do espaço físico, este era um meio de protecção contra animais e os elementos. Este meio natural ainda hoje existe no sentido de não ter sofrido a intervenção humana, as modificações que ao longo dos tempos nele resultaram são fruto de fenómenos físicos de erosão, como a chuva, águas correntes, vento e raios solares. Com a evolução do Homem, também se adensaram as suas necessidades e com isso o impacto da construção sobre a paisagem. Através da história da arquitectura, e mesmo da história da arte, constatamos que o homem sempre se relacionou de forma muito forte com a paisagem, embora de formas algo contraditórias, fossem por razões religiosas, militares, culturais, ou de modo de vida, o Homem sempre teve curiosidade para compreender o meio, ter um papel activo no mesmo, modificando-o por forma de a que o mesmo lhe fosse mais proveitoso. Em diversas culturas ao longo dos tempos fenómenos físicos ou geológicos foram tidos como sinal de deuses, de um poder superior que deveria ser respeitado, ainda hoje existem civilizações, embora de menor escala que consideram as mais belas formas naturais como ligação a um ente superior, e com elas tentam estabelecer formas de dialogo. Actualmente nas grandes metrópoles já quase não é possível reconhecer a componente natural, tal é a intervenção do Homem, apenas resta uma ideia do que seria a topografia, elemento base da paisagem, embora mesmo esta seja profundamente alterada, como na Holanda, onde a quase totalidade da construção assenta em terreno artificial, modificado pelo homem por forma a satisfazer as suas necessidades.

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Dentro da abrangência do termo paisagem humanizada, é possível isolar diversos tipos de intervenção e de postura perante o meio, seja pela escala, ou pelo programa; uma série de fotografias aéreas do artista Yann Arthus Bertrand, são dos mais eficazes meios de constatar esta afirmação, o reconhecimento da paisagem humanizada pode-se subdividir em: paisagem industrial, rural, florestal, urbana e mesmo religiosa/cultural. A paisagem rural, é a que fundamentou todas as restantes, foi na relação do Homem, com a agricultura, e na modificação dos solos e topografia racionalmente, por forma a potencializarem as colheitas que se baseou o desenvolvimento humano. Posteriormente com a introdução do comércio a escala do cultivo aumentou gerando não só a subsistência dos agricultores mas gerando novas formas de vida e construção pelo ganho económico que adveio da terra. Inúmeras paisagens são reconhecidas apenas pelas características do cultivo nelas existentes. A paisagem florestal, é um campo ambíguo que será explorado já em seguida, na medida em que é reconhecido como natural, mas muitas vezes é de origem humana, tendo sido criada para satisfazer uma necessidade de matéria prima, os desenhos românticos de jardins botânicos, são outro exemplo da vontade do Homem de desenhar ele mesmo uma paisagem natural, e do seu fascínio pela compreensão do meio natural. A paisagem urbana foi adquirindo escala ao longo da história da humanidade, campo de experiencias de arquitectura e urbanismo foi profundamente alterada, pessoalmente encontro alguns conflitos com o termo paisagem humanizada, pois na grande maioria dos casos, de natural já nada existe, a noção que o termo parece querer conferir deixa de fazer sentido, uma fez que a quase totalidade dos aspectos que a compõem são de origem humana. Como em culturas mais antigas a base de uma construção não é solo natural, mas antes as fundações de uma construção já pré-existente, a harmonia da construção já não é tida em relação ao terreno e ao local, mas antes aos edifícios que a cercam. Em casos de grande densidade populacional como o Rio de Janeiro, ainda é possível ter uma fortíssima relação com o meio natural, graças á orografia da cidade e às formações rochosas, é curioso no entanto notar, que parece existir uma franca relação entre qualidade de vida de um local, com o nível de relacionamento com o meio natural. Já na paisagem industrial, muito potenciada pela revolução industrial vemos uma quase total ausência de preocupação com o meio natural, não raras vezes é mesmo destruído o ecossistema com a introdução de uma industria; a escala que as mesmas adquirem hoje em dia, e a necessidade de produção em massa são capazes a par das cidades de gerar novas paisagens.

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Em grande parte o meu interesse no tema paisagem humanizada está neste duelo de equilíbrio entre natural e artificial...No caso regional da ilha da Madeira há muito que se perdeu a harmonia entre natural e construção, a escala das intervenções começa a gerar uma autonomia de preocupações com o meio, preocupando-se apenas com as construções adjacentes; a falta de planos urbanísticos e de uma visão de crescimento harmoniosa são das bases deste descontrolo. Como referi anteriormente existe ainda outro tipo de paisagem, a paisagem naturalizada, construída e manipulada por mão Humana, adquire no entanto um carácter natural, uma vez que os elementos que a compõem são maioritariamente naturais e as construções mínimas. Outro factor diferenciador das paisagens humanizadas, das naturais, assenta no reconhecimento, e na necessidade do Homem atribuir uma identidade ás coisas e locais. A cultura surge na paisagem humanizada como a principal ferramenta de diferenciação, claro que os materiais e climas de cada local são condicionantes da forma de construir é na cultura e no reconhecimento das suas formas que podemos localizar as paisagens humanas, é mais facilmente reconhecida uma paisagem humanizada por marcos como monumentos do que por elementos naturais como montanhas, rios e costas. Nestes casos o clima, e a vegetação dele resultantes, são muitas vezes as pistas para identificar determinada paisagem. Toda a superfície terrestre é considerada paisagem, desde que exista um observador. A própria cultura do observador é responsável pela identificação ou não de uma paisagem. “ Assim, todo o sítio que sofre intervenção por parte do Homem, é portador de Cultura, eles têm evoluído com o Homem e a Humanidade. Contêm em si o fruto da acção da acção de diferentes sociedades e culturas que neles se estabeleceram ao longo dos tempos. Nestas paisagens humanizadas, está embutido o conhecimento do Homem, os seus costumes, as suas tradições, os seus estilos de vida, a sua história. Tudo isto provoca impacto e define a paisagem de cada sítio de acordo com as sociedades que lá habitam e habitaram em tempos anteriores. Por esta razão, pode-se “...afirmar, com segurança que a paisagem é hoje um elemento tão poderoso de identificação cultural como a língua e a religião”12 ”3

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A paisagem natural, tem como premissa base o estado intocado pelo Homem, no entanto há estudos que defendem que por mais humanizada que seja uma paisagem, a natureza encontra-se sempre presente, sendo esta o suporte para qualquer intervenção. Cabe-me o direito de discordar, de tal modo como todos os elementos que formam uma droga sintética são naturais, uma vez que saíram na sua base do meio natural, o nível a que chegam, não pode de forma alguma ser considerado como produto natural O homem desde cedo sempre teve uma necessidade de racionalizar da natureza, criando formas geométricas, desde as mais básicas manifestações religiosas ao desenho dos sistemas de rega, plantação e mesmo de implantação de habitações. Registos antigos referem estas mesmas manifestações geométricas como a afirmação da presença humana no meio natural, e inerente reconhecimento. É interessante constatar que a definição de beleza das paisagens humanizadas está relacionada não só com as composições e relações entre os elementos artificiais, mas também na sua relação com o meio natural em que se inserem, mais uma vez se relaciona a qualidade de uma paisagem humanizada não apenas na forma como a mesma funciona autonomamente, mas na sua relação com o território onde se insere. As paisagens modificam-se a par da evolução do Homem, e das suas necessidades, a diferenciação das mesmas baseia-se nas particularidades geográficas e da sua cultura.

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Paisagem no contexto da ilha da Madeira... A ilha é conhecida além portas pela sua extrema beleza natural, aliada a uma exuberante vegetação classificada como património da humanidade. A predominância desta paisagem natural no seu estado basicamente virgem deve-se á orografia de difícil acesso, caracterizada por marcados vales, de profundas linhas de água, falésias, escarpas montanhosas e outras formações geológicas que pela dificuldade de acesso ainda hoje são fruto de longas caminhadas, para as vislumbrar. O clima em conjunto com o solo vulcânico é potenciador de uma fauna e flora muito ricos, únicos mundialmente. Muitas vezes considerado como o Havai da Europa, não só pela qualidade das suas ondas como pela semelhante orografia e vegetação. A par da grande paisagem natural, existe zonamentos de paisagem naturalizada, uma vez que derivado a incêndios, desbaste extremo de árvores para comercialização e erosão natural, foi necessário recorrer a uma vasta reflorestação do coberto vegetal das montanhas mais altas. As espécies introduzidas, como o pinheiro bravo apesar de reconhecidas como parte da paisagem, são de mão humana, reconhecendo facilmente a diferença entre vegetação nativa dos bosques manipulados. A costa norte de clima mais rigoroso, orografia mais acidentada, e de violentas falésias, é palco de menores assentamentos populacionais, e exploração agrícola, logo de mais conservação da fauna e flora indígenas. A paisagem humanizada na ilha começou a ser desenhada desde a sua redescoberta por Tristão Vaz Teixeira e João Gonçalves Zarco, decorria o ano de 1419, a presença humana foi progressivamente expandindo-se na procura de água, recursos e terrenos para cultivo, originando um processo de transformação do território que se estendeu a toda a ilha, salvaguardando os referidos locais de difícil acesso. A economia agrária foi durante muitos séculos a principal fonte de rendimento dos madeirenses, destes surge também uma enorme coragem, sabedoria e espírito de sacrifício, visto que para alcançar a harmonia entre natureza e construído, foi necessário explorar os terrenos de aluviões, arribas, escarpas, e montanhas de orografia extremamente violenta e necessitando de uma rede de percursos e linhas de água capazes de as manter. Comparável na tipologia com os socalcos do Douro, estes na madeira apresentam-se em escarpas com centenas de metros de altura, utilizando muitas vezes áreas e pedras de derrocadas e aluviões para sustentarem a sua produção agrícola.

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“ A paisagem cultural na Ilha da Madeira será quase tão audaciosa e bela quanto a natureza. Nalgumas localidades o esforço do homem atinge ímpares pelo desassombro, persistência e engenho que tão bem caracterizam o “ homem novo” em que se viriam a transformar todos quantos do litoral à meia encosta ergueram os poios de produção agrícola, executaram veredas para comunicação e iniciaram a epopeia da água, construindo levadas de irrigação, formando assim uma nova identidade sociocultural”4. No ponto anterior foi referido os diversos tipos de paisagem, desde o estado natural ao mais humanizado, no território que é a Ilha da Madeira, podemos encontrar igualmente diferentes manifestações do termo paisagem. Temos assim a paisagem costeira, sendo uma ilha é notória a sua influencia tanto na fundação de núcleos habitacionais, por uma melhor topografia, como pela facilidade de acesso por barco, capaz de reabastecer os madeirenses de bens de outros lados da ilha de difícil acesso terrestre como com o continente. A comercialização de cana-de-açúcar e vinho, teriam grandes entraves não fosse os diversos cais construídos ao longo da ilha. Existe uma grande diferença entre a costa sul e a costa norte, na sul os declives são maioritariamente menos acentuados, embora em alguns casos existam grandes declives, normalmente associados a fajãs, por norma só acessíveis por barco. Na costa norte esta paisagem muda drasticamente, com uma geologia diferente, as falésias ocupam grande parte da costa, utilizando-se os topos para construção até ao limite. Aqui o desnível em relação ao mar é vertiginoso, é constrangedor a forma como os agricultores constroem poios de cultivo mesmo até a locais que descreveríamos como impossíveis de aceder. A costa norte frequentemente lembra-me a costa de sagres, onde também alguns homens se defrontam com o abismo mas desta feita para pescar. A paisagem montanhosa ocupa a zona central da ilha, é composta por montanhas com grandes vales rasgados até ao mar, assim como um único planalto. A audácia do madeirense é muitas vezes clara nesta paisagem pelo facto de ter sido necessário construir acessos, em pontos vertiginosos, e mesmo pequenos abrigos para pastores. Apesar das construções serem muito pontuais e estratégicas a paisagem montanhosa é muito explorada por uma nova economia de turismo, em especial de aventura. A vegetação nestes pontos alterou-se ao longos dos anos, actualmente é de muito pouca arborização, e no planalto adquire mesmo um carácter desértico, a topografia salienta-se a par dos investimentos em energias renováveis que vão transformando esta paisagem.

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Já a paisagem florestal, é mais escassa, por vezes confundida com a natural, não fosse a diferença nas espécies plantadas. Há contudo uma tentativa actualmente de só replantar espécies pertencentes á Laurissilva. A humanização desta paisagem é marcada pela mão do homem na plantação das espécies que mais falta lhe faziam, é nesta altitude que surge a praga conhecida dos eucaliptos, dificilmente outra espécie consegue competir, e não sendo naturais da ilha foram inseridas por mão humana. Ainda no seio desta paisagem existe a rede de percursos, que é transversal a cotas e paisagens, indo da costeira á montanhosa, é também maioritariamente nesta paisagem que podemos encontrar as chamadas casas de abrigo, pontos estratégicos de abrigo de pastores, ou caminhantes, para como o nome diz se abrigarem dos elementos. A paisagem urbana é a que mais se tem desenvolvido, ocupando espaços onde antes se encontrava a economia rural. As vilas e cidades que por norma se situam no litoral junto a foz de ribeiras, não só se expandiram como passaram a marcar presença em paisagem no interior da ilha tipicamente rurais. A evolução dos transportes aqui é significativa, passou de percursos pedonais, para carros de bois, primeiros carros, uma única locomotiva e desenvolveu-se através de uma rede viária destinada ao automóvel. É exatamente a estrutura viária a responsável pelo desenvolvimento da malha habitacional, a topografia muitas vezes só permite o investimento privado, após a abertura de percursos públicos com recurso a expropriações. Mesmo nos meios urbanos existem, embora já em menor numero espaços de cultivo, a tipologia das Quintas extremamente comum na ilha, é caracterizada exatamente por um vasto terreno em redor da casa principal, com jardins de inúmeras espécies, e muitas vezes com espaços de cultivo para abastecimento da própria casa, não raras vezes havia um caseiro com uma habitação modesta para tratar a tempo inteiro da quinta. A rede de canais de irrigação (levadas), não são apenas as linhas de água mais conhecidas e de maior escala, usadas pelo turismo, é tão extensa e elaborada mesmo no contexto urbano que uma planta dos canais de rega deve ser tão elaborada como as de saneamento básico.

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A paisagem rural é constituída basicamente pela forma de sustento de largos séculos dos madeirenses, ou seja pelos espaços agrícolas/ poios, pelas formas que esse mesmo modo de vida carece, e ainda pela casa rural. Durante muitos anos esta actividade foi desenvolvida á força de braços e animais, trabalhando arduamente para adaptar o cultivo á realidade física. A evolução da economia agrícola, conheceu inúmeros capítulos, desde uma escala doméstica até a uma larga escala nos séculos XV e XVI com repercussões na economia nacional e mesmo europeia com o comércio do açúcar. Outros ciclos tiveram lugar posteriormente como o da madeira, dos cereais, vinho, vime e mais tarde da banana. Podemos ainda ver os poios ao longo da ilha, no entanto mais de metade dos mesmo já não são palco para cultivo, e foram abandonados com o êxodo rural. A casa rural teve uma expressão diferenciada conforme a posição geográfica na ilha, apesar de evoluírem para tipologias com carácter regional, foram inseridas como modelos continentais a quando da colonização. A sua leitura no território é quase sempre individualizada, estabelecendo relações apenas com os terrenos onde se cultivava, e numa série de pequenas construções como palheiros que serviam de anexos para guardar animais ou utensílios. Tem grande cuidado na relação com o terreno, seja na escala como na sua implantação, sempre respeitando a topografia, surge muitas vezes inserida naturalmente numa série de muros de contenção de terras ao longos das curvas de nível, quando o terreno é topograficamente mais suave coloca-se em posições estratégicas em relação ao terreno que usara como cultivo. Todas estas manifestações de paisagem, com maior ou menor presença humana, foram cuidadosamente trabalhadas, interligadas por uma vasta rede de caminhos empedrados que alcançam 295km e que foram sendo substituídos por novas vias. É no entanto esta rede de percursos, de água, do homem e dos animais, em relação com as estáticas construções de maior ou menor escala, mas sempre com elevada noção de harmonia, implantação, escala, e mestria no trabalho da pedra que me fascinam e que tornam esta paisagem humanizada única.

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Carácter vernacular... A arquitectura popular ou vernacular é a representação física de um legado cultural, de uma forma de vida, traduzida claramente num pragmatismo construtivo. Como refere Victor Mestre, “São ainda expressão relevante da acção do Homem sobre a Natureza, ao fazerem surgir uma paisagem humanizada fortemente marcada por uma economia agrária. É uma acção que se caracteriza por uma grande diversidade regional, tendo em comum a harmonização do construído com o natural.”5 O meio físico, topografia/orografia, clima, geologia, geografia e história são condicionantes e fomentadores de soluções espontâneas, fundamentadas e validadas, na tradição e nos costumes do ilhéu sobre o território. “ Surgem, desenvolvem-se e aperfeiçoam-se a partir de uma economia rural e revelam, na arte da construção, o engenho dos homens em criar tecnologias de tratamento e utilização dos materiais disponíveis, quase sempre recolhidos nos próprios locais, e na sua compatibilização com a criação de espaços, ambientes e escalas harmoniosas, pretendidos ou tão somente resultantes de um processo espontâneo repetitivo.”6 Para além da casa rural, entendida muitas vezes como um conjunto de espaços e actividades interligados, que resultam na formação de um todo, temos uma teia de espaços construídos como a eira, as levadas, as veredas, os tanques, adegas, fornos, cais marítimos, miradouros, poios entre outras formas de Humanização desenhados habilmente pelo ilhéu, mantendo sempre um respeito, harmonia e escala respeitadoras do meio natural. Assim, a partir do conhecimento da forma de intervir, validada pela sucessão de saberes, transmitidos de mestre para mestre, procura-se os fundamentos dos espaços modificados e criados pelo madeirense.

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Socalcos/poios...

Como já foi referido anteriormente a agricultura é um dos motivos pelo qual a paisagem foi humanizada; devido a um aumento populacional e logo a uma necessidade de conquistar terrenos a cotas cada vez mais altas, o desbaste de árvores deu lugar a terrenos de cultivo denominados localmente por poios. Os poios são plataformas em socalcos, em lugares que vão desde ligeiras inclinações aos locais mais extremos e improváveis, rentabilizando todo e qualquer espaço para cultivo. “Paredões sabiamente construídos, segundo soluções que vão das escadas integradas entre muros, ou dos graciosos degraus dependurados em consola, até à forma delicada de adoçar as plataformas suavemente às linhas de cota, serpenteando nas encostas numa conhecida manta de retalhos de diversos tons.”7 É impressionante a forma como se desenham percursos e veredas por entre estes socalcos, numa dissimulada teia de percursos pedonais. A pedra usada nos muros era recolhida e escolhida mesmo no local, a difícil orografia tornaria impossível a deslocação de uma matéria prima tão pesada por distancias médias e longas, e até mesmo curtas tento em conta as cotas a vencer. Assim, ao mesmo tempo que se separava a pedra da terra, adquiria-se assim matéria prima para sustentar os socalcos e um solo minimamente livre para cultivo. Na maior parte das vezes os poios encontram-se em locais onde houve anteriormente deslizamentos de terra, locais abundantes em água, ou que por motivo destes mesmos aluviões permitiram fixar zonas de cultivo, hoje em dia após uma observação mais atenta os mesmos parecem muros de contenção de terras, desempenhavam quase que inocentemente dois propósitos. Ainda hoje podemos encontrar poios na face de escarpas com centenas de metros de altitude, a fome que se sentiu na Madeira, assim como a vontade de ter um pouco de terreno, parecem ser os únicos motivos válidos para se expor a tamanho risco diariamente. A subtileza das escadas e dos percursos adossados aos paredões de pedra basáltica que suportam os poios, é marcante, a imagem contemporânea de umas escadas chumbadas na parede apresentando os degraus em consola, foi-me primeiramente revelada tantos nestes mesmos poios como no acesso ao interior dos poços de rega.

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Veredas... Quer fosse num contexto rural como no urbano, havia grande necessidade de vias de acesso, quer fosse para escoamento dos produtos agrícolas, quer para obtenção de bens de primeira necessidade, assistência médica, ou simplesmente para comunicação entre familiares. Até ao inicio do século XX, todos os trajectos eram feitos a pé ou com o auxilio de animais, como cavalo e carro de bois; para as famílias mais abastadas assim como para os médicos em deslocação domiciliária existia o transporte em redes, sobre os ombros de dois homens, que eles sim fariam o percurso a pé, a presença de muitos ingleses abastados foi provavelmente os primeiros sinais de uma utilização turística destes mesmos recursos. As veredas são ainda hoje uma série de percursos, outrora únicas formas de comunicação e canais de transporte de bens, a par das rotas de cabotagem por mar. Estes percursos têm uma pavimentação consoante a função a que se destinam, e funcionam quase numa hierarquia; desde as percursos agrícolas em terra batida, alguns mais concorridos foram calcetados com pedras não aparadas até caminhos que chegaram a ser utilizados pelos primeiros automóveis em empedrado, mas num trabalho mais minucioso. Em muito se assemelham aos antigos caminhos romanos, não fosse a violenta orografia, que obriga muitas vezes a deixar a suavidade das curvas de nível, para ter de vencer em poucos metros uma altitude bem superior. Segundos alguns registos a rede de comunicações em meados do século XX cobria a totalidade da ilha, com os percursos empedrados de maior escala a atingirem os 295 km de extensão. Actualmente estes percursos são utilizados ainda por habitantes em locais mais remotos, assim como por uma boa parte do turismo, não sendo direcionado somente para o turismo de aventura estes percursos são habitualmente utilizados em passeios pelos habitantes da ilha. Estes percursos vão desde o mar, até ao ponto mais alto da ilha, numa laboriosa tarefa de artesão já quase inexistente, os percursos são em pedra; recolhida quase sempre do local, partida e escolhida como se de uma calçada portuguesa se tratasse. Os desníveis são vencidos por suaves degraus arredondados para permitir a passagem de carros de bois, e a tornarem-se mais suaves.

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Contudo o que hoje é denominado de veredas engloba tanto os percursos de terra batida como os percursos empedrados de média escala, visto que os maiores foram substituídos por pavimento asfáltico. Um projecto da UE, denominado TOURMAC, veio a potenciar o uso destes caminhos para turismo pedestre, reabilitando aproximadamente duas dezenas e meia de trajectos. É possível atravessar a ilha de um lado a outro por estes percursos, encontrando uma beleza impar da natureza a par de uma mestria dos artesãos que os construíram.

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Levadas...

Uma vez que dedico um tópico especialmente ao tema das levadas e recursos hídricos, deixo aqui somente um registo de Victor Mestre sobre o tema.

“Desde o povoamento, com a construção dos patamares aráveis, para as diversas explorações agrícolas, que se iniciou a construção de uma rede infindável de canais esculpidos na rocha, conhecidos como levadas para tornar estas terras altamente produtivas. A céu aberto, contornando abruptas montanhas, ou mesmo perfurando-as em túneis que chegam a ter quilómetros abertos a punceta e malho, foram construídos ao longo de cinco séculos cerca de mil e quatrocentos quilómetros de levadas. O que aqui espanta é o trabalho duro e arriscado só possível de realizar por homens robustos e corajosos e, também, a técnica que denotam pelo entendimento do território, pelo acerto das cotas altimétricas e dos percursos traçados que logram trazer água do Norte para o Sul, criando uma teia de canais que ainda hoje cumprem a função. Só as de maior caudal foram construídas nas altas montanhas, muitas outras surgiram por intercepção das ribeiras ou pequenas nascentes e constituem uma segunda linha, que apesar de não serem tão engenhosas, não deixam de ser indispensáveis, funcionando como “ vasos capilares” que irrigam com pequenos caudais as hortas e os pomares. ...Ao longo dos séculos, o uso da água para utilidade doméstica e rega, ou ainda para mover engenhos, constituiu contrato de posse e de renda, ficando regra geral explícito que a água era sempre pertença dos senhorios que a “cediam” por horas, meios dias ou dias de água usufruindo estes de renda, em géneros ou dinheiro. Em quase todos os testamentos de maior relevância ou constituindo dote de filha casadeira se encontram passagens referentes ao direito de uso da água, e é também nestes documentos que se encontra a denominação de levadeiro, profissão surgida para controlo das horas de rega distribuídas pelas levadas que, com o seu sistema de comportas, permitia o enchimento de tanques ou a rega directa aos canaviais e outras culturas.”8

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Poços/tanques de rega...

A água sempre foi um elemento de grande valor, a necessidade de a canalizar desde a costa Norte, e as diversas disputas sobre o seu controle elevaram ainda mais esse mesmo valor. Actualmente ainda é atribuído determinado numero de horas de rega a cada parcela de terreno. O intervalo da disponibilização da água era incompatível com as necessidades de rega, pelo que muitos agricultores iniciaram a construção de poços, designação local dos tanques de rega, elaborados para reterem não só a água das chuvas, como a água das levadas para rega. Apresentam-se de formas paralelepipédicas em pedra basáltica , e impermeabilizados pelo interior com argamassas á base de cal. A implantação dos poços no terreno é sempre muito intuitiva e harmoniosa, e em muitos casos é adossada a paredes basálticas, ou a muros pré-existentes dos socalcos. A pesar do volume de água que conseguem reter, a sua estrutura de pedra e implantação permite que estejam perfeitamente integrados na paisagem e passem despercebidos. A distribuição de água pelos terrenos é feita por uma rede secundária de canais semelhantes a levadas, o seu caudal e tamanho são no entanto é bem mais reduzidos. A tectónica dos poços, levadas e veredas inseridas na malha da paisagem agrícola é garantida pelo basalto, obtendo uma paisagem humanizada de grande mestria e subtileza. A constante do material e a forma como se posicionam no território mostra grande respeito pelo meio natural, fortalecendo através do uso da pedra, uma relação tectónica entre natural e artificial, dando uma ideia de unidade na paisagem.

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Casa elementar...

Não será desenvolvida uma reflexão sobre as tipologias habitacionais no contexto rural e urbano, mas antes o papel dessas tipologias em relação ao território em que se inserem, e na relação entre elas mesmas. No livro Arquitectura Popular da Madeira, é feito um grande estudo e levantamento das diversas tipologias, da sua espacialidade, e evolução ao longo dos tempos, só estes aspectos são conteúdo para uma edição de mais de trezentas páginas. Interessa no âmbito da paisagem humanizada da ilha da Madeira, perceber que a casa elementar, é a tipologia mais marcante, seja pela grande quantidade quer pelo numero de variantes. Apesar do seu grande numero, sempre se impuseram no território autonomamente, sendo lidas enquanto construção individual, e sem preocupações de conjunto, de criar frentes de rua, ou composições e disposições entre elas mesmas. Estabelecem-se sempre viradas para o mar ou paisagem, as cotas a que se fixam são extremamente variadas, assim como a presença das zonas de cultivo, que variavam das zonas costeiras até topos de grandes montanhas. Muitas vezes questiono-me sobre o modo de construção em locais tão distantes e de difícil acesso. Sistemas de cabos, força animal e de braços em muito devem ter contribuído. “ A casa unifamiliar é individual por opção e mais ligada à terra onde se produz a agricultura. Ela encontra-se integrada no sistema da chamada economia agrária e é neste sentido que ela ganha outros espaços e outros edifícios complementares. Trata-se portanto de uma dimensão que ultrapassa a simples casa familiar, nestas arquitecturas integram-se ainda outras tipologias ligadas principalmente aos sistema produtivo, como por exemplo: os palheiros e as adegas. Estas construções, de aspecto rudimentar, são, em muitos casos, construídos em alvenaria de basalto, à semelhança das construções referidas anteriormente. Trata-se, mais uma vez, de um tipo de construção que se insere em harmonia com a paisagem. São coerentes no que diz respeito à inserção no território, no qual se apresentam em grande numero, contribuindo para a sua caracterização.”9 A titulo de curiosidade as tipologias evoluíram de estruturas em madeira e pedra, com cobertura em palha ou cerâmica, até ás casas mais modernas...nas casas elementares temos, a casa elementar de cobertura de palha e paredes de alvenaria de pedra, a casa elementar de cobertura de palha e paredes de madeira ( casa de fio ou empena, meio fio e casa redonda), casa elementar de cobertura de telha cerâmica e ainda nesta tipologia base a casa elementar de dois pisos.

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Miradouros... Segundo Victor Mestre...” Espalhados por toda a superfície da ilha, encontram-se muitos pontos sobranceiros a belos trechos de encantadora paisagem, em que deveria procederse á construção desses miradouros, agora facilitada pela abertura de novas estradas.”10 Os miradouros não são mais que uma simples plataforma na paisagem, colocada estrategicamente na topografia e em locais de grande amplitude visual, assim como de grande beleza. A sua simplicidade traduz no entanto um hábito do Ilhéu...o de parar e contemplar o mar e a paisagem. Na paisagem urbana estes espaços foram desenhados com vegetação capaz de produzir sombra, assim como de bancos para usufruto de turistas e locais. Alberto Campo Baeza afirma que a plataforma horizontal é a mais elementar forma de arquitectura, e que para habitar um espaço, apenas precisamos de duas, uma para caminhar, e outra para proteger dos elementos. Este desejo de avistar e contemplar o mar e a paisagem traduziu-se nas cidades para no desenvolvimento de torres nas tipologias habitacionais, para avistar a chegada e partida dos barcos que chegavam.

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Moinhos de água...

O moinho de água é mais um elemento da paisagem humanizada da Madeira onde podemos ver a relação entre a água, a paisagem, e o engenho. O seu interesse não reside apenas na complexidade do mecanismo que usa a força da água para moagem de cereais, mas na forma como a água é conduzida até ele e depois segue o seu percurso. “ Os moinhos, como outro engenhos, eram privilégios concedidos aos Donatários que por sua vez, através de benefícios de rendas permitiam a construção de moinhos ou azenhas a terceiros.”11 As casas que alojavam os moinhos eram de reduzidas dimensões, apresentavam-se associadas a ribeiros, para que as águas seguissem posteriormente de forma livre para os cursos de água, ou que fosse ainda canalizadas para uma levada a fim de irrigarem os campos. O espaço destinado ao rodízio, denominado cova do moinho, é geralmente muito reduzido e, na maioria dos casos, é construído em abóboda de pedra apoiada na rocha mãe. O seu aspecto exterior está tipificado pela sua forma cúbica com uma porta, uma pequena janela, cobertura de duas águas... e nas casas mais singulares pela cuba vertical em módulos cilíndricos de pedra. Estas pequenas construções são preciosas na compreensão da organização social e económica das povoações; a sua localização, associada às veredas e levadas, transportam-nos a locais de grande beleza.

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Serras de água...

O interesse neste tipologia é duplo, uma vez que, não só é mais um engenho relacionado com a humanização da paisagem, mas também apresenta-se como origem do nome da localidade onde se irá intervir no âmbito desta prova final. Nas pesquisas do Dr. João Adriano Ribeiro, foram identificadas quarenta serras de água entre os séculos XV e XVIII, na capitania de Machico. A quase totalidade dos concelhos a Norte da ilha, assim como os maiores a Sul, estavam equipados com um vasto numero destes equipamentos. A construção que os acolhia era em grande parte executada em madeira, algumas deviam mesmo ter vindo a ter cobertura em palha ou telha. A sua localização é anexa a linhas de água e a zonas de abate de árvores, pelo que terão sido implantadas preferencialmente no perímetro florestal. O carácter rude que o edifício da serração apresentava sugere uma utilização temporária, sendo movido conforme a zona de exploração de madeiras.

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Vigia da caça á baleia... A caça á baleia teve inicio na região em 1941, de forma muito rudimentar, e veio a concluir no ano de 1981. Existem diversos registos sobre esta actividade, assim como das instalações onde se procedia ao esquartejamento dos cetáceos, no entanto o primeiro ponto desta actividade, na forma de postos de vigia e reconhecimento de cetáceos a partir do mar não têm qualquer registo. O reduzido numero destas construções assim como a escala é talvez a justificação para a ausência de estudos, nem chegam para ser definidas como tipologias, mas são muito fortes na tradução da postura do ilhéu perante o mar, e de olhar colocado na linha do horizonte. Para mim como futuro arquitecto é uma postura que mantenho nos projectos, um desejo e curiosidade constante por contemplar o horizonte, e lançar-me sobre a paisagem. Estes postos de vigia, eram utilizados por um único guarda que aquando do avistamento de cetáceos no mar avisa por meio de um foguete, a comunidade piscatória onde se localizava a vigia, iniciando uma correria aos baleeiros para iniciar a caça, e das mulheres ás casas para preparar farnel para a jornada e trabalho que seguiria em terra. Abstratamente lembra-me a Ilha da Páscoa, com as monumentais estátuas como que lançando um olhar sobre o mar. Deixo então pequenos registos fotográficos que penso traduzirem a relação entre a construção e o mar, assim como da forma como se dispõem na paisa

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Tipologia habitacional Furna “ A furna constitui um dos modos de habitar mais antigos da história da Humanidade, e não precisamos de remontar ao Homem primitivo, já que na era pré-cristã na região da Palestina ou no caso das civilizações pré-colombianas ou mesmo no território guanche das Canárias se adoptou esta forma de habitar”12 Esta tipologia a par de construções precárias em madeira, terão sido as formas iniciais de habitar, por vezes com carácter temporário por falta de condições económicas, quer na aquisição de terreno, quer na obtenção de matéria prima para a construção. Hoje em dia, ainda conseguimos observar diversas furnas ao longo de toda a ilha, contudo a sua função reserva-se agora a depósito de material, maioritariamente de lavoura. Tipologicamente desenvolvem-se em profundidade, com uma comunicação entre compartimentos raramente superior a duas divisões. Logo á entrada encontramos o compartimento que alberga a cozinha, e da qual o fumo era extraído por um pequeno orifício situado no topo ou lateral do compartimento. Em alguns casos as furnas desenvolvem-se simultaneamente em profundidade e largura, constituindo uma “ fachada” mais extensa. Isto acontece quando a presença da pedra mole aparece disposta longitudinalmente ou a quanto da união de furnas pré-existentes lado a lado. As furnas em grande parte funcionavam como espaços de apoio a uma construção tida como principal, embora igualmente rudimentar localizadas nas proximidades. “ No século XX ter-se-á dado a evolução de se construir uma casa em frente ou encostada à furna, mas relevando esta para espaços secundários.”13 Podem ser encontradas ao longo da ilha, e desde as cotas mais baixas ás mais elevadas. Foram utilizadas até hoje por pescadores como forma de guardar material de pesca, como no Porto da Cruz, ou no cais do Campanário; igualmente encontram-se nas serras, abrigando estas agricultores e pastores das condições mais adversas, ou apenas como armazém uma vez que as casas ficavam a grande distancia. Encontram-se em locais de afloramento rochoso de tufo vermelho, o seu carácter mole permitia esculpir diversos equipamentos como o pial, o lar, a fornalha, bancadas e até mesmo lagares. Embora menos comum, algumas furnas foram escavadas de grandes blocos basálticos que desprenderam-se das escarpas a montante, tendo rolado até terrenos de maior declive. Estas formas de habitar a rocha, são comuns em mais locais do continente nacional como a Serra da Estrela.

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Tectónica

Por tectónica pretendo fazer uma leitura e diagnóstico dos recursos disponíveis na ilha, assim como dos mais comuns sistemas construtivos utilizados no desenho da paisagem. A pedra basáltica apresenta-se como a mais expressiva forma de relacionamento tectónico entre a natureza e a arquitectura nas suas formas mais básicas como umas escadas. A disponibilidade dos materiais, ligada ao modo de vida, e ao manuseamento que os mesmo permitem, transfere para a produção arquitectónica e de paisagem humanizada um carácter extremamente forte, chegando mesmo ao ponto de conseguir habitar o material, como foi demonstrado no ponto anterior denominado de Furnas. Os materiais apresentam-se como caracterizadores das obras das quais constituem corpo. Na região insular da Madeira predominam as pedras vulcânicas, nomeadamente o basalto e o tufo/tufa e a madeira. Apesar da grande maioria das construções ser em pedra basáltica a madeira chegou a ser utilizada frequentemente, com algumas tipologias a terem a totalidade da estrutura e encerramento neste material, sendo posteriormente cobertas com palha ou telha. A pedra... “ Após termos realizado investigação no local e termos recorrido à pesquisa documental, verificamos que a maioria dos materiais utilizados nos edifícios públicos da cidade do Funchal e das vilas são originários da Ilha, acontecendo, no entanto, surgirem cantarias lavradas oriundas do Continente, nomeadamente colunas e capitéis em mármore ( Solar da D. Mécia e diversas igrejas), assim como algumas tampas sepulcrais e pedras de armas, memórias de extintos conventos, como o de São Francisco. Também a brecha da Arrábida aparece na pia baptismal e no púlpito da Sé, no púlpito da igreja da Ribeira Brava, bem como nos fragmentos do pelourinho da cidade do Funchal, depositados no jardim do Museu da Quinta das Cruzes.”14 Todavia, na arquitectura popular, apenas se detectaram materiais locais. A pedra é de origem vulcânica e, mesmo a olho nu, podemos observar que tem várias constituições. Basalto e tufos formam uma mescla de cores e texturas e surgem isolados ou agrupados, denunciando a qualidade construtiva das casas. O tufo, ou tufa, conhecido como “ pedra mole”, ou ainda “ cantaria de forno”, devido às oxidações de sais de ferro, apresenta uma tonalidade avermelhada (com várias colorações,

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consoante as pedreiras). Teve um vastíssimo uso nos edifícios públicos do inicio do povoamento, devidamente aparelhado, para ficar à vista, ou irregular no corte e preparo, quando utilizado em paredes rebocadas. Mas, tal como acontece com o uso generalizado do basalto nas casas humildes, é frequente a elevação das paredes em alvenarias mistas, irregulares e sem grande preparo, nem sempre com ligante, sendo a pedra recolhida junto ao local da obra, à superfície, encontrando-se muitas vezes solta e sem necessidade de extracção, por perfuração ou corte. A extracção do tufo para uso corrente em elementos arquitectónicos das casas rurais remonta aos primeiros tempos do povoamento. Deve-se o facto à sua fácil trabalhabilidade, leveza no transporte e, provavelmente, ao interesse despertado pela sua cor. Fácil na extracção e no talhe, esta pedra mole está presente em soleiras, ombreiras e lumieiras de portas e janelas. Como ponto alto, encontra-se na fabricação de fornos domésticos, tradição que ainda hoje se mantém. O único senão no seu uso está na dificuldade de prospecção desta rocha, se exeptuarmos o Sítio do Paraíso no Caniçal, ainda a laborar, todas as outras pedreiras já extintas localizavam-se geralmente em ravinas, como no caso do Sítio dos Covões, freguesia do Caniço. Também o basalto cinzento que, contrariamente ao tufo, é uma rocha muito homogénea, pesada e rija, é muito utilizado, principalmente o basalto de “ grão fino”. Emprega-se nas cantarias rijas como lumieiras de grande dimensão, em lagares e pisões e, também, na própria elevação das paredes, a granel. A variação de colorações, do cinzento escuro baço a um cinzento-claro esbranquiçado, indica-nos as diferentes proveniências e a sua diversa constituição, que varia consoante os elementos acessórios da sua composição interna e do seu antigo estado de fluidez. A sua extracção localiza-se nas zonas de cota baixa, provindo, grosso modo, de pedreiras de basalto colunar, conhecido como “ pedra viva”, cuja densidade é variável, e que, na exploração, se separa pelo método de tiro em blocos faceados prismáticos. O basalto lamelar provém de pedreiras de superfície determinadas pelas correntes de lava de fraca inclinação. É extraído através de pancadas de maço ou de picão, soltando-se de seguida lâminas paralelas. A pedreira mais conhecida era a das Lajinhas, na periferia do Funchal. Como o nome sugere, era local de extracção de lajes de pavimento, utilizadas normalmente em casas de morgado e nas casas urbanas. Também tem aplicações em levadas, lavadouros e adros de igrejas e de capelas. Para além do uso da madeira, em zonas muito circunscritas, temos o uso da pedra vulcânica como o processo mais corrente na elevação de paredes estruturais das casas.

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Assim é comum, ainda, encontrarmos a alvenaria de pedra seca nas construções mais humildes, como sejam as do Sítio do Carvalhal, em Canhas, a de pedra com barro avermelhado como ligante, comum na mesma zona dos Canhas, e a de pedra assente com argamassa e rebocada como sendo situação mais comum na Ilha, havendo ainda tipos de casas com parte rebocada e parte em pedra solta, geralmente as cozinhas ou casas de arrumos. Há-as também, esporadicamente, em pedra à vista com caiação, como as que se encontram na Camacha. A madeira... Este material era de tal forma abundante que a ilha adquiriu o seu nome, as mais conhecidas tipologias habitacionais da ilha são as icónicas casas de santana, constituídas por uma estrutura de madeira e cobertura em palha, contendo diversas variantes, a par das alvenarias este era um material de eleição, servindo para tal um diverso leque de madeiras disponíveis na ilha, assim como o constante aperfeiçoamento das técnicas de a manusear.

“ A grande quantidade e variedade de madeira provinha de uma floresta densa que se espraiava até as costas mais baixas, razão pela qual se lhe terá pegado fogo com o propósito de disponibilizar os melhores solos de aluvião para as culturas e, também, para implantar as primeiras casas que terão dado origem aos principais povoados.”15 Posteriormente e a quando da análise mais aprofundada do local de intervenção veremos como a exploração madeireira chegou ao ponto da quase extinção de algumas espécies, havendo registos de autorizações para abate de determinadas espécies que foram desde logo consideradas protegidas. Tal como na região do douro os socalcos para cultivo foram roubados ao meio natural , e humanizados, o que hoje consideramos uma paisagem natural, de exploração agrícola foi na verdade uma humanização drástica do território, provocado por um intenso abate de árvores. Grande parte das espécies endémicas eram desconhecidas dos primeiros povoadores, pelo que só com o tempo é que foram sendo conhecidas as suas qualidades, e direccionadas para produção de móveis, casas ou embarcações. Determinadas espécies locais eram de tal modo interessantes pela cor e qualidades que o seu comércio e exportação traduziu-se, ainda hoje numa quase extinção. Nas tábuas de pavimento e nos barrotes das madres, empregava-se a madeira de vinhático e til, assim como cedo; esta foi em grande parte a escolhida para tectos de alfarge, quer

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pela leveza, aspecto atractivo dos veios e cor, assim como aroma da resina e facilidade de entalhe. Muitas das mais importantes construções madeirenses apresentam tectos muito trabalhados nesta espécie de madeira. Não eram contudo apenas os tectos de alfarge, ou armações de tectos e telhados que se encontrava a madeira, esta é um componente fundamental na execução de paredes interiores, como nos fasquiados para o suporte de estuques. Não raras vezes, antes pelo contrário as canas vieiras era utilizadas nas paredes interiores, como forma de segurar o estuque, pregadas a uma estrutura leve de madeira com enchimento em aparas de madeiras, ou folhas de bananeira. Para além de extremamente interessantes por se assimilarem á técnica actual de paredes de gesso cartonado com isolamento em lã de vidro ou rocha, atribui um elevado carácter tectónico, uma vez que utiliza os materiais locais. Ainda hoje dou por mim a parar e fotografar estas paredes sempre que me encontro com alguma construção em ruinas. O saber antigo surge assim como uma grande lição de humildade. O potencial das madeiras da ilha assim como a constante evolução no seu trabalhar fizeram florescer no Funchal e um pouco por toda a ilha marcenarias, com António Aragão, a registar no seu livro Para a História do Funchal o nome de inúmeros mestres pedreiros, carpinteiros, entalhadores, pintores, douradores entre outros desde o século XV. Na execução de obras publicas os artífices eram acompanhados por mestres-arquitectos, remetidos pela Casa Real, que fomentaram o desenvolvimento económico relacionado com o comercio de madeiras. “Apesar de eminentemente urbanas, estas capacidades e qualidades terão influenciado os mestres de ofício que trabalhavam na construção das casas rurais, muitas delas integradas na própria cidade do Funchal. Pelo que não será de estranhar que o erudito e o popular tenham surgido paredes meias, separados “apenas” por escala, pela qualidade dos materiais e por alguma diferença no grau tecnológico na sua combinação e, naturalmente, por razões económicas. Mas a base na “ maneira” de elevar uma parede, ou na execução de uma armação do telhado, não diferia”16

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Levadas e recursos hídricos Recursos “Os recursos hídricos subterrâneos constituem a principal fonte de abastecimento na Madeira, ilha com cerca de 240 500 habitantes. A captação faz-se através de galerias, túneis, furos e do aproveitamento de nascentes. O volume anual de recursos subterrâneos consumido no abastecimento público, indústria, rega e produção de energia é de 185 000 000 m3. A recarga ocorre predominantemente nas zonas altas e planas da ilha. A parcela de recarga proveniente da chuva não é suficiente para manter as condições observadas no aquífero de base, sendo a recarga complementada por água proveniente dos nevoeiros retida pela vegetação. O modelo que melhor traduz a variação da precipitação com a altitude é uma regressão quadrática. O escoamento ocorrido na rede hidrográfica é consequência directa da precipitação mas também das reservas subterrâneas e do escoamento hipodérmico. O modelo hidrogeológico proposto para a ilha prevê a existência de aquíferos suspensos em altitude, relacionados com níveis impermeáveis; um aquífero de base com características distintas em função dos complexos vulcânicos; e aquíferos compartimentados por filões subverticais que atravessam intensamente o edifício vulcânico.”17 Túnel da Encumeada “Este túnel, escavado sob a Encumeada, na cota 580 m, conta com 2850 m de comprimento entre a Ribeira da Vargem, a norte, e a central hidroeléctrica da Serra de Água, a sul. O túnel atravessa o Depósito Conglomerático Brechóide, principalmente no troço montante, e formações do Complexo Antigo. Estas formações encontram-se intensamente cortadas por falhas e filões. A eles, estão associados pequenos caudais, da ordem dos 0,50 a 1 l/s, o que totaliza um caudal de cerca 50 l/s. Os maiores caudais emergem aos 800 m, de montante, numa falha de direcção sensivelmente E-W, com caixa aberta, fornecendo um caudal de cerca de 15 l/s, e aos 1150 m, em filões pouco alterados, cerca de 10 l/s. Aos cerca dos 600 m de montante, numa zona de sucessivas falhas, surgiram, durante a abertura do túnel, águas quentes borbulhantes, provavelmente com elevados teores de CO2. Passados poucos meses, estas águas desapareceram, não tendo sido, por isso, possível analisá-las. Em finais de 1998, princípios de 1999, o caudal deste túnel, de cerca de 50 l/s, desapareceu. Ao mesmo tempo, iniciava-se a construção da galeria da Fajã da Ama, na cota 600 m, sob o Paul da Serra, e do túnel rodoviário da Encumeada, com um traçado, em parte, semelhante ao deste túnel, mas entre as cotas 435 e 490 m.”18

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Principais captações de água.

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Levadas

Desde a infância que as levadas me fascinam, inicialmente sem noções de arquitectura e construção, as mesmas representavam um percurso de diversas horas, o destino reservava ou uma vista fantástica, ou uma cascata, ou lagoa de grande beleza. Exercício físico em plena natureza com um bónus no final. A rede de levadas estrutura-se por todos os 756 km2 da ilha, obtendo uma extensão total de 1400 km, atravessando realidades territoriais diversificadas, mas sempre entusiasmantes. Os primeiros colonos cedo dedicaram parte do seu tempo á construção das levadas no século XV, era necessário canalizar a água desde cursos de água até ás primeiras plantações. Uma vez que os primeiros ajuntamentos populacionais eram no litoral é de supor que os canais construídos desviassem água das diversas linhas de água e apenas posteriormente nas nascentes, a cotas mais elevadas. Registos falam em canais iniciais pouco extensos, ora escavados na pedra, ora canalizados com recurso a tábuas em formação de calha. Com o crescimento das necessidades de água para irrigar os canaviais e as terras de vinhas, a extensão das levadas foi aumentando e a sua construção exigindo técnicas mais seguras. As arcaicas calhas de madeira foram substituídas por canais em pedra basáltica, embora inicialmente com muitas perdas de água. O comprimento de túneis e galerias de captação de água foi gradualmente sendo alargado, e a introdução de argamassas como selagem do canal de pedra também. Existem registos escritos e fotográficos, de jovens robustos a escavar estes canais e túneis á força de braços, com picaretas a centenas de metros de altura, suspensos no abismo por uma simples corda, ou escavando túneis com métodos rudimentares. As levadas são quase linhas de nível sobre o território, que fascinam pela dificuldade de execução com os meios da época e pelos perigos que atravessam nos inúmeros penhascos. As levadas existentes há mais tempo registam uma largura de aproximadamente cinquenta centímetros, com uma profundidade entre os cinquenta e setenta centímetros. As de construção nos últimos cinquenta anos têm maior volume de transporte, com uma altura a oscilar entre um metro e um metro e vinte centímetros, e a largura em sensivelmente um metro.

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Actualmente são construídas em betão ciclópico, assim como as reparações nas antigas, Permanece o carácter estreito dos canais, precisamente desenhados com uma ligeira inclinação por forma a aproveitar a força da gravidade para se movimentar a água a velocidades calmas, a natureza estreita das levadas permite evitar perdas de água pela evaporação, assim como a vegetação fechada que se encontra em muitos locais. Transversal a levadas antigas e novas é a presença de uma vereda anexa. As suas características variam conforme a topografia, orografia e flora permitem, em alguns locais mal permitem uma pessoa passar, enquanto noutros locais um carro passaria com grande facilidade, a própria vegetação muda, atribuindo uma protecção natural frente ao abismo, com as urzes e Laurissilva, e em outros casos o as escarpas aparecem ali mesmo ao lado a centímetros, aumentando os níveis de adrenalina e de perigo iminente. Estas veredas são importantes não só pela necessidade de manutenção dos canais, mas igualmente pela possibilidade que fornecem aos locais e turistas de descobrir o interior da ilha e locais não possíveis de alcançar de outra forma. São uma importante atração turística que no entanto não optem lucros directos, uma vez que são de livre circulação sem qualquer custo inerente. Como a rede de levadas é tão extensa e transversal, atravessa zonas de floresta endémica assim como a paisagem rural, a cotas inferiores com a economia agrícola que já foi referida anteriormente. Por muitos séculos as levadas foram obra de homens fortes e destemidos, denominados de rocheiros, que trabalhavam suspensos por cordas atadas a árvores ou rochas proeminentes, algumas vezes metidos em cestos até criarem uma concavidade para a passagem da água. Dormiam em tendas sem qualquer condição, á luz de velas, muitas vezes á beira de abismos, outras vezes em pequenas furnas escavadas na rocha quando existia a chamada pedra mole. Nos dias actuais ainda é difícil de trabalhar nas levadas pela distancia e dificuldade em fazer lá chegar os materiais, que embora muito mais avançados, necessitam ainda de força de homens para os carregarem ás costas. A epopeia das levadas, não se restringe ao passado, actualmente umas são recuperadas outras criadas, a actual crise está a geral um regresso ao campo, e é notório a reabilitação de muitos espaços de cultivo, a necessidade de água aumentara, assim como a sua procura, será necessário reduzir perdas e melhorar as condições dos canais existentes, assim, a epopeia parece que terá muitos mais capítulos pela frente.

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II - O que construir? a água como matéria de projecto.

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Com base na etapa, Paisagem Humanizada, o programa a desenhar deveria ser amplo, não por uma necessidade de afirmação, mas antes pela densidade implícita no termo paisagem. A intervenção nunca poderia ter um carácter pontual, pois corria o risco de parecer um gesto solto, um capricho; nem uma extensão longa ao ponto de dotar a intervenção de autonomia na relação com o território, tornando-a a si mesma numa paisagem. A água é o elemento comum ao longo dos tempos na modificação da paisagem, seja pela mão do Homem ou por causas naturais; fluida, será instrumento de reabilitação de uma teia de percursos e levadas que sustentam há séculos a vida no território. Tal como os ilhéus a conhecem é capaz de criar refúgios perdidos no meio da exuberante paisagem, momentos de contemplação e simbiose entre Homem e Natureza, pontos de descanso e reflexão. Parece-me assim instintivo absorver esta relação e criar uma âncora da intervenção no território, a relação com a água levada ao extremo das capacidades sensoriais...umas termas. É preciso então recuar, recuar no tempo... da mesma forma que a água acaba por abrir caminho na rocha, a relação com a água e com o ritual do banho, não é recente, e para verdadeiramente compreender o seu presente; para mim; é fundamental recuar; não assumir os espaços das termas como dados adquiridos, e questionar a sua existência e pertinência.

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Artemis – Diana Em Metamorfoses, Ovídeo escreve acerca de Acteon e a deusa do banho, mas ao contrário dos colegas gregos, como Hesíodo, Callimachus, Apollodorus ou Pausânias, que exploram este mesmo tema anteriormente, ele não sugere clara intenção por parte do seu herói, mas no seu lugar tem o caçador como um infeliz que por acaso se dirige ao desastre. Fortunae crimen, ou porque assim o destino o teria. O homem torna-se a vitima inocente de um deus maléfico. Na mitologia secundaria os críticos falam do destino de Acteon, citando o pecado original á falta de uma interpretação mais correcta. Acteon é um caçador, que após um bem sucedido dia de caça, vagueia por uma mata desconhecida, por entre passos inseguros. Esta mata é descrita em grande detalhe por Ovídeo, e é lá que encontra uma fonte onde a deusa dos bosques, quando cansada de mais uma das suas caçadas, costumava frequentar acompanhada das suas ninfas, para banhar os seus virgens membros nas águas cristalinas. Diana é a deusa da caça, protectora dos animais, crianças, dos fracos e doentes, guardiã dos bosques e nascentes. É frequentemente denominada/ reconhecida como deusa da lua, lua associada à fonte de toda a água e das marés. De acordo com a mitologia grega, o seu nome é Artemis, embora o significado do seu nome seja ambíguo, podendo adquirir o significado de pureza, mas igualmente o de possuidora de membros poderosos, a suprema colectora, dependendo da derivação das sílabas. Irmã de Apolo, escolheu conscientemente a castidade eterna como forma de vida, exigindo o mesmo às ninfas que a acompanhavam. Ovídeo interpreta esta história da forma que lhe parece mais correcta, tomando partido ao lado do homem – mortal, Acteon, uma vitima que é punida pela mulher – deusa Artemis ou Diana, porque este a surpreendeu enquanto se banhava, um acto religioso reservado nos tempos mitológicos para as ninfas e divindades. Como forma de contar a sua história a deusa transformou o caçador num veado incapaz de falar, que acaba perseguido e por fim morto pelos seus próprios cães de caça. Esta metáfora pode referir-se a cultos Helenísticos, ao deus – veado, que na mitologia celta fica a par de outras divindades animais, para a transformação gradual de animal para humano. Na religião gaulesa ele sobrevive como Cernunnos, deus dos chifres, é emissário do deus do outro mundo, a sua aparência, uma revelação do divino espírito.

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Na versão mais antiga do Nibelungenlied, poema épico alemão, o veado dourado é morto com uma seta por causa da rivalidade entre duas mulheres. Existem inúmeros paralelismos do culto da morte de criaturas que são meio homem, meio veado em numerosas culturas europeias; talvez esta antiga herança de possuir a imagem de uma divindade continue viva na caça ao veado. De acordo com lendas, muitas nascentes e spas foram fundadas quando um príncipe é conduzido ao local por um veado ferido ou deambulante. A história fala de locais de ritual devotos inicialmente a Diana, como tendo se dedicado a um novo patrono, a Virgem Maria. Neste sentido o veado da lenda do Santo Eustáquio é não só um mensageiro de Deus, mas também assume qualidades divinas. Santo Humberto também assume tais atributos : como Bispo de Liege costumava enviar missionários para a selvagem floresta de Ardennes, onde os nativos ainda sacrificam a primeira morte de cada caçada á deusa Diana. Santo Humberto proíbe este costume pagão, mas mais tarde começam a dedicar-lhe a primeira morte; após a sua morte é honrado como santo patrono dos caçadores. Em lendas posteriores chega mesmo a ser retratado como um apaixonado caçador. Liderar e ser perseguido; de qualquer maneira, o homem perseguiu cenas de deuses para justificar as suas invasões. Alfeu, o deus do rio, apaixona-se pela ninfa Aretusa ao vê-la banhar-se no rio. Tomando forma de um caçador, segue-a, mas esta consegue fugir através do mar, para uma pequena península na costa oriental da Sicília embora em vão. Finalmente, Artemis vem em seu auxilio, transformando-a numa nascente que brota no ponto onde a ninfa primeiro pisou a costa. A história da fundação de Siracusa interpreta o mito conforme lhe convém, porque sem esta fonte a cidade nunca existiria. A história reconstrói-se a si mesma, no século VII a.C., colonos gregos de Coríntia conquistaram o povo nativo e expulsaram-no, fixando-se depois e chamaram a península de Ortígia em honra do local de nascimento de Artemis, próximo de Delos. Eles chamam a cidade de Siracusa, por causa de um pântano próximo a que os nativos referem por “Syrakka”. Hoje a fonte de Aretusa é local de encontro para jovens e para a maioria dos turistas. Outras religiões distorcem as imagens tradicionais, transformando a mulher numa inocente culpada. Susana, hebraico de Lírio, é a figura principal numa adição apócrifa ao Livro De Daniel, no antigo testamento. Os dois anciãos na lenda, que secretamente a viam banhar-

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se, usaram ameaças para seduzi-la, trai-la e caluniá-la. No final surge os dois anciãos aldeões são nomeados pelo povo para juízes, desta forma o povo acabou por acreditar na sua versão condenando Susana á morte. Antes da sentença poder ser aplicada a verdade foi conhecida; um jovem chamado Daniel – que significa, Deus é o meu juiz – consegue convencer o povo e salva a mulher, o seu pai, o seu marido, e todos os seus familiares, que louvaram a Deus, não por causa da sua salvação da execução, mas porque nada desonroso poderia ser usado contra ela. No Segundo Livro de Samuel, o escolhido chama-se Bate-Seba, filha do juramento. Durante o seu prescrito ritual mensal de banho, é observada pelo rei David, este chama-a de imediato e ela obedece, manda então o marido numa fútil e mortal missão e ela torna-se assim sua mulher. Sejam quais forem os nomes desta mulher do banho, de que suas histórias raramente são contadas, foram no entanto retratadas inúmeras vezes na arte. O tema é a mulher nua na natureza, algumas vezes é também um retrato da alma. Ticiano, Veronese e Tiepolo revelam Diana despida em várias poses, a Susana de Tintoretto é a imagem da sedução, Bate-Seba é tema da observação auto-complacente de Memling para Rembrandt, com tantos episódios o quadro consegue satisfazer um alargado numero de fantasias masculinas. Heinrich Von Kleist, põe estas fantasias não em telas mas em palavras. No seu edílico Der Schrecken im Bade, o choque enquanto banhando-se, as protagonistas são duas mulheres, Margarete que está tomando banho e Johanna, a mulher que a observa. Fritz, noivo de Margarete, está longe nas montanhas, caçando o veado que recentemente perturbou os campos de milho. O choque surge quando Johanna baixa intencionalmente a voz, para que Margarete pense que Fritz a espia. Espreitando por detrás destes mal entendidos estão as ordens sociais, somos levados ainda a direcionar os nossos desejos e a encenar as nossas seduções até aos dias de hoje. Em “Diana no seu banho” de Pierre Klossowski, os papéis estão invertidos ou de facto duplicados, Acteon usa a cabeça de um veado sobre a sua e vai para a nascente esperar Diana. Entretanto a invisível Diana observa Acteon que imaginava a deusa nua. As ilustrações do livro revelam a opinião de Klossowski, que tentando aproximar-se do mito através da linguagem é arrogante e irreverente.

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Esculápio O balneário medieval era onde o barbeiro-cirurgião exercia o seu oficio aparando barbas e também realizando pequenas cirurgias, tal como o nome sugere. Também as termas romanas integravam médicos e salas de operações. Na antiga Grécia o banho terapêutico era tanto um local de cura como de culto, o médico como balneologista e balneoterapeuta, assim como doutor e sacerdote ao mesmo tempo. Os filósofos e doutores gregos reconheciam e propagavam os benefícios terapêuticos das águas de nascente do Século V em diante, especialmente Hipócrates o pai da Medicina, que nasceu por volta do ano 460 a.C. na ilha de Cós. Após a sua morte, um ” asklepieion” foi erigido nos arredores da cidade de Cós, em sua memória, este templo sagrado construído para honrar Esculápio, estava localizado num bosque sagrado, numa nascente igualmente sagrada e foi gradualmente alargado para um sanatório desconexo com terraços, pistas atléticas interiores, dormitórios para os doentes e quartos de tratamento. Isto foi o inicio de um culto que também dispersou-se em Roma, devido a uma epidemia de praga por volta de 293 a.C.. Em Roma o deus grego era venerado como Esculápio, pelo final do Imperio Romano, tinham sido dedicados ao mesmo, alegadamente mais de trezentos templos sagrados com nascentes terapêuticas. Os romanos designavam-nos de Aquae. Esculápio era o deus da cura e filho de Apolo e Corónis. A lenda sobre o seu nascimento diverge, mas o que parece claro é que recebeu a sua formação médica do centauro Quíron. Num ” asklepieion” a cura era alcançada através de um ritual de lavagem na nascente, pelo consumo da água e sono que era chamado incubatio e ocorria num quarto fechado, denominado abaton. As visões durante este sono eram interpretadas pelo sacerdote e convertidas em medidas terapêuticas. Os templos sagrados cresceram e evoluíram, tornando-se no sentido moderno, lugares de peregrinação em massa. O símbolo de Esculápio é a cobra, a troca periódica da sua pele simboliza o renascimento, juventude eterna e imortalidade, um culto provavelmente adoptado pelos gregos de civilizações anteriores no antigo Médio Oriente. Por esta razão os romanos mantiveram as cobras Esculápias nos seus banhos, esta espécie inofensiva, indígena do Sul da Europa, era transportada para os territórios ocupados no Norte também, onde ás vezes ainda é encontrada nos dias de hoje.

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Baptismo Nos primórdios da igreja cristã os adultos e não as crianças eram baptizadas. Completamente despidos eram inicialmente imergidos numa piscina de água e posteriormente recebiam novas roupas, como forma de mostrar que ele ou ela tornara-se numa nova pessoa. O baptismo como meio de purificação e renascimento foi adoptado pelo cristianismo a religiões mais antigas e enriquecido posteriormente com novo conteúdo religioso. O purificado e transformado corpo é suposto simbolizar a morte e ressurreição de Jesus Cristo. A imersão em água como ritual de iniciação religioso existe nas mais antigas culturas e por todo o mundo, quer o objectivo seja a limpeza dos pecados ou a purificação como prérequisito para renascer. O baptismo de água dos druidas celtas é provavelmente um ritual para conceder novas forças através do fluxo de água, ligado ao poder das divindades aquáticas. Não é uma questão de, quem adquiriu, ou quem influenciou quem. O estudioso de religião Mircea Eliade escreve: como tais símbolos são arquétipos e universais a imersão em água significa regressão ás origens, a imersão repete o acto da formação do cosmos, da manifestação formal.

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Peregrinação Muitas das mais antigas igrejas cristãs, ou dos edifícios que as substituíram, estão localizados directamente em cima, ou ao lado de nascentes naturais, integrando ou construindo no topo dos antigos pontos de água, sagrados para os celtas. Talvez os druidas conduziram a sua água baptismal para lá, ou talvez a sagrada colina fosse um importante ponto de reunião. O estudioso Louis Charpentier, de Chartres escreveu: Chartres esteve em tempos rodeada por um circulo de pedras gigantes, menires, dólmens e outras formações em pedra. Muitas das quais desapareceram, ao contrario dos seus nomes que ainda hoje persistem. A cristianização proibiu inicialmente tais rituais nas nascentes, punindo esses cultos de adoração a falsas divindades. Mas uma vez que não havia aceitação por parte dos novos convertidos no fim do século XVI, a Igreja cristã começou a transformar os locais de culto da água em fontes e nascentes sagradas. Os vários poços sagrados, capelas e igrejas são quase na sua totalidade de santidades femininas, facilitando assim a substituição pela deusa da nascente. Desta forma, o que outrora fora uma importante nascente sagrada, tornara-se agora num popular destino de peregrinação. Nomes como Notre Dame ou a Igreja de Nossa Senhora, não tinham apenas a intenção de mostrar á mulher cristã o caminho para a igreja. Uma conhecida imagem da iconografia cristã mostra a Virgem Maria pisando uma serpente. Existe claro a interpretação cristã que é possivelmente o resultado dos esforços missionários de aquisição das imagens. Até nas mais antigas religiões as pessoas adoravam imagens de uma deusa terrena maternal que foi sempre retratada com a serpente, símbolo da terra, água e regeneração da vida. Através das peregrinações, as pessoas aprenderam o significado de viajar; a palavra peregrino deriva do latim “peregrinus”, significando estrangeiro, ou o que viaja em terras estrangeiras. Isto legitimou o turismo para o cidadão comum, hoje em dia as peregrinações para eventos especiais tornou-se novamente popular, com os organizadores a promove-las como bem estar para a mente.

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O ritual do banho Segundo documentos datados de há mais de três mil anos, o primeiro registo do ritual do banho localiza-se no antigo Egipto; mais do que um mero acto de higiene, para os egípcios o banho tinha um carácter sagrado, realizando rituais na água, até três vezes ao dia, dedicados a divindades como Thot, deus do conhecimento, e Bes, deus da fertilidade. “ Mais do que limpar o corpo, eles presumiam que a água purificava a alma”, refere o egiptólogo francês Christian Jacq, fundador do Instituto Ram-sés, em Paris. A crença era válida tanto para a realeza, cortejada com óleos aromáticos e massagens aplicadas por escravos, como para as populações mais pobres, que recorriam inclusive a profissionais de rua quando não conseguiam tratar da própria beleza. Esta relação com o banho é relatada por vários arqueólogos como causa da sobrevivência dos egípcios às pragas e doenças que assolaram a Antiguidade. A Grécia apresenta-se como um dos principais locais onde o ritual do banho adquiriu importância. Em Cnossos e Faístos, na ilha de Creta, é possível encontrar em bom estado de preservação, palácios datados de 1700 a.C. a 1200 a.C., que até hoje, surpreendem pelas avançadas técnicas de distribuição da água. O Professor de Ciências da educação da Universidade de Paris-5, Georges Vigarello, refere que aquando da necessidade de luxo num banquete, era incluída uma sessão de banho para os convidados. Na lendária civilização cretense, os banhos eram parte das pausas que ordenavam a realização de banquetes; sendo um dos povos que participaram da formação da civilização grega, os cretenses tiveram essa tradição mantida pelos povos que habitaram a Hélade. Embora os gregos tenham iniciado a prática dos banhos públicos no Ocidente, os pioneiros nos balneários colectivos foram os babilônios. A diferença consiste que na Grécia, o banho não era motivado apenas pela higiene e espiritualidade. Entre 800 d.C. e 400 d.C., o desporto, em particular a natação, era um dos três pilares da educação juvenil, a par das letras e da música. Era assim considerado bom cidadão aquele que possuía dotes de leitura e natação, facto comprovado por imagens retratadas em vasos cerâmicos pintados naquela época. Os romanos herdaram muito da cultura da Grécia, incluindo a adoração pelo banho. Mas, entre eles, esse hábito tomou proporções inéditas. Enquanto construíam um dos maiores impérios de todos os tempos, os romanos levavam a sumptuosidade termal aos mais diversos locais. Por causa disso, algumas cidades europeias ganharam nomes que incluem, literalmente a palavra “banho”, como Bath na Inglaterra, Baden e Wiesbaden na Alemanha, e Aix-le-Bains em França.

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Mas as maiores termas ficavam mesmo na capital do império, Roma, eram as de Caracala, inauguradas no ano de 217 d.C., e as de Diocleciano do ano 305 d.C. A engenharia romana teve que se desdobrar para acompanhar o frenesim dos banhos, surgindo o hipocausto; uma espécie de entrepiso construído sobre câmaras de ar quente subterrâneas. Esse sistema ajudava a aquecer os cômodos e mantê-los climatizados. Cada sala das termas era decorada com estatuetas e mosaicos, ao redor de um pátio central havia uma sauna, um vestiário e piscinas de água quente, morna, fria e ao ar livre. Os complexos de banho do Império Romano eram ainda compostos de jardins, bibliotecas e restaurantes. As visitas diárias às termas tinham fundo religioso, já que o banho publico era um acto de adoração à deusa Minerva, não sendo o seu uso restrito das classes mais abastadas. Boêmios, prostitutas, imperadores, filósofos, políticos, velhos e novos, todos se banhavam no mesmo espaço sem qualquer pudor. Ponto de encontro e de troca de informações era o lugar onde um aristocrata podia medir a sua popularidade de acordo com a quantidade de saudações que recebia. No livro Aspects Mystiques de la Rome Paienne o historiador Jérôme Carcopino descreve “ Em épocas de plebiscito, os plebeus nem precisavam pagar a pequena taxa que geralmente era cobrada. Os custos da entrada eram cobertos pelos ricos e nobres”. A liberdade que os romanos tinham de se banharem nus em publico foi entrando em declínio à medida que uma nova religião ganhava popularidade por todo o Império. Era o cristianismo, pregando a castidade tornou-se a crença oficial de Roma no ano de 380 d.C.. Menos de um século depois, o Império colapsaria a par dos seus hábitos; enquanto isso, a Igreja prosseguia, cada vez mais forte e popular. Entravamos num período de cinco séculos, onde os prazeres do banho deixavam de ter lugar no quotidiano. Tinha inicio a Idade Média, época em que a cristandade varreu da Europa as termas, o desporto e outras actividades em que se considerava haver exposição em exagero do corpo. Gregório I, o Grande, papa entre 590 d.C. e 604 d.C., chegou a qualificar o corpo de “ abominável vestimenta da alma”, receptáculo de tudo o que era pecado. Com tantos pudores, o prazer de tomar banho de corpo inteiro passou a ser visto como um acto de luxúria; lavar as mãos e o rosto bastava. Era aceitável tomar um banho por ano, chegando um único barril de água a servir toda a família, sem que a água fosse trocada.

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No livro Banho- Histórias e Rituais, Renata Ashcar e Roberta Faria, escrevem, “ O privilégio do primeiro mergulho era do homem da casa, enquanto as crianças ficavam para último, na sopa suja que sobrava”. A limpeza da pele era feita friccionando-a com um pano húmido, e mesmo entre as classes mais nobres, o ritual apenas era feito uma única vez de dois em dois dias. Os cabelos eram tratados com um pó, que ao ser aplicado junto com uma escovagem deveria manter os mesmos finos e limpos. Podemos imaginar todo o tipo de aromas no ar, misturados com grandes doses de perfume e maquiagem, tanto nos corpos como cabelos e roupas, por forma a amenizar os odores mais fortes. Esta cultura de higiene deficitária acabou por abrir portas a epidemias devastadoras, propagadas na sua maioria por roedores, como no caso da peste, que matou cerca de 200 milhões de pessoas ao longo da Idade Média. Já em oposição os judeus, mostraram casos de resistência á doença, uma simples recomendação religiosa, a de lavar as mãos antes das refeições, e banhar-se pelo menos uma vez por semana. Este salvo conduto ás pragas colocou-os no centro de perseguição ás bruxas, por parte da Inquisição, chegando mesmo a julgar, condenar e executar muitos pela resistência demonstrada. Foi só durante as Cruzadas entre os séculos XI e XIII, que muitos europeus puderam redescobrir os prazeres da água, na aproximação, ainda que violenta do Oriente e Ocidente. Fora dos territórios dominados pela igreja, onde ocorreram inúmeros combates, os banhos públicos da Antiguidade foram mantidos, com os seus rituais e sofisticadas instalações. Nas Hammans, espaços de banho turco-árabes, os muçulmanos aproveitavam o prazer de alternar águas quentes e frias, sessões de banhos completos incluindo depilação, massagem, hidratação, branqueamento dos dentes e maquiagem, ainda hoje este ritual é seguido meticulosamente. Os cavaleiros cristãos que partiram para o Oriente com a missão de tomar a Terra Santa dos muçulmanos não se fizeram rogados; não só passaram a se banhar, como espalharam pela Europa a prática de jogar água pelo corpo, no regresso dos combates, relata Renata Ashcar e Roberta Faria. A determinada altura, a atitude contagiou a restante população europeia medieval e alguns banhos públicos chegaram a reabrir as portas. Nos séculos XVI e XVII, as noções de saúde e doença tornaram-se uma vez mais numa afronta ao hábito do banho regular. Os médicos acreditavam que as doenças consistiam em manifestações malignas que tomavam o corpo do indivíduo pelas suas vias de entrada, o banho em excesso dilatava os poros e com isso aumentava a susceptibilidade ás doenças.

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Somente no século seguinte com a ascensão da ciência iluminista, o banho foi reintroduzido como forma de tratar da saúde. Contudo, as várias décadas de uma cultura avessa ao contacto com do corpo com a água, manteve-se como obstáculo ao banho. Diversos relatos do século XIX descrevem o uso de banhos à força por parte de alguns doentes. A popularização do banho só aconteceu de facto no Ocidente a partir da década de 1930. A lavagem do corpo era realizada aos sábados, no mesmo dia em que as peças íntimas das crianças eram trocadas. Após a Segunda Guerra Mundial, o processo de reconstrução permitiu que o uso de chuveiros fosse disseminado por toda a Europa.

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Vitruvio Desde que os romanos foram influenciados pelos costumes e modo de vida da cultura grega em território italiano, que podemos relacionar o desenvolvimento das termas romanas ao protótipo grego. Enquanto as termas gregas eram incorporadas em instalações desportivas e reservadas a atletas, as romanas por sua vez eram construídas para diversão e comunicação do povo, tornando-se progressivamente mais sofisticadas ao longo dos séculos. As instruções dadas por Vitruvio para a construção das termas no décimo capitulo do quinto livro dos seus Dez Livros sobre Arquitectura foram escritos no período inicial das termas romanas e correspondem em grande parte aos métodos gregos. Acredita-se que Vitruvio escreveu os seus livros entre os anos 33 a.C. e 14 a.C., era arquitecto e engenheiro militar, tendo construído máquinas de guerra para cercos, pontes e aquedutos. No que diz respeito á arquitectura, foi o mesmo que estabeleceu os princípios firmitas, utilitas e venustas. O capitulo intitulado Termas exemplifica esta abordagem teórica: localização e orientação são tão importantes como a manufactura dos materiais de construção e da construção do hipocausto, do aquecimento e das cúpulas. A tipologia grega é evidente nas termas, tendo a sua maioria origem linguística grega. Após Vitruvio, estes conceitos não só tornaram-se parte da história termal romana, como também sobreviveram até hoje em muitas línguas europeias. Vitruvio inclui o Laconium e o Tepidarium nas suas termas ideais ou por outras palavras a sauna e os banhos tépidos. Classifica o denominado Frigidarium, o banho frio, entre os banhos de faixa coberta. Em desenvolvimentos posteriores, torna-se a sala central e mais luxuosa nas termas romanas, ultrapassando em termos arquitectónicos as outras salas de igual forma. As instruções de Vitruvio são como que receitas sem as quantidades exactas, mas com uma abordagem sistemática fundamental. Desta forma existe larga margem para interpretação, mas aparentemente os arquitectos renascentistas foram os primeiros a tomar consciência do facto. O seu tratado arquitectónico foi o único escrito até meio do século XV, ou pelos menos o único preservado.

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Laconium Esparta, a capital da Lacónia, uma província a sudeste de Peloponeso era uma das principais cidades-estado até aproximadamente 500 a.C. e a primeira potencia militar na Grécia. Os Esparciatas, a mais privilegiada classe entre os Espartanos, eram membros da casta guerreira e tinham direitos políticos, ao contrario da restante população. Desde os sete anos os seus filhos tornavam-se encargos do estado e eram sujeitos a treino rigoroso com a intenção de os preparar para a guerra e torna-los obedientes; aos vinte anos iniciavam o serviço militar onde permaneciam até aos sessenta anos. Os esparciatas desenvolveram novas tácticas de luta, testando-as com sucesso em batalha, garantiram a trégua sagrada durante os jogos olímpicos e continuaram a comandar as tropas gregas por muito tempo. Não só os seus militares mas também a liderança política foi contestada. Platão de Atenas descreveu a sua constituição até no declínio como exemplar e o seu comportamento permaneceu impressionante mesmo debaixo de subjugação: por volta de 164 a.C. os romanos ocuparam a Grécia, altura em que stilus laconicus se tornou uma conhecida expressão em Latim. Laconis illa vox, por exemplo como Cícero refere, significa uma expressão na arte dos Lacónios em referencia á sua reputada eficácia na arte da simples comunicação e carregavam a figurativa conotação de uma pessoa taciturna e fechada. Pelo século XVII, algumas línguas europeias tinham incorporado este termo latim nos seus vocabulários. Outra palavra que também sobreviveu ao longo dos anos apesar de apenas na terminologia história e técnica: Laconium, significa sauna de acordo com o modelo grego, os romanos adoptaram este programa encontrado nos banhos militares Laconianos, incluindo os rituais desportivos e sociais que o acompanhavam e tornaram-no a base das suas práticas de banho. No quinto dos seus Dez Livros sobre Arquitectura, as instruções de Vitruvio eram precisas, “Laconicum sudationesque sunt coniungendae tepidario”, ou por outras palavras, o laconium e outros banhos de suor devem agregar a sala tépida, que por razões funcionais e económicas deviam ocorrer na mesma área das salas aquecidas. Contudo não estavam integradas na normal sequência do procedimento termal, frigidarium, tepidarium, caldarium e regressar ao inicio. Ficava assim a cabo do banhista masculino a decisão de se submeter a estas temperaturas; quanto ás banhistas esta decisão não se colocava, uma vez que não existia laconium nas secções femininas.

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O facto de Vitruvio mencionar outros banhos de suor para além do laconium, implica a necessidade de diferenciação entre os diferentes tipos de banhos: o laconium era algo tipicamente grego, e este tipo de área de banho por norma não integrava os banhos públicos. Os arqueólogos definiram-no claramente como um banho de suor seco (actualmente conhecido por sauna) ao contrario de outras salas aquecidas, não dependia do hipocausto para aquecimento, uma vez que tinha no seu centro, uma fonte de calor, responsável por manter o carvão latente num receptáculo de bronze. As instruções de Vitruvio referiam uma planta circular e uma cúpula semiesférica, o calor radiante da fonte da calor central deveria causar progressivamente a sudação dos utilizadores sentados em circulo em seu redor. Existe uma abertura na cobertura da qual um disco de bronze se encontra suspenso por correntes, ao desce-lo ou eleva-lo, a temperatura poderia ser regulada. Os gregos chamavam a sua sauna de pyria palavra que deriva de pyr, fogo; é através deste tortuoso percurso que a palavra em latim purus adquire o significado de puro, claro, inocente, e é mais uma filosofia, uma questão religiosa do que um estado físico. Este banho de fogo juntamente com diversos banhos de várias temperaturas e a piscina exterior, constituíam a composição básica das termas gregas. Consiste basicamente de uma pequena sala isolada na qual deveriam sentar-se em redor de um tanque cheio de rochas ou carvão em brasa, e esperar pelo efeito do ar quente e do calor radiante. Era habito estes locais de banho, situarem-se próximo a um lago, ou outra fonte de água, como é demonstrado em vários ícones gregos, representando a lenda dos quarenta mártires de Sivas na antologia central: arrebanhados e despidos em conjunto, quarenta soldados romanos estavam na cobertura gelada de um lago numa noite de inverno. Tinham sido sentenciados á morte por congelamento como punição de professarem a sua fé em Cristo. Um deles não suportou a agonia e refugiou-se nas termas situadas na margem, um guarda converteu-se ao cristianismo ao juntar-se aos soldados condenados, ocupando o lugar do fugitivo. Nada sobra da água e vapor destes espaços de banho, mas ambos são no entanto elementos essenciais dos banhos islâmicos, turcos ou mouriscos que derivam da palavra árabe Hammam que significa quente.

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Como parte da higiene e ao mesmo tempo com um ritual de preparação para a oração, a lavagem tem um importante papel no modo de vida islâmico. Isto inclui o banho semanal nas termas publicas, na sexta feira antecedente à visita à mesquita, a limpeza física servia igualmente o propósito de relaxar e da integração social. Semelhante aos banhos termais romanos e bizantinos foram no entanto modelados posteriormente. A evolução do Hammam está em estreita ligação com a mesquita e a islamização do povo árabe no século VII, e sob a dinastia Umayyad expandiu-se desde o Indus até a Este dos Pirenéus no espaço de um século. De acordo com escritos do Corão, apenas a água corrente é purificadora, é pois neste sentido que tomar banho numa banheira ou nadando em piscinas não é considerado limpeza. O Hammam consiste basicamente de um grande hall, uma divisão intermédia e a sauna ou banho de suor, sendo esta ultima a sala principal. Tem uma forma octogonal com temperatura aproximada de 40º C, com áreas ainda mais quentes nos nichos das paredes; uma fina linha de água providencia a necessária humidade. Existem bancos e fontes para lavar-se ao longo das outras paredes, no alto cúpulas iluminam o espaço a partir de pequenas aberturas redondas ou em forma de estrela. O corpo suando no calor e vapor é massajado no centro da sala na “navel stone”, uma grande plataforma em mármore que tal como o chão é mantida quente pela circulação de ar quente em canais logo abaixo da superfície, o ar quente e água usados na lavagem são controlados no quarto de aquecimento adjacente. Depois de serem massajados, lavam-se numa das fontes em redor, antes de regressarem ao hall de entrada, que oferece descanso ao corpo, contemplando ou estimulando conversas. Neste sentido a cultura do banho islâmico adquire a sua inspiração das termas romanas e enriquece-a com influencias da ocupada Bizantina e dos territórios Persas. Depois das Umayyads conquistarem Espanha no inicio do século VIII, a tipologia continuou a evoluir, produzindo todas as possíveis variações ao longo da Europa, e estabeleceu-se pelos turcos osmanianos nos Balcães e na Hungria até ao século XVII. Entretanto a partir do século XI, os banhos orientais são descobertos nas cruzadas, e levados para a Europa medieval, onde até ao século XV os banhos de suor públicos, ou saunas, potenciados com ervas e pétalas inspiraram as orgias fantasiadas por alguns pintores, poetas e os criadores de gravuras.

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Por outro lado, talvez não foi assim que as coisas aconteceram. O principio das saunas existiam na Ásia Central bem antes da Grécia antiga: por volta de 450 a.C., Heródoto, o mais antigo historiador grego, embarca numa longa viagem á Asia e África; descreve entre outras coisas os rituais de banho dos Citas, pastores nómadas Iranianos que vieram da Asia Central ou da Sibéria, e ocuparam as estepes russas pelo século VIII a.C.. No VI e VII séculos trocaram com os gregos ao longo do Mar Negro itens de luxo e utensílios metálicos por trigo. Como nómadas, sem acampamentos permanentes, a sua sauna é uma tenda coberta por um cobertor, no centro o vapor quente sai das pedras em brasa misturadas com as sementes de cânhamo, produzindo um efeito intoxicante. Foram eles que presumivelmente ensinaram aos gregos as suas técnicas. E como as coisas com origens em cultos têm tendência a serem copiadas, expande-se para o norte, onde é adoptado pelos finlandeses, tornando-se a sauna o seu símbolo de identidade nacional. O significado original e tradição local da palavra finlandesa sauna é balneário de madeira, mas é apenas remotamente relacionado com o significado que o termo veio a adquirir internacionalmente. No final não só o banho de fogo grego fica na história como o laconium romano, mas ao longo dos séculos à medida que as praticas de banho europeias evoluíam, esta invenção grega também assumiu o papel de interprete, servindo como mediador, negociador, explicador e tradutor no sentido original da palavra. Uma coisa é certa, pelo século XV a igreja acabou temporariamente com este prazer molhado, por quase 3 séculos a civilização cristã ocidental viveu sem os banhos públicos e os prazeres do banho comum.

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Hipocausto

Os banhos públicos estavam equipados com aquecimento bem antes do tempo de Vitruvio. Mas no décimo capítulo do quinto livro dos seus Dez Livros sobre Arquitectura, ele foi o primeiro a introduzir o conceito Hipocausto e uma vez que deriva do grego, a origem da invenção parece-me clara, apesar de documentação equívoca. Escavações arqueológicas provaram que foram elaborados sistemas de aquecimento do pavimento, na Grécia antiga por volta do século III a.C. Hipocausto, significa aquecimento por baixo, sendo por isso uma forma de aquecimento no qual o ar quente é distribuído por espaços debaixo do pavimento. De acordo com Vitruvio, envolve um sistema de pilares subterrâneos sobre os quais o pavimento descansa, funcionando muito á semelhança do aquecimento por piso radiante, com o ar quente a dispersar-se por entre os pilares. Uma fornalha, o Praefurnium era constantemente alimentado por lenha seca, era igualmente usada para aquecer água para os banhos tépidos e quentes. Desenvolvimentos posteriores produziram os tubuli, tubos cerâmicos que eram instalados verticalmente atrás das paredes e pelos quais o ar quente podia ascender. Vitruvio nunca aprendeu este sistema de aquecimento das paredes, a arqueologia data a sua primeira ocorrência por volta de 100 a.C. O progresso tecnológico e a crescente dimensão dos banhos públicos por entre o Império Romano, conduziu a um enorme consumo de madeira, já na antiguidade, eco críticos como Platão e Plínio avisaram sobre a erosão do solo e o declínio das florestas de acordo com Marga Weber no seu aprofundado livro sobre banhos antigos. Com o passar do tempo a lenha necessária tinha de ser transportada de províncias cada vez mais distantes, das quais algumas das florestas ainda não recuperaram nos dias de hoje.

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Caldarium Em todas as culturas, os banhos quentes estão associados não com limpeza mas com relaxamento, ou actualmente a sua limpeza não é de natureza física, mas antes mental. Acto praticado usualmente como ritual comum como por exemplo no alveus. O recipiente de água quente no caldarium de um banho romano, ou no o-furo japonês, uma banheira do tamanho de uma sala destinada a acomodar um grupo de pessoas nos banhos públicos é denominado sentõ. A temperatura da água é de 45º C, a lavagem do corpo ocorre numa antecâmara da entrada na banheira. Alguns aspectos desta tradição podem ser encontrados igualmente no banho de fogo. Peter Zumthor escreve que alguns aspectos desta tradição também podem ser encontrados no caldarium, baseando-se no silencio, nas primeiras experiências de banho, da limpeza de si mesmo o relaxar na água; do contacto com a água a diferentes temperaturas e em diferentes espaços.

Banho de flores Pétalas e aromas agradáveis nos banhos públicos eram comuns na Idade Media, a sauna era combinada com banheiras, adicionando botões de rosa e uma fragrância de botões de sabugueiro, rosmaninho, camomila e trevo doce; eram adicionados á água quente e cristalina. A partir do século XII o banho no Ocidente experimentou um renascimento que durou até ao século XV, apenas uma das coisas prazerosas que os cruzados trouxeram consigo da guerra sagrada.

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Frigidarium Nos banhos romanos a abrupta diferença térmica das águas quentes do caldarium para as águas frias do frigidarium foi considerado o expoente máximo da saúde e prazer, do relaxamento e da noção de refrescarem-se em conjunto. A imersão na água corrente do Tevilah Judeu, por contraste, é purificação como requerimento para vidas recorrentes. A lendária fonte medieval da juventude é água da qual uma pessoa, assumindo que ele ou ela envelheceu, emerge rejuvenescida.

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Banho termal As termas estavam entre os edifícios públicos mais importantes no Império Romano. Já na antiguidade eram denominados Thermae, e do grego thermós , quente, referindo-se aos grandes complexos de banho, por sua vez os de menor dimensão eram conhecidos por balnae. Desde o inicio as termas romanas eram um dos locais de diversão para os cidadãos, razão pela qual este termo não corresponde ao actual conceito de heath resort. Por volta de 25 a.C., ainda nos dias de Vitruvio, Agripa foi o primeiro a erigir um complexo balnear; dispunha de reservatório apreendido especialmente para este propósito, e um canal escavado para drenagem. Mas isso era apenas o inicio de uma tendência eu perduraria por séculos e produziria termas cada vez mais monumentais, que não eram apenas erigidas na capital, mas em todas as cidades do império, incluindo as cidades conquistadas. Em Roma apenas havia 170 banhos públicos nos dias de Agripa, e três séculos mais tarde sob domínio de Constantino o Grande o número subiu para as 867 unidades. As termas eram construídas usando fundos governamentais, não cobravam taxas de admissão tornando o imperador popular entre o povo. As termas eram assim um meio de poder e distração, especialmente em tempos de crise. O expoente máximo deste tipo de arquitectura era as termas de Diocleciano construídas por volta do ano 300, superavam todas as termas imperiais no império romano, em tamanho. Este complexo era suposto acomodar mais de 3000 pessoas de cada vez. Os aproximadamente 140.000m2 que componham a estrutura foram completos em apenas oito anos, utilizando para o efeito milhares de escravos e trabalhadores forçados. O conceito espacial não ficou pela comum organização do apodyterium, palaestra, frigidarium, tepidarium, caldarium e laconium, mas também incluíram jardins, pórticos, restaurantes, médicos, escritórios, bibliotecas e auditórios. Os grandes feitos técnicos no abastecimento de água e esgotos também foram desenvolvidos nesta altura: canais, aquedutos, barragens e cisternas. Os reservatórios foram construídos como edifícios independentes localizados nas proximidades das termas e com uma capacidade entre os 10.000 e os 80.000m3, obtendo uma dimensão não menos monumental. As paredes estruturais em todos as grandes estruturas consistiam normalmente de paramentos exteriores em tijolo ou pedra, e com

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preenchimento interno de betão romano, referido como opus caementicium. Era usado para preencher o espaço entre duas camadas exteriores de alvenaria com uma mistura de rocha quebrada e argamassa, com uma parede sendo construída em sentido ascendente em secções; isto produzia um tipo de alvenaria composta que formava uma unidade estrutural como um todo. Vitruvio também descreve este método de construção que era baseado num principio originário dos gregos. Ele refere-o no oitavo capitulo do segundo dos seus Dez Livros sobre Arquitectura usando o termo grego emplekton, alvenaria entrelaçada. “Ita três suscitantur in ea strutuctura crustae, duae frontium et una media farturae”19. Esta estrutura deverá ser construída a partir de três secções distintas, duas consistindo de paramentos visíveis e uma de preenchimento. De qualquer modo a elaborada construção e ajustes dos banhos romanos que se desenvolveu no período seguinte são os antepassados dos actuais parques aquáticos. Os pisos inferiores eram destinados ´´a manutenção, uma rede de passagens e ruas, com um batalhão de escravos trabalhando para garantir o funcionamento das instalações. A opera “ Alarico il Baltha” de Agostino Steffani estreou-se em Munique, no ano de 1687. Alarico o rei visigodo e os seus homens, revoltaram-se contra a lei romana, invadindo Itália diversas vezes, e finalmente em 410 a sua capital. Este acto de vingança atribuio-lhe um lugar de honra na história, e desde a sua morte na Sicília pouco tempo depois foi alegadamente enterrado por baixo do leito do Busento que adquiriu o estatuto de glorificação postule. Este Drama per música barroco retrata o rei dos Godos envolvido em alianças clandestinas com romanos após a sua conquista. Felizmente o segundo acto decorre num local secreto e invulgar; debaixo das termas imperiais, onde mais uma vez a arte encobre factos históricos com loucuras amorosas. Contudo o fim dos banhos públicos estava iminente, uma vez que a cristianização se propagava a par da reprova pelos banhos que apenas sobreviveu ao Imperio Romano por um curto espaço de tempo, sendo gradualmente abandonados, adoptados a outros usos ou simplesmente esquecidos. Depois disto os banhos na Europa cairiam no esquecimento até ao século XII.

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Spa

Spa é uma cidade belga em Ardenas com trezentas nascentes de água mineral. Esta cidade turística era frequentada desde o século XVII com predominância de visitantes britânicos; no século XVII e XIX, era um destino de saúde em voga, eleito por uma clientela abastada e proeminente de todo o mundo. Os médicos recomendavam as águas terapêuticas desde o século XVI. A palavra spa denotava inicialmente uma nascente em particular, presumivelmente derivado do verbo Latim spargere. A água cedo tornou-se uma bebida de culto, e por volta de 1600 esta sendo exportada para Inglaterra, e mais tarde para outros países. Spa Monopole, l´eau qui pétille, é uma água mineral gaseificada que deu o nome à cidade, e em inglês tornou-se consequentemente sinónimo de água mineral, banhos terapêuticos e resorts de saúde em geral. Na segunda metade do século XX o termo divulgou-se pelo mundo via inglês-americano acabando por entrar em todas as línguas, afastando-se no entanto do seu significado original ao longo do processo. Actualmente o termo está relacionado com todos os campos do bem estar, com especialistas na área a defender que as três letras significam a abreviação do Latim, sanus per aquam. A era dourada em Spa terminou no período entre as duas guerras mundiais, e só há vinte e poucos anos é que voltaram a pensar no futuro. Entretanto diversas casas de banho históricas, foram demolidas para criar espaço para um vasto parque dedicado ao banho, e a tudo o que diz respeito com o bem estar dos visitantes.

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Água minero – medicinal O uso da água mineral natural de nascente para prevenir e curar doenças remonta a 50.000 anos atrás, isto é, à idade do Bronze. A água é a essência da vida, tendo a água, de nascentes termais ou não termais, sido utilizada pelo homem desde a antiguidade na bacia Mediterrânica, mesmo antes da existência dos “ Balneários Romanos”, utilização associada à qualidade de vida, à cultura e à tradição. A água de nascente engarrafada tornou-se presentemente na bebida mais saudável e, na Europa, a França é o pais líder da industria de água engarrafada; as águas Vitel e Evian que são também utilizadas para fins medicinais em Spas, são as mais comercializadas. Água de outras nascentes é igualmente consumida em Spas sob supervisão médica. Água termal é aquela cuja temperatura é notoriamente mais alta do que a temperatura atmosférica média do local onde emerge. A água de nascente termal pode considerar-se muito quente ou escaldante, quando a sua temperatura se situar próximo da temperatura da água fervente, como são os casos da água de certas nascentes do Vale das Furnas, na ilha de São Miguel, nos Açores, média atmosférica do local onde emerge, mas inferior à temperatura do corpo humano. As aplicações benéficas para a saúde da água de muitas nascentes Europeias têm longa tradição. Hipócrates e outros médicos da Antiga Grécia eram versados nos efeitos terapêuticos proporcionados pelas águas minerais. As águas nas nascentes termais de Bath, no Reino Unido, têm sido utilizadas desde os anos 800 AC (LaMoreaux e Tanner, eds., 2001). Leonardo da Vinci recuperou a sua saúde com a água de San Pellegrino, na Itália. Também, Michelangelo, atormentado por dores devidas a pedra nos rins recorreu às termas de Fiuggi, próximo de Roma. Portugal, por exemplo, possui muitos e variados tipos de água mineromedicinal, distribuídos por todo o país, a maior parte sendo águas termais. Efectivamente, em Portugal, existem um pouco mais de quarenta Estâncias ou Centros Termais considerados Centros de Saúde e de Bem-Estar ou Spas, cujas infraestruturas, nos últimos anos, têm sido objecto de trabalhos de renovação e modernização, de modo a poderem corresponder à crescente procura. Também, nos últimos anos, vários Spas têm sido instalados em unidades hoteleiras. As Estâncias Termais estão entre os primeiros produtos turísticos criados e desenvolvidos em Portugal, no final do século XIX e no princípio do século XX.

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Uma lei recente, publicada em Abril de 2004, alterou a velha lei de 1928 e estabeleceu o quadro legal que rege as actividades das estâncias termais em Portugal. Para além do papel da água no tratamento de certas patologias, a lei contempla outras aplicações e mercados: bem-estar, lazer e estética. A lei de 2004 no seu artigo nº2 considera os conceitos de: “ Termas”, “Termalismo”, “Estância Termal”, “Balneário” ou “ estabelecimento Termal”, “ Tratamento Termal”, “Técnicas Complementares”, etc., mas não comtempla a definição do principal e essencial recurso natural que interessa, a água mineral natural, usada em balnearoterapia. Segundo a Associação das Termas de Portugal (ATP), a água mineral natural é uma água bacteriologicamente aceitável, de circulação profunda ou extensa na crosta terrestre, que possui propriedades físico-químicas estáveis na sua origem que lhe conferem interessantes propriedades terapêuticas, ou simples efeitos favoráveis à saúde, devido à natureza e teor em minerais (oligo-elementos ou outros constituintes) que contém. Esta definição foi extraída do artigo nº 2 do Decreto-Lei 156/98. Em termos de mineralização total das águas minerais ela pode ser alta, média ou baixa (em Portugal, varia entre 30-3.500 mg Até 1990 (Decreto – Lei 86/90) o conceito de água mineral natural era sinónimo de água minero-medicinal. Segundo o Decreto-Lei 90/90 as águas minerais naturais pertencem ao domínio público, necessitando, por isso, a sua exploração de concessão emitida pelo Governo Central. Por sua vez, as águas de nascente que não possam ser classificadas como águas minerais naturais, ainda que sendo potáveis, pertencem ao domínio privado. As águas termais são águas minerais naturais cujas temperaturas medidas nos pontos de emergência, excedem em 4ºC as temperaturas médias do ar medidas nesses mesmos locais. A mesma lei de 2004 criou um Grupo de Trabalho Técnico composto por representantes de instituições governamentais e não governamentais, tendo diversas competências, tais como: estabelecer critérios e padrões para a elaboração de protocolos médico-hidrológicos necessários para a qualificação de novas indicações terapêuticas das águas minerais naturais; para avaliar os benefícios terapêuticos das águas minerais naturais; apresentar

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propostas à Autoridade Nacional de Saúde para o reconhecimento das indicações terapêuticas das águas minerais naturais confirmadas pelo Grupo de Trabalho Técnico. Em regra, as Estâncias Termais estão localizadas em sítios de bela paisagem e que possuem, património histórico e cultural muito valioso que importa manter e preservar. Segundo informação disponibilizada pela Associação das Termas de Portugal, cerca de 220.000 pessoas/ ano passam férias em Estâncias Termais. Contudo apenas cerca de 1000.000 pessoas/ano beneficiam de programas de balnearoterapia oferecidos pelas Estâncias Termais. Também, cerca de 80% das pessoas que usufruem de tratamentos de balnearoterapia, de curta ou média duração evidenciam melhoras das condições de saúde. Presentemente a maioria das Estâncias oferecem programas de “ fitness” e de “ anti-stress” para os acompanhantes e outras pessoas que não sejam pacientes. A Hidrologia Médica é uma designação abrangente de todos os domínios científicos que se ocupam do uso medicinal da água, métodos de aplicação e soluções. A Hidroterapia consiste no uso da água com bases científicas, como agente terapêutica no tratamento de patologias variadas, utilizando vários modos ou processos e várias gradações de temperatura (desde água gelada até ao vapor de água). O reconhecimento do interesse dos tratamentos de hidroterapia em Centros de Hidroterapia é expresso pelo facto deles serem subsidiados pelos Governos de certos países Europeus. A Balneoterapia é a ciência que se ocupa dos banhos e modos de os fazer, inclusive dos seus efeitos no tratamento da doença. A “ crénotherapie” (um termo Francês), como já foi dito antes é o consumo oral de água mineral para o tratamento da doença. Algumas águas minerais proporcionam uma acção catártica, outras produzem uma acção diurética, outras porem, produzem uma acção diaforética (aumento da transpiração). A natureza e a extensão das reacções são dependentes dos constituintes químicos que predominam na água e dos teores respectivos. Várias doenças têm sido tratadas através da administração de águas minerais.

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Água termal e terapêuticas De acordo com a sua origem geológica, podemos classificar as águas termais em magmáticas e telúricas. As primeiras nascem de filões metálicos ou eruptivos, enquanto que as segundas podem aparecer em qualquer lugar do planeta. Águas de origem magmática, têm temperaturas superiores a 50ºC; são muito mineralizadas, encontrando-se na sua composição arsénico, boro, bromo, cobre, fósforo e nitrogénio. Águas de origem telúrica, têm uma temperatura abaixo dos 50ºC, muito filtradas e, portanto, pouco mineralizadas, e na sua composição aparecem bicarbonatos, cloretos e sais de cal. Uma característica de grande importância nas águas termais é a ionização negativa, que tem a capacidade de relaxar o corpo, ao contrario do que acontece com os iões positivos que provocam irritação.

Em função da temperatura, classificam-se em: Águas hipertermias, muito quentes, com temperaturas superiores a 45ºC. Águas mesotermais ou quentes, com temperaturas entre 35ºC e 45ºC. Águas hipotermais ou moderadamente frias, com temperaturas entre 21ºC e 35ºC. Águas frias. Temperaturas inferiores a 20ºC. Segundo a quantidade de resíduo seco: Mineralização alta: de 1 a 1,5gr./l. Mineralização média: de 0,2 a 1,0 gr./l. Mineralização baixa: menos de 0,2 gr./l.

Existem os seguintes tipos de águas termais: Cloretadas – bicarbonatadas – sódicas – cálcicas – ferruginosas. Águas apropriadas para o tratamento de doenças do aparelho digestivo, hepatobiliar e renal, mediante ingestão das mesmas. Sulfurosas – nitrogenadas – oligometálicas – radioactivas. Tomadas em banhos, vaporizadas ou inaladas, são indicadas para o tratamento de doenças da pele e do aparelho respiratório.

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Sulfatadas – magnésicas. Tomadas em forma de banhos, solucionam problemas ósseos, articulares e ginecológicos.

Efeitos e benefícios das águas termais no corpo humano... Embora alguns autores dividam os efeitos das águas termais em biológico, físico e químico, estes actuam simultaneamente sobre o corpo humano. O banho aumenta a temperatura do corpo eliminando germes, entre eles vírus, e ajuda a dissolver e eliminar toxinas. Eleva a pressão hidrostática do corpo, aumentando a circulação sanguínea e a oxigenação. O aumento da oxigenação é muito benéfico para os tecidos em geral e melhora o metabolismo, que por sua vez estimula as secreções do tracto digestivo e hepático, facilitando a digestão. O banho repetido, em períodos de 3 a 4 semanas, opera como normalizador das funções das glândulas endócrinas, bem como do funcionamento em geral do sistema nervoso. Estimula e melhora o sistema imunitário; ajuda a relaxar a mente; activa a produção de endorfinas e regula as funções glandulares. As doenças da pele que mais beneficiam dos banhos termais são a psoríase, a dermatite e a micose cutânea.

Indicações terapêuticas Doenças reumáticas e do aparelho locomotor, recuperação funcional da neuroparalisia central e periférica, doenças metabólicas como diabetes, obesidade e gota, rins e vias urinárias, problemas gastrointestinais, doenças respiratórias e ORL, problemas de circulação sanguínea, ajuda aos problemas cardiovasculares; pré e pós-operatório, doenças da pele, doenças do tipo psicossomático, stress, sequelas pós-traumáticas, doenças ginecológicas... Os tratamentos podem ser divididos em dois grupos, terapêuticos e descanso, antisstress, turismo. Terapêuticos, estão orientados para cura, prevenção ou alivio de diferentes afecções, sob rigorosa prescrição e vigilância médica. A duração mínima é de 10 dias; a duração máxima dependerá do grau de afecção ou das necessidades do doente. Descanso, antisstress e turismo, é destinado a clientes que não padeçam de nenhuma patologia e acorrem ao balneário por curtos períodos, normalmente em fins de semana á procura de descanso num ambiente e meio relaxantes, e com actividades próprias da estância termal.

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Algumas técnicas termais: Aerossol: inalação de água minero-medicinal, através de aparelhos especiais que produzem partículas de vapor finíssimas e que penetram o aparelho respiratório. Álgoterapia: terapia baseada em algas, que fornecem ao corpo vitaminas e nutrientes, como aminoácidos, oligoelementos, etc., apresentando efeitos analgésicos, sedativos e anti-inflamátorios. Banho: imersão na água minero-medicinal durante um tempo e temperatura determinados. Banhos de bolhas/ hidromassagem: imersão numa banheira com água minero-medicinal, á qual se acrescenta ar sob pressão para produzir movimento na água, que actuará como uma massagem. Tem um carácter sedativo e melhora a nutrição dérmica. Banho galvânico: imersão em banheira equipada para aplicar correntes galvânicas. Banho termal: banho com água termal à temperatura, com aplicações de jactos subaquáticos. Banhos termais alternos de temperatura: banho termal, completo ou parcial, com aplicações alternas de água quente/fria, com temperatura ascendente. Banhos de vapor: aplicações em cabinas cheias de vapor, com carácter terapêutico. Melhora a circulação, ao mesmo tempo que relaxa e dissolve mucosidades. Banho turco: banho de vapor em cabina, que produz transpiração hidratando os tecidos. Por vezes acrescentam-se ervas, como eucalipto, com a finalidade de melhorar o aparelho respiratório. Jacto de pressão: aplicação da água minero-medicinal de forma manual, com maior ou menos pressão e continuidade. Cinesioterapia: tratamento através do movimento, para a reabilitação de doentes com limitações de origem funcional. Clapping: técnica fisioterapeutica manual aplicada no tórax, para facilitar a expectoração brônquica. Crenoterapia: aplicações de águas e lamas com carácter terapêutico. Cura Hidropínica: água minero-medicinal bebida a um tempo e ritmo determinados pelo médico. Drenagem linfática: tratamento manual que provoca a estimulação dos líquidos retidos nos tecidos, através dos vasos linfáticos. Duche circular: aplicação da água minero-medicinal a baixa pressão, com saída por vários orifícios, dando uma massagem dos pés à cabeça. Duche escocês: aplicação da água minero-medicinal, alternando quente com fria. Duche Kneipp: massagens por jactos a diferentes pressões sobre o sistema locomotor, com estimulação térmica. Duche subaquático: massagem em banheira com jacto de pressão.

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Duche a vapor: aplicação de jacto a vapor em diferentes partes do corpo, favorecendo a absorção transcutânea dos elementos activos da água termal e provocando uma vasodilatação imediata. Duche Vichy: massagem que combina o seco com a água minero-medicinal. Estufa de vapor: sala de vapor húmido. Electroterapia: aplicação de correntes elétricas em fins terapêuticos. Lamas ou iodos: a denominação científica é Peloides. Barros que se formam ao misturar determinados tipos de componentes sólidos com a água minero-medicinal. O componente sólido é formado por quartzos, calcários e argilas, podendo-se considerar como factores destacáveis os compostos de silício, alumínio, cálcio, sulfatos, carbonatos e fosfatos. Também tem um certo conteúdo orgânico composto por húmus. Fototerapia: terapia que consiste na aplicação de diferentes tipos de luz. Hidrocinesiterapia: técnica que incluis exercícios físicos na água. Inalações: inalação de vapor de água termal. Manilúvios: banho das mãos e parte dos braços. Massagem manual: fricções ou pressões sobre o corpo com as mãos. Nebulizações: inalação de vapor de água de gota espessa, como tratamento para as afecções respiratórias. Ozonoterapia: técnica de oxigenação do sangue, eliminando os radicais livres que provocam a fadiga. Parafango: é a mistura de lamas ou lodos com parafina, para aplicações em uma ou varias partes do organismo. Pedilúvios: banhos dos pés e parte das pernas. Peeling corporal: eliminação das células mortas da pele, ou descarnação superficial. Piscina dinâmica: ginástica em piscina com exercícios intensivos nos diferentes aparelhos de musculação. Piscina exterior termal: Piscina ao ar livre, que permite a prática da natação e Hidrocinesiterapia, aproveitando os efeitos das águas termais. Pressoterapia: técnica de drenagem linfática mediante um sistema especial de câmaras-dear que exercem uma pressão progressiva nas extremidade, curando edemas e retenção de líquidos. Pulverizações: inalação de vapor e água termal sobre as vias respiratórias superiores. Reflexoterapia: massagem na planta dos pés, onde os órgãos corporais encontram a sua zona de reflexo. Sala de vapor: sala de vapor húmido que favorece a transpiração, melhora a respiração e relaxa os músculos. Sauna: calor seco em cabina que favorece a eliminação de toxinas e a perda do excesso de água nos tecidos.

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Cenotes Os Cenotes são formações geológicas caracterizadas por uma ligação da superfície, com grandes massas de água subterrânea. Popularmente conhecidos como grandes piscinas de água inseridas numa concavidade circular dezenas de metros de diâmetro e profundidade, como as de Chichén Itzá; a maioria dos Cenotes são no entanto de menores dimensões, em locais abrigados, e nem sempre apresentam a superfície de água exposta. O termo cenote tem servido para descrever feições cársicas similares em outras regiões que não a península do Yucatan. A sua água apresenta-se translúcida e pura, uma vez que resulta da lenta infiltração das chuvas no solo, contendo muito poucas partículas suspensas. Em muitos casos os Cenotes são áreas onde secções do tecto da caverna colapsam, revelando um sistema de cavernas subjacentes. As dimensões que chegam a alcançar, a excelente visibilidade submarina e o ecossistema fechado atraem mergulhadores de todos os cantos do mundo. O colapso pode ser total, criando uma piscina de águas abertas, ou parcial criando uma espécie de abobada com abertura zenital, fazendo lembrar o Panteão de Roma. O estereótipo dos Cenotes assemelha-se frequentemente a pequenas lagoas circulares. No ano 2001-2002 expedições lideradas por Arturo H. González e Rojas Carmem Sandoval, descobriram três esqueletos humanos, um dos quais, Eva de Naharon, foi datado pelo método do carbono, revelando ter uma idade de aproximadamente 13.600 anos. A península do Yucatan, quase não tem rios, e apenas alguns lagos; sendo a sua maioria pantanosos. A qualidade da água aliada á sua ampla distribuição, representam a principal fonte de água potável. As maiores concentrações maias, requeriam acesso a reservas de água adequadas, motivo pela qual grandes cidades como Chichén Itzá foram construídas em redor destes poços naturais. Alguns Cenotes como o do Sacrifício, tiveram um papel fundamental nos rituais maias; acreditando tratarem-se de portões para a vida depois da morte, os maias, por vezes atiravam objectos de valor para o seu interior. Por volta de 1904 o diplomata americano Edward Herbet Thompson iniciou uma exploração ao cenote sagrado , descobrindo esqueletos humanos e objectos de sacrifício, que confirmaram uma lenda local, envolvendo sacrifícios humanos aos deuses da chuva, denominados de Chaacs.

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III- Onde construir? a utopia da escolha

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A escolha A escolha da Encumeada, na Serra de Água, foi criteriosa e sustentada em diversos estudos que serão apresentados no desenvolvimento prático do projecto de forma mais detalhada e neste capitulo sob a forma de curtos tópicos. Localização de recursos Hídricos, situado no centro do maciço montanhoso central, e adjacente ao planalto do Paul da Serra, esta localização encontra-se potenciada pela existência de zonas de grande absorção das águas da chuva assim como de aquíferos suspensos. Nascentes e furos de captação recolhem aqui as suas águas. Potencial geotérmico, na sequencia da abertura de um túnel foram encontradas bolsas de água com elevados níveis de CO2 , assim como temperaturas elevadas, a partir desta descoberta e em parceria com o Eng.º Pedro Nascimento, procedeu-se á recolha de 72 pontos de água na tentativa de localizar o potencial termal da zona e do seu uso geotermal. Antiga ligação entre costa sul e norte, no passado a Encumeada era o ponto mais rápido de transitar do norte da ilha para sul, visto ser a elevação montanhosa que separa dois vales, pretende-se recuperar essa importância mas no turismo de aventura. Existência de levadas e veredas com potencial turístico, o turismo de pedestrianismo e actividades de montanha são o novo motor turístico. Procura-se assim um novo sustento económico preservando a paisagem humanizada e natural. Existência de equipamentos hoteleiros, existem duas estalagens com grande capacidade de alojamento, evitando repetir esse programa neste projecto. Pedreira, acidente na paisagem que pode ser tratado, o local encontra-se no limite do permitido para construção, procura-se reabilitar uma pedreira inactiva, absorvendo o tema da pedra na arquitectura e no desenvolvimento do homem na ilha. Relação entre projecto e paisagem humanizada, projecto de carácter abrangente, onde não só é possível desenhar um volume arquitectónico, mas também fundir este com uma rede de percursos e actividades no território, e na sua memória, de paisagem humanizada.

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Contextualização

O território... A ilha da Madeira é claramente dividida da costa Sul e Norte longitudinalmente pelo maciço montanhoso central, já os profundos vales da Ribeira Brava e de São Vicente separam transversalmente na parte oriental e ocidental. Cascalheiras de origem torrencial, muitas vezes intercaladas nos níveis piroclásticos ou nos intervalos entre os derrames de basalto, são bem visíveis na foz da Ribeira Brava. No flanco Sul do Paul da Serra situa-se a Encumeada, lá os afloramentos rochosos são recortados por diversas linhas de água, repetindo-se pelo território conforme se vai descendo a cota. Os aparelhos vulcânicos do planalto do Paul da Serra, estendem-se aos vales de São Vicente e da Ribeira Brava. Já a Serra de Água é um complexo do miopliocénico tornando esta localidade parte do complexo vulcânico principal da ilha. O concelho da Ribeira Brava é dividido em quatro freguesias, uma com o mesmo nome, seguidas de Campanário, a Tabua e finalmente a zona de intervenção de nome Serra de Água, que ocupa cerca de 2470 hectares, grande parte em forma de escarpas montanhosas.

O clima e a água... Visto o concelho variar da cota 0 até à cota 1200 ou superior é compreensível que existam grandes variações de temperatura, pluviosidade e velocidade dos ventos, No entanto não existem grandes dados sobre estas variantes. É no entanto relevante para o desenvolvimento do projecto o conhecimento do local de intervenção, situado na Encumeada da freguesia da Serra de Água, muitas vezes é o completo oposto da vila da Ribeira Brava situada na foz da ribeira, que lhe dá o nome. A zona de intervenção situa-se na linha de festo de uma cordilheira que divide a costa Norte da Sul, e ainda no topo da elevação montanhosa que separa os vales da Ribeira Brava e São Vicente como já foi referido anteriormente. Existem três factos dignos de registo, sendo eles a grande pluviosidade nos meses de inverno, e posição anexa á principal zona de infiltração de águas no solo. Os outros factos referem-se a um fenómeno originado pelos ventos do quadrante Norte, que trazem as nuvens para a costa sul, descendo a grande velocidade pelas encostas e fixando-se numa faixa entre as cotas 500 e 800. Este fenómeno dá lugar ao ultimo facto, um

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muito comum evento, que é a de um “ mar de nuvens” uma vez que o local de intervenção está á cota 1000, o tempo mantem-se muitas vezes solarengo. No que diz respeito à água, este local é fortemente irrigado por uma série de levadas, que serão analisadas em seguida, mas também contem inúmeros aquíferos. Foi feita uma colaboração com o Engenheiro Pedro Nascimento, no sentido de explorar o potencial geotérmico da zona e posterior uso geotermal. A associação visava obter não só um fundamento científico para exploração termal, mas igualmente a potenciação deste mesmo uso, com a criação de um projecto de um complexo termal. Uma curta secção deste estudo ficará aqui em anexo.

As serras... Uma grande área florestal cobria as serras da Ribeira Brava, e grande parte dela na Serra de Água, nos finais do século XVI, no entanto nos cem anos seguintes o homem procedeu a uma devastação deste território pela crescente escassez de lenhas e madeiras. Parte das serras eram um baldio comum de extracção de madeiras, lenhas e para criação de gado, noutros faziam-se esmoitas e semeavam-se cereais, isto quando era dado consentimento dos proprietários. A par destas parcelas publicas actividades semelhantes eram desenvolvidas mas com carácter privado. Por volta do século XVIII, eram cada vez mais raras as madeiras, e espécies como o til e o vinhático já só existiam em propriedades privadas. Na Serra de Água, ainda existiam certos vinháticos vermelhos, ideais para mobiliário nas escarpas de mais difícil acesso; não muitos exemplares teriam chegado ao século XIX. As que sobreviveram foram, devido ao elevado valor que atingiram nas décadas posteriores completamente dizimadas, assim como pela construção. Alguns estudiosos afirmam que a desertificação das serras da Madeira se deveu ao aproveitamento da lenha para carvão, em princípios do século XIX, vastas áreas da meia encosta foram limpos para plantar giesta; uma espécie de arbusto muito apreciada para acender braseiros, para adubar terrenos, para fazer colares no mês de Maio, numa tradição local, e em casos extremos as flores serviam de alimento. É arrasador pensar na vastidão das serras que teriam uma vegetação densa e de grande porte e que hoje em dia ainda apresentam nos pontos mais altos apenas vegetações mais rasteiras como arbustos.

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A levada do norte...

De entre as levadas que existem neste contexto especifico do território a levada do norte, é a que maior proveito tira da água, actualmente é local de turismo pedestre e de montanha e também usa a água para regadio e produção energética; segue-se então uma breve descrição. Desde cedo que a água foi tida como elemento crucial no desenvolvimento e subsistência económica da ilha. Por volta de 1943 foram criadas as bases administrativas e financeiras para a execução do plano de aproveitamentos hidráulicos, já referidos no ponto sobre levadas do capitulo paisagem humanizada. A levada de maior importância da Ribeira Brava é a que se inicia na Serra de Água, na central hidroelétrica, mas que já vem conduzida desde a costa Norte, mais precisamente de São Vicente. A levada do Norte, iniciou-se em 1947, com a abertura de uma esplanada no sitio da Encumeada, na altura pertencente ao concelho administrativo de São Vicente. A sua construção demorou cinco anos, terminando no ano de 1952; já os estudos para o projecto começaram em finais de 1944. “ Disse-se, algures, que as levadas da Madeira datam de há mais de cinco séculos, posto ser natural que já se verificassem antes de 1515. Periodicamente, foram subindo das achadas da beira mar para locais mais altos e mais vastos, até aos recônditos das serranias. Furaram montanhas, riscaram muralhas rochosas talhadas a pique em centenas de metros, debruçam-se nos abismos, venceram cristas, saltaram despenhadeiros, dobraram-se nos refegos das ravinas...”20 Em 1835 já se tentara desviar para Sul, as águas do Rabaçal, e em 1890, as levadas nessa tentativa já existiam cerca de 40 km de levadas construídas, perdendo no entanto 50% do volume de água pela não impermeabilização. Um melhor aproveitamento das águas garantia uma capacidade de rega permanente de 1400 hectares, numa área de 1800 existentes e delimitados pela curva de nível de 550 metros de altitude. As linhas de nivelamento iniciaram-se no cais á entrada da cidade na cota 5,66, e rumaram pela estrada nacional até à Encumeada de São Vicente na cota 1003 metros de altitude, uma outra linha de apoio prolongou-se da Encumeada à Ribeira do Inferno atravessando rochas e vegetação na cota 1000. As obras de beneficiação da primária levada aumentou a capacidade de caudal continuo dos 67 litros por segundo para os 502.

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A Ribeira Brava como porto de exportação de bens... “Um punhado de povoadores tomou a iniciativa de desbravar a floresta, fazer algumas queimadas, construir paredes para sustentar os terrenos mais inclinados e, claro está, depois de preparada a terra em nome de Deus, deitar a semente. Depressa veio a produtividade e todos diziam que a Divina Providencia, na Madeira, era bondosa, devido à abastança das colheitas. Foram os cereais que associados à extracção de madeiras, conduziram esta primeira fase, num processo de ocupação da terra. A Ribeira Brava e a Costa denominada de Baixo passou a sustentar o Funchal, em anos de carência alimentar. 1485 foi um ano de escassez de cereais. Assim, a Câmara do Funchal deliberou que, para acabar com a míngua, que o povo padecia, um vereador, os procuradores do concelho e dos mesteres fossem desde a Ribeira Brava até à Ponta do Pargo e tomassem o trigo daqueles que o tinham açambarcado para assim diminuir o flagelo da fome de que padecia o povo.”21 A vila da Ribeira Brava adquire assim papel de uma capital de distrito, é a partir do seu cais que se escoavam as produções agrícolas a fim de serem comercializadas, e desse mesmo comercio adquirir um crescente poder negocial com a administração. O povoamento da serra de água... Esta localidade foi atribuída de sesmarias a um descendente de Zarco, Helena Gonçalves, filha do donatário, casada com Martim Mendes de Vasconcelos. A Serra de água foi durante largos anos muito abundante em madeiras, em oposição ás localidades costeiras onde se desenvolvia com sucesso a produção de cana sacarina. Como já referi anteriormente o próprio nome advém de um engenho de corte movido a água, que transformava rolos de madeira em tabuado. Estima-se que alguns serradores e fragueiros teriam ocupado, desde os tempos remotos do povoamento as margens da ribeira; a eles juntaram-se agricultores. Foi no entanto um laborioso trabalho na construção de poios é que a Serra de Água tornarse-ia um local fértil, com abundantes colheitas de cereais, com cidreiras, inhames e posteriormente os castanheiros, nogueiras e cerejeiras. Tratava-se assim de uma paisagem naturalizada e agrícola, profundamente alterada do contexto original.

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Economia

A economia da Ribeira Brava sendo esta uma paisagem rural, era obviamente baseada no cultivo de diversas espécies, entre as mais conhecidas estão, a par dos vegetais as cerejeiras, castanheiros, nogueiras e claro as vinhas e cana sacarina. As produções retiravam grandes colheitas, e em tempos de fome continuavam a obter bons resultados, isto acabou por se traduzir num crescente ganho económico, e aumento das áreas de plantação. Já no contexto da Serra de Água, e como referido foram as madeiras a ter papel de destaque, é possível desenhar um esquema de funções e culturas a explorar conforme a cota a que se instalam. Desde pesca e cana sacarina nas zonas mais costeiras, a gado, cultura de cereais, e diversos poios a uma cota intermédia, francamente abastecidas pelas levadas, e em cotas superiores um extenso abate de madeiras, que ainda hoje resultam numa paisagem árida e de muito longa recuperação. O facto deste concelho ser o ponto de transição entre Norte e Sul, até meados nos anos 90 tornava-o ponto de paragem obrigatória e daí retirando muito beneficio. Actualmente a moderna rede viária é um dos motivos de orgulho do governo regional, na disponibilização de emprego em qualquer parte da ilha com um tempo de deslocação aceitável, mas no reverso é motivo da grande desertificação dos campos com destino a procura de uma vida melhor na cidade.

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Transportes

Os transportes terrestres...

Durante séculos percorrer as ribeiras da Madeira era tarefa arriscada, nas cheias muitos dos que tentavam atravessá-las eram arrastados até ao mar. No inverno havia zonas que permaneciam isoladas pela falta de acesso, deixando populações á sua sorte caso adoecessem. Nos espaços onde a topografia era de menor declive recorria-se a carros de bois desde tempos bem recuados como 1557. No inicio do século XIX, iniciou-se a melhoria das caminhos da ilha e passaram a denominar-se de estradas, já no século XX o desenvolvimento das estradas aumentou o ritmo e em 1913 realizou-se na Ribeira Brava a cerimonia de lançamento da primeira pedra da estrada com ligação ao Funchal. A ideia de ligar a Ribeira Brava a São Vicente era um desejo antigo, uma noticia de 1873 dava conta da intenção de a realizar. Em 1909 sob proposta de João Romão Teixeira e Francisco Fernandes Esmeraldo foi apresenta essa mesma intenção; No entanto apenas em 1913 foi entregue o primeiro lanço da estrada nº26 à Junta Geral do Distrito, que veria um ano depois a obra concluída. No inverno de 1921 a estrada sofreu elevados danos entre a Ribeira Brava e a Serra de Água, no mesmo local que recentemente a estrada foi destruída. Com esta nova via, vieram os transportes motorizados, potenciando finalmente uma maior ligação entre a costa Norte e a costa Sul.

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O cais da Ribeira Brava... As vias de comunicação terrestre na ilha, eram muito difíceis, veredas e caminhos empedrados rasgavam a rocha e delimitavam escarpas na costa, ligando as localidades. Os percursos montanhosos foram facilitados pelo traçado na crista de lombadas e usando em vários casos corsas, ou carros de madeira para transportar materiais. Como já foi escrito anteriormente a vila da Ribeira Brava era um ponto de passagem quase obrigatório na transição de pessoas e bens para a costa Norte. Em meados do século XIX, o porto da Ribeira Brava tinha um movimento razoável por onde eram escoados os géneros produzidos no meio rural com destino á capital Funchal, diariamente era frequentado por lanchas e barcos a vapor. Por volta de 1904 e 1908 foi construído o cais com um orçamento de 10 contos e meio. A arquitectura deste cais não é significante nem mesmo interessante, é apenas mais um elemento da humanização da paisagem, que é fundamental no potenciar de um modo de vida agrícola, e de estimulo da economia, tirando proveitos deste mesmo modo de vida. No entanto a pouca distancia, existe na localidade da Ponta do Sol, um cais fascinante, na sua relação com a orografia, com o mar e com a rocha...sempre que vejo imagens do mesmo, ou sempre que lá me desloco, recordo-me da casa Malaparte, e da sua relação com a paisagem.

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Pedreiras, feridas na paisagem

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Uma vez que o projecto a ser desenvolvido na componente prática, terá a sua inserção física no território numa antiga pedreira, nomeadamente na Encumeada da Ribeira Brava, tornou-se relevante compreender o papel das pedreiras na paisagem humanizada madeirense. Neste caso concreto o mais importante seria conhecer a história da pedreira onde vamos trabalhar, quando começou a extracção, para que fins, que tipo de pedra, como era a topografia do local e como ficou aquele território após a laboração. Após o estudo do caso concreto da pedreira da Encumeada, nasceu o interesse em fazer o levantamento do numero e situação das restantes explorações de inertes na ilha, sendo vistas como claras feridas na paisagem, sem qualquer reabilitação posterior embora contrária a legislações em vigor que a tal obrigam. O projecto termal que será implantado na pedreira, surge como um exemplo da cicatrização destes espaços, aproveitando a tese, como forma de mostrar o potencial do que pode ser feito na reabilitação da paisagem. Uma vez que o trabalho do arquitecto está directamente ligado aos recursos de matéria prima para construção, e de forma muito mais acentuada num pequeno espaço como uma ilha, não serei hipócrita ao afirmar que estas feridas não devem ter lugar, mas antes que a atribuição de licenças de exploração devem ser muito mais cuidadosas visto que no meu estudo, nenhuma pedreira desenvolveu o plano de reabilitação imposto por lei, outras estão no interior de zonas de interesse paisagístico, como o Parque ecológico do Funchal, ou ainda em linhas de água, não respeitando os afastamentos e zonas de protecção. No contexto regional a exploração de inertes está ligada a uma política de desenvolvimento baseada na construção de vias de acesso e demais obras publicas, encarando a extracção como um mal menor perante o que se considera ser o maior interesse publico e da população. Estranhamente, ou talvez não em todos os cursos de água de maior relevo, onde houve elevados danos, estão industrias de extracção das maiores empresas da construção na região. Assim o estudo das pedreiras não só fica delimitado ao impacto da respectiva exploração mas também dos danos que a falta de armazenamento dos inertes provoca, quando estas estão erradamente nas linhas de água, potenciando tragédias como a aluvião do 20 de Fevereiro. Outro ponto de elevado interesse, é saber se a pedra existente nos cursos naturais, é igual á extraída nas pedreiras, e se o volume cubico destas seria suficiente para terminar grande parte das explorações da região. Uma vez que vou intervir numa pedreira, não me parece válido aumentar ainda mais a ferida retirando dela ainda mais recursos, mas antes usar os das linhas de água, e transforma-los em centrais de processamento para posterior uso.

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Leito das ribeiras As explorações de pedra na região variam entre a cantaria/pedra mole, designação popular, conhecida cientificamente como tufo de lapili, e brecha piroclástica; e a cantaria/pedra rija/dura, conhecida cientificamente como traquibasalto, traquiandesito basáltico, taquiandesito, andesito e traquito. Existiam explorações de areão e areia, sendo que esta ultima ainda existe, mas agora é retirada do mar. De entre estas matérias primas a forma como são extraídas também varia, podendo ser extraídas “ in situ”, ou nos leitos das ribeiras, onde uma grande parte das empresas se situa. Estas ultimas eram associadas à existência de grandes blocos rochosos provenientes das escarpas e encostas dos vales adjacentes, tinham um carácter artesanal, uma vez que a maquinaria dificilmente lá chegava, utilizavam o choque térmico para diaclasar a rocha nas variações volúmetricas, recorrendo a fogueiras para aquecer a rocha e posterior banho com água fria. Também era recorrente o uso de picaretas, malhos, cunhas e barras de ferro. Actualmente é construída uma central de processamento num ponto próximo às vias de acesso, e a matéria prima é recolhida por escavadoras e transportada em grandes camiões, até à central. Existe na ilha da Madeira, uma negligência crónica, com empresas a recolherem o material em ribeiras, muitas vezes domínio publico, a processar este material e a vender posteriormente ao governo. Ou seja só se gasta dinheiro no processamento. É um tema extremamente polémico, e que, como no meu caso, não são concedidas informações sobre as explorações, havendo um ridículo jogo da cadeira onde as responsabilidades são atiradas de uma secretaria regional para outra. Não me foi possível constatar do levantamento de explorações, quais as legais e as ilegais, uma vez que essa informação foi negada, mas mesmo as explorações legais, encontram-se em situações contrárias à legislação sempre com o argumento que já existiam antes da lei, ou que são de interesse publico. Este interesse publico choca com um segundo interesse publico que são os locais de interesse paisagístico, o qual a legislação aplica um afastamento mínimo de 500 metros, e ainda um afastamento de 50 metros em relação ás linhas de água. O trabalho nos leitos das ribeiras é ambíguo, por um lado a legislação nacional proíbe as explorações a menos de 50 metros, e por outro estudiosos defendem que as mesmas devem ser limpas de blocos rochosos, por forma a melhor escoar águas e terras. Foi concedido a algumas empresas o trabalho de limpar as ribeiras, usando o material

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recolhido como forma de pagamento, interessante seria fazer um calculo do potencial em metros cúbicos da rocha existentes nas linhas de água e correspondente valor, apurando também os valores perdidos para as empresas privadas pela livre recolha dos mesmos. Em termos de paisagem, após o encerramento das explorações o impacto visual é quase nulo, sendo da competência de biólogos e engenheiros de hídrica afirmar se existem danos que não visuais no território. No entanto o estudo sobre a aluvião do 20 de fevereiro, peritos recomendem a suspensão de explorações no leito das ribeiras a montante e respectivos depósitos de matéria sólida, que se não devidamente armazenados, são fonte de danos no seu percurso até ao mar.

Processos extractivos O processo de extracção da pedra, basicamente restringe-se a dois, um manual e ultrapassado, embora tenha sido a forma de trabalhar durantes séculos e o qual forneceu a ilha de pedra; e um segundo mais actual e totalmente virado para maquinaria pesada. O artesanal consistia em furar pontualmente a pedra com o auxilio de um escopro, nos limites do bloco pretendido, estes furos com sensivelmente uma polegada de diâmetro eram posteriormente “ atacados” com pólvora seca e terra. Uma vez soltos, os blocos que podiam atingir as cinco toneladas eram movidos com ajuda de barras metálicas, onde se iria procurar a “fita”, correspondendo à orientação dos planos de descontinuidade da pedra, reduzindo depois os blocos às formas pretendidas com o uso de cunhas. O acabamento era constituído por cinco fases, “de bico”, “de patinha”, “de miúdo”, “de acamado”, e de “escoado”, a primeira com recurso ao picão e as restantes com escoadas de diversas espessuras. O segundo processo, recorre à maquinaria pesada, como o martelo pneumático acoplado, sistemas de perfuração de ar comprimido e hidráulicos, escavadoras e sistemas de lagartas. Também as centrais de processamento, para britas, trituram a rocha basáltica em diversas dimensões conforme a utilização pretendida. O aproveitamento da rocha varia bastante, entre a pedra rija e a mole, a natureza da primeira permite uma extracção e manuseamento sem grandes perdas, sendo as mesmas utilizadas posteriormente na construção civil, já a pedra mole apresenta desperdícios na casa dos 60% desde extracção até utilização final.

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Equipamentos e Ferramentas Na industria regional os equipamentos eléctricos surgiram por volta dos anos setenta, com a primeira máquina a ser utilizada foi a rebarbadora, sem disco diamantado, o que pelo seu tamanho implica a utilização apenas em fases posteriores da produção como acabamento. Na década de oitenta os equipamentos eléctricos ganham escala, aparecendo as primeiras máquinas de serração com disco diamantado. Este equipamento deu a capacidade de trabalhar com placas de cantaria de até 1cm nas cantarias duras, e até 2cm nas cantarias moles. Também nos acabamentos surgiram novidades, com máquinas de ar comprimido a bujardar as cantarias ou “ picando” de diversas formas. Ainda existe uma exploração que usa métodos tradicionais, trata-se da pedreira de cantaria mole do caniçal, uma das mais antigas da região, e foi-me permitido ver o seu trabalho com ferramentas como, o picão, picão de roçar, a escoada, a goiva, o escopro, e outros utensílios como o esquadro, compasso, o metro, a maceta, o malho e a barra metálica. Nos campos, é possível encontrar inúmeras peças esculpidas nesta pedra mole, desde ligações em levadas, fornos, poços de lavagem, furnas e todo o tipo de peças necessárias a uma vida rural. Esta pedra mole permitia um muito fácil manuseamento, e desde que nas dimensões correctas um bom desempenho, fossem soltas do local de extracção ou esculpidas sem as extrair do local onde eram encontradas.

Arquitectos

Seria igualmente de interesse e relevância retratar o trabalho de 3 arquitectos, que encontraram na pedra, muito mais do que apenas um material para construir os seus projectos. Chorão Ramalho, Januário Godinho e Paulo David, foram e são arquitectos com um grande respeito pela pedra, e mais do que isso, com a capacidade de perceber o carácter tectónico que as obras adquirem com o uso deste material, não só é inerente ao ilhéu o uso da pedra, como torna-se naturalmente pertencente ao local. O arquitecto Paulo David levou a pedra, a um ponto de concepção projectual, onde vejo algumas das suas obras quase como uma pedra mole trabalhada para acomodar o programa requisitado, as suas necessidades e ainda as especificidades do local onde se insere. Criando uma relação fortíssima entre a paisagem e um ponto de paragem nessa mesma paisagem.

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Pedreira da Encumeada Os dados obtidos não são muitos, e foram cedidos pela Direcção Regional do Comércio, Indústria e Energia. Referem que em 1981 a empresa Britatlântico, Sociedade de Britas da Madeira LDA, solicitou autorização para a abertura e exploração de uma pedreira de basalto, localizada na Fonte dos Frias, Serra de Água, em que o material a extrair destinavase à produção de inertes para a construção. Segundo consta no processo da DRCIE, já teria existido neste mesmo local uma outra pedreira. A ultima licença de exploração foi atribuída em Dezembro de 1981, e durou até 1999, altura em que foi oficiada no sentido de suspender por completo a exploração e iniciar a recuperação paisagística do local. O incumprimento das zonas de defesa relativamente ao topo Norte da pedreira, colocando em risco a zona de festo separadora dos concelhos da Ribeira Brava e de São Vicente, e o facto da exploração não ter respeitado o Plano de Lavra autorizado, foram os motivos do seu encerramento. De destacar que apenas algumas árvores foram plantadas no limite anexo à estrada e nada mais, ainda permanecendo no local construção em betão que servia de apoio à exploração. A extracção de inertes na Encumeada assim como a totalidade das explorações na ilha da Madeira, são em encostas e não em profundidade, nesta exploração foi subtraído material numa altura de 65 metros, permitindo reconhecer a pedreira a uma elevada distancia, destacando-se da paisagem envolvente. Será assim um dos objectivos anular ou reduzir o impacto visual a grande distancia, e a potencialização do espaço, ligada a uma reorganização do território, em especial as infraestruturas relacionadas com o turismo e actividades de montanha. Outro factor importante nesta exploração, é que o seu limite norte. Este limite é igualmente a linha de festo do monte que separa os dois vales e dois conselhos, e dois tipos de classificação de flora, no PDM. A classificação de zona protegida na vertente norte, com a presença da vegetação Laurissilva, com o reconhecimento da UNESCO, é motivo de imenso cuidado no projecto a ser implantado, o facto da exploração estar numa zona classificada como de transição em termos de vegetação, permite a implantação do projecto, no entanto defendo que a vegetação a ser utilizada deve ser Laurissilva. É difícil perceber como alguma vez teria sido permitido esta exploração neste local!

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Levantamento das explorações de inertes na ilha da Madeira Estas explorações incorporam, extracção de inertes, centrais de processamento, e depósitos, neste levantamento não foi tido em conta, aterros, silos de cimento, assim como fábricas de blocos de cimento que tenham a matéria prima devidamente armazenada em construção fechada.

Actividade

Coordenadas

1. inactiva 32.74526,-16.716911 2. activa 32.744931,-16.747144 3. activa 32.738855,-16.746908 4. activa 32.739711,-16.755964 5. inactiva 32.728098,-16.76125 6. activa 32.731268,-16.76916 7. activa 32.712719,-16.777518 8. activa 32.714773,-16.778768 9. inactiva - 32.685049,-16.800582 10. activa 32.660992,-16.809093 11. activa 32.661782,-16.814999 12. activa 32.70445,-16.844747 13. inactiva - 32.646516,-16.847513 14. activa 32.780582,-16.849181 15. inactiva - 32.787024,-16.850157 16. inactiva - 32.645884,-16.866208 17. activa 32.790188,-16.880456 18. activa 32.685816,-16.90389 19. activa 32.693534,-16.906859 20. inactiva - 32.71691,-16.916464 21. activa 32.689051,-16.918543 22. inactiva - 32.689349,-16.936128 23. activa 32.646426,-16.939212 24. inactiva - 32.643404,-16.940317 25. inactiva - 32.649014,-16.945038 26. inactiva - 32.64779,-16.945682 27. inactiva - 32.643653,-16.949093

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Actividade 28. inactiva 29. inactiva 30. activa 31. inactiva 32. activa 33. inactiva 34. inactiva 35. armazém 36. inactiva 37. inactiva 38. activa 39. activa 40. inactiva 41. activa 42. activa 43. inactiva 44. inactiva 45. inactiva 46. inactiva 47. activa 48. activa 49. activa 50. inactiva 51. activa 52. activa 53. inactiva 54. activa -

Coordenadas 32.647567,-16.955643 32.645979,-16.960294 32.660143,-16.961303 32.655146,-16.96696 32.689367,-16.973115 32.653576,-16.999637 32.671293,-17.002748 32.691403,-17.012206 32.685909,-17.014861 32.668513,-17.019676 32.68492,-17.039103 32.704093,-17.038969 32.755276,-17.023873 32.781236,-17.027087 32.78879,-17.030627 32.79366,-17.037606 32.810425,-17.042112 32.734386,-17.061038 32.676328,-17.074578 32.731083,-17.102816 32.713933,-17.111045 32.717309,-17.131693 32.799198,-17.112504 32.861745,-17.186788 32.749551,-17.198136 32.737427,-17.199816 32.813319,-17.235049


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Conclusão

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Tal como referi no preâmbulo, esta reflexão sobre a paisagem humanizada foi estruturada como um diário de bordo, capaz de fundamentar e caracterizar o território sobre o qual se irá intervir na componente prática. O conhecimento do passado da ilha, a forma como o território foi sendo humanizado e o que esteve na origem de tais transformações é de vital importância; é minha convicção que actualmente a paisagem da ilha está sendo alterada profundamente, e pela negativa. Os motivos desta alteração, associados em grande parte a uma profunda alteração do modo de vida, assim como da ausência de uma política de planeamento urbano, e de um autismo de construção apressada, geraram um território com duas leituras antagónicas; tal reflexão não foi aprofundada, assim como a temática das pedreiras a fundo, uma vez que duplicariam por certo o numero de páginas, já de si em muito ultrapassado pelo regulamento da Prova Final. Destaco assim, aspectos que foram estudados, e que serão apresentados na componente prática, uma vez que aqui foram mencionados muito levemente. Assim o trabalho do Engenheiro Pedro Nascimento, orientado pelo Geólogo e Engenheiro João Baptista, é de grande importância, uma vez que transforma um trabalho hipotético numa possibilidade bem realista, fundamentada por levantamentos e estudos sobre o potencial geotérmico, e neste caso geotermal. Assim como os estudos da Dra. Susana Prada, revelaram haver indícios precisamente abaixo do local a intervir, de aquíferos com águas quentes e gasosas, embora que temporariamente, seria necessário equipamentos e estudos muitos mais concretos, na procura de comprovar realmente se existem recursos geotérmicos. A paisagem madeirense é extremamente caracterizada por uma economia agrícola, muito forte, mas em grande parte ultrapassada, o êxodo rural, e o desejo de desenvolvimento alteraram profundamente a forma de construir, mesmo as tipologias e os materiais de construção alteraram-se, assim como a qualidade das mesmas. A mestria de cada profissão relacionada com a construção e mesmo o conhecimento popular, de uma arquitectura vernacular, foi perdido. O desejo de construir depressa e de forma barata, assim como a falta de conhecimento e qualificações foram factores potenciadores de uma degradação da paisagem tanto natural como humanizada.

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A ilha da Madeira neste momento vive entre dois tempos, que poderiam ser perfeitamente reais em simultâneo, através de um ordenamento do território e recursos, ponderado e eficaz. As novas vias de acesso, verdade seja dita, permitem um acesso em excelente tempo aos pontos mais remotos, dando possibilidade das populações acederem a infraestruturas e serviços fundamentais, no entanto sem grande preocupação por onde passavam e qual o seu impacto. Já na construção de habitação é flagrante a diferença destes dois tempos, o conhecido governante regional adora propagandear uma Madeira “nova”, livre e autónoma do passado; esta “ nova” realidade, é desconexa de qualidade na maior parte das construções, perdendo noção de escala, volumetria, implantação e tectónica. Acaba por ser capaz de gerar uma ideia de conjunto, pela densidade e não pela qualidade, a velocidade e qualidade dos “ mestres” parece-me também ser fundamental. Neste estudo, não se reconhece grande valor á grande maioria das novas construções, pelo que o seu estudo em nada contribuiria para uma correcta e válida solução de projecto, uma vez que seria baseado em premissas erradas. A maioria dos tempos verbais situam-se no passado, e presentemente no que diz respeito á matéria prima que é o estado natural da ilha em si mesma, sem intervenção humana. Felizmente existem alguns casos de consciência do território insular, da sua história, e de valores fundamentais numa paisagem harmoniosa, o trabalho do Arquitecto Paulo David, é de longe o mais marcante, a sua forma de intervir pretende criar a cima de tudo locais, encarando a paisagem como matéria de trabalho, e em ultimo objectivo que o projecto final seja visto ele mesmo como paisagem. A exploração dos materiais, do passado, dos costumes, e da cultura regional concedem aos seus trabalhos uma pátina que elevam ainda mais a fusão na paisagem, há uma sensação natural de que a construção pertence ali, e que tanto arquitectura e paisagem se fundem e ficam a ganhar com a presença do outro. Peter Zumthor refere que a forma como concebemos um espaço está relacionada com as nossas memórias, este estudo deu-me a capacidade de compreender as minhas memórias e começar agora a desenhar o projecto de forma consciente da direcção a seguir.

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Notas e referências bibliográficas

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Introdução 1. Paulo David in, revista, 2G – Paulo David, nº 47, Barcelona, 2008. 2. John Lautner in, Lautner, BARBARA-ANN, CAMPBELL-LANGE, Taschen, Germany, 2006 Paisagem Humanizada 3. Natércio Fernandes Cunha in, A arquitectura de Paulo David, a (re)definição de um território, FAUP, Porto, 2009 4. Victor Mestre in, Arquitectura Popular da Madeira; Lisboa, Argumentum, 2002. 5. Victor Mestre in, Arquitectura Popular da Madeira; Lisboa, Argumentum, 2002. 6. Victor Mestre in, Arquitectura Popular da Madeira; Lisboa, Argumentum, 2002. 7. Victor Mestre in, Arquitectura Popular da Madeira; Lisboa, Argumentum, 2002. 8. Victor Mestre in, Arquitectura Popular da Madeira; Lisboa, Argumentum, 2002. 9. Victor Mestre in, Arquitectura Popular da Madeira; Lisboa, Argumentum, 2002. 10. Victor Mestre in, Arquitectura Popular da Madeira; Lisboa, Argumentum, 2002. 11. Victor Mestre in, Arquitectura Popular da Madeira; Lisboa, Argumentum, 2002. 12. Victor Mestre in, Arquitectura Popular da Madeira; Lisboa, Argumentum, 2002. 13. Victor Mestre in, Arquitectura Popular da Madeira; Lisboa, Argumentum, 2002. 14. João Baptista e Celso Gomes in, Pedra Natural do arquipélago da madeira: Importância Social, Cultural e Económica, Madeira Rochas- Divulgações Científicas e Culturais, Câmara de Lobos, 1997 15. Victor Mestre in, Arquitectura Popular da Madeira; Lisboa, Argumentum, 2002. 16. Victor Mestre in, Arquitectura Popular da Madeira; Lisboa, Argumentum, 2002. 17.Susana Prada in, Geologia e Recursos Hídricos Subterrâneos da Ilha da Madeira,2000 18. Susana Prada in, Geologia e Recursos Hídricos Subterrâneos da Ilha da Madeira,2000 O que construir? 19. Vitruvio in, II livro dos X Livros sobre Arquitectura. Onde construir? 20. In Levada do Norte, Junta geral do distrito Autónomo do Funchal, Funchal, 1952 21. João Adriano Ribeiro in, Ribeira Brava - Subsídios para a História do Concelho, Câmara Municipal da Ribeira Brava, 1998

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Bibliografia

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Proveniência das imagens

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Introdução 1. Google earth 2.http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b4/Head_Odysseus_MAR_Sperlonga.jpg Paisagem Humanizada 3. http://farm5.static.flickr.com/4063/4248264016_74d5ab8fcc.jpg 4. http://a5.sphotos.ak.fbcdn.net/hphotos-akash2/156375_171249836248326_169752853064691_369138_4723082_n.jpg

5. http://www.pecsandthecity.co.za/wp-content/uploads/2011/07/Pico-Areeiro-1024x768.jpg 6. Hugo Câmara 7. Sem referência 8. http://nyhedsbrev.portugalbureauet.dk/storage/seixal_madeira.jpg 9. Sem referência 10. Ricardo Faia 11. http://farm2.staticflickr.com/ 12. Ricardo Faia 13. http://www.madeiraarchipelago.com/photo/displayimage.php?album=144&pos=24 14. http://www.flickr.com/photos/vilzu/3171454509/ 15. Hugo Reis 16. Hugo Reis 17. Sem referência 18. Ricardo Faia 19. http://www.flickr.com/photos/anokas/144732887/ 20. http://www.flickr.com/photos/simonthistle/3781497868/ 21. https://lh6.googleusercontent.com/xAybQuvGNmo/TuKDTyIkXlI/AAAAAAAAAVA/zAJuJNpevXc/Dr.%2BRui%2BSilvaescalada%2BPico%2Bdo%2BGato-1c.jpg

22. http://clicksnatura.files.wordpress.com/2011/04/mg3420.jpg?w=1000&h= 23. Ricardo Faia 24. Ricardo Faia

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25. http://static.panoramio.com/photos/original/60658267.jpg 26. http://4.bp.blogspot.com/_4XfefrRMbMg/SvXE6wE18iI/AAAAAAAADbY/rWTvAcGG9JM/s1600h/IMG_7878.JPG

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130. Ricardo Faia 131. Ricardo Faia 132. Ricardo Faia 133. Ricardo Faia 134. Ricardo Faia 135. Ricardo Faia 136. Ricardo Faia 137. Ricardo Faia 138. Ricardo Faia 139. Ricardo Faia 140. Ricardo Faia 141. Ricardo Faia 142. Ricardo Faia 143. Ricardo Faia

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Ricardo Faia


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