8 | PORTUGAL | PÚBLICO, SÁB 30 NOV 2013
Reforma do sistema de protecção de crianças em perigo está parada Governo comprometeu-se a nomear, durante o mês de Junho, comissões para rever várias leis. E devia haver conclusões em seis meses. Associação para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos pede debate PAULO PIMENTA
Segurança Social Andreia Sanches O Governo anunciou a intenção de rever vários aspectos da legislação relacionada com a protecção de crianças e jovens em perigo e com a adopção, mas o processo está parado. A 30 de Maio foi publicada uma resolução do Conselho de Ministros na qual se dizia que, face às fragilidades identificadas no sistema, em 15 dias seriam nomeadas comissões, com representantes de diferentes ministérios, que deveriam, até ao fim deste mês de Novembro, apresentar propostas de alteração ao ministro da Segurança Social Pedro Mota Soares. Seis meses passados, nem as comissões foram constituídas, nem há mudanças à vista. Em causa está, por exemplo, a reformulação da forma como funcionam as comissões de protecção de crianças e jovens (CPCJ). E dos poderes que estas estruturas não judiciais, que integram representantes dos municípios, da Segurança Social e da sociedade civil, têm para actuar. Luís Villas Boas, presidente do Grupo de Trabalho para a Agenda Criança — um grupo criado em Maio de 2012 que apresentou ao Governo relatórios de análise e propostas de mudança, o que deu origem à resolução do Conselho de Ministros deste ano — defende, a título pessoal, que não faz sentido haver tantas CPCJ. São 305 em todo o país e, em 2012, acompanharam 69 mil crianças e jovens. Villas Boas diz que muitas destas CPCJ não têm “qualquer espécie de capacidade e meios” para intervir. “É impensável ter de pedir ao pai e à mãe de uma criança autorização para intervir em certos casos, se é o pai ou a mãe a colocar a criança em perigo. Os agressores têm de concordar com uma intervenção? Só em Portugal!” O presidente do Refúgio Aboim Ascensão, em Faro, nota, contudo, que essa é a sua opinião pessoal e não adianta propostas que constem dos relatórios que a equipa a que presidiu apresentou ao Governo. Confirma, contudo, que nenhuma das comissões que o Executivo ficou de criar avançou. Mas aguarda “com calma”. De Maio para cá, Marco An-
Comissões de protecção acompanharam 69 mil crianças em 2012. E havia mais de 8500 jovens a viver em instituições
Autoridade, atribuições e composição das comissões de protecção deverão ser revistas tónio Costa, o secretário de Estado da Segurança Social que acompanhava mais de perto o processo, deixou as suas funções, o que poderá ajudar a explicar o atraso. A resolução do Conselho de Ministros deixa antever uma reforma do sistema. Diz que, com base nas recomendações do Grupo de Trabalho para a Agenda Criança, se deve ponderar uma “clarificação da autonomia” e dos “mecanismos de autoridade” das CPCJ, bem como a
redefinição das “atribuições, composição e órgãos” das mesmas e do seu “redimensionamento”, seja ao nível da “composição, da competência territorial”, como “das modalidades de funcionamento”. Anuncia-se ainda a necessidade de criar um Sistema Nacional de Emergência Infantil. Villas Boas defende que em cada distrito deve haver uma unidade de emergência, “tirando em Lisboa e Porto, onde deve haver mais”, que garanta o acolhimento de crianças a qualquer hora do dia ou da noite, por um curto período de tempo. É preciso diminuir “o acolhimento prolongado”, é outra das afirmações do Conselho de Ministros. Em 2012, havia 8557 crianças que tinham sido retiradas às famílias e viviam em instituições de acolhimento (contra 12.245 em 2006), sendo que, destas, 2289 iniciaram o acolhimento em
2012. Cerca de um terço estavam acolhidas havia mais de quatro anos. Villas Boas, por seu lado, diz que é preciso criar “um sistema de acolhimento precoce, temporário e científico, um conceito que nunca existiu em Portugal”. E sublinha que, se se está a assistir à chegada aos centros de acolhimento de crianças com cada vez mais idade, em situações particularmente difíceis, isso se deve ao facto de o sistema não ter sido capaz de actuar quando elas tinha poucos meses ou anos de vida. Do grupo liderado pelo presidente do Refúgio Aboim Ascensão fazia parte, entre outros, o procuradorgeral adjunto Maia Neto, que estava convidado para um seminário, que deveria acontecer na próxima semana, organizado por três CPCJ de Lisboa e pela Associação Portuguesa pela Igualdade Parental e Direitos dos Filhos (APIPDF). Esta semana
o seminário foi cancelado pela organização. “Tal situação prende-se com as limitações em que a discussão pública poderia ser realizada, já que ainda não foi nomeada pelo Governo a composição das comissões com vista ao debate sobre estas matérias”, lê-se num comunicado enviado às redacções. Ao PÚBLICO, o presidente da APIPDF, Ricardo Simões, acrescenta que está preocupado com este atraso. “O Governo tem de constituir as comissões e abrir a discussão pública sobre estas matérias.” Não é que não concorde com algumas das linhas orientadoras que constam da resolução. Mas diz que são demasiado latas, daí a importância do debate alargado. O PÚBLICO pediu ao Ministério da Segurança Social informação sobre este atraso, sem sucesso até ao fecho desta edição.