Múltiplas interfaces de uma experiência coletiva O Prêmio Sangue Novo no Jornalismo Paranaense Emerson de Castro Firmo da Silva1
Universidade Positivo
Resumo O Prêmio Sangue Novo no Jornalismo Paranaense, criado há 13 anos pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná, deve ser observado mais de perto em estudos acadêmicos do campo da Comunicação. A consolidação, o permanente aprimoramento da proposta e o processo que envolve toda a elaboração do Prêmio sugerem uma forma inovadora e até hoje ainda pouco identificada, embora efetiva, de intervenção na realidade do campo da Comunicação paranaense, especialmente curitibana.
Abstract The “Sangue Novo” Journalism Award of Paraná, created 13 years ago by Paraná Professional Journalists Union, should be closely observed in academic communication field. The proposal consolidation and continuous improvement together with the process related to Award elaboration, suggest an innovative intervention way which is until now, almost unkown, altough effective, in the field reality of communication in Paraná, mainly in Curitiba.
1 Inserior mini currículo.
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Os jornalistas como atores sociais têm um grau de importância destacado no processo de mediação das questões em debate pelos demais atores e respectivas correntes de pensamento em disputa na arena social. Mas sua ação não cessa aí: exercem uma influência direta, pois não estão alijados de suas convicções como indivíduos ou membros de um grupo. Mais que isso, suas mediações, elaboradas também com base em ideais como imparcialidade e objetividade, são capazes de potencializar tanto a disseminação quanto a imposição de modelos ideológicos. A natureza do trabalho jornalístico, portanto, exige do profissional uma percepção esclarecida em dois sentidos: primeiro, perceber que, ao exercer sua profissão, por mais objetividade que procure estabelecer em seus textos – deixando aqui suspenso qualquer debate sobre o quanto isso é polêmico – ele permanece ator social, pois participa ativamente dos debates ao produzir conhecimento, além de formar e formular opiniões, desejos e interesses (próprios e de outros); segundo, perceber que desempenha a posição de mediador para os demais atores sociais, mas um mediador que, como qualquer outro membro da sociedade, pode ser mais ou menos afetado pelos fenômenos sociais. Além disso, o jornalista é um mediador de certo modo privilegiado no campo da comunicação, posto que sua ação não é mera mediação, mas reelaboração dos fatos apreciados bem mais de perto que os demais agentes que compõem a teia complexa das relações sociais vigentes. O dia-a-dia das redações exclui quase integralmente a possibilidade de uma reflexão sobre essas questões de fundo do exercício jornalístico. Excetuandose a hipótese de presença constante em eventos como congressos e seminários, a participação em cursos de pós-graduação ou mesmo outras formas de debate formal, não há espaço sério e conseqüente para que esta reflexão ocorra de modo concreto. Em paralelo, a academia, espaço que por natureza se propõe a refletir sobre as teorias e práticas do jornalismo, expõe-se muito pouco, seja na produção discente, seja nos modelos e conceitos adotados para orientação desses trabalhos. Isso vale tanto para os estudantes de Jornalismo, que têm poucas chances de expor-se, mesmo que queiram, quanto para os professores, que em geral analisam o tema sob a ótica da autonomia universitária, sem dúvida fundamental, mas nem por isso válida como argumento que justifique uma barreira que impeça a identificação de modelos e conceitos. Não há, com raras exceções, interação entre o universo acadêmico e o dos profissionais – considerando aqui mercado de trabalho e agremiações associativas como o Sindicato. Isso implica não só na falta de intercâmbio de idéias e conceitos, mas especialmente nas poucas chances de avanços gerais que estes poderiam representar para a comunicação ou mesmo especificamente para a evolução do material noticioso produzido e veiculado por jornais, televisões, rádios, portais de internet, agências de comunicação. Além disso, o pouco diálogo impede compreensões minuciosas de parte a parte sobre as respectivas produções, o que seria salutar tanto mais ocorresse. Os espaços que se propõem claramente ao debate necessariamente podem não levar a resultados suficientemente efetivos. Não é o caso aqui de contestar o valor de congressos, simpósios e seminários, que o têm, mas de avaliar o quanto outras
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instâncias, que diretamente não se propõem a essa reflexão explicitamente, podem obter resultados importantes. Neste artigo propõe-se um olhar sobre o Prêmio Sangue Novo no Jornalismo Paranaense, formulado em sua versão inicial em 1995 pela então diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná, e que após 13 edições suscita mais que a apreciação e destaque aos trabalhos dos jovens estudantes de Jornalismo do estado. Sugere-se aqui identificar indícios do quanto a percepção sobre a natureza do fazer jornalístico vem se tornando mais evidente aos jornalistas paranaenses a partir das participações que os futuros profissionais fazem ao submeter seus trabalhos ao julgamento dos profissionais. Da mesma forma, aos professores-orientadores desses trabalhos, que indiretamente apresentam para avaliação trabalhos por eles orientados; e também aos próprios profissionais julgadores, que precisam ter claros e em consenso os critérios de avaliação. São múltiplas as interfaces sociais que o Prêmio sugere individual e institucionalmente, e que estabelecem um espaço de intercâmbio de padrões técnicos e éticos da prática jornalística ou mesmo de seus conceitos, incluindo definições do que é novo ou velho no espectro dessas atividades. Individualmente, como já observado, envolve os jornalistas julgadores, jornalistas que concorreram ao Prêmio quando estudantes, assim como os professores e organizadores do Prêmio pelo Sindicato. Institucionalmente põe em contato direto ou indireto as universidades públicas e privadas, as empresas jornalísticas e o Sindicato, que também é um espaço de interação dos jornalistas com a sociedade. Ao mesmo tempo e num plano de maior abrangência, faz-se necessário estimar o quanto a longevidade do Prêmio está contribuindo para uma alteração nos padrões de conduta e de produção jornalística dos envolvidos com o Prêmio. Qual a condição de um prêmio para estudantes de jornalismo, elaborado nos moldes de prêmios para jornalistas, com peculiaridades que o tornam único no gênero, de colocar essas duas esferas do campo jornalístico – estudantes e profissionais – em contato tal que seja capaz de influir nos padrões conceituais e técnicos de ambos? Como esse mesmo processo pode produzir mudanças de comportamento em profissionais e futuros profissionais? O quanto esse Prêmio, ao longo do tempo, vem influindo na formação dos jornalistas pelas universidades, na interação de um sindicato com seus filiados e futuros filiados, ou mesmo nos critérios de escolha de profissionais pelas empresas? São perguntas cujas respostas exigem uma análise aprofundada, a qual não se pretende nem de longe esgotar neste artigo, até porque seria subdimensionar a proposta. Mas é possível apontar fortes indícios, a partir dos dados disponíveis, em contato com uma interface teórica, de modo a lançar um desafio a futuras análises.
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Histórico e dados O Prêmio Sangue Novo no Jornalismo Paranaense vem sendo realizado há 13 anos, com a participação de 5838 estudantes (tomando-se os números absolutos de estudantes inscritos nos trabalhos), que inscreveram em torno de 2322 trabalhos, orientados por centenas de professores das quatro universidades públicas, três particulares e 16 faculdades particulares do Paraná. O Prêmio também envolveu aproximadamente 350 jornalistas julgadores, num universo estimado de quatro mil jornalistas em atividade no estado. Os números falam por si. O universo de jornalistas em atividade tem, portanto, um volume significativo de profissionais que participaram do Prêmio em alguma das situações já observadas anteriormente. São jornalistas de todos os pontos do estado (além de convidados de outros estados), das mais variadas especialidades, muitos tendo participado como estudantes e posteriormente como julgadores também ou mesmo na organização do Prêmio. Vale a pena, a esta altura, entender o processo de formulação inicial do Prêmio, quando foram estabelecidas suas bases conceituais e as intenções do Sindicato com sua organização.
Contexto Durante toda a década de 1980 uma oposição sindical de jornalistas apresentouse à categoria como nova opção de ação sindical para o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná. Até que, no final de 1991, a chapa Extra Pauta, com Julio Tarnowski como presidente, assumiu a direção do Sindicato numa eleição de chapa única. Naquele momento eram muitos os desafios. Havia uma enorme expectativa de todos, tanto dos diretores quanto dos que votaram na mudança, para que o Sindicato assumisse uma trajetória mais reivindicatória dos direitos dos profissionais, e ao mesmo tempo de marcar presença nas discussões políticas e econômicas dos trabalhadores no período. Em paralelo, era necessário lentamente estabelecer uma distensão no conjunto dos jornalistas – após as eleições de 1988 deu-se uma fratura na base dos jornalistas, quando essa oposição foi derrotada por 19 votos. Três anos mais tarde, novos e velhos atores do campo jornalístico, mesmo sem uma disputa eleitoral, permaneciam tensionados politicamente. Promover uma reaproximação desarmada – sem abrir mão de princípios, visando à histórica e difícil “união da classe”, estava igualmente na ordem do dia 2. 2 Essa disputa e a divisão, em grande parte, deu-se, a partir das matrizes de formação profissional: jornalistas formados em redação e jornalistas formados em universidades – estes últimos, já à época, a maioria da categoria. A pouca percepção da diretoria que comandava o Sindicato de que essa base havia mudado de origem, e conseqüentemente de propostas e anseios, sobretudo democráticos, fez com que a luta pelo espaço sindical, naquele momento claramente político, se tornasse dura e traumática.
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Foram três anos de trabalho extenuante para todos, mas recompensador. Naquele curto espaço de tempo, arejaram-se as relações entre o Sindicato e sua base, reformouse a sede, estabeleceu-se uma assistência jurídica, foram assinados acordos salariais cujo enorme valor para as futuras gerações de jornalistas exigiria estudo específico num capítulo à parte na história do Sindicato. Tudo isso ampliou ainda mais os desafios para as gestões posteriores. No final de 1994 a segunda gestão Extra Pauta, com Maigue Guetz eleita presidente (a primeira mulher no cargo), precisava dar continuidade aos importantes projetos iniciados em 1991, especialmente o de solidificação das relações com a base dos jornalistas em todo o estado. Essa ampliação obrigava à nova diretoria, já nas propostas de campanha, propor uma aproximação concreta e interativa com os estudantes de Jornalismo. Naquele período estavam em funcionamento, além da UFPR e da Universidade Estadual de Londrina, os cursos da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC (reativado), da então Faculdade Tuiuti e da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Na reunião de planejamento na sede do Sindicato, dias após a eleição, dividiramse os diretores e funcionários em grupos, procurando dar conta de todos os itens de campanha que precisavam ser encaminhados nos próximos três anos. Como as propostas eram, em alguns casos, genéricas, era necessário também estabelecer idéias que nelas se encaixassem, obviamente sendo viáveis na execução tanto financeira quanto politicamente. Um dos grupos a mergulhar num tema espinhoso era o que discutiu a aproximação com os estudantes de Jornalismo. Faziam parte dele o vice-presidente eleito, Emerson Castro; o vice-presidente que estava deixando o cargo, Elson Faxina; e o gerente do Sindicato, Cosmos Santiago. Era necessário levar em consideração o contexto da relação entre o Sindicato e os estudantes, que de longa data não era favorável à instituição. Na visão estudantil, o Sindicato jogava sempre contra os estudantes ao defender a proibição do estágio profissional. Na visão sindical – e na prática, da maior parte dos profissionais – o volume de estudantes cresceu tanto para a proporção das vagas de jornalistas no mercado naqueles últimos anos que foi impossível aceitar o estágio puro e simples, sabidamente mal utilizado pelas empresas. Ao mesmo tempo, compreendia-se que a idéia de que as universidades deveriam formar integralmente o futuro profissional – especialmente com Jornais Laboratório, entre outras ações (idéia defendida nos Congressos Nacionais e também por parte de muitos profissionais, incluindo alguns diretores do próprio Sindicato) – não era consenso. Era preciso encontrar um termo justo que contemplasse a formação, mas que regulasse o volume de vagas para estágio. Assim, a questão do estágio, claramente complexa e dependente de um diálogo com os diversos atores envolvidos no processo (profissionais, estudantes, professores, empresas, e Universidades, Sindicato), deveria ser desenvolvida em termos que melhor seriam consolidados em duas oportunidades posteriores: no Congresso Estadual de Ponta Grossa, em 1995, após longas discussões com as partes citadas; e, já em nível nacional, no Congresso Extraordinário de Vila Velha, Espírito Santo, em 1997, com COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO | 113
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ampla contribuição do Sindicato do Paraná, pela experiência acumulada naqueles últimos anos3. Independente do problema “estágio”, que teria seus encaminhamentos específicos, era fundamental fazer emergir, daquela reunião de planejamento, um trabalho que fundasse um novo grau de colaboração no que se pode chamar de campo jornalístico paranaense. Também fazia parte das propostas de campanha lutar pela melhoria do nível do trabalho profissional e pela defesa da função social, o que obviamente passava pela formação em andamento nas universidades e pela atuação dos jornalistas já formados em jornais, rádios e televisões. Passou-se então a pensar algo que imediatamente criasse uma intermediação entre profissionais, empresas jornalísticas e estudantes, levando sobretudo as universidades a uma competição saudável pela melhoria na qualidade do ensino, além da aproximação entre Sindicato, jornalistas, estudantes e professores. O aspecto genérico da proposta, em relação aos estudantes, era estabelecer uma proximidade tal que eles pudessem visualizar o Sindicato como um espaço democrático e que tinha, como tem até hoje, o maior interesse na qualidade do ensino, inclusive como aliado dos próprios estudantes. Foi quando surgiu na mesa a idéia de um prêmio, a exemplo do que comumente ocorre entre profissionais. Entre jornalistas a importância ou atratividade dos prêmios sempre gira em torno do reconhecimento quanto à qualidade do trabalho pelos pares e de valores financeiros. Para os estudantes, a proposta ali desenhada precisava ser elaborada de tal modo que se cumprisse o que era básico: estabelecer uma relação que o resultado das premiações ultrapassasse os indivíduos envolvidos para atingir sobretudo as instituições de ensino superior, em suma, a qualidade no ensino de jornalismo. Também sob outro ponto de vista, que os julgadores, profissionais experientes, pudessem de um lado conhecer a qualidade dos trabalhos acadêmicos e de outro refletir sobre a própria ação jornalística cotidiana. Ainda mais, para as empresas, nas quais inúmeros julgadores trabalhavam, uma perspectiva para avaliar jovens talentos. Ao contrário de uma visão incipiente, à época sugerida em discussões com professores realizadas após as primeiras edições, o fio condutor dessa proposta não era a formação para o mercado. O ponto central de todo o trabalho era a bandeira, carregada até hoje por todos os jornalistas que têm orgulho do que fazem, da fundamental função social do jornalismo. A partir desse raciocínio, avaliou-se que era necessário ampliar o grupo de pessoas para pensar o regulamento do prêmio, além de definir oficialmente seu nome. Ainda naquela fase embrionária já se tinha uma sugestão, mais tarde aprovada por toda a diretoria: SANGUE NOVO NO JORNALISMO PARANAENSE. Ainda na gestão 1991-1994, surgiu uma proposta da assessoria da Cervejaria Brahma, em Curitiba, para que se criasse um prêmio de jornalismo do Sindicato 3 Cabe destacar que o documento aprovado naquele Congresso Nacional teve sua parte prática baseada quase que integralmente no documento elaborado no âmbito do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná. Com poucas modificações, é o mesmo praticado até hoje em todo o país.
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com patrocínio da empresa. Montou-se uma comissão, que examinou diversos regulamentos e chegou a esboçar uma proposta, mas os entendimentos com a empresa não se concluíram. (SINDICATO DOS JORNALISTAS PROFISSIONAIS DO PARANÁ, 1994) Foi esse esboço e boa parte dessa mesma comissão que voltou a reunir-se no início de 1995 para discutir as adaptações necessárias e produzir um regulamento para a primeira edição do Sangue Novo.
Processo Nas 13 edições realizadas, os procedimentos de produção do Prêmio seguiram uma linha praticamente idêntica, desconsiderando pequenas mudanças e aprimoramentos que foram adotados no período. Inicialmente, definidas as categorias – elas foram ampliadas, conforme acataramse as sugestões das escolas de comunicação, pulando de nove para 18 em 13 anos –, levanta-se a lista de julgadores possíveis, sendo necessários três por categoria. Em geral, a própria diretoria do Sindicato define essa listagem, mas as escolas de comunicação chegaram a ser consultadas em 2000, sendo convidadas a participar deste processo, o que ampliou as opções de julgadores e tornou o processo mais transparente. Esses julgadores são escolhidos pela organização do Prêmio com base no currículo, na experiência profissional e na identificação com os propósitos de premiar os melhores trabalhos, tendo como base a responsabilidade social. Ao fazerem o julgamento, defrontam-se com a necessidade de refletir sobre seus conceitos, individual e coletivamente, justificando suas escolhas. Fundamental aqui, para completar esse processo de trocas, é a reunião dos membros julgadores, seja num ambiente físico ou virtual (reuniões na sede do Sindicato, por telefone ou outros meios que possibilitem uma reflexão coletiva sobre os critérios que cada julgador pensou inicialmente adotar para definir qual seria, para ele, o melhor entre os trabalhos inscritos). Chegase então ao consenso em relação aos critérios (conceitos, métodos, técnicas) e, por conseqüência, à definição dos melhores trabalhos. A premiação, portanto, reflete esses critérios e os vencedores, assim como seus professores-orientadores identificam o que os jornalistas que estão no cotidiano das redações de todos os formatos e veículos ou agências de comunicação avalizam como ótimos projetos e reportagens. Além disso, essas opções são registradas em relatórios, os quais servem, posteriormente, de base para discussão e análise tanto entre estudantes que participaram de uma edição do Prêmio quanto seus professores e respectivas escolas de comunicação. Por sua vez, os estudantes – e indiretamente seus professores-orientadores expõem suas produções jornalísticas (reportagens, projetos, monografias, jornaislaboratório) mais bem acabadas para uma avaliação fora do âmbito universitário. Expõem-se ao crivo de profissionais que, distantes dos inevitáveis percalços acadêmicos, farão seu julgamento com base em critérios correntes em seus respectivos veículos de comunicação.
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A hipótese é que o choque entre esses dois níveis de produção força um processo de auto-análise de mão dupla, gerando efeitos para ambos. Um processo pouco visto ou até inviável isoladamente. Os reflexos também podem ser medidos nas universidades públicas e particulares, sendo muitas participantes em todas as 13 edições do Prêmio. Reformulação de conceitos e currículos, valorização de professores, identificação de vocações em áreas específicas de formação, melhoria da qualidade no ensino são alguns dos reflexos percebidos. Entre as empresas jornalísticas, embora não tenham participação direta no Prêmio, também é possível verificar-se alterações de critérios de escolha entre os novos profissionais. No âmbito sindical, da mesma forma, ocorrem reflexos, pois o – Sangue Novo –, como é mais conhecido, permanece sendo realizado ininterruptamente desde 1995, apesar das mudanças de diretoria por quatro vezes no período. Não se trata, em todos os casos acima, de identificar somente influências mútuas em uma ou outra direção específica. Também sugere a possibilidade do surgimento de uma instância de diálogo, sem que se tenha ultrapassado a condição de decisão autônoma de todos os agentes envolvidos em qualquer das etapas descritas. Observe-se ainda que o tema em debate extrapola uma perspectiva de âmbito regional. Isto na medida em que ajusta o foco, privilegiando a leitura ampla da interface social do objeto de estudo. Esse ponto de vista, que se propõe investigar uma questão de interesse geral a partir de um estudo de caso peculiar, deve ser revelador sobre o jornalista brasileiro, sua identidade, seus conceitos de jornalismo, sua formação e condição de interação social.
Quadro Teórico Pensar por si mesmo, sem as amarras religiosas ou do estado, tornou-se para o homem objeto de busca incessante, sobretudo intelectual, nos últimos cinco séculos. O Iluminismo, a Revolução Francesa e tudo que direta ou indiretamente daí surgiu – conceitos que definiram os direitos do homem, do cidadão e as liberdades democráticas – fazem parte de uma cultura que lentamente se estabeleceu no processo de formação da sociedade até a primeira metade do século XX. Esse processo contínuo tinha suas bases associadas também ao liberalismo, como observa Armand Mattelart, ao apontar as relações, até então complementares, para que um livre fluxo de idéias e mercadorias fosse estabelecido. A padronização, significativamente para as tecnologias de comunicação, era um dos pontos altos da utopia universalizante (Mattelart, 2000). Décadas antes, ao falar sobre “Algumas implicações sociais da tecnologia moderna”, Herbert Marcuse confrontou o indivíduo forjado no tipo de sociedade acima descrito, com o que estava surgindo em sua época, especialmente na Alemanha nazista. A razão individualista de antes distanciava-se profundamente do racionalismo produtivo agora proposto. 116 | COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO
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Para ele, o ser racional até então se definia duplamente como indivíduo e como parte da sociedade. Assim, este seria capaz de encontrar, por si mesmo, suas próprias formas de vida pessoal e social e, à medida que tivesse adquirido liberdade de pensamento, poderia agir de modo a transformar essa realidade. Para isso, bastaria que a sociedade a ele concedesse essa liberdade, eliminando as restrições que se chocassem com uma linha de ação racional (Marcuse, 1999, p.75). O aparato tecnológico, ainda segundo Marcuse, fez com que a racionalidade individualista se transformasse em racionalidade tecnológica. Aparece aqui uma nova atitude exigida do indivíduo: A nova atitude se diferencia de todo o resto pela submissão altamente racional que a caracteriza. Os fatos que dirigem o pensamento e a ação do homem não são os da natureza, que devem ser aceitos para que possam ser controlados, ou aqueles da sociedade, que devem ser modificados porque já não correspondem às necessidades e potencialidades humanas. São antes os fatos do processo da máquina, que por si só aparecem como a personificação da racionalidade e da eficiência (MARCUSE, 1999, p. 79).
Outra implicação da disseminação tecnológica e da padronização do pensamento é a identificação de “valores de verdade críticos”. Afirmações baseadas na lógica das disputas comerciais, como a necessidade de combate aos monopólios, são difundidas pela imprensa, mas perdem peso na medida em que se tornam parte de uma cultura estabelecida. Esse movimento leva a uma percepção de que a sociedade tornou-se indiferente ou insensível ao pensamento crítico. “Pois as categorias do pensamento crítico preservam seu valor de verdade somente quando levam à completa realização das potencialidades sociais que vislumbram, e perdem seu vigor se determinam uma atitude de submissão fatalista ou assimilação competitiva” (Marcuse, 1999, p. 86). Pior que não identificar os valores críticos pode ser ainda a compreensão de sua completa desnecessidade. A incessante luta entre ser humano e natureza era a base da conquista dos recursos intelectuais e materiais, uma necessidade premente para a administração da escassez. Na sociedade baseada na máquina, o processo de racionalidade tecnológica iguala-se à individualidade, além de tender a “transcendê-la onde concorre com a escassez” (Marcuse, 1999, p. 99). Oportuno e atual ouvir Benjamin Barber, em seu artigo “Cultura McWorld”, refletindo sobre as preocupações e constatações de Herbert Marcuse no livro Homem Unidimensional, cujo vislumbre avançava, na década de 1960, para a perspectiva de recrudescimento do processo tecnológico. Como um profeta, Marcuse previa a possibilidade iminente da unidimensionalidade do indivíduo, subsumido à máquina. Ao mesmo tempo, em contrapartida, também percebia a capacidade de contestação sobre essa situação. Barber vê “excessividade” nessa última parte. Hoje a capacidade do mercado de assimilar diferenças e contestações e embaralhar as oposições ideológicas, graças à imprecisão criada entre informação e espetáculo, recoloca os temores de Marcuse na ordem do dia. O
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consumismo mundial faz rondar o perigo de uma sociedade na qual o consumo se transforma na única atividade humana e, portanto, naquilo que define a essência do indivíduo. A unidimensionalidade adquire uma realidade geoespacial palpável na arquitetura das galerias mercantis, onde as praças públicas foram substituídas por espaços privados destinados a otimizar o comércio (BARBER apud MORAES, 2003, p. 47).
Estas reflexões tornam-se mais perturbadoras se o foco for ajustado para a mídia, espaço em que os jornalistas atuam. Claude Jean-Bertrand admite que ninguém vive atualmente sem a mídia, nem mesmo os habitantes das zonas rurais subdesenvolvidas. Apesar disso, critica os veículos de comunicação por não estarem cumprindo seu papel, nesse contexto, com qualidade. Para ele a mídia é uma indústria e um serviço público, mas nem por isso pode comportar-se como quaisquer outras indústrias ou serviços públicos. Atualmente, como é claro, não podemos contar nem com o Estado nem com o mercado, se quisermos uma mídia de qualidade. As forças políticas sempre se esforçam no sentido de impedir a circulação das informações. E para as forças econômicas, atualmente dominantes, os veículos de comunicação nada mais são do que máquinas de dinheiro, sempre mais dinheiro, não importa como. Elas rebaixam a mídia ao divertimento medíocre, à prostituição mais barata (BERTRAND, 2002, p. 9).
Bertrand sugere como solução para esta situação dar força ao que chama “arsenal da democracia”, os sistemas de responsabilização da mídia, desligados tanto do estado quanto do mercado. Baseia-se para isso num tripé: Lei + Mercado + Ética & MAS (sistemas de responsabilização da mídia) “com uma proporção conforme a nação, ligadas como são a ideologias, a visão tradicional do homem em sociedade, e as estruturas e práticas da mídia atual” (Bertrand, 2002, p.494). Independente da solução proposta, o fato é que os veículos de comunicação fazem parte do contexto unidimensional apontado anteriormente. Mais que parte, potencializam o fenômeno e os jornalistas não estão livres de envolvimento. Vale nesse ponto da discussão fazer uma rápida revisão histórica sobre as fundações do jornalismo atual, para identificar, no contraste com a situação exposta anteriormente, o que significaram essas mudanças. Briggs e Burke, discorrendo a respeito da mídia e a esfera pública no início da Europa moderna, enfatizam a fraqueza estrutural dessa esfera nos antigos regimes e mostram como em determinados momentos mais acirrados as elites apelaram ao povo e nestes a mídia, “especialmente a impressa, ajudou a elevar a consciência política. Em cada situação uma crise levou a um debate vivo, mas relativamente curto, que pode ser descrito como o estabelecimento de uma esfera pública temporária ou conjuntural” (Briggs; Burke, 2004, p.109). O jornalismo moderno surgiu, assim, entre os séculos XVII e XVIII, como espaço de coesão de uma sociedade que aos poucos foi reconhecendo-se como tal. Uma dupla necessidade do indivíduo estabeleceu esse processo: a de obter informações precisas
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sobre uma gama cada vez maior de assuntos, visando tomada de decisões; e num plano geral, a compreensão do papel e espaço a ser ocupado como ator social. Assim, o jornalista, embora também um cidadão, assumiu um papel necessário e destacado nas várias mediações necessárias para que fosse cumprida sua condição de elo entre o todo e as partes e vice-versa. É justamente a função da mediação que, na sociedade pós-industrial – forte e significativamente caracterizada hoje como sociedade da informação –, moldou-se de forma lenta, e sob um viés ideologicamente comprometido, com outras visões de mundo, diferentes das que se pautaram pelos conceitos do Iluminismo, do período anteriormente citado. Não se trata aqui de apontar um sentido caricato dessa moldagem, forma fácil de encerrar equivocadamente a discussão. Também não se pretende encontrar uma culpa específica, seja na formação cidadã do homem contemporâneo, ou na dos jornalistas. Estes, em geral, assumem esse comprometimento de modo pouco consciente, ou ao menos, sem ter absoluta clareza dos processos sociais em que estão envolvidos e, por outro lado, obviamente, influenciam. O processo social, portanto, é o eixo complexo pelo qual transita a moldagem ideológica tanto para os jornalistas quanto para qualquer cidadão. A agravante no caso do jornalista é sua função de mediador, supostamente consciente tanto desse papel como do processo no qual está envolvido, incluindo suas conseqüências. Sobre os jornalistas, Bertrand considera que precisam, entre outras coisas, estar cientes das funções da mídia na sociedade, “distinguir entre entretenimento e informação, entre eventos reais e eventos fabricados, entre as notícias interessantes e importantes”. Ele completa, opinando sobre o jornalismo: É preciso que seja modificado. Como sair de um padrão é sempre uma operação difícil. Isto levará tempo e não se deve permitir que se desenvolva na obscuridade. Precisa ser trazida às luzes do dia, ser debatida nas salas de notícias, em artigos, em programas de rádio e televisão, livros, conferências – e nas salas de aula das faculdades de jornalismo (BERTRAND, 2002, p. 484).
Estar ciente envolve partir do princípio, como o faz José Marques de Melo, de que o conhecimento humano acumulado começa na base da sociedade para em seguida expandir-se de modo mais elaborado nas organizações profissionais e legitimar-se na academia (Melo, 2003). Este estoque de conhecimento provém, então, segundo o autor, da confluência de duas fontes: Práxis, a aplicação do saber na sociedade pelas corporações, com propósitos produtivos que integram o processo civilizatório; e Teoria, a apropriação desse saber pela academia, que o reflete e sistematiza. Ao fazê-lo, por meio do ensino e da pesquisa, atua como formadora de recursos humanos e produtora de conhecimento. A inserção de um novo campo do conhecimento na estrutura acadêmica traduz a sua legitimação social. Implica, ao mesmo tempo, em seu aperfeiçoamento e avanço
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contínuos. Tal fenômeno é situado por GRANGER dentro do contexto que ele denomina “desenvolvimento explosivo da ciência”. A formação de novos profissionais se faz de maneira a combinar o saber já testado pela práxis (quase sempre manualizada) e o pensamento inovador (produzido pela reflexão e convalidado pela pesquisa) (MELO, 2003, p. 33-4). O vetor, portanto, avança da Práxis entre profissionais e suas corporações, passando pela Teoria desenvolvida e aperfeiçoada na academia, retornando à Práxis com novos profissionais formados. É desse ponto que se retoma a discussão inicial sobre as múltiplas interfaces proporcionadas pelo Prêmio Sangue Novo no Jornalismo Paranaense. Percebe-se a possibilidade de uma inversão inovadora no processo, quando sugere a investigação de um novo elemento, criado a partir da corporação profissional, colocando frente a frente Práxis e Teoria bem no meio do processo anteriormente descrito. A inversão se dá com os profissionais sendo impelidos a refletir sobre suas práticas ao avaliar o produto que parte da academia, muito mais embasado na teoria do que necessariamente na prática. Enquanto isso a produção acadêmica discente, orientada pelos docentes, é levada a um diálogo com o corpo profissional, escancarando suas reflexões e pesquisas, de modo a encurtar e aprimorar o processo Práxis-Teoria-Práxis.
Considerações finais O Sindicato dos Jornalistas do Paraná, historicamente, tem analisado e vivenciado a questão da formação profissional e as correlações com a representação sindical dos jornalistas. Inclui-se aí o papel da instituição como parte duplamente interessada na legitimidade dessas correlações. Destaca-se aqui o interesse na legitimidade representativa e na condição de interlocutor com o campo comunicacional e com a sociedade. Ao longo de sua história de 61 anos, o Sindicato passou por inúmeras situações de conflito entre diretorias mais ou menos ligadas às bases profissionais, por si só multifacetada em funções diversas. O que se percebeu, a partir de ampla pesquisa com membros de chapas que disputaram eleições acirradas em 1959, 1963, 1976 e 1988, é que essa relação com as bases estabelecia-se significativamente a partir da matriz de formação profissional e as convicções vigentes no período. A condição de “governabilidade” estava diretamente ligada a essa relação (Silva, 2007). Assim, este artigo tem a pretensão de atingir futuros pesquisadores que se interessem em ampliar esta breve reflexão sobre processos de interação social no campo jornalístico – como é o caso singular do Prêmio Sangue Novo no Jornalismo Paranaense. Um caso cujo processo deve ser compreendido em toda sua extensão e profundidade, para além do evento em si. Debruçar-se sobre este tema e explicitar o que hoje, na melhor das hipóteses, está implícito, poderá manter ou reforçar positivamente fatores interativos. Embora aparentemente desligados, esses processos entrelaçam-se
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tão fortemente quanto pouco percebidos nas suas interfaces culturais. São estes fatores que fizeram o Prêmio chegar ao grau de solidez, longevidade e credibilidade junto a todos os agentes nele envolvidos.
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Múltiplas interfaces de uma experiência coletiva O Prêmio Sangue Novo no Jornalismo Paranaense
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