Quixote andou por aqui?

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17/04/2015 ­ 05:00

Quixote andou por aqui? Por Ricardo Viel

Estão em Campo de Criptana (foto), os moinhos de vento que provavelmente inspiraram Cervantes a escrever o capítulo em que dom Quixote os confunde com gigantes

Num dia de julho de 1581, sob o sol a pino do verão em La Mancha, centro da Espanha, o fidalgo Francisco de Acuña vestiu-se como um cavaleiro medieval e esperou por Pedro de Villaseñor atrás da igreja da vila de Miguel Esteban. Atacou-o com uma lança, fazendo-o correr em disparada pelos campos até encontrar proteção na vizinha aldeia de El Toboso. O processo penal que dá conta da tentativa de homicídio, motivada por questões de herança, encontra-se depositado no Arquivo Histórico Nacional, em Madri, e foi descoberto pelo historiador e arquivista Francisco Javier Escudero Buendía há alguns meses. É com base nesse documento, e em outro processo, que acusava Acuña de amedrontar os locais ao exibir pelas ruas suas armas de guerra - numa época em que os cavaleiros andantes já apareciam só nos livros -, que Escudero desenvolveu a tese de que Miguel de Cervantes baseou-se em fatos e personagens reais para escrever a história de dom Quixote de La Mancha. "A pesquisa ainda vai no começo, há muito trabalho a fazer, mas, quanto mais avanço, mais me convenço de que Cervantes não só andou por aqui, como baseou-se em lugares, pessoas e histórias concretas para escrever o Quixote", diz Escudero. Vasculhando papéis da época, o arquivista já se deparou com alguns nomes e sobrenomes como um Alonso Quijano, homônimo do personagem de Cervantes - que poderiam ter sido pegos emprestado pelo "Príncipe dos Engenhos" para escrever sua obra. Cervantes cita Villaseñor em um livro (publicado postumamente), o que poderia reforçar a tese de que soube dessa e de outras histórias acontecidas naquela região espanhola. "Até agora, todos os estudos sobre Quixote eram feitos a partir de uma visão literária. O que faço é investigar em documentos das igrejas e da Justiça da época", explica Escudero. Estamos em uma época próspera para os cervantistas. Neste ano, a segunda parte daquele que é considerado o primeiro romance moderno completa 400 anos de publicação. A Real Academia Espanhola prepara uma nova edição, revista e corrigida, do Quixote. Em março, e após um ano de pesquisa, arqueólogos anunciaram ter encontrado, no Convento das Trinitárias, no centro de Madri, partes ósseas que (com muito probabilidade) são do escritor - documentos davam como certo que Cervantes estava enterrado ali, mas sua lápide não havia sido identificada. O próximo passo é tornar o local visitável, adiantou a prefeitura da cidade. Em abril de 2016, completam-se quatro séculos da morte do autor do livro que disputa com a Bíblia o título de obra mais traduzida da história da humanidade. Cervantes está na ordem do dia.


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