21/06/2013 às 00h00
O fado volta a acontecer Por Ricardo Viel | Para o Valor, de Lisboa É quarta-feira, noite agradável de primavera. Num pequeno bar do tradicional bairro da Alfama, na parte mais antiga de Lisboa, todas as mesas estão ocupadas. Também há pessoas em pé, encostadas no balcão e em cadeiras coladas às paredes. Em meio ao barulho de copos, talheres e conversas, escuta-se: "Fecha a porta, por favor". Em Carminho, de 28 anos, a maior aposta seguida as luzes são diminuídas até quase a comercial da música portuguesa atual: escuridão. "Agora silêncio, meninos!" A meia "Hoje, a garotada leva fado no iPod", diz centena de presentes acata a ordem e o trio produtor composto por violão, guitarra portuguesa e Voz começa a tocar. "Houve um tempo em que o fado era coisa para os velhos, mas não é mais assim. E a imagem da senhora vestida de negro e com o xale às costas também já não condiz com a realidade", diz a fadista Ana Lúcia Nunes, de 30 anos, uma das atrações. Como aquela tasca, há vários lugares espalhados pela cidade onde os jovens vão escutar fado. "Eu cresci escutando fado, porque meu pai é músico. A maioria dos meus amigos não se interessava e por influência minha começaram a vir e agora são frequentadores assíduos", conta Ana Lúcia. Há algumas décadas o cenário era outro. Da Revolução dos Cravos (1974) até boa parte dos anos 90, a típica música portuguesa viveu um período de ostracismo. Foi associada ao salazarismo, acusada de ser fatalista, de pregar a passividade, e acabou renegada pela geração pós-ditadura, que sonhava com um país diferente. "Fez-se essa associação, equivocada, do fado com o regime de Salazar e essa imagem ficou por um tempo. No fim do século passado as coisas começaram a mudar. Agora inverteu-se: quem não gosta de fado não diz. Hoje não pega bem criticar", diz Sara Pereira, de 40 anos, diretora do Museu do Fado. "Não tenho a menor dúvida de que estamos vivemos uma nova época de ouro, como a dos anos 40 e 50. Temos hoje uma geração de músicos muito boa e um público fiel." Marco Oliveira, de 25, faz parte desse grupo de novos músicos que vem renovando o ritmo sem alterar suas raízes. Vencedor de festivais importantes do gênero, o cantor e compositor tem alterado apresentações em Lisboa com viagens a lugares tão improváveis como Grécia, Suécia, Estados Unidos e Holanda. "É curioso, porque ainda que eles não percebam a letra sentem a música, e isso passa para quem está tocando. Por isso é que se pede silêncio no fado, porque é uma música para ser sentida."