Impressões

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Marcos Oliveira

impressĂľes

Mil Montes



Marcos Oliveira

impressĂľes



“... linguagem iluminada, imóvel e fraturada que, hoje, temos que pensar”.



ao meu leitor Pernas Firmes Corpo Inteiro Olhar Arguto; Bom EstĂ´mago.



primeira parte

quadras de um ocioso



bater à porta A morada está vazia, Seu número é místico O morador é intruso; Entrei sem licença.

comentário O texto é reticente Às vezes se dialoga O signo é a chegada Saturando visionar.

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trova de espírito A mostra da potência Através do intelecto A obra e o homem são A dádiva e o estilo.

explicação Autor desta enunciação: Encerra sentido ruidoso Quatro frases vaidosas! Alegria para o leitor...

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biblioteca Ânsia de páginas Esta via é cruel Tentando perder, Eu e identidade.

produções monótonas Os temas a serem escolhidos Acaso retirando a sorte dada A mesa tremendo em um pedido A beleza da escrita anônima.

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obra-dádiva Minhas mãos se abriram Num gesto de “ciranda” Canto, poesia e signo, Trajetória d’um criador.

quadras ao gosto O estilo definido; Quase um filosofar Linhas impulsivas: Do poeta ousado...

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literatura Tranqüila e sensitiva Bela para contemplar; Em transe no cérebro Linda a me despertar.

discurso da obra Em processo: no arquivo Ausência de teoria: uso Do texto, signo, e “lei” O autor contempla a face.

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a criança grande O globo ocular estrela As alturas de um homem Rabo do cometa em fogo Trucidando o firmamento.

versos discretos O prazer desabrocha; Meu desejo fugitivo, O charme é aceitação Da sexualidade neutra.

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poética sem fim Tessitura e rede complexas Quatro frases emaranhadas; A produção da narrativa... O autor e o leitor em jogo.

meu cêrco Tróia e o herói estão aqui, Minha batalha não é perdida A traição é cumplicidade... Comando cabeça e calcanhar.

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aventura Narrativas de vivências O autor criou e sentiu, Sensibilizando o canto: Através de um enigma...

a praça Sonho urbano de éden: Arranha-céus de luzes O sol doura o cidadão A vida passa contada.

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passeio público O estranho nas ruas Andarilho delirando Visões de segredos; Sua meta: o mundano.

botânica A aula sobre este saber Do fruto ido aos braços A conheço e acho antiga Senti um sabor amargo...

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tormento Livro algum sugere, O que estou a olhar A escrita com forma Evidência a passar.

exame Ele é também alienista, Todos somos curandeiros Seu delírio é permitido A saúde é necessária...

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jogos sem razão Meus espasmos de prazer; Foram delírios vizinhos: Justiça fria de carrasco Não faz morada e abrigo.

meu domínio A questão faz o ser, Interroga e responde Ecce homo: o sujeito Condenado à visão...

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mutação Demorada e longa Bem firme o solo Herdando “o gume” Afiado do saber.

música Significa superação Melodia de baladas, Tangendo o coração: Mensagem terminada.

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o ponto de escuta Ofensas com rispidez Quase nenhum elogio; O homem sem lamentar O criador-ultimatum.

o enigma A ser pensada a solução Deu cabo a uma aventura O que vejo é grandioso: O além do homem, âncora.

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rosa hereditária A gregariedade é justa E é escrita do socius; Fezes são disciplinas: Do “discurso” herdado.

riqueza O suor do rosto: A face tem valor Pequeno capital? Bolso abstrato...

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spleen e calma Na ausência do amor A invenção do amigo Leituras sem método Do dia-a-dia vital.

carolice Mulheres de rua passam Passam e estou a olhar O rosto sugere pureza Sensualidade pensada.

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teologia Sem deuses e ímpio Edifiquei altares: Nada sacrifiquei, Amor a eternidade.

para ser discreto Tenho mãos abertas refletindo Só toco em páginas de livros: O objeto do drama é o narrador Sujeito ciente do seu destino.

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o cósmico ser Universo, sol, lua e anos Me puseram em órbita cerebral Sinto visitantes indiscretos; Cumprimentaram minha vidência.

teleologia O fim e destino é a obra Aceitando o sonho de ser Perfis e faces escritas: Do livro vive afirmação.

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infinito Pensar sĂł ĂŠ sapiĂŞncia Fazer versos, tolice! Poeta bem acompanhado Bate o martelo, vibra!

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segunda parte

narrativas



observador Nas ruas, vias públicas, no passeio, a observação da marcha, locomoção, moda, tempo é curiosa. Parece sempre que as pessoas saíram de uma prisão, e ensaiam se comportar melhor. Não tendo tempo para o lazer, saborear as tardes, viver o ócio, apreciar o saudável da existência, com a contemplação, tudo em nós, que temos tempo para isso, é visto como estranho. Usar dos pés, caminhar, ser homem de rua é privilégio para poucos. Todos estão afadigados com seus afazeres e responsabilidades. Não há ociosos, vivências do cotidiano ao ar livre, muita saúde, para viver um modo de vida, mais simples e natural, se deixar vaguear e o sol se mostrar, o vento, o tempo, etc. Em nossos dias quase todos estão enclausurados, em salas, espaços, tarefas, e ninguém mais está em si. O dia a dia é artificioso, maquinal, função do esperado, banal.

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a rua Dizendo sinceramente, sou um “Flâneur”; passeio discretamente pelas vias públicas: - vejo muito, observo, dialogo, entro em bares, lojas e tenho os olhos bem abertos. A cada um o que é seu, e esta cidade (alegre) me pertence em um ponto: me faz observante - olho os jovens, as moças, as senhoras, tambem os homens do campo, certas mulheres, e tudo isso preenche minha existência, de experiências, emoções gêneros, ou estilos variados... aqui já fui trágico, heróico, romântico, melancólico, expectante e cúmplice em alguns eventos... era sombra, era luz, e fazendo o melhor para si e para os outros; cúmplices nesse caminho da existência.

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caracteristica Falam e faz-se Arte em nossa época,destina-se à multidão: A música, dança, poesia quando se vê, são vulgares, espera-se satisfação rapidamente, ninguém cria esperando uma resposta ativa, passividade do receptor é o que acontece, mero degustador... aprende-se mais entre amigos, do que esperando do público. Ser seguidor ocasional é positivo e ensina muito: principalmente na filosofia, quase um sonho para muitos. Estudar é a nossa característica. Eu, bisbilhoteiro dos saberes, curioso nas bibliotecas, observador público, espero mais dos estudos, do que ter centenas de vidas. O que se observa, é a profunda ignorância da arte de ler, de repousar os olhos, meditar, e, até de se saber, por que e para que se escreve. Parecemos lunáticos perdidos em algum rincão do saber, e francamente ter aptidão para a literatura, nos faz com segurança, ser um monstro para o vulgo. Algo assim de tanta diferença, que este só quer nos ridicularizar.

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perguntas e respostas A filosofia em nossa época é questionante, e interroga o próprio ser, forçando o filósofo a ser múltiplo, um pouco de poeta, um pouco de crítico, ser leitor, viajante, conhecedor de outros povos, épocas e línguas, enfrentar as adversidades, ser estudioso, paciente, saber esperar, ser criador do seu próprio si etc. Os poucos filósofos que conhecemos, estão presentes apenas para oferecerem, modos de vida temporários, propõem o movimento, a mutação e a mudança. Ninguém está em si, enquanto pessoa, eles se interceptam, no interior do próprio saber,e é aí que se conhecem... Não há lugar para ser idêntico, tudo lhes serve e nenhum saber passa por ser desconhecido. As matemáticas, a ciência, as disciplinas, a música, as artes em geral, o saber sobre o homem, tudo é motivo de questão. E isso significa a ruína e decadência, mas desse solo se ergue uma certa segurança, pois nada passa despercebido muito menos a época, sua face e característica.

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viver Em nossa época, segundo certas condições, para viver bem é necessário um certo desprezo... viver à parte junto a multidão, ter poucos e raros amigos, e, esperar a hora de tê-los, ser responsável segundo apenas seu interesse, fazer vista grossa da modernidade e estar todos os momentos alerta: aos bons sentimentos, à tagarelice dos vizinhos e a quem se digne de tentar nos entender. Somos incompreensíveis aos olhos de nosso século, devido à nossa solidão e sentimento de ser UM, único e desejar atravessar esta existência, sem muita pompa e hipocrisia. E é esta justamente a nossa diferença. Não ambicionamos cargos, titulos e respeitabilidade... somos irresponsaveis frente ao destino de outros, por que só cuidamos do nosso... A época é hostil frente a nós, por que não daríamos um passo, para adotar e adoçar o que o homem moderno, chama de prazeres, segurança e estilo. Em suma, somos únicos e incorrigiveis, dentro de nosso orgulho filosófico.

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ingenuidade O homem comum, cotidiano é ingênuo: e só escapa do ridículo, por acreditar intensamente na utilidade... vê o intelectual, como sendo um ser abstrato, aéreo, em suma, das nuvens. O fazer de sua própria existência - obra - e estimar a atividade mental: coloca o ser pensante, um perdido e errante aos olhos do vulgo. O que para ele é essencial, útil, prazeroso, o pensador, não daria um passo para alcançar. O homem comum vê esta existência como se fosse um valor vindo de fora, de outros, da época, de si, enquanto fenômeno ou da História. Não quer acreditar que outros modos de Vida são possíveis, além da que ele conhece se é que tem conhecimento. Um sonho, delírio, sensação, experiência lhe passam por alteração ou desvio. A ordem social é tudo que conhece, e nisso passa por ser servo. Aquele que se comanda, que é único, soberano, apartado é alvo de suas cogitações: - mas para ser sincero, jamais poderá conhecer as naturezas nobres, artísticas ou que fogem do vulgar. Nisso eles manteem a ironia e mau-gosto.

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outras falas Durante muito tempo evitei o diálogo, por saber ser uma perversão... Em literatura o comentário deixa a desejar, os especialistas para serem ouvidos, requerem disciplina e bom senso. Um orador nada pode saber do fazer literário, por que não corresponde à essência da literatura a palavra falada. Ler e escrever é atividade e prática de quem quer evadir-se e escapar da fala e do diálogo. Comentase autores, obras, livros muito depois... quando já se está como que encerrado na página móvel da literatura. Conferências, obras criticas são, quando muito um apelo ao conhecimento. Fazer literatura é estar condenado à linha afiada da escrita. Aí o que se tem a dizer é voltar ao mundo ora crescente ora aberto da criação. A prosa tem significado somente a quem conhece a trama e tessitura das aventuras da escrita. Hoje somos todos Quixotes se leitores e narrados se somos todos escritores. É o ser do homem narrativa o fato de ser leitor, obra e criação das paginas que passam frente ao seu olhar. Está condenado a ser personagem de todos que se mostram no espelho da escrita.

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música Apreciar sons, marchas, andantes, algo alegre, boas canções é educar o ouvido. A música da vida é pobre, mas ouvir a imitação de uma tempestade, um conflito, uma tragédia que são temas clássicos, inebria o ouvinte. A canção popular significa começo na apreciação, abrir caminho para o interprete dos eventos da vida. Musica é passagem para além, é uma via, mas não é um fim em si, ela não satisfaz, por que embriaga, convida a ir mais adiante. Uma canção sobre o amor é especulação do que é amar, um convite não a experimentação, mas uma idealização, um idílio entre o artista e o ouvinte. Se repetimos é por que não conhecemos precisamente o seu tema, ouvimos tudo novamente e nos falta algo que já foi perdido, o músico nos alerta de estar em idílio conosco, ele fala de sua emoção como se tudo fosse uma ficção, nosso sentimento fica surpreso, por não poder confiar, hesitamos em ceder à emoção e se todos se comovem é por que algo universal persiste, um tema ou vontade ou espirituosidade.

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de viés A ação ou drama foi lenta... luas e anos se passaram; o sol se levantou muitas vezes percorrendo o céu, e nisso um fenomeno estético e também o drama: - ir para além do Homem... Experiencia trágica de ultrapassamento, de dilaceração, de corte, de ruptura... Bater uma porta atrás de si, subir uma escada, descer ao vale, galgar uma montanha ir ter com os homens e discursar em praça pública: Tudo isso são imagens de um só evento... O poeta vê obras e constrói a sua superando. Aqui não há lugar para a palavra falada - muito pouco se diz , o drama é o “Pathos” do anti-heroi é a “Actio” sem martírio e redenção. Aquele que vê, vê todos, é observado, mas nenhum nem ninguém pode saber o que o personagem e narrador está a fazer. Conclusão: Há paixão, há martírio, redenção, crucifixão, mas abandono de todos estes entraves: - e uma lição, “Vê eu sou aquele que deve sempre se ultrapassar”.

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o eu Comecei por ter autoconciencia, observar, ouvir, ver, recolher impressões, comparar: aí se formou o eu. Não no sentido de idêntico a si, mas por uma constante reaprendizagem, mas é falho, por que a pessoa psicológica nada significa frente à realidade... O eu é passivo, ser atuante necessita uma certa dose de malícia, manha, esperteza, cálculo, é ir à experiencia e esperar uma situação, um acontecimento e intervir Isso se chama uma cultura, um fazer, vontade. Depois ele se destrói e se refaz e apenas a autoconciencia se mantem: chamamos isso de vigilância, de estado de atenção.

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interpretação O sonho, as aparências, o modo de vida cotidiano, assim como uma novela, uma trama ou romance, configuração do que todos somos na existência, necessita ser interpretado. Que diferença faz um conto de uma narração curta de nosso Ser? Um romance e um trama de amigos ou conhecidos? É essa relação que precisa ser pensada para revelar o âmago do literato, na construção de vivências ou tramas. Só se é consigo mesmo, em um dialogo entre eu e mim, o resto são personagens convidados as dialogo, e tessitura. O autor de uma obra pode manter o personagem ausente, manter o seu eu suspenso, não ser conhecido como o principal da narração e até levar os personagens à contradição absurdos, abrir linhas de fugas, recontar o que nunca foi dito (para ser paradoxal), imaginar o fabuloso, ficcionar, tudo isso com um intuito e fim: reviver a trama, manter todos alertas, na espera de um desfecho...

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miscelania de opiniões Ter muito tempo para divagar, refletir, meditar, ler, imaginar: (tudo isso que se chama pensar), mais a prática poética, um pouco de filosofia, saborear alguns ofícios, assim como experimentador: é muito. São essas as práticas mínimas, para se ser escritor... Relatar com previsibilidade, narrar discretamente, colorir, dar vida e esperar muito, pois é difícil os colaboradores.

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leituras O pouco que observei e li em nossa língua, para pensar, deixa crer que muito falta, para termos maturidade. Esse poderoso movimento de traduções, em nossa época é o que nos faz mais despertos... Só temos tradição em poesia e romances, a critica deixa a desejar, falar de filosofia é para privilegiados o que está em nosso alcance é saborear a situação, saber dos limites, enfrentar a situação com humor, e conhecer os riscos de se atrever a ser escritor. As condições mínimas, para se saber o que foi escrito em outras épocas, outros povos, não existem. A escola é um limite à formação... O sabedor, instruído para acontecer, tem de enfrentar grandes impecilhos. Não há a sapiência de ajuda, socorro, serviços a prestar ao pensador. Ele se vê, em condições de falta de materiais, até para se definir enquanto pessoa. Falta muito para escapar do trivial e comum. Em suma, ser pensador com segurança, faltam condições propicias, e se se atreve, corre riscos.

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epĂ­logo

mil montes



mil montes Após a espera, a colheita, tudo aqui é calma e tranquilidade. Os montes vistos do vale… O caminhante atravessa caminhos: com passos firmes e seguros. Tudo aqui é tranquilo e calmo. Vêem-se, assim, cordilheiras e penhascos ao alcance das mãos, dos olhos e do pensamento. Isto é um símbolo: “Mil Montes”, atravessados pelo peso dos pés.

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© Editora Mil Montes, 2019 revisão Francisco Merçon 1ª edição Maio de 2001 design Ricardo Capucho

fonte Minion Pro papel Pólen Bold 90 g/m2 tiragem 500


Marcos Oliveira (1959-2013), escritor e ensaísta natural de Alegre - ES, autor de Visceral (1981), Impressões (2001), Demore-se quanto queira (2007), A função do escritor contemporâneo (2006), O evento livro (2011), Universos paralelos (2009), Reunião de toda a gente (2009) e Rua Dr. Andrade, 238 – Apto. No. 4 (2010).


“Seus versos são para mim como a madeleine fora para Proust, trazem-me a recordação de um tempo que minha consciência por si só não abarca. É, como diz o poeta, um símbolo.” Francisco Merçon (Editor)


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