SENSO INCOMUM - Suplemento - Crônicas de uma vida crônica

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senso

CrĂ´nicas de uma vida crĂ´nica

comum


Editorial// Esse é o resultado de um trabalho envolvendo quarenta estudantes de jor­ nalismo que mal têm tempo de parar pa­ ra escrever uma crônica. Por isso, o tema deste caderno está ligado ao coti­ diano do universitário, seus problemas e pensamentos diários, que vão além dos trabalhos propostos pelo curso. "Crôni­ cas de uma vida crônica" são relatos pessoais e ideias individuais reunídas em um caderno. Sinta­se livre para se identificar com qualquer uma delas, é al­ go até bem fácil de acontecer. O suple­ mento foi dividido em três temas, Vivências, Amores e Reflexões. 

SUMÁRIO • Vivências Talvez, devesse ter nascido em Marte!.................................................................. 4 Como é difícil sonhar a realidade........................................................................... 5 O dia começou bem............................................................................................... 6 Imaculado.............................................................................................................. 7 Um fim de semana................................................................................................ 8 Músicas da alma................................................................................................... 9 "REUE"................................................................................................................. 10 Caos..................................................................................................................... 11 De sonho em sonho, em sonho sonho................................................................. 12 À procura da felicidade?....................................................................................... 13 Planejamento....................................................................................................... 14 A senhora............................................................................................................. 15 Vida de Gato.........................................................................................................16 A dificuldade de uma mudança............................................................................ 17

• Amores Reitor Valder Steffen Jr. Diretora da Faced Geovana Ferreira Melo Coordenador do Curso de Jornalismo Vinicuis Dorne Professores Gerson de Sousa, Nuno Manna, Reinaldo Maximiano Jornalista Responsável Nuno Mana Mtb 06489 Editoras­Chefe Guilherme Amaral, Leonardo Veloso e Lucas Eduardo

Fuga diária.......................................................................................................... 19 Você vai se casar?.............................................................................................. 20 Deitados, o mundo era nós dois.......................................................................... 21 Amores crônicos (ou mal curados)..................................................................... 22 Primeiro se amar para amar................................................................................ 23 Meu amado Desconhecido.................................................................................. 24 Camiseta Azul..................................................................................................... 25

• Reflexões Gritos silenciados................................................................................................ 27 Entre comidas, condições e reflexões................................................................. 28 A supresa de uma ligação................................................................................... 29 Mais uma terça­feira............................................................................................30 Virada de chave.................................................................................................. 31 Sem temp........................................................................................................... 32 A bailarina............................................................................................................33 Época das flores................................................................................................. 34 Oito meses......................................................................................................... 35 Ansiedade.......................................................................................................... 36 Resistindo até o dia 30........................................................................................37 Folha em Branco.................................................................................................38 De onde eu sou?................................................................................................ 39 Sobre idealizações............................................................................................. 40 "Como pode?".................................................................................................... 41 Paralisia ............................................................................................................ 42 Você vive ou existe?........................................................................................... 43 O Peso da Liberdade......................................................................................... 44 Esperança ameaçada: a luta docente no desafador cotidiano........................... 45 Porque eu gosto de escadas rolantes................................................................ 46 A vida não para.................................................................................................. 47


VIVÊNCIAS


C CU ULLTTU UR RA A


Como é difícil sonhar a realidade A gente pensa, deseja, planeja, mas não tem noção do ta­ manho das coisas. Já na partida final, nada de resultado nos noven­ ta minutos, é na prorrogação que tudo foi decidido, mas ainda no sufoco. Ainda tô na dúvida qual torneio é mais difícil: jogar as elimi­ natórias para a universidade ou estar na universidade. Jornalismo não era uma opção de graduação desde quando comecei a pensar em fazer ensino superior. Aliás, cheguei até pen­ sar em não fazer. A única coisa que já sabia é que na minha cidade não ia ficar, ora porque não tinha os cursos que queria, ora eram particulares. No meio de um caos pessoal de dois anos, ­ crise no último ano do ensino médio, começo e término de namoro, trabalhar dando aulas particulares, dando aula de ballet em duas escolas, fazer bal­ let, participar do movimento jovem da igreja e da catequese, tirar CNH com o próprio dinheiro, estudar por conta durante um ano e vestibulares de novo ­, o apito final foi dado e o resultado foi a matrí­ cula em jornalismo na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Viver a 513km de casa, com poucas opções para ir e voltar, além de poucos recursos, exigiu despedidas e desapegos que não foram pensadas, planejadas. Me depedi da minha versão professo­ ra, da vestibulanda, da menina que conhecia tudo e todos de onde morava, de tantas pessoas que estiveram presentes desde minha infância ou dessa caminhada louca até a aprovação na faculdade. Mas a despedida que eu menos teria imaginado, que menos teria noção como seria é a da minha família. Eu que sempre tive eles muito presentes em tudo, e ainda, nos últimos três, quatro anos estávamos ficando muito grudados. Esqueci de colocar nos meus sonhos minha realidade sem meus pais e irmãos perto todos os dias. Os primeiros foram meu irmão mais velho e minha mãe. Foi no abraço do meu tatá que conheci a experiência de não ter palavras, de só conseguir chorar. Nem mes­ mo força para balbuciar um tchau eu tive. Nas lágrimas da minha Dona Jô foi meu último colo de mãe antes de entrar nessa partida sozinha. Aquele dia fiquei com dor de cabeça por chorar de saudade já. Me desligo por completo da companhia da minha família, meu pai e meu irmão mais novo, no fim de um domingo, véspera do primeiro dia de aula. Segurei pra não chorar de novo, mostrar que estava tudo tranquilo, mas não deu por muito tempo. Pedi a benção do meu velho, dei um sorriso para o filhote e quando vi o melhor carro do mundo ­ um monza 88, da cor grafite e placa final 93 ­ vol­ tando para o casa deixando para trás um de seus donos, não deu pra mim. E assim me despedi de dezoito anos daquela vida, me mu­ dando para um novo ciclo em um lugar que a única coisa que co­ nhecia era a minha vida, a pessoa quem eu era. Deixei para trás minha doce terra da bolacha para viver aqui, sem eles por perto, no meio do povo do pão de queijo.

ÍTANA SANTOS

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JOSIASÂ RIBEIRO


Imaculado Juan Madeira Quando me pediram para escrever uma crônica sobre meu cotidiano, ponderei falar sobre aquilo que mais me encanta atualmente, que é a magia do esporte, atrelado à minha realidade e rotina diária. Tudo aconteceu em um evento universitário, que – querendo ou não – é algo comum na minha vida. A quadra estava cheia. Alguns tocavam surdos, caixas e pratos para dar clima a partida. Parecia o Maracanã. Quem acompanhava a grande final do intercursos: jovens universitários de variadas idades; professores; alguns funcionários até pararam suas atividades, para acompanharem a partida daquela faculdade do Triângulo Mineiro. De um lado, o Jornalismo ­ time dos mais jovens e destemidos – que tinha ímpeto gigante e mostrava uma garra estrondosa. Do outro lado, no caminho da vitória, encontraram a pavorosa Engenharia. Os times entram em quadra perfilados. A emoção era a mesma de acompanhar, ao vivo, uma decisão de Champions League entre Real Madrid e Barcelona. Grandes amigos disputavam – na frente de toda a universidade – o grande título de suas vidas. A torcida maior era para o Jornalismo, evidentemente. Por hora, deixemos de lado todo o jogo e foquemos apenas no último lance. Numa ocasião de extrema apreensão (o tempo passava lentamente nas minhas vistas), restava um segundo no relógio, o jogo estava empatado. Para uns, um momento de extrema felicidade para outros (talvez todos), sobrava a incredulidade: Gustavo ­ que teve o nome gritado por todo a arquibancada ­ arrancou da cartola um potente chute, que morreu no canto alto do goleiro Hugo. Arrebatador. Gritos, euforia, emoção, invasão de quadra – não estava planejado, claro, mas invadiram. Os futuros jornalistas pularam no (inevitável) montinho, só posso dizer que a satisfação de ver meu time, meus amigos campeões do intercursos era indescritível. Saí quase surdo do montinho – já que os gritos ecoados ali dentro eram ensurdecedores. O futebol é perfeito e as sensações que ele traz são quase Imaculadas.

Foto: iStock


Um fim de semana Kamila Cristina Ela se levanta pela manhã. Como de costume, seu relógio biológico a força a acordar antes do despertador tocar. Ainda são 6:45. Caminha até o banheiro com os passos mais lentos que alguém possa dar. Encara seu reflexo no espelho. Se depara com seus piores inimigos, seus próprios pensamentos. Submersa em sua insegurança. Duvida de si. Se pergunta o porquê. Mas não consegue dizer o porquê desse porquê. Só se questiona se essa é a vida que ela queria. Sim, essa era a vida que ela queria. Mas, não. Não é a vida que ela quer agora. No meio do ritual de arrumação para aparecer perante a sociedade, descobre que terá mais um dia de reflexões. Aqueles dias esporádicos que paramos para pensar no que estamos fazendo da vida. Dessa vez, está tocando B.B. King ao fundo. Os motivos ela não sabe ao certo, se é por conta do fim de mais um ciclo menstrual. Ou talvez, por sentir falta de casa. Quando entra nesses processos de autoavaliação, se questiona sobre tudo, sobre o que faz para melhorar o mundo das pessoas que ama. Se vê frágil, esquecida de quem é. Começa avaliando suas amizades. Tantas histórias, dificuldades, problemas. Como ela queria poder ajudar seus amigos. Pensa sobre, mas não consegue resolver nem os seus próprios problemas. Como resolveria os de terceiros? O sentimento de incapacidade transborda pelos olhos. Avalia sua família, uma das coisas mais importantes em sua vida. Mesmo com todos os problemas que a afetam, queria estar com ela naquele momento. Aliás, esse foi o seu dilema quando mudou de cidade. Como pôde ter tido coragem de abandonar as pessoas que ama? Mas ao mesmo tempo, como poderia abandonar o seu sonho? Desde então, ela vive nessa corda bamba. Ora, se sente culpada por estar vivendo as coisas que planejou. Ora, tenta se tranquilizar, pensando que sua família ficaria feliz em vê­la feliz, realizando seus sonhos. Quando se dá conta, entra nos seus questionamentos amorosos. Fracassados, sim. Mas ela aprende muito, sempre. Sua bagagem de 21 anos tem um peso às vezes difícil de carregar. Para cada passo errado, tira suas conclusões e experiências. Mas foi a fundo nessa parte da reflexão. Ser forte custa caro. Pensando o porquê de sempre se auto sabotar. É como uma receita que sempre segue. Com medo das coisas darem errado, segue a risca o “modo de fazer”. Mas, adivinha, essa receita é o fracasso na essência. Odeia pensar tanto sobre si própria. Às vezes vai longe demais e demora a voltar. Até que chega a duvidar de sua capacidade, em todos os sentidos. Uma coisa leva à outra. Se despe de tudo que é e fez de bom. Em poucos instante, faz de si um nada. Passa a se considerar menos importante que qualquer objeto que tenha utilidade por poucos segundos. Desliga o botão da racionalidade. E a emoção se apossa. Quando isso acontece, não consegue se defender de si mesma. Seu maior inimigo a faz duvidar de si mesma. De tudo que construiu e é. É como uma prisão. Ela sabe onde está, mas não consegue sair desses densos e escuros pensamentos que a condenam. Mas aprendeu com as experiências passadas que isso é instante. Talvez não passe naquela hora, mas em algum momento passa. É sua única certeza e esperança. Sempre passa. E então, já é segunda. “Como foi seu fim de semana?”. “Foi bom!”. Até o próximo.

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Músicas da alma Lara Reis Já são 14h e estou atrasada. Saio de casa de pressa e não esqueço o meu fone (companheiro de todos os dias). Chego ao ponto de ônibus, para aguardá­lo, e enquanto ele (ônibus) não aponta, o meu primeiro lembrete é ir em meu aplicativo de música. Abro o Spotify e tento achar a melhor playlist para aquela tarde. Funk. Sertanejo. Pop. Esses são alguns dos estilos que eu vejo inicialmente e penso: “Acho que não é isso que quero ouvir, desejo algo mais profundo. Aquelas melodias que são capazes de despir toda minha al­ ma e meus pensamentos e minhas emoções”. Coloco o fone no celular e encontro a pasta desejada, a locomoção passa no mesmo instante. Entro no ônibus, com os fones na orelha, escolho o lugar mais aconchegante para ficar e me entregar aos sons. Com a primeira música, eu me desperto para o dia, não que eu já não esteja acor­ dada, mas é algo mais ligado a me acender sobre aquele dia. Os raios de felicidade entravam pela janela. Tudo indi­ cava que seria uma tarde maravilhosa. Logo passo para a segunda música (não tenho muita paciência para algumas), ela, cheia de enredos, me deixa imensamente feliz e disposta para a tarde de estudos, as

velhas terças­feiras. Um dia da semana que não gosto. Trata­se de uma matéria complicada, com um professor confuso. Aquela letra, juntamente com as batidas, causa em mim uma vontade profunda de viver eternamente e ter a oportunidade de ouvir até os finais dos dias. Sigo ouvindo as demais músicas e cada uma me desperta sentimentos e emoções di­ versas, daquelas que te faz suspirar. Enfim chego ao meu ponto e espero aquele ônibus parar. Vou em direção ao meu bloco, ouvin­ do os últimos minutos de música. Entro na sala e re­ tiro os fones. A música fica para mais tarde, agora preciso entrar no universo real e deixar de lado ouniverso paralelo dos sons. É só mais um daque­ les dias, rotineiros, que vivo e revivo. Ah, seria bom ou ruim essa monotonia semanal?! Não sei dizer, mas sei que viveria para sempre ouvindo músicas que incendeiam meu espírito e me enriquecem de esperanças.


"REUE" Laura Justino Sinto­me acolhida na casa dos meus avós paternos. Eles são vietnamitas que mudaram para o Brasil há quarenta e quatro anos, em busca de tranquilidade e tropicalidade. A história de como se apaixonaram já cansei de ouvir. Porém, o senhorzinho de 76 anos pouco me contou sobre sua vida no exército, mesmo que todos membros da família o reconheçam como um admirável soldado. Após nosso almoço, pedi ao meu avô que sentasse comigo na varanda e contasse sobre a guerra na qual ele participou. Logo, uma expressão inconformada tomou conta do rosto dele. Entretanto Duc Wang, trêmulo, tirou do bolso de seu paletó cinza um pedaço de papel amarelado e antigo, no qual estava escrito Reue. Em seus olhos castanhos, lágrimas começaram a escorrer. Mas respirou fundo e começou a contar. No início, os militares disseram­no apenas para carregar uma arma e, assim, receberia o pagamento. Por consequência, concordou com o novo estilo: as botas de couro lustradas, a cabeça raspada, as canções e juramentos durante o dia. Duc prometeu se tornar um herói de guerra. Rumo a esse sonho, foi mandado para a guerra do

Vietnã. Com o tempo, batalhar por sua nação o ufanava. Se necessário, ele iria com a bandeira de seu país para o túmulo a fim de defender os vietcongs. Contudo, Vietnã se encontrava em profundo caos, suportando a dicotomia entre comunistas ao norte e capitalistas ao sul. Portanto, o medo da morte assombrava os soldados e cidadãos. Em um ataque dos capitalistas contra uma base de vietcongs, meu avô se depara com uma criança a caminhar, sorrateiramente, entre os disparos das armas, em direção a sua base. Ele a pediu para ficar parada. Contudo, a menina não o obedeceu. Então, implorou­a para voltar, pois nenhum ser humano considerado inimigo poderia ser visto no território socialista, mesmo que se mostrasse inocente. Mas não funcionou: a pequena continuou a andar. Meu avô não viu outra escolha a não ser atirar na suposta ameaça. Assim o fez. As cápsulas de seu fuzil AK­47 saltaram em direção ao peito da criança, que caiu quando foi atingida. Naquele momento, havia sangue no chão e em volta do pequeno ser, que já não fazia mais parte do mundo dos vivos. Duc chegou perto do corpo, sua intenção era carregá­lo e enterrá­lo, pois não queria que seus

companheiros de guerra vissem e, em seguida, o julgassem. Foi quando percebeu que a menina carregava em suas costas uma bandeira branca. Ao me contar sobre seu disparo mais doloroso, meu avô, enfim, revelou o significado da palavra alemã escrita no papel que ele guarda no bolso desde o fim da guerra do Vietnã. Ao traduzir para o português, Reue significa remorso, o sentimento que mais o atingiu desde então. As medalhas de Duc e cicatrizes pelo corpo enchem a família de orgulho. Contudo, ele não se sentia como um herói: a bandeira que meu avô estendeu em seu criado­mudo não foi uma vermelha com uma estrela no centro, mas sim, a bandeira da paz que a menina carregava.


Ca os

La ura Luc a s F o nto ura

E ra qua rta ‐ f e ira , a c o rd o c o m f o rte s ba tid a s na p o rta d o me u qua rto . O l he i a ho ra , 7: 4 5 , s up e r a tra s a d a p a ra a ul a à s 8 : 00, v is to que mo ro d o o utro l a d o d a c id a d e . C o l o que i minha ro up a , e s c o v e i me us d e nte s e já e ntre i no c a rro . S o rte que nã o p re c is o d e ô nibus p a ra ir a té a f a c ul d a d e , ma s p a ra v o l ta r p re c is o , 8 : 25 e s to u d e ntro d a s a l a d e a ul a , tud o c o rria no rma l , nã o p e rd i na d a no s p rime iro s v inte e c inc o minuto s d e a ul a . U ma ma nhã tra nquil a , ris a d a c o m o s a mig o s , p a p o e m d ia , tud o d e ntro d o s c o nf o rme s . D e u 11: 30, ho ra d e ir p a ra c a s a . D e mo ro d e ntro d o ô nibus , no mínimo uma ho ra e me ia , a p re g uiç a e ra g ra nd e , ma s s e m o utra o p ç ã o . C a minhe i a té a e s ta ç ã o d e ô nibus e m f re nte a f a c ul d a d e , a g ua rd e i uns quinze minuto s a té que o p rime iro ô nibus , que me l e v a ria p a ra o Te rmina l C e ntra l , c he g a s s e . Tra ns p o rte c he io , tã o c he io que ne m c o ns e g uia me me x e r, a p e na s me a p o ia r p a ra nã o c a ir. A o c o l o c a r o s p é s no c hã o d o Te rmina l , p e rc e bi uma mo v ime nta ç ã o f o ra d o no rma l . D ua s c o is a s a c o nte c ia m a o me s mo te mp o . U ma mul he r p a s s o u ma l e o s bo mbe iro s e s ta v a m c he g a nd o , a o p a s s o que d o o utro l a d o tinha m a l g uns jo v e ns s e nd o p re s o s , nã o s o ube a o c e rto o p o rquê d a p ris ã o ne m o p o rquê d e a mo ç a te r p a s s a d o ma l . O d ia c o me ç o u a fi c a r e s tra nho . C he g ue i na p l a ta f o rma d o me u ô nibus e e s p e re i p o r uns trinta minuto s , já fi que i e s tre s s a d a . No rma l me nte d e mo ra quinze . Ô nibus c he g o u e l o g o já e nc he u, nã o c o ns e g ui l ug a r p a ra s e nta r, e p o r inc rív e l que p a re ç a , e s s e tra ns p o rte c o ns e g uiu fi c a r ma is c he io que o p rime iro . Po uc o s quil ô me tro s d e tra je to e p a ra mo s no me io d a rua , a p o l íc ia e s ta v a inte rd ita nd o a p a s s a g e m. Tinha um c a minhã o e no rme s ubind o na c o ntra mã o . To d o s o s p a s s a g e iro s já a g o nia d o s , c o me ç a ra m a re s mung a r, inc l us iv e e u. O mo to ris ta re s o l v e u d a r a v o l ta no qua rte irã o e p e g a r a rua p a ra l e l a a que e s tá v a mo s . A o d a r a v o l ta e l e te v e que c ruza r a rua que o c a minhã o e s ta v a s ubind o irre g ul a rme nte . Nã o e nte nd i p o rque d o mo to ris ta te r f e ito is s o . Pa ra mo s d e no v o . O c a minhã o e s ta v a ta mp a nd o o c ruza me nto . U m s o l e s c a l d a nte , c a l o r e c o nta to f ís ic o d e ntro d o ô nibus , c o m muita f o me e e s tre s s a d a . O d ia que e s ta v a ó timo , c o me ç o u a fi c a r p é s s imo . A o s a ir d o c ruza me nto , na p rime ira v o l ta que d e mo s , o p ne u e s to ura . Pa re c ia brinc a d e ira . Nã o e ra p o s s ív e l que p o d e ria a c o nte c e r ta nta c o is a a s s im e m um c urto e s p a ç o d e te mp o . To d o s d e s c e mo s p a ra o mo to ris ta tro c a r o p ne u. C o m is s o p a ra mo s o trâ ns ito , o que o c a s io no u e m um g ra nd e c o ng e s tio na me nto . E a c o nte c e um a c id e nte d e c a rro , ina c re d itá v e l , ma s s im, a c o nte c e u. O d ia p a re c ia um c a o s . Vo l ta mo s p a ra o ô nibus e o tra je to s e g uiu no rma l me nte . J á c o m 2 ho ra s d e a tra s o , s e m a l mo ç o e be m a fl ita . C he g ue i e m c a s a , nã o tinha ning ué m. F iz me u a l mo ç o e c o ns e g ui que ima r o a l ho d o a rro z. Re a l me nte o d ia e s ta v a e s tra nho , na d a d a v a c e rto . C o ns e g ui a l mo ç a r, f ui d e ita r e l o g o d e p o is iria f a ze r um tra ba l ho . Lig ue i me u c o mp uta d o r e te l a e s ta v a a zul , nã o s e i, ma s e u que ria s imp l e s me nte que o d ia a c a ba s s e l o g o . Nã o c o ns e g ui f a ze r o que tinha p a ra f a ze r. Re s o l v i a p e na s nã o f a ze r ma is na d a , a s s im nã o p o d e ria d a r e rra d o . E is s o e u fi z. E s s e f o i um d a que l e s d ia s que qua nd o v o c ê d e ita a no ite p a ra d o rmir, d á g ra ç a s a D e us que a c a bo u. Foto: Pixabay

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De sonho, em sonho, em sonho, sonho... Lorena Artemis

O medo é paralisante. Ele te faz desistir antes mesmo de começar, de duvidar do seu próprio potencial e da sua capacidade de conseguir, mas eu sempre sonhei, nunca tive medo de sonhar. Aos 7 anos, eu queria ser atriz, estar na tv, ser famosa. Eu sempre gostei de contos de fada e achava que poderia ser a branca de neve, maçã para mim? So vermelha e bem polida, pra ficar brilhante. Aos 10 anos, eu queria ser professora de história, era a minha matéria favorita (ainda continua sendo), sonhava em ser a professora legal e que seria a favorita dos alunos. Aos 14 anos eu descobri a publicidade, propaganda era legal, criativas e divertidas. Me lembro de ver o siri da Brahma e os pôneis malditos da Nissan. Aquilo sim era uma profissão legal, e de uma certa forma dá pra por história no meio. A partir daqui eu já tinha escolhido a minha profissão, eu seria publicitária, criativa, descolada, trabalharia com uma roupa legal em um ambiente divertido. Durante todo o meu ensino médio eu era a única que sabia a resposta para a pergunta “O que você quer ser quando crescer?”. Publicitária! Acabou o ensino médio. Eu entrei na melhor faculdade de comunicação da cidade, primeiro período, primeira DP ­ CRIAÇÃO. Como assim eu não sou criativa??? Eu sempre quis fazer isso. Aos 17 anos, eu não sabia que nem sempre você é bom em uma coisa só porque gosta daquilo. Labruna, o melhor professor que eu tive naquela época, aulas de português e projeto interdisciplinar. “Você escreve bem, tem uma boa construção de texto, já pensou em seguir jornalismo?” Jornalismo! Porque eu nunca pensei nisso antes? Eu vou escrever histórias, é disso que eu gosto! Mas eu era apaixonada pela minha faculdade! Deus me livre me mudar de lá! Eu vou continuar na Publicidade até ter Jornalismo aqui ­ foi que pensei. Mais um semestre de curso e todos os defeitos da publicidade apareceram, ela era fria, calculista, manipulava as pessoas, usavam seus pontos fracos para vender, vender e vender. Não quero mais, obrigada pela oportunidade. Voltei pra casa. “Mãe, eu quero fazer jornalismo aquele lugar não era para mim, preciso de algo mais humano.” Problemas, problemas, problemas. Falta de grana, mudanças. De rotina, de cidade, de estado. “Filha, você precisa seguir seus sonhos, não me seguir. Vai terminar a sua faculdade.” Aos 26 anos, eu quero ser jornalista. Me encontro em frente a uma tela em branco,escreve, apaga, escreve, apaga, escreve... Incapaz de contar a minha história, paralisada pelo medo de ouvir “Você não deveria estar aqui, se deixar na mão dela não vai sair nada, você não serve para fazer isso”. Mas é o meu sonho, eu nunca tive medo de sonhar. Sempre quis contar histórias, seja interpretando um personagem, seja contando a história real, ou contando a história de pessoas. Sonhos contam histórias. E é disso que somos feitos, de sonhos e de histórias.


À procura da felicidade? Lorena Roje

Sempre acreditei que ia ser feliz quando realizasse ou pudesse presenciar coisas incríveis. Eu pensava no quanto ia me emocionar vendo a muralha da China, aqueles tijolos e terra se erguendo imponentes ao longo de mais de 21 mil quilômetros. Pensava que ia encontrar a felicidade escondida em algum ponto turístico importante de uma grande viagem. Pensava também que ia experimentar a felicidade quando conseguisse aquele emprego com salário suficiente para comprar uma loja inteira de balinhas fini. Descobri, mais tarde, que as coisas não seriam exatamente do jeito que eu pensava. Em uma viagem de férias com a família, fomos até o Rio de Janeiro. Aquela calçada preta e branca de Ipanema, o vapor subindo do asfalto num dia de sol a 40ºC, as praias lotadas de gente e os vendedores ambulantes de água de côco e lembrancinhas da cidade litorânea. Não me levem a mal, não foi ingratidão que me fez achar que o Rio e sua imponente estátua art déco no topo do morro do Corcovado não tinham nada “demais”. Frustrada, quando me perguntavam do Rio eu me limitava a dizer “Nossa, muito bom, bem calor também né”. Alguns anos depois, com idade para traçar os meus próprios percursos, embarquei num mochilão rumo a algumas cidades mineiras. Na rota, Belo Horizonte, Ouro Preto, São João Del­Rei, Brumadinho e outras. Durante esses 15 dias de estrada, cruzamos o caminho de pessoas incríveis, passamos frio de bater os dentes, andamos muito, vimos muita arte de todos estilos; e no meio de tudo isso,conheci a felicidade. Conhecer a felicidade foi um momento único. Não foi nada relacionado às sete maravilhas do mundo, ou monumentos imponentes – também não foi nada turístico. Foi algo bem simples, na verdade. Numa noite fria, combinamos com algumas pessoas do hostel que eu estava hospedada de ir ao Festival de Inverno, naquele dia era show de rock. Uma mexicana tinha comprado um conhaque horrível. Na roda, eu conversava sobre política com um britânico em português e ele me respondia em inglês. Enquanto virávamos golinhos da bebida para esquentar o corpo, dois dos amigos brasileiros que fiz no hostel começaram a tocar um forró no ritmo do triângulo e tambor. Ouvindo a música, um grupo de amigos belga vieram até nós para somar um violão à nossa sinfonia desajeitada. Enquanto os brasileiros cantavam a decorada “Xote dos Milagres” em plenos pulmões e os demais cantarolavam no ritmo – todos com o corpo quente do pior conhaque do mercado – eu entendi o que, para mim, era felicidade – da mais pura e genuína.


Planejamento O despertador toca por volta das 6h10 da manhã. Este é apenas o Para realizar a descida do “busão”, é necessário transgredir uma primeiro de uma série de outros 10 alarmes que virão, no intuito de barreira com pessoas incontáveis à frente. A porta é avistada e, acordar e não se atrasar para o compromisso. rapidamente, por volta das 7h49, é pedido um Uber e a cordinha do busão é puxada, a parada do ônibus. A situação é: meu estágio começa às 8h. Para otimizar o tempo e evitar gastos extras com aplicativos de transporte, é realizada a A previsão de chegada no destino final, após solicitar o Uber é 7h59. checagem dos horários em que os ônibus passam perto de onde eu A felicidade é grande e a expectativa também. No entanto, enfim moro. chego na Avenida Rondon Pacheco. A grande beleza de ver todos os sinais com a cor verde me traz um conforto totalmente fugaz, afinal, Após checar os horários de todas as linhas, é localizado um ônibus uma pessoa solicita a travessia em uma faixa de pedestre. que sai de um ponto a seis ruas de casa por volta das 7h23. Ao sair, é realizada uma caminhada de seis minutos. O semáforo abre por volta das 7h57. Após atravessar a infinita Rondon Pacheco, é hora de entrar no Bairro Umuarama, destino final Desse jeito se inicia a espera do ônibus, que chega com sete da jornada. minutos de atraso. Da forma como foi feita a programação, um atraso leve era esperado, no entanto, a região das costas fica um A viagem perdura até 8h04. Na chegada ao destino, noto que o pouco tensa com a situação que pode gerar um retardo maior. pagamento não está no cartão e eu preciso procurar dinheiro em todos os cantos de minha bolsa para realizar o pagamento. O embarque no ônibus é feito, a taxa de R$ 4,30 é paga e agora o veículo está a caminho do destino final, a uma distância de 18 No fim, tudo dá certo. A emoção da aventura supre o fato de que, se pontos, que o aplicativo de ônibus calcula demorar 15 minutos para fosse solicitado um Uber 7h30 saindo da minha residência, eu realizar o trajeto. chegaria com 10 minutos de folga no local desejado e pagando apenas R$8,67. Em cada ponto é um momento de angústia, seja por passageiros novos entrando e te espremendo mais no pequeno espaço que Lucas Figueira havia, ou pelo desembarque de idosos, feitos com a menor pressa do mundo. Ao chegar no sétimo ponto e notar que já são 7h45, é tido que o tempo para a chegada não será o necessário, causando, assim, o atraso que é tão temido. O ônibus cruza a fronteira entre o Bairro Santa Mônica e o Bairro Tibery. Nota­ se que o local em que se está é totalmente desconhecido. A ideia para resolução total dos problemas é pegar um Uber. A essa altura, há um raciocínio de quanto será seu gasto total e se isso realmente valeria a pena. A taxa de viagem seria de R$ 7,56. Um alto valor, se somar com os R$ 4,30 gastos para ingressar no transporte coletivo. O arrependimento bate e há a desistência seguir naquele veículo que, em condições insalubres, seguia em uma velocidade de no máximo 30 km/h.


A senhora LYEGE EVANGELISTA

Era só mais um dia comum se não fosse pelo fato da minha avó chegar de viagem. A correria do dia a dia, milhões de trabalhos da faculdade, tempo apertado para se fazer uma porção de coisas não pude buscá­la na rodoviária. Entrei em um ônibus e fui sentido à minha faculdade, me sentei e me ajeitei no banco colocando meus fones de ouvido. Pela porta da frente, entra uma senhora que já deveria estar na casa dos oitenta anos, quase a mesma idade da minha avó, franzina e com uma bengala. Todos assentos destinado a idosos e gestantes no coletivo estavam ocupados por pessoas que não condiziam com eles. Nos dois da direita se sentou um casal de adolescentes com uniformes escolares e nos outros dois da esquerda se sentaram um homem com aspecto cansado e roupas sujas de tinta e uma mulher bem vestida lendo um livro. A senhora com a bengala entrou e olhou para todos os bancos do ônibus procurando um assento para se sentar. Fiquei observando por alguns segundos. O casal de adolescentes ignorou totalmente o fato da senhora estar de pé enquanto conversavam sobre uma matéria específica, o rapaz que aparentemente era um pintor, colocou seus fones de ouvidos e olhava fixamente para a tela de seu celular e a moça apenas continuou lendo seu livro tranquilamente, ignorando o fato de estar sentada num local destinado a idosa que aparentemente estava sem forças para completar o trajeto de pé. Me levantei e gritei: _ Senhora, sente­se aqui por favor! A senhora, com um sorriso no rosto, veio caminhando até o local do assento, tocou no meu braço e disse: _ Obrigada! Minha filha. Você é uma mocinha tão gentil! Disse ela se sentando e eu apenas sorri. O meu assento era comum, não estava destinado a ela, mas eu não podia simplesmente deixar aquela senhora ir o trajeto todo de pé. Continuei observando enquanto as pessoas continuavam seus trajetos tranquilamente. A senhora tocou meu braço e disse: _ Muito gentil da sua parte me ceder seu assento, todos os dias faço esse trajeto para ver minha filha e minha neta, eu sempre escuto murmúrios das pessoas falando coisas como “ela nem paga passagem, anda de graça, não vou levantar para ela não”. Fico feliz em encontrar alguém tão gentil como você. Para onde está indo? _ Para a faculdade _ eu disse olhando para o meu telefone, na tentativa de ler meu texto no caminho para antes da aula. _ A minha neta também faz faculdade, mas ela está sempre tão ocupada que quase nunca tem tempo para mim ou para a mãe. Ela disse com um semblante triste. _ É muito corrida mesmo a vida de uma universitária. _ Sim, eu entendo, mas sinto falta dela Gostaria que ela tivesse mais tempo para mim. As palavras daquela senhora me fizeram pensar um pouco em como a correria do dia a dia nos faz não ter tempo para as pessoas que amamos e que é necessário desacelerar um pouco. Meu ponto chegou, agradeci a senhora e me despedi dela. Naquele momento, eu a tinha cedido meu assento e ela me dito algo a reconsiderar.


Vida de Gato Priscila Faria Todos os dias ele mia às 5:30 da madrugada, acabou de voltar da rua, está com fome e sede. O bichano é tão esperto que só toma água corrente e come comida fresca. Acordo do meu sono mais profundo e gostoso, perambulando pela casa, mal enxergando o que está na minha frente. Primeiramente, coloco ração na sua vasilha vermelho bordô que fica na sala. Sento no sofá e tiro um cochilo, minutos depois ele me acorda miando novamente e a cada segundo que eu demore, ele mia ainda mais alto. E lá vou eu abrir a torneira da pia para o rei tomar sua água fresca. Espero, desligo a torneira e volto a dormir, às vezes ele me acorda novamente. Dia desses acordei às 6:30 da manhã e ainda faltavam 15 minutos para o meu despertador tocar para eu ir à faculdade. Eu estava angustiada, algo não estava certo. Ele ainda não havia miado para me acordar, andei pela casa, procurei em todos os cômodos e nada. Como eu tinha que sair, fui me arrumando e a medida que o tempo passava, ele não aparecia. Sai de casa às 7:30 com o coração apertado de preocupação. Cheguei na faculdade, mas não conseguia focar em nada. Percebi que meu dia não iria render nada na universidade, voltei na hora do almoço, primeira coisa que perguntei para a

minha mãe quando cheguei foi – CADÊ ELE? – E ela respondeu que ele ainda não havia chegado, mas que era para eu acalmar porque gatos são assim. Tudo bem. Tentei me distrair durante todo o dia, mas a noite chegou e ele ainda estava sumido. Decidi que era hora de ir atrás. Fui às ruas novamente, andei, andei, vi todos os gatos existentes no bairro, menos ele. Com a maior tristeza do mundo decido que não há mais nada o que fazer e decido voltar. Assim que abro o portão, minha mãe me grita – ELE VOLTOU, TÁ EM CIMA DO TELHADO. Entrei correndo, olho pra cima e lá estava ele, com aquela linda carinha rajada acinzentada e esperta miando sem parar. Sim ele faz isso quando volta dos passeios geralmente rápidos, avisando que chegou em casa. Onde ele esteve? Eu não faço ideia, mas sei que foi apenas mais um aprendizado, de que gatos vivem da maneira deles, não são como cachorros, são do mundo. Desde janeiro, quando o adotei, tem sido assim. A cada dia descubro uma novidade do maravilhoso mundo dos gatos. E quer saber? Eu to amando, não me arrependo, gatos são demais.

Foto: Priscila Faria


A dificuldade de uma mudança Era 2018. Um dia comum, fim de semana, a aprovação para estudar na universidade veio. Tudo mudou. Eu estava de mudança. Minha vida estava mudando. Pela primeira vez em 18 anos, fazendo a mala para uma viagem que duraria mais que duas se­ manas. Dessa vez, o destino não era a praia ou al­ gum outro país. Dessa vez, o pensamento em diversos detalhes era maior. Uma nova expectativa, uma nova perspectiva, uma vida nova! A distância dos pais, dos amigos, mas no pensamento de realização de um sonho. De con­ quistar novas coisas, de realmente mudar a minha vi­ da. Uma passagem que se mostrava importante para demonstrar um novo momento na vida de uma pes­ soa. O começo era difícil, a saudade era gigante. A minha nova casa, não me acolhia como a de antes. Mais trabalho, muito mais trabalhos de faculdade, ten­ tando pensar muito nos prós, mas em algumas vezes, juro, poucas, pensando em desistir, em voltar. Os no­ vos amigos apareciam, pessoas muito importantes para o resto de minha vida. Mas a mudança, a distân­ cia, a saudade, tudo isso ainda voltava. Em uma velocidade bem menor, a ficha demo­ rou pra cair. Numa daquelas tardes, que fazem parte da rotina, o caminho entre a faculdade e minha casa de repente ficou mais distante. No horizonte, os olhos viam até o fim da rua. Mas eu, enxergava bem mais do que os prédios e o movimento dos carros. Eu vi a cidade, eu vi que estava em Uberlândia, estando na rua do lar, eu via que estava longe de casa. Eu perce­ bi que ali era eu começando engatinhar, mesmo es­ tando de pé. Quase dois anos já se passaram, valeu a pe­ na? Acredito que sim! Foi importante o começo de uma construção de uma vida independente. De minha vida. Hoje, no trabalho, na universidade, ou em casa, os pensamentos na família, nos amigos e no conforto ainda permanecem. Mas a mudança, a distância, tal­ vez já não sejam mais o problema. É 2019, um dia comum, quase fim de semana. Tudo muda, tudo passa. Saudade! Felicidade! O meu futuro. SOPHIA ASSUNÇÃO


AMORES


FUGA DIÁRIA BEATRIZ EVARISTO

Era manhã, o sol já brilhava no céu. Deitada na cama conseguia sentir os raios solares que passavam pela frestinha da janela e atingiam minha pele morena. A única peça de roupa que cobria meu corpo era uma blusa masculina, que pegará da gaveta dele. Ao meu lado, um homem. Olhava para ele dormindo em um sono profundo e gostoso, a feição do seu rosto expressava serenidade. Havia algo ali me fazia querer descobrir cada enigma. Nem me dei conta, mas os ponteiros do relógio já marcavam 10h40. Precisava levantar e começar a produzir algo dos milhares de afazeres que tinha para aquele dia. Não encontrava vontade. Me veio na memória a noite passada, de longe fora uma das melhores de minha vida. Estávamos sentados na sacada do meu apartamento. Bebíamos cerveja. Admiramos a paisagem. Era possível ver uma floresta construída pelo homem. Conversamos sobre a vida, sobre a sociedade e outros assuntos aleatórios. Ele ri. A risada mais sincera, gostosa e linda que eu já havia visto. Meus olhos capturam aquele momento e o guardaram na memória. Após longos beijos molhados, que tinham gosto de urgência, fomos para meu quarto. Ele me despiu. Olhou nos meus olhos… começou a percorrer toda a minha estrutura com a boca. Beijava cada centímetro... cada curva… cada imperfeição do meu corpo... sem ao menos questionar. Eu sentia o desejo dele e, ainda mais, o meu. Queria ter ele, colando sua pele em mim. Quando percebo, ele já está próximo, cara a cara. Nu. Fizemos uma das mais prazerosas formas de amor. Ele me segurava com precisão. Seus olhos sempre buscando o meu olhar. Havia muito mais que tesão, um sentimento inexplicável. Eu sentia. Muito. Quando acabamos, deitei no peito dele e senti um coração batendo em ritmo extremamente acelerado. Olhando para ele pude ver que estava com a feição relaxada e tranquila, e, mais uma vez, meus olhos capturaram aquele momento para guardar. Meus pensamentos foram embora quando ele começou a se mexer, me envolveu em seus braços, me trouxe a realidade. Meio sonolento pergunta que horas são. 10h50, respondo. Me abraçou mais forte. O sentimento que toma conta de mim é de paz. Finalmente sei quem eu sou, o que eu quero e, essencialmente, com quem quero compartilhar minhas experiências. Ele me olha, me dá um beijo de canto de boca e reafirma o que eu já sei. Ele me ama.


Você vai se casar? Bruna Vitória

Seis anos....o que são seis anos pra você? Para muitos é uma vida, para outros são apenas seis anos, e para mim são os seis anos em que amo profundamente aquele homem. Lá se vão são seis anos de tortura. Tortura por não viver o meu amor, por sofrer por ele, por dedicar tanto tempo a uma pessoa, que só queria brincar com os meus sentimentos. 2014, ano de muitos acontecimentos tristes, perdas irreparáveis, mas também o ano que eu conheci ele, o grande amor da minha vida. Toda aquela euforia, aquele amor de adolescência no ar, me fazia amá­lo cada vez mais, ele conseguia preencher o vazio que vivia dentro de mim há muitos anos, e eu só conseguia pensar que ele era o grande amor da minha vida e que iríamos nos casar. Começamos a ficar, nisso se passaram 8 meses até que ele me pediu em namoro e assim tudo acontecendo de uma forma muito louca e ao mesmo tempo muito incrível. Que pena! Durou só 3 meses, mais por quê? Por que eu não podia me casar com ele e ter meus dois filhos? Enfim foram 3 meses intensos o qual eu amei, mas acabou, e agora? Desistir? Lógico que não, vamos lutar garota, não esqueça que ele é seu grande amor e vocês vão se casar algum dia. Lutamos uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete vezes, até que chega um ponto que cansamos, cansamos de ser humilhada, de só eu querer isso, querer ter essa relação. Foram anos de luta. É melhor desistir, ele não quer você, aceita isso garota, acabou. Mas espera, o que é isso? Uma mensagem dele? Por que agora que eu desisto ele vem atrás? não entendo e tudo muito complicado, mais também o que importa né, ele veio atrás e só isso basta para mim. Se vou aceitar ele é claro que vou, ele e o meu grande amor, aliás vamos nos casar lembra? Enfim, agora sim ele me quer e eu quero ele, nada mais importa, vamos ficar juntos para sempre....ou não. A vida nos prega tantas peças que fica até difícil entender, ele não quer mais, novamente, mas não consigo compreender porque ele é tão confuso dos seus sentimentos, ele sabe o que quer, mais ao mesmo tempo ele quer tantas coisas, e acaba não sabendo de fato o que quer. Está difícil viu, agora eu cansei de vez, se ele não quer eu também não vou querer, e o jeito é aceitar que não vamos nos casar. O tempo passa e eu conheço uma nova pessoa, bacana, inteligente,

e que gosta de mim de verdade, bom apesar do meu coração ainda ser do outro, não custa nada dar uma chance para um novo amor. Mais e sempre aquela ne, se ele voltar pedindo para ficar comigo eu não vou pensar duas vezes. Três meses de namoro com essa outra pessoa, e do nada vem o choque, ele começou a namorar, não dava para acreditar que isso estava acontecendo, pensa o quanto eu chorei, chorei muito, agora sim tudo parecia perdido. Acabou, nunca vou me casar com ele. O tempo passou e passou, mais exatamente 2 anos e eu ali firme com o outro namoro, mais nunca deixando de dar aquela olhada nas redes sociais dele. Depois dessa grande desilusão percebi que nem tudo na vida é para sempre, assim foi esse meu namoro, acabou, não dava mais para continuar, a gente estava só “empurrando com a barriga”. Era melhor terminar mesmo. Terminamos e para minha surpresa ele também, adivinha só com quem ele veio conversar, isso mesmo comigo. Voltamos a nos falar e ficar novamente, e parece que dessa vez vai dar certo, sabe por quê? Porque vamos nos casar. Nesse rala e enrola se passaram dois meses, até que resolvi ser firme com ele, queria namorar, queria algo sério, pois o amava de mais para continuar “só ficando”. E aí vamos namorar sério? Adivinhem só, ele não quis, disse que na cidade que ele morava ele tinha outras garotas também e queria todas, apesar de gostar muito de mim. Cara de pau ele ne?!! Desse jeito eu não queria, eu queria ele só para mim, não quero dividir com ninguém. Mais tudo bem, não vamos nos casar, acabou mais uma vez. E nesse acabou, acabou mesmo, nunca mais nos falamos, não sei como anda sua vida e nem o que está fazendo e o que me resta é só a saudade E tão estranho pois sei que no fundo ele me ama, pode parecer loucura, mais sei que me ama, suas atitudes, a forma como tudo aconteceu nesses seis anos, foi tudo muito intenso, mais ele ainda e muito imaturo pra entender o que é o amor e compreender que o que ele sente por mim é amor. Infelizmente quando ele perceber isso, já vai ser tarde demais, ainda não é, pois, o meu coração ainda bate por ele, mais um dia vai ser tarde e ai ele vai sofrer o tanto que eu sofri e ainda sofro. A conclusão disso tudo é que não vamos nos casar, eu nunca mais vou me casar com ninguém.


DEITADOS o mundo era

NÓS

dois

EMERSON SOARES

Fones de ouvido na última escala, uma garrafa na mão. Ando pelo asfalto, encontro meus amigos logo do outro lado da rua. Andam apressados e não me enxergam. Eu os vigio à distância, e acelero os passos para poder acompanhá­los. Alucinado, naquele trajeto sentia somente os efeitos da bebida e as batidas na cabeça de quem não quer saber do mundo. Interrupção. Alguém me cutuca os braços, meio abruptamente. Olho para trás, meio confuso e despreparado. ‘Aonde você vai com tanta pressa?’, pergunta, com um sorriso meio riso e meio bobo de quem ri do meu espanto. Não estava preparado para vê­ lo. ‘Não estava preparado’, digo a ele, enquanto ando junto para dentro de um estabelecimento. Banheiro. Fiquei apertado um pouco, de repente, e decido ir ao banheiro. Há uma pequena fila. Uma pessoa à distância da cabine é o intervalo de tempo suficiente para que eu cogite beijá­lo e realmente o faça. Ele envolve suas mãos ao redor do meu corpo e responde na mesma medida. Depois, beija minha bochecha. Sorvete. Ele pede sorvete, enquanto eu me mantenho alucinado na calçada, olhando de um lado para o outro a agitação ao qual eu já era acostumado, e que quando bêbado ganhava maiores dimensões. Enquanto faz o pedido, ele me olha. Nunca esqueço do olhar. Me envolve profundamente com um olhar de ternura, talvez de paixão. Não esqueço do olhar.

Despedida. Passamos aquela noite juntos, nos beijamos com as pernas entrelaçadas sentados na calçada, eu alucinado, ele exausto. ‘Gosto de você, tipo muito’, eu digo, sem controle das minhas palavras e convicto delas. Ele me beija e os beijos parecem durar infinitamente, mas ele logo parte. Passo o resto da noite pensando. No olhar. Nos beijos. Sexo. A vida nos une de formas muito aleatórias e inesperadas. E detesto a sensação de falta de controle. O aleatório me atinge quando eu menos espero, me faz sentir coisas boas, e passo a querer que o aleatório se torne rotina. Ele me chama para dormirmos juntos. De novo, o olhar. Deitados, o mundo era nós dois. Eu olho direto nos olhos dele. Ele olha diretamente nos meus. Afetuoso e carnal, tudo na mesma tempestade de silêncio. Nossos corpos se encaixam, e logo me vejo em cima dele. Nossas excitações estão todas à flor da pele. Blusa, short, cueca. Tudo vai embora. Viajamos por todos os lugares: coxa, lábios, pescoço, braços, axilas, íntimos. Toque no cabelo. Língua no pescoço. Mãos no peitoral. O olhar, sempre muito presente. Ele mergulha nas minhas profundidades. Eu nas dele. Sono. Dormimos juntos, e ‘só vou me deitar um pouquinho com você’. Logo ele também cai no sono. De manhã, ele confunde, de um jeito fofo, o toque do meu dedo com algum inseto ou bixinho que estivesse passeando pelo seu rosto, e por isso dá uma leve coçada. Vou embora. As saudades não vão. Mensagem. ‘Tô com saudades’, eu disse. Mal tive resposta. Não sei quando o verei de novo. Duvido pouco que, na próxima vez, não estarei alucinado novamente. Só espero não estar com tanta pressa. ARTE DOS ROSTOS DA COLAGEM: REP/ https://www.pinterest.com.au/pin/ 564005553315441036/


AMO RES CRO CRO NICOS NICOS

Andando pelas ruas do centro, observando a correria das pessoas, me lembrei dos casos que ouvi no ônibus que tomei certa vez fazendo meu trajeto para a grande SP: “Hoje em dia ninguém quer saber de amar, Lena”, dizia uma mulher que ao decorrer da história descobri que tinha levado um pé na bunda. Sua história era gozada. O gajo havia abandonado a moça, sem aviso prévio, para se mudar pro Nordeste. “É a correria da vida”, respondia a dita Lena, a quem a desconhecida se dirigia.

Observando o vai e vem das pessoas ­ o que me remeteu à essa história ­ eu tive a epifania de também me lembrar que essa correria já minou muitos casos de amor ao meu redor. Luíza que amava Álvaro trocou todos seus amigos e compromissos pelas loucuras noturnas de Álvaro, que num impasse entre amar Luíza ou Geovana, acabou sozinho no Rio Grande do Sul. Luciano se casou com João Pedro ainda na faculdade, mas separados pelo diploma, João Pedro hoje programa

(ou mal curados)

LUCAS RIBEIRO

games nos Estados Unidos ­ Washington, mais precisamente ­ enquanto Luciano chora a mágoa de deixar seu amor partir em troco da realização profissional de JP. Bruna ainda teme não superar Roberto, um caso de verão, fruto das férias em Salvador. Enquanto isso, Juliana e Bianca cobram dívidas da antiga casa que foi o lar da história de amor sapatônica de duas jovens com ascendente em Peixes. Histórias que vêm e que vão com o passar dos carros e transeuntes pela João Pinheiro

Pinheiro em contrapartida com a Santos Dummont, onde mais corações ficam estirados no asfalto ou pichados nas paredes dos prédios. A correria consome os sonhos dos amantes, dos viúvos e das crianças. A ambição individual encurta o tempo dos casais, dos solteiros e acelera os flertes nos bares. O amor está líquido. E escorre pelos bueiros das metrópoles. E as histórias deste interlocutor? Teria ele amado ou só sonhado e se entretido com as emoções alheias? Saiba que o coração deste que vos fala bate. Ora lento, ora acelerado, ora bolas, ele está vivo!!!


Eu amo ele. Ele me ama. A gente se ama. O problema é que ele ainda não se ama. Quem sou eu? Quem é ele? Eu vou te contar. Mesmo que você não queira ou que não esteja nem ligando. Eu mesmo já não sei se ligo mais. Na verdade, talvez eu possa até ligar para ele sim [risos]. Ligo, atendo, ouço, vou até onde ele estiver e faço o que ele quiser. Não. Espera. Concentra. Eu vou superar. Antes de tudo ele precisa se amar. Eu tô aqui tentando escrever algo que no final vou chamar de crônica, mas que na verdade, bem lá do fundo do meu coração e das pontas dos meus dedos, isso não é mais que um desabafo em formato literário. Praticamente um diário de um adolescente, que assim... não quero que fique dentro de uma gaveta, entende? Independente se você, que está agora passando seus olhos por essas palavras, for ou não parecido comigo ou com ele, por favor, leia, reflita e se ame. Natural do interior de Minas Gerais, daqueles que falam o “uai” bem marcado, eu cresci aprendendo como amar e ser amado. Mamãe me ensinou e nunca deixou de me amar. Meu pai? Bom, ele eu não sei se fez tanta falta, mamãe deu conta do recado. E como deu. Ela não ligava para o jeito que eu andava, como brincava, falava ou me vestia. Ela simplesmente me amava. Foi nesse reflexo que eu passei a me amar. E me amo mais ainda por poder ser eu assim por aí, deixando livre para quem gostar ou não. Amado, é tudo de bom, viu?­ O problema é que eu sou tão cheio de amor que quero transbordar esse amor em alguém. Eu achei um alguém, ele quer, mas não quer. Ele é lindo. Aquele cabelo castanho, de comprimento médio e ondulado é maravilhoso. Uma pele morena linda. A barba, hum... A barba bem cheia e na régua. Os olhos podiam ser comuns na cor, mas no brilho não eram. Era perfeito demais. Um olhar doce, mais doce que a misturar açúcar com leite condensado. Tem mais. Para coroar essa beleza toda, daquele rosto lindo, um par de óculos de grau só para dar aquele ar sofisticado e fofo ao mesmo tempo. Vou ficar só por aqui mesmo, nas definições físicas do rosto dele.

Primeiro se amar para amar Matheus Borsato

Se falar o resto e, ainda, as qualidades pessoais, vamos ficar eu e você sofrendo de amor. Calma. Concentra. Eu vou superar. Antes de tudo ele precisa se amar. Nós nos damos muito bem. Conversamos pessoalmente, trocamos mensagens, saímos algumas vezes e outras ficamos juntos em casa. Entreguei a ele todo o meu amor e também recebi de volta. Achei que tudo ia se encaminhar aos poucos e logo seríamos um casal, mas não foi bem assim. Eu, sou um jovem adulto LGBT+ e me assumo. Sempre me assumi. Estou me aventurando nessa história que chamam de vida e estou por aí a estudar longe de casa, correndo atrás dos meus sonhos do jeito que sou. Ele, ele também é como eu. Um forasteiro nessa cidade, é da comunidade LGBT+ e está aqui em busca de alcançar seus objetivos. Nos apaixonamos e fomos nos entregando, mas na hora de darmos um passo juntos pela primeira vez ele ficou para trás. Ele ainda não se assumiu por inteiro. Tem medo de assumir o nosso amor para a sociedade. Aí fica nesse dilema: eu amo ele, ele me ama, a gente se ama, mas o problema é que ele ainda não se ama. Quer dizer, ele ainda não está preparado para se entregar por inteiro, sem medo do que os outros vão dizer ou pensar, infelizmente ele ainda não consegue encarar a sociedade e me assumir de verdade. Eu não posso culpá­lo, afinal nem todos são iguais e alguns demoram mais para entender o que realmente sentem. Por um lado, algo me diz que eu também não estou preparado para viver em um relacionamento onde preciso me esconder e jamais demonstrar afeto perto de outras pessoas, e que eu não nasci para viver em um caverna, mesmo que seja com o amor da minha vida. Mas por outro, essa voz também me diz para não desistir dele, para esperar o momento que ele vai se sentir liberto dessa opressão, o momento que ele vai largar todo esse temor de lado e correr para os meus braços sem medo de ser feliz, sem medo de se amar por completo, ao ponto de não ligar para a opinião de ninguém, ao ponto de viver o nosso amor intensamente. Qual voz eu devo ouvir? Devo esperar ele se amar para me amar ou devo me libertar? Eu amo ele. Ele me ama. A gente se ama. O problema é que ele ainda não se ama.


Meu amado

Desconhecido Matheus Rabelo

Você me faz questionar minha moral e meus valores. Seja na fila do RU ou quando estou comendo, como nesse exato momento. Por cima do formigueiro de cabeças, lá está você do outro lado do recinto espaçoso. Com seus amigos, com a sua camiseta desbotada, mas que, estranhamente, cai super bem em você. Eu poderia te contar todas as histórias que criei na minha cabeça — isso mesmo, sou um dos que amam viajar em ideias —, mas não consigo me focar nelas no momento. Você tem esse efeito em mim. O efeito conflitante de questionar se gosto de você por causa da sua aparência ou… Outra coisa. O ponto é que não quero te reduzir a algo superficial, mesmo me questionando se há, de fato, algo além disso. Quero acreditar que sim. Então, vamos lá. Eu lembro de quando te vi e a sua beleza foi o que me chamou a atenção, confesso. Porém, com os olhos grudados em você, pequenas coisas dos nossos pequenos encontros indiretos começaram a se sobressair. A forma que a silhueta da sua face o faz parecer uma antiga escultura grega. Seus cabelos levemente despenteados… Ah, pera, tô falando da aparência de novo. Perdão, começarei novamente. Você parece ser inteligente e todo engajado nas lutas pelo o que acredita. Pasme: eu tenho uma atração por isso. Às vezes, imagino eu e você juntinhos andando pela faculdade e pegando meus amigos de surpresa ao nos ver. Você é doce, especial e me ama. Bem, pelo menos na minha

história. Nela, você sempre diz que me ama e eu me sinto amado. Sou inseguro, não sei se sabe, mas lá você me tranquiliza. Ah, melhor eu desviar os olhos agora. Não quero que ache que sou mais um doido no RU. Talvez, eu seja, parando pra pensar agora. Como posso me sentir nas nuvens por alguém que eu mal conheço? Não posso excluir a possibilidade de que tudo isso seja algo superficial com uma pitada de carência, mas… Não faz mal a ninguém, né? Fora que ainda pode ser aquele lance de energias, Universo ou qualquer outra coisa que a nossa ciência não entenda. Então, no campo metafísico e etéreo, eu não sou um estranho por querer ter algo com alguém que nunca conversei. Sou apenas alguém que foi influenciado por forças externas. De qualquer forma, é estranho eu me imaginar com você porque eu nem te conheço. Não faz sentido. Sei que criei uma visão sua em minha cabeça, mas eu tô ciente que essa sua versão que me conquistou é construída em achismos e que tudo isso é apenas ficção. Sim, apenas isso. Uma das boas, diga­se de passagem. O ponto é: você me instiga. Será que a gente daria certo juntos? Quem é você? Ah, não! Ele entrou aqui. Me perdoe, meu doce Desconhecido. Meu outro Desconhecido chama minha atenção.


Camiseta Azul TÚLIO DANIEL

Sabe esses domingos em que você acorda cedo, mesmo cansado, esfrega os olhos, faz um café e chega na sacada para olhar o dia que já amanheceu ensolarado sem nenhuma nuvem no céu? Hoje foi assim. Mas ali do outro lado, logo à minha frente no andar de cima do prédio vizinho tinha uma moça sorridente do cabelo curto e assimétrico estendendo uma camiseta azul no varal. Nunca havia visto ela antes. Meus olhos fitados não conseguiram sair do seu rosto, e então aconteceu aquela situação constrangedora dos olhares cruzarem e a alma voltar para o corpo. Dei as costas e voltei pra dentro dando um sorriso envergonhado. Muita gente não acredita em amor à primeira vista, mas eu acho que o amor não aparece depois, com o tempo. Ele já está ali o tempo todo, dentro de mim, de você, dela. Ele só precisa cruzar com o amor de outra pessoa, assim como nossos olhos cruzam com os de outras pessoas centenas de vezes ao dia. É na janela do ônibus, na poltrona do avião, na saída da padaria, na fila da lotérica, na caminhada do parque, no carro que parou do meu lado no sinal, sempre tem alguém trocando olhares com outro alguém. Nós nunca sabemos de onde a pessoa veio, pra onde ela vai, sua história, seu nome.... Mas sabemos que por um segundo nos conectamos, pode ser que nunca mais a veja, mas penso ‘e se…’. E se eu segurasse seu braço? E se eu desse um sorriso? E se eu falasse um bom dia? Talvez ela pararia e contaria sobre a vaga de emprego que acabou de conseguir, sobre o sobrinho que nasceu, sobre seu time que perdeu o campeonato, sobre a mãe que veio lhe visitar, sobre a promoção do supermercado, sobre o que aconteceu na novela. E dali tomaríamos um chá e mais tarde veríamos um filme em casa. Ou talvez ela simplesmente ignoraria e continuaria andando para poder pegar a loja aberta ou o metrô que está para passar. A vida é cheia de encontros e desencontros, de infinitas histórias que conhecemos e que desconhecemos. Ela está cheia de pessoas que com um olhar se apaixonam e constroem suas vidas, e por pessoas que com um olhar continuam suas rotinas apenas idealizando o ‘e se…’, sem tentarem fazer com que aquele amor que apenas precisa cruzar com o amor de outra pessoa aconteça. Sabe esses domingos em que você acorda cedo, mesmo cansada, esfrega os olhos, lava as roupas e chega na sacada para estender aquela simples camiseta azul suja do dia de trás? Hoje foi assim. Mas ali do outro lado, logo à minha frente no andar de baixo do prédio vizinho tinha um moço tranquilo do cabelo escuro e ondulado tomando um café. Nunca havia visto ele antes. Meus olhos disfarçados não conseguiram sair do seu rosto, e então aconteceu aquela situação constrangedora dos olhares cruzarem e a alma voltar para o corpo. Dei as costas e voltei pra dentro dando um sorriso envergonhada.


REFLEXÕES


Gritos silenciados Allana Luiza de Lima

Muitos já nascem com a missão de iniciar a sua carreira acadêmica aos dezoito anos. Alguns já são criados para serem médicos, engenheiros ou advogados. Outros devem ao menos iniciar uma graduação qualquer. E assim, o destino de um jovem já foi todo planejado, para honrar o famoso “ser alguém na vida”. Os pais se preocupam com as finanças, fazem poupança e guardam cada centavo para esse sonho que é só deles, dizem abdicar de aventuras da sua vida adulta por isso. Criando os seus filhos sem decisão de escolha e dependentes. A saúde mental já foi esquecida. Nessa fase, as emoções devem ser colocadas em uma caixa, onde as vontades e os próprios sonhos são deixados de lado. Na bagagem, só se permite levar a força e a coragem. Ensinando essa geração a sofrerem calados com a pressão da vida, onde frases como “Grandes líderes são formados sobre grandes pressões” oprimem quem decide se expressar. E então, com seus dezessete anos, esperam a confirmação que todas as viagens de família que foram canceladas pelo seu futuro valeram a pena. Fazem­te crer que quando deixou de estar com quem você ama, foi um sacrifício certeiro. Querem que você se mude, vá para outro estado, mesmo menor de idade se preciso for, para mostrar que perder os últimos suspiros do seu ente querido faz parte dessa vida de adulto. Não respeitam o tempo de cada ser humano e os levam até uma sociedade jovem e doente. A realidade dentro dos muros da faculdade é essa. Angústia de quem tem como obrigação voltar para casa com um diploma na mão, custe o que custar. Onde os planos para um bom futuro anulam as oportunidades de viver o hoje. Um amanhã, que mesmo com esforço, continua a ser incerto, seja em relação a sua chegada até a atuação na área. Escutando a todo o momento que desejar voltar para casa ou para as suas raízes é fraqueza e retrocesso. E é nesse cenário com jovens mentalmente doentes, que decidem começar os estudos sobre as mudanças sociais, individualização e o sofrimento psíquico entre os universitários brasileiros. Uma das faculdades mais almejadas dessa geração, a Universidade de São Paulo, é quem toma essa iniciativa. Depois de muitos anos de sofrimento, alguém decide olhar para nós. Decidi retratar o alto preço de estar dentro de uma Instituição de Ensino Superior. Afinal, o aluno que muda toda a sua vida está pagando o seu curso com a sua saúde física e mental, não é só aflição de controlar o dinheiro para ter o que comer até o dia 30 do mês. E então uma caminhada para transformar a vida dos descendentes deste século, se inicia. Um passo para quebrar o receio que se tem em falar de depressão e doenças que vem de dentro, e são julgadas como de menor importância. A libertação de uma mente doentia e frustrada começa a aparecer. E só assim os silêncios enlouquecedores se tornarão quietos, ao serem solucionados e expostos de fato.


Entre comidas, condições e reflexões Barbara Jannini A aula de quinta­feira da faculdade havia acabado. Ao saírem pelo portão com o fim da tarde, as duas amigas caminharam até o mercadinho mais próximo para comprar leite condensado e batata palha. O brigadeiro para o bolo e a batata para o strogonoff já estavam garantidos. Depois da merceariazinha, andaram dois quarteirões até a casa de uma delas. Tudo no bairro universitário era muito próximo.

Três escadas até o segundo andar, foram recebidas pelo rostinho espantado da gata branca que espionava na janela. As meninas colocaram as compras na mesa, sentaram no sofá e ativaram a playlist na caixinha de som. Ficaram conversando até escurecer e até que a fome de janta começasse a apontar no estômago. Ao passo que uma fazia o bolo de chocolate, a outra preparava o jantar.

Enquanto esperavam o tempo de os alimentos ficarem prontos, conversaram sobre milhares de assuntos. Um deles foi sobre como o treinador do time feminino de futsal de uma das atléticas da faculdade tratava as jogadoras. Todos aqueles que o conheciam já sabiam que ele diminuía as meninas durante os jogos e treinos, e que os elogios feitos por ele, na verdade, eram assédios. Elas não eram elogiadas por suas habilidades dentro de quadra, mas tinham suas características físicas mencionadas por ele. Para ambas as amigas, era estranho pensar que, mesmo com o passar dos séculos, a condição social da mulher é péssima em vários aspectos. A conversa foi interrompida pelo cheiro que a comida pronta exalava. Deixaram o bolo esfriando e prepararam o prato para o strogonoff. Comeram e repetiram. Esperaram um pouco para a sobremesa. Já morno, cortaram o bolo. Os bolos eram quase tradição no apartamento quando surgia uma brecha no tempo da faculdade.

Seguidamente, o celular de uma das garotas tocava. Era o pai dela que ligava. Entre as perguntas sobre novidades e “tudo bem por aí? ”, ele questiona onde ela estava. Após receber a resposta de que a filha não estava em casa, ele solta: “não volta tarde e nem dá sorte para o azar, hein?!”.

Passados 40 minutos, uma das jovens se despede, desce as escadas e anda dois quarteirões até o apartamento dela. Tudo era mesmo muito perto. No caminho, um carro branco, dirigido por um homem branco pára. Ele diz: “Onde você vai, moça? ”. Ela passa por trás do carro, atravessando a rua. Ele conclui: “É perigoso andar essa hora sozinha”. Abrindo o portão do prédio, ela pensava sobre como o treinador, a fala do pai e o homem do carro se conectavam naquele dia. A figura feminina permanece sem direitos, sem segurança, sem respeito. A mulher ainda é vítima de uma sociedade machista e sexista. Isso tudo porque, em um único dia, o treinador era machista, a maioria dos homens a culpariam pelo horário em que andava na rua, assim como o pai, e o homem do carro, por sua vez, agia como se pudesse usufruir da mulher quando bem entendesse. Mas é claro, a solução era não dar bobeira para o azar!


A surpresa de uma ligação BETINA SCARAMUSSA Na Bíblia existem passagens que falam sobre ciclo da vida. O tempo da plantação, da colheita e dos frutos. O livro de Eclesiastes é um exemplo. No discurso dos pais, a espera é a melhor opção. Para a vida de uma universitária, o tempo das coisas não seguem o divino e nem o familiar. No contexto estudantil, nos primeiros períodos as aulas e matérias vão se satisfazendo. Contudo, quando a faculdade vai passando, você percebe que está crescendo. Aquilo que era “ser adulta” toma conta das decisões e escolhas. Optamos por economizar, dividir a marmita e andar a pé. No momento que chegamos em casa, diante dos problemas e crises familiares, nos damos conta do tamanho da responsabilidade. A mistura das obrigações e confusões geram o aceleramento das situações. Sentada na sala em um dia cansativo, olhei ao redor e parecia que todos conseguiam algo, e a sensação do “isso só acontece comigo” reforçava, ainda mais, a aflição. Não que a felicidade deles me incomodavam, mas era como se o papel dos problemas caísse somente no meu colo. Depois de quatro horas de aula, começou a rotina da tarde. Mais quatro horas estudando.

Lá se foi mais uma jornada, e os pensamentos continuavam ao redor da cabeça. Chegando em casa, o início do debate com a voz da experiência de mais de metade de uma década. —Tudo acontece com todo mundo, menos comigo, mãe. Namora, trabalha, vive e se diverte. Enquanto eu continuava a reclamar, a voz da sabedoria falou mais alto: — Filha, tudo na vida tem um tempo! Cada um é cada um. O que é seu está guardado. Óbvio que não acreditei. Quem acredita? De duas, uma: ou ela está tentando me acalmar, ou esse discurso é conversa de autoajuda. As falas continuam e, de um lado, as reclamações não param. “O fulano e o ciclano vivem felizes, já eu...”. —Minha filha, você precisa aprender a separar as coisas. Estava cansada, a conversa encerrou, menos a sensação. 15 de agosto de 2019. 9:30 da manhã. O telefone toca. Em pensamentos, eu dizia “quem é esse número me ligando agora?” —Você fez uma prova recentemente para estagiar aqui, ainda tem interesse na vaga?

Nesse momento a ficha caiu. Eu que vivia reclamando, parou para agradecer quando menos esperava. É nesse instante que começa tudo. Apressamos demais as coisas, queremos viver intensamente cada momento, sem passar por frustrações, esperas e angústias. A tal era do controle de tudo e de todos. A cultura do mais enriquecedor: aquele que detém, ganha, né? Errado. O manual da vida não precisa de lucros e nem de comandos, ele necessita de felicidade e espera. O ensinamento de vivenciar um dia de cada vez, vai além de qualquer correria. A graça de ser alegre tendo pouco ou muito é o verdadeiro sentido da vida. Para conseguir realizar isso, é importante um mandamento: que a alegria esteje em mim e em você.Porque procurar em alguém, algo que tenho de sobra? Respeite cada momento da trajetória. A charada da vida está justamente naquilo que menos se espera. Se eu soubesse, — que uma ligação—, iria me fazer aprender tanto, tiraria meu celular do silencioso.


MAIS UMA TERÇA­FEIRA CAIO COUTINHO

Mais uma tarde de aula com uma disciplina que não sei do que se trata. Mais uma terça­feira. Após um fim de semana sem muitas coisas pra contar, só com a mesma rotina de sempre. Fazer faculdade em uma cidade diferente em que a sua família mora se mostra a tarefa mais difícil de todas no meio de todos os trabalhos que o curso te propõe. Esqueço os remédios, priorizo a fumaça. A ansiedade não me deixa de lado nem por um segundo e a causa disso eu sei, mas prefiro esconder de mim mesmo. São as ânsias por viver uma vida que eu não deveria estar vivendo. Assim, desconto toda a minha vontade de fazer algo a respeito e faço todos os trabalhos da faculdade antes do prazo, menos essa crônica. Penso nos amigos, penso na família e nos amores. São momentos de reflexão no meio de uma aula de terça­feira que me levam a tomar atitude quanto aquilo que acho que está errado no mundo. E sim, sei que o meu esforço não vale de nada. Num planeta que tem milhões de anos, o que um jovem de 20 que não consegue resolver a própria vida poderia ajudar? Seria muito egocêntrico. Talvez nem valesse a pena. 15h40. Um amigo bate no meu ombro. Foram quase duas horas pensando em coisas aleatórias, coisas de mim e no fim do mundo. Os problemas vêm à cabeça novamente. Bola pra frente, é só o começo da semana.


Virada de chave A dor e a necessidade de amadurecer ENRICO ZIOTTI Terça­feira, 29 de outubro. Era semana que não tinha aula, então, aproveitei a oportunidade para passar mais tempo com minha namorada, que mora muito longe de mim. Sem qualquer tipo de preocupações, passamos um final de semana vendo filmes, dormindo a tarde toda, vivendo a vida que ainda planejamos para nosso futuro. Eis que chega essa fatídica terça feira, em que recebo uma mensagem inesperada. ­ Bom dia, Enrico! Tudo bem? Você ainda quer trabalhar como editor de vídeos? Preciso de um urgente! Quase duas semanas atrás, eu mandei um currículo para ser estagiário numa agência de publicidade. E, naquela terça, me chamaram para assumir a vaga imediatamente. Eu balancei. Pois precisava estar lá o mais rápido possível e teria que abdicar da semana de conforto com pessoas que eu amo. Naquele momento, conseguir um estágio era um assunto muito sensível. Eu queria de todas as formas, mas nenhuma entrevista, até então, tinha sido bem sucedida. O acúmulo de culpa, responsabilidade e dúvidas sobre minha capacidade me tiravam meu sono diariamente. Não suportava mais o acúmulo de coisas negativas na minha vida, então, aceitei a proposta para provar para mim mesmo que todas essas inseguranças eram falsas. Quando eu tomei a decisão, uma chave dentro de mim simplesmente virou. Ela trouxe perguntas e receios sem respostas aparentes. E a primeira angústia era bem simples: eu estava a 500 quilômetros da cidade em que eu estudo e precisava chegar lá no dia seguinte. Além disso, também precisava passar na cidade dos meus pais. Campinas, Ribeirão Preto, Uberlândia. Esse era o trajeto. Comprei passagens adiantadas, dei um abraço forte na minha namorada e parti rumo a primeira rodoviária por volta das duas da tarde. Durante a primeira viagem, parte de mim ainda se perguntava se tinha tomado a decisão certa, mas já não tinha mais volta e essa impossibilidade de voltar atrás me sufocava. Chego na minha primeira parada, em Ribeirão Preto, e ainda tinha horas para o próximo ônibus, então conversei um pouco com meus pais sobre o que estava por vir. Não expus minhas inseguranças,

mas elas pareciam muito explícitas por ser um momento muito comum na vida. Ao me despedir dos meus pais, minha mãe me abraçou e disse que a vida seria assim daqui pra frente. Aquilo ecoou na minha mente durante toda a cansativa viagem para Uberlândia. Dentro do ônibus, tirei conclusões reais, porém talvez difíceis de assimilar. Esses medos que me rodeam, todas as inseguranças que surgiram e surgirão com o processo de amadurecimento eram inevitáveis. Todos nós passamos por viradas de chave. Essas incertezas do futuro, sobre capacidade, quais caminhos tomar e como atingir o sucesso, não serão solucionadas tão cedo, mas descobertas tardes demais para serem revertidas. O caminho do amadurecimento é um inevitável rio congelado em que só sabemos se vamos cair quando já estamos embaixo d’água.


ESTOU SEM TEMP Estava parado na avenida paulista, numa segunda­feira e meu relógio marcava 7 horas da manhã. Precisava esperar um amigo pois tínha­ mos combinado de tomar café naquela padaria da esquina, onde meus avós compravam o pãozinho quente no domingo de manhã e o bolo de fubá. Combinei com meu amigo de encontrá­lo naquele ponto da avenida às 7 e assim fiz. O tempo começou a passar e meu amigo ainda não tinha chegado. Já estava começando a ficar irritado pelo fato de toda hora alguma pessoa passar por mim e trombar ou até quase me atro­ pelar com o próprio corpo. Até que comecei a re­ parar que eu era a única pessoa parada no meio daquela avenida, numa segunda­feira de manhã. Eram pessoas correndo de um lado, correndo de outro e às vezes parecia que nem um semáforo vermelho poderia pará­las. Fiquei observando aquelas pessoas e ima­ ginando o porquê de tanta falta de tempo e corre­ ria. Lembrei de um amigo que sempre dizia que estava sem tempo. Ele fazia as coisas vivia em tanta correria que só escrevi as mensagens pelas metades. Era toda hora um “desculp amg, nã vou consegui ir” ou um “estou sem temp”. Ao lembrar dessa história até comecei a me questionar se eu também era assim e refleti o quanto foi difícil para marcar esse café da manhã com meu amigo por ambos não terem tempo. E

todas as vezes que fui chamado para um happy hour no meio da semana, mas já havia marcado reuniões ou tinha que terminar trabalhos até o ou­ tro dia. Até mesmo quando tive vontade de ir ver a continuação do meu filme preferido no cinema mas não tive tempo. Comecei a reparar em uma moça que esta­ va andando rápido pela calçada em direção ao metrô. Ela estava com uma criança no colo, que deveria ter uns 5 anos de idade. Em fração de se­ gundo me vi naquela cena. Minha mãe sempre me contava como era difícil ser uma mãe solteira, que tinha que trabalhar, me deixar na creche e ter­ minar a faculdade para conseguir me dar uma vi­ da melhor um dia. Talvez eu tenha sido o motivo da falta de tempo da minha mãe. E aquelas pessoas que ali passavam por mim, quais seriam seus motivos para estar tão sem tempo? A pontode não conse­ guiam nem reparar uma pessoa parada no meio do caminho delas. Continuava a ser atropelado por aquele mar de pessoas que passam todo dia naquela avenida. Olhei para o relógio e já era quase 8. Mais uma vez teria que cancelar o encontro com meu amigo porque já não havia mais tempo.

ERIC BORGES


A Bailarina FELIPE MELO

A bailarina dança com os olhos colados na multidão que não parece ouvir seu choro. A cada pulo, a cada passo, o buraco em seu peito dói muito mais que os vários calos em seus pés. O espetáculo tem de ser perfeito, o sofrimento que fique pra depois. Hoje o seu compromisso é com a plateia, não consigo mesma. Em cada cena desse ballet, uma paixão destruída é usada de artifício para comover e encantar os olhos e corações de todos os espectadores. Mas o fingimento, as rodopiadas sem sentido e os aplausos não compram mais a atenção e o apreço da bailarina, que vivera na pele a dor e o desespero de contar como certo algo que nunca estivera ali. Mesmo com a música alta e os holofotes em seu rosto, ela sabe que a ausência é a única presente na cadeira de número 10. Ela sabe que a mente dele, assim como seu corpo, está em qualquer outro lugar, menos ali. A bailarina dança para uma multidão de fantasmas, para rostos sem importância, ouve gritos vazios e vivas sem vida. Não faz sentido continuar, nunca fizera, mas ela dança movida pelo êxtase de sons, contendo seus soluços ritmados. Seu corpo se move por puro reflexo e a coreografia que fora ensaiada tantas vezes é performada de maneira magistral sob o ritmo macabro do violino. A onda de aplausos ensurdece a única estrela da noite, sorrisos se abrem, corpos se levantam em meio ao mar de cadeiras, mas nem o olhar mais atento percebe a lágrima que lhe desce pelo queixo. O espetáculo se acaba e a bailarina vai embora, sabendo que fez tudo o que pôde. Quando a luz não mais brilhava e os gritos da plateia foram substituídos pelo silêncio, quando o suor e as lágrimas se secaram no palco, ele chegou. O homem então tirou seu chapéu, contemplou o teatro vazio, se sentou na cadeira de número 10 e chorou, sabendo que perdera a última chance de assistir ao magnífico show de sua tão estimada bailarina.



OITO MESES GABRIELA CARVALHO

Há oito meses frequento a casa de umbanda que me conforta, cura e aquece meu coração. Também, há oito meses sou, semanalmente confrontada pelas entidades que me orientam sobre a bagunça que existe em mim. Semanalmente me lembram de olhar pra mim e organizar as coisas aqui dentro. Semanalmente, tento me equilibrar e deixar as coisas mais calmas e serenas, mas não chega a durar um dia. Depois de lembrada de mim, o furacão volta, já é segunda de novo. A rotina volta. Todos os dias: estágio, faculdade, estudos, família, namorada, plantas. Todos os dias um turbilhão de tarefas, de contatos, de conversas, de leituras. Todos os dias perdida em meio a diversas atividades que não sei nem mesmo como fui parar no meio de todas. Às vezes não lembro nem o porquê de estar nelas, tem vezes que não lembro nem se queria e pior, se ainda quero. É muito complicado refletir sobre isso. Vira e mexe a gente vê uns colegas tão emocionados e felizes com o que fazem que me pergunto se eu já devia sentir isso também e o porquê de ainda não sentir. Será que a culpa é minha por romantizar demais ou a culpa é minha por estudar e trabalhar com a coisa errada? Três anos tentando entrar no curso errado me traumatizaram, talvez a culpa dessa bagunça posso colocar nesse passado. Ou talvez a culpa não seja de ninguém mesmo e essas pessoas que sentem estar no lugar certo sejam exceções, capaz que tem que ser muito sortudo para se sentir realizado com o curso que faz. “Em 2014, tinham quase 20 mil alunos matriculados em um curso de graduação na UFU” ler isso me acalma. Não é possível que 20 mil alunos estejam realizados e se veem construindo uma carreira profissional na área que estão. Na verdade, eu sei que esse sentimento é bem comum, mas será que é normal? Será que tudo bem sentir isso durante a graduação? Será que isso faz parte? Será que quem me ensina também sentia isso? Afinal, tem que gostar muito do curso que escolheu para voltar pra ele pra lecionar. Pensar demais complica muito as coisas, tenho que pensar menos, mas não sei como. Devo pensar sobre isso. Enfim, oito meses de bagunça, oito meses letivos. Pelo menos agora só faltam mais dois pra faxina acontecer aqui dentro.


ANSIEDADE Preciso dormir. Finalmente consegui adiantar minhas tarefas de modo com que eu fique a vontade para relaxar. Já lavei e estendi as minhas roupas ­ chega de ficar reutilizando a mesma cueca preta. Dei uma varridinha no chão, terminei a maior parte do trabalho que tenho para quinta e de quebra ainda li um dos três textos para amanhã. Foi o que deu. Não fiz exatamente tudo, mas fiz o suficiente para conseguir dormir em paz. E eu preciso dormir. Fazem quinze minutos que estou deitado em minha cama. Sinto que hoje vai dar certo.

Um... dois... três... quatro, cinco, seis... sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, ah, não consigo contar mais. A chuva que chamava de fininho minha atenção para a janela, com cada pingo que nela batia, agora pôde começar seu espetáculo. Sou um simples espectador encantado com sua graça. Os fortes holofotes iluminam os céus avisando aos tambores que é hora de tocar, acompanhando o ritmo da chuva. Ela escolhe bem quais instrumentos irá usar, a calha, a lata de lixo e hoje, especialmente para mim, minha janela. Que honra. Para! Preciso dormir.

Nossa, com ela é linda. Os olhos são castanhos como a tempestade que havia presenciado a pouco. Seu sorriso a deixa sempre com um semblante feliz, mesmo que exista tanta tristeza em seus interiores. Mas ela não se deixa abalar por nada, é comprometida, dedicada e esforçada. Seu planeta não é esse, fuja! Fuja das mazelas que existem ao seu redor. As pessoas só vão querer te deixar para baixo e, poxa, você não merece isso. Não existe comediante no mundo que me faça rir como você me faz, nenhum profissional na área de saúde mental consegue me curar como você me cura. Você é meu ponto de paz. Para! Preciso dormir.

Essa camisa pendurada na porta já me assustou três vezes. Toda hora esqueço que usei ela hoje e fiquei com preguiça de devolver para o armário. O problema é que consigo enxergar muito bem uma silhueta humanóide ali. Acho que o Diabo anda sempre bem vestido, com um Giovanni na boca e um Optimo na cabeça, por cima de cabelos lisos que chegam ao pescoço. Deve ser alguém bem educado, calmo e calculista. Duvido que cometa algum erro e que se permita errar. O Diabo pode estar parado me olhando agora e eu, arrumando motivos para justificar o que está parado ali. Me lembro de ter guardado aquela camisa. Ou será que não? Para! Preciso dormir.

Meu quarto clareia. A chuva já passou faz tempo e o Sol voltou de sua viagem ao Japão. Não dormi. Provavelmente porque não consegui adiantar tudo o que queria. Tem roupa para lavar, preciso varrer esse chão, fazer meu trabalho para quinta e tentar ler os textos de amanhã. Assim que eu voltar da faculdade então eu faço isso. Hoje eu consigo. Preciso dormir. Guilherme Amaral


Resistindo até o dia 30 TTE EX XTTO O E E FFO OTTO O:: H HE EN NR RIIQ QU UE E R RO OD DR RIIG GU UE ES S

Dia de mostrar o valor da edu­ cação, 15 de maio de 2019. Estou a caminho da praça Ismene Men­ des, em Uberlândia, para fazer parte da minha primeira manifesta­ ção. O contingenciamento do orça­ mento das Universidades é o motivo principal para que esse mo­ vimento ocorresse. No uber, eu e a minha amiga, Bárbara, vamos acompanhando as notícias e as fo­ tos das manifestações que aconte­ cem por todo o Brasil. Fotos e vídeos da multidão vista de cima predomina entre os conteúdos das minhas redes sociais. Só penso: "meu deus, estou fazendo parte de um movimento tão grande e mar­ cante para a história do país". En­ tão, meu coração começa a bater mais forte e a ansiedade vai au­ mentando. O carro para no sinal e, logo na sua frente, passam estu­ dantes estendendo uma faixa branca extensa, com um grito ex­ plícito: "o conhecimento destrói mi­ tos". Sabe aquele momento em que você xinga de tão impressio­

nado? É isso que eu faço. D e p o i s d e ve r a q u e l a fa i xa , e u n ã o te n h o ma i s d ú vi d a s d e q u e a juventude não tem medo de afron­ ta r u m g o ve rn o e l u ta r p e l o d i re i to à educação pública. Afirmo na mi­ nha cabeça que eu queri a ser um daqueles jovens. O percurso aca­ ba, descemos do carro e caminha­ mos em di reção ao carro de som p a ra co me ça r a p a sse a ta . D u ra n te o caminho, falo para a minha ami­ ga: "nossa, eu não me vejo gritan­ d o e m ma n i fe sta çõ e s, te n h o mu i ta vergonha". Depois de uns 15 mi­ nutos no movimento contra os cor­ te s n a e d u ca çã o , co m a l g u ma s p a l mi n h a s e ca n ta n d o a s mú si ca s b e m b a i xo e tími d o , e sto u a g i n d o co mo me n o s e sp e ra va . Gri ­ta n ­ do. Decoro todas as músicas, gri­ to todas elas ao longo das rodovi­ a s p o r q u e p a ssa mo s e b a to palmas com vontade, incansavel­ me n te . A noite chega, a manifestação acaba e a multidão se dispersa. Por mais que eu tenha andado bastante pelo centro da cidade, es­

tou completamente energizado e a minha animação era enorme. Eu e a Barbara nos posicionamos no melhor lugar para pedir o nosso uber para voltar para casa. Entra­ mos no carro e cumprimentamos o motorista. Durante o trajeto, as re­ flexões sobre o dia começam na minha cabeça. Bem filme, né? Olho pela janela e vejo vários jo­ vens indo para a suas casas, al­ guns pintados, outros segurando cartazes. A sensação de ter feito parte de uma manifestação que lu­ ta pelo direito fundamental da edu­ cação e pela sobrevivência da minha faculdade não poderia ser melhor. Em seguida, lembro que, antes de entrar em uma instituição fede­ ral, pessoas me diziam que iriam haver paralisações e eu me preju­ dicaria. De fato, aulas são cancela­ das e o governo tentará sucatear as faculdades públicas. Mas sem­ pre tive em mente que queria sair da bolha das instituições particula­ res. Será que eu iria lutar pelos di­ reitos das pessoas que não

possuem a mesma realidade que a minha com a mesma vontade? Não ia. Por isso, estudo em uma faculdade pública, convivo com pessoas de diferentes classes so­ ciais e luto junto com todas elas pela educação pública. Nas redes sociais, circula uma publicação escrito: "dia 30 vai ser ainda maior". Isso aí, mais uma. A rotina do estudante que defende a educação brasileira é cansativa. Ora, são cobranças da graduação, ora são manifestações que devem ser realizadas. O caminho para o futuro desenvolvido às vezes é in­ certo e complicado para muitos brasileiros, mas a educação será sempre a sua aliada. Por isso, aceito a cobrança. A luta continua até o dia 30.


Folha em Branco Por muito tempo tive a cabeça cheia de ideias, pensamentos altos e criativos e muitos, muitos sonhos, mas agora, que finalmente estou onde a menina sonhadora de nove anos queria estar, me sinto perdida e vazia. Onde tudo foi parar? A barra piscando no documento em branco não se preenche como antes, de forma contínua, fluída, como se as palavras tivessem vida. Pensar na perca da habilidade de escrita cria uma espécie de luto: Onde foi que me perdi? Passei a vida tentando convencer a todos que meu passatempo poderia virar profissão, e finalmente, tenho a chance de provar isso, de experimentar e viver escrever, mas todas as palavras parecem não pertencer e a fuga cresce a cada dia. Dois dias se passaram com esse arquivo apenas aberto com seu título, três dias com as poucas palavras acima. A habilidade da escrita sempre me foi natural e nunca me cansei de receber elogios em relação a isso, era meu diferencial. Talvez agora eu só saiba escrever o que é ditado, o que é especificado e o que é regrado. A primeira vez que senti vontade de escrever foi aos 8 anos de idade, depois de ter lido um livro – que já nem me recordo o nome mais ­ sobre investigação de um vampiro, mas deixei a vontade passar. Aos 9 li, pela primeira vez, Harry Potter e a Ordem da fenix, o mundo mágico do bruxinho se tornou todo meu mundo e, mesmo com uma leitura toda bagunçada e fora de ordem, passei a amar a história de Harry e pertencer ao mundo dele. Depois de conhecer Harry Potter, abri um caderno em branco, que não me ameaçou em nenhum momento como as folhas em branco fazem hoje, e escrevi a história de uma menina que queria ser bruxa e conhecia um dragão que a ajudava com isso. Não sabia na época, mas foi minha primeira fanfic, e ainda é a história que escrevo até hoje – Ou escrevia. Milhões de histórias, fanfics ou originais, saíram da minha cabeça depois disso e agora deve fazer mais de um ano que nada criativo ou novo me surge. Será que falta meditação ou um acompanhamento psicológico? Moldei toda minha vida por saber escrever e agora, que não sei mais, o que restou? Essa é a oitava crônica que começo a escrever neste ano, e é a primeira finalizada – com amargo na boca e sensação de fracasso, mas terminada. Jackeline Freitas

Arte por Sandoval Ribeiro @nerrevison


De Onde Eu Sou ? João

Marcelo Pozatti

Nem de lá, nem de cá. A gente é da ponte. Essa é a resposta que tu deve dar quando te perguntarem ‘De onde você é?’, diga: Eu sou da ponte. Nós vivemos no lugar que nosso destino (vulgo resultado dos vestibulares), nos levou com as lembranças de onde viemos, crescemos, nascemos. Assim são todos os dias. Quando voltamos a nossa cidade de origem, pasmem, parece que somos estranhos. A realidade lá não nos cabe mais. Ficamos só na lembrança e pensando nos bons momentos que estamos vivendo na cidade nova, mas mais ainda nos momentos felizes que tivemos ali. Ahh..o “forasteiro” universitário, não é nem de lá, nem de cá. Para poder realizar um sonho, ou pelo menos testar alguns caminhos para a felicidade, abre mão de tudo que conhece. Abre mão até mesmo daquele espaço geográfico que a pouco chamava de lar. Responder ‘De onde você é?’ se torna uma tarefa simples quando estou na minha nova cidade, comparado a indecisão que toma o pensamento quando alguém me pergunta isso numa viagem. : De onde você é? (Pausa para pensar e respirar bem fundo) ­ Ah, nasci em tal lugar, mas estou morando em outro para estudar. Ou seja, não é nem de lá, nem de cá. Vive entre períodos aqui e tempos ali. Tem duas casas, mas fica confuso na hora de chamar alguma delas de minha. Essa é a realidade de um estudante universitário que resolveu voar por aí. Que deixou a sua inteligência escolher a próxima parada dessa história chamada ‘Vida’. É acordar todo dia se vendo construir sua vida em um lugar, lembrando de outro e não sendo de nenhum deles. Eu, você, nós, que escolhemos escrever esse capítulo, seguindo essas características, não somos nem de lá, nem de cá. Somos da ponte, do lugar de onde viemos para onde nós vivemos.


Sobre idealizações Ligia Crespin Cypriano

O ideal de uma fazenda seria aquela em que vamos aos domingos, asfaltada, com piscina, cavalos no pasto e com a mesa farta de comida da avó. Eu tinha dez anos quando mudamos para a Fazenda Boa Sorte, um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no distrito de Restinga no interior de São Paulo. No entanto, um assentamento foge daquele ideal de fazenda. Nossa casa ficava a quarenta minutos da cidade, o caminho é grande parte pela rodovia e depois era preciso ir pela estrada de terra, cercada por um canavial. Quando a plantação ficava para trás começa­se a visualizar as casas, sempre a quilômetros uma da outra, pois os lotes de terra eram maiores que os quarteirões da cidade. Então, seguíamos reto, virávamos na esquina do ponto de ônibus e quase no fim da rua estávamos em casa. Na entrada não havia grandes portões, eram apenas três madeiras paralelas ligadas por linhas de cerca de arame farpado. Acredite ou não, depois de aberta pela primeira vez só seis anos depois iríamos sair de lá. O ideal do Movimento “Sem Terra” seria a organização dos trabalhadores rurais em busca de terras como primeiro passo para uma grande reforma agrária. Existe uma estrutura regional, nacional e que se diz democrática para que ações sejam delegadas e executadas. As comunidades locais também tem a quem responder e esses têm o dever de oferecer aos moradores oportunidades de trabalho e lazer. Embora os líderes dos assentamentos devam tomar essas atitudes para com à comunidade, a corrupção de Brasília, infelizmente, tem seus filhos em lugares como esse. Em geral, a terra que é passada aos moradores é bem maior do que qualquer um poderia cuidar e limitada a ser cultivada apenas através da agricultura familiar. O INCRA 1 fiscaliza as terra, o ITESP 2 disponibiliza agrônomos e a CONAB 3 fornecia cotas para o recolhimento de mercadorias do assentamento. Ainda assim, às recordações da minha família são de um servidor ignorante que ameaçava pessoas que não produziam em toda terra, de um agrônomo que só menospreza aquela gente pobre e, para aquela maioria que era menos informada, os projetos da CONAB eram apenas para os representantes do Movimento embolsarem o dinheiro. O ideal de uma vida é que seja digna, mas a pobreza era tão comum que as pessoas se acostumaram com ela. E se a Bíblia diz que o homem deverá comer o pão do suor do seu rosto, acredito que nem essa palavra de Deus alcançou aquele lugar. O Movimento é um ideal que o ser humano é falho demais para atingi­lo. O Movimento é de quem lidera, assim como o dinheiro é dos grandes e o Brasil é de quem governa.


COMO PODE? Que sentido tem escrever uma crônica, pensar na nota ruim da última prova, ou em duas ou três contas atrasadas porque a bolsa de assistência não caiu. Meu cérebro não funcionava depois do que eu ouvira. O dia ficou cinza e, não fazia sentido continuar naquela fila do RU. Claro, é inevitável que isso aconteça com todos nós, inclusive eu. Mas quando acontece sem você esperar, é bem mais difícil. E pra ela que era apegada à mãe… é devastador. Certa vez, vi na televisão que tudo é incerto, menos o amor de mãe Já pensou em ficar sem isso? sem o colo que te acalenta quando o mundo quer desabar na sua cabeça.

Compartilhamos uma amizade sincera.

Pouco antes, tinha acabado de pensar na minha mãe.

E quando se está longe da mãe e da família,

Natural, já que quem faz faculdade fora da cidade natal e, é bom ter esse apoio. Faz bem. É uma via de mão dupla. longe da família, sabe, a saudade aperta nos mínimos momentos.

Mas como eu ia ajudar agora?

Desde um filme que eu penso: ela vai gostar, ou

Sim, era a mãe dela que tinha partido.

o almoço aos domingos de manhã

Ouvi de uma colega nossa na fila do almoço.

Ah, os almoços de domingo…

Eu tinha que fazer algo.

Eles tornaram­se a anestesia da rotina de produzir

O barulho das chaves ecoou pelo apartamento quando ela chegou,

reportagens, e correr atrás de fontes.

só consegui correr e abraçá­la.

Isso porque, no lugar em que vivo, moram: eu, um

Pensei: como pode?

aspirante a jornalista e

o mundo continuar girando

uma pseudo­engenharia biomédica,

As gargalhadas… as pessoas pensando no próximo HH

e é justamente nos almoços de domingo que a gente

Como pode?

compartilha tudo,

Se o mundo de alguém

as dores e amores da vida universitária,

Acabou de desabar

reclama e desabafa.

Choramos como duas crianças que acabaram de levar uma surra da mãe

Luan da Silva Borges


PARALISIA Milena Félix Sempre achei que tinha depressão. Ou algum transtorno sério de humor. Era sempre como se eu estivesse levando socos no estômago de tempos em tempos. E era como se essas pequenas pancadas me levassem para um hospital da mente: dias fora de área, na maior parte do tempo adormecida. Mas não tinha. Descobri na semana passada quando o psicólogo me perguntou se havia mais algum outro caso de depressão na minha família, lo­ go após um surto paralisador de uma sensação completamente nova e – ao contrário do que o termo “novidade” costuma significar – nada boa. Depois disso, entendi que os comportamentos estranhos que eu andava tendo nas relações cotidianas eram reais, e que eu devia deixar meus amigos avisados. Eu estava certa. Dias depois liguei para uma amiga com quem ainda não tinha falado sobre o assunto, pedindo que me buscasse: eu estava paralisada no meio do saguão da faculdade. ­ O que aconteceu? ­ Eu estou com depressão. Ela ficou em silêncio por um tempo. ­ O que você sente? Tentar explicar aquilo era a coisa mais difícil que eu já tinha feito na vida. ­ Hm... sabe quando você está tendo um pesadelo e fica imóvel, sem conseguir se mexer e preso no sonho? ­ Paralisia do sono, ué! ­ SIM! É desse jeito que acontece. Explico pra ela com detalhes cada coisa que sinto. Penso que estou falando para mim mesma e acho que ela concorda. ­ Você se sente triste? Tem pensamentos tristes? Respondo que não. ­ Eu não penso em nada na verdade. São sentimentos. Eu abaixo a cabeça e falo cada vez mais baixo que é um pesadelo. Os sentimentos angustiantes aparecem e eu não consigo sair. Que é como se uma camada de gordura fria se colocasse sobre a minha personalidade e eu não conseguisse acessá­la. Então não penso. Eu quero, como se quer acordar de um sonho, reagir. Quero pensar e falar. Quero tomar banho e me levantar do saguão no qual ainda estou sentada contando essas coisas para ela. Quero lavar o meu rosto e escrever meu texto. Mas o peso da paralisia faz tudo ser quase impossível. Falo, quase entre lágrimas, que é claro que um dia vou me levantar da cama, mas que os minutos em que estou lá são quase eter­ nos. ­ Entendi perfeitamente, ela diz. Me alegro pensando que encontrei uma irmã, apesar de ela não ter depressão. Pergunto então animada: ­ Você já teve paralisia do sono? ­ Não.


VOCÊ VIVE OU EXISTE? PEDRO SOUZA

Me disseram muito sobre o que era a vida. O sentido dela. Ela dando significado na minha existência corriqueira. Mas de uma coisa estavam certos: a vida é uma loucura e eu não sei quem sou nela. Começo dizendo que talvez possa se sentir indagado em julgar através de tudo aquilo que adquiriu (ou fingiu entender sobre o sentido desse texto tão literário) e que retrata a vida melancólica de muitos por aí. Logo, adianto aqui para você que, o verdadeiro sentimento da crônica (de uma espalhafatosa vida crônica) está no prazer em que te faço refletir e cá entre nós. Você vive ou existe? Um dia voei sobre meus pensamentos traiçoeiros. Outro dia me afoguei sobre as nuvens que rondam em minhas memórias. E no meio dessa confusão, tive diversos sonhos, é claro. Um deles foi estar onde estou hoje e que me deixa na altura de um penhasco pronto para me atirar de lá ou viajar sobre os ares e agradecer por estar vivenciando cada gota arrebatadora que bate nas paredes do mar. Como aquele tal filosofo Grego Sócrates, posso dizer que só sei o que nada sei. E por isso escrevo. O que nada sei hoje e tenho isso apenas para me expressar, pode ser algo que seria antes inexplicável para você e que após a leitura de singelas palavras, de alguma forma, retratou exatamente a crônica (de uma vida crônica) que é exatamente a pessoa sonhadora que é você. Caminhei. Hesitei. Amei. Notei. Chorei. Encontrei. Esses são alguns ingênuos verbos que me atento e redescubro. Mas o que muitas vezes deixamos passar é o destemido detalhe. Agora, te permito formar uma palavra com as iniciais dos verbos citados na primeira linha deste reflexivo parágrafo. Dei a você a chance de encontrar mais uma vez aquilo que está intrínseco nas minúcias. Permita­se dar a oportunidade que você merece e lembre­se: a vida não precisa ser perfeita e sim vivida. Te dei a chance de conhecer uma parte da minha história. Agora, é sua vez de mostrar que aprendeu com ela.

 :( NOTA DE VOZ 8 ­ JÃO FOTO: PEDRO SOUZA


O Peso da Liberdade Rodrigo Sousa

O primeiro gole de vida vem pela manhã. Mas qual o peso de viver? Da vida, somos reféns de quem somos. Reféns pois não nascemos prontos, e muitas vezes cultivamos dentro de si o que não somos sem ao menos perceber. Quem. Onde. Quando. É difícil perceber a liberdade dentro de um plano tão repetitivo, aparelhado. Se deita e se levanta para poder viver. Mas vive? A felicidade e os bons momentos parecem ser acidentais. Mas não por serem raros ou randômicos, mas por fugirem à regra. A frieza da cidade contemporânea esconde pessoas atrás de prédios, carros, e avenidas. Esconde gente, esconde história e sentimento. E reprime. Todo mundo tão perto, mas ninguém se vê. E quando enxerga, tem medo. Por que tem que ser assim? O problema disso é a máquina? É a monotômia social? É a falta de humanidade em mim? Em você? Possivelmente cada um tem sua parcela de culpa por manter o status quo doente que vigora hoje no mundo, gerada para manter o bem­estar da menor parcela da sociedade mundial, mas que implica diretamente na vida de absolutamente ­ todos os outros ­ seres humanos da face da terra. Todos os outros se curvam à máquina, e muitos não tem o menor conhecimento sobre isso. Isso é liberdade? Há quem acredite que sim. E há quem acredite que não, e luta. E incomoda muito. A monotômia afasta as pessoas umas das outras, e muitas vezes, até de si mesmas. Não há refúgio, não há tempo, e muitas vezes não há causa. Há quem desista. E o que resta a mim? Você? E a você, e a mim? Resta viver. Para que o primeiro gole do dia não seja o último. E que sigamos buscando sentidos, sensações, momentos e motivos. Sentidos para seguir. Sensações para se curar. Momentos para lembrar. E motivos. Motivos para que o primeiro gole do dia não seja o último da vida.


Esperança ameaçada: a luta docente no desafiador cotidiano Valquíria Vieira

Houve épocas obscuras, quando a educação elitista permitia apenas homens, brancos e ricos estudar e todo restante deveria ser catequizado para trabalhar, pois não existia interesse do pobre alfabetizar. Índios, negros e mulheres tiveram acesso a escola somente após a República, na tentativa de empreender reformas contra o analfabetismo. Um sistema de ensino centralizado, de forma retrógrada e dogmática, luta diariamente com métodos laicos e pragmáticos. O Brasil e aqueles que se opõem a anarquia e covardia daqueles que reprimem o sonho de um futuro melhor. Sonho este de um povo que aprende, a passos lentos, a valorizar a educação. Em tempos onde a mediocridade está à espreita, a escola mantém a resistência. As últimas trincheiras na guerra contra o obscurantismo se localizam na educação. O relógio, pela primeira vez em muitos anos, não irá se adiantar em uma hora. O que nos amedronta é a possibilidade de atrasá­lo. Este povo algum dia deixará suas utopias, baseadas em falsos heróis e ícones falhos, religiões ou políticas e defenderá seus próprios ideais. Uma sociedade educada não pode ser manipulada. Acreditar na educação e nas possibilidades que ela permite diante da democracia, significa romper com a ilusão de tanta demagogia presente em nosso cotidiano. Por vezes a educação no Brasil é tratada sem critérios, o ensino sistemático e a decadência de recursos pesam sobre os ombros dos docentes mais firmes em seus ideais. Assim, ao analisar as leis com honestidade e valorizar a participação ativa da comunidade, propondo projetos e iniciativas que incentivem jovens e crianças, se torna possível olhar sob outras perspectivas. Trabalhar cotidianamente pela formação humana integral, é o maior desafio do ensino atual. Escolas públicas, periféricas ou não. Cada aluno que tem esperança e perspectivas no futuro é uma pequena semente plantada no desafiador jardim da educação.


Porque eu gosto de escadas rolantes

Não há nada mais desanimador em um dia do que a correria. Claro, que a correria pode servir de motivação para alguns. Mas tenho certeza que muitos prefeririam deitar numa rede e desfrutar de um bom e revigorante cochilo, pela tarde. Em dias muito cansativos de trabalho, os afazeres vêm em maior escala. E as obrigações também. Enfim, um dia com pouco tempo de respiração ­ nem isso, afinal, respiramos por movimento involuntário, porque se fosse voluntário… não faço ideia de como seria. Deve ser por isso que tenho medo do começo da semana. Quando as coisas estão muito aceleradas, a tendência é procurar um refúgio, dentro do próprio dia, para trazer um alívio. Pode ser na hora do almoço ou mesmo indo tomar aquele cafezinho para dar uma acordada. Apesar de parecer uma boa ideia, há dias que exigem mais e, esses refúgios podem acabar por não acontecer. Foi aí que me coloquei a pensar. Certo dia não tive tempo para quase nada, trabalhei logo pela manhã, às 8h. Como o serviço era de horários inconsistentes, não tinha uma certeza de quando iria embora, acabei ficando até às 15h, sem descanso, com a garrafa de água do lado e muito trabalho. Assim que saí, fui direto almoçar – se é que a partir das 15h ainda é almoço, pois já ouvi dizerem que é tarde para almoçar e cedo para jantar – e consegui sentar para comer apenas às 15h30, um almoço nada saudável. Minha comida foi apenas um lanche do McDonald’s, o especial do dia, na filial do Center Shopping, aqui em Uberlândia. Como eu estava atrasado para um compromisso, o jogo tinha que ser rápido. Engolir a comida, sem sentir o gosto ­ aliás, tem gosto? ­ e andar a passos curtos e acelerados, o mais rápido que podia, mas, também, não iria sair correndo igual um louco pelo shopping. Em meio a toda essa correria e ao meu caminhar bastante acelerado, parei para descer ao primeiro piso e fui na escada rolante. Eu poderia ter andado nela para apressar as coisas e ir mais rápido, mas aquela escada mecanizada representou um alívio tão grande no meu dia. Enquanto eu estava parado, ela me conduzia ao “Piso 1” e ali eu admirava os arredores e descansava, foi com esse instante que consegui respirar e aliviar um pouco a correria do meu dia. Durante a minha jornada na escada rolante, observei muitas pessoas pelo Shopping, umas mais aceleradas que deviam estar em situação semelhante à minha e outras mais tranquilas. Por tratar­se de um sábado a tarde, julgo que muitos já tinham encerrado o expediente, por isso estavam sem muitas preocupações e andavam a passos longos e vagarosos. Além disso, muitos dividiam a sua atenção com os celulares, pareciam ter ali a sua preocupação e correria, em seus dedos que digitavam freneticamente, se apressavam para responder quem estava do outro lado da tela. Quando cheguei ao primeiro piso, tudo voltou de novo, pés acelerados e um andar rápido, desviando dos despreocupados que andavam lentamente, para chegar ao carro e acelerar até o próximo compromisso do dia, pelo menos eu estava um pouco aliviado e tinha conseguido respirar. E é por isso que eu gosto de escadas rolantes. Vitor de Araújo Bueno


A vida não para Você acorda de manhã, checa o Whatsapp, senta na cama e suspira. Um suspiro pesado de quem terá que enfrentar mais um dia de aula e trabalho. O tempo não é suficiente para grandes reflexões matinais, então você segue com os pés descalços no chão frio até o banheiro para se lavar. A vida não para quem tem que ganhar a vida ou ser alguém nela. Na faculdade você segue ora de cabeça baixa, ora observando o ambiente a sua volta. Algumas pessoas estão correndo para suas aulas, enquanto outras caminham lentamente por conta do sono que ainda toma conta. Embora cedo, a sua cabeça está a mil, o peito está doendo e há uma nó que a meses não sai da sua garganta. Os motivos são muitos para se encontrar assim, mas não demora até você colocar esse sentimento no bolso e ir entregar o próximo texto. Eu, em minha imaginação, gostaria de algo mais flexível. Em minhas idealizações não fui muito metódica ou detalhista, mas pense em poder tirar um mês pra você. Quem sabe ir no psicólogo que há tempos você anda adiando, ter aquela conversa com seus pais e colocar todo choro acumulado pra fora, resolver questões do espírito e também do coração. No entanto, isso são só divagações de uma jovem universitária. Essa é só mais uma crônica de uma vida cronicamente ou temporariamente triste, tudo depende da sua paciência nesse processo. A vida é tão rara, mas a ela não para.

Autor Anônimo


FIM.


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