nu ws
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influência da referência vale tudo Rita Amado
projectstar Gonçalo Araújo
s/ título António Muralha
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varandas e marquises binómio varanda-marquise Tiago Alves Miranda
entrevistas
Bárbara Coutinho Rita Negrão e Gaspar Crespi
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Vítor Carvalho Araújo Rita Amado e Tiago Alves Miranda
fotografias Tiago Alves Miranda odeio marquises Marta Sassetti
epitáfio Manuel Leal Ramos
eventos Ana Filipa Santos Mariana Bacelar de Sousa
39 dentro de portas definições cruzadas Mariana Bacelar de Sousa
Arquitecturas Escritas Rita Amado Nuno Matos Silva
obra falada Mariana Amado Trancoso
31 lisboa de Alcântara às Janelas Verdes Ana Filipa Santos Mariana Bacelar de Sousa
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editorial Rita Negrão Na China não se representa o número 4. Existe o 3, o 3+1 e o 5. Não é que a NUWS partilhe o conceito. Mas se existisse alguma lógica por detrás da nossa abordagem seria esta ideia constante do somar mais um à edição anterior. Mais um conceito, mais um retoque no layout, mais um Manuel, mais uma Maria(na), mais uma maneira de abordar e reflectir as mesmas ideias ou novas ideias. Os dois temas-chave desta edição são a influência da referência e a dicotomia entre varandas e marquises – dois assuntos que ao que parece não andam de mãos dadas. Ao que parece são só uma soma. Mas tal como 3+1 é igual a 4, uma consegue ser igual a um todo. E é isso que propomos. Um 4. Julho de 2015
Agradecimentos: Bárbara Coutinho, Vítor Carvalho Araújo, Nuno Matos Silva, Ricardo Bak Gordon, MUDE, Mário Filipe Ramos, Gonçalo Araújo, Rodrigo Gorjão Henriques, Marta Sassetti, Mariana Amado Trancoso, Francisca Marques Alexandre, Diana Santos, alunos do 4º ano, NucleAR.
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a influĂŞncia da referĂŞncia
vale tudo
Rita Amado
O primeiro ano como estudantes de arquitectura é passado, maioritariamente, a descobrir um novo mundo e uma nova visão perante tudo o que nos rodeia. São poucos os que se interessam, a tempo inteiro, em conhecer mais deste mundo para além das referências incumbidas pelos professores e muitos cingem-se, unicamente, ao que é mencionado dentro do ambiente pedagógico. Aos poucos e poucos, a referência torna-se importante e influente na aprendizagem académica desta profissão e sente-se, facilmente, a má utilização desta aquando da realização de trabalhos de projecto. Depois de um segundo ano que é passado à busca de uma maré que nos leve em bom caminho, algo fica: a referência, diversas vezes, é utilizada como fuga de um pensar original e “outside the box” tão esperado num ano em que “vale tudo”. A referência começa, então, a ser utilizada como se tratasse de um vomitar de conhecimento em projectos e é aplicada em lutas de “quem sabe mais nomes de arquitectos”, ficando para trás a boa utilização do conhecimento que esta nos traz e destacando o “copy paste” quase em tentativa de agrado dos professores. Apelo à não limitação das típicas referências pedagógicas. apelo ao abrir de horizontes, ao abrir a arquitectura para outros prados que não o corrente utilizado. A relva já começa a ser escassa e as vacas são cada vez mais...
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projectstar
Gonçalo Araújo
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Quando se fala de um assunto como este, retórico, com diferentes abordagens, é difícil de pensar de uma maneira geral, a não ser generalizando que todos nós procuramos inspiração de maneira diferente. Todos nós podemos olhar para uma obra e dizer: “gosto mesmo daquela forma e cor” ou “olha aquela cobertura toda maluca! Que ‘boss’! Não curtias fazer uma cena assim?” A verdade é que todo o sujeito que vive e trabalha com a arquitectura sabe que um projecto começa com um conceito, lógico, pessoal, financeiro, sustentável; conceito é uma palavra bonita... dá-nos liberdade, a hipótese de escolha e guia-nos num processo moroso, complicado e indeciso no qual precisamos de uma âncora que nos agarra, não nos deixa afastar desse rochedo. O conceito é o primeiro passo para iniciar uma longa viagem mental e física – o projecto de arquitectura – e só após este surgir é que podemos então finalmente falar de referências de arquitectos que, antes de nós, também descobriram as maravilhas do conceito. Não confundir com tipologias arquitectónicas. Eu acredito que é possível na arquitectura contemporânea diferentes tipos cruzarem-se, eu acredito que uma arquitectura minimalista é capaz de responder ao mesmo conceito que uma arquitectura desconstrutivista. Simplesmente, vão dar ao mesmo sítio por vias diferentes. Dentro destas, estão as entidades que as definem. Arquitectos pioneiros que traçaram um guião na história e que procuraram o seu próprio caminho; pois é assim que tudo começa. Quase como optar por fazer uma viagem na auto-estrada ou nas nacionais; ou ir de avião ou de barco. Ou porque não abrir e construir a nossa própria estrada. São certas escolhas que nos definem como arquitectos, caminhos que tomamos/ construímos para abraçar o nosso conceito. Podemos olhar para esses caminhos, então, como referências: prosas; músicas; imagens; cheiros, construções... enfim, qualquer ferramenta que nos ajude a traçar a viagem do projecto. Conforme se escolhe essa via, vão surgindo as referências, pontos em comum que definimos nessa via; que representam os arquitectos que tomaram o mesmo caminho que nós estamos a tomar. Podemos assumir então que o modo como as usamos variam, em paralelo com o conceito, de pessoa para pessoa, tal como uma âncora nao irá parar ao mesmo rochedo ou à mesma zona quando atirada por pessoas diferentes.
s/título
António Muralha
Quando tudo é referência em potência... Tudo é nada. A referência perde significado, E existe, somente, a expressão da experiência... E sua, consequente, materialização.
entrevistas
entrevista
Arquitecto e doutorado em Arquitetura pelo Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, é Professor da Unidade Curricular de Projecto na mesma Universidade, vogal do Conselho Directivo Nacional da Ordem dos Arquitectos e desenvolve actividade profissional em gabinete próprio.
Vítor Carvalho Araújo é conhecido pela forma de ensinar e cativar, sempre com um tom desafiante e simultaneamente misterioso. Nesta edição, aceitou colaborar connosco, dando o seu testemunho no tema varandas e marquises.
Dado que nos ensinou a não perseguir a ideia do arquitecto-estrela, qual é o seu princípio orientador enquanto arquitecto e professor? Curiosamente, ser arquiteto e ser professor, podem ser situações com o mesmo princípio orientador: pelo nível de exigência que cada uma das circunstâncias convoca e por aquilo que é, naturalmente, consequência de uma postura pessoal. A profissão de arquitecto exige uma prestação de rigor em todas as frentes. E quando esse rigor se transfere ou se concretiza em situações colectivas, como numa sala de aula, não vejo que exista diferença entre a postura que se coloca numa circunstância ou na outra. Creio que são idênticas. Arriscaria até dizer que deveriam ser idênticas para outras áreas profissionais. O que tem a ver, sobretudo, com a minha posição pessoal sobre aquilo que é uma prestação profissional. A questão é de natureza humana – do respeito pelas circunstâncias em que se está a trabalhar para os outros – e é essa a minha reacção a um posicionamento de ‘estrelato’, que vejo exactamente como oposta.
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Qual é a importância da referência e a sua expressão no percurso de um arquitecto? “Não há folhas em branco nas mesas dos arquitetos”, a expressão não é minha. A referência é uma permanência. Estamos obrigados a olhar para tudo o que se faz, para tudo o que se fez e, portanto, essa percepção faz parte da nossa cultura e do nosso conhecimento, sobre o modo como alguém fez qualquer coisa que, eventualmente, um dia, também somos chamados a fazer. A questão da referência é uma questão de aprendizagem, diz respeito à necessidade de termos um conhecimento actualizado sobre as respostas da arquitectura aos problemas que sempre, de modo diferente, se vão colocando. Interessa distinguirmos os diferentes significados de ‘referência’. Porque, se por um lado falamos na aprendizagem, por outro, podemos identificar a referência como uma situação muito próxima da ideia de mimetismo. Há quem faça essa leitura: e conhecemos muitos exemplos de situações em que uma identificação de referência passa pela simples utilização de soluções anteriormente desenvolvidas por terceiros. Outra coisa é pensar que a referência pode ser uma abertura de raciocínio, ou seja, tentar perceber como é que, perante o mesmo problema, alguém se posicionou. E acredito que a utilização da referência nesse contexto não é apenas uma questão de legitimidade, é quase de obrigação, de saber o que se faz e como se faz. Se calhar, na relação com a pergunta anterior, podia referir o facto de alguns autores serem abusivamente referenciados, talvez até porque fazem por isso, usando a divulgação do resultado dos seus trabalhos como posicionamento panfletário. Hoje em dia é evidente que isso tem uma conotação, no sentido positivo, e está directamente relacionado com os mecanismos de comunicação universal que envolvem a Arquitectura. A arquitectura está sob todos os focos e o que me preocupa é quando esses focos têm – sem qualquer desprimor para com os jornalistas que trabalham com a Arquitectura –, uma perspectiva de entendimento que privilegia a imagem e desvaloriza o pensamento ou a concepção.
“a referência é uma permanência” 13
Quando isso acontece, lembro-me do que disse Herman Herzberger (1932-) quando esteve aqui no Técnico: “tenham cuidado com o brilho do papel ‘couché’ das revistas de arquitectura porque esse brilho pode ofuscar aquilo que é essencial”. Na minha leitura, os estudantes de arquitectura devem refletir sobre os modos como se pensa, se decide, se aprende, e não pura e simplesmente como se referencia, porque há sempre o risco dessa referência se traduzir num mimetismo directo, acrítico, que pode significar o abandono de uma reflexão própria, que é uma obrigação profissional do arquitecto.
“há sempre o risco dessa referência se traduzir num mimetismo directo, acrítico”
Visto que leccionou Projecto em vários anos, qual a diferença das referências de ano para ano? As diferenças de ano para ano são uma matéria essencial na abordagem pedagógica da Arquitectura. É suposto que os planos de formação tenham uma determinada estrutura, que visa um objectivo, e que está organizada de acordo com uma sequência que inclui dados de programa pedagógico e as matérias que se ensinam ao longo dos semestres. Podemos fazer esta leitura a partir dos planos de estudos das várias escolas de arquitectura. Mas, também temos de fazer a leitura inversa, que não vem nos programas: aquela que diz respeito à capacidade de captação ou ao modo como os alunos, em tempos diferentes da sua formação e em idades diferentes do seu crescimento pessoal, contactam com determinado tipo de matérias. Eu sobreponho as duas leituras: a que diz respeito à capacidade natural de aprendizagem de determinado tipo de temas; e outra que tem a ver com o modo como essa compreensão é progressivamente fundamentada a partir da tomada de consciência sobre as matérias. Tenho ouvido antigos alunos dizer que só depois de estarem a trabalhar é que compreenderam em pleno alguns dos desafios que lhes tinham sido colocados na altura em que estudavam. Sim, já dei Projecto a anos diferentes. Essas diferenças, para além de constituirem um processo de aprendizagem do próprio, estão relacionadas com a forma como os pretextos, os exercícios, os cenários que se vão desenvolvendo, apelam ou não a mecanismos de referência. Recordo alguns enunciados que redigi, que eram absolutamente omissos em relação à possibilidade de serem referenciados. Essa caraterização intencional impede que o raciocínio seja dominantemente apoiado em terceiros e fomenta a reflexão própria.
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Em qualquer momento do percurso formativo, do primeiro ao quinto ano, identificamos diferentes modos de referenciação. Ela far-se-á sempre, e ainda bem, de modos distintos e não necessariamente com base numa progressão lógica. Acho que é importante sublinhar que a ‘referência’ pode ler lida no sentido positivo da pesquisa, da vontade de conhecer: ai de quem não vá à procura de referências e fique fechado em si próprio, sem olhar para o lado! Podemos muito bem usar aquilo que já foi inventado, porque cada vez que o fazemos estamos a criar uma nova síntese, diferente e original.
“Podemos muito bem usar aquilo que já foi inventado”
O que é que caracteriza um aluno do Vítor Carvalho Araújo?
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Esse cenário não existe. Podemos tentar desmontar essa questão, eu faço isso comigo próprio, reformulando a pergunta: o que é que caracteriza o modo de ensinar do Vítor Carvalho Araújo? Mas, o que me perguntam é ‘o que é caracteriza um aluno do Vítor Carvalho Araújo’? Espero eu que o caracterize a sua liberdade intelectual, a afirmação própria, o seu à vontade para explorar o que os exercícios sugerem. Mas, se calhar, alguém já respondeu por mim: estou a lembrar-me de uma circunstância, também aqui no Técnico, no âmbito da Semana Relâmpago de 2009. A partir desse projeto, a Professora Teresa Heitor editou uma publicação com os trabalhos e com depoimentos dos professores e dos alunos que participaram. Houve uma colega vossa que respondeu a esta pergunta, dizendo que, quando chegou ao segundo ano – com o ‘VCA’ – sentiu que, pela primeira vez, não lhe estavam a impor regras, estavam a levantar-lhe questões, a propor a descoberta, a sugerir que se divertisse com os trabalhos de Projeto. Esta é uma síntese daquilo que, porventura, poderia ser o meu desejo relativamente ao perfil de um “aluno VCA”. Mas não posso responder pelos alunos.
A próxima questão leva-nos para um campo mais técnico da arquitectura e está associada ao tema das varandas e das marquises. Mais do que expressão arquitectónica, queremos frisar o confronto entre abertura e clausura do espaço e em termos de pensamento. Qual é o seu ponto de vista sobre este tema? Estamos a associar duas palavras que têm significados diferentes e maior diferença existe quando abordamos essas palavras na perspectiva de uma escola de arquitectura. Varanda e marquise: não vou fazer nenhuma desmontagem etimológica, mas a varanda é um espaço que é pensado como um espaço complementar do espaço interno e, portanto, não sendo um espaço exterior por completo é, pelo menos, um espaço de transição. A ‘marquise’, se quisermos simplificar, é uma varanda que se fechou.
“A ‘marquise’, se quisermos simplificar, é uma varanda que se fechou.”
16 A varanda é ou não utilizada da maneira como o arquitecto a pensa? Muitas vezes ela pode não ser utilizada da maneira como o arquitecto a pensou por culpa do próprio arquitecto, porque não a dimensionou, porque não a caracterizou arquitectonicamente com capacidade para ser aquilo que pretenderia ser: um espaço de fruição do exterior a partir do interior que lhe está associado. Por subdimensionamento ou por outro tipo de razões, as pessoas tendem a, pensam elas, tirar partido de uma eventual conquista de espaço.
Mas, a verdadeira conquista do espaço era usá-lo precisamente como um espaço exterior! Por que é que as pessoas abdicam desse espaço? Por que é que, espontaneamente, se subverte o sentido inicialmente dado àquele espaço? Tenho a impressão que é, sobretudo, a vontade de apropriação de espaço, de ‘território’. Se olharmos para uma varanda urbana estamos a falar de um prolongamento do plano horizontal, da área habitável, com a possibilidade, em complemento a um espaço encerrado, de existir um lugar que nos pode abrir mais ao exterior. E o que é que é suposto? É suposto que esse espaço exterior seja fruído a partir daí. Porque a vista é interessante; porque o silêncio está presente; porque a exposição solar é boa; porque eu posso pôr uma cadeira, uma mesa e um copo de água. Quando estas circunstâncias não se verificam – porque há ruído, porque está virado para o vento dominante, porque não tem profundidade suficiente –, as pessoas questionam-se sobre isso e reinventam a sua utilidade.
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Na reflexão sobre a varanda – e com isto não estou a dizer que são os arquitectos que têm a culpa de todas as situações –, o desenho também tem responsabilidade. O dimensionamento, o enquadramento, a possibilidade mais ou menos fácil de, numa manhã, serem montados uns perfis de alumínio para fechar a coisa. Sem que o residente assuma a responsabilidade, cívica e social, de estar a alterar a expressão do edifício, a modificar a leitura urbana da construção. Lembro-me, naturalmente, do modo como o Arquitecto Porfírio Pardal Monteiro desenhou o último piso do edifício do Diário de Notícias, na Avenida da Liberdade. No projeto, o último piso é aberto. É fácil perceber que o desenho antecipa a possibildade de fechamento. No dia em que os vãos foram encerrados, a imagem do conjunto em nada se alterou! Eu gostava de imaginar a ‘marquise’ como qualquer coisa que pode corresponder a uma boa invenção dos utilizadores: algo que eu não tinha e que passei a ter, com a possibilidade de usar desta ou doutra maneira. Mas, esta não é uma leitura universal, porque há uma variação muito grande no entendimento sobre o que se pode fazer desse espaço, que decorre da cultura dos residentes. Nós aí temos que fazer mea culpa e, como Le Corbusier dizia e eu gosto de repetir, “a vida tem sempre razão, os arquitectos é que se enganam”.
“não houve capacidade de antecipação”
Esse engano leva-nos à necessidade de reflectirmos por que é que aparecem marquises inesperadamente adulterando a expressão do edifício. É porque não houve capacidade de antecipação: dimensão, expressão, cultura em sentido lato. Há uma outra perspectiva: a do entendimento colectivo do fenómeno. Vemos algumas cidades portuguesas onde muito raramente isso acontece, pelo que poderá tratar-se de uma questão de cultura e de interpretação. Um passar de mensagem. Com isso não quero responsabilizar o posicionamento cultural dos residentes, mas acho que aquilo que a regulamentação portuguesa fez relativamente a esse fenómeno também é elucidativo. Em determinada altura, evocava-se a ilegalidade do fechamento das varandas. Essa ilegalidade nunca foi verdadeiramente contrariada pelas autoridades. A questão das marquises tem que ser lida na perspectiva do desrespeito pela arquitectura, ou, se soubermos aceitar isso, da insuficiência do arquitecto em trabalhar essa matéria de um modo antecipado.
Para terminar a nossa conversa, em tom de surpresa: se não fosse professor de Projecto, que animal gostaria de ser? [silêncio] Deixem-me dizer um disparate! Eu sempre imaginei que conseguia voar! A ser um animal, teria que ser uma águia. Tenho a memória, desde sempre, de ter sonhado várias vezes que estava a voar, braços abertos por cima das coisas. Sempre me interessou a fotografia aérea, por mostrar o espaço de uma outra perspectiva. Talvez isso seja uma consequência de ver as coisas em planta – como nós estamos obrigados a fazer –, com uma perspetiva diferente, um outro tipo de observação. Hoje, os drones são ‘próteses’ que me podem fazer chegar a essa circunstância de ser um animal voador qualquer. Porque não a águia? A envergadura é boa, a qualidade da visão é muito boa e a realidade é olhada de modo abrangente, tranquilamente. São qualidades que eu gostava de ter. Maio 2015
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entrevista
Se um dos temas incidentes na presente edição da NUWS se prende com a questão da referência, torna-se mais do que óbvia a escolha em optar por encontrar referências maiores do mundo do Design, Arte, Arquitectura e História da cidade de Lisboa.
Bárbara Coutinho
Formada em História de Arte, é directora do MUDE, para além de professora convidada do Instituto Superior Técnico, permitiu, com o seu característico diálogo erudito, mas subtil, uma conversa realista onde se exploraram diversos temas da actualidade.
A relação do triângulo “História de Arte - Design - Arquitectura” leva-nos à primeira pergunta instintiva que é se a arquitectura é ou não uma arte. E se sim qual é a relação das duas e se o Design se apresenta de facto como uma ponte. Acho que, a meu ver, a Arquitectura é simultaneamente uma arte e uma técnica. É o resultado desta intersecção, de uma visão mais estética e plástica com a componente técnica estrutural. Aí torna-se muito representativo ir à origem das coisas e do Vitrúvio. Para ser Arquitectura tem de estar assente nas três componentes, Venustas, Firmitas e Utilitas. As três em conjunto fazem a Arquitectura. O Design não é a ponte porque também ele tem estes mesmos valores. Não faz a ponte. A Arquitectura tem esta natureza que a faz tão específica e única. É a singularidade da arte mais a construção. Quando isto não acontece é só construção. E aí entra a importância das novas descobertas e técnicas que fazem desenvolver o pensamento. (…) e nisso o Design, é como a Arquitectura.
“O Design não é a ponte”
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A relação com a construção, os movimentos artísticos, a filosofia mas também o contexto económico político e social. Nomeadamente quando a Arquitectura precisa de meios financeiros e um enquadramento. O Desgin partilha com a Arquitectura características comuns como a utilidade, a funcionalidade e a organização do conjunto. Acontece é que há uma grande familiaridade entre os dois, por isso há tantos arquitectos que são designers também. Mas é difícil tratar Design como Arquitectura, a noção de espaço é completamente diferente, há componentes similares sim, mas o Design não é uma Arquitectura em pequena escala. A origem da palavra ‘design’ advém do desenho. O design pode ser visto como um substantivo e como um verbo, e aí há uma maior proximidade entre os dois, no processo de experimentação, no diálogo e na comunicação, até se chegar a um produto. Se entendermos Design como um processo ai sim, há uma outra familiaridade, quanto ao processo de desenvolvimento.
“o Design não é uma Arquitectura em pequena escala”
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Um dos assuntos abordados nesta NUWS é a influência da referência no projecto da arquitectura. No seu ponto de vista (mais alargado) a referência tem afinal de contas que papel na vida de um historiador, designer, arquitecto? As influências a que um autor recorre afirmam-se com impacto. Como dizia José Ortega y Gasset, ‘’o homem é o homem e toda a sua circunstância’’, havendo imensos factores que o influenciam como o enquadramento cultural e a sua própria visão. Resultam de um processo de vida que, no acto de projectar, assumem uma clara influência. Quanto mais cultura um autor tem, mais criativo ele pode ser. E se não a possuir, não a trabalha, no sentido de ir mais além.
A criatividade não é uma inspiração… dá trabalho. Quanto mais estudadas forem as referências, mais o autor pode ser criativo. Além do mais, o conhecimento histórico é muito importante, dá uma noção de evolução. Do presente. É uma cultura de perceber tradições do país, de perceber a sua origem e os grandes acontecimentos. É a cultura como conhecimento histórico. E isso vale imenso.
“A criatividade não é uma inspiração... dá trabalho”
Então vale a pena ler o jornal todos os dias… Vale. Mas há que saber ler. Há que saber interpretar e descodificar. Há que saber perceber o que se passa a nível do cinema, do teatro, do pensamento. Claro que não há tempo para tudo, mas é importante perceber o que se está a passar, para ser um autor do seu tempo, e, ao fazê-lo, acaba por ultrapassar o seu próprio tempo.
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O outro grande tema desta NUWS é ‘Varandas vs Marquises’. O projecto de reabilitação para o MUDE visa modificar a sua relevância no dia-a-dia da cidade, voltando-se para ela - assim sendo, para a Professora, o MUDE é uma varanda ou uma Marquise na cidade de Lisboa? É uma varanda. E é uma varanda porque tem a ver exactamente com uma abertura e uma leitura mais ampla, e não fechada sobre si mesma. Trata-se de um espaço aberto à cidade e que teve uma atitude muito honesta, mantendo a sua identidade, a sua origem. E sem receios de correr riscos. Quem nos visita hoje sabe que não é um museu perfeito ou um espaço ideal. Aqui não, o MUDE é imperfeito, cansativo como a própria vida. São uma série de lacunas às quais temos de dar resposta. Mas fazemo-lo de portas abertas. Fazemo-lo mostrando que não são precisos grandes meios financeiros e por isso…é uma varanda.
“o MUDE é imperfeito, cansativo como a própria vida.”
23 Por fim, sem maneira de introduzir esta pergunta, se não fosse Historiadora, Professora de Arquitectura e Directora do Museu de Design de Lisboa, que obra de arte seria? Não sei se gostava de ser uma obra de arte. Há obras que são extremamente marcantes, agora comparar o que nós fazemos a isso, é difícil. Há uma certa impossibilidade. Para mim, é muito mais importante ver a arte através da qual o homem se eleva, até além do seu próprio tempo e espaço. É o ultrapassar da matéria, é o lado espiritual. Maio 2015
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varandas vs marquises
binómio varanda-marquise Tiago Alves Miranda O não está sempre garantido, mas por vezes é imperativo fugir a esse cliché. Sim à varanda ou não à marquise? Ou o contrário? A varanda, pelo dicionário, é uma plataforma saliente da fachada de um edifício, rodeada de uma grade ou balaustrada; uma galeria ou ainda uma sala – um espaço. Já no significado de marquise existem outras opções, começando por aquela que refere uma estrutura envidraçada com que se protegem geralmente varandas ou uma espécie de alpendre que serve de abrigo em alguns edifícios. Do ponto de vista de conceito, são situações que remetem para a ideia de que há lugar a uma criação de espaço com características próprias, e nessa génese há um motivo. Estou aqui para garantir que ambos me agradam: os vocábulos; as definições; as formas de conceber arquitectura. Visualizo as suas possibilidades, os seus contributos, o impacto que têm na vida dos utilizadores e as suas valências, senão do valor patrimonial que lhes está associado. Considero que cada uma das situações equivale a uma afirmação: a varanda pela conquista, pelo prolongamento do espaço interior; a marquise por conferir protecção e de querer para si um espaço exterior que, de todo, não é seu. Este discurso segue os fundamentos, os valores da arquitectura: o de construir bem, cumprir a função e garantir conforto. Tanto a varanda como a marquise devem existir de acordo com as necessidades e as situações que justificam a sua construção, pois então que sentido faria? Ninguém quer uma varanda virada a norte ou uma marquise a sul, muito menos um edifício pejado de caixas de alumínio de várias cores e formatos, com mais ou menos janelas, umas com persianas outras com estores brancos. Contudo, é possível que esse cenário se dê e conheça outros motivos, porque apesar do papel do arquitecto ser o de criador que dita as regras do jogo, não cabe ao utilizador segui-las de um modo estrito. Actualmente, o regulamento que orienta a concepção das marquises faz referência à forma e à homogeneidade do conjunto e, nessa perspectiva, sinto a vontade de pegar num tema abordado numa edição anterior da NUWS: o desenho. O desenho surge a seguir à memória, permite conceber e adorar espaços; varandas, marquises ou o casamento de ambos. Ele quer (e pode) valorizar a arquitectura associada a um tempo. E, por isso, existem varandas e marquises sublimes. É esse o meu desígnio, para que a arquitectura enfatize o papel do desenho e naquilo que ele pode melhorar na qualidade destes espaços de estar e ficar.
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epitáfio Manuel Leal Ramos A marquise é especulação imobiliária para as massas: A marquise foi descridibilizada por não ter sido objecto de programa; A marquise prova que a varanda é um anexo impróprio;
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A marquise é a revolução popular contra a conquista da habitação; A marquise foi esquecida porque o Isaltino Morais a legislou*; A marquise prova que a arquitectura tem o seu utilizador em boa conta; A marquise é a separação entre propriedade e arquitectura. A marquise foi humilhada porque já não há espaço para orgulho; A marquise prova que nada basta ser bom se não for efectivamente meu. Se a varanda é a conquista da urbanidade, a marquise é seu epitáfio. *Regulamento para Edificação de Marquises, C. M. Oeiras
Junho 2015
odeio marquises Marta Sassetti
Não quero ofender ninguém; não me interpretem mal. Mas não me dão razão? Há alguma coisa que estrague mais a leitura de um edifício do que vê-lo com marquises, varanda-sim-varanda-não? É um flagelo da sociedade…mas a questão é: porque é que as inventaram sequer? Vamos lá perceber o processo: compramos uma casa, que nem tem muito espaço; temos uma varanda com 2 metros quadrados, que dá para uma avenida barulhenta; temos roupa suja para esconder e tralhas para arrumar; juntamos o útil ao agradável: usamos a varanda que nunca usaríamos e conseguimos esconder os processos não tão agradáveis à vista, mas sempre indispensáveis numa casa, como a secagem daquela camisola interior de avó e das meias com bonecos a jogar futebol. Eu estudo arquitectura e, como seria expectável, um dia gostaria de ser aquitecta. Posto isto, e auto-criticando a minha tão desejada profissão, acho que a culpa das marquises é dos arquitectos. Não são as marquises que vêm matar um projecto imaculado, sonhado por um arquitecto e pensado ao pormenor. Nós criamos e desenhamos para as pessoas, para as suas necessidades. Se desenhamos uma casa, temos, obrigatoriamente, de pensar onde é que se porá a roupa a secar, onde é que se passa a ferro, onde é que se arrumam “as tralhas”. Se fazemos um edifício para as revistas verem, onde até nos esquecemos de que uma varanda de 2 metros quadrados é algo inútil – temos que admitir que já não há brancas de neve que vão dizer “bom dia” aos passarinhos, ao abrir a janela de manhã – então não podemos achar estranho que as marquises surjam na paisagem urbana. Por isso, caros colegas arquitectos, e os que sonham em sê-lo: pensem bem nos vossos projectos e não deem sequer hipótese para o aparecimento de uma marquise. Podemos mudar a tradição portuguesa, da marquise com o estendal! As marquises são fruto das necessidades e da falta de espaço. Mas são feias… não as façam por favor.
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Rua D Pedro V, PrincĂpe Real
lisboa
eventos
Mariana Bacelar de Sousa e Ana Filipa Santos
Ciclo de Cinema Carla Cabanas
11/07
Ciclo de filmes relacionado com o projecto da artista, Celtis Australis L 2015, exposto no centro de arte contemporânea Carpe Diem Arte e Pesquisa, uma galeria de curadoria e produção de cultura comtemporânea.
Carpe Diem Arte e Pesquisa Rua de O Século n.º 79 32
10/07 20/09
Exposição Observações de uma realidade sincopada
Esta exposição de Nicolás Robbio, com curadoria de Filipa Oliveira, propõe uma analogia metafórica entre os pensamentos utópicos do ser humano e a geometria matemática constante nos movimentos da natureza. Podemos encontrá-la no Palácio Pimenta (um dos cinco núcleos do Museu de Lisboa), no Campo Grande.
Palácio Pimenta Campo Grande, n.º 245
até 16/08
Exposição Arquitectos Designers, Mobiliário e Iluminação
É exposta uma seleção de peças de design de produto (mobiliário, luminária e pequenos objetos) desenhadas por arquitectos, entre eles Alvar Aalto, Charles Eames, Michael Graves, Le Corbusier, Eduardo Souto Moura, entre outros, aliando a arquitectura a outra disciplina com pontos semelhantes, o design. Curadoria de Bárbara Coutinho, decorre em simultâneo com outra exposição, também de arquitetura, com retratos de Zaha Hadid, Rem Koolhaas, entre outros.
Museu do Design e da Moda Rua Augusta n.º 24 33
Exposição Paisagem como Arquitectura
Exposição que procura entender as diferentes formas como a paisagem se desenvolve enquanto lugar construído pela arquitetura, tendo como suporte as colaborações entre os arquitetos Paulo David e João Gomes da Silva. Curadoria de Nuno Crespo.
Centro Cultural de Belém Praça do Império
até 02/08
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de Alcântara às Janelas Verdes Mariana Bacelar de Sousa e Ana Filipa Santos
Le Chat qui Pêche
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deve o baptismo a uma célebre rua em Paris, caracterizada pela sua estreiteza. Obra do atelier aspa, caracteriza-se pela sua simplicidade e por passar despercebido na paisagem, tendo-a como foco principal. Situado num topo de um armazém, ao lado do Museu das Janelas Verdes, é o local ideial para uma bebida ao final da tarde, desfrutando de uma vista sobre o Tejo e, durante o mês de julho, podemos contar com as quarta-feiras com Jazz, a partir das 18h.
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MONA Idea Store
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é um novo espaço que procura e oferece as melhores ideias em Portugal e no mundo. Pretende então ser um ponto de divulgação de novos talentos, conjugando uma loja com uma galeria de arte. Surgem, então, dentro de uma gigante lâmpada em cartão alveolar, todas as boas ideias que se vendem nesta loja, desde uma colher avião, que torna mais divertida a alimentação de um bebé, até aos cadernos toalha de mesa, para oferecer a quem adora rabiscar durante os jantares. E em redor desta enorme ideia de cartão encontra-se a exposição “Da Mona aos Paez” (em mostra até ao fim de Julho), que consiste num conjunto de vinte e cinco intervenções artísticas com base nas alpercatas da marca Paez, elaborada por designers, artistas plásticos, street artists e publicitários.
LxFactory
é uma fábrica de ideias, uma fábrica que vende produções de artistas residentes e temporários, servindo ainda de palco a dinâmicas de diversas áreas – acontecimentos nas áreas da moda, publicidade, comunicação, multimédia, arte, arquitectura, musica, etc.
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MNAA
O Museu Nacional de Arte Antiga ou Museu das Janelas Verdes, é visita obrigatória nos roteiros turísticos e culturais de Lisboa. Estabelecido no Palácio Alvor (séc. XVII), o seu espólio representa a colecção pública portuguesa mais importante de pintura, escultura, ourivesaria e artes decorativas europeia, asiática e africana dos séculos XII a XIX.
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Village Underground
Integrado no Museu da Carris, o Village Undergound (VU) é um novo conceito de espaço e centro cultural, tendo como cenário contentores marítimos e autocarros empilhados. Uma nova comunidade criativa em Lisboa, focada na indústria de ideias, arte e eventos.
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Tapada & Palácio das Necessidades Situada entre Alcântara e a Lapa, numa zona recatada da
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cidade, remonta a 1742, quando D.João V ordenou a sua construção, juntamente com o Palácio das Necessidades, atual sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Dentro desta vasta área, cerca de 10 ha, podemos encontrar um refúgio de toda a agitação da cidade de Lisboa. Um passeio por entre a vegetação exótica, que circunda lagos e cascatas, repletos de vida, promovendo assim, o contacto com a natureza. Contudo a Tapada da(s) Necessidade(s) encontrase esquecida pelos lisboetas, que a desconhecem por completo. Um espaço que tem imenso para oferecer, com uma vista excepcional sobre o Tejo, mas em que a procura e o interesse é diminuto.
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cรก dentro
definições cruzadas Mariana Bacelar de Sousa
obra
s.f. (lat. opus) Resultado do trabalho ou da acção de: a
ciência é a obra de muitos séculos.
arquitectura (èt.), s. f. (lat. architectura); Arte de construir edifícios; Com textura, planos e projecto.
Acção, acto, feito :
menos palavras e mais obras. mais adv. (lat. magis); Em maior quantidade, em grau superior: O Brasil é mais vasto que a República Argentina. Adj. Maior, em maior quantidade: ele tem mais juízo do que tu. antónimo: menos.
mãos à obra. pensamento s. m. ; Faculdade de comparar, combinar e Trabalho: pôr
estudar as ideias: o pensamento é a vida interior. Acto desta faculdade, do qual resulta uma ideia: ter um pensamento feliz. O espírito, a alma: o modo de actuar do cérebro.
Trabalhos de fortificação: obras avançadas. Ardil, tramóia: aquilo foi obra do Demónio.
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Gonçalves Dias. Paulo Henrique Durão (PHYD), Arquitecto. Os seus projectos espelham a noção física do tem-
Produção do espírito: as obras de
po como uma dimensão complementar às três dimensões espaciais já por nós percepcionadas.
Conjunto de todas as produções de um escritor, de um artista: . a obra colossal de
Bach Carlos Castanheira Arquitecto, colaborador de Siza Vieira. A sua postura
ímpar perante o objecto, o cliente e, principalmente, o seu colaborador de renome elevam a sua arquitectura conjunta a um exercício premiado pela sua complexidade e controlo das formas e volumes.
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Trabalhos de construção: a casa está (ainda) em obras. Manuel Graça Dias (contemporânea), Arquitecto. Espelho de que um projecto
nunca acaba, seja por reflexões do próprio arquitecto, seja por condicionantes exteriores ao trabalho em atelier, como a cultura, o campo financeiro e/ou político.
falada s.f. (lat. opus)
Acção ou facto Promontório que dá que falar. atelier de arquitectura, representado por Paulo Martins Barata, Arquitecto. Falácia. Murmuração. Discurso. Ant. Fala.
Arquitectura de elites, expansiva e monumental. Marketing no seu expoente máximo, vai até aos limites da arquitectura enquanto produção para o indivíduo ou para as massas.
obra falada
Mariana Amado Trancoso
Somos feitos de movimento. Seja o que for que mais nos interesse, somos feitos de algo que, simultaneamente, nos move e nos faz mover. E a arquitectura vive do movimento de quem traça e do movimento de quem pisa. Aprender arquitectura é muito mais que estar a tirar um curso na faculdade. Aprender arquitectura, para mim, tem sido aprender a ouvir, a olhar. Acima de tudo, aprender a aprender. Pouco depois de me juntar à equipa do NucleAR, foi-me dado a escolher a que projecto me gostaria de juntar. Escolhi a Obra Falada. Todos nós temos preferências. Trazer arquitectos completamente diferentes entre si e tão iguais no gosto que os move trouxe a este evento uma vasta diversidade. O mesmo tema, a mesma nacionalidade – quatro conferências em nada semelhantes. A conferência de Paulo Martins Barata trouxe-nos a realidade de um mercado de requinte e extravagâncias. Num à-vontade de quem domina um campo da arquitectura um pouco distante daquele a que estamos acostumados, mostrounos como lida com pedidos excêntricos que, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, são, de facto, possíveis de concretizar. Paulo Henrique Durão falou-nos num tom suave e ponderado. Cada projecto apresentado mostrou-se um reflexo desta mesma serenidade e espelha uma singularidade própria. Debruçando-se sobre o tema do Tempo na arquitetura, dá poesia a quem vivencia os espaços que cria. Manuel Graça Dias, dotado de um inigualável sentido de humor, falou-nos num jeito muito terra-a-terra, lembrando-nos que a arquitectura depende da proximidade – ao espaço, aos lugares, às pessoas. Há algo de muito humano nos seus projectos. As pessoas para quem projecta estão constantemente presentes no seu discurso e isso reflecte-se na sua obra. Carlos Castanheira apresentou-nos vários projectos de co-autoria com o arquitecto Siza, tendo-se focado no Edifício sobre a água. É um arquitecto muito atento, que mostra uma grande preocupação com todos os detalhes, com jogos de luz e vistas. Não falou sobre projectos apenas em nome próprio, tendo-nos deixado curiosos. A arquitectura é para as pessoas. É sobre elas que o lápis traça e concretiza. O cliente traz consigo ideias – cabe ao arquitecto interpretar. A Obra Falada surge do interesse em compreender este processo. É desta simbiose entre quem pensa e quem utiliza que a arquitectura nasce. Compreendo que, pelo meio, existem restrições impostas por isto e por aquilo. Mas é disso mesmo que a arquitectura trata. É o dar a volta a um sem número de questões e de limites. São os limites que nos trazem liberdade – a liberdade de lhes responder. Não existem respostas sem perguntas. Não existe arquitectura sem pessoas.
Maio 2015
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um feedback Rita Amado
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Arquitecturas escritas nasceu de uma ida à sede da trienal de lisboa para a apresentação do livro “Koolhaas Tangram” da editora circo de ideias. Estávamos em pleno novembro, de copo de vinho na mão e com uma curiosidade tremenda do que viria dalí. Assistimos a uma conversa entre seis autores, críticos e teóricos da arquitectura que nunca tinha acontecido à nossa frente. Passados seis meses, tivemos a primeira de muitas (esperemos!) sessões em torno de arquitecturas que não se encontram em forma de edifício mas sim em forma de livro. Estiveram presentes no debate de terça-feira, dia 13, os arquitectos Pedro Bandeira, Pedro Baía, Ana Vaz Milheiro e Diogo Seixas Lopes que nos apresentam os livros “Koolhaas Tangram” e “Eduardo Souto Moura: Atlas de Parede, Imagens de Método”, das editoras circo de ideias e dafne, respectivamente. Havia alguma expectativa em cima da mesa, para ser sincera, que foi incrivelmente preenchida por parte de Pedro Bandeira que nos mostrou um domínio na área da imagem como representação da obra arquitectónica, mostrando que seria possível um livro que só conteria imagens. Por parte de Pedro Baía, tivemos uma descrição um pouco alongada mas muito elucidativa de todo o processo de concepção do livro “Koolhaas Tangram” que foi completando com a apresentação de um vídeo, executado pelos alunos de Ana Vaz Milheiro, cuja interpretação do seu texto foi bastante cómica e desprendida. A relação do texto que Ana Vaz Milheiro escreveu com a apresentação que fez deste, no debate, ficou um pouco aquém das expectativas criadas após a apresentação na trienal. Havia uma relação muito interessante que a própria fez do Rem Koolhaas com Eduardo Souto Moura que permaneceu escondida durante este debate pois prendeu-se, em demasia, à demonstração do vídeo. Quando confrontada pela audiência sobre a relação da obra escrita “Delirious New York”e a Casa da Música em si, esta não soube opinar sobre a possível relação que haveria entre a tal arquitectura escrita e a arquitectura concretizada. O debate acabou com Diogo Seixas Lopes a falar sobre o seu último projecto, pergunta colocada pela audiência, relacionando-o com “S, M, L, XL”o que demonstrou uma grande capacidade para manter a conversa dentro do tema do debate. Arquitecturas escritas finalizou-se, tal e qual como foi inicialmente idealizado, de copo de vinho na mão e na conversa sobre arquitectura.
Junho 2015
sobre o debate arquitecturas escritas Nuno Matos Silva
Atlas, a primeira palavra do título do livro – “Atlas de Parede. imagens de Método. Eduardo Souto de Moura.”, uma das obras comentadas no encontro Arquitecturas Escritas promovido pelo Nuclear, sinaliza a clara referência ao – “Atlas Mnemosyne”, de Aby Warburg (1866-1929), uma colecção e imagens com quase nenhum texto, mediante a qual este influente historiador de arte pretendia seguir a história da memória da civilização europeia. Isto mesmo foi sublinhado, no decorrer do debate, por Pedro Bandeira, a quem Diogo Seixas Lopes atribuiu os principais créditos da edição – “Mais do que de Eduardo Souto de Moura, esta é uma obra de Pedro Bandeira”, (cito de memória). Percebeu-se o acolhimento desta livre associação de imagens/ideias pelos deserdados do post-modernismo. Igual aragem de novidade e inquietação intelectual soprou do lado dos intervenientes noutro livro comentado no debate – Koolhaas Tangram, apresentado pelo editor Pedro Baía e por Ana Vaz Milheiro, autora do ensaio “Sem sombra de Koolhaas. Os críticos também falham” incluído nesta colecção de textos sobre a obra de Rem Koolhaas, dez anos depois de ter escrito sobre este autor da Casa da Música, cuja influência sobre a arquitectura portuense o livro questiona. Com tão ubíquos arquitectos como Koolhaas ou Le Corbusier, torna-se legítimo perguntar como mais influenciaram a arquitectura, se com a obra construída se com a obra escrita. Quem leu não estranha a preferência da tale sobre a ride. Sente-se provinda do Norte esta necessidade de fundamentar o fazer. São do Porto as duas editoras representadas. Talvez que o protagonismo desta cidade no campo da arquitectura provenha do cruzamento de desenho e sentimento com a exigência de pensamento estruturado, e consequentemente da escrita. A quem assistiu, o debate deixou uma bela mostra das recompensas que se podem retiram do sentido crítico.
Junho 2015
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fim
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Direcção Editorial
Coordenação de Conteúdos
Rita Negrão
António Muralha Gaspar Crespi Tiago Alves Miranda
Editores
Coordenação Artística
Ana Filipa Santos António Muralha Gaspar Crespi Manuel Leal Ramos Mariana Bacelar de Sousa Rita Amado Tiago Alves Miranda
António Muralha
Desenho Gráfico
Manuel Leal Ramos
Revisão
Mariana Bacelar de Sousa Tiago Alves Miranda
Reportagem
Ana Filipa Santos Mariana Bacelar de Sousa
Relações Externas
Gaspar Crespi Rita Amado Tiago Alves Miranda
NucleAR