EDIÇÃO
ESPECIAL
A DEUSA DE MIL FACES POR QUE A NOVA POTÊNCIA ASIÁTICA CONQUISTOU O MUNDO • Os TEMPLOS e as CIDADES SAGRADAS • A ARTE e o luxo dos palácios dos marajás • PRAIAS, RAVES, SOFTWARES... a revolução da Índia moderna Edição 134-A
AINDA
A COZINHA indiana • O CINEMA de Bollywood • Os melhores PACOTES
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CHECK-IN
24
A DEUSA DE MIL FACES
48
PAISAGEM HUMANA
32
CORES E SONHOS DO RAJASTÃO
54
AGITOS TROPICAIS
36
ODE AO AMOR
58
PRAZERES DA METRÓPOLE
38
PAZ NO PORTAL DO HIMALAIA
64
FESTIVAL DE SENSAÇÕES
42
A NAMORADA DE SHIVA
68
DESEJO E ATITUDE
46
SOB A ÁRVORE DE SIDARTA
Enigmática e contraditória, a Índia surpreende e se torna a nova estrela do mundo globalizado
Os prédios azuis, a cidade cor-de-rosa e a paisagem dourada da região mais visitada do país
O Taj Mahal, o grande cartão-postal indiano, é poesia concreta de uma paixão ardente
Entre o Rio Ganges e a montanha, Rishikesh se impõe como a capital mundial da ioga
Sagrada, intensa e caótica, Varanasi é uma parada obrigatória mesmo para o mais cético viajante
As pessoas, suas histórias e o sorriso no rosto da multidão: o melhor da paisagem indiana
Festas pra lá de liberais esquentam as noites de jovens turistas nas praias de Goa e Kerala
Riqueza, ousadia e uma pitada de Ocidente fazem de Mumbai a cidade mais vibrante da Índia
Colorida, saborosa e apimentada, a comida indiana é também remédio e ritual para os deuses
A aventura de percorrer a Índia como mochileiro cansa o corpo, mas lava a alma
A figueira sob a qual Buda alcançou a iluminação atrai milhares de visitantes a Bodhgaya
SEÇÕES 06 MAPA 8 14 70 74
PEQUENO MANUAL DO LEITOR DE VT • Os pacotes turísticos indicados na revista não são publicidade paga. São selecionados pela redação entre as melhores opções disponíveis. Os preços são por pessoa, em apartamento duplo. Referem-se aos menores valores da baixa e da alta temporada (AT). Incluem passagem aérea ida-e-volta, partindo de São Paulo. Exceções estão mencionadas. Todos os valores foram pesquisados em novembro de 2006 e estão sujeitos a alterações. • Os estabelecimentos que aceitam cartão de crédito são indicados assim: Cc = aceita cartão, Ae = American Express, D = Diners, Mc = MasterCard, V = Visa. • FALE COM A REDAÇÃO: Comentários sobre esta edição especial de Viagem e Turismo podem ser encaminhados para o atendimento ao leitor: revistaviagem.abril@atleitor.com.br.
NA CAPA O deus Krishna, em pintura na porta de uma casa de Udaipur, no Rajastão Foto de Ric Ostrower
O ESSENCIAL SUPERTOUR COORDENADAS UM OUTRO OLHAR
RIC OSTROWER
O Templo Dourado de Amritsar, no Punjab: esplendor da fĂŠ
A deusa de mil faces
COMO SUAS DEIDADES, QUE MUDAM DE ROSTO E HUMOR, A ÍNDIA ENCANTA E SURPREENDE COM SEU MUNDO DE CONTRASTES POR JOMAR MORAIS
É “
difícil amar a Índia”, escreveu JeanClaude Carrière, um dos grandes roteiristas do cinema contemporâneo, autor de um livro em que expõe sua paixão por esse país distante e enigmático. Quarenta dias depois de percorrer mais de 10 mil quilômetros do território indiano, visitar cidades e vilas, conhecer uma parte de seus templos milenares e de sua modernidade caótica, pousar
em ashrams de diferentes gurus e interagir com o seu povo em situações que, não raro, desafiam a lógica, peço licença para acrescentar outro detalhe à constatação do cineasta francês. É também difícil, muito difícil, não se deixar seduzir pela Índia. E mais difícil ainda esquecê-la. Amando-a ou detestandoa – e as duas reações podem ocorrer simultaneamente –, voltamos de lá com um selo indelével aplicado à mente e ao coração, uma marca formatada
RI C OS T ROW E R
Ă€ beira do Ganges, em Varanasi, o sadhu preserva o espĂrito de eras remotas
RI C OS T ROW E R J OM A R MOR A IS
RI C OS T ROW E R
O insólito painel indiano, em sentido horário: o riquixá com tração humana, em Calcutá; a sala dos pujas e a suástica (ícone ariano adulterado por Hitler), símbolo do movimento da vida; o jainista de mordaça, para não ferir nem mesmo um inseto; e, na página oposta, vacas no centro de Mumbai
GI TO VIAGEM E TURISMO 26 EÍNDIA
J OM A R MOR A IS
por choques e êxtases que, de algum modo, nos faz refletir sobre o que jamais pensamos antes. Mais que misteriosa e mística, a Índia é diversificada e contraditória. E essa predisposição para lidar com os opostos e acolher tudo, tudo transmutando em seu caldeirão de regras escritas e ocultas, é a primeira causa de espanto para quem chega trazendo na bagagem uma visão idealizada do país. Não é confortável ver o clichê de um lugar tranqüilo, asséptico e espiritual, onde as pessoas entoariam mantras o dia inteiro, dissolver-se na poeira, na fumaça e na sujeira das ruas, na algaravia constante das multidões – onipresente num país com mais de 1 bilhão de habitantes –, na miséria exposta de milhões de pessoas, na esperteza de cer-
tos mistificadores e, sobretudo, no trânsito infernal das cidades, onde pedestres, carros, riquixás (triciclos movidos a motor ou pedal) e vacas têm de improvisar acordos na ausência de semáforos. Para alguns, é a frustração de um projeto de vida. “Já vi pessoas que vieram para ficar três meses retornarem na primeira semana”, disse-me o canadense Gilles Bacon, um professor de ioga de Montreal que, pela terceira vez, está passando um ano na Índia. “Algumas choram, decepcionadas.” Como os conquistadores arrogantes de outrora e os preconceituosos de todas as épocas, os que se agarram aos contornos imaginários de uma Índia etérea e pura acabam impossibilitados de perceber uma outra sutileza desse complexo subcontinente. Na Índia, o presente não descarta o passado e muitas eras compartilham o mesmo espaço, numa aquarela de hábitos, idéias, crenças, filosofias e também ciências, que se relacionam até quando se encontram em aparente rota de colisão. Quem consegue superar esse choque inicial logo percebe que a Índia, apesar de seus contrastes, não é um país mergulhado no atraso, em descompasso com o mundo atual. Ela detém a segunda concentração de Ph.Ds. do planeta (atrás apenas dos Estados Unidos), fornece especialistas em informática para vários países, dispõe de um excelente sistema de comunicações, envia satélites ao espaço e até virou potência nuclear. Favorecida por um estado laico e democrático, sua economia cresce ao ritmo de 7% ao ano e pode tornar-se a terceira do planeta até 2040, segundo algumas previsões. É, no entanto, zelosa de seu patrimônio cultural e espiritual de mais de 5 mil anos e a ele se refere constantemente para viver o presente, ainda que não existam garantias de que continuará a fazê-lo para moldar o futuro. Conhecê-la é desfrutar de uma oportunidade rara de realizar uma viagem física no tempo, navegando na diversidade e complexidade do único império ancestral a sobreviver quase intacto nos nossos dias, com um arcaVIAGEM E TURISMO ÍNDIA 27
DI V U LGAÇ Ã O
FA BI A N A Z A N NI
moda-se num curral doméstico bouço filosófico a cada dia mais de menos de 20 metros quadrasolicitado no Ocidente. dos, para espanto de visitantes, Em Varanasi, a mais sagracomo eu. Que país conseguiria da das sete cidades sagradas manter assim, tão próximos e indo hinduísmo, deparei com teragindo, uma era de rituais toum retrato perfeito dessa acutêmicos e os tempos cibernétimulação dos séculos. Numa cos? A Índia consegue e, às veviela enlameada, uma vaca, zes, isso é difícil de entender se ciosa de seu status divino, não olharmos para a mitologia soaguarda a passagem de devo- Em Jaisalmer, como em toda a Índia, a bre a qual ela existe e se move. tos de Shiva, a caminho do tradição e a tecnologia já se entendem À margem de rios e na solidão Templo Dourado, esgueirando-se sob a placa de uma lan house bem equipa- das florestas, os indianos conceberam no passado da, onde jovens se conectam ao resto do mundo um universo que – ao contrário daquele modelo espela internet. Pés descalços e testas marcadas pe- treito e linear, centrado na Terra, adotado por muilo vibhuti vermelho, a cinza sagrada com a qual os tos séculos no Ocidente – tinha dimensões incohindus assinalam o ajna – o olho astral, entre os mensuráveis e ciclos temporais que se repetem e supercílios –, muitos na multidão portam telefo- se entrelaçam. Nessa representação, é possível a nes celulares sofisticados, produzidos no sul do convivência dos opostos e compreensível a existênpaís e exportados para a Ásia e a Europa. Quando cia de um panteão de divindades que beira os 36 mil uma brecha se abre entre os fiéis, a vaca cruza a vie- deuses e semideuses, cada um expressando tão-sola, entra por uma pequena porta e, finalmente, aco- mente aspectos, diferentes e polarizados, de uma única substância. Desde a concepção védica, baseada em arquétipos e cultos tribais, o universo indiano é complexo e repleto de atalhos que realçam a impossibilidade de um sentido único, evidenciam a ilusão das formas e nos convidam a fruir o prazer dos encontros inevitáveis. A Índia vive esse modelo. Para entendê-la, é preciso que esqueçamos, ainda que por um breve tempo, o pensamento lógico de nossas elaborações e comparações, permitindonos o deleite de suas cores e crenças sem a preocupação de explicar coisa alguma. Em Bodhgaya, a cidade onde Sidarta Gautama tornou-se o Buda, ao ver budistas e hinduístas praticando rituais distintos sob o mesmo templo, perguntei a meu jovem guia, Habi, qual a sua religião. Habi respondeu, sorrindo: “Na Índia, todos somos hinduístas. Tudo é hinduísmo”. Não poderia ser mais preciso. O que chamamos hinduísmo – e esO Akshardham Complex, de Délhi: parque temático ta é uma palavra criada pelos ingleses no século 19 hinduísta com porte e recursos técnicos da Disney 28 ÍNDIA VIAGEM E TURISMO
M A RIE A NGE
No Forte Meherenghar, um marco de guerra em Jodpur, a poesia da danรงa
RI C OS T ROW E R
Na ghat de Varanasi, o sadhu medita alheio ao movimento da vida: a meta ĂŠ unir-se a Shiva
RI C OS T ROW E R
– não constitui uma doutrina homogênea, mas uma amálgama de crenças ancestrais, seitas e filosofias que têm por base a idéia de um universo multifacetado, essencialmente inexplicável e só compreensível pela experiência. Talvez esteja aí o espírito zen que tantos buscam e nem sempre encontram nas peregrinações junto ao Ganges e nos retiros com gurus: uma abertura fundamental para a vida, a disposição de fluir com ela e, ao contrário do que imagina o senso comum, também para interagir e mudar com as circunstâncias. Na mitologia hindu, registrada parcialmente no gigantesco poema épico Mahabharata e no Ramayana, nem os deuses estão presos às suas identidades e atribuições. Shiva já foi Rudra na pré-história védica. Gayatri, um raio do sol, metamorfoseou-se numa deusa de cinco cabeças. Indra perdeu parte de seu poder. Textos sagrados se sucederam e se completaram ao longo de milênios. Abaixo desse Olimpo, a Índia humana e concreta também se move, mais rapidamente do que podemos perceber a distância, na direção de um futuro só em parte decifrável. As vitrines do Connaught Place, a área do comércio chique de Délhi, não escondem, com a sua profusão de modelitos ocidentais e roupas sumárias, que os indianos estão sendo assediados por novos desejos. A escassez de santuários hinduístas nas ruas de Bangalore, a capital da informática e da biotecnologia na Índia, talvez seja um sinal de que Krishna e Ganesha já disputam espaços com os deuses da tecnologia. A explosão, em Mumbai – a locomotiva econômica e cultural do país –, de bares que vendem bebidas alcoólicas e de boates liberais, onde até um tímido movimento gay mostra a cara, aponta para o início de uma revolução de costumes numa Índia tradicionalmente conservadora e pacata. O espírito da Índia ancestral e ascética sobreviverá a esses tempos de McDonald’s e Pizza Hut, rock e música tecno, debates na imprensa sobre liberação sexual e consumo explícito nas ruas e na te-
Em Junagad, as cores da feira de frutas e legumes
levisão? Talvez a resposta certa para essa questão seja a que ouvi do executivo Shaile Singh, no trem que me levou a Rishikesh: “Há séculos os ocidentais despejam aqui suas novidades. Nós as absorvemos e as transformamos”, disse o jovem, devoto de Hanuman, o mítico macaco servidor de Rama, invocado pelos hindus nas situações em que se faz necessária uma saída criativa. Talvez a razão esteja com a serenidade de Deepak Lakshman, um engenheiro de cabelos grisalhos que encontrei a caminho de Puri, no extremo leste. “Chegou a hora do equilíbrio”, afirmou. “É preciso aproveitar o melhor dos sistemas de vida do Oriente e do Ocidente.” Talvez, enfim, estejam certos os que acreditam que a cosmogonia e o conjunto de tradições que resistiram a séculos de invasões e domínio estrangeiro sucumbirão em breve ao furacão da cultura ocidental globalizada. Na dúvida, o melhor é arrumar as malas e ir já conhecer o que a Índia tem a mostrar como senhora do tempo, uma deusa de mil faces. VIAGEM E TURISMO ÍNDIA 31
A LE X ROBINS ON
Tapeceiros de Jaipur: artesanato fino na cidade erguida por um marajĂĄ do sĂŠculo 18
Cores e
sonhos
do tempo dos marajás NO RAJASTÃO, A ARTE E A RIQUEZA DE FORTALEZAS E PALÁCIOS NABABESCOS POR FÁBIO NEGRÃO
É
na fronteira com o Paquistão – onde encontrar um camelo nas ruas é tão comum quanto uma lata de Coca-Cola – que está a Índia mais colorida de todas. Jaipur, a capital, é repleta de edifícios cor-de-rosa. Jodpur, toda azul, ganhou até o apelido de “a cidade dos smurfs”, numa referência aos duendes azulados do desenho televisivo infantil. E Jaisalmer, com seu forte medieval doura-
do, leva-nos a sonhar com as aventuras árabes de As Mil e Uma Noites. Estamos falando do Rajastão, o maior estado indiano, com suas cidades milenares, lagos sagrados e desertos a serem explorados – claro! – nas corcovas dos camelos. O Rajastão é a região mais visitada da Índia. E tantos olhares de turistas acabam por alterar o comportamento dos nativos, ofuscando um pouco a alma desse lugar, que guarda, em palácios
H E N RIQU E R AUCCI
Na manhรฃ de Rishikesh, as รกguas do Ganges e a bruma da montanha inspiram o devoto de Krishna
Paz Himalaia no portal do
ENTRE O RIO E A MONTANHA, RISHIKESH TEM BELEZA, MISTICISMO E SAUDADE DOS BEATLES POR CLARA HORI
R
ishikesh é para a ioga o que o Vaticano é para a religião católica: o centro do mundo. Quem tem saudade dos anos 60 se sentirá (quase) em casa. Rishikesh ficou conhecida porque os Beatles foram para lá encontrar com Maharishi Mahesh, seu guru. Os Beatles não existem mais, e o Maharishi também não, mas milhares de pessoas continuam fazendo a mesma rota, procurando seus mestres, que, quando não estão em transe meditativo em cavernas
escuras, recebem seus seguidores nas margens do rio. A ioga está em todos os lugares. Os hotéis e até mesmo os restaurantes oferecem aulas, e qualquer muro ou poste está coberto de cartazes e panfletos oferecendo auto-realização instantânea. Pequenas livrarias aparentam modéstia, mas possuem um estoque capaz de levar metade da população mundial ao nirvana. CDs com mantras, tradicionais e remixados por DJs da moda na Inglaterra, tocam em todos os lugares. O místico é corriqueiro em Rishikesh – e
A namorada Shiva de
VARANASI, A CIDADE MAIS SAGRADA DO HINDUÍSMO, É UM SHOW DE RITUAIS QUE EXALTAM A VIDA E A MORTE POR CLARA HORI
V
aranasi, às margens do Rio Ganges é o lugar mais sagrado para os hinduístas. Também rotulada de Benares durante a invasão muçulmana, é conhecida pelos devotos simplesmente como Kashi, a cidade da luz fundada pelo próprio Shiva. É uma das cidades mais antigas do mundo, com mais de 2 mil anos de história, e um destino imperdível para quem visita a Índia, ainda que chocante para os olhos
ocidentais. Hindu que se preze deve peregrinar até Varanasi pelo menos uma vez na vida e, de preferência, todos os anos. Na tradição hinduísta, o Rio Ganges é “a grande mãe”, fonte de vida emanada do próprio Shiva, e os hindus acreditam que suas águas podem limpar os pecados de uma vida inteira e melhorar o karma. É bom purificar-se no Ganges – e em Varanasi ele é caudaloso. Melhor ainda é morrer na cidade. Longe de ser mórbido, é auspicioso, já que,
H E N RIQU E R AUCCI
Ritual do banho de purificação nas águas do Ganges: uma porta de acesso ao nirvana
Paisagem
humana A ALMA DA ÍNDIA ESTÁ NAS PESSOAS, EM MEIO À MULTIDÃO TEXTO E FOTOS CACO DE PAULA
A
cena se passa em segundos pela janela do trem. Crianças e jovens acocoram-se na murada de uma ponte. Grudados uns aos outros, aquecem-se como um bando de pássaros sobre um fio de luz. Estamos no Nordeste da Índia. A idéia de privacidade parece não fazer parte da vida por aqui. Às vezes os indianos mostram curiosidade infantil diante do estrangeiro. São muitos, não guar-
dam distância entre si e aglomeram-se naturalmente em torno de quem usa o computador num cibercafé, a ponto de verem estas impressões de viagem que escrevo agora. Aqui a alta densidade demográfica deixa de ser uma noção abstrata para tornar-se uma experiência. Em Varanasi, chego de barco às ghats, escadarias que mergulham no Rio Ganges. Subo cercado por pedintes e vendedores. Amanheceu há pouco e o ar já está tomado pela fumaça de
XI VA S
Mulher casada, com anéis nos pés e sári colorido: 15 horas atrás de água e lenha
RI C OS T ROW E R
Casamento em Mumbai: tradição colorida e barulhenta numa cidade que tem alma festeira
Prazeres da
metrópole RICA E OUSADA, MUMBAI DESAFIA COSTUMES E COMANDA A VANGUARDA CULTURAL DA ÍNDIA POR CLARA HORI
M
umbai é uma cidade que vibra. Com 16 milhões de habitantes e 40% do PIB indiano, esta dinâmica e moderna metrópole comanda as mudanças que estão transformando a Índia. Locomotiva econômica e cultural do país, é centro financeiro, pólo industrial e uma grande produtora de software. Sem falar em Bollywood, com a sua Film City, que produz anualmente
mais títulos que Hollywood (leia mais na pág. 60). Progressista e com um jeito quase ocidental, Mumbai dita novos costumes: vida noturna agitada, povo festeiro e consumo de bebida liberado (em quase toda a Índia, é restrito). Tem até um certo movimento gay, oficialmente ilegal (não confundir com homens de mãos dadas em público: em toda a Índia, isso é comum entre amigos). E tem seus problemas – entre eles, a falta de espaço (a cidade é, na verdade, um
Festival
sensações de
UMA VIAGEM (DE LAMBER OS DEDOS) PELA CULINÁRIA INDIANA POR MÁRCIA BINDO
I
nesquecíveis. Os coloridos pratos indianos de aromas únicos, formas inusitadas e sabores picantes são um convite para aguçar e ampliar os sentidos. É só estar aberto para novas experiências. Como aconteceu comigo, em minha estréia nesta requintada alquimia. Degustei um almoço nos moldes típicos da cultura: sentada no chão, usando os dedos da mão direita como talheres, na companhia agradável de uma família hospitaleira de indianos. Esse hábito, tão diferente
para nós, ocidentais, é comum nas casas e em festividades religiosas. Se você achou esquisito, pode ficar tranqüilo: os restaurantes, em sua maioria, oferecem mesas e a opção de talheres. Como o país é grande, sua culinária é bastante diversificada. Mas pode-se dizer que uma refeição básica indiana leva arroz, dhal (uma espécie de creme de grão de bico, feijão ou lentilha), legumes e pães sem fermento, conhecidos como naan e chapatis, comumente vendidos como petiscos nas ruas,
M A R CI A BIN DO
Almoço em família, no interior da Índia: comida em pratos de folha seca, no chão