Jornal do Comércio | Porto Alegre, quinta-feira, 9 de agosto de 2018
CULTURA
registro, literatura
A livraria guardiã da
3 Assista aos vídeos que produzimos para este especial da Serra em nosso site: www.geracaoe.com. #multimídia
ROBERTA FOFONKA/ESPECIAL/JC
memória serrana
de vários lados do mundo. Sob o balcão onde se acertam as compras está uma fotografia dos A professora de História aposen- campos verdes, 15 dias após o rito tada Luciana Soares (foto), 74 anos, da queima do campo, realizado para virou empreendedora por causa revigorar o solo. “Por que queimáda preservação da memória de sua vamos campo? Porque a geada terra. Ela fez questão de se certificar queimava o pasto, que era seco e que os motivos para abrir a livraria não prestava para nada, só para dar Miragem, na avenida Júlio de Castiincêndio. Então, no mês de agosto, lhos, 811, no Centro de São Francisfazíamos uma linha de fogo que o co de Paula, entrariam na reporvento ia tocando. Era um fogo pela tagem, antes de começar a contar. altura da canela, passava em cima Quem vê os três prédios imponentes de carteira de cigarro e só queimava que englobam café, salão de eventos o celofane. Essa prática bicentenária e livraria não imagina o quanto de era responsável por manter todo história há por trás. A estrutura tem o ecossitema e a nossa cultura, a três andares, uma réplica de galpão cultura dos Campos de Cima da gaúcho, seção infantil e, no último Serra”, descreve. A interrupção da patamar, um sebo soturno com queima do campo e o desencoradireito a piano e clima intimista. jamento da pecuária extensiva, até “A livraria tem passado, tem então principal atividade econômica história e, por isso, tem alma. É uma do município, se deu concomitante coisa que, com à aparição das plantações muita força, mande monocultura de pinus Empreendedora nos campos. O pinus, tém os valores que existiam, da nossa narra as práticas sendo seco, queimaria cultura antiga”, a prática tradicional. do campo nativo com assume. Luciana “Agora, já desfizeram a lei, e preserva a considera que viu mas o efeito dela é para a identidade dos cultura gaúcha sempre”, lamenta. Campos de Cima Para Luciana, manter a como pilar do paisagem da Serra se perder vai além de prenegócio após a lei que ciosismo, tinha importânproibia a tradição cia pelo estilo de vida que serrana da queima do campo (Lei nº proporcionava. “Não só porque era 4.771, de 15 de setembro de 1965). bonita, mas pelo silêncio grandioso. “A minha apreensão da destruiNesse ambiente, era impossível que ção de tudo aconteceu. Hoje, não não se fizesse uma introspecção. E, temos mais nenhuma identidade. nessa introspecção, buscávamos os Perdemos tudo. E éramos uma das valores para viver, tínhamos a noção cidades mais gaúchas do Rio Granreal e clara de que éramos um de do Sul”, pondera. A descaractepontinho na imensidão. E vinha daí rização do gaúcho, segundo ela, foi a concepção de mundo e o desejo motivo suficiente para abrir o seu de preservar”, considera. Na livraria, negócio, voltado para a preservaum pouco desse silêncio pode ser ção desses valores. Agora um ponencontrado, entre os móveis de mato turístico do município, a livraria deira e os ambientes que convidam com vasto acervo atrai visitantes à contemplação.
ROBERTA FOFONKA @rfofonka
ROBERTA FOFONKA/ESPECIAL/JC
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