Edição exclusiva Mastermaq 3 de setembro de 2010 | Edição II
www.revistaencontro.com.br
nota fiscal eletrônica O Sistema Público de Escrituração Digital, Sped, promete acabar com a sonegação. Saiba como ele impacta a economia, as empresas e a sua vida
SORRIA,VOCÊESTÁSENDO
FISCALIZADO ❚PERFIL: O LEGADO DE ANTÔNIO LOPES DE SÁ, O MAIOR CONTABILISTA DO BRASIL
❚SOFTWARES: PROGRAMAS QUE AJUDAM A EVITAR FALHAS NA CONTABILIDADE
❚ PASSO A PASSO: TODO O CUIDADO É POUCO NA HORA DE IMPLANTAR A NF-ELETRÔNICA
Fotos: Cláudio Cunha
26
Encontro nota fiscal eletrônica
6
Perfil
22
Antônio Lopes de Sá: uma vida a serviço da contabilidade brasileira
8
Entrevista O Sped e a Nota Fiscal Eletrônica vistos por Antônio Lopes de Sá
13
Tecnologia Escritórios contábeis e empresas ficam mais integrados
14
Capa Conheça o novo Sistema Público de Escrituração Digital, o Sped
18
Passo a passo Na hora de implantar a NF-e, todo cuidado é pouco
Softwares Programas que evitam problemas na emissão da NF-e
25
Artigo Bomba tributária de efeito retardado
26
Empresas Usiminas: pioneira na adoção da nota eletrônica
27
Artigo Comprei mercadoria com NF-e denegada. E agora?
28
Tira-dúvidas Perguntas e respostas sobre a Nota Fiscal Eletrônica
30
Artigo Alexandre Atheniense e os riscos da fiscalização
4 |Encontro
carta do editor Encontro www.revistaencontro.com.br Diretor Geral/Editor André Lamounier Dir. Administrativa Sandra Bicalho Editora-Chefe Neide Magalhães Editora-Adjunta Blima Bracher Coordenador do projeto Deca Furtado Redação Ana Cláudia Esteves Daniela Costa João Paulo Martins Rafael Campos Simone Dutra Colaboradoras Carolina Godoi Daniele Hostalácio Kátia Massimo Editor de Arte Edmundo Serra Equipe de Arte Antônio de Pádua Bruno Schmitz Luciano Garbazza Reinaldo Soares Editor de Fotografia Cláudio Cunha Fotógrafos Eugênio Gurgel Geraldo Goulart Colaboradora Barbara Dutra Operações Nicole Fischer Manuella Drumond Revisão P. S. Lozar Departamento Agata Utsch Comercial Andreza Braga Beatriz Anastasia Cecília Dias Jamile Lage Laila Soares Myrta Lobato Norma Catão Sônia Gomes Gerente de Circulação Luiza Guerra Assistente de Nayara Fagundes Circulação Projeto Gráfico BravaDesign Para anunciar (31) 2126-8000 comercial@revistaencontro.com.br Atendimento ao leitor (31) 2126-8000 leitor@revistaencontro.com.br Assinaturas (31) 2126-8770 Impressão Ibep Distribuição VIP
TIRAGEM
60.000
Exemplares Tiragem e distribuição auditadas pela
conforme relatório em nosso poder. Encontro é uma publicação mensal da Encontro Importante Editora Ltda. Belo Horizonte Rua Haiti, 176, 3º andar, Sion 30320-140, Belo Horizonte - MG Fone (31) 2126-8000 Empresa filiada à
André Lamounier – Diretor/Editor redacao@revistaencontro.com.br
O silêncio que fala Uma das qualidades do bom jornalista é saber traduzir em linguagem comum termos técnicos e muitas vezes incompreensíveis para a maioria dos leitores. Encontro decidiu fazer um suplemento sobre Nota Fiscal Eletrônica por entender que o assunto pode mudar a vida das empresas e, por consequência, das pessoas e da sociedade. Mas o que significa Nota Fiscal Eletrônica? Como vai afetar nosso cotidiano? Exatamente para responder a questões como essas é que nos propusemos decifrar o tema. A maioria de nossos leitores, seguramente, cresceu ouvindo dizer que o Brasil é um país de elevada carga tributária. Ou seja, uma nação cujos impostos que recaem sobre a sociedade e suas empresas são muito maiores do que a média mundial e do que seria razóavel supor. Isso asfixia os negócios e muitas vezes exige que empresas e pessoas físicas busquem na sonegação um instrumento para fugir das garras do Leão. O Brasil, todos sabem, é também um país de elevada sonegação fiscal. O novo modelo de escrituração contábil proposto pelo governo, denominado Sped, quer acabar com isso. Será possível? Vai implicar aumento nos custos das indústrias e comércio e, consequentemente, maior valor para os produtos consumidos? Isso o tempo vai nos dizer. Fato é: muita coisa pode mudar com o novo sistema. Para a tarefa de tradução convocamos o jornalista Deca Furtado, experiente profissional que durante anos trabalhou na revista Exame, das mais respeitadas publicações de economia e negócios do país. Coube a Deca, por um capricho da natureza, o desafio de ter sido o último jornalista a entrevistar o professor Lopes de Sá, considerado o papa da contabilidade no Brasil, que veio a falecer, subitamente, alguns dias depois. “Foi uma conversa maravilhosa”, disse Deca. “Ele era um homem encantador e nada dizia que a morte o rondava”. A simpatia entre o professor e o jornalista foi imediata e, por alguns momentos, Deca esqueceu a formalidade, deixou o gravador de lado e se envolveu numa palestra leve, tenra e bem-humorada. “Demos muitas risadas”, disse. “Falamos de vinhos, música e viagens”. O resultado desse agradável momento pode ser conferido em duas matérias deste suplemento. Numa delas, um perfil, que pelas circunstâncias implacáveis e incompreensíveis da vida se transformou numa homenagem póstuma que Deca fez sobre Lopes de Sá, num texto absolutamente primoroso e de arrepiar. Na outra, uma entrevista para discutir tecnicamente a questão em pauta: o novo modelo fiscal proposto pelo governo. A revista Encontro pensou também numa maneira de externar seu sentimento pela perda do professor Lopes de Sá. Assim como fazem habitualmente os veículos de televisão, concluímos que a forma mais adequada seria o silêncio, suprimindo as últimas linhas deste editorial. Fique em paz, professor.
Até a próxima, caro leitor.
Encontro | 5
perfil Deca Furtado
Cláudio Cunha
As ciências contábeis perdem Antônio Lopes de Sá, sua maior estrela no país e talvez em todo o mundo Aos 83 anos de idade, completados em abril, Antônio Lopes de Sá, a maior autoridade em contabilidade no Brasil, quiçá no mundo, foi-se no dia 7 de junho, surpreendido por um infarto. Completamente lúcido, e no auge do poder de gerar conhecimento, ele morreu ainda encantado pela vida, que amava tanto quanto a esposa Édila, os três filhos, a contabilidade, os vinhos, os queijos, os autores clássicos, como Dante Alighieri, a ópera – La Traviata era a sua predileta – e Portugal, país que pelo qual foi distinguido com o título de cidadania. Doze dias antes, nada dizia que a morte rondava o professor, como Lopes de Sá era mais conhecido. Ele dera então à revista Encontro sua última entrevista, reproduzida logo adiante e, para comemorá-la, regou o pós-bate-papo com um bom vinho do Douro, acompanhado por delicioso camembert. Alegre, divertido (tinha uma gostosa e às vezes irônica risada), contador de piadas, ele não precisava de mais do que alguns minutos para cativar quem quer que fosse, ou por ser culto e pela arte de esgrimir as palavras sem parecer pedante, ou pelo lado pessoal, pois parecia ter nascido gentleman. 6 |Encontro
Um fabricante de
conhecimento Lopes de Sá, belo-horizontino de nascimento – sua família habitava o Curral del-Rei antes mesmo da fundação da cidade –, também era cidadão do mundo. Duas, três e até mais vezes por ano ele ia à Europa atrás das óperas, gosto que desenvolveu ainda na juventude, quando também se apaixonou pela química. “Fiz o primeiro ano de engenharia química”, revelou na entrevista. Mas, como a família era pobre, ele se viu obrigado a trancar a matrícula. Trabalhava então na extinta Mesbla e era o responsável pela contabilidade de custos da oficina. O gerente lhe abriu os olhos. “Ele me disse: ‘Você já trabalha na área. Ora, por que não faz ciências contábeis? A faculdade é mais barata do que a de química’. No mesmo dia me matriculei na Faculdade Brasileira de Comércio”, contou Lopes de Sá. Isso foi em 1943. Depois disso, o professor trabalhou, durante muitos anos, para o moinho de Felício Brandi, ex-presidente do Cruzeiro, time da sua paixão. Mas, desde criança, o mestre não dedicou muito tempo ao futebol. Ele preferiu dar bola para o aprendizado de línguas – aos 9 anos de idade, garantiu à Encontro, escrevera um pequeno dicionário de grego. Por isso não teve maiores problemas para se tornar fluente nesta língua e em inglês, francês, italiano, latim e alemão. Tampouco para escrever 158 livros – seu Dicionário de Contabilidade, de 1950, é um best seller: vendeu, segundo ele, 50 mil exemplares no país e foi traduzido para vários outros, além de merecer citações de inúmeros autores de todo o mundo. Por isso, até hoje qualquer estudante de contabilidade se forma nos clássicos contábeis escritos por Lopes de
Sá, que são tão imorredouros quanto a lei das Partidas Dobradas, pedra filosofal da contabilidade. Esse lado, de gerador de conhecimento contábil, é destacado por todos os que com ele conviveram. “Ele dizia que o contador precisa compreender os pontos filosóficos e científicos da contabilidade, porque ela tem três finalidades: atender o empresário, o mercado de capitais e o fisco. No Brasil, o viés fiscal preponderou e levou o contador a uma postura tecnicista. Ora, para auxiliar o empresário na tomada de decisão, a questão filosófica é mais importante do que a técnica. Ele queria que o contador pensasse mais”, diz Roberto Dias Duarte, autor do livro Big Brother Fiscal – O Brasil na Era do Conhecimento. A sapiência e a produtividade vinham mais da transpiração do que da inspiração. Às 4h da madrugada ele se levantava para ler, na internet, jornais americanos e europeus. A jornada de trabalho ia até as 23h e era quebrada apenas às 14h30 pelo almoço, sempre regado a um bom vinho e um bate-papo com a mulher, com quem conversava olhando, da varanda da casa de quatro andares, o belo panorama que se descortina Serra do Rola-Moça abaixo. Ao almoço se seguia uma sesta, que ninguém é de ferro. “Não fosse assim eu não daria conta”, disse Lopes de Sá, sem se queixar. É que ele era consultor do Ministério da Defesa, para quem verificava, com rigor ímpar, as contas das Oscips ligadas ao ministério. Vale, Gerdau, Bradesco, Visa, Shell e uma penca de outras grandes empresas o mantinham ocupado como perito contábil. Por isso, pelas mãos de Lopes de Sá passavam grossas
demandas judiciais, inclusive uma de 800 milhões de reais, a maior do país no momento, a envolver a Gerdau e a Sul América Seguros, numa disputa causada pela explosão em um alto-forno da usina de Barão de Cocais. “Meu cliente vai ganhar por causa também do meu conhecimento acumulado”, profetizou. No pouco tempo que sobrava, Lopes de Sá palestrava em Minas Gerais e país adentro – nos últimos tempos participou de várias reuniões onde se discutia a implantação do Sped, tema desta edição, e também para dar suas opiniões sempre bem embasadas. Ele ainda se desdobrava para escrever artigos para sua página na internet. Ali, mesmo sem falar de sexo, futebol e outros assuntos menos áridos que a contabilidade, já acumulara mais de 3,5 milhões de acessos registrados, um recorde. Cerca de 60 sites de todo o mundo o honraram com convites, aceitos, para escrever como colunista. Mas ele nunca abandonou sua coluna semanal, publicada desde 1950, no Diário do Comércio, de Belo Horizonte. Durante a maior parte de sua vida, o professor pertenceu à irmandade maçônica – o edifício-sede da maçonaria em Belo Horizonte foi construído tendo-o como Grão-Mestre, o que muito o orgulhava. Por causa também dessa atividade, Lopes de Sá, que nunca foi de se omitir em nada, andou metido em política. “Nos idos de 1964, as primeiras reuniões de oficiais generais e civis, que acabaram resultando na ditadura militar e nos anos de chumbo, foram feitas em minha casa. Eu me arrependi amargamente de ter participado disso”, penitenciava-se. Amém. ❚ Encontro | 7
entrevista Deca Furtado
Antônio Lopes de Sá Fotos: Cláudio Cunha
“O Estado invadiu o domicílio” Considerado a maior autoridade em contabilidade do país, professor Lopes de Sá critica ânsia fiscalista do governo e a adoção de normas “americanas” de auditoria 8 |Encontro
P
ouco antes de morrer, Antônio Lopes de Sá concedeu esta entrevista em que aplaude a criação da Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), rejeita o Sped, Sistema Público de Escrituração Digital e as normas internacionais de auditoria, clama por reforma tributária, prevê maus dias para os escritórios contábeis e critica o ensino de contabilidade. Leia os principais trechos. ENCONTRO – O que o senhor tem contra as normas americanas de auditoria? LOPES DE SÁ – Não tendo empresa de auditoria, meu interesse é indireto. Mas veja, sou brasileiro e líder intelectual. Legiões de contabilistas se formaram nos meus livros, reeditados já há 50 anos. Não existia, por exemplo, livro brasileiro sobre auditoria. Eu escrevi o primeiro. Eu poderia, com a idade e com a situação econômica que tenho, ficar quietinho. Que é que eu tenho com isso? Mas estou botando a boca no trombone mesmo sabendo que remo contra a maré. Ela é poderosa, pois inclui os bancos. Eu não tenho por que ter medo disso. Então, estou denunciando, porque meio século com preferência do mercado quer dizer alguma coisa, penso eu. É um atestado de liderança. Ela me dá responsabilidades éticas e eu morreria intranquilo caso não denunciasse estas normas. ENCONTRO – O que há de errado com elas? LOPES DE SÁ – Elas favorecem o engodo contábil. Porém, é preciso explicar que há uma guerra pelo mercado mundial de auditoria. Algumas poucas e poderosas auditorias americanas querem dominá-lo em nível mundial, por meio da formação de um oligopólio. As normas servem de armas. Vale lembrar que, no crash de 1929, houve um calote das empresas com ações listadas na bolsa de Nova Iorque. Elas enganaram os aplicadores apresentando balanços favoráveis quando, na verdade, estavam rotas. Era tudo uma miragem, os balanços estavam maquiados. E, não podemos esquecer, a crise econômica mundial de agora é semelhante àquela. Só que, em 2008, bancos e fundos de pensão é que mais fajutaram suas demonstrações contábeis.
Com as normas americanas de auditoria, as empresas vão se valorizar artificialmente na bolsa”
ENCONTRO – Com todo o aparato tecnológico hoje existente, como se explica isso? LOPES DE SÁ – Graças aos auditores americanos. Eles são coniventes. Veja o fundo Madoff, a maior corrente da (in)felicidade do mundo, pois causou prejuízos de incontáveis bilhões de dólares. Ele era auditado! E muitos de seus fundos, que eram seus acionistas, também. Quando arguidas na justiça, as auditorias disseram: “Seguimos as normas”. Ora, quem fez as normas, a partir de 1929, foram elas. A finalidade era tornar os balanços iguais, padronizados e seguidores de determinados princípios. Até aí, tudo bem. Acontece que as forças econômicas presentes nas bolsas têm seus interesses. São os bancos e seus fundos de investimentos. Eles são acionistas das empresas; reservam o filé para si e o osso ao pequeno acionista. ENCONTRO – É por isso que, nas comemorações dos balanços, eles sempre erguem um brinde “aos nossos acionistas”? LOPES DE SÁ – (Rindo). Claro. Como a informação é muito importante, era preciso produzir informações que davam grandes lucros ou grandes perdas, porque na grande perda os bancos compravam, mas já sabendo que havia um lucro embutido. No outro ano havia grande lucro? Todos corriam para comprar. Eles vendiam e assim, entre 1929 e 1970, nunca perderam. ENCONTRO – E isso continua? LOPES DE SÁ – Esse conluio foi estourado
na década de 1970 pelo Senado americano, que abriu um inquérito graças às revelações de um livro escrito pelo professor Abraham Briloff, da Universidade de Nova Iorque. O inquérito rendeu mais de 1.700 páginas. Chegouse à conclusão de que o instituto americano dos contadores, o Fasb, dominado pelas forças das transnacionais de auditoria, estas por sua vez dominadas pelas forças econômicas, faziam as normas ao jeito delas. ENCONTRO – E então? LOPES DE SÁ – As oito maiores auditorias da época, hoje reduzidas a quatro, as big four (NR: KPMG, PriceWaterhouseCoopers, Deloitte Touche Tohmatsu e Ernst Young), fizeram novas normas e continuam usando o Fasb para atender aos seus particulares interesses. O jogo da mentira seguiu acobertado pela imprensa americana. Ela mente. Mente poderosamente, dizendo que é uma maravilha, porque o dinheiro corre atrás disso. E o nosso governo, que tem elementos das transnacionais entre os seus quadros, cuida da adoção dessa patifaria entre nós. ENCONTRO – Mas as normas são as mesmíssimas? LOPES DE SÁ – Os interessados dizem que as normas são da inglesa Iasb ( International Account Standards Board). A Iasb é o próprio Fasb, uma vez que na essência suas normas são as mesmas. “Eu estou brigando com você”, dizem pelos jornais. Só pra inglês ver: as normas são as mesmas, a convivência é perfeita. Quem preside a Iasb é um dos sócios da KPMG, uma das big four. Meu Deus, é tudo tão evidente! ENCONTRO – Que perigos corremos com a adoção? LOPES DE SÁ – Aqui poderá ser pior, pois os fundos de pensão das estatais estão na bolsa e serão contaminados. As empresas já mostram lucros fantasiosos Encontro | 9
entrevista porque, pelas normas americanas, se hipervaloriza o intangível, o fundo de comércio. Há uma maneira técnica de calculá-lo, como demonstro em meu livro Fundo de Comércio. Porém, depois de dizerem, em 27 páginas, pode isso, não pode aquilo, as normas que estão impondo dizem: “Salvo se não houver outro critério eleito pela empresa”. É risível, pois os valores a serem lançados no balanço passam a ser os de mercado. Na prática, os que a empresa quiser. Geralmente, elas lançam valores pelo que se poderia vender. ENCONTRO – Mas isso não é só uma probabilidade? LOPES DE SÁ – Não. Na crise americana, o sujeito comprava uma casa de 2 milhões de dólares, com 40 anos de prazo. E o banco financiador nem queria saber de verificar a capacidade de pagamento. Ele se embriagava com os juros, que elevavam o total a 5 milhões. O banco então emitia um título, relativo à probabilidade do lucro – chamase derivativo. Ou seja, em cima do poderia. A seguir, o comprador do título lançava no balanço como futuro de lucro, mais valorizado ainda. E vendia a outro. Essa corrente da felicidade estourou porque veio a crise e o comprador do imóvel se tornou inadimplente. No Brasil poderá ocorrer o mesmo. As empresas vão se valorizar artificialmente e levantarão dinheiro nas bolsas. Espertalhões se aproveitarão para fazer dinheiro às custas de pobres otários. Mais adiante, teremos
uma crise produzida por nós mesmos. Enfim, não há vantagem na adoção das normas. “A vantagem é a economia globalizada”, dizem. Mas nós não temos quase nada no mercado internacional! ENCONTRO – Mas, porque o mercado aceita, se isso é uma coisa de futuro? LOPES DE SÁ – Esta é a pergunta e eu até escrevi, recentemente, um artigo cujo título é: “O balanço é de futuro ou de presente”? O balanço não é uma fotografia do presente? Ou quando eu poso para uma fotografia você está me fotografando aos 98 anos? Isso é tão irracional que chega a ser risível. O pior é que a CVM, o Banco Central, o Conselho Federal de Contrabilidade, nos obrigam a seguir uma patifaria dessas. Que houvesse normas. Eu não sou contra isso. Mas facultativas. Do tipo “eu te aconselho a fazer isso”. Mas não obrigatórias. E a consciência profissional? A ética? ENCONTRO – O que o senhor diz da Nota Fiscal Eletrônica, a NF-e? LOPES DE SÁ – Boa ideia. Ela poupa milhares de árvores e evita aquele processo enorme que travava tudo, o de obter talão para emitir nota fiscal, pois pedida a autorização, está dada. Isso melhorou muito, muito mesmo. ENCONTRO – E do Sped? LOPES DE SÁ – Como todo sistema, tem prós e contras. Se a intenção era acabar com a sonegação, a NF-e bastava. Eu vejo no Sped um grave demérito: o princípio constitucional da privacidade garante o sigilo fiscal e contábil das pessoas. E empresas são pessoas jurídicas. Com o Sped, o Estado armou um Big Brother fiscal e invadiu o domicílio. Imagine uma indústria qualquer. Uma concorrente, por vazamento, pode ficar sabendo onde ela compra, o que com-
Dá para escapar do Sped. Basta abrir uma nova empresa e optar pelo regime do lucro arbitrado. Só que a taxação é maior” 10 |Encontro
pra, a que preço, como vende. Então, isso é grave, pois acaba com os segredos. A Coca-Cola, por exemplo. A fórmula do refrigerante é um segredo industrial. Ora, sabendo as quantidades, pode-se deduzir a fórmula. ENCONTRO – Mas o Leão não tem computadores supervigiados? LOPES DE SÁ – A despeito de toda a segurança oferecida pela Receita Federal, quem pode garantir o não vazamento em 100%? ENCONTRO – O Sped fornece muitas informações. Elas não podem ser usadas para melhorar a gestão? LOPES DE SÁ – O Sped como um todo, não. A nota eletrônica, sim. Tanto o Sped quanto as normas não servem para administrar. A contabilidade gerencial é muito específica. É a própria empresa que vai determinar realmente o que interessa, porque cada uma é um universo. O Sped é mais um custo Brasil, um complicador a aumentar a burocracia. Para piorar isso, o Sped introduz nova exigência, o livro de controle da produção. Nele se declara tudo: compras, produção, vendas, estoque... No mundo existe paralelo para a NF-e. Para o Sped, não. Ele é pior do que o regime de Stalin. ENCONTRO – O senhor vê alguma alternativa? LOPES DE SÁ – Há como escapar a ele: basta constituir uma nova firma e nela optar pelo lucro arbitrado. Neste regime não há escrita, o Sped é só para aquelas empresas que declaram pelo lucro real. Em troca, a empresa se sujeitará a uma taxação maior. ENCONTRO – Mas o Governo quer o Sped para todas as empresas... LOPES DE SÁ – É o caso de entrar no Judiciário. Nenhuma empresa entrou; todas têm medo do aparato da repressão fiscal. A Receita Federal fez acordo com a Previdência e com outros ministérios para cruzar as informações. Fez até com a Agência Brasileira de Informações, a Abin. Virou policialesca. Mas é preciso entrar, sim. ENCONTRO – Com o Sped, como vão ficar as normas de auditoria?
Golbery previu que o Brasil ia cair nas mãos de grupos. Acertou em cheio” para a CVM, acionistas, Receita Federal e secretarias da fazenda dos estados. Agora terá de fazer também para o Sped federal e o estadual.
LOPES DE SÁ – Piora para todo mundo. As normas levam ao mascaramento da realidade e atingem tanto o investidor quanto o governo. Vai haver problema tanto na área fazendária como na bolsa. A Receita poderia fazer o Sped de dois jeitos, com ou sem normas. Mas, se fizer pelas normas, a empresa pode apresentar um prejuízo que não teve. Então, não pagará imposto. Caberá à Receita descobrir a manipulação. ENCONTRO – E como reverter tudo isso? LOPES DE SÁ – Só com outro Estado. O nosso é totalitário; a democracia é aparente. Depois dos militares, quem tomou conta do poder foram grupos. Golbery [NR: o general Golbery do Couto e Silva, todo-poderoso ministro do Governo Geisel e criador do SNI-Serviço Nacional de Informações, por ele mesmo reconhecido como “um monstro”] previu isso. Ele tinha seus defeitos, mas via longe; por isso acertou na previsão. Desde Sarney é assim. ‘Eu te dou esse ministério e você vota isso pra mim’. É o “dando que se recebe”, feito para preservar o poder. ENCONTRO – O que o senhor diz da nossa legislação fiscal? LOPES DE SÁ – Outro problema que se soma aos demais. Temos uma legismorragia, pois há duas modificações tributárias por hora no Brasil. Isso endoidece qualquer contador e não é à toa que sua carga de trabalho só aumenta. Ele já tinha de preparar demonstrações contábeis diferenciadas
ENCONTRO – A diminuição do número de impostos não aliviaria a carga dos escritórios contábeis? LOPES DE SÁ – Com certeza. O grosso da receita do país é produzido por um número bem pequeno de empresas. São as indústrias, o grande atacado, o grande varejo e as grandes prestadoras de serviços. Se o fisco as controla, pode muito bem deixar de lado o resto. Como não fazem assim, tiram a capacidade de iniciativa de todo o mundo. Uma vez, na década de 1950, fui contratado pela prefeitura do Recife para simplificar seus impostos. Havia dezenas. Um deles não cobria o custo de arrecadação. Reduzi-os a menos de 10 e a arrecadação subiu. Por isso posso dizer de cátedra que seria muito interessante para todos caso o governo instituísse poucos impostos. Uns três ou quatro seriam suficientes. Isso simplificaria muito o sistema e baixaria o custo. Mas alegase que a variedade dos impostos ajuda a fazer a política econômica. Com mais impostos, o governo pode incentivar isso, desincentivar aquilo, etc. Acho completamente desnecessário. ENCONTRO – Não deveríamos nos espelhar em algum outro país? Ou sermos criativos e instituir o imposto único, uma nova CPMF com alíquota maior? LOPES DE SÁ – Não há país que adote um único imposto. Mas os Estados Unidos, por exemplo, têm o income tax. Por ele, quando compra gasolina, o consumidor paga todos os impostos, cabendo à União tirar a sua parte e repassar a dos estados e municípios. Quer dizer, se tributar na fonte, principalmente na indústria, o problema estará resolvido.
ENCONTRO – Tendo em vista o Sped, o que o senhor aconselha aos donos dos escritórios de contabilidade? LOPES DE SÁ – Eles vão ter de arrumar um bom sistema, um bom apoio de eletrônica, e treinar o pessoal para saber utilizar o Sped, pois o sistema pode gerar prejuízos, já que basta digitar errado para gerar uma multa. Não é à toa que, nos encontros setoriais, ou nos congressos de contabilistas, vejo estandes das companhias de seguro. Elas já descobriram mais um filão lucrativo. Pensando bem, devem mesmo constituir um seguro de responsabilidade civil, porque com o Sped aumentará a probabilidade de erros e omissões e o governo está pedindo mais do que os escritórios podem dar. Agora, eu estou vendo pouca gente se mexendo. Muitos escritórios estão ignorando o sistema. É um grave erro: ele veio para ficar. ENCONTRO – Os contadores estão muito acomodados diante ao Sped? LOPES DE SÁ – Receio que muitos dos mais de 60 mil escritórios de contabilidade brasileiros venham a quebrar. A tendência daqui pra frente, caso estas exigências não sejam afrouxadas, é da sobrevivência apenas dos grandes escritórios. Haverá concentração e os pequenos terão de se fundir sob pena de seus donos terem de se empregar. Estou muito admirado com o silêncio dos órgãos de classe, como os conselhos regionais de contabilidade e os sindicatos, que têm verbas enormes das contribuições obrigatórias e nada fazem. ENCONTRO – O que o senhor acha do atual ensino da contabilidade? LOPES DE SÁ – Para mim comete-se um crime de lesa-pátria contra os estudantes ao se supervalorizar a parte instrumental e fiscal em detrimento da filosófica. Contabilidade, hoje, é uma ciência e não apenas o levantamento da informação. Ela estuda as relações do movimento da riqueza. Do jeito que vai, vamos produzir apenas apertadores de parafusos para os escritórios contábeis, pois as faculdades não estão ensinando a pensar, só a ler. Delas só saem robôs. Esse é o crime. ❚ Encontro | 11
artigo Professor Roberto Dias Duarte
Seus tesouros
estão protegidos? Passados mais de 10 anos da histeria causada pelo ‘Bug do Milênio’, quando praticamente nada aconteceu com o funcionamento dos sistemas, agora nossas empresas enfrentam processo mais grave. A implantação do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) e da Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) pode não ter o mesmo efeito psicológico do Bug, mas causará enorme impacto na economia. E é aí que mora o perigo. É isso mesmo, pois além do atraso nessa nova etapa, com milhares de empresas obrigadas a emitir a NF-e ainda ausentes do sistema e com isso atuando ilegalmente , muitos ainda desconhecem vários aspectos delicados dessa questão. Trata-se, sem dúvida, de uma bomba de efeito retardado, que explodirá num futuro bem próximo. O Bug do Milênio perto desse problema tecnológico não passa de um estalinho de criança, acredite. O Sped e a NF-e estão obrigando o mercado a rever alguns conceitos sobre segurança da informação. Na verdade, é a maior transformação empresarial – nunca vista antes neste país -, na qual até as micros, pequenas e médias empresas terão de aderir a padrões de gestão e tecnologia tão eficientes quanto as de grandes corporações. Esse, certamente, é um dos maiores desafios: integrar a cadeia produtiva tecnologicamente, de tal modo que a transmissão, a recepção pelo cliente e a guarda do documento eletrônico não sofram danos de qualquer espécie. Para se ter uma ideia, existe atualmente um comércio clandestino de notas fiscais em papel, no qual se chega a pagar 50 reais por folha. E com a NF-e, quanto vai custar um CD de dados circulando de forma marginal no mercado? Há pouco tempo, falar de segurança da informação ou de
software pirata era apenas para empresas grandes, mas agora o assunto vale para milhões organizações menores espalhadas pelo país. Assim, a legalização de softwares é fundamental para evitar que dados sigilosos sejam enviados para outros locais, caindo até mesmo nas redes sociais. O uso de programas piratas torna as empresas extremamente vulneráveis. Todos precisam pensar, mais do que nunca, em um modelo de gestão confiável para as informações que trafegam. Hoje, muitos já utilizam sistemas hospedados em datacenter para prover serviços tecnológicos e contábeis. É um outsourcing completo. Mas isso não basta. A preocupação número um deve ser o software para auxiliar na gestão da empresa que tenha também a capacidade de compartilhar conhecimento armazenado na NF-e a seus clientes, fornecedores, contadores, transportadores e fisco. Esse é o grande desafio das empresas que entraram no século XXI, em sua grande maioria, ainda com a mentalidade de Era Industrial, embora estejamos todos-querendo ou não; sabendo ou ignorando – participando intensamente da Era do Conhecimento. Há muito se fala em alinhamento estratégico da tecnologia. Mas são raras e honrosas as exceções que conseguem entender o caráter inovador e humano disso tudo. Chegou a hora de massificar o uso da tecnologia a favor dos negócios e saber que são as pessoas que a fazem de fato funcionar. Isto dá um enorme trabalho, porque implica sair da zona de conforto, uma vez que atender esse mercado tão grande e diferente do usual não é uma tarefa nada fácil, convenhamos. Mas, como diz o ditado: “Sucesso só vem antes do trabalho no dicionário”. Não é?
Professor Roberto Dias Duarte, diretor da Mastermaq e coordenador acadêmico da ENC Escola de Negócios Contábeis, de São Paulo (SP) Blog: www.robertodiasduarte.com.br 12 |Encontro
tecnologia Jean Michel Freire e Marilia Sodatelli Britto
Sócia-diretora da Assecont, Arlete Rodrigues: Buscamos inovalções constantes através da tecnologia
A contabilidade no contexto da era digital Uso das novas tecnologias facilita comunicação entre a prestação da contabilidade e os clientes A contabilidade está se digitalizando, e quem não está acompanhando este ritmo, seja por resistência ou descrença, está ficando para trás. Conversando com a contabilista e sócia-diretora da Assecont Assessoria Contábil, Arlete Ferreira Rodrigues, este novo cenário se torna claro. Para ela, as novas formas digitais de fiscalização reforçam a necessidade de aperfeiçoamento das rotinas contábeis e estreitamento no relacionamento com o cliente, que está ficando cada vez mais virtual através da troca de arquivos digitais. Arlete encontrou vantagens nos softwares da Mastermaq que facilitam o relacionamento com seus clientes e o atendimento às novas obrigatoriedades da legislação, como a nota fiscal eletrônica mercantil (NF-e) e a de serviços (NFS-e). Dentre as vantagens de se utilizar o NFS-e Web, solução da Mastermaq para NFS-e, ao invés do software público, a contabilista destaca o “menor volume de erro, maior segurança na retenção
das notas, cadastro completo de clientes e serviços e o recebimento automático dos dados de confirmação da nota por e-mail”. Outra grande vantagem citada é a integração que o NFS-e Web proporciona, realizando a importação de dados da nota emitida diretamente para o NGFiscal/MasterFiscal e consequentemente para o NGContábil/MasterContábil. Este processo de importação e conferência de dados é muito mais rápido e seguro nos sistemas da Mastermaq do que no público, em que as notas devem ser digitadas uma a uma, conclui Arlete. A Assecont oferece diferenciais a seus clientes, buscando inovações constantes através da tecnologia. Em seu site (www.assecont.cnt.br), o escritório promove informações relevantes com envio de informativos periódicos, além de muitos outros recursos, tais como remessa de relatórios e folhas de pagamento, otimizando os serviços prestados aos clientes. A Assecont aderiu à tecnologia e essa escolha fez com que se tornasse uma empresa consolidada no mercado. ❚
capa Deca Furtado
Big Brother Fiscal
14 |Encontro
Se você não sabe o que significa Sped, é bom ir se acostumando. O novo sistema de controle fiscal e contábil do governo pode mudar a vida de sua empresa – e a sua também
Há anos a sociedade brasileira sonha com a eliminação de um cancro que corrói a economia, a sonegação de impostos, estimada em um terço do PIB. Com o Sistema Público de Escrituração Digital, o Sped, baseado na Nota Fiscal Eletrônica, a NF-e, a utopia ficou mais próxima. “O Sped dificultará muito a sonegação”, diz Hermano
Lemos de Avellar Machado, superintendente da Receita Federal em Minas. Desenvolvido de modo integrado pela Receita Federal, estados, entes reguladores, e, principalmente, os próprios contribuintes (como ressalta a Receita Federal), o Sped, que obriga as empresas a enviar suas demonstra-
ções contábeis e fiscais mensalmente para o fisco, por meios eletrônicos, permitindo assim um controle muito mais efetivo, abre ótimas perspectivas: o número de sanguessugas da nação vai diminuir e a arrecadação subirá nos níveis federal, estadual e municipal. “O Sped induzirá à concorrência justa e promoverá, de uma forma que o fisco não poderá controlar, a desburocratização tributária, além de reduzir o custo da arrecadação”, prevê Luiz Alberto Noronha, gerente de planejamento tributário da Usiminas, pioneira na emissão de NF-e no país. É verdade, o Sped traz benefícios. Haverá ganhos ecológicos por causa da economia com papel. Outro: a dispensa dos livros fiscais em papel e em breve de arquivos eletrônicos hoje já exigidos. Outros mais: o Sped traz simplificação, racionalização e padronização das informações. Adicionalmente, a informalidade diminuirá. Era comum, por exemplo, a indústria vender diretamente ao vidraceiro, um crime contra a ordem tri-
butária. O fisco pegará isso on line, pelo CPF do prestador de serviços. A saída é este cidadão se tornar microempreendedor individual, o que será bom para a Previdência. Por sinal, já tem indústria pagando a contribuição mensal para o vidraceiro e colocando seu contador à disposição dele. O sistema é ainda um suporte para acabar com a guerra fiscal interestadual e fazer as reformas fiscal e tributária. “Isso também é Custo Brasil, pois é o contribuinte quem paga”, diz Pedro Meneguetti, secretário-adjunto de Fazenda de Minas Gerais. “Logo adiante o governo poderá devolver à população os ganhos que obtiver agora”, acrescenta. Talvez, quem sabe, isso virá na forma de redução de impostos. Bom, muito bom mesmo! Contudo, além de aumentar os preços – a sonegação os mantêm artificialmente mais baixos –, para empresários, contabilistas e tributaristas o Sped é um Big Brother Fiscal desnecessário, já que a NF-e daria conta de acabar com a sonegação. “Nada foi feito de supetão. Preparamos os contribuintes bem antes”, rebate Osvaldo Scavazza, gerente do projeto de NF-e da Secretaria de Fazenda de Minas, a Sefaz-MG. Meneguetti acrescenta: “As empresas que querem crescer têm de agir de maneira legal”. O problema é o grande apetite, a incontrolável sede do fisco por controle – leia-se poder (veja o quadro). A fim de devassar tudo, o Estado brasileiro quer ser onisciente e onipresente. E está a um clique da meta, pois as autoridades estão utilizando as
Secretário-adjunto de Fazenda Pedro Meneguetti: “Governo devolverá ganhos” Geraldo Goulart
mais modernas ferramentas para suportar a inteligência fiscal. “Há muitos anos profissionais extremamente competentes vêm planejando a inserção das entidades fiscais no contexto da Sociedade do Conhecimento, com objetivo de aumentar absurdamente a eficiência fiscalizatória em nosso país. A fórmula mágica: muito investimento em hardware, software e na capacitação de pessoas”, afirma Ro-
O SPED JÁ PEGOU NF-e autorizadas e valor (acumulado até a data) Maio de 2010 Quantidade: 1.034.298.374 Total em R$: 38.933.803.953.162,54 Setembro de 2009 Quantidade: 351.297.709 R$: 5.461.590.988.601,82 Julho de 2009 Quantidade: 265.672.732 R$: 4.853.105.827.601,24 Abril de 2009 Quantidade: 145.630.826 R$: 2.174.877.500.079,14
Encontro | 15
capa berto Dias Duarte, especialista em implantação de NF-e. O Leão já tem hardware, software, gente. O que ele ainda não tem – mas terá em breve – é banco de dados. “Podendo comparar uma empresa com outra, e ela consigo mesma ao longo do tempo, ele terá a média. Tendo médias, terá tudo”, diz Roberto. Para ele, o Big Brother levará as empresas a adotar a mesma fórmula mágica. As organizações terão de encarar os valores e os princípios da Era do Conhecimento ou fechar as portas.“Faça a sua escolha ou o Big Brother escolherá por você”, aconselha o especialísta. Neste sentido, em Minas, a Sefaz já deu mais uma volta no parafuso ao
instituir um Sped mineiro. Trata-se do livro eletrônico de inventário. O detalhe é que ele agora é contabilizado não mais pelo valor final, mas pela quantidade física. Verificar se o estoque bate com as compras e vendas vai virar brincadeira de criança. Em nível federal, o Leão prepara dois complementos para breve. Um é o projeto Brasil ID. Com ele, nenhuma transação escapará dos olhos do Grande Irmão: as mercadorias serão rastreadas, via satélite e por tags de radiofrequência, da emissão da NF-e até o destinatário. O objetivo do programa é liberar rapidamente as cargas nos postos fiscais e, ainda, combater fraudes, bem como
O MÉDICO E O MONSTRO, DOIS LADOS DO NOVO SISTEMA O Sped tem um lado Dr. Jekyll, criação de Robert Louis Stevenson em O estranho caso do Dr. Jekyll e do Sr. Hyde, popularizada como O Médico e o Monstro. É o dos benefícios à sociedade, como o ecológico – o não uso das notas fiscais vai preservar milhares de árvores. Mas Mr. Hyde também está presente. O Sped é o Big Brother total, tal como previsto por Orwell no romance 1984. “Atrás do Sped tem coisa”, adverte o advogado Geraldo Vieira, presidente do grupo GV, de Belo Horizonte. Para ele, o Estado brasileiro dourou a pílula do Sped. Os indícios: em São Paulo, a partir de janeiro, até para to-
Geraldo Vieira: ”Atrás do Sped tem coisa”
mar um cafezinho o consumidor terá de apresentar o CPF; todos os documentos (passaporte, CPF, carteiras de identidade e de habilitação) foram unificados num único; as movimentações dos contribuintes já são informadas ao Leão por empregadores, bancos, cartões de crédito, Detran e cartórios. “Em 2011, se quiser, a Receita fará a sua declaração de IR e a enviará para a sua conferência e assinatura”, diz Vieira. De acordo ainda com Vieira, poucos perceberam a ação orquestrada do Estado, que aprimorou a legislação. O fiscal da prefeitura, por convênio, pode atuar como um posto avançado do governo federal, que assim multiplicou sua força-tarefa. O Ministério Público virou cobrador de impostos. Agora, se o sonegador não paga, o dinheiro pode ser sacado da sua conta. “E não pagar impostos dá cadeia. O empresário deve temer, pois se fornecer sem nota, o governo o junta ao comprador. Depois, ele pega dois consumidores e acusa a todos de formação de quadrilha, um agravante que aumenta a pena”. Deu mais de cinco anos? É reclusão, sem direito a liberdade vigiada. “Acabar com o Estado-vigia será muito difícil; só com representantes comprometidos com uma mudança que preserve os interesses da sociedade e os do governo”. Eugênio Gurgel
roubos de cargas e veículos. Quando o Brasil ID estiver operacional, para fechar de vez as porteiras da sonegação já estará funcionando o CET-Conhecimento Eletrônico de Transporte, a NFe do setor. Por sua vez, o CET encontrará várias novidades já em desenvolvimento em Minas. “Nossa tecnologia vinha desde a década de 1980, quando tínhamos muitos postos de fronteira e um anel em volta de Belo Horizonte, todos fixos. Acabamos com estes”, diz Gilberto Silva Ramos, superintendente da Sefaz-MG. Eles deram lugar a postos volantes equipados com leitores ópticos e outros sistemas que leem a NF-e de forma dinâmica. O CET vai agilizar isso, pois os dados serão jogados num sistema de controle de carga em trânsito. Ele conterá o cadastro do contribuinte. Se o histórico for ruim, o destinatário sofrerá fiscalização desde que a NF-e for emitida. “Todo o processo será aprimorado”, revela Ramos. Os novos sistemas exigirão menos investimentos que o Sped (64 servidores são empregados pelo Leão federal. A capacidade de armazenamento gira em torno de 150 terabytes de disco rápido e 120 TB de conteúdo fixo). Na sua implantação, os fiscos federal, estadual e municipal investiram centenas de milhões de dólares em hardware, software e capacitação – só na Receita Federal terão sido 157 milhões de reais até o final de 2010. O investimento em grande escala só vai parar em 2012, pois até lá mais de 1 milhão de empresas vai migrar para as NF-e, uma inestimável contribuição do Chile, que a inventou, a todo o mundo. Foi graças à brilhante concepção da NF-e que o fisco centuplicou a capacidade de fiscalizar, já que, entre outras coisas o comprador é forçado a vigiar o fornecedor. “O sonegador – por erro ou má-fé –, se torna um exportador de vírus fiscal”, diz Roberto. “O vírus infecta a escrita fiscal e contábil de quem compra, pois a NF-e permeia todos os processos. Resultado: empresas com experiência já compram somente de quem emite de forma correta”. Duas medições dizem que a NF-e já deu certo. Uma é o número de empresas emitentes. A outra é o número de
COM O BRASIL ID, O GRANDE IRMÃO VIGIARÁ TUDO Conectados a satélites de GPS, carga e caminhão estarão seguros. Mas desde a saída da fábrica até a entrega estarão também sob os olhos vigilantes do Grande Irmão
Tags (chips de radiofrequência) colocados nos produtos e em outros locais serão embarcados nos caminhões. Nos postos fiscais, a conferência será quase como o sem parar dos pedágios
NF-e emitidas (veja o gráfico). Mas a melhor prova, talvez, é a arrecadação. Enquanto o PIB brasileiro cresceu 9% no primeiro trimestre, a arrecadação federal subiu 15% mesmo com IPI reduzido para veículos e outros produtos. Em Minas, onde 45% da arrecadação já é feita em cima da NF-e (a previsão é de 92% em 2011), o crescimento foi parecido. “Ainda não estamos autuando por meio do Sped, uma vez que só o primeiro módulo dele está pronto”, revela Ramos. Por enquanto, entre os mais de 10 milhões de empresas do país, só estão obrigadas a emitir NF-e e enviar os dados as que declaram pelo regime de lucro real. O governo escolheu as primeiras levas a dedo: indústrias, atacadistas-distribuidores e grandes varejistas – até o final de 2010, todas elas estarão obrigadas (veja, no site da Sefaz-MG, se a sua empresa já deveria estar emitindo NF-e. O desconhecimento custará multa elevada). Porém, a partir de dezembro, toda empresa que vender fora do estado de origem, ou vender ao governo por meio de licitação, passa também a estar sujeita. Com isso, na prática, apenas o pequeno comércio estará livre do Grande Irmão. Mas não da fiscalização: segundo José Eduardo França Neto, da Sefaz-MG, as vendas delas por cartão de crédito, que antes passavam batidas, agora também estão sendo monitoradas pelo radar do fisco. Conclusão: ninguém escapa. ❚
O CERCO AO SONEGADOR Por causa do Sped, em cinco anos o Brasil estará na liderança do combate à sonegação na América Latina. Em 10 anos, estará pari passu com os países desenvolvidos no combate à sonegação. No sistema, o cerco à sonegação começa antes mesmo da emissão da NF-e, pois a venda tem de ser autorizada, via internet, pela Secretaria de Fazenda. Ou seja, a mercadoria nem circulou e o fisco já sabe da transação. Ademais, na NF-e errar é proibido; basta digitar errado e lá vem multa. Fora isso, 0 NCM, um código comum ao Mercosul (cada mercadoria tem o seu) dedura o sonegador. Cruzando as informações de compra e venda fornecidas pelo NCM com as de estoque e outras, o fisco desmascara a maioria das falcatruas. Assim, quem comprar um boi e vender dois corações do mesmo animal pagará o pato. O fisco ainda lavrou mais um tento porque daqui em diante o peso da legislação se fará sentir por inteiro. Aspectos antes ignorados, como responsabilidade solidária em qualquer problema fiscal ou tributário, vão ganhar nova tonalidade. Ninguém se preocupava com isso porque o Leão não tinha como fiscalizar o universo de empresas brasilei-
ras. Ele pegava uma nota com alíquota errada a cada milhão emitido. E sempre se podia alegar erro. “Com a NF-E, não. O Leão pode fiscalizar todas. E ele é mais esperto do que todos os contribuintes juntos, além de ter mais aparato”, adverte Roberto Dias Duarte, guru da NF-e. A fiscalização na NF-e é só a primeira instância. Se ela estiver ok, vem a segunda, via Sped fiscal e contábil. Cruzando as informações fiscais e contábeis com os dados da NF-e, o governo tem como saber tudo sobre as empresas. E ele vai “bater o caixa”. Para tanto, irá verificar a exatidão de todos os itens das declarações, bem como sua consistência. Ou seja, o estoque terá de estar em conformidade com as compras e as vendas. Roberto Dias Duarte: “O Leão é mais esperto do que todos os contribuintes juntos”
Cláudio Cunha
passo a passo Deca Furtado
O administrador Roberto Dias Duarte: “Antes de passar à NF-e as empresas devem seguir um passo a passo para evitar problemas mais adiante”
Fotos: Cláudio Cunha
Na hora de implantar,
todo cuidado é pouco Processo exige paciência, mas especialista garante: vale a pena investir A Nota Fiscal Eletrônica, a NF-e, vai acabar com a nota fiscal em papel dos tipos 1 e 1A, usadas em transações entre empresas. Até 2012, todas as firmas de algum porte terão de emitir NF-e. Com isso, a empresa que baseia seu negócio em sonegação vai desaparecer. De acordo com Roberto Dias Duarte, autor do livro Big Brother Fiscal – O Brasil na Era do Conhecimento, já na sua terceira edição, diante do inevitável você deve adotar o quanto antes a NF-e, pois ela abre uma oportunidade de melhoria da gestão e de corte de custos. Há empresas que conseguem o retorno em até 15 dias. “Porém, antes de adotar a NF-e, as empresas devem seguir um passo a passo, o que evitará problemas mais adiante”. 18 |Encontro
O processo de implantação é mais chato do que o fundo de uma chata. Há minúcias em demasia e por isso ele demora, em geral, de 1 a 3 meses (veja o gráfico). Depende, por exemplo, da quantidade de produtos que a empresa vende. Quanto maior o rol, mais demorado. Se a empresa for muito pequena, em poucos dias tudo se resolve. Segundo Roberto, a NF-e não diz respeito a uma parte isolada e sim à empresa inteira. Ele tem rodado o país a fim de ajudar a implantá-la, mas sempre impõe uma condição: juntar o dono da firma e todos os funcionários, por até 6 horas, para explicar que o processo permeia a empresa toda e nivelar o conhecimento de uma só vez. “Eu começo a explicar e de repente o moto-
rista diz: ‘Epa, quando eu entregar a mercadoria, vai acontecer isto ou aquilo’. Assim, cada problema levantado encontra uma solução”. “Uma grande marcha se começa pelo primeiro passo”, disse Mao Tsé Tung. No caso, é a assinatura digital, nada mais do que um algoritmo. Ela é necessária porque a NF-e é um arquivo, do tipo XML (arquivo-texto), que vira documento após ser assinado e passa a ter validade depois de receber a assinatura criptografada do presidente da empresa ou de prepostos. Para conseguir essa firma digital reconhecida, você, o dono – não pode ser outra pessoa – não vai a nenhum cartório, mas à autoridade certificadora (Caixa Econômica Federal, Certisign,
Correios, Prodemge, Serasa/Associação Comercial de Minas e Sindicato dos Contadores) com documentos pessoais e da empresa. Existem três tipos de assinatura digital: a A1 (válida por um ano. É instalada no computador), a A3 (válida por três anos, pode ser instalada num tokem ou smart card) e a Hsm (destinada a grandes empresas). Antes de obter a assinatura digital, é bom ver –- para não jogar dinheiro pela janela – qual é aceita pelo software da sua empresa. “É importantíssimo conversar com o fabricante de software”, aconselha Roberto. Quando você for ver isso, aproveite para definir também questões da política de TI da empresa, do tipo se a emissão vai ser hospedada ou se vai ser local. Pode-se alugar um data center ou criar ou aproveitar uma estrutura própria, por exemplo. Bem, você assina em Belo Horizonte e tem a validade da assinatura reconhecida, em segundos, no país inteiro. Beleza de tecnologia, né? Pois aí mora um perigo. A assinatura eletrônica pode trazer um monte mais um punhado de aporrinhações. Uma delas: entregue-a, com a senha, a um funcionário qualquer e você terá dado a ele, salvo se resguardado em procuração, um cheque em branco. “Se o funcionário tem uma procuração irrestrita e a senha, ele pode vender a tua empresa, te casar, te descasar. Pode tudo”, afirma Roberto. É preciso também se precaver contra o mercado-negro de notas fiscais. Ele existe porque, como você, seu concorrente adora saber preços pagos e praticados pelos rivais, ainda mais se a informação custa uma merreca -- uns 50 reais por documento xerocado. “Com a NF-e, o perigo aumenta”, lembra Roberto. Na verdade, mais do que duplica, pois segundo pesquisas já realizadas, em 85% das fraudes eletrônicas quem tem culpa no cartório são os funcionários. Se aquela moça que parece tão inofensiva pegar um pen drive e copiar todos os arquivos, aquele sigilo mais recôndito, que você guardava a sete chaves, já era. As duas providências a seguir são mais simples e vão ocupar menos a sua atenção. Uma é comprar um software
Por acordo com a Serasa, na Associação Comercial de Minas se pode obter certificação digital
para gerar a nota – existem mais de mil deles, mas poucos são realmente completos (há um software, gratuito, disponibilizado no site da Receita Federal. Contudo, ele é bem limitado). Outra é ir à Secretaria de Estado de Fazenda, a Sefaz, e credenciar a empresa a emitir nota fiscal, o que é bem rápido. Feito o credenciamento, escolhido o software, calma lá, pois ainda restam algumas coisas a fazer antes de expedir NF-e. Ajustar o cadastro do cliente é uma. O CNPJ, a inscrição estadual, o endereço, tudo tem de estar certinho. O cadastro de produtos é ainda mais importante. Cada um deve ter a alíquota, a base de cálculo, enfim, todos os parâmetros contábeis e fiscais corretos. Configurá-los antes da emissão da nota é a boa; sem isso será um deus nos acuda. “E é o que mais acontece: o faturamento errado”, afirma Roberto. Assim, errar está proibido. Antes da internet, isso passava batido. A cada milhão de notas, a Sefaz pegava uma, talvez duas. Depois da internet, não. A Sefaz não deixará de aprovar a emissão caso algum desses parâmetros não esteja nos conformes; não cabe a ela evitar erros (a autorização só não será dada em caso de tentativa de fraude, já que os computadores da Sefaz verificam os aspectos legais, caso do cadastro do
contribuinte, mas não os mínimos detalhes). Por isso, escreveu e não leu? Seu órgão mais sensível, o bolso, vai gemer de dor. “Nota preenchida erradamente atrairá multas, uma vez que no mundo virtual os erros e acertos se propagam na velocidade do pensamento e não na do papel. Em milissegundos um fiscal poderá perceber e multar”, diz Roberto. Para piorar, o regime fiscal brasileiro parece ter copiado o jogo do bicho: nele, se você não acerta o primeiro prêmio, pode ser premiado do primeiro ao quinto. Já o fisco tem cinco anos para te pegar. Ou seja, em 2015, ela poderá te multar por um erro cometido em 2010. Mas, com o sistema configurado, tudo certinho, você pode começar a brincar de soltar NF-e. É isso mesmo: em ambiente de teste, chamado de ambiente de homologação, a nota é emitida sem validade jurídica. Testado, aprovado, pode-se, enfim, emitir a NF-e? Bingo. Só que, uma vez o documento assinado, ele ainda não é uma nota e sim um arquivo que assinado virou documento. Ou seja, ele tem a validade jurídica mas não a fiscal. Para ser válido, tem-se que, via internet, enviar para a Sefaz. Ela analisa mais de 400 campos e coloca um selo eletrônico com data, hora, minuto e segundo, nota a nota. Leva apenas alguns segundos para a Sefaz devolver. Depois disso, a nota é transmitida pela Sefaz ao Portal Nacional da Nota Fiscal Eletrônica, da Receita Federal, à Sefaz do estado de destino da mercadoria e, quando for o caso, para a Suframa-Superintendência da Zona Franca de Manaus, Susepe-Superintendência de Seguros Privados e o Detran. Ou seja, o Grande Irmão tem ao menos 6 pares de olhos bem grandes focados em você – sem contar os incontáveis subolhos dos postos de fiscalização nas estradas e os das patrulhas volantes. Não fique caolho por conta disso. A fila tem de andar: mande transportar a mercadoria. Porém, a nota é virtual. Como o transportador vai provar à fiscalização que a mercadoria em seu poder está acobertada por documento fiscal? Para resolver esta questão, foi inventado o Danfe-Documento Auxiliar da Nota Fiscal Eletrônica, que não tem Encontro | 19
passo a passo ROTA PERCORRIDA PELA NF-E ATÉ A ENTREGA DA MERCADORIA
Após obter a assinatura digital, credenciar-se na Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz), escolher o software, cadastrar produtos e clientes, o fornecedor gera a NF-e e a envia para a Sefaz, que lhe devolve um selo eletrônico de autorização. Fornecedor então emite o Danfe, documento impresso que acompanha a mercadoria e despacha a carga
Antes de a mercadoria passar pelo posto fiscal, a Sefaz terá enviado cópia da nota para a Receita Federal e, se for o caso, para outras autoridades, como a Sefaz do estado de destino dos produtos e o Detran.
20 |Encontro
validade jurídica, só fiscal. “O Danfe é uma cópia da NF-e impressa em papel normal, passível de falsificação”, diz Roberto. Cabe ao destinatário da mercadoria digitar o número do Danfe no Portal Nacional da NF-e – de imediato ele mostrará a imagem da nota—e conferir tudo. Um doce para quem imaginou que mais de 60% das empresas não estão conferindo e correm o risco de comprar mercadoria, na prática, sem nota. Ou com dados incorretos. Pela legislação, quem recebe é solidário. Por isso, é muito importante conferir o Danfe, pois o fisco não manda flores nem aceita desculpas. Segundo ainda Roberto, as empresas devem encarar a NF-e como um projeto empresarial, de gestão. Todos eles, para darem certo, têm objetivos a cumprir. No da nota eletrônica, o maior é o calendário fiscal. Os demais são subalternos, mas é a partir deles que se chega ao objetivo maior. “Definidos os objetivos, tem-se um cronograma e um orçamento”. Se a empresa deseja ter 100% das NF-e emitidas em até 30 segundos, haverá implicações seriíssimas, pois ela vai precisar ter tudo redundante: links de internet, computadores, softwares e centros de emissão. Isso porque, se a empresa emite 3 mil notas fiscais por dia, como fará se cair a energia num deles? Esta é uma falha que o fisco não
aceita. Consequentemente, também não aceita a emissão de nota em papel no lugar da NF-e. Para resolver o problema, foram criados três mecanismos de contingenciamento. A Sefaz colocou seus computadores em manutenção; a empresa vai deixar de faturar por causa disso? Não. Ela avisa ao contribuinte e a autorização para a emissão de nota é dada pelo Scan-Sistema de Contingenciamento de Âmbito Nacional, sediado em Brasília, e continua tudo como antes. Outra forma de resolver a contin-
Tal como as notas fiscais em papel, as eletrônicas precisam ser armazenadas por fornecedores e clientes por pelo menos 5 anos. O custo do armazenamento digital é bem menor do que o de papel. Para as empresas, esta é uma das grandes vantagens do sistema criado a partir da NF-e
gência é o uso de formulário especial de segurança para o Danfe. Ele é comprado sob autorização da Sefaz e deve ser adquirido em pequena quantidade, pois custa caro – de 700 a 1.700 reais o milheiro. O Danfe em formulário de segurança é impresso em duas vias. Uma seguirá com a mercadoria e a outra ficará com o emissor, que tem prazo de até sete dias após a emissão da autorização para retransmitir a NFe. O prazo é um alerta para quem recebeu a mercadoria por Danfe em formulário de segurança. Ele tem de consultar se a nota existe, pois o Danfe é uma nota com prazo de validade. “Se não consultar e o emitente se esquecer de regularizar, o comprador jogará na contabilidade um documento inidôneo e vai vender mercadorias que, na prática, comprou sem nota fiscal. A multa é muito grande”, avisa Roberto. O terceiro modo de resolver as contingências é um dispositivo tecnológico chamado Dpec-Declaração Prévia de Emissão em Contingência. Ele só é usado por quem emite muitas notas. “Há casos de empresas que nunca usaram Dpec nem formulário de segurança, só planejamento”, diz Roberto. São as que têm redundância para tudo. “Sai mais barato do que entrar nos formulários de segurança”. Por fim, o guru recomenda prestar atenção à questão da obrigatoriedade da emissão. Há duas normas, superpostas, que a regulam. A primeira estabeleceu a obrigatoriedade por atividade econômica efetivamente executada. Um atacadista de refrigerante e chás, por exemplo. O chá pode não estar obrigado, mas o refrigerante sim. Se ele vendeu refrigerantes nos últimos 12 meses, fica obrigado a emitir NF-e para todos os produtos.
O destinatário recebe as mercadorias, o Danfe e o confere no Portal Nacional da NF-e. A nota eletrônica terá chegado bem antes, via internet, e não precisará ser impressa. Em grandes empresas, como as montadoras, que recebem milhares de peças e componentes todos os dias, isso permite planejar melhor o recebimento das cargas e também o fluxo de produção
Em 2010, surgiu um novo protocolo que mudou a forma de enquadramento. Agora não é mais pela atividade e sim pelo Cnae-Código Nacional de Atividade Econômica, que conste ou deva constar do cadastro no fisco. E empresas que venderam – basta uma vez – para fora do estado de origem, ou a qualquer órgão de governo (federal, estadual ou municipal) por meio de licitação, também foram enquadradas. Muitos espertinhos pensam em mudar o Cnae para ficarem fora da obrigatoriedade. É bobagem; o fisco é mais esperto do que eles. Um exemplo muito claro é o da empresa de Roberto, uma consultoria. Ela vende livro. Em julho de 2010, todas as empresas que distribuírem livros estarão obrigadas a fornecer NF-e. “Só pelo fato do Cnae ser diferente ela não estará desobrigada”, diz Roberto. ❚
Tempo gasto pelas empresas para implantar a NF-e
31% Até 1 mês
48% De 1 a 3 meses
17% 0,5% Mais de 1 ano
3,5%
De 4 a 6 meses
De 7 meses a 1 ano
No futuro, com um novo programa, o Brasil ID, que deve estrear em até 3 anos, o fisco vai aprimorar os controles nos postos fiscais de modo a liberar a carga mais rapidamente, combater os furtos – isso envolverá satélites e GPS – e aprimorar os controles a fim de fechar possíveis brechas para a sonegação.
Encontro | 21
softwares
Eugênio Gurgel
Deca Furtado
Carlos Alberto Tamm, presidente da Mastermaq: “Vamos crescer 20% em 2010 porque sempre cumprimos o compromisso de melhorar a produtividade nos escritórios contábeis”
Faça a coisa certa Novos softwares garantem a emissão segura da NF-e e são importantes aliados para empresas de todos os tamanhos na hora de prestar contas O Sped – Sistema Público de Escrituração Digital, denominado de Big Brother Fiscal, ao que tudo indica veio para ficar. Como a Nota Fiscal Eletrônica, a NF-e, é a base do Sped, todas as empresas têm de se aparelhar para expedi-las sem erros, o que requer programas para a sua confecção, transmissão e integração aos bancos de dados. Isso trouxe para as software houses 22 |Encontro
de todo o país uma boa oportunidade de novos negócios. Em Minas Gerais, quem saiu na frente foram a Mastermaq, de Belo Horizonte, e a Sankhya, de Uberlândia. A Mastermaq já vendeu mais de 2 mil cópias do NF-Express, seu programa para emissão de notas lançado em novembro de 2008, cerca de um ano após a Sankhya ter lançado um mó-
dulo do seu ERP (software de gestão) que incorpora o da NF-e. A Sankhya, que deve faturar 30 milhões de reais neste ano, por sua vez comercializou 800 cópias. Não é pouco. As mais de 170 mil empresas que emitem NF-e em todo o país podem escolher entre mais de 1.400 softwares, mas boa parte delas usa mesmo é o programa gratuito do fisco.
Porém, um bom software deve mostrar se uma nota foi ou não atualizada, se há nota em formulário de segurança e as pendências junto à Secretaria de Estado da Fazenda, a Sefaz. Deve conter ainda um mecanismo que não deixe emitir-se a nota sem que haja o produto no estoque e cadastre os produtos e os clientes a fim de evitar nova digitação a cada nota emitida. Memória para os códigos também é imprescindível. Se preenchido errado, o CFOP, o Código Fiscal de Operação, por exemplo, dá problema: há um de venda para fora do estado e outro para dentro. Trocar um por outro dá multa. Enfim, o software deve permitir ao emitente da nota eletrônica que ele faça a coisa certa logo de início. “No nosso módulo é mostrada qual a margem de lucro no total da nota e também nos produtos”, diz Roberto Sanzio Moreira Campos, diretor executivo da Sankhya em Belo Horizonte. “Ele também garante agilidade na transmissão da NF-e para a Sefaz e no retorno desta para a empresa”. O programa da Mastermaq foi pensado para empresas de porte pequeno e médio e que já contem com uma boa base de clientes e produtos cadastrados. Por isso todos os requisitos citados acima estão presentes. Já o do fisco é bem limitado: não permite dar baixa no estoque, contabilizar, etc. “O software gratuito também não oferece suporte”, diz Carlos Alberto Tamm, presidente da Mastermaq, empresa criada há 18 anos. Apesar de ter todos estes bons atributos, a Mastermaq não partiu para ações maciças de vendas. Pelo contrário, a empresa cerca pelos lados. O motivo é que seu público-alvo são os escritórios de contabilidade, não as firmas. É por indicação deles que, na maioria das vezes, a empresa realiza as vendas. “A preocupação do contador é ter um software de confiança no cliente, pois não pode haver erro na origem”, diz Tamm. Com o Sped, isso se tornou ainda mais importante, já que se sair alguma coisa errada, o fisco vai pegar on line. Como a Mastermaq tem um relacionamento de longa data com os escritórios de contabilidade, em especial com os de Belo Horizonte, onde detém 80% do mercado, bastou demonstrar que o
programa é confiável para que as vendas se tornassem boas. Mesmo assim o software ainda representa muito pouco do faturamento da Mastermaq, previsto para 60 milhões de reais em 2010. Só que, isoladamente, ele é o produto com potencial para ter o maior número de clientes. “Nós o vendemos pontualmente. Mas em mais da metade dos casos vai um ERP junto. Ele é o aríete que está abrindo muitas novas portas para a Mastermaq e nos permitindo atuar em um segmento onde não estávamos presentes, o de empresas que estão na fronteira entre pequenas e médias”, diz Tamm. Em pelo menos um aspecto o NFExpress cumpre um compromisso da Mastermaq que tem lhe trazido expansão de vendas: o de proporcionar aumento de produvitidade: se o cliente do escritório estiver usando o sistema, o contador vai eliminar a digitação de todas as notas deste cliente. Na contabilidade dos que vendem mercadorias e não serviços, isso é uma mão na roda. Há empresas que emitem 30 mil notas fiscais/mês, cada uma com inúmeros campos de preenchimento, sem que o contador digite nenhuma. De um lado, isso significa menos trabalho. De outro, possibilidade de prestação de serviço de melhor qualidade, pois há mais informação a analisar para o cliente. Contador que sabe tirar proveito dos softwares até reinventa o negócio. É o caso da Gescon-Gestão de Consultoria Empresarial, de Belo Horizonte, fundada por Gilson Vieira e Renato Nery. Meses atrás, ela era só mais um escritório de contabilidade. A Gescon se diferenciou oferecendo novos serviços. “Agora somos uma butique de contabilidade. Fornecemos informações de apoio à gestão”, diz Gilson. “Nosso negócio passou a ser mais um suporte ao planejamento estratégico e seus processos do que o operacional, o serviço braçal”. A Gescon tem não mais do que 80 clientes. Desses, aproximadamente 40 já emitem, por eles mesmos, a nota fiscal eletrônica. Mas, para a Ideia, a empresa de consultoria de Roberto Dias Duarte, o guru da NF-e, a Gescon vai além. “A sede da Ideia, fiscal e física, fica
softwares no nosso escritório. Nós somos a empresa dele”, explica Renato. Normalmente, o blog de Roberto vende o livro. O pedido cai na Gescon, que emite a NF-e e entrega o livro ao consumidor via Correios. Ela ainda cuida do estoque, das contas a pagar e a receber. Como tudo funciona interligado eletronicamente, basta um clique para que cada nova venda alimente automaticamente a gestão fiscal e contábil da Ideia. “Assim o empreendedor pode cuidar apenas do core business.” Outro escritório de contabilidade, a Assecont, também de Belo Horizonte, vai na mesma direção. Além de emitir NF-e para os clientes, ela já pensa criar uma central administrativa. “Vamos cuidar das contas a pagar, a receber, dos estoques e de tudo o mais”, diz Arlete Ferreira, sócia-diretora da Assecont. Os programas da Mastermaq, da Sankhya e outros existentes no mercado garantem a emissão eletrônica da nota fiscal. Pode não ser suficiente. Quem garante que tudo foi feito corretamente? Só outro programa, capaz de fazer a auditoria dos lançamentos. Percebendo esta lacuna no mercado, o Grupo GV, de Belo Horizonte, formado por seis empresas, aproveitou o advento do Sped para criar mais uma empresa, a GV Engenharia de Software. Desde janeiro ela colocou na praça o Safetax, um programa que audita os dados fiscais e contábeis eletrônicos. “Só o Safetax faz o cruzamento dos impostos com as guias de recolhimento e as obrigações acessórias”, garante Adriana Campolina, diretora do grupo GV. Ele é como uma auditoria física. Porém, o contador trabalha sob amostragem. Já o Safetax cruza 100% das informações. Um programa assim tem sua utilidade: o Sped é muito mais complexo e inteligente do que a sistemática de fiscalização anterior. As vendas são cruzadas pela Receita Federal com os lançamentos contábeis e financeiros, com o estoque, enfim, com tudo – no total, o fisco cruza mais de 3 mil campos. Ora, empresas geram centenas de milhares de informações por ano. Erros e omissões acontecem diariamente. O problema é que, com o Sped, cada um deles poderá gerar uma multa. Para complicar, agora há a assinatura digital 24 |Encontro
Adriana Campolina, diretora do grupo GV: “Acabou a era do ‘contador que se vire’ ”
Eugênio Gurgel
do dono. “Não há como argumentar que uma informação foi enviada erradamente”, diz Adriana. “Portanto, não dá mais para culpar o contador, principalmente o terceirizado. Acabou a era do contador que se vire”. O Safetax veio para evitar as multas. “Todas as regras do fisco estão implantadas nele. Portanto, ele pega erros de processo e de software antes de elas serem enviadas ao fisco. O Safetax funciona como uma proteção tributária digital”, explica a auditora Maria Aparecida Silva, da GV Auditores. Mas o Safetax tem outras vantagens acessórias. Uma delas é que ele já vem com algumas ferramentas de gerenciamento. O programa fornece dados que um ERP não consegue captar. Por exemplo: identificação automática de créditos fiscais. Em geral, os empresários nunca os reclamavam junto ao fisco. Alegavam que isso iria chamar a atenção sobre a empresa e assim desistiam desse direito. “Agora, como tudo está na mira do fisco, não há por que não aproveitá-los”, diz Adriana.
A estratégia da GV não é vender o software, mas o serviço de proteção tributária. Por isso o custo vai depender do número de horas dedicado à implantação, da quantidade de produtos e outras variáveis. Numa empresa atacadista ele vai custar mais caro do que numa indústria que produza apenas três ou quatro itens. Por enquanto o Safetax é uma ferramenta para grandes e médias empresas. “No ano que vem queremos atingir a massa”, diz Adriana. Além do Safetax, o grupo GV oferece um serviço de consultoria. Ela ajuda o cliente a verificar se o sistema dele está recolhendo e distribuindo as informações necessárias à nota fiscal eletrônica e à escrituração contábil e fiscal digital. “Ele pode ser compartimentado ou integrado. Pode ser implantada apenas a consultoria para a NF-e. Ou só para escrituração fiscal. Ou só contábil”, diz Ana Tereza Bernardes, gerente de negócios do grupo GV. O custo depende também do tamanho da empresa, do sistema e do número de horas dedicadas. ❚
artigo Professor Roberto Dias Duarte
Bomba tributária
de efeito retardado A falta de emissão da Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) está criando dois fatos graves, tanto para quem ainda está trabalhando com notas fiscais em papel modelo 1 ou 1/A – e deveria emitir a NF-e – quanto para quem aceita recebê-las junto com as respectivas mercadorias adquiridas. O primeiro risco enfrentado, para quem vende, é o pagamento de pesada multa sobre o valor da mercadoria comercializada, conforme a legislação de cada Estado. Paralelamente, quem compra fica privado de se utilizar dos créditos oriundos de ICMS – Imposto sobre diante da Circulação de Mercadorias e Serviços. A situação é uma verdadeira bomba tributária de efeito retardado, pois apenas 275 mil empresas conseguiram se adequar até 28 de agosto. Diante da estimativa das autoridades fiscais de que cerca de 1 milhão de pessoas jurídicas estarão obrigadas a emitir o documento. Dados do IBGE mostram que existem 567 mil indústrias de transformação e 213 mil estabelecimentos de comércio atacadista. Só nesses dois segmentos são quase 800 mil empresas obrigadas a emitir NF-e até outubro de 2010. A má notícia é que mais de 40% dos obrigados à emissão de NF-e estão omissos! Para os que perderam o prazo, é recomendável iniciar um processo de denúncia espontânea, pois assim se obtém, ao menos, redução de multa. “Para isso, é necessário consultar a legislação vigente no estado em que se situa a empresa, pois há diferenças importantes, como a porcentagem da multa aplicada”, diz o especialista. Antes de qualquer coisa, e para demonstrar zelo e boa intenção, a empresa deverá comprovar o lançamento e a apuração dos impostos nos livros contábeis/fiscais, além da efe-
tividade do pagamento dos impostos devidos. Por fim, o contribuinte precisará formalizar o questionamento e a provável denúncia espontânea Em São Paulo, por exemplo, o Regulamento do ICMS (RICMS), frisa que “o imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação ou prestação com o anteriormente cobrado por este ou outro Estado, relativamente à mercadoria entrada ou à prestação de serviço recebida, acompanhada de documento fiscal hábil, emitido por contribuinte em situação regular perante o fisco (Lei 6.374/89, art. 36, com alteração da Lei 9.359/96).”. Quase todos os estados têm normas similares quanto ao tema. Como não haverá a presença de “documento hábil” – leiase NF-e – não será possível fazer a compensação dos créditos do ICMS pelo comprador. Enfim, o destinatário poderá ser penalizado por transporte/recebimento de mercadoria desacompanhado de documento fiscal e ainda sofrer a glosa das NFs modelo 1/1A que escriturar. O entendimento geral das autoridades fiscais é que, a priori, a empresa incorreu em ilícito, ficando assim sujeita às sanções previstas na legislação tributária de seu estado. A grande questão é: qual o motivo do descumprimento do cronograma? Em minhas andanças pelo país, descobri que empresas não estão emitindo NF-e por que: (1) muitas não sabem que estão obrigadas; (2) algumas sabem e fingem que não sabem; e (3) outras tantas, sabem, fingem que não sabem e têm raiva de quem sabe. Fica evidente que falta divulgação sobre benefícios e ameaças. Os empresários não têm noção do tamanho do passivo fiscal que estão gerando.
Professor Roberto Dias Duarte, diretor da Mastermaq e coordenador acadêmico da ENC Escola de Negócios Contábeis, de São Paulo (SP) Blog: www.robertodiasduarte.com.br
empresas Deca Furtado
Ela deu o exemplo Usiminas foi uma das primeiras que adotaram a prática. Hoje, colhe resultados A Usiminas S.A. foi a primeira firma do país a emitir uma nota fiscal eletrônica. Em junho de 2006, quando o Big Brother fiscal ainda era uma grande nebulosa, a empresa o ignorou aderindo, como voluntária e sem medo de ser feliz, ao Sped ( Sistema Público de Escrituração Digital) nacional. Cerca de um ano depois veio a nota pioneira, expedida a partir de um dos 40 centros de emissão da siderúrgica, localizado no Rio Grande do Sul (em Minas ainda demorou dois meses porque foi preciso esperar a Secretaria de Fazenda mineira aprontar seus sistemas). Desde então a empresa só emite NFe. “Os resultados são ótimos”, diz o gerente de planejamento tributário da Usiminas, Luiz Alberto Noronha. “A implantação levou à compra de softwares e equipamentos. Investimos também em consultoria, treinamento e absorção de novas tecnologias. Tudo isso se pagou em apenas 14 meses”. Não é para menos: a redução de custos com papel é grande. Este ano, por exemplo, a empresa deve emitir até 2,5 milhões de notas eletrônicas. Antigamente, a nota era impressa em quatro vias, duas em papel tipo moeda e duas em papel normal. Hoje só se imprime uma via do Documento de Acompanhamento da Nota Fiscal Eletrônica, o Danfe, em papel comum. “Economizamos com tintas, desgaste de equipamentos, controle e armazenagem de documentos fiscais”, afirma Noronha. A temporada de caça aos ganhos não terminou. Os 40 centros de emissão ocupam vários funcionários. No futuro breve, em cada um deles haverá menos pessoas. “Teremos mais máquinas e só um centro de gestão”, diz Noronha. Em compensação o Sped vai ocupar mais inteligência humana. “Ainda não podemos dimensionar isto, 26 |Encontro
pois estamos no início da transição. Nesta fase, nas equipes que trabalham na gestão do Sped, haverá redução no quadro de cargos menores e aumento no de analistas”. Mas o processo como um todo, portanto já englobando o Sped, traz outros ganhos, como a simplificação e a agilidade no cumprimento das obrigações acessórias e no atendimento ao fisco. Ademais, os relatórios que embasam a diretoria na tomada de decisões eram feitos mais devagar e ocupavam mais mão de obra. Hoje eles têm menos custos, são feitos mais rapidamente e há a garantia de precisão muito maior. Noronha diz que o desenvolvimento interno do Sped, feito com o auxílio da consultoria Mastersaf, levou a outros ganhos, intangíveis. A implantação estimulou e obrigou a equipe a repensar tudo nesta parte. Ela foi um indutor de melhoria. O resultado é que
Luiz Alberto Noronha, gerente de planejamento tributário da Usiminas: “Hoje, somos qualificados pela Secretaria de Estado da Fazenda como um contribuinte muito mais transparente”
o processo de gestão fiscal está menos propenso a erro. “Deixamos de cometer erros”, assegura Noronha. “Além disso, há a redução da atividade de fiscalização que nós sofremos em Minas, ligada também a ouras providências. Hoje, em comparação com 5 anos atrás, somos qualificados pela Secretaria de Estado de Fazenda como um contribuinte muito mais transparente”. Na Usiminas o desenvolvimento do Sped ainda não terminou. “No momento trabalhamos no Sped fiscal, que engloba todas as obrigações acessórias e os demonstrativos. Esta etapa vai até o final de 2011. É a primeira onda. Depois virão as ondas de melhorias, que vão racionalizar o processo”, explica Noronha. ❚ Eugênio Gurgel
artigo Professor Roberto Dias Duarte
Comprei mercadoria com NF-e denegada. E agora? Um contador amigo enviou-me seguinte pergunta: “Meu cliente recebeu uma mercadoria com o Danfe. Ele já revendeu o produto e me enviou o Danfe para contabilização. Quando fomos conferir, a NF-e relativa a esse Danfe está com a situação ‘denegada’. O que devemos fazer?” Para responder, comecei pelo básico: Danfe é Danfe, nota é NF-e. Nota Eletrônica é um documento digital, emitido e armazenado eletronicamente, para documentar uma operação de circulação de mercadorias. Ou seja, é um arquivo, gerado pelo computador, com os dados exigidos pela legislação e em formato XML – uma espécie de arquivo-texto mais evoluído. Para transformar o arquivo em documento, com validade jurídica, ele deve ser assinado utilizando-se o certificado digital do emissor. O arquivo assinado ainda não é um documento fiscal. Para isto, ele deve ser autorizado pelo fisco estadual. O fisco recebe o XML assinado, faz uma breve validação e gera um protocolo de autorização da NF-e. Tudo via internet. Nota a nota. O Danfe é o Documento Auxiliar da NF-e. Uma representação simplificada que serve para acompanhar a mercadoria em trânsito e colher a firma do destinatário para comprovação de entrega das mercadorias. Rejeição Caso o fisco detecte erros ou problemas no reconhecimento da autoria ou da integridade do arquivo, no formato de campos, numeração ou com o credenciamento do emitente, a NF-e será rejeitada. A NF-e rejeitada pode ser gerada, assinada e transmitida novamente. O inconveniente é que, enquanto não houver autorização, a mercadoria não pode circular. Os bons softwares não permitem a impressão do Danfe sem a autorização da NF-e. Tal procedimento evita problemas graves.
Denegação O CNPJ e a Inscrição Estadual do emitente devem estar regularizados. Caso contrario, a NF-e será gravada pelo fisco como “denegada”. Portanto, o cliente do meu amigo contador comprou uma mercadoria sem documento fiscal hábil, e de uma empresa com a situação fiscal irregular. Várias perguntas: 1.Como foi impresso o Danfe de uma NF-e denegada? 2.Por que o fornecedor não enviou o documento fiscal (XML da NF-e) para o destinatário? 3.Como o comprador recebeu a mercadoria sem documento hábil? Uma resposta: ou era esta a intenção ou foi negligência. Se não foi intencional, por que negligência? 1. O emitente é obrigado a encaminhar ou disponibilizar o arquivo XML da NF-e para o destinatário e o transportador. 2. Para verificar a validade da assinatura, autenticidade e dados do arquivo digital (XML) o destinatário e o transportador podem usar o aplicativo ‘Visualizador’, da Receita Federal do Brasil. Há ainda sistemas comerciais que recebem, validam e escrituram a NF-e automaticamente. 3. O emitente e o destinatário da NF-e deverão conservar a NF-e em arquivo digital pelo prazo previsto na legislação. 4. Por fim, a empresa não é obrigada a escriturar a NF-e automaticamente, mas deverá sempre verificar a autenticidade do arquivo digital da NF-e e seus dados, mediante consulta ao Portal da NF-e. E agora? Como arrumar a bagunça? Graças ao criterioso contador, que conferiu o DANFE no Portal da NF-e, os contribuintes agiram antes do fisco, evitando o pior. Perguntei a diversas autoridades qual deve ser o procedimento para casos como este. A mensagem foi unânime: denúncia espontânea.
Professor Roberto Dias Duarte, diretor da Mastermaq e coordenador acadêmico da ENC Escola de Negócios Contábeis, de São Paulo (SP) www.robertodiasduarte.com.br
nota fiscal eletrônica
Tiradúvidas
As respostas às questões mais importantes (Baseado no livro Big Brother Fiscal – O Brasil na Era do Conhecimento, de Roberto Dias Duarte)
1. Quais os tipos de documentos fiscais em papel que a NF-e substitui? Apenas a nota fiscal modelo 1 / 1A, utilizada para documentar transações comerciais entre pessoas jurídicas. 2. O que muda para meu cliente se minha empresa usar a NF-e em suas operações? Agora é obrigatório verificar a validade da assinatura digital e a autenticidade do arquivo digital, bem como a concessão da autorização de uso da NF-e mediante consulta aos sítios das secretarias de fazenda ou Portal Nacional da Nota Fiscal Eletrônica (www.nfe.fazenda.gov.br). Importante: o emitente da NF-e obrigado a encaminhar ou disponibilizar download do arquivo XML da NF-e e seu respectivo protocolo de autorização para o destinatário.
devem emiti-la em todas as operações nas quais emitiriam nota fiscal em papel (salvo situações de exceção previstas na legislação). No caso de a empresa obrigada ou voluntariamente credenciada emitir também cupom fiscal, nota fiscal a consumidor (modelo 2) ou outro documento fiscal (além de mod. 1 ou 1-A), deverá continuar emitindo-os, concomitantemente à NF-e. 5. Como a Sefaz já recebe NF-e, as informações nela contidas ainda precisarão ser fornecidas ao fisco na entrega de arquivos de escrituração eletrônica? Sim. Mas a tendência é que, futuramente, estas informações já estejam todas contempladas nos diversos módulos do sistema. Até lá, as informações têm de ser fornecidas ao fisco.
3. A NF-e e o Documento de Acompanhamento da Nota Fiscal Eletrônica, o Danfe, podem ser utilizados para documentar vendas de mercadorias a órgãos públicos (administração direta ou indireta) e empresas públicas? Sim.
6. Como a Sefaz já recebe a NF-e, a empresa emitente ainda precisa guardar a NF-e? Sim. Caso o comprador não tenha condições de receber o arquivo digital, deverá armazenar o Danfe pelo prazo decadencial.
4. Uma empresa credenciada a emitir NF-e deve substituir 100% de suas notas fiscais em papel pela NF-e? O estabelecimento credenciado a emitir NF-e que não seja obrigado à sua emissão deverá emitir, preferencialmente, NF-e em substituição à nota fiscal em papel. Os estabelecimentos obrigados à NF-e
7. As empresas deverão guardar a NF-e ou o Danfe? O emitente e o destinatário deverão manter em arquivo digital as NF-e pelo prazo estabelecido na legislação tributária. Assim, o emitente deve armazenar apenas o arquivo digital. A empresa destinatária, emitente de NF-e, também não precisará guardar
o Danfe. Caso o destinatário não seja credenciado para a emissão de nota eletrônica, ele poderá, alternativamente, manter em arquivo o Danfe relativo à NF-e. 8. Em caso de sinistro ou perda do arquivo eletrônico das NF-e, seriam estas disponibilizadas para recuperação por parte da Sefaz ou SRF? Não. A guarda cabe aos contribuintes. 9. A NF-e pode ser emitida também pela digitação no site da Sefaz? Não, o modelo pressupõe a existência de arquivo eletrônico autônomo gerado pelo contribuinte a partir de seus sistemas, de sistema adquirido de terceiros ou a partir do programa emissor de NF-e da Sefaz. 10. É possível alterar uma Nota Fiscal Eletrônica emitida? Após autorizado pela Sefaz, uma NF-e não poderá sofrer alteração. Mas o emitente poderá, dentro de certas condições; cancelar a NF-e mediante a geração de um arquivo XML específico para isso. O pedido de cancelamento de NF-e também deverá ser autorizado pela Sefaz; emitir uma NF-e complementar, ou uma de ajuste, conforme o caso; sanar erros em campos específicos da NF-e, por meio de carta de correção eletrônica transmitida à Sefaz. Como esta modalidade de emissão ainda não foi implantada, o contribuinte poderá emitir carta de correção complementar em papel. 11. Que NF-e pode ser cancelada? Apenas a que tenha sido previamente autorizada pelo fisco e desde que não tenha ocorrido a saída da mercadoria do estabelecimento. Atualmente, o prazo máximo para cancelamento é de 168 horas (7 dias), contado a partir da autorização de uso. O pedido de cancelamento deverá ser assinado pelo emitente com firma digital certificada. O pedido de cancelamento também deverá ser autorizado pela Sefaz 12. Como serão solucionados os casos de erros cometidos na emissão de NF-e (há previsão de NF-e complementar)? E erros mais simples como nome do cliente, endereço, erro no CFOP—como alterar o dado que ficou registrado na base da Sefaz?
Se os erros forem detectados pelo emitente antes da circulação da mercadoria, a NF-e poderá ser cancelada. Será então emitida uma NF-e com as correções necessárias. Esta possibilidade está prevista na legislação para as seguintes hipóteses: I — no reajustamento de preço ou de outra circunstância que implique aumento no valor original da operação; II — na exportação, se o contrato de câmbio acarretar acréscimo ao valor da operação; III — na regularização em virtude de diferença no preço, ou na quantidade de mercadoria; IV — para lançamento do imposto em virtude de erro de cálculo ou de classificação fiscal; V — na data do encerramento das atividades do estabelecimento; VI — em caso de diferença apurada no estoque de selos especiais de controle fornecidos ao usuário para aplicação em seus produtos, desde que a emissão seja efetuada antes de qualquer procedimento do fisco. 13. Como proceder em caso de recusa do recebimento da mercadoria por NF-e? Ou o destinatário emite uma nota fiscal de devolução de compra, ou recusa a mercadoria no verso do próprio Danfe, destacando os motivos que o levaram a isso. Neste caso, o emitente da NF-e irá emitir uma NF-e de entrada para receber a mercadoria devolvida. Importante: como houve circulação da mercadoria, a NF-e não poderá ser cancelada. Caso a nota fiscal de devolução também seja eletrônica, esta deverá, como todas as NF-e, ser previamente autorizada e enviada para o destinatário da NF-e que deu origem à NF-e de devolução. 14. As pessoas físicas também receberão a NF-e? É possível que as empresas emitam a nota fiscal 1 ou 1A também a consumidores pessoas físicas. As notas em papel poderão ser substituídaa pela NF-e, de forma que a pessoa física receberá o Danfe como representação do documento fiscal e poderá consultar a sua existência e validade pela internet. ❚
artigo “A previsão é que dentro dos próximos três anos todos os dados fiscais estarão intercambiados e à disposição da fiscalização federal, estadual e municipal.” Alexandre Atheniense
Riscos da fiscalização a partir da nota fiscal As empresas e pessoas físicas em Minas Gerais que não recolhem corretamente os seus tributos estão sujeitas, a partir de 2010, a um risco maior do que imaginado. Os fatos tributários verificados até então podem ser fiscalizados e autuados dentro dos próximos cinco anos, no mínimo. No entanto, no futuro este limite cronológico não mais existirá, pois a tendência, em virtude do contínuo processo de adoção de recursos de tecnologia como instrumento de fiscalização, é a adoção de um efetivo monitoramento dos tributos e da fiscalização em tempo real. A criação de Sistema Público de Escrituração Digital – Sped, fiscal e contábil, mais a nota fiscal eletrônica, a NF-e, pela Receita Federal e parceiros, está proporcionando um enorme intercâmbio de dados fiscais em tempo real em vários níveis. Com a implantação da nota fiscal eletrônica federal, estadual e municipal, a Fazenda terá o mais eficiente e célere mecanismo de monitoramento, cruzamento de dados e autuação fiscal, sem precisar da visita presencial à sede da empresa para fiscalizar os seus livros fiscais. Os indícios relativos a qualquer irregularidade fiscal passarão a ser coletados pela Receita em formato digital. Como os registros das transações efetuadas serão armazenados via nota fiscal eletrônica, a autuação fiscal ou a eventual tipificação do crime de sonegação fiscal será bem mais rápida, pois eliminam-se vários trâmites burocráticos inerentes ao manuseio do papel. O Sistema Público de Escrituração Digital –
30 |Encontro
Sped, que inclui, entre outros projetos, a nota fiscal eletrônica no âmbito nacional e a Escrituração Contábil e Fiscal Digital está sendo implantado progressivamente pela Receita em vários estados e, neste ano passa a vigorar em Minas Gerais. A previsão é que dentro dos próximos três anos todos os dados fiscais estarão intercambiados e à disposição da fiscalização federal, estadual e municipal. O Sped é a mais nova estratégia de fiscalização eletrônica do Fisco, deve ser alvo de atenção e reestruturação tributária preventiva de todas as empresas. A partir da implantação obrigatória e completa de sistemas de processamento de dados, que vão priorizar a obrigatoriedade das empresas de aderirem à Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) e à Escrituração Contábil e Fiscal Digital, todas as pequenas diferenças de arrecadação serão facilmente visualizadas, confrontadas e analisadas, sem se depender de pessoas físicas para fiscalizar internamente cada empresa, o que elimina a corrupção neste campo. O uso da nota fiscal eletrônica impõe uma mudança cultural e procedimental imediata. Por este motivo é necessário que ocorra uma mudança de postura dos contribuintes na gestão tributária de sua empresa e de sua própria pessoa física, evitando perda de bens pessoais, além da aplicação de multas punitivas que possam inviabilizar a continuidade de algumas atividades empresariais. Afinal, a administração empresarial eficiente é aquela que privilegia a prevenção de riscos, pagando corretamente os tributos e gerando lucro.
Advogado, sócio do escritório Aristoteles Atheniense Advogados, Coordenador e Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito e Tecnologia da Informação da Escola Superior de Advocacia da OAB-SP e do Instituto Praetorium.