Portal de Serviços Públicos e de Informação ao Cidadão : Estudo de Casos no Brasil Autoria: Maria Alexandra Viegas Cortez da Cunha e Nicolau Reinhard Resumo A partir da segunda metade da década de 90, popularizou-se no Brasil, nas esferas de governo federal, estadual e municipal, a construção de portais de governo para a World Wide Web. Este estudo é qualitativo, de múltiplos casos, e concentra-se na prestação de serviços públicos e de informação ao cidadão na Web. Avaliou os portais de três governos: o federal, o do Paraná e da cidade de Santo André. Pesquisou a opinião de dirigentes públicos e de informática sobre aspectos da utilização de tecnologia de informação na sociedade informacional, descreveu o processo de implementação dos portais, desenhou o perfil do cidadão usuário dos serviços eletrônicos e avaliou as características das páginas Web que oferecem os serviços e informações governamentais. Como revelado na análise, o perfil do usuário é semelhante ao do internauta brasileiro – classe A e B, educação formal de nível superior, o que torna o problema do acesso crítico e necessitando de intervenção governamental. O objetivo estratégico dos governos na construção dos serviços Web é obtenção de eficiência, espera-se que a Web possa facilitar a prática democrática, mas esse não é o motor que, hoje, impulsiona os governos na implementação dos sites. Democratização também não é a motivação que leva o cidadão ao portal. 1
Introdução
Desde os anos 60 que os governos, no Brasil, têm desenvolvido esforços de informatização e de gestão dos recursos de Tecnologia de Informação (TI). Recentemente, a partir da segunda metade da década de 90, popularizou-se nas esferas de governo federal, estadual e municipal, a construção de serviços públicos e de prestação de informações ao cidadão através da World Wide Web. O objetivo central deste trabalho é estudar a prestação de serviços públicos e de informação ao cidadão pela World Wide Web. Nos seus objetivos estratégicos – o que motivou ou estará motivando a construção dos serviços, e em alguns aspectos que, embora não exclusivos, assumem dimensões particulares ao considerarmos o setor público – questões como o direito ao acesso, privacidade, segurança e facilidade no uso. Presente no título deste trabalho, a palavra portal merece uma conceituação mais precisa. Um portal é uma porta de entrada na rede mundial, é a partir dela que muitos usuários definem seus próximos passos na Web. Os portais são locais de grande visitação, portanto ser reconhecido como um portal está diretamente relacionado à força com que o site atrai visitantes. Existem portais que oferecem serviços e conteúdos genéricos e outros que são centrados em um conteúdo particular, turismo, jogos, esporte, ou ainda serviços públicos – o foco deste trabalho. Construir um portal é atrativo para organizações que querem alcançar um grande número de pessoas, sem grandes aparatos tecnológicos – um browser comum às outras páginas Web é suficiente. 2 Aspectos a serem considerados no uso de portais Web para prestação de serviços públicos Frank Webster (1997), em “Theories of the InformAtion Society”, apresenta as diferentes perspectivas da teoria social contemporânea sobre a informação no mundo atual. As daqueles que proclamam que surgiu uma nova espécie de sociedade: pós-industrialismo (Daniel Bell e uma legião de seguidores); pós-modernismo (são exemplos Jean Baudrillard e Mark Poster); especialização flexível (por exemplo Michael Piore e Charles Sabel, Larry Hirschhorn) e a sociedade informacional, o modo informacional de desenvolvimento da sociedade capitalista (Manuel Castells). E, por outro lado, a perspectiva daqueles autores que acreditam na continuidade das relações sociais preestabelecidas: neo-marxismo (por exemplo Herbert 1
Schiller); teoria da regulação (exemplos Michel Anglieta e Alain Lipietz); acumulação flexível (David Harvey); o estado nação e violência (Anthony Giddens) e a esfera pública (Jurgen Habermas, Nicolas Garnham). Na controvérsia “Revolução x Evolução”, optou-se aqui pelos conceitos de Castells (1999). Para ele, vive-se uma revolução e assiste-se a um novo paradigma: o da tecnologia da informação que define uma sociedade no modo de produção capitalista (mas um novo capitalismo, diferente, global e estruturado em uma rede de fluxos financeiros) e no modo informacional de desenvolvimento. Assiste-se a “um evento histórico da mesma importância da Revolução Industrial do século XVIII, induzindo um padrão de descontinuidade nas bases materiais da economia, sociedade e cultura” (Castells, 1999, p.50). O que caracteriza a revolução das tecnologias da informação e comunicação não é a centralidade de conhecimentos e informação (que também foi característica em outras revoluções tecnológicas anteriores), “mas a aplicação desses conhecimentos e dessa informação para a geração de conhecimentos e dispositivos de processamento/comunicação da informação, em um ciclo de alimentação cumulativo entre inovação e uso”. A mente humana é agora uma força de produção, não apenas um elemento no processo produtivo. Em apenas duas décadas a revolução da tecnologia da informação e comunicação difundiu-se em escala global por uma lógica de aplicação imediata do próprio conhecimento gerado. Para este autor, já estamos vivendo a sociedade da informação, mesmo no Brasil, “(...) Mas o Japão, tanto quanto a Espanha, a China, o Brasil e os EUA, são e serão, ainda mais no futuro, sociedades informacionais, pois os principais processos de geração de conhecimentos, produtividade econômica, poder político/militar e a comunicação via mídia já estão profundamente transformados pelo paradigma informacional e conectados às redes globais de riqueza, poder e símbolos que funcionam por essa lógica” (Castells, 1999, p.38). Um assunto também recorrente nesta época é o da redefinição do papel do Estado. Na nova sociedade, em grande parte das economias mundiais, assiste-se a um debate sobre qual é o papel do Estado e, neste contexto, à formulação e implantação de propostas de transformações do Estado. De propostas mais à direita – como o neo-liberalismo, ou mais à esquerda, com o foco de atenção voltado para a democratização participativa e inclusão social, este assunto fez parte das agendas dos governos da década de 90 e continuará sendo demanda da sociedade no início do novo milênio. Este trabalho aborda a utilização da Tecnologia de Informação na administração pública no Brasil, mais especificamente da prestação de serviços ao cidadão na Web, sob a ótica de a) estarmos vivendo a sociedade da informação e b) a redefinição do papel do Estado que exige mudanças na administração, a chamada “Reforma Administrativa”. São importantes tanto os aspectos sociais do direito ao acesso, segurança e privacidade, como os objetivos dos governos de serem mais efetivos na formulação e implantação de políticas públicas e na prestação de serviços ao cidadão. A World Wide Web, ou “a rede”, é uma novidade dos anos 90 importante nos contextos social, econômico e até individual, como têm demonstrado vários estudos acadêmicos. Aproximando-se do objeto de estudo deste trabalho, um portal é uma porta de entrada na rede, a partir da qual os usuários determinam seus passos na Web. Os portais têm “audiência”, ser reconhecido como um portal comercial atrai verbas de publicidade e cria oportunidades para comércio eletrônico. Mas a Web não tem só uma dimensão comercial, é um novo meio de comunicação e pode ser uma forma revolucionária de relacionamento entre organizações, entre pessoas e entre organizações e pessoas. Pode ser um novo meio de comunicação entre governo e sociedade e pode vir a ser uma revolução no modo como o governo interage com a sociedade. Aqui, propõe-se o estudo de portais construídos por governos para a prestação de serviços públicos e de informação ao cidadão pela WEB. Os objetivos estratégicos de Reforma do Estado refletem-se, em parte, na construção das aplicações de TI e aspectos como acesso, privacidade e segurança podem vir a determinar seu uso. 2
2.1
Quadro de referência
O modelo criado para o estudo da oferta de serviços públicos e de informação utilizando um portal Web, contempla os objetivos estratégicos do governo no uso de uma tecnologia, os aspectos que devem ser considerados pelo governo ao usá-la, o cidadão que o utiliza e, ainda, o portal em si e sua implementação (figura 1).
2. O Portal e Implementação
1. O Cidadão 3. Aspectos da TI na Soc. Info.
4. Obj.Estratégicos da TI na Reforma
Figura 1 - Modelo de estudo de um portal de serviços ao cidadão
1. O cidadão que utiliza o portal – quem é este cidadão, é ele semelhante ao usuário padrão da Internet no Brasil, ou tem características próprias que um governo deve considerar na disponibilização destes serviços? Os números da 9ª Pesquisa Internet POP, realizada em dezembro/2000 pelo IBOPE Mídia em nove capitais brasileiras, disponível em http://www.ibope.com.br/digital/, mostram um perfil da maioria dos usuários da Internet brasileira como homem, e pertencente às classes A e B. Cerca de 15% dos Internautas fizeram compras pela Internet, o que em números absolutos representa quase um milhão de compradores online. Na área pública, apesar do interesse que a “demografia” da Internet possa trazer, é importante lembrar que o dado crucial ainda é o número de pessoas que não têm acesso à rede, ou que não estão habilitadas a usá-la. A exclusão do direito ao acesso às novas formas de comunicação pode abrir uma barreira difícil de ser transposta entre “os que têm” e “os que não têm”. O uso político da Web também é uma dimensão a se explorar ao se falar da área pública. Numa pesquisa sobre a demografia e o uso político da Internet, Bimber (1999) mostra pessoas que têm usado Internet para propósitos políticos pelo menos uma vez ao ano, como uma fração pequena daqueles com acesso à tecnologia. 2. O Portal e sua implementação – Um governo pode estar na Web prestando apenas informações institucionais, no estágio inicial da classificação em 6 estágios proposta por Reinhard (1999), ou, no outro extremo, num estágio de oferta de serviços que envolve a interação entre várias organizações de maneira transparente ao usuário. O processo de implementação do portal envolve pessoas, estrutura, tecnologia, processos e ambiente da organização. Conforme Albertin (2000), os aspectos de alinhamento relevantes são entre estratégia e tecnologia (pela necessidade de redefinir alguns processos após a introdução de tecnologia ou utilizando a tecnologia para permitir um redesenho dos processos), entre tecnologia e processos organizacionais e entre tecnologia e pessoas. Os aspectos de implementação de tecnologia em uma organização podem ser resumidos em três categorias principais – o alinhamento estratégico, a adaptação da organização e a adaptação da área de Tecnologia de Informação Interna. As características das páginas Web que disponibilizam serviços públicos refletem os cuidados de seus desenvolvedores com atributos de usabilidade, eficiência, portabilidade, funcionalidade e conteúdo. Podemos observar se ênfase é dada a 3
fatores higiênicos ou motivacionais. Apesar da construção de páginas de Web ser recente, iniciou-se na década de 90, há vários estudos que apresentam checklists de atributos a serem observados na construção de sites, conforme apresentado por Zhang et al. (2000). A partir de uma base teórica que já havia sido utilizada no estudo de ambiente de sistemas de informação – Gill (1996) e Markus e Keil (1992) apud Zhang et al. (2000), estes autores fazem uma analogia da teoria de Herzberg sobre motivação no ambiente de trabalho para o ambiente Web. Os fatores higiênicos são os que provêem as funcionalidades básicas enquanto os motivacionais contribuem para a satisfação do usuário, adicionam valor à prestação do serviço e podem fazer com que os usuários continuem voltando ao site. Eschenfelder et al. (1997) fazem uma proposta de critérios para avaliação de sites de governo. O trabalho destes autores está mais focado na disseminação e coleta de informação que na prestação de serviços públicos. No entanto, provê uma lista relativamente extensa de critérios de avaliação de sites governamentais, divididos em dois grandes grupos e subgrupos de critérios: 1) critérios sobre o conteúdo da informação (orientação, conteúdo, atualidade, controle bibliográfico, serviços, acuracidade, privacidade) e 2) critérios de facilidade de uso (qualidade dos links, mecanismos de feed-back, acessibilidade, design, navegabilidade). Além dos atributos do site em si, outros critérios podem ser seguidos para avaliação das páginas tais como a prestação de serviços e disponibilização de informações que facilitem a vida do cidadão ou a apresentação de melhorias na qualidade do serviço prestado. Além de definir os atributos de qualidade a verificar num site, é importante definir o processo de avaliação. As normas ISO/IEC 14598-1 e NBR 13.596 definem as características de qualidade de produto de software e um modelo para seu processo de avaliação. 3. Objetivos estratégicos - Para estudar o uso da TI num contexto de transformação do Estado, este trabalho adota como objetivos estratégicos genéricos do uso de TI na Reforma os descritos em Heeks (1999) acrescido de “democratização”, pela importância dada ao tema por alguns dos governos no nosso país. Os objetivos estratégicos são: eficiência, descentralização, accountability, melhoria na gestão de recursos, adoção de práticas de gestão de mercado e democratização. A dimensão da Reforma aqui tomada é a da Reforma Administrativa (ou governança), tornar a administração pública mais eficiente e mais voltada para a cidadania. Toma-se a definição de que Reforma Administrativa são os “esforços que têm por fito induzir mudanças fundamentais nos sistemas de administração pública, através de reforma de todo o sistema ou, pelo menos, de medidas que visem à melhoria de ou mais de seus elementoschave, como estruturas administrativas, pessoal e processos” (Conferência das Nações Unidas, Brighton, 1971 apud Bresser Pereira e Spink, 1998, p.148). Este conceito foi também adotado por Belchior (1999), é uma concepção de Reforma Administrativa “que se distingue da Reforma do Estado, que a engloba, e que também se distingue da modernização administrativa, que é decorrência dela” (Belchior, 1999, p.12). Explicando o termo accountability, para Cruz (1999, p.25), “(...) em linhas gerais, quer dizer cobrar responsabilidade de quem é responsável”. Bresser Pereira (1998) apresenta o termo “responsabilização”, um objetivo intermediário fundamental de qualquer regime democrático é aumentar a “responsabilização” (accountability) dos governantes. Para Duncan (1999) accountability democrática é assegurar por mecanismos institucionais, cultura e prática que o público obtenha informação, que possa ser compreendida, sobre a efetividade das políticas governamentais. 4. Aspectos a considerar no uso da TI por um governo na sociedade da informação – o acesso como um direito, a privacidade, a segurança. A prática democrática “eletrônica”, ou a participação num espaço público eletrônico passa pelo acesso do cidadão a esse espaço. Cada cidadão deve ter acesso a um conjunto de ferramentas computacionais e de telecomunicações, associado a conhecimento de utilização, que lhe permita receber informação, transmitir informação e usufruir de serviços eletrônicos (Cruz, 1999), (Eisenberg, 1999). Outro autor, 4
Munn (1999), estudou o problema de acesso pela análise de discurso das reivindicações feitas pelos grupos de interesse público envolvidos no debate da política de telecomunicações nos EUA (desde a reforma das transmissões, no final da década de 60, ao debate da NII – National Information Infrastructure, no governo Clinton). Quanto a segurança e privacidade, estes são termos tão comentados nos trabalhos de comércio eletrônico e Internet quanto naqueles que falam de informática pública e de governo na sociedade da informação. Para embasar este tópico, usaram-se as referências estabelecidas por Duncan (1999), Andersen e Dawes (1991), Garson (1997), Kalakota e Winston (1997) e Albertin (1997). Construído em paralelo à investigação do referencial teórico, a tabela 1 - Visão consolidada do referencial teórico, ao final do trabalho, resume os itens que estruturam o modelo de referência para o estudo de um portal de serviços e de informação ao cidadão na Web. 3
Metodologia
Como o estudo da aplicação das Tecnologias de Informação e Comunicação na área pública inclui diferentes perspectivas, requer uma abordagem holística e qualitativa. A pesquisa é um estudo de múltiplos casos (multiple study case). Esta escolha foi feita pela utilização de conceitos expostos em Yin (1989) e Creswell (1994), procedimento também seguido em Pardo (1998) e Albertin (1997), que usou as situações relevantes de Yin (1989) para optar por uma estratégia de pesquisa no seu trabalho, exemplo que é aqui seguido. Seguindo esta orientação, a forma das questões básicas de pesquisa (como e por quê), a não possibilidade do controle sobre eventos comportamentais nas áreas e organizações, ou sobre os cidadãos e demais envolvidos neste trabalho, e a ênfase em eventos contemporâneos fundamentaram a escolha pelo estudo de caso. Mais precisamente, por um estudo de múltiplos casos, já que não é possível atender às condições para o estudo de um único caso, que são (Albertin, 1997): a) o caso representa um caso crítico de teoria bem formulada; b) o caso representa um caso extremo ou único; e c) o caso representa um caso revelatório. 3.1
Questões de pesquisa
As questões básicas de pesquisa são: 1) como está sendo utilizada a World Wide Web na prestação de serviços públicos e de informação pelo governo ao cidadão; 2) por que esta tecnologia está sendo ou será utilizada (objetivos estratégicos por parte do governo e motivação por parte do cidadão); 3) como estão sendo considerados aspectos da Sociedade Informacional na construção de portais de serviços ao cidadão e ; 4) como foram implementados os portais de serviços ao cidadão. 3.2
Unidade de pesquisa
O município é a esfera de governo mais próxima do cidadão. No entanto, os governos federal e estaduais brasileiros também são grandes fornecedores de serviços ao cidadão. Para selecionar os casos a estudar entre os sites de governos no Brasil, encontrados na Web, foram adotados os seguintes critérios: ser um portal de governo, um site que permita o acesso à carteira de serviços públicos e informações disponibilizados via WEB por um governo ao cidadão; completar todas as esferas de poder – federal, estadual e municipal e; diferentes orientações político-partidárias. Escolheu-se então: um governo municipal da grande São Paulo, que mantém as características do maior centro urbano do país – Santo André, à época dirigido pelo PT; o governo do Paraná, PFL, o primeiro governo brasileiro a ter um site na Web (1994) e pioneiro na implantação de serviços ao cidadão e ainda, na esfera federal, PSDB, a Redegoverno, site para prestação de serviços federais. 3.3
A coleta dos dados
Múltiplas estratégias de pesquisa não são mutuamente exclusivas e nem todos os processos de pesquisa precisam selecionar uma única estratégia (Yin, 1989), (Pardo,1998). Os dados para a 5
descrição dos casos neste trabalho vêm de múltiplas metodologias de coleta. Cada uma destas provê diferentes perspectivas para a descrição dos casos. A utilização da World Wide Web na prestação de serviços públicos e de informação ao cidadão é o foco da coleta de dados. Como o ambiente Web é dinâmico, todos os dias há páginas novas, alterações em conteúdos de páginas, novos serviços sendo ofertados e novas informações sendo disponibilizadas, o processo de investigação foi projetado em cinco fases, quatro delas concorrentes: 3.3.1
Pesquisa nas páginas do site – Que serviços?
A descrição do conteúdo dos sites, que serviços e informações privilegiam e em que estágio, foram obtidos a partir de observação do conteúdo dos sites. Todas as opções dos portais escolhidos foram pesquisadas para obter a totalidade dos serviços. Onde havia necessidade de acesso com senha, foi solicitada aos prestadores do serviço. A descrição dos serviços dos portais não foi concorrente às demais, foi a única etapa desenvolvida previamente. Identificou-se: 1) qual a área de governo; 2) qual o serviço público ou de informação; e 3) qual o estágio da prestação de serviço, pela classificação proposta por Reinhard (1999). 3.3.2
Avaliação das características dos sites
As características de usabilidade, eficiência, funcionalidade e conteúdo foram avaliadas por uma equipe de quatro técnicos especialistas em informática. Foi utilizada como metodologia uma adaptação de um roteiro baseado nas normas ISO/IEC 14598-1 e NBR 13.596, que definem o processo de avaliação de produto de software. A idéia inicial, de avaliar todos os serviços públicos e de informação ofertados na Web pelos três governos, esbarrou na quantidade de páginas já existentes – só o governo do Paraná possuía, à época, 22.000 páginas a partir de www.pr.gov.br. Escolheram-se, então, serviços diferentes entre si, mas similares nas esferas federal, estadual e municipal: a presença e informações sobre planos de governo, pagamento de impostos (IR - Imposto de Renda, IPVA – Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores e IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano), fazer uma reclamação, a emissão de um documento (Passaporte, Carteira de Identidade e Habite-se) e a requisição de um serviço público (Solicitação de Aposentadoria, Pagamento de conta de luz e Solicitação de poda de árvore). O ponto de partida foi sempre o portal – www.redegoverno.gov.br, www.pr.gov.br, www.santoandre.sp.br. As fases que compuseram o trabalho de avaliação foram: a Organização do trabalho, onde se fez o planejamento do trabalho a realizar, definiram-se as tarefas e o cronograma da avaliação dos sites; na Análise dos requisitos da avaliação e especificação da avaliação, selecionaram-se as características e os atributos para avaliação (51), definiu-se o método para cada item, as escalas para medição e estabeleceramse critérios e formato para apresentação dos resultados. Os atributos para avaliação foram definidos a partir principalmente de Zhang et al. (2000), Eschenfelder et al. (1997) e CELEPAR (1998 e 1998b). Para cada atributo foi definido um método de avaliação. A escala da medição tem graus de intensidade - ótimo, bom, regular e ruim, e há espaço para que o avaliador anote suas observações. A primeira versão do formulário foi testada por uma analista experiente em avaliação de produtos de software na CELEPAR - Companhia de Informática do Paraná e suas sugestões modificaram o formulário. A Execução da avaliação foi a fase seguinte, com um processo com a) uma reunião inicial, para explicação do objetivo do trabalho, o objetivo desta avaliação, instruções (constantes do formulário, por exemplo que não emitissem opiniões sobre os sites para quaisquer pessoas fora dos grupos e que não tirassem dúvidas entre os membros do grupo) e leitura e explicação do formulário; b) a avaliação de todos os serviços e páginas de informação de um primeiro site escolhido, DETRAN/Pr, para teste do formulário; c) reunião para discussão em grupo dos resultados obtidos, tempo de avaliação, dúvidas, sugestões e; d) avaliação dos serviços públicos e de informação escolhidos nas três esferas. A avaliação ocorreu nos meses de março e abril/2000 e foi feita por quatro técnicos de informática experientes em utilização da Web – todos a 6
usam há mais de 4 anos e diariamente. Cada avaliador (4) avaliou o conjunto de atributos (51) para cada serviço público e de informações (15). Dois dos avaliadores trabalharam no horário comercial (das 07h00 às 18h30), um de noite (das 18:30 à 00h30) e outro de madrugada (da 00h30 às 06h30), para avaliar disponibilidade dos sites e tempo de resposta. Na Conclusão da avaliação, os resultados foram organizados em termos de a) características de usabilidade, eficiência, funcionalidade, confiabilidade e portabilidade e b) do posicionamento do site em relação a fatores higiênicos, aqueles que quando ausentes provocam desconforto ao usuário do ambiente, e motivacionais, cuja presença motiva o usuário a retornar ao site. 3.3.3
Perfil do usuário Web dos serviços públicos e de informação
A descrição do perfil do cidadão e motivação para uso do portal Web foi obtida com pesquisa on-line, de preenchimento voluntário, a partir de sites de governo. Um ícone foi colocado em destaque em algumas páginas do governo do Paraná, na principal e nas de alguns serviços mais visitados (para alcançar aqueles que entram diretamente na página do seu prestador de serviços, usuários habituais), do dia 20 de março de 2000 a 10 de abril de 2000. Ao clicar no ícone, abria-se um formulário de pesquisa a ser preenchido. Foram obtidos 521 questionários e tratados 508, armazenados numa base de dados SQL-Server e trabalhados no Excel e no SPSS. Análise de Cluster foi usada para identificar: a) que grupos de usuários têm uso dos sites de governo semelhante e b) que grupos de usuários têm motivações semelhantes para utilizar a Web. A identificação destes grupos pode servir de referência para desenvolvedores de páginas Web de governo, pode indicar que aspectos privilegiar na interface dependendo do grupo ao qual o serviço é destinado, pode orientar investimentos em hardware, software e facilidades de comunicação nas estruturas de informática do governo e mostrar a formuladores de políticas públicas e executivos da área pública qual o perfil da audiência dos seus sites. 3.3.4
Como estão sendo considerados aspectos da Sociedade Informacional
Para observar como estão sendo considerados alguns aspectos da Sociedade Informacional e os objetivos estratégicos que estão direcionando a construção das aplicações na Web foram feitas entrevistas com dirigentes de governo e dirigentes de organizações de Tecnologia de Informação que hospedam e/ou desenvolvem os portais. Embora haja recomendação acadêmica de identificar os entrevistados e as organizações a que pertencem, tal procedimento não foi seguido neste trabalho. Alguns dos participantes sentiram-se mais à vontade para dar suas respostas se seu nome não fosse citado. Das estruturas de informática, foram entrevistados membros da diretoria e superintendência do Serviço Nacional de Processamento de Dados - SERPRO, Companhia de Informática do Paraná - CELEPAR e da Prefeitura de Santo André. Na administração direta foram entrevistados secretários de estado do governo federal, estadual e municipal, diretores gerais e gerentes de projetos de governo nas áreas de planejamento, administração, educação, fazenda e ciência e tecnologia. As entrevistas foram feitas durante os meses de março e abril de 2000 e todas as entrevistas foram transcritas. Mais recentemente, estudou-se o Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil (Takahashi, 2000). 3.3.5
Processo de implementação
A descrição do processo de implementação foi obtida a partir de entrevistas com gerentes de projeto e/ou webmasters nas organizações responsáveis pela hospedagem do portal, nas três esferas de governo, federal, estadual e municipal. No Paraná foi também entrevistado o técnico responsável pelo site da Companhia Paranaense de Energia - COPEL, um dos portais de muito sucesso na prestação de serviços ao cidadão através da Web. Foram conduzidas durante os meses de março e abril de 2000, com o formato de entrevista pessoal. Estas entrevistas tiveram o propósito de servir de base à descrição do caso, com o processo de 7
implementação em relação aos aspectos considerados relevantes na implementação de tecnologia: alinhamento estratégico, adaptação da organização e adaptação da área de Tecnologia de Informação interna (Albertin, 2000). Estes três tópicos são uma leitura dos aspectos de tecnologia, pessoas, estrutura, processos (ou tarefas) e ambiente segundo Bloch, Pigneur e Segev (1996). Foi construída uma tabela para registrar os dados obtidos nas entrevistas. 4
Análise dos dados
Este trabalho, numa versão mais extensa, constrói uma descrição dos múltiplos casos estudados e de cada “sub-pesquisa” desenvolvida. Aqui, é apresentada apenas a resposta às indagações de pesquisa. 4.1 Como está sendo utilizada a World Wide Web na prestação de serviços públicos e de informação pelo governo ao cidadão ? Os portais de governo brasileiros privilegiam, ainda, a apresentação de informações sobre as instituições e orientação quanto a serviços e procedimentos de órgãos públicos. Já há oferta de serviços públicos pela rede que permitem consulta a arquivo de transações, a realização de transações (mais) e mesmo de processos completos (menos). São raros os exemplos de funções que permitem ao cidadão executar processos que, para serem finalizados, envolvem o relacionamento com mais de uma instituição. A tecnologia pode viabilizar a integração entre processos e informações de organizações governamentais distintas, de diferentes esferas de poder (Reinhard, 1999). Os portais podem, e devem, apresentar uma visão integrada dos processos da administração pública. Esta oferta de processos integrados ainda é muito restrita, os exemplos encontrados estão associados à arrecadação de tributos. Não basta a integração no negócio, tem que haver organização da informação para o compartilhamento das informações entre estruturas, o que representa um desafio também no aspecto tecnológico. A integração é, então, de um lado limitada pelas dificuldades de integrar processos da administração pública isolados e, por outro, pela dificuldade de integração dos dados em meio eletrônico, dos sistemas de informação e das arquiteturas tecnológicas já existentes em cada estrutura de governo. Diversos processos da administração pública já prescindem da presença do cidadão no balcão da “repartição”. É objetivo de todos os governos que, a médio e longo prazo, os processos de atendimento ao cidadão tenham uma alternativa Web para a solicitação, prestação do serviço ou informação (quando for possível por meio eletrônico), pagamento de taxas e acompanhamento do processo. O relacionamento entre o governo e empresas e entre o governo e profissionais (advogados, despachantes e contabilistas, por exemplo) deverá ser totalmente eletrônico num prazo menor. As entrevistas também mostram que num futuro próximo haverá a implantação de uma avalanche de serviços pela Web, mas há que resolver questões de integração, legislação, privacidade e segurança. O estudo de casos evidenciou que os serviços públicos e de informação propostos pela Web são similares aos oferecidos pelo poder público nos canais tradicionais. A rede ainda é apenas mais um canal alternativo de entrega do resultado dos processos tradicionais da administração pública. Esta conclusão mostra coerência com as de Albertin (1997 e 2000), na sua análise sobre Comércio Eletrônico onde, apesar dos grandes investimentos que estão sendo feitas na área, “as aplicações que estão sendo desenvolvidas e implementadas têm sólida base nas aplicações de Tecnologia de Informação tradicional. As facilidades guardam grande similaridade com aquelas já oferecidas pelas empresas por meio das aplicações existentes”. Na avaliação dos portais os serviços propostos estavam disponíveis, os sites são estáveis, os programas funcionam quase corretamente, as entidades hospedeiras dos portais são reconhecidas como de “alta reputação”. Por outro lado, foram identificados problemas quanto 8
à atualização da informação e aspectos relacionados à privacidade e segurança. Em relação às características que dizem respeito ao uso, usabilidade, o desafio na construção dos portais é torná-los agradáveis de se visitar. Os portais têm boa avaliação nos itens relacionados à aparência visual, mas não é suficiente para fazê-los um ambiente agradável, foram descritos pelos avaliadores como “muito chato” e “dá sono”. Eficiência diz respeito ao comportamento da aplicação em relação ao tempo, onde os serviços foram bem avaliados. A Funcionalidade, o quão apropriadas são as funções e se gera os resultados conforme o esperado, tem os atributos relacionados a segurança e privacidade sistematicamente mal avaliados. Não há preocupação dos governos em garantir segurança ao usuário dos seus serviços, e nem especificar o uso que será feito dos seus dados, a garantia de privacidade. Confiabilidade, mostrou alguns problemas em relação à violação de interfaces (os programas aceitavam até digitação de dados com erros). Portabilidade, a característica pior avaliada, mostrou os governos construindo serviços públicos e de informação que podem ser acessados apenas pela plataforma Microsoft. Este trabalho também mostrou a avaliação dos serviços em relação a fatores higiênicos que, ausentes, trazem desconforto, e motivacionais que, presentes, deixam o site agradável de se visitar. O desenvolvimento de uma política de comunicação que previsse o atendimento aos fatores higiênicos em qualquer serviço disponibilizado na Web, melhoraria, em alguns casos sem muito esforço, a marca atingida (33% dos atributos higiênicos foram avaliados como regular ou ruim). O atendimento aos fatores motivacionais pode representar o aumento da audiência do portal. Denota-se pouca preocupação com a forma, o conteúdo e atualização de muitas páginas governamentais na Web, o que é um tratamento quase leviano de um canal de comunicação com o cidadão. 4.2 Por que esta tecnologia está sendo ou será utilizada? (Objetivos estratégicos por parte do governo e motivação por parte do cidadão) O objetivo estratégico para utilização da tecnologia Web na construção de portais é eficiência na prestação do serviço ao cidadão. Ao selecionar portais em diferentes esferas de governo, com governantes de orientações político-partidárias diferentes, havia a expectativa que diferentes motivações estratégicas fossem encontradas, o que não aconteceu. A Web ainda é vista pelo nível estratégico apenas como um canal de prestação de serviços alternativo aos atuais. A melhoria na qualidade do atendimento, o evitar deslocamentos, a disponibilidade permanente do serviço e a diminuição de tempos, são argumentos mais fortes que diminuir custos, o que também é buscado. A ampliação da capacidade de atendimento, sem investimentos em locais e pessoal, também é citada, bem como transparência, normalmente associada a processos de licitação, gastos públicos e Responsabilidade Fiscal. A Web pode facilitar a prática democrática, mas esse não é o motor que, hoje, impulsiona os governos na implementação dos sites. Também não é a motivação que leva o cidadão ao portal. O uso atual da Web sugere que, embora já haja suporte tecnológico para a abertura de canais mais estreitos entre o cidadão, organizações da sociedade e governo, esta “oportunidade” ou não está sendo viabilizada pelos governos e/ou não está sendo percebida e exercida pela sociedade. Esta conclusão tem similaridade com a de Cruz (1999), num estudo de caso no Brasil, e com a de Bimber (1999), nos Estados Unidos, que mostra o uso político da Internet como uma pequena fração do uso daqueles que têm acesso à rede. Quanto aos visitantes dos portais, assinalaram como primeiro motivo “evita deslocamentos”. Mas também porque “é mais rápido”, “está disponível fora do horário comercial” e para “não enfrentar filas”. O uso dos sites de governo é a partir do local de trabalho (74%) e muitas vezes no exercício de uma profissão (67%), o que torna o perfil do cidadão ligeiramente diferente da maioria do internauta brasileiro, que usa a Internet a partir de sua residência. Há adoção de serviços públicos eletrônicos por parte de organizações e profissionais, que a utilizam no exercício do 9
seu trabalho. A adoção é resultado da disponibilização de serviços e do fomento ao relacionamento eletrônico com a administração pública, em alguns casos já por imposição governamental. A adesão também é uma confirmação da percepção do usuário profissional dos ganhos obtidos (facilidade, tempo, custos). Por outro lado, chama-se a atenção para uma das possibilidades aberta pelo uso das Tecnologias de Informação e Comunicação que é a eliminação de intermediários no relacionamento das organizações com seus clientes e fornecedores (Albertin, 2000), traduzida na área pública como a integração do governo com seus fornecedores e com seus “clientes” – empresas, cidadãos, outros governos e organizações não-governamentais. O uso profissional dos sites, pelas facilidades oferecidas pelo governo a organizações e classes profissionais, pode apontar para a confirmação da existência de processos de intermediação, que estejam sendo cristalizados e perpetuados pelo emprego da tecnologia. Associando-se a alta taxa de adesão aos serviços para profissionais (alguns deles que poder-se-ia qualificar como “intermediários”) ao baixo acesso da população brasileira à tecnologia e ainda à informatização sem revisão de processos, a administração pública pode estar perdendo uma oportunidade de eliminar processos de intermediação anacrônicos (onde alguns serviços prestados por despachantes são um exemplo digno de nota) tornando-os mais eficientes sem que se questione a sua existência. É percebida oportunidade de exploração comercial do portal de governo. A audiência é de classe A e B (80%), profissional, de escolaridade superior (85%), disposta a comprar pela Internet e de alto poder aquisitivo, tendendo a aumentar pelas medidas de fomento ao acesso, especialmente na classe C. Seja para a divulgação institucional ou de produtos, ou como porta para vendas eletrônicas ou realização de pesquisas, há oportunidade de comercializar espaço publicitário nas páginas. Se a audiência ainda é pequena (o portal mais freqüentado, a Redegoverno, teve cerca de 16 milhões de hits às suas páginas em março de 2001), deverá aumentar pela crescente oferta de serviços a empresas e a cidadãos. Também há oportunidade para comercialização de informações e de serviços construídos sobre o acervo de dados que os governos possuem. Estas possibilidades podem ser avaliadas, mas sua implementação depende das referências ideológicas e políticas do governo para o qual esteja sendo construído o portal. Acredita-se que o perfil obtido é função dos níveis de acesso à tecnologia pela população. Um projeto de adoção da Web que considere as questões de acesso, disponibilidade de infra-estrutura, serviços de provimento, interfaces apropriadas e suporte à aprendizagem e ao uso, pode alterar o perfil do visitante de um site público. O trabalho identificou, através da análise de cluster, grupos com características diferentes entre os usuários dos sites de governo: a) no perfil de uso e b) na motivação para o uso. Os quatro grupos que representam diferentes perfis de uso do portal são: “Uso pessoal”, “Iniciante”, “Cidadão Virtual” e “Curioso”. Entre estes, remarca-se o “Cidadão Virtual” e o “Iniciante”. O primeiro vem utilizando todo o leque de opções de relacionamento com o governo disponível na rede, é um usuário experiente em Web que conhece bem os serviços disponíveis. O segundo, o “Iniciante” está começando a usar os serviços virtuais, ainda é o maior grupo entre os quatro, e representa as novas adesões ao uso das facilidades de serviços pela Web, define a audiência futura dos sites. Os grupos que representam diferentes motivações para o uso são: “Sou ocupado”, “É rápido”, “Sou moderno” e “Ainda não sei”. O “Sou ocupado” vai ao site de governo porque, aparentemente, não tem tempo disponível – não quer ir até o órgão competente, não quer enfrentar filas e precisa de atendimento fora do horário comercial. O grupo “É rápido” assinalou este motivo, que deu nome ao grupo, mais que qualquer outro. O “Sou moderno” valoriza aspectos como ser confortável e ser moderno utilizar a Internet. O grupo “Ainda não sei” não tem uma motivação definida para ir ao portal, fazem parte dele muitos dos usuários dos grupos de perfil de uso “Iniciante” e “Curioso”.
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4.3 Como estão sendo considerados aspectos da Sociedade Informacional na construção de portais de serviços ao cidadão? Não foi percebida uma visão comum, em cada um dos governos, do que é a sociedade informacional e as habilidades que serão necessárias para nela viver, “uma forma específica de organização social em que a geração, o processamento e transmissão da informação tornam-se as fontes fundamentais de produtividade e poder” (Castells, 1999). Esta visão integraria projetos e estratégias para desenvolvê-los, em cada esfera de poder (Kahin e Wilson, 1997). A definição desta visão não é uma tarefa técnica, tem caráter político, e deve ser um dos pilares a servir de base à formulação de políticas públicas. Em relação à universalização do acesso, há programas nas três esferas de governo que visam o aumento do número de pessoas com acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação, com ênfase na área de educação de crianças e adolescentes. Face à escassez de recursos para investimentos, imagina-se a parceria entre governo, comunidade e empresas como uma alternativa para a viabilização de soluções para o problema de acesso. Mesmo com a alavancagem produzida pelo programa Sociedade da Informação do Ministério de Ciência e Tecnologia - MCT que engloba recursos de 3,4 bilhões de reais até 2003 (Takahashi, 2000), as soluções são tímidas face aos desafios de ampliação de acesso e alfabetização digital a enfrentar no Brasil. Com a aplicação dos recursos do FUST – Fundo para a Universalização dos Serviços de Telecomunicações, o panorama poderá ser alterado, por ora o perfil do visitante dos sites de governo evidencia que os programas de ampliação do acesso à tecnologia ainda não estão obtendo resultados. A maioria dos usuários dos sites de governo é das classes A e B e com alto grau de educação formal. Se a Web se tornar um canal de comunicação mais efetivo entre governo e cidadão não o será para todos, salvo se as medidas empreendidas, que promovem o acesso à tecnologia e à competência para utilizá-la, sejam bem sucedidas. O grande desafio do poder público é a inclusão do conjunto da população aos ganhos obtidos com o uso da tecnologia. Também uma melhor prestação de serviços e comunicação com o governo mas, fundamentalmente, a inclusão do cidadão num mundo global onde não ter acesso à tecnologia (seja pela ausência dos recursos ou pelo nãodesenvolvimento de habilidades para usá-los) pode vir a representar exclusão da cidadania. A utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação e o acesso ao conjunto de informações disponíveis na rede podem ser considerados como uma nova geração de bens públicos – aqueles que quando consumidos não se excluem. Aumentar a quantidade de computadores de uso público, prover a infra-estrutura de comunicação, os serviços de provimento e os serviços de suporte ao uso, todos necessários para o acesso às informações e serviços disponíveis na rede, pode ser alternativa ao aumento da renda que seria necessário para que as famílias dispusessem de acesso em suas casas. O desenho de uma comunicação apropriada ao perfil dos grupos que se utilizam (ou se utilizarão) dos serviços públicos eletrônicos também pode facilitar o acesso. A segurança dos ambientes e das informações de que o governo é depositário é considerada um aspecto técnico e está sendo abordado dentro das estruturas de informática. No entanto, existem sites desprotegidos e práticas de uso dentro da administração pública que ameaçam a integridade, tanto de ambientes como de informações. A construção dos serviços que individualizam informações e permitem o pagamento eletrônico terá que considerar a robustez da segurança dos ambientes que fornecerão esses serviços. Em relação a privacidade, tanto as entrevistas como a avaliação dos portais evidenciou a fragilidade deste aspecto. A defesa da privacidade é uma discussão que ultrapassa as fronteiras do governo, devendo ser exigida e trabalhada pela sociedade. Já existem projetos de lei no legislativo sobre a matéria, mas o mundo virtual está apresentando demandas numa velocidade acelerada, a tendência é o país adotar a legislação internacional. 11
4.4
Como foram implementados os portais de serviços ao cidadão?
Os portais de serviços públicos e de informação foram implementados com alinhamento estratégico entre o governo e a estrutura de informática, obtido, ou pela participação do dirigente na equipe de governo, ou pelo conhecimento do líder de projeto dos objetivos de governo e dos mecanismos para viabilizar a inovação. Em relação aos portais implantados em 1995, o federal e estadual, houve coincidência de disponibilidade de tecnologia com a entrada de novos governos, recém-eleitos, que modificaram as estruturas existentes. Em Santo André, o dirigente de informática faz parte da equipe que elaborou o programa de governo e assumiu a prefeitura após as eleições de 1996. No governo federal, apesar do esforço coordenado no projeto do site inicial, com a participação de representantes de vários ministérios, não foi percebido um alinhamento estratégico entre os objetivos do Ministério da Administração e Reforma do Estado - MARE, à época, e os de desenvolvimento do portal. Hoje, os esforços de alinhamento são conduzidos pelo projeto de governo eletrônico, e-gov (www.redegoverno.gov.br/e-gov). Os projetos dos portais ganham o comprometimento e motivação da equipe técnica. A tecnologia é nova e há liberdade para tentativas e abordagens de implementação diferentes das tradicionais. A natureza do conteúdo das páginas e a diversidade de serviços exige a criação de equipes multidisciplinares, com conhecimento técnico em design, comunicação e conteúdo. O líder da equipe deve ter conhecimento e experiência na área pública, com habilidades de projeto, e políticas, para garantia de trânsito nas estruturas de governo. Sublinha-se como estratégia bem sucedida o esforço do Paraná para viabilizar, quando da oferta do portal de serviços, uma parceria entre grandes organizações estaduais que prestam serviços ao cidadão – Secretaria da Fazenda, DETRAN/Pr, COPEL, SANEPAR. A parceria confirmou-se na disponibilização de serviços no portal e em ações de divulgação do site. A integração dos serviços deve ser negociada no nível estratégico do governo. A integração de dados e processos pode ser preparada no nível técnico, mas a alteração de forças que a integração e a disponibilidade de informações provoca exigem negociação política. Apesar de medidas quantitativas que confirmem esta afirmação não terem sido tomadas no trabalho, os processos de atendimento que foram revistos e reprojetados com o uso de TI, perseguindo a integração, trouxeram para administração pública a percepção de maiores ganhos obtidos e de maior adesão pelo cidadão. A prefeitura de Santo André conseguiu alterar todo o seu processo de atendimento à população, do qual a Web é apenas uma parte. 5
Conclusão
Algumas observações neste trabalho são de menção obrigatória. Primeiro, o uso do site de governo reflete as diferenças sociais do Brasil - 80% dos respondentes são das classes A e B. Este é um número sobre o qual formuladores de políticas públicas devem refletir. A concentração nas classes A e B também se observa para a Internet no Brasil, mas se ações não forem tomadas podemos estar observando a formação de um “abismo informacional” difícil de ser transposto. São necessárias medidas que democratizam eventuais ganhos obtidos por uma parcela da população, com a Internet, para os demais usuários de serviços públicos. Como há grupos com características diferentes no perfil de uso e na motivação para o uso entre os usuários dos sites de governo, a eles podem ser oferecidas interfaces diferentes, facilidades específicas e as informações propostas pelo portal, na sua abertura, podem ser adequadas a quem está nele entrando. Esta construção customizada é possível no estágio atual da tecnologia. Segundo, o uso da Web na prática democrática sugere que embora já haja suporte tecnológico para a abertura de canais mais estreitos entre o cidadão, organizações da sociedade e governo, esta possibilidade não está sendo fomentada pelos governos e não está sendo exercida pelo cidadão e sociedade organizada. O objetivo estratégico na prestação dos serviços é a obtenção 12
de eficiência, um resultado pequeno em relação ao que poderá ser obtido pelo poder público. Mesmo neste objetivo, níveis maiores de integração entre aplicações e organizações governamentais podem avançar em direção à obtenção de um governo visto como um ente só, funcionando em rede, por contraposição a um governo compartimentalizado em diversos órgãos e organizações. Terceiro, uma política governamental de oferta de serviços na Web, com regras e padrões a serem obedecidos na produção de páginas, sua atualidade e conteúdo, melhorariam significativamente a qualidade dos serviços oferecidos e o conforto do usuário que os utiliza. Finalmente, o grande desafio do poder público é a inclusão do conjunto da população aos ganhos obtidos com o uso da tecnologia, não só na possibilidade de melhor prestação de serviços, mas principalmente pela inclusão do cidadão num mundo global onde não ter esse acesso (seja pela ausência dos recursos de tecnologia ou pelo não-desenvolvimento de habilidades para usá-los) pode vir a representar exclusão da cidadania. Referências Bibliográficas: ALBERTIN, Alberto. L. Comércio eletrônico : um estudo no setor bancário. São Paulo, 1997. Tese (Doutorado) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. ALBERTIN, Alberto. L. Comércio eletrônico : modelo, aspectos e contribuição de sua utilização. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2000. ANDERSEN, D. F.; DAWES, S. Government information management : a primer and casebook. New Jersey : Prentice Hall, 1991. 227 p. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 13596 : tecnologia de informação - avaliação de produto de software - características de qualidade e diretrizes para o seu uso. Rio de Janeiro, 1996. 10 p. BELCHIOR, Miriam. A aplicação de planejamento estratégico situacional em governos locais : possibilidades e limites. São Paulo, 1999. Dissertação (Mestrado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. p. 100. BIMBER, Bruce. Data on internet users and on political use of the Internet. Santa Barbara : Disponível na Internet. http://www.polsci.ucsb.edu/~bimber/research/demos.html. Aug. 1999. BLOCH, M.; PIGNEUR, Y.; SEGEV, A. On the road of electronic commerce : a business value framework, gaining competitive advantage and some research issue. Lausanne : Institut d´Informatique et Organisation; Ecole des Hautes Etudes Commerciales, Université de Lausanne, 1996. BRESSER PEREIRA, L.C. E SPINK, P. (Orgs.). Reforma do Estado e administração pública gerencial. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede : a era da informação, economia, sociedade e cultura. São Paulo : Paz e Terra, 1999. 3 v. CELEPAR – COMPANHIA DE INFORMÁTICA DO PARANÁ. Roteiro para avaliação de produtos de software. Curitiba: Celepar. 1998. CELEPAR – COMPANHIA DE INFORMÁTICA DO PARANÁ. Biblioteca de atributos e ítens de medição. Curitiba: Celepar. 1998b. CRESWELL, John W. Research design : qualitative and quantitative approaches. California : Sage Publications, 1994. CRUZ, Maurício S. Tecnologia de Informação no espaço público : o caso Telecidadão no Paraná. São Paulo, 1999. Dissertação (Mestrado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.
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Tabela 1 - Visão consolidada do referencial teórico Dimensões 1. O cidadão
2. O portal e sua implementação
3. Objetivos Estratégicos do uso da TI na Reforma do Estado
Tópicos Características do cidadão usuário do site
Descrição Características demográficas do cidadão usuário do site governamental e motivação para o uso. Serviços oferecidos e estágio da Os estágios são: Informações sobre a prestação de serviços instituição, orientação quanto a serviços e procedimentos, consultas a arquivos transacionais, realização de transações online, realização de processos completos, execução de processos interorganizacionais. Implementação Tarefas, pessoas, tecnologia, estrutura, ambiente, estruturados em: 1) o alinhamento estratégico, 2) a adaptação da organização e 3) a adaptação da área de Tecnologia de Informação Interna. Características do site Em relação a 1) fatores higiênicos e motivacionais (teoria de Herzberg adaptada ao ambiente Web); e 2) em relação às características de usabilidade, eficiência, funcionalidade, confiabilidade e portabilidade Eficiência Melhoria da proporção entre entradas e saídas no setor público. Descentralização
A descentralização e coordenação de atividades governamentais, seja para o poder local, seja para fora do Estado. Accountability Assegurar por mecanismos institucionais, cultura e prática que o cidadão e organizações obtenham informações, que possam ser compreendidas, sobre a efetividade das políticas governamentais. Democratização Utilização dos recursos de tecnologia da informação e comunicação como exercício para a prática democrática. Melhoria da gestão dos recursos Redefinição da maneira como os recursos (humanos, financeiros e outros) são planejados, medidos e gerenciados. Adoção de práticas de gestão de Uso de práticas de gestão da iniciativa mercado privada para diminuir custos e aumentar eficiência e efetividade da prestação de serviços. 4. Aspectos do uso da TI pelos Acesso O acesso à tecnologia de informação e governos na Sociedade da comunicação, o acesso à informação, o acesso Informação a uma conexão física e a facilidade no uso (até competência e o domínio pelo cidadão da leitura e escrita). Privacidade Habilidade dos indivíduos de controlar onde, como e para quem as informações sobre eles são comunicadas a outros. Segurança Mecanismos de detecção/prevenção a defeitos de segurança física, de software e de prática técnica inconsistente.
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