apolo e dionísio

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APOLO E DIONÍSIO UMA INTERVENÇÃO MUSICAL ARQUITETÔNICA NA ESCADARIA DO ROSÁRIO - FLORIANÓPOLIS

LUCAS MADEIRA ARQUITETURA E URBANISMO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Departamento de Arquitetura e Urbanismo ARQ5639 - Projeto Arquitetônico VII Prof. Rodrigo Gonçalves Prof. Rodrigo Bastos Acadêmico: Lucas Madeira Florianópolis, 10 de julho de 2019. Captação de imagens: Beatriz de Costa Pereira Softwares utilizados: Adobe InDesign CS6, Adobe Photoshop CS6 AutoCAD 2018, MuseScore 3 Fontes: League Spartan, Osvald, Aileron, Monteserrat


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INTRODUÇÃO Inquietações com a arte e arquitetura Apolo e Dionísio Estrutura - Paradoxo da Arquitetura Música e arquitetura

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O LABIRINTO Intervenção - experiência do espaço Potência do movimento Tensão e repouso na arquitetura Perspectivas e intenção

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A PIRÂMIDE Arquitetura desmaterializada Matéria e energia Associações tempo e espaço Composição musical da escadaria

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O LABIRINTO E A PIRÂMIDE O paradoxo da arquitetura Samba de terreiro Intervenção Reforço e criação de ambiências Mobiliário sonoro

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CONCLUSÃO Desafios e potências

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REFERÊNCIAS

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introdução Diante de inquietações recorrentes em relação ao espaço e a arte, foi buscada uma nova forma de apreensão do espaço. A prática urbana corrente, por meio de processos como “revitalização”, gera espaços homogêneos e espetaculares. Em resistência à essa lógica comercial de produto, as autoras defendem que a relação entre corpo e cidade e que a vitalidade e intensidade da vida pública de áreas mais populares, pode ajudar a estabelecer outras formas de diagnóstico mais sensíveis. Esse tipo de experiência não procura se tornar hegemônica, mas sim manter uma tensão permanente do espaço público (JACQUES e BRITTO).

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Nas cidades contemporâneas brasileiras, o comportamento das pessoas e as normas da convivência, estabelecem um paralelo com o conceito apolíneo dos gregos. A norma padrão, que dita a forma de se vestir, velocidade do caminhar e o comportamento sério de um modo geral, beneficia alguns grupos em relação a outros. Esses grupos podem ser étnicos, raciais, de gênero, sexualidade, cor, renda e muitos outros. A intervenção dionisíaca, por meio do deslocamento do indivíduo e transformação em coletivo por meio da música, procura deslocar e atravessar os personagens da cidade.


Apolo e Dionísio em Nietzsche Nietzsche (p. 24, 2007), dizia que “o contínuo desenvolvimento da arte está ligado à duplicidade do apolíneo e do dionisíaco, da mesma maneira como a procriação depende da dualidade dos sexos”. O conceito de Apolo, se baseia no “principium individuationis”, no qual o homem se relaciona individualmente com a arte. A regra, restrição e moral são tão significativas, que só se pode obter prazer por meio do sofrimento ou da privação. No universo apolíneo, o sonho é a referência do artista, como um mundo inteligível que é reproduzido pela aparên-

cia no mundo terreno. É a arte do artista plástico. Por outro lado, temos a arte dionisíaca, proveniente do coro ditirâmbico, que na tragédia excita o público, “para que eles, quando o herói trágico aparecer no palco, não vejam algum informe homem mascarado, porém uma figura como que nascida da visão extasiada deles próprios” (NIETZSCHE, 2007, p.60). O culto a Dionísio nega o indivíduo, valoriza a experiência como ato coletivo e os sentidos. É o oposto complementar de Apolo, está relacionado à música na antiguidade grega. Nele, pode-se obter prazer com a

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imagem terrível do mundo, as dissonâncias, “o lúdico construir e descontrair do mundo individual como eflúvio de um arquiprazer” (NIETZSCHE, 2007, p.139). Para Nietszche, o nascimento da tragédia se origina dessas pulsões apolínea e dionisíaca, que por vezes caminham lado a lado e outras e discórdia aberta, incitando-se a produções sempre novas.

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Apolo e Dionísio em Tschumi Bernard Tschumi (1944-), em Achitecture and Disjunction (1976), escreve que nenhum dos ideais utópicos do século XX se materializaram ou conseguiram cumprir os objetivos sociais. A distância entre a realidade social e o sonho utópico é total. O autor apresenta um paradoxo da arquitetura, que consiste na impossibilidade de se questionar a natureza do espaço e ao mesmo tempo experienciá-lo espacialmente. Ele classifica a arquitetura como: - Apolínea: Processo mental, disciplina conceitual e desmaterializada, com suas variações linguísticas e morfológicas (pirâmide) - Dionisíaca: Estudos empíricos focados nos sentidos, na experiência espacial como a relação entre o espaço e a prática (labirinto)


- Paradoxal: diante da natureza contraditória dos dois termos (pirâmide e labirinto); como escapar do paradoxo por meio da mudança da natureza do debate (política). Pretende-se usar essa estrutura de conteúdo do autor, para organizar o conteúdo da intervenção que vem a seguir. Acredita-se na potência da música como referência para a arquitetura. Muito já foi falado sobre essas relações, mas ainda se pode aprender muito com essa relação. Um conceito como a harmonia, vem sendo utilizado na mais diversas artes, sendo pela primeira vez empregado, até onde se tem registro, para elementos concretos de amarração e articulação de uma estrutura na antiguidade grega (CORREA, 2008). Enquanto na arquitetura, harmonia se refere a relação de partes com o todo,

na música parece ser uma ideia mais potente. O campo da música pode ampliar muito os horizontes, pois “enquanto os arquitetos tem desafios funcionais, sociais e materiais, os músicos são livres para explorar universos de pura sensação e conteúdo emocional e artístico, desafiando regularmente convenções harmônicas e de composição” (MORRIS, 1995).

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o labirinto A partir desses conceitos, foi realizada uma intervenção no centro, com um trajeto que procurava identificar lugares relacionados à arte. Levei uma flauta transversal, toquei melodias populares conhecidas. O primeiro ponto foi a Escadaria da UBRO (Rua Pedro Soares) em frente ao Teatrinho da UBRO, importante palco para música e grupos de teatro menores, alternativos ou até experimentais. Notou-se a pouca quantidade de gente, apenas frequentadores da academia em frente, ou eventuais transeuntes. A medida que fui descendo os degraus da escada, pude notar como os meus movimentos dialogavam com a música que estava sendo tocada, e como o gesto potencializava as minhas intenções artísticas. Principalmente relacionados ao ritmo, os passos marcavam os tempos, e os degraus as descidas de cadências melódicas. Seguindo o trajeto pela Rua Araújo Figueiredo, percebi o olhar surpreso de alguns, e como os sons produzidos por mim eram conflitantes com os sons dos

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1 e 2 - Escadaria da UBRO 3 - Rua Araújo Figueiredo 4 - Praça Pereira Passos

automóveis que passavam. Ali eu era mais um dos ruídos da rua, que briga para ser ouvido em meio à confusão da cidade. Chegando ao novo ponto, a praça Pereira Oliveira, contornei o Teatro Álvaro de Carvalho seguindo suas paredes. O olhar das pessoas permanecia indiferente, alguns levantavam os olhos mas logo voltavam para seus caminhos ou aparelhos celulares. Foi nesse momento que ocorreu uma das mais marcantes reações, que foram crianças se aproximando para ver e ouvir o que estava acontecendo. As crianças ficaram com olhar fixo, enquanto quem parecia ser a mãe as chamava de volta. Me parece que as crianças, ainda não conhecem ou não se importam com as normas estabelecidas. Desci a Rua Arcipreste Paiva, e nesse momento percebi como era percebido como um obstáculo. Eu tocava a flauta muito perto das pessoas, e elas apenas desviavam, como alguém que carrega uma caixa ou objeto maior na calçada.


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Depois da Rua Vidal Ramos, estava no pé da Escadaria do Rosário, essa que viria a ser o lugar de intervenção. A perspectiva da escadaria da Rua Trajano com a Igreja do Rosário ao fundo, provoca o passar por ela um movimento narrativo, carregado de “intentio”. Situa-se na interpretação agostiniana do tempo, como uma “tensão ou intenção que unifica uma série de eventos” (MAMMI, p. 45, 1994). A experiência do trajeto pelo subir dos degraus e de uma música entoada pela flauta, é uma força e tem direção, que se origina de um ato de vontade de chegar ao topo da escada. Enquanto não se chega ao topo, resta uma tensão como uma energia potencial, que vai repousar (ou se dissipar) e adquirir sentido apenas ao final. Esse tipo de movimento (tensão e repouso) é muito explorado pela música tonal. Percebi que não só a chegada ao topo da escada poderia ser lida como repouso, mas que em outra escala a alternância entre os degraus e patamares, também poderia ser entendida dessa forma. MORRIS (1995), sugere que os sentidos além da visão podem ser integrados para intensificar a experiência do tempo passando (reforçando e experiência do

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movimento). Na música, podemos observar uma relação de tensão nas notas de passagem, apojaturas, mordentes ou aproximações cromáticas. É gerada uma tensão melódica por notas que “cercam” a nota desejada, como se preparassem os ouvintes para a sua chegada. Essa é outra forma de tensão, horizontal (por ser melódica), e não vertical. Essa jogo de quase acertar a nota, pode ter relação com o que os ouvintes entendem por certo e errado, até com um conteúdo moral que carrega (MAMMI, 1996). Em seguida, continuei pela Rua Marechal Guilherme, até chegar a escada que daria na Av. Pref. Osmar Cunha. Nesse caminho senti os olhares e risadas dos adolescentes desconcertados, que reagiam com vergonha à intervenção dionisíaca. Na escada, houve uma analogia política de valorização da arte de uma vendedora, comentando que a presença de tantos urubus (políticos), demandava a presença de mais passarinhos (flauta). Nesse momento é criada outra perspectiva interessante, que a fotógrafa enquadra o flautista interventor com o grande grafitti de Franklin Cascaes na medianeira de um prédio. Cria-se da mes-


Escadaria do Rosário (esq.) Interação com vendedora (dir.)

Perspectiva com Franklin Cascaes

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1 - Escadaria do Rosário 2 - Rua Deodoro 3 - Interação na Rua Vidal Ramos 4 - Ponto final, esquina da Rua Deodoro com a Rua Felipe Schmidt

ma forma uma intenção por meio dessa perspectiva, praticamente um quadro relacionando essas formas de arte. Nessa avenida (Av. Pref. Osmar Cunha) sigo com sentimento de ser obstáculo e estar atrapalhando, o que se transforma ao chegar na Rua Deodoro, essa que é somente para pedestres. Senti um alívio ao chegar nessa rua, a qual permitia o meu andar tranquilo por toda a largura da via e que atraía os olhares de mais curiosos. O ponto final foi a esquina da Rua Deodoro com Rua Felipe Schmidt, lugar de venda e divulgação intensas. O curioso é que os comerciantes de ouro que estavam na esquina pararam de anunciar por alguns segundos enquanto o som da flauta chegava ao recinto. Essas impressões são carregadas de parcialidade da visão do artista, de modo que não se pode saber de que forma uma intervenção dessas afeta ou é in-

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diferente às pessoas. O corpo interventor e a música, procuram provocar o atravessamento e deslocamento da norma, mas nunca podem ter certeza de como chegam aos espectadores. Apesar da música se passar no tempo e não no espaço, como energia e não matéria, acredita-se que foi possível, acentuado pela potência dos movimentos, criar ambiências efêmeras na cidade.


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a pirâmide A partir da intervenção, vem à tona questões sobre materialidade: é a música apenas energia, enquanto a arquitetura matéria? Como aplicar conceitos materiais ou espaciais, em uma composição imaterial, que se dá no tempo e não no espaço? Seria arquitetura a composição de uma música baseada nas proporções da escadaria? Com essas inquietações, fui até a escadaria e medi tudo que podia. Dessa vez, uma intervenção apolínea, que se baseia nos números e proporções entre eles. Essa forma de apreensão do espaço, foi vastamente explorada no renascimento, e vários autores apresentam estudos sobre essas relações de proporção (BRAGDON; D’AGOSTINO, WISNIK…). A relação entre patamares e degraus resultou em proporções instáveis, mapeadas abaixo. Foi composta uma peça, que buscaria representar no tempo, as carac-

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terísticas espaciais da Escadaria. A velocidade do passo foi traduzida como pulso, a relação entre o andar e o subir ou descer a escada, tem aproximadamente uma relação de duração de 3 para 4 (sendo o subir e o descer menor). Foram portanto estabelecidas semínimas marcando a unidade de tempo, e para representar os degraus, usou-se compostos com colcheias pontuadas como unidade de tempo (representando 3/4 da duração do pulso). Os degraus também são associados à mudança de altura, de forma que cada degrau corresponde a um intervalo de semitom (menor unidade de frequência na música ocidental). Com a ideia de tensão e repouso, buscou-se tensionar a subida pelos degraus, aliviada pela chegada nos patamares, definindo tonalidades (listadas na tabela ao lado).


PATAMARES E TONALIDADES PATAMAR TOM PENTATÔNICA TENSÃO 0 (0,0m) 1 (0,34m) 2 (1,87m)

F Ab F#

fgacd ab bb c eb f f# g# a# c# d#

bb e db g b e#

3 (2,21m) 4 (2,72m) 5 (4,93m) 6 (7,14m)

Bb Eb C F#

bb c d f g eb f g bb c cdega f# g# a# c# d#

eb a ab d fb b e#

7 (9,35m)

Ab

ab bb c eb f

db g

PASSOS x TEMPO DESCE ANDA SOBE 140 bpm 60/140 0,43

100 bpm 110 bpm 60/100 0,6

110/60 0,54

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pirâmide e labirinto Samba de Terreiro Uma das manifestações mais interessantes que acontecem na Escadaria do Rosário é o samba de terreiro. O movimento tem alguns anos e reúne a velha guarda da Copa Lorde para cantar esse subgênero do samba. O samba de terreiro começou na década de 1930, era cantado nos desfiles de escolas de samba após o samba enredo. Retratava geralmente o cotidiano das comunidades das escolas de samba cariocas. Em Florianópolis, costuma acontecer a maior parte das vezes na Escadaria do Rosário, sendo algumas vezes na Escadaria da UBRO. Esse é um evento que reúne dezenas de pessoas e a fortalece como espaço cultural e de permanência. Há eventos musicais como a Maratona Cultural que acontecem na escadaria

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Samba de terreiro Escadaria do Rosário

também. Diferente do samba de terreiro que se instala nos patamares intermediários da escadaria (patamares 3 e 4 nos estudos das páginas anteriores), o palco da maratona costuma ser instalado para a Rua Vidal Ramos e de costas para a escadaria. Os músicos se reúnem em roda nos terceiro e quarto patamares, enquanto o público faz o restante da escadaria de arquibancada. Acusticamente, o espaço não é muito adequado, pois as paredes paralelas reforçam algumas frequências em determinados lugares.


Feira afro Escadaria do Rosário

Feira afro É outra manifestação interessante que acontece na escadaria, onde a diversidade cultural e étnica, muitas vezes invisibilizada na dinâmica da cidade, passa a ocupar um espaço no centro. Há barracas onde são comercializados produtos, acessórios e comidas associadas à matriz africana. O lugar não é por acaso, a Igreja do Rosário, remete a um território negro. “A escolha do lugar é emblemática. É a recuperação da nossa memória. A história do Rosário, assim como o pertencimento dos negros à cidade, foi se perdendo ao longo do tempo. Esse processo se encaixa no desejo de recuperação da nossa história” — diz o professor Márcio de Souza, cerimonialista da inauguração da feira.

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Materiais absorventes - laranja nas colunas e piso emborrachado em vinho

Nova Ambiência Com o intuito de fortalecer a ambiência criada pelo samba de terreiro e possibilitar o uso para outras atividades, propõe-se o uso de painéis ressonantes nas paredes, com uma parte que avança em direção ao centro. Dessa forma, esse espaço se torna mais adequado para manifestações, além de especial em características acústicas, servindo para o lazer e entretenimento. Se a forma adequada fosse convexa, ela concentraria todas as frequências em um determinado ponto da escada, por isso, determinou-se que elas diferentes ângulos, espalhando os sons por toda a escadaria. Ainda que não sejam ruas de tráfego intenso, há o ruído dos veículos nas ruas Vidal Ramos e Marechal Guilherme, que serão absorvidos por meio de elementos absorventes nas paredes próximas às ruas. Sugere-se também a mudança de piso nessas áreas próximas à rua, para um piso emborrachado (usado em parquinhos para crianças), que absorve o som.

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Piso emborrachado absorvente

Material absorvente nos pilares


Proposta Centro ressonante Escadaria do Rosário

Instrumentos urbanos De modo a potencializar o espaço e possibilitar alternativas de experienciar a cidade, propõe-se a construção de mobiliários que produzem som, seja pela ação do vento, água, ou ação humana. Nas paredes, uma intervenção de tubos, que carregam a água e pelo pingar, produz sons em diferentes frequências. Essa intervenção poderia ser feita na parece cega do estacionamento do prédio na esquina da Rua Vidal Ramos com a Rua Trajano. O corrimão, sendo oco e tendo duas grandes aberturas nas extremidades (como na referência ao lado). Funciona como um tubo propagador de frequências, ampliando e modificando a percepção de uma onda sonora que seja ondas emitida de um dos lados.

Paredão do funil, Dresden

Tubo ampliador sonoro

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conclusão Há diversos estudos já realizados relacionando música e arquitetura (MORRIS, SCHMID, BRAGDON, BAGENAL, SHERIDAN & VAN LENGEN, KANDINSKY), mas acredita que muito ainda pode ser feito. Uma das primeiras palavras que parece juntar as duas áreas é a harmonia. É um conceito que vem sendo utilizado na mais diversas artes, sendo pela primeira vez empregado, até onde se tem registro, para elementos concretos de amarração e articulação de uma estrutura na antiguidade grega (CORREA, 2008). Enquanto na arquitetura, harmonia se refere a relação de partes com o todo, na música parece ser uma ideia mais potente. O princípio de tensão e repouso, muito explorado no período clássico até sua dissolução na música do século XIX e XX, parece ser uma fonte inspiradora de paralelos até então não explorada. O intervalo de grande tensão (trítono) é o que dá o caráter tenso aos acordes e “pede” por resolução. Há também uma relação de tensão nas notas de passagem, apojaturas, mordentes ou aproximações cromáticas. É gerada uma tensão melódica (horizontal) por notas que “cercam” a nota desejada, como se preparassem os ouvintes para a sua chegada. Esse jogo de quase acertar a nota, pode ter relação com o que os ouvintes entendem por cer-

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to e errado, até com um conteúdo moral que carrega (MAMMI, 1996). Acredita-se que esse paralelo com a intenção dos trajetos e percursos na arquitetura pode trazer muitas novas intenções para a arquitetura. O lugar da arquitetura, colocado por Hegel como um “suplemento artístico”, ainda gera muitas dúvidas. Tschumi (1998), coloca que a não necessidade da arquitetura e sua necessária solidão no campo científico, joga a definição de volta a ela mesma. Se a sociedade não define o espaço da arquitetura, os arquitetos devem criar seu campo. Muito se fala da música no ponto de vista da arquitetura sensorial, de referência dionisíaca, mas também pode-se aprender muito da teoria da música. O campo da música pode ampliar muito os horizontes, pois “enquanto os arquitetos tem desafios funcionais, sociais e materiais, os músicos são livres para explorar universos de pura sensação e conteúdo emocional e artístico, desafiando regularmente convenções harmônicas e de composição” (MORRIS, 1995). Kandinsky (1996), no início do século XX, encontra na música os fundamentos para a pintura abstrata. Quem sabe possa a música também, nutrir a arquitetura do futuro.


referências ADORNO, Theodor W.. Sobre música popular. Textos escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 1996. BAGENAL, Hope. Influence of buildings on musical tone. Music & Letters, Vol. 8, No. 4 (Oct., 1927), pp. 437-447 Oxford University Press. Disponível em: <https:// www.jstor. org/stable/726457?>. Acesso em: 01/jun/2019. BRAGDON, Claude. The beautiful necessity: Seven essays on theosophy and architecture. Frozen Music, p. 85-93. Rochester NY: The Manas press, 1910. COOPER, Grovesnor; MEYER, Leonard B.. The rhythmic structure of music. Chicago: The University of Chicago Press, 1960.REFERÊNCIAS CORREA, Paula da Cunha. Harmonia: mito e música na Grécia antiga / Paula da Cunha Corrêa. - 2a ed. - São Paulo: Humanitas: 2008. KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na arte e na pintura em particular ; tradução Álvaro Cabral. - 2a ed. - São Paulo: Martins Fontes, 1996. LÉVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. - Lisboa: Edições 70, 2000. MAMMI, Lorenzo. Deus Cantor. In NOVAES, Adauto (org.). Artepensamento. Companhia das Letras, 1994. MORRIS, E. Toby. Musical Analogies in Architecture. The Structurist. No. 35/36. From the Mechanical to the Organic 1995-1996 NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo; tradução, notas e posfácio: J. Guinsburg. - São Paulo: Companhia das Letras, 2007. SCHMID, Aloísio Leoni. Adequação acústica dos espaços para a música. Seleção de exemplos históricos de música e arquitetura como apoio à aprendizagem. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 135.04, Vitruvius, jul. 2011. Disponível em: <http://www.vitruvius. com.br/revistas/read/arquitextos/12.135/4008>. Acesso em: 01/06/2019. SCHONBERG, Arnold. Fundamentos da composição musical. São Paulo: EDUSP, 2015. TSCHUMI, Bernard. Architecture and disjunction: The architectural paradox; p. 26-51 4a edição. Massachusetts: MIT press, 1998. WISNIK, Guilherme. Dentro do Nevoeiro: arquitetura, arte e tecnologia contemporâneas. São Paulo: Ubu Editora, 2018. WISNIK, José Miguel. O som e o sentido: Uma outra história das músicas (1989). 3a edição - São Paulo: Companhia das Letras, 2017. ZONAS DE TENSÃO: EM BUSCA DE MICRO-RESISTÊNCIAS URBANAS. Corpocidade : debates, ações e articulações / organização Paola Berenstein Jacques, Fabiana Dultra Britto. p. 108-119 - Salvador: EDUFBA, 2010.

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LUCAS MADEIRA

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