Perfil Hugo Fernandes

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MARÍLIA CAMELO

espírito MIGRANTE

Nascido em Belo Horizonte, mas “residente” em Fortaleza, o biólogo Hugo Fernandes-Ferreira usa a fotografia para divulgar a proteção aos animais

RANNIERY MELO

siara@diariodonordeste.com.br especial para a Siará

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teoria evolucionista de Charles Darwin propõe que os indivíduos com maior capacidade de se adaptar ao ambiente onde vivem são aqueles com mais

chances de sobrevivência. Hugo Fernandes-Ferreira, então, pertence a uma espécie que se adequa a qualquer bioma. Biólogo, nasceu em Belo Horizonte, mas escolheu Fortaleza para ter um endereço fixo, muito embora passe a maior parte do tempo migrando entre florestas, pampas e cerrados. Hugo se camufla da própria história. O braço direito tem a

pele de onça-pintada, animal que empresta a destreza vital para o trabalho que o biólogo desenvolve. O esquerdo traz a pintura indígena da tribo da qual é descendente direto. De corpo inteiro é a dedicação ao estudo da fauna brasileira. Nosso personagem parece ser ainda atemporal. Investiga as espécies animais que habitaram o território

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brasileiro desde o período do descobrimento. Além disso, pode-se entrar em contato com ele num domingo ou feriado sem problemas. “Não tenho dias específicos da semana para exercer o meu trabalho, então nem presto muita atenção nos feriados”, confessa. Nessa vida de andarilho, reserva lugar especial ao Ceará. “Nasci em Belo Horizonte, mas minha mãe é cearense, por isso a minha

família sempre quis vir para Fortaleza. Meu pai era bancário e, durante a carreira, foi transferido várias vezes, até chegar aqui, em 1998”, conta Hugo, refazendo a trajetória. Ao completar os estudos colegiais, decidiu repentinamente prestar vestibular para Biologia. Durante muito tempo, desejou cursar Jornalismo e chegou, inclusive, a fazer alguns trabalhos voltados para o rádio. No en-

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tanto, uma pequena decepção o levou à incursão pelas ciências biológicas. Hugo conseguiu a vaga no curso desejado, na Universidade Federal do Ceará, onde graduou-se biólogo em 2003. “Depois de sair da faculdade, ainda morei em São Paulo e voltei para Belo Horizonte, mas um ano depois, quando pude escolher um lugar para morar, já que meu trabalho não tem um endereço fixo, decidi


LINNY BLUMER

Fauna brasileira (1) Tamanduámirim (Tamandua tetradactyla), fotografado por Hugo em Minas Gerais. (2) Macaco zoguezogue (Callicebus dubius), típico da região amazônica. (3) Hugo na tribo KanelaRamkokamekra, da qual é descendente, no Maranhão

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por Fortaleza”. Hugo ainda concluiu mestrado e está terminando doutorado na Universidade Federal da Paraíba. Caatinga No momento, atua em sete estados brasileiros. Nesta fase, o curioso é que o Ceará não está incluso entre eles. O biólogo dá continuidade a um trabalho de conservação da fauna que iniciou ainda na graduação. Na pesquisa,

investiga os hábitos de caça aos animais no Brasil e, para isso, faz-se presente em cada um dos biomas existentes no País. Ele aponta, inclusive, a caatinga, bioma característico do Nordeste, como aquele com maior pressão de caça. “Vários animais que habitavam o Ceará foram extintos nessa região, mas ainda existem na Amazônia ou no cerrado. Há registros que indicam, por exemplo, a presença maciça

de antas e tatus-canastra no Ceará, mas hoje eles não são mais encontrados aqui”, alerta. Em paralelo à pesquisa, mantém a Ophian Consultoria Ambiental, empresa que trabalha com a análise do impacto de obras sobre a fauna local e que, atualmente, presta serviço a quatro projetos do Governo Federal. Por meio de estudos ecológicos, o biólogo rastreia que tipos de influências usinas hidrelé-

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tricas e mineradoras, entre outros empreendimentos, podem causar à vida animal da localidade onde serão instalados.

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Trabalho ecológico (4) Registro de Jacaré do Pantanal (Caiman yacare) feito no rio Madeira, na Amazônia. (5) A imagem do Quati (Nasua nasua) aos pés de um índio da aldeia Kanela, no Maranhão, denominada “Quem é domesticado?”, conquistou o segundo lugar no II Prêmio SBEE de Fotografia. (6) A Perereca leite-de-jaca (Thrachycephalus venulosus) foi flagrada por Hugo na Serra de Baturité, no Ceará. (7) O biólogo na região amazônica realizando monitoramento de fauna. (8) Numa das viagens à Floresta Amazônica, posa encostado em árvore de raízes escoras

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Fotografia O trabalho de Hugo que mais chama atenção das pessoas, no entanto, são as fotografias. Ele aproveita o contato constante com a natureza para registrar as espécies que encontra. Dessa forma, deixa sua parcela de contribuição na luta em defesa dos animais brasileiros. “Eu fiz um curso de fotografia na Casa Amarela Eusélio Oliveira, o que me deu um domínio teórico. Desde então, passei a profissionalizar as minhas imagens. Como eu viajo muito, tenho a oportunidade de encontrar animais do País inteiro, procuro catalogar esses bichos por meio desses registros”, conta Hugo. Devido a tantos ambientes de trabalho diferentes, é inegável a exposição a algumas adversidades. No segundo semestre de 2012, ele passou por um grave problema ao contrair simultaneamente dois tipos de malária. “Fui parar na UTI do hospital. Contraí

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Além da paixão pela fotografia, Hugo é percussionista da banda Seuzaroldo, que deverá lançar seu primeiro disco em janeiro de 2014 a doença na Amazônia, mas como fui tratado em Fortaleza, o diagnóstico demorou a sair, pois é muito raro a manifestação dessas duas espécies da doença ao mesmo tempo”. Mesmo enfermo, o biólogo ficava no leito planejando as próximas viagens. “Não vejo isso como motivo para desistir da profissão que sigo, pois acredito que em qualquer lugar você está correndo determinados riscos. É algo natural”, reflete. As aventuras, no entanto, trazem muito mais recompensas do que desconfortos. Hugo destaca


FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

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como grande momento da carreira a descoberta da manifestação de uma espécie no Ceará. “Encontrei um cachorro-vinagre em Baturité, e foi um achado muito importante para entender uma série de coisas. A primeira delas é que a presença desse animal ocorria apenas na Amazônia e na Mata Atlântica, locais onde está ameaçado de extinção. Esse achado significa que, há milhares de anos, aqueles dois biomas se encontravam aqui. Depois, tive a oportunidade de ver mais uma vez esse bicho raro, mas agora na Amazônia, onde consegui uma fotografia que foi comentada

HUGO FERNANDES Biólogo NASCEU EM Belo Horizonte MORA EM Fortaleza IDADE 27 anos FORMAÇÃO mestre em Zoologia com

doutorado em conclusão PROFISSÃO trabalha com consultoria ambiental PREMIAÇÕES 2º lugar no Prêmio SBEE de Fotografia e Menção Honrosa na área de conservação pela Bioremediation, Biodiversity and Bioavailability e pela Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine ESPÉCIES FOTOGRAFADAS cerca de 650 até o momento

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por organizações internacionais, como a WWF e a National Geographic”, comemora. Viagens Tanto respeito e a intimidade com a natureza parecem ser uma herança da ascendência indígena. O avô de Hugo nasceu na tribo dos Kanela, mas cortou relações com a aldeia. Em 2012, buscando informações sobre a própria genealogia, o biólogo visitou o local onde estão instalados os índios, numa região isolada do Maranhão. “Apesar de possuírem televisão e outras coisas da modernidade, eles preservam a tradição,

se pintam todos os dias, falam a língua do tronco Jê e caçam com arco e flecha. Na visita, fui batizado por eles e recebi o nome de Yárenpéyi, que, na língua yê, significa História bonita”, explica. Em meio a tantas descobertas, pouco tempo sobra para o descanso. “Em média, passo cinco dias em Fortaleza para cada 70 em que estou viajando, mas nunca consigo me programar claramente em relação a isso”. A certeza, no entanto, são os laços afetivos que criou na cidade. Nos poucos momentos de folga, por exemplo, dá vazão ao talento como percussionista

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CIRO ALBANO

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Registro natural (9) Hugo em expedição fotográfica à Serra de Baturité, com o amigo ornitólogo Luciano Lima. (10) Grupo de aracangas (Ara macao), vista no céu do Pará. (11) O beija-florde-bico-torto (Glaucis hir-sutus) pode ser visto em florestas úmidas, a exemplo da faixa de Mata Atlântica presente em Guaramiranga

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na banda Seuzaroldo, que está finalizando a gravação do primeiro disco, com previsão de lançamento para janeiro de 2014. A falta de uma rotina, no entanto, é uma das principais razões pela qual Hugo Fernandes mantém o amor pelo que faz. É, na verdade, uma grande paixão pela vida. Pela própria vida, quando afirma gostar da sensação de liberdade que a profissão lhe proporciona, e pela vida de cada animal que tem a chance de conhecer de perto e ajudar a protegê-lo. “As pessoas se identificam muito com o que eu faço, pois eu fotografo bichos que elas gostariam de ver. Ter esse contato direto com os mais diversos animais de todas as partes do Brasil é algo que para mim não tem preço”, define Hugo.


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