Revista Panorama - edição 43

Page 1


POSITIVO

2

Panorama

Setembro 2008


POSITIVO

Setembro 2008 Panorama 3


Sumário 8 Entrevista Juca Ferreira, o novo ministro da Cultura, diz que as bibliotecas não podem ser depósito de livro e que está disposto a recriar a Secretaria Nacional do Livro e Leitura.

28 Reportagem de Capa Dispostas a não repetir os mesmos erros da indústria da música, editoras brasileiras correm atrás das inovações tecnológicas e dizem que o futuro do livro já chegou.

18 Políticas públicas Duas centenas de deputados e senadores de vários partidos criam no Congresso a Frente Parlamentar de Leitura. Ponto para a causa do livro!

25 Socialmente Responsável Um dos maiores vendedores de livro do Brasil, Pedro Herz, da Livraria Cultura, ajuda a manter um projeto social na favela Paraisópolis, em São Paulo, onde já estão lendo, em média, 12 livros por ano.

41 Rotas Literárias As dicas para fazer turismo literário no ano do centenário de Guimarães Rosa em Codisburgo (MG), a terra natal do escritor, onde personagens, cenários de livros e histórias estão por toda parte. 36 Retratos da Leitura Também no que diz respeito aos índices de leitura, há dois Brasis. Um que lê, gosta disso e tem acesso aos livros. E um outro, onde ainda há muito o que ser feito.

6 Palavra de Leitor As cartas do mês 7 Boa Leitura A mensagem do mês da presidente da CBL 15 Cadeia Produtiva As notícias das entidades do livro 16 Acontece O que é notícia no mercado de livros 22 Bienal O balanço da megafesta do livro 24 Ponto de Vista Moacyr Scliar 26 Boa Idéia O mundo é uma grande biblioteca 27 Outras Mídias A centésima edição do Rascunho 32 Mercado & Tendências Como vai ser a livraria do futuro? 34 Pelo Mundo Afora A biblioteca do século 21 39 Radiografia Márcia Tiburi 40 Prêmios & Concursos Uma chuva de prêmios 44 Todo mundo Lê Magic Paula, Zezé Motta e o Dr. Sócrates 45 Como me Apaixonei Pelos Livros Fernanda Takai 46 Livro Sobre Livros Caminhos para ler e escrever (bem) livros 47 Vitrine O que há de novo nas prateleiras 48 TV & Livros Capitu e Machado no horário nobre 54 Calendário Uma agenda dos eventos no Brasil e no mundo 55 Empresa Amiga do Livro Volkswagen elege a leitura 56 Gente que Lê Um pescador de leitores 58 Imagem Panorâmica Um momento de ler 4

Panorama

Setembro 2008

50 Perfil Eleita uma das figuras mais influentes do mundo do livro no Brasil, a jornalista Luciana Villas-Boas, que fez da paixão pelos livros uma profissão de fé, faz um inventário da literatura em sua vida.

Capa: Arte: Wagner Luiz Santos


Setembro 2008 Panorama 5


Palavra do Leitor População bilíngüe

Faço uma sugestão para a revista da CBL: venham descobrir, em Mato Grosso do Sul, principalmente nas cidades de Ponta-Porã, na fronteira com o Paraguai, e Corumbá, na fronteira com a Bolívia, as crianças brasileiras bilíngües, que falam português em casa, mas que também acabam aprendendo espanhol por meio dos livros para conversar com os “hermanos” vizinhos. Esse acesso à cultura latino-americana é muito importante. Miriam Mello, professora Campo Grande, MS

Benefícios para a leitura A revista Panorama, agora remodelada e revigorada, é uma contribuição a mais que a CBL dá para o mercado editorial e para o público leitor dentro das suas diretrizes em favor da leitura e da cidadania. A publicação, com maior musculatura, só pode trazer benefícios, tanto para o trabalho da CBL quanto para o desenvolvimento do livro e da leitura. José Castilho Marques Neto, secretário executivo do PNLL Brasília, DF

Novo formato Parabéns à Panorama pelo seu novo formato, pelo design inovador. Muito interessante. Acho que a coordenação do Galeno Amorim tem muito a acrescentar nesse projeto. Tenho certeza que a revista só tende a crescer, o que irá contribuir cada vez mais para o mercado do livro.

O valor do livro No Brasil, a leitura ainda precisa adquirir valor social e o objeto cultural livro precisa ser apropriado, para além do uso meramente escolar. Se não, ele não cria valor simbólico e acaba por se tornar um patrimônio cultural morto. Portanto, todas as iniciativas que contribuam para construir valor de uso para o livro são muito bem-vindas, e a revista Panorama, em sua constante busca pelo aprimoramento, merece nosso aplauso. Eliane Pszczol, coordenadora nacional do Proler/ Biblioteca Nacional Rio de Janeiro, RJ

A sociedade do livro Principalmente para nós, do Nordeste, que assim como muitos outros espalhados pelo Brasil fazemos parte de um “eixo do livro” no País, a revista Panorama tem um trabalho importante de colocar os extremos mais próximos. É por meia dela que a gente se atualiza sobre as informações do setor do livro e, o que é melhor, não apenas sobre a questão da indústria do livro. Ela nos mostra as pessoas que fazem parte desse setor cultural, nos apresenta a sociedade do livro e nos traz esse viés que não é mais só editorial e livreiro, mas social.

Esforço coletivo Todos nós temos como meta fazer do Brasil um País de leitores e, para isso, é necessário um esforço coletivo. Talvez essa área da leitura seja uma das áreas em que os objetivos do governo, das empresas da área e das universidades estejam mais ligados. Não é cotidiano que você tenha no campo da atividade social uma convergência tão forte como existe no campo da leitura. Por isso, precisamos de um instrumento como a Panorama, que nos ajude a conhecer melhor o que vem sendo feito, que valorize as iniciativas, que permita um olhar crítico sobre as decisões que se tomam e estimule a reflexão. Para que nossas políticas públicas contribuam de fato para que o País se torne um País de leitores. Quero parabenizar os editores por essa nova fase e faço votos para que a revista possa cumprir esse papel de estimular um olhar crítico sobre as políticas e iniciativas, tanto públicas quanto privadas, em favor da promoção da leitura. André Lázaro, secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da Educação Brasilia, DF

Mileide Flores, diretora do Sindilivros Fortaleza, CE

Mande seu e-mail.

Os leitores podem enviar seus comentários, opiniões e sugestões por e-mail para para: cartas@brasilquele.com.br

Jorge Yunes, presidente do Instituto Pró-Livro e da Abrelivros São Paulo, SP

Câmara Brasileira do Livro Presidente Rosely Boschini Vice-Presidentes Bernardo Gurbanov e Íris Odete Borges Diretores Editores Jorge Rodrigues Carneiro, Luiz Fernando Emediato, Paulo de Almeida Lima e Wagner Veneziani Costa Diretores Livreiros Antonio Erivan Gomes, Marcos Pedri, Marcus Teles C. de Carvalho e Onófrio Laselva Diretores Distribuidores Celso Soldera, José Luiz França, Luiz Eduardo Severino e Nassim Batista da Silva Diretores Creditistas Ítalo Amadio, Luiz Antônio de Souza, Mário Fiorentino e Pietro Macera Rua Cristiano Viana, 91 Tel: (11) 3069 1300 CEP 05411 000 São Paulo SP www.cbl.org.br

Agência de Notícias Brasil Que Lê Fundação Palavra Mágica Presidente Luciana Paschoalin www.palavramagica.org.br Observatório do Livro e da Leitura Diretor Galeno Amorim www.observatoriodolivro.org.br Av. José Maria de Faria, 470 Tel (11) 8389-0041 CEP 05038 190 São Paulo SP www.brasilquele.com.br

Conselho Editorial Bernardo Gurbanov, Cristina Lima, Galeno Amorim, Luis Eduardo Mendes, Luiz Carlos Ramos, Ítalo Amadio, Mário Fiorentino, Oswaldo Siciliano, Pietro Macera, Rosely Boschini e Walter Kuchenbecker Diretor Geral Galeno Amorim (galeno.amorim@observatoriodolivro.org.br) Editor-Chefe Luiz Carlos Ramos (editor@brasilquele.com.br) Diretor de Arte Wagner Luiz Santos (arte@brasilquele.com.br) Editor de Fotografia Fanca Cortez (fotografia@brasilquele.com.br) Redação (redacao@brasilquele.com.br) Alexandre Malvestio, Ricardo Costa (especial), Talissa Berchieri e Vanda Maria Elias Revisão Rosália Guedes Diagramação Rogério Lance (www.wga.com.br) Produção Gráfica (producao@brasilquele.com.br) Administração (administracao@brasilquele.com.br) Alexandre Dias Pré-Impressão e Impressão Gráfica Posigraf

Circulação Circulação (circulacao@brasilquele.com.br) Murilo Casagrande Tiragem 20.000 exemplares Circulação Nacional Door To Door (www.d2d.com.br)

Publicidade Departamento Comercial (comercial@brasilquele.com.br) Murilo Casagrande Tel: (11) 8389 0041 e (11) 3069-1300 Anúncios (publicidade@brasilquele.com.br) Panorama é uma publicação mensal da Câmara Brasileira do Livro e da Agência de Notícias Brasil Que Lê. A revista não se responsabiliza pelo conteúdo dos artigos assinados, que expressam a opinião de seus autores. Permitida, desde que citada a fonte, a reprodução total ou parcial dos textos, que são produzidos pela agência de notícias Brasil que Lê. www.panoramaeditorial.com.br 6

Panorama

Setembro 2008


Boa Leitura

A força do coletivo A Bienal Internacional do Livro de São Paulo, a colossal festa do livro que comemorou no mês passado sua vigésima edição, é um belo exemplo de trabalho coletivo. Por dois anos a fio, desde o término de uma e o início dos preparativos para a próxima, ela é cuidadosamente construída numa ação que envolve muita gente. Não só pessoas físicas, mas também inúmeras empresas e instituições, de dentro e de fora do mundo do livro. A Câmara Brasileira do Livro, é bem verdade, lidera esse conjunto de esforços. Mas os resultados finais devem ser repartidos, por justiça, com os diversos parceiros e apoiadores, que comungam dos mesmos ideais. A Bienal com seus muitos projetos – o Ler é a Minha Praia, sucesso de público e crítica na última edição, é um exemplo disso – e eventos da programação paralela – do Congresso Ibero-americano de Editores às convenção de livreiros e crediaristas ou fóruns como o do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) e o dos bibliotecários – é um caso típico da força do coletivo. Esse mesmo tom tem sido dado pela CBL na condução de todas as demais ações para fortalecer o negócio do livro no Brasil e, assim, contribuir para o desenvolvimento da leitura no País. Afinal, não dá para fazer diferente. A soma dos esforços de todos é que fará com que cheguemos mais fortes, e em menos tempo, aonde precisamos e vamos chegar: à uma sociedade tipicamente leitora. Há muito, ainda, para se fazer. Mas estamos no caminho certo. Algumas reportagens desta edição mostram bem isso. Em Brasília, por exemplo, deputados e senadores se uniram para criar a Frente Parlamentar da Leitura, que certamente será um aliado fundamental para promover novos avanços institucionais. Como, por exemplo, a Secretaria Nacional do Livro e Leitura, cuja recriação foi reivindicada pelas entidades do livro ao novo ministro da Cultura, Juca Ferreira. Os livros e as livrarias do futuro, o que as pessoas andam lendo e o que e como os governos estão pensando as políticas públicas setoriais também estão presentes nesta edição. A diversidade e a riqueza dos temas abordados são um motivo a mais para ler a revista este mês. Boa leitura!

Rosely Boschini Presidente da CBL (diretoria@cbl.org.br)

Setembro 2008 Panorama 7


Entrevista

Juca Ferreira Foto: Fanca Cortez

Biblioteca não pode ser um depósito de livros, apregoa o novo ministro da Cultura Juca Ferreira, que em 28 de agosto assumiu oficialmente o cargo de ministro da Cultura, em substituição a Gilberto Gil, após um mês como interino, diz que pretende dar continuidade ao trabalho de seu antecessor. Antes, ele havia sido secretário-executivo do ministério. Em entrevista exclusiva à Panorama, João Luiz Silva Ferreira, de 59 anos, baiano de Salvador, defende a criação de novas bibliotecas como forma de ampliar a presença do livro entre toda a população brasileira: “Queremos bibliotecas-modelo, bibliotecasreferência em todas as capitais brasileiras, dependendo, é óbvio, de sua capacidade e população, mas sempre no sentido de mudar a idéia que o brasileiro tem de biblioteca. É preciso tirar do brasileiro uma idéia de biblioteca como depósito de livros.” Sobre a recriação da Secretaria Nacional do Livro do Livro e da Leitura, como defendem as lideranças do mundo do livro (e foi objeto de um manifesto entregue a ele na abertura da Bienal Internacional do Livro de São Paulo), Juca se diz simpático à idéia: “A volta da Secretaria do Livro certamente ajudará a enfrentar os muitos desafios colocados para nós que queremos fazer do Brasil um País de leitores. Sou a favor de uma estrutura específica para o livro. Cabe analisar se é o caso de uma secretaria, de um instituto ou uma fundação.” O ministro responde, a seguir, às perguntas feitas pelos convidados da revista: Luís Torelli, presidente da Associação Brasileira de Difusão do Livro (ABDL): Quais são suas prioridades e investimentos para os diversos setores que com8

Panorama

Setembro 2008

põem o Ministério de Cultura? Juca Ferreira – A abrangência e a complexidade da cultura – seus diversos setores, dinâmicas e dimensões – exigem uma ação múltipla que não pode conviver com a idéia de apenas duas ou três prioridades que monopolizariam a atenção do ministério. Sistemas complexos exigem estratégias complexas, capazes de atender às diversas demandas e necessidades da população e do setor cultural. Garantir o acesso dos brasileiros aos bens e serviços culturais e aos meios de expressão e fruição simbólica como um todo pode ser considerada uma prioridade. Mas é preciso também resolver de uma vez por todas o problema do financiamento das atividades culturais, através de uma reforma da Lei Rouanet que descentralize ainda mais os recursos no País e possibilite ao Estado desenvolver programas estratégicos para a evolução das distintas áreas da cultura brasileira. O brasileiro ainda lê muito pouco, compra poucos livros – livros caros em sua imensa maioria – e não dispõe de bibliotecas atrativas e acessíveis. Lançado em outubro do ano passado, o programa Mais Cultura engloba boa parte daquilo que faremos no campo das bibliotecas, enfrentan-

do um problema histórico do Brasil. Acredito que seja preciso investir ao mesmo tempo em várias frentes, garantindo acesso aos bens culturais, como também investindo no desenvolvimento das linguagens, para que a dimensão criativa não seja prejudicada por uma atenção desequilibrada ao acesso, simplesmente. Com isso, o Brasil terá condições de desenvolver uma economia da cultura pujante, necessária para que os bens culturais circulem mais cotidianamente em nosso país. Daí trabalharmos, aqui no MinC, a partir dessa tridimensionalidade do conceito de cultura: seja como valor simbólico, como economia e como direito de cidadania. Nesse contexto, zerar o número de municípios que não têm biblioteca é uma prioridade elementar. Em 2003, dos pouco mais de 5.500 municípios do País, existiam 1.170 nessa situação. Agora, com a assinatura de entrega de novas bibliotecas, esse número cai para cerca de 350. Com o que garantimos no orçamento para este ano, será possível contemplar todo o território nacional. Quanto à modernização de bibliotecas, já repassamos recursos para o Rio de Janeiro e Belém, contribuindo para o projeto de modernização de megabibliotecas, seguindo o modelo dos


grandes equipamentos deste tipo em Santiago do Chile e Bogotá, na Colômbia. Queremos bibliotecas-modelo, bibliotecas-referência em todas as capitais brasileiras, dependendo, é óbvio, de sua capacidade e população, mas sempre no sentido de mudar a idéia que o brasileiro tem de biblioteca. É preciso tirar do brasileiro uma idéia de biblioteca como depósito de livros. Isso é fundamental, porque a biblioteca tem que ser um equipamento de incentivo à leitura, um centro cultural focado no livro e no incentivo à leitura. Mas precisamos estar atentos para a complementaridade de uma política para as bibliotecas. Não devemos descuidar das médias e das pequenas bibliotecas públicas municipais, assim como devemos dar atenção muito forte às iniciativas da sociedade, em suas bibliotecas comunitárias. Lá, onde o estado muitas vezes não consegue entrar com todos os seus serviços fundamentais, há centenas de iniciativas de acesso ao livro, de agentes de leitura que merecem todo o nosso reconhecimento, inclusive financeiro. São heróis que diariamente trabalham para fazer de sua comunidade uma comunidade de leitores, pois sabem o quanto a leitura impacta na qualificação do indivíduo e do ambiente social. Além das modernizações, preparamos um edital especialmente voltado às bibliotecas comunitárias. Serão implantadas 20 este ano. Teremos outro edital similar voltado para as iniciativas que estamos chamando de pontos de leitura, espaços de leitura, oficinas e atividades culturais apoiados pelo MinC, em regiões com baixos índices de IDH e educação básica e altos índices de violência. Essas duas ações vão nos ajudar a formar uma grande rede de bibliotecas comunitárias, pontos de cultura e pontos de leitura no País. Eder Lopes Coimbra, 15 anos, campeão do Programa Soletrando (Rede Globo), e agente de leitura do Programa Arca das Letras no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais: De que forma a leitura pode influenciar na formação de um cidadão perante a sociedade? Juca – A leitura é fundamental para a plena realização da nossa condição humana, da nossa sensibilidade, inteligência e capacidade de entender o mundo. É também importante para a promoção de valores democráticos, porque é base para uma cultura do discernimento e do diálogo, tanto individual como coletivo. Quem lê, aumenta seu repertório de atuação sobre o mundo a sua volta. E, numa sociedade que lê, ocorre o mesmo, o que significa que ela tem ampliadas suas possibilidades de qualificar as relações humanas e resolver os problemas cada vez mais complexos que a elas se apresentam. A contemporaneidade é cada vez mais complexa, a cada dia nos desafiando com sua cacofonia de signos de várias origens, seus textos, perguntas e afirmações, escritas ou não. É preciso lê-las. É preciso dar conta do texto do mundo e, como Paulo Freire sempre frisou: ante ele, ante este mundo

enigmático, nós precisamos aprender a dizer a nossa própria palavra. A palavra autonomia perpassa todas as ações na promoção da leitura. Um governo preocupado com o empoderamento de seus cidadãos, com a autonomia dos sujeitos individuais e coletivos da nação investe em livros, em leitura. Isso porque sabe que a leitura não só qualifica a relação com as outras áreas da cultura, tais como o audiovisual, as novas mídias, o patrimônio e a memória, as artes plásticas, a música, como também qualifica a relação do indivíduo com a saúde, com o mundo do trabalho, com o trânsito e a cidade, com o ambiente natural e social. Ela é base imprescindível para uma cultura do diálogo e certamente condição para a superação de violências físicas e simbólicas. José Castilho Marques Neto, secretário executivo do PNLL: Como o senhor entende a transversalidade da leitura e do livro (em todos os seus suportes) em relação às outras artes e manifestações culturais?

“A volta da Secretaria do Livro certamente ajudará a enfrentar os muitos desafios colocados para nós, que queremos fazer do Brasil um País de leitores.” Juca – Nas últimas décadas do século passado, muita gente desenvolveu uma visão pessimista de que o livro estaria com os dias contados e que a leitura era uma prática condenada ao desaparecimento diante da força avassaladora da cultura de massa e dos meios audiovisuais. Passado um primeiro momento de deslumbramento diante da força da imagem, podemos verificar que essa visão pessimista era equivocada. O livro continua sendo o suporte básico para quem quer ter uma subjetividade complexa. E ele dialoga muito bem com outros suportes e outras fontes de conhecimento e saber. Quem nasce em uma família de pais leitores, quem foi apresentado ao livro por bons professores, quem experimenta o prazer de um livro bem lido, a alegria de um ganho subjetivo pela leitura de um bom texto, o prazer e o deleite estético de um belo texto, de um conceito bem apresentado, de um lado da vida ainda não percebido, sabe da importância da leitura para a plena realização da nossa humanidade. A leitura e a escrita vêm se fortalecendo movida pela sede de saber, de compreensão e inserção no mundo, cada dia mais complexo, mais cheio de novidades e vi-

vendo uma mutação avassaladora de valores, procedimentos, base tecnológica etc.. A rede internet que o diga. Quantos jovens estão adquirindo o hábito de escrever através da rede? A interatividade já é uma possibilidade real que as novas tecnologias estão disponibilizando. Esta comunicação complexa, em rede, de mão dupla, policêntrica, estimulará ainda mais a autonomia, a expressão individual e coletiva, quebrando o paradigma da comunicação de poucos emissores para muitos passivos receptores. Sou otimista quanto ao futuro da humanidade e mais ainda quanto ao futuro do Brasil. O avassalador desenvolvimento tecnológico dos últimos anos tem disponibilizado acesso cultural em uma escala inimaginável. Eu encaro mais como oportunidade de que como uma ameaça. É preciso reestruturar o sistema regulatório para compatibilizar o direito de acesso, o direito autoral e o direito econômico. Cultura é uma necessidade básica e um direito de todos os brasileiros. Estamos caminhando nessa direção. Moacyr Scliar, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras: Em primeiro lugar quero cumprimentar o ministro Juca Ferreira e dizer que a cultura brasileira está de parabéns. Sua vasta experiência na área e seu dinamismo e sua dedicação garantem uma gestão bem sucedida. Minha pergunta: o que acha o ministro do conceito de “famílias leitoras”, proposto pela Unesco, e como se pode implementar tal conceito? Juca – A família é, de fato, o lugar por excelência para a formação de novos leitores. A Suécia foi um dos países que mais avançou na universalização do direito à educação. Vivi lá por força do exílio e tive conhecimento de uma pesquisa feita na época pelo governo para saber por que os filhos de operários tornavam-se operários e os filhos de intelectuais viravam intelectuais, apesar de estudarem nas mesmas escolas. A família era o grande diferencial. O exemplo dos pais era decisivo. Depois da família, vinha a escola, a necessidade de bons professores, que saibam abrir a porta para o mundo encantado da leitura e desenvolvam o hábito da leitura entre seus alunos, despertando a curiosidade intelectual desde as mais tenras idades e valorizando o livro como um tesouro. Como terceiro ambiente, estavam as bibliotecas, um suporte acessível para ampliar o acesso aos livros. Hoje, temos os computadores, o fascínio que despertam nas crianças para se divertirem e se comunicarem, para terem acesso ao mundo. Os filmes, as revistas em quadrinhos, a leitura de histórias interessantes em família na hora de dormir, por exemplo, têm papel fundamental no desenvolvimento do hábito da leitura. Por isso, os princípios norteadores do PNLL levam em conta a necessidade de se desenvolver a leitura nas casas e nos núcleos familiares. Aliás, a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil mostra a importância da mãe na formação do hábito da leitura. Com o Mais CultuSetembro 2008 Panorama 9


Entrevista ra, o MinC tem uma ação voltada para a família que são os Agentes de Leitura. Esses farão o trabalho de levar o livro e promover a leitura nas casas populares brasileiras. O foco será a mãe. Rosely Boschini, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL): O tema livro e leitura pode vir a se tornar uma das prioridades do Ministério da Cultura na sua gestão? Juca – Já é uma das prioridades do ministério. Desde 2003 temos investido nesta área, principalmente na implantação de bibliotecas e na criação do Plano Nacional do Livro e Leitura, articulação fundamental que já vem dando frutos muito importantes. Mas penso que ainda é pouco, muito pouco. Com o Mais Cultura, esta área deverá ter um aporte muito maior do que nos anos anteriores, isso porque o Mais Cultura é um programa focado no acesso aos bens e serviços culturais e no seu impacto na qualificação do ambiente social. Precisamos criar uma grande mobilização no Brasil pelo livro e pela leitura. O livro é peça fundamental nesta tarefa de garantir os meios para que todos os brasileiros possam se inserir no mundo contemporâneo com autonomia, discernimento e competência. Vejo a área do livro e da leitura (e, porque não, da escrita) com um espaço cada vez maior na agenda de discussão sobre as políticas culturais no País. E isso é ótimo. Conseguimos resolver questões importantes relacionadas ao trabalho da Fundação Biblioteca Nacionais, não só na sua missão de guarda de um dos mais importantes acervos bibliográficos do mundo, mas também na sua integração com outras grandes instituições internacionais. Mas temos que avançar no sentido do acesso e da popularização dos materiais de leitura. O livro e a leitura serão vistos com muito carinho em minha gestão porque sei de seu potencial transformador para a sociedade brasileira e para a realização pessoal dos brasileiros. Luiz Antonio Aguiar, presidente da Associação dos Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil: O MinC participou, ao lado do MEC, do Fórum Literatura na Escola, em Brasília, onde se debateram formas de ampliar e qualificar a presença da literatura brasileira na sala de aula. Quais os planos da Cultura para concretizar o que começou a ser esboçado lá? Há outros espaços em que o MinC vai procurar colher a opinião dos autores de literatura para implementar planos de leitura? Juca – Realizamos este ótimo fórum a pedido dos escritores, porque acreditamos que, como Ministério da Cultura, precisamos zelar pelo setor criativo em todas as linguagens, incluindo a criação literária. Não queremos uma relação com a leitura na sala de aula que subjugue a literatura, dentro de uma visão fun10 Panorama

Setembro 2008

cional para passar conteúdos ou ideologias. A literatura deve entrar na sala de aula da maneira mais livre possível, como deleite estético, como uma fonte de conhecimento, de formação intelectual. E a literatura não pode ser subsumida a outros interesses, de maneira alguma. Por isso, o Fórum foi importante e esperamos que resulte em medidas concretas por parte do Conselho Nacional de Educação, tais como a volta da literatura para o currículo escolar e, de preferência, o aumento das horas de estudo e leitura de literatura. Seguiremos utilizando nossos espaços institucionais para colher as informações dos escritores, tais como a Câmara Setorial do Livro, Leitura e Literatura e o Conselho Nacional de Políticas Culturais, porque apostamos no caminho da participação para a construção de nossas políticas. Mas temos diversas frentes que beneficiarão os escritores de todos os segmentos. Já para 2009, queremos ativar uma Caravana de Escritores em todo o País, ampliar o programa de bolsas para escritores e desenvolver a exportação e a presença de literatura brasileira

“Quem nasce em uma família de leitores, foi apresentado ao livro por bons professores e experimenta o prazer do livro sabe da importância da leitura para a humanidade.” no exterior, além de realizar campanhas públicas que coloquem o livro e a leitura em um lugar de destaque no imaginário dos brasileiros. Jorge Yunes, presidente do Instituto PróLivro e da Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros): Quais as ações que o MinC pretende desenvolver em conjunto com o MEC visando facilitar e garantir o acesso ao livro e à leitura junto ao público infanto-juvenil? Juca – Penso que uma política de livro e leitura para o público infanto-juvenil é estratégica. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil mostrou o quanto esse público é fundamental para um Brasil leitor. Infância e juventude constituem os momentos mais apropriados na vida de uma pessoa para criar o hábito da leitura, para a descoberta da escrita, para a vida intelectual. Crianças e adolescentes são os públicos que mais lêem no País. Por isso, temos que ter ações concretas que despertem, dêem continuidade e consolidem o interesse pelo livro e pela leitura nessa faixa etária. No Conselho do PNLL, o MinC tem chamado a atenção para a necessidade de tornar a escola um es-

paço para a formação de leitores e não, como ocorre muitas vezes, um espaço de desencantamento. A leitura não pode ser uma obrigação, o livro tem que ser apresentado como algo prazeroso, que empodera, que enriquece os que se relacionam com ele. Basicamente, precisamos lutar por uma escola que saiba formar leitores e que não acabe com o encantamento natural das crianças pelos livros. Essa é uma preocupação nossa e do MEC. Precisamos ampliar, levar e garantir o acesso ao livro e à leitura para as crianças das famílias pobres. Vitor Tavares, presidente da Associação Nacional de Livrarias: Mesmo competindo com a internet e outros canais de venda com práticas comerciais desiguais, descontos acima do suportável na ponta do varejo, margem de lucro baixa e altos custos de fretes quando estão longe dos grandes centros, as livrarias ainda são, como mostrou a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, o principal canal de acesso da população aos livros. O que o MinC, junto com entidades como a ANL, pode fazer para não deixar desaparecer o ofício de livreiro, um dos mais antigos e nobres da humanidade e que ajuda a difundir a cultura, o conhecimento e o saber nas nossas cidades? Juca – De fato, os livreiros são fundamentais para o desenvolvimento do hábito da leitura, como mostram diversos estudos. Bons livreiros, aqueles que vêem sua profissão como uma arte, são tão importantes como bons editores e bons escritores para qualquer sociedade. O número de pequenas livrarias diminuiu muito e as grandes redes entraram com toda a força no mercado, criando grandes estabelecimentos de vendas de livros, importantes, mas muitas vezes impessoais, sem aquele aconchego que têm as pequenas livrarias e que são tão fundamentais para o contato do público com o livreiro, com aquele que não apenas vende livros, mas os conhece e os ama. Infelizmente, as causas da diminuição do número de livrarias no Brasil são difíceis de serem atacadas a contento, já que não vivemos mais em um ambiente como o de décadas atrás. Essa diversidade de pontos de oferta de livros é um indicador importante de qualquer sociedade leitora e ainda não chegamos a uma estratégia eficiente para restabelecer uma rede mais ampla de livrarias no território nacional. Não apenas por questões de mercado, mas também tecnológicas, as pequenas livrarias desapareceram. Hoje já há um bom contingente de brasileiros comprando livros pela internet, livros novos e usados. Não só os grandes sites de vendas internacionais e nacionais, mas também aqueles mais alternativos como o Estante Virtual. É preciso também ver que há outros tipos de pontos de venda surgindo, voltados para um público mais novo, tais como os supermercados e as bancas de revistas. Muitos desses pontos hoje vendem livros


e isso é bom, mas precisamos avançar no incentivo às livrarias, por exemplo, trabalhando junto aos municípios para que esses isentem de tributos aqueles que querem abrir livrariascafés nos centros das cidades. Um programa deste tipo certamente teria um ótimo impacto também na qualificação dos centros das cidades, que hoje precisam rever a centralidade que dão aos bancos e serviços em detrimento dos equipamentos culturais. Outra ação que deve dar muitos resultados positivos nesta área é o Vale Cultura que pretendemos apresentar em breve e que financiará, entre outros, a compra de livros. O número de brasileiros que lêem ainda é muito pequeno. O trabalhador receberá no final do mês não o livro em sua cesta básica, mas um tíquete, como o vale-refeição, para gastar diretamente, nas livrarias, cinemas, teatros etc. Ivana Jinkings, ex-presidente da Liga Brasileira de Editores (Libre): De que forma pensa em proteger as edições independentes? Sabemos que a bibliodiversidade (a diversidade cultural aplicada ao livro) é uma bandeira dos editores independes, mas interessa a toda a sociedade. Se os grandes grupos editoriais participam, através da produção massiva de livros, para um certo tipo de oferta editorial, a bibliodiversidade en-

contra-se intimamente ligada à produção dos pequenos editores, que são a garantia da pluralidade e da difusão das idéias. Essa bibliodiversidade está ameaçada pela superprodução dos grandes grupos editorias. Como o MinC pretende enfrentar essa questão? Juca – O Ministério da Cultura, defensor e promotor da diversidade cultural, não poderia estar à margem do debate sobre a necessidade de se preservar e desenvolver a bibliodiversidade. Precisamos desenvolver as cadeias regionais do livro, em todo o Brasil, oxigenando os pontos de produção de livros que, assim, ganham em diversidade de temas e de olhares. Para isso, temos já preparado um edital para feiras de livros em pequenas cidades para dar vazão à produção editorial local. Queremos chegar a cidades que nunca realizaram feiras de livro, para que este tipo de evento, considerado fundamental na promoção do livro, se desenvolva para além das grandes cidades. O Rio Grande do Sul é um bom exemplo neste sentido. É dos poucos estados com uma economia do livro própria, contando com muitas editoras médias e pequenas que sobrevivem, entre outros fatores, porque existem dezenas de feiras de livros em diversas cidades do Estado. Esses eventos são palco para as edições independentes que dificilmente conseguiriam se colocar no mercado. Além do edital de fei-

ra de livros, queremos iniciar uma ação chamada Caravana de Escritores, em todo o Brasil, em que os autores independentes estarão incluídos. Do ponto de vista mais estrutural, uma medida que dará melhor fôlego aos independentes é a compra de um percentual dos acervos para bibliotecas públicas e pontos de leitura junto às editoras locais. Isso já vem ocorrendo em uma pequena escala, mas queremos aumentá-la e colocar como critério para todas as nossas compras de livros. Também temos que estimular um melhor uso da Lei Rouanet pelos autores independentes. Ivana Jinkings: Em países como a França, o governo – naquele caso, via Centro Nacional do Livro, CNL – criou um “adiantamento sobre a receita”, espécie de linha de crédito para toda a cadeia produtiva de uma obra, que favorece pequenos editores. Existe algum projeto em curso no Brasil que vise dar suporte à edição independente ou que regule as compras governamentais de modo a equilibrar o tão desigual “mercado editorial”? Juca – Questões como esta, como também as relativas à Lei do Preço único e outras serão discutidas dentro de um trabalho que pretendemos realizar até o final do ano, que integrará o pacote para o financiamento e desenvolvimento da economia da cultura. A intervenção


Entrevista no mercado é sempre complexa e cabe também aos participantes da câmara setorial do livro (escritores, editores, livreiros) a responsabilidade de cuidarem da saúde do mercado e da ampliação da sua capacidade. Sônia Machado Jardim, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livro (SNEL): O contrato de edição confere ao editor a exclusividade de publicação de uma obra que não estiver em domínio público, em determinada língua ou território, e garante ao autor a remuneração devida pela sua criação e trabalho. É esta exclusividade que dá a garantia necessária ao editor para investir na publicação da obra, bem como na sua promoção, marketing e distribuição. Dentro desse conceito, toda a cópia não autorizada, é ilegal e configura pirataria. Há uma linha de pensamento que discorda destes princípios, ou seja, que defende que, dependendo do uso, uma cópia, mesmo não autorizada de obra em domínio privado não constitui pirataria, pois, apesar de ferir o direito autoral, o que deve prevalecer é o direito da sociedade de se informar e ter acesso à cultura. Qual é o posicionamento do MinC sobre esta questão? Juca – Em primeiro lugar, deve-se considerar que o termo “pirataria” não é definido

12 Panorama

Setembro 2008

por nenhuma Lei no Brasil. A Lei Autoral e o Código Penal tratam de “violação do direito autoral” que pode ser, portanto, um ilícito civil ou criminal, ou ambos. O que define o tipo de ilícito é justamente o uso da cópia, pois a

“O livro e a leitura serão vistos com muito carinho em minha gestão porque sei de seu potencial transformador para a sociedade e para a realização pessoal dos brasileiros.” cópia para uso privado não é crime, segundo o Artigo 184 do Código Penal e sim um ilícito civil. Além disso, há autoralistas que defendem que a cópia para uso privado não configuraria sequer um ilícito civil, tendo em vista a prevalência não do direito de acesso à cultura, mas o direito à privacidade. Por outro lado, respondendo concretamente à inda-

gação, não só o MinC, mas o governo como um todo, por meio do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, entende que a fotocópia de livros em universidades é fenômeno distinto de, por exemplo, o comércio ilegal de CDs e DVDs em camelôs, este, sim, entendido como pirataria. No entanto, o MinC reconhece que a cópia de livros em universidades constitui um problema para o qual a solução estaria na instituição e, a positivação, na Lei Autoral do direito de cópia privada com a respectiva remuneração equitativa aos titulares de direitos patrimoniais das obras, a ser arrecadada e distribuída por meio de sociedades de gestão coletiva. Tal solução, ao mesmo tempo em que proveria ao autor e demais titulares uma retribuição pelo uso das obras, garantiria também o acesso à cultura e à educação, evitando-se, com isso, atitudes desproporcionais como invasões de campos universitários pela polícia e ações judiciais contra professores, estudantes e diretórios acadêmicos. Valter Kuchenbecker, presidente da Associação Brasileira de Editoras Universitárias. Estamos vivendo um momento histórico nas ações em favor do livro e da leitura do Brasil. Como editores do livro universitário, temos contribuído para esses avanços de sorte que os livros acadêmicos têm ocupado, cada vez



Entrevista mais, papel de destaque no mercado nacional. Uma das nossas bandeiras é fazer chegar ao público conteúdos que talvez nenhum outro editor publicasse, pela natureza específica e, muitas vezes, técnica demais, mas de grande valia para o País, tanto do ponto de vista cultural como estratégico. Esse também é o sentimento do MinC? Além do incentivo da Lei Rouanet, que é fundamental, que outras políticas de incentivo ao livro e a leitura o ministério está propondo, especialmente para o livro universitário? Juca – Não podemos esquecer que o governo do presidente Lula, ainda no primeiro mandato, desonerou totalmente toda a cadeia produtiva do livro. O sentido da medida é contribuir para o barateamento do livro e permitir o aumento da leitura e o aumento do consumo deste bem cultural. Articulamos o Plano Nacional de Cultura com o MEC e importantes setores do livro no Brasil, que prevê uma estratégia com múltiplas ações de valorização do livro na vida dos brasileiros e dos meios de incentivo à leitura. O Mais Cultura, nosso programa mais importante, todo voltado para aumentar a acessibilidade da população à cultura, tem no livro e na leitura um vetor importantíssimo. Estamos dialogando com o MEC e também com o setor empresarial do livro. Pretendemos criar um Fundo Setorial do Livro e da Leitura. O ministério está comprometido a gerar uma ação forte, que possa interferir nas estatísticas, nos números sobre livro e leitura. Luiz Antonio Aguiar: Há perspectivas de reativar, efetivamente (com verbas e funcionamento intensificado), o Proler e a Casa da Leitura? E o PNLL? Vamos, enfim tê-lo formalizado com um coordenador situado oficialmente no cronograma do ministério? E finalmente, quais são os planos para fortalecer a Câmara Setorial do Livro, Literatura e Bibliotecas e incrementar seu funcionamento? Juca – Faz dois anos que o PNLL tem uma secretaria executiva e, seu secretário, José Castilho Marques Neto, foi instituído formalmente por portaria interministerial MinC/ MEC. Quanto à CSLL, trata-se da única câmara que segue em atividade, de todas as seis que o MinC instituiu. Para fortalecê-la, assim como a todas as demais câmaras, o MinC criou, no âmbito do Conselho Nacional de Políticas Culturais, um fórum com a mesma função: subsidiar os ministérios da Cultura e da Educação para a formulação de suas políticas. O Proler e a Casa da Leitura necessitam realmente de fortalecimento e o momento é agora com o programa Mais Cultura. Elizabeth Serra, secretária-executiva da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ): Considerando a inequívoca necessidade de se construir uma sociedade brasileira lei14 Panorama

Setembro 2008

tora e escritora, considerando que já existe o diagnóstico dos problemas que impedem a sua realização e que já se conhecem os caminhos para sua solução, por que o MinC não tem garantido os recursos realmente necessários para um eficiente sistema de bibliotecas públicas como o local para manter leitores? Como ministro, quais são os seus planos orçamentários para resolver, definitivamente, essa imensa dívida com a sociedade brasileira? Juca – O Programa Mais Cultura aumentou, em muito, o orçamento para bibliotecas. Para 2008, são cerca de R$ 25 milhões para implantação de novas bibliotecas; R$ 32 milhões para a modernização de bibliotecas pequenas, médias e grandes e R$ 12 milhões para pontos de leitura, entre outros recursos. Nunca tivemos tanto recurso para esta área e as projeções são muito otimistas, com o crescimento

Livro de cabeceira “Tenho sete livros de cabeceira, mas aquele que estou lendo agora é Veneno Remédio - O Futebol e o Brasil, de José Miguel Wisnik. Um livro que foi muito importante na minha vida foi o Tesouro da Juventude (editado por W. M. Jackson), que li em meus tempos de garoto. Era, na verdade, uma grande enciclopédia, com uma coleção de 18 volumes, que reuniam perguntas e respostas sobre diferentes temas do conhecimento. Esses livros contribuíram para despertar meu conhecimento sobre uma série de assuntos que mais tarde ganhariam mais expressão em minha trajetória.”

dos investimentos no acesso ao livro. O sentido desses investimentos é articular e fortalecer um sistema nacional de bibliotecas de acesso público, que conte com a biblioteca nacional, bibliotecas referência, bibliotecas públicas municipais, comunitárias, mas também pontos de leitura e as bibliotecas rurais implementadas pelo MDA, com o Arca das Letras. Junto com o MEC, vamos criar medidas para tornar as bibliotecas universitárias e escolares abertas às comunidades, gerando locais de educação extensiva que possam qualificar cidadãos e agentes culturais. Ivana Jinkings: Em sua gestão, como pretende rever definitivamente o controle privado de recursos públicos, via Lei Rouanet? Concorda que o Estado beneficia empresários com renúncia fiscal, mas não tem sido capaz (ou sucumbiu à gritaria contra o “aparelhamento da cultura”) de criar mecanismos para julgar corretamente a relevância dos projetos e

regular o que é produzido com esse incentivo? Juca – A reforma que queremos para a Lei Rouanet vai exatamente neste sentido de que você está falando. Precisamos aumentar a participação pública no controle dos recursos públicos na área da cultura. Uma das ferramentas fundamentais para o fomento das cadeias regionais do livro e para a bibliodiversidade é uma Lei Rouanet mais equilibrada, que seja cada vez mais utilizada para financiar programas, tais como caravanas de escritores, publicações populares e outros projetos, muito além da lógica atual. A renúncia fiscal não pode significar renúncia do Estado em produzir política pública na área da cultura. Quanto ao “aparelhamento” ou ao “dirigismo cultural” que muitas empresas dizem temer, a verdade é que, como diz Teixeira Coelho, em seu Dicionário de Política Cultural, toda política cultural tem algum grau de dirigismo, inclusive as ações totalmente ditadas pela lógica das empresas. Portanto, é preciso enfrentar o debate com base na discussão sobre valores. Qual sociedade queremos com o uso desses recursos, que, afinal, são públicos? Qual a idéia de cultura? E de arte? Quais processos de autonomia, crítica e discussão ou de heteronomia e consumo puro e simples estamos gerando? Chegamos a um equilíbrio de direitos entre produtores, públicos e meios de reprodução? Da maneira como está hoje, acreditamos que ainda estamos muito longe de um uso realmente equilibrado da Lei. E é por isso que propomos uma mudança profunda na Lei, aumentando o peso do orçamento para a cultura e criando fundos setoriais. Rosely Boschini: E a Secretaria Nacional do Livro e Leitura vai sair? Ela vai ser recriada, como clama todo o mundo do livro e da leitura? Juca – Há, de fato, um déficit institucional na área de livro e leitura que precisa ser enfrentado. De 1937 a 1990, o Brasil contou com o Instituto Nacional do Livro (INL) e, desde então, a Fundação Biblioteca Nacional tem acumulado duas funções distintas: a salvaguarda de um acervo importantíssimo, o oitavo maior do mundo, e o de popularização do livro. Essas ações de acesso e de disponibilização de livros precisam de força institucional que hoje é muito pequena ficando a cargo da FBN. É preciso nacionalizar, de fato, essa política e, para isso, precisamos refundar a institucionalidade do livro no Brasil. Com o desenvolvimento da agenda social do governo Lula e, dentro dela, o Plano Nacional de Livro e Leitura, o volume de trabalho e linhas abertas nesta área aumentou significativamente, exigindo do Ministério da Cultura uma solução. A volta da Secretaria do Livro certamente ajudará a enfrentar os muitos desafios colocados para nós que queremos fazer do Brasil um país de leitores. Sou a favor de uma estrutura específica para o livro. Cabe analisar se é o caso de uma secretaria, de P um instituto ou uma fundação.


Cadeia Produtiva Editores

Didáticos

Snel já planeja Bienal 2009

Abrelivros dialoga com MEC

Pirataria afeta livro universitário

A presidente do Sindicato Nacional de Editores de Livros (Snel), Sônia Machado Jardim, ficou animada ao conferir a presença maciça do público infantil na recente edição da Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Assim como fez a Câmara Brasileira do Livro (CBL) na capital paulista, o Snel, que é responsável pela Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, prevista para 2009, quer elaborar uma programação com mais atrações para a garotada. Sônia explica que a Bienal carioca sempre contou com eventos mais voltados para o público adulto, como o Café Literário e o Botequim Filosófico. Agora, porém, ela explica que Snel pretende idealizar uma programação com eventos que despertem também o interesse das crianças e dos jovens.

A Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros) tem-se reunido quase que semanalmente com representantes do Ministério da Educação (MEC) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) – autarquia do MEC cujo objetivo é prover recursos e executar ações de desenvolvimento educacional. Jorge Yunes, presidente da Abrelivros, diz que o resultado dos encontros, a ser verificado por todo o setor, tem sido muito positivo para traçar políticas conjuntas de desenvolvimento da educação. Além de atuar junto ao poder público, a Abrelivros também tem dado seqüência a uma série de convênios com outras entidades brasileiras, como a Associação Brasileira dos Direitos Reprográficos (ABDR), com a qual trabalha pelo combate à pirataria de livros no País.

Ao mesmo tempo em que o número de instituições de ensino superior e o total de estudantes universitários tem crescido, a venda de livros desse setor despencou 44% nos últimos anos. A informação é do advogado da Associação Brasileira dos Direitos Reprográficos (ABDR), Dalton Morato. Ele culpa a pirataria. Só nos dois últimos anos, segundo a entidade, os valores perdidos com a reprodução ilegal de livros dobraram. O dinheiro desviado pelo sistema predador já é superior ao do mercado legal. A ABDR, que concentra editoras e autores de livros de todo o Brasil, desenvolve um trabalho de conscientização junto às universidades, escolas e bibliotecas, na tentativa de transmitir ações contra a pirataria, lembrando que a reprodução não-autorizada de livros constitui crime e expõe o infrator ao pagamento de indenização.

Pequenos editores

Livreiros

Libre faz Primavera em SP

Crescem os pontos de venda

Com o tema A Cidade de Todos os Povos – São Paulo, Viagens e Migrações, a Liga Brasileira de Editoras (Libre) realiza, de 25 a 28 de setembro, a edição paulistana da sua Primavera dos Livros, no Centro Cultural São Paulo, na Rua Vergueiro, bairro do Paraíso. Desde 2001, a Libre, que reúne mais de cem editores independentes, já realizou sete edições do evento no Rio de Janeiro e cinco em São Paulo. A Primavera dos Livros foi criada para apresentar ao público a diversidade editorial brasileira. Para isso, oferece um calendário de atividades culturais com diferentes elos da cadeia produtiva do livro, encontros temáticos, rodadas de negócios, palestras e workshops.

Na abertura de sua 18ª convenção nacional, em agosto, em São Paulo, a Associação Nacional de Livrarias (ANL) divulgou os resultados do seu segundo anuário, entregue a livreiros de todo o País, participantes do evento. O documento revela acréscimo de 68% no número de pontos-de-venda de livros no Brasil em relação ao anuário anterior, realizado em 2005. No levantamento, a ANL observou que as livrarias segmentadas têm-se destacado cada vez mais no mercado e conquistado maiores espaços e mais atenção de investidores. O objetivo da entidade com o trabalho foi criar um banco de dados com o maior número possível de pontos-devenda de livros. Isto servirá para apoiar a ANL numa pesquisa programada para 2009.

Bibliotecários

Universitário

CFB abre campanha

Os conselhos federal e regionais de biblioteconomia (Sistema CFB/CRBs) lançam, em 11 de setembro, em Brasília, o projeto mobilizador Biblioteca Escolar: Construção de uma Rede de Informação para o Ensino Público. Por meio de um esforço nacional, a iniciativa pretende demonstrar o papel da profissão de bibliotecário e promover a extensão das bibliotecas não apenas à comunidade escolar, mas a toda a comunidade externa. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), somente 2% das bibliotecas brasileiras possuem um bibliotecário responsável.

Reprografia

Regionais RS

AL terá Bolsa de Negócios

Às vésperas da 54ª Feira do Livro de Porto Alegre, a Câmara RioGrandenese do Livro vai promover, nos dias 30 e 31 de outubro, o Clamme. Trata-se do 1.° Cong resso LatinoAmericano do Mercado Editorial, cujo objetivo é centralizar todas as ações do setor num grande banco de dados, que a entidade chama de 1ª Bolsa de Negócios Literários da América Latina. O evento pretende iniciar um estreitamento de laços com a comunidade editorial latino-americana.

Abeu reúne 56 na Bienal

DF

Com uma área de 643 metros quadrados, a Associação Brasileira das Editoras Universitárias (Abeu) teve o maior estande da Bienal do Livro de São Paulo. No espaço, que contou com a presença de 56 editoras associadas, também funcionou o Café Universitário, onde ocorreram diversos lançamentos, bate-papos e sessões de autógrafos. A ABEU congrega 106 editoras, que, juntas, já publicaram mais de 22 mil títulos. A entidade também apresentou, durante a Bienal, o quarto número da sua revista Verbo. A publicação dedica-se a abordar temas relacionados a livros publicados pelas editoras universitárias.

No início de setembro, a capital federal foi palco da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília (BIP). O evento reuniu representa ntes de diversos países e promoveu simpósio, concurso, oficinas, exposições, recitais e filmes. A bienal foi integ rada à programação da 27ª Feira do Livro de Brasília, que terminou em 7 de setembro.

Câmara faz Bienal de Poesia

Setembro 2008 Panorama 15


Acontece

Nova ortografia estreou na Bienal

Um livro de muitos autores

O maior lançamento de livros jurídicos

Além de ser assunto em diferentes palestras e sessões de bate-papo na Bienal do Livro de São Paulo, o novo acordo ortográfico ocupou também diversos estandes no evento. As editoras Melhoramentos, Positivo e Objetiva/Moderna, por exemplo, donas das marcas Michaelis, Aurélio e Houaiss, respectivamente, aproveitaram para apresentar os seus novos minidicionários, já atualizados com as mudanças da Reforma Ortográfica da Língua Portuguesa.

O Livro de Todos – O mistério do Texto Roubado, primeira obra escrita por mais de cem autores por meio da Internet no Brasil, foi lançado no estande da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo durante a Bienal Internacional do Livro, em São Paulo. O projeto foi idealizado especialmente para esta edição do evento e escrito em um mês. Ao todo, houve mais de 14 mil visitas no site e 362 colaborações de 173 autores-participantes. O primeiro capítulo foi criado pelo escritor Moacyr Scliar.

A holding Grupo Editorial Nacional (GEN), que reúne seis editoras de livros técnicos, realizou o maior lançamento de livros jurídicos do País, no dia 26 de agosto, em São Paulo. Foram apresentadas 43 obras. O grupo carioca é o principal conglomerado editorial do País no ramo de livros científicos, técnicos e profissionais. Com faturamento previsto para este ano de R$ 100 milhões, um aumento de 25% em relação a 2007, o objetivo do GEN é duplicar a receita para R$ 200 milhões até 2011.

Livraria da Vila vai ao shopping

Abril nega venda de Ática e Scipione

A tradicional Livraria da Vila, que teve a sua primeira loja aberta há 23 anos no emblemático bairro da Vila Madalena, acaba de inaugurar a sua quinta unidade em São Paulo. A nova loja da marca, tradicional reduto de leitores da cidade, tem 2.500 m² e fica no moderno Shopping Cidade Jardim, na Marginal Pinheiros. Primeira filial do grupo em um shopping center, ela conta com várias seções para abrigar cerca de 200 mil livros, café, mezanino para CDs e DVDs, área especial para música clássica e jazz e um auditório para 100 pessoas.

A Abril Educação, dona das editoras Ática e Scipione desde 1999, afirmou não ter nenhuma negociação concluída sobre eventuais mudanças na participação societária da companhia. O grupo se pronunciou depois que o jornal Valor Econômico noticiou que o banco JP Morgan, supostamente contratado pela Abril para negociar as editoras, já teria recebido cerca de 12 propostas de compra. E que o mês de setembro seria o prazo final para o envio dos lances. Em nota, o grupo se disse orgulhoso de ter as editoras como partes integrantes da Abril.

16 Panorama

Setembro 2008


Cia. das Letras e Cultura abrem livraria Em uma iniciativa inédita, a Livraria Cultura inaugura em setembro um espaço exclusivo para a venda de livros da Cia. Das Letras. Com isso, a editora vai poder expor em um só lugar o seu catálogo com mais de 2,5 mil títulos. A livraria, que receberá o nome de Cia. das Letras por Livraria Cultura, ficará instalada no velho endereço que, desde 1969, abrigou a Cultura dentro do Conjunto Nacional, em São Paulo. A rede de livrarias conta, hoje, com sete endereços espalhados pelo Brasil e, em novembro, inaugura uma nova loja no Shopping Bourbon Pompéia, também na capital paulista.

Turma da Mônica invade escolas chinesas

Deputados vão avaliar maior isenção para livro

Trilhando um caminho inverso ao percorrido no Brasil, onde ficaram conhecidas primeiramente nos gibis, as histórias da Turma da Mônica, criadas pelo cartunista Maurício de Sousa, foram escolhidas para integrarem um projeto de alfabetização que vai atingir cerca de 180 milhões de crianças na China. Os alunos já receberam os primeiros materiais, na forma de revistas paradidáticas, em mandarim e chinês. Em seguida serão lançados livros, desenho animado, e, se tudo der certo, o gibi clássico.

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados autorizou, em agosto, a apreciação da emenda constitucional, apresentada pelo deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP), que amplia a imunidade tributária de livros, jornais e revistas e do papel usado na sua impressão. Depois de ser analisada por uma comissão especial que será criada especificamente para esse fim, a emenda será votada em dois turnos em plenário.

Setembro 2008 Panorama 17


Fotos: Fanca Cortez

Políticas Públicas

Show do grupo Palavra Cantada no palco do espaco Ler É a Minha Praia

Mais de 1 milhão de livros

Prefeitura de São Paulo e CBL lançam nova edição do programa Minha Biblioteca, que atenderá 520 mil alunos da cidade O grupo formado por cerca de 200 crianças estava eufórico. Em minutos, tomaram toda a frente do palco montado no espaço Ler é a Minha Praia em plena Bienal do Livro de São Paulo, onde o grupo Palavra Cantada se apresentava. Assim que chegaram ali, cada uma delas recebeu de presente uma maleta com dois livros. Era o pontapé inicial da segunda edição do programa Minha Biblioteca, resultado de um convênio entre a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. O programa teve início em 2007, quando 275 mil estudantes de 1ª a 4ª séries do ensino público receberam 560 mil livros. Em 2008, o Minha Biblioteca está sendo ampliado para os estudantes de 5ª a 8ª séries e vai atingir 484 escolas da capital paulista. A cada ano, os alunos vão receber um kit com dois livros e uma maleta com espaço para mais outros exemplares. O objetivo é que, ao concluírem o Ensino Fundamental de oito anos, cada criança tenha em casa a maleta completa com 16 livros, construindo, assim, sua biblioteca pessoal. Desta vez, serão entregues mais de 1 milhão de exemplares. Com um investimento de R$ 10 milhões, o programa vai distribuir 202 títulos a 521 mil alunos. Entre as obras 18 Panorama

Setembro 2008

que serão entregues aos estudantes estão o projeto leva a CBL a atuar onde é mais Alice no País das Maravilhas, Dom Quixopreciso: na formação de leitores. “Com o te, Viagem ao Centro da Terra e volumes da Minha Biblioteca, a Câmara cumpre a sua série Harry Potter. missão de fortalecer o mercado e ainda ajuPara selecionar as obras distribuídas da a ampliar a base de leitores”, explica. pelo projeto, foi feita uma lista dos livros Criador da marca do Minha Biblioteca, mais retirados por crianlançado em junho do ano ças em salas de leitura passado, Ziraldo também da cidade. Com base no está na lista de autores seleresultado, um grupo de cionados. Apontado como pedagogos aprovou os típadrinho do programa, tulos, que passaram a ser apareceu no lançamento negociados junto a 63 edida nova edição e disse que toras, com apoio da CBL. gosta do projeto porque ele O acordo resultou em um resgata a função principal desconto de 60% no preço da escola, que é ensinar. de catálogo. “Esse projeto é fantástico. Rosely Boschini, preEle coloca a leitura, o livro, sidente da Câmara Brasidentro da casa do aluno, no leira do Livro, diz que a cotidiano da família braZiraldo: a leitura é a coisa mais criação do projeto foi um sileira. A leitura é a coisa importante na escola desejo do secretário mumais importante na escola.” nicipal de Educação de São Paulo, AlexanA presidente da CBL diz que investir dre Schneider: “Ele queria que as crianças na leitura é fundamental para garantir às recebessem livros, que os tivessem. Então, gerações futuras um País melhor. “O gosa Câmara passou a desenvolver um projeto to pela leitura se adquire na infância, e o em que os alunos pudessem ter essa sensaMinha Biblioteca alcança diretamente esse ção de pertencimento, de propriedade do público. Os frutos desta iniciativa com a livro. Além de poderem desfrutar da leitura Prefeitura nós vamos colher daqui a alguns P com a sua família, em casa.” Ela afirma que anos”, afirma ela.



Políticas Políticas Públicas Públicas

Uma secretaria para o livro Manifesto das entidades do livro pede ao Ministério da Cultura a recriação do órgão extinto pelo governo em 2003 Foto: Arquivo CBL

A manhã era de festa, 14 de Estado, iniciativa privada e agosto. Primeiro dia de Bienal do sociedade em torno do tema. Livro, em São Paulo. O auditório, “Estamos vivendo um momontado no Parque de Exposimento ímpar em que todas as ções Anhembi, lotado por lideranentidades do livro travam um ças do mundo do livro, militantes bom diálogo e batalham pelas da causa da leitura, convidados e mesmas conquistas”, diz a autoridades. presidente da CBL. Foi ali, sob os aplausos da plaUm dos argumentos usatéia, que a presidente da Câmara dos por lideranças do mercaBrasileira do Livro (CBL), Rosely do editorial que defendem a Boschini, anunciou, em seu discausa, que também é abraçada curso de abertura da Bienal, o pelos instituições e lideranças manifesto das entidades do livro da cadeia mediadora da leitura, no Brasil em favor da recriação é a necessidade de uma maior da Secretaria Nacional do Livro institucionalização da questão e Leitura. Em seguida, entregou do livro e da leitura no Brasil. o documento ao ministro interino “A causa do livro tem aquilo da Cultura, Juca Ferreira. Emboque a gestão do Ministério da ra poucos soubessem, Juca havia Cultura cultiva de maneira sido confirmado no cargo pelo Rosely Boschini entrega manifesto para o ministro Juca Ferreira mais forte, que é a transversapresidente Luiz Inácio Lula da Sillidade. Por isso, não pode ficar va na véspera do evento e tomaria posse de distante do poder central”, avalia o secretábência. Mas logo o Ministério da Cultura modo efetivo no dia 28. rio-executivo do Plano Nacional do Livro e percebeu que a Biblioteca Nacional, localiA Secretaria Nacional do Livro e LeiLeitura (PNLL), José Castilho Marques Neto. zada no Rio de Janeiro e com uma vocação tura foi criada pelo professor Otaviano de A recriação da secretaria, segundo ele, para guardar e conservar um dos maiores Fiori em 1995, no segundo ano do primeiro seria um grande reforço ao PNLL, que é patrimônios literários do mundo, monomandato do presidente Fernando Henrique vinculado aos ministérios da Educação e da poliza todas as atenções da fundação que Cardoso. À época, a pasta veio em substiCultura. Jeferson Assumção, coordenador leva seu nome. O então ministro Gilberto tuição ao antigo Instituto Nacional do Livro, da área do Livro e da Leitura no MinistéGil, que chegou a levar a pequena estrutura fechado no governo de Fernando Collor. Em rio da Cultura, também é favorável: “a seque sobrou para seu próprio gabinete, fez, 2003, pouco depois da morte do poeta Waly cretaria colocaria o livro e a leitura à altura então, várias tentativas, colocando-a, proviSalomão, último a comandar a secretaria, ela soriamente, em secretarias como Programa do que eles representam para a economia foi extinta. Desde então, a questão do livro e nacional”. e Projetos, Políticas Culturais e na Executiva. da leitura ficou sem um órgão específico no Tão logo foi anunciado pela presidente Não deu certo. governo federal. da CBL na abertura da Bienal, o manifesto Para a CBL, que encabeçou a organizaHouve uma tentativa para que a Fundaem favor da recriação da secretaria ganhou ção do manifesto, a recriação da secretaria ção Biblioteca Nacional assumisse a incumo apoio de escritores, editores, livreiros, biiria coroar um período de sinergia entre

Maior institucionalidade, diz Di Fiori O professor Otaviano Di Fiori, responsável pela criação da Secretaria Nacional do Livro e Leitura no governo FHC, diz ser favorável à recriação da pasta por um motivo muito simples: diz que toda e qualquer movimentação com vistas ao incentivo ao livro e à leitura no Brasil é muito importante para o 20 Panorama

Setembro 2008

País tornar-se uma nação de leitores. “É preciso fazer com que os brasileiros tomem a leitura como uma questão de vida ou de morte para o desenvolvimento econômico e social do País”, apregoa. O próprio Di Fiori, no entanto, não acredita que só a reabertura da secretaria seja suficiente para surtir, solitariamente, os efeitos desejados para ampliar a presença do livro no Brasil. Para ele, que hoje atua no Instituto Brasil Leitor, o maior entrave está justamente na sua subordinação ao Ministério da Cultura, uma pasta modesta e com um dos menores

orçamentos na Esplanada dos Ministérios. Ele lembra que sua motivação na época em que criou a secretaria era a necessidade de se implementar políticas públicas focadas na população e não na criação. A intenção era fomentar a cultura do livro no País. “Vimos que o Ministério da Cultura tratava das necessidades do povo da cultura, com leis de incentivo e financiamento de projetos e iniciativas. Ao mesmo tempo, não havia quem tratasse da cultura do povo. Dos interesses da população nessa área”, lembra. Hoje, Otaviano Di Fiori enxerga com bons


Políticas Públicas

Parlamento pelo leitura Deputados e senadores criam no Congresso a Frente Palamentar da Leitura Foto: Fanca Cortez

bliotecários, trabalhadores da cadeia produtiva do livro e da cadeia mediadora da leitura e militantes da causa em geral. Personalidades como os escritores Moacyr Scliar e Nélida Piñon, da Academia Brasileira de Letras, anunciaram apoio. A presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), Sônia Machado Jardim, defende que o Ministério da Cultura dê peso mais significativo ao tema. “Tendo uma secretaria voltada unicamente para questões do setor, certamente haverá uma ampliação dos programas de incentivo à leitura dentro do governo”, acredita ela. Além disso, os apoiadores da causa dizem que a medida é imprescindível para no futuro não haver recuos e ainda fortalecer as políticas setoriais. “Será um novo e bom canal de diálogo entre os livreiros e o governo federal”, aposta o presidente da Associação nacional de Livrarias (ANL), Vitor Tavares. O Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB) ainda não discutiu internamente sobre a recriação da secretaria, mas sua presidente, Nêmora Rodrigues, só teme que a burocracia dificulte as relações entre governo e os profissionais da área. De maneira geral, as entidades do mundo do livro, como deixaram claro no documento entregue ao ministro da Cultura, estão entusiasmadas diante da possibilidade. É hora de reforçar a musculatura política, a organicidade administrativa e a capacidade gerencial e operativa de um setor tão fundamental para a construção da cidadania, apregoa o texto. O presidente da União Brasileira de Escritores (UBE), Levi Bucalem Ferrari, assina embaixo: “o manifesto é oportuno e necessário”. P olhos as várias iniciativas espalhadas pelo País e que, em sua opinião, desempenham bem esse papel. E cita como exemplo o PNLL, que considera uma evolução natural da sua secretaria. À época, diz, ele tentou desenvolver alguma ação conjunta em benefício do mercado envolvendo os ministérios da Cultura e da Educação, feito alcançado pelo plano, que foi criado em 2006. Para tornar o Brasil um País de leitores, di Fiori diz que é fundamental que o órgão tenha força real e que seja muito maior que uma secretaria.

Na manhã do dia 14 de agosto, exatamente dois anos após a publicação do ato que tornou oficial o Plano Nacional do Livro e Leitura, o deputado federal Marcelo Almeida (PMDB-PR), subiu ao palco do Memorial da América Latina, em São Paulo, onde se realizava o II Fórum do PNLL, para dar a boa notícia. Estava criada a Frente Parlamentar da Leitura, composta por 232 deputados e senadores e um velho sonho do mundo do livro no Brasil. A idéia do parlamentar, ele próprio um leitor voraz que lê quatro livros por mês e coordena pessoalmente um clube de leitura em Curitiba, é propor, defender e articular a aprovação de leis em favor da leitura no País. A primeira reunião com integrantes da frente está prevista para setembro, mas, antes mesmo disso, ele deve se reunir com os principais dirigentes da área para tentar criar uma agenda para o livro. Marcelo Almeida, coordenador da Frente Parlamentar da Leitura, falou à Panorama sobre sua criação e o que pode ser feito no Congresso pelo tema. Qual é a principal meta da Frente Parlamentar da Leitura? A idéia da frente é ouvir as pessoas e dar visibilidade às práticas de incentivo à leitura no Brasil, sejam governamentais ou não. Ela pretende também ser também uma apoiadora desse tema junto ao governo, além de desenvolver ações específicas no Congresso, que é criar legislações pertinentes. É por isso que a sua primeira tarefa será ajudar a criar o Fundo Pró-Leitura. O que falta para o projeto do fundo sair do papel? Desde que o governo federal zerou a cobrança de PIS/Pasep e Cofins para a indústria editorial, em dezembro de 2004, o mercado editorial se ofereceu para contribuir com uma taxa mensal para manter um fundo capaz de viabilizar as ações de incentivo ao livro e à leitura no País. Mas ainda há resistências no Ministério da Fazenda, que é contra a criação de taxas. É uma questão de doutrina tributária. O que está faltando é pressão política e é nisso que a frente vai entrar.

Almeida: porta-voz da causa no congresso

Já houve mais de uma negociação entre o Ministério da Cultura e o mercado editorial, que concordou em devolver 1% do seu faturamento bruto para viabilizar as ações do Plano Nacional do Livro e Leitura. Isso já dura quase quatro anos. O objetivo da Frente é justamente assumir essa pressão a partir de agora. Qual a importância de uma frente que batalhe pela causa do livro e leitura dentro do Congresso Nacional? A Câmara Brasileira do Livro, o Instituto Pró-Livro, as várias entidades da área mais as bienais, as feiras de livro, as secretarias estaduais e municipais fazem cada qual seu trabalho para fomentar a leitura no Brasil. Mas o próprio Congresso mesmo, que é a “casa do povo”, onde estão os representantes do País, não contava com um instrumento para falar diretamente com a população sobre o tema. Quais são as suas expectativas quando aos trabalhos do grupo? A frente vai dar certo porque trata de um assunto que não dá voto, no qual não tem corrupção, não tem dinheiro envolvido. Falar de leitura é mexer com sentimento. Quem batalha pela causa, faz porque gosta. Dificilmente nós vamos encontrar alguma barreira quanto a isso. Não queremos ser uma frente de retórica e só discurso. Queremos trabalhar de forma concreta P para estimular a leitura no País. Setembro 2008 Panorama 21


Bienal de SP

O balanço da megafesta do livro Avaliada positivamente pelos expositores e pelo público, a Bienal do Livro de São Paulo mira nos jovens leitores e atrai personalidades de fora do mercado já de olho em 2010

Foto: Fanca Cortez

Biblioteca do Instituto Pró-Livro: sucesso de público e crítica

A Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que celebrou em 2008 sua vigésima edição, chegou ao seu final com pelo menos uma grande lição: os jovens leitores devem ser encarados como prioridade nos grandes eventos do livro. Quem defende a tese com entusiasmo é a presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Rosely Boschini, que esteve à frente da megaAfesta dos livros e defendeu com unhas e dentes uma atenção especial às crianças e jovens. “Foi muito produtiva a forma criada para receber as crianças na Bienal e já não dá mais para voltar atrás”, avalia. O grande destaque da programação voltada para a garotada foi o projeto Ler é a Minha Praia, coordenada pela vice-presidente da CBL, Iris Borges. Montada num espaço de 2 mil m², a iniciativa promoveu, durante 11 dias, atividades simultâneas em dois palcos, uma oficina, uma arena e, ainda, a Biblioteca Viva, do Instituto Pró-Livro, que tornou-se uma das principais atrações da Bienal. Também partiram dali as visitas orientadas dos milhares de alunos aos estandes da feira que ofereceram algum tipo de atividade voltada a esse público. Um desses expositores foi o Sesc, que atraiu um grande número de crianças para o seu espaço, onde havia uma tela interativa com jogos multimídia especialmente projetados para o público infantil. O estande da entidade ainda contou com um projeto cenográfico especial e uma arena de atividades, que promoveu meia centena de atrações durante a Bienal. Para o gerente das Edições Sesc SP, Marcos Lepiscopo, a res-

22 Panorama

Setembro 2008

posta positiva do público teve importância fundamental no trabalho de aproximação que a editora busca com os leitores. Muitas editoras informaram ter vendido bem mais do que nas outras Bienais de São Paulo. A Editora Senac, por exemplo, aumentou em 10% as vendas com relação ao movimento da Bienal anterior. “Foi um sucesso”, afirma o gerente Marcus Vinicius Barili Alves. Já a distribuidora Superpedido conseguiu planejar melhor sua participação e aproveitou os dias de feira para demonstrar o funcionamento de seu portal aos clientes e parceiros, que inclui um novo sistema de banco de dados para livreiros. “Fizemos ótimos contatos com livreiros, especialmente do Norte e Nordeste”, afirma a gerente comercial da editora Sextante, Corina Campos. “Um ponto positivo foi a volta dos compradores estrangeiros”, diz Breno Lerner, da Melhoramentos. “Superou nossas expectativas”, emenda Daniela Coelho, do Sebo do Messias, que participou pela primeira vez. A principal queixa dos expositores foi com relação à diminuição do público esperado. Nas reuniões convocadas pela CBL para avaliar a Bienal, editores e livreiros sugeriram para 2010 um maior esforço de comunicação e o fortalecimento da programação cultural paralela. Realizada pela segunda vez no Parque de Exposições do Anhembi, a Bienal do Livro de São Paulo, uma gigantesca livraria com 2 milhões de livros expostos, terminou com um saldo de 684 horas de atividades para todas as idades. O Instituto Datacultura mostrou que ela foi avaliada positivamente por 88% dos visitantes, que deram uma nota de 8,4 numa escala de 0 a 10. As novidades e lançamentos oferecidos pelas editoras receberam nota ainda melhor: 8,8. Apesar de não ter sido batido o recorde de público de 2006, com o total de visitantes chegando a 728 mil pessoas (9% a menos que na última edição), a média de livros comprados por consumidor subiu de 3 para 4,9 em dois anos. Quanto aos valores, o percentual de consumidores que gastaram mais de R$ 100,00 subiu de 27% para 28%. Na avaliação de Rosely Boschini, o evento cumpriu seu papel ao colocar a questão do livro e da leitura em evidência e abrir novas perspectivas para o futuro: “A Bienal tem um efeito residual que se estende por muito tempo depois de seu encerramento, com reflexo tanto nas vendas nas livrarias P quanto no debate cultural.”


Foto: Fanca Cortez


Ponto de Vista

Festa do livro Moacyr Scliar

Foto: Fanca Cortez

“É tempo de celebrar”: o título que Rosely Boschini, presidente da Câmara Brasileira do Livro, deu ao texto em que, na revista Panorama, anunciou a vigésima edição da Bienal de Livro de São Paulo, revelou-se absolutamente profético. Porque a Bienal, que levou ao amplo espaço do Anhembi uma enorme e alegre multidão de leitores de todas as idades, foi mesmo uma celebração. Uma celebração do livro e da cultura, que se expressou no extenso programa de atividades: palestras, debates, shows. Celebração evoca festa, evoca júbilo. O que poderia implicar certa contradição: afinal, o texto escrito tem uma aura de seriedade, de respeito. Não por acaso as grandes religiões expressam seus fundamentos históricos e éticos em livros: o Antigo Testamento, os Evangelhos, o Corão. E não por acaso a biblioteca de Alexandria, no Egito, que pretendia concentrar todo o conhecimento do mundo, tornou-se lendária. Isto, somado ao fato de que, durante milênios, o analfabetismo foi a regra entre seres humanos, explica o poder intimidante que o texto exerceu, e ainda exerce, para muitas pessoas. A invenção do livro ajudou a democratizar o saber, mas ficou claro que para isso o próprio livro também precisaria ser democratizado, colocado ao alcance de todos, crianças e adultos, homens e mulheres, pobres e ricos. E mais, era preciso proporcionar encontros entre leitores e livros de maneira informal, descontraída, festiva. Pois é justamente o que a Bienal faz. Era só olhar as pessoas que percorriam as dezenas de estandes: claramente viviam um momento de felicidade e até de deslumbramento. Para o Brasil, isto é uma glória. Precisamos desesperadamente de estímulos para a leitura. O estudo realizado pelo Instituto Pró-Livro mostra que cerca de 77 milhões de brasileiros, a maioria adultos, lêem pouco ou nada. Mas isto não é uma fatalidade, não é coisa do destino: entre as pessoas com curso superior, 98% são leitoras. Esta proporção tem de servir como meta para o trabalho de estímulo à leitura. É preciso ir em

busca dos leitores, despertando neles o prazer de ler, que é, segundo o mestre Antônio Cândido (que recentemente completou 90 anos), o grande meio de atrair as pessoas para o livro. Criatividade é palavra-chave. A CBL deu um exemplo, com o projeto “Livro de Todos”, uma obra coletiva que mobilizou 175 jovens escritores (estreantes, em sua maioria) via Internet, que tiveram trabalhos selecionados por uma comissão editorial da Imprensa Oficial de SP, coordenada pelo jornalista Almyr Gajardoni. O site foi visitado por nada menos que 15 mil pessoas. A mim coube escrever o primeiro capítulo, que fala do misterioso roubo do computador de um garoto, no qual estava o texto de um livro por ele escrito. Por que seria importante esse texto, foi a pergunta que deixei para ser respondida. E foi muito bem respondida. O livro é ótimo. O governo tem um papel importante a desempenhar na formação de leitores. Não por acaso o Plano Nacional do Livro e da Literatura, coordenado pelo intrépido José Castilho, organizou, simultaneamente à Bienal, um fórum sobre leitura. A presença do ministro Juca Ferreira, um batalhador do texto, conhecido pela competência e pela dedicação, é uma garantia neste sentido. Recentemente, as entidades do livro apelaram ao Ministério da Cultura para que se recrie a antiga Secretaria Nacional do Livro e da Leitura. É uma medida que ajudará a instrumentalizar os numerosos e excelentes projetos que constantemente surgem na área. A presidente Rosely Boschini tem razão. Este é mesmo um tempo de celebração. P Moacyr Scliar é escritor e membro da Academia Brasileira de Letras

24 Panorama

Setembro 2008


Socialmente Responsável

Um livreiro que vende (e doa) livros Pedro Herz, da Livraria Cultura, leva adiante parceria que garante acesso de jovens favelados a livros e autores Ser dono da maior megalivraria do Chalita, Nélida Piñon e Irene Ravache, que desses autores com cerca de 400 crianças Brasil não é suficiente para Pedro Herz: ele falam de suas obras e também de responsaque integram o projeto de apoio às escolas quer mais. Sim, mais livrarias – já inaugubilidade social. A idéia do projeto partiu de da favela de Paraisópolis, Crescer Sempre, e rou algumas outras, além da campeã, que Chalita, ex-secretário da Educação do Esa doação de livros para a biblioteca da insem maio completou um ano em suas notado de São Paulo. Já o nome foi escolhido tituição. Nesse caso, também a união faz a vas instalações na Avenida Paulista, força: Livraria Cultura, autores e ediFoto: Fanca Cortez em São Paulo. Herz quer mais e não tores, cada um fazendo sua parte para só como empresário e sim também ajudar a favela a ter acesso aos livros como cidadão que tem esperança de e, assim, melhorar as perspectivas de ver um número maior de leitores nas vida do lugar. Cada estudante da cofaixas mais pobres da população. munidade chega a ler até 12 livros por Para isso, ele lidera alguns projetos ano, algo que fica acima da média de que, quase em silêncio, ajudam a atepaíses desenvolvidos. nuar problemas em favelas da perifePedro Herz mantém a convicção ria da cidade ou encravadas em bairde que são os pais que devem motivar ros elegantes, como a Paraisópolis, jovens e crianças a ler. “Se um adulto no Morumbi. não lê, não dá para querer que seu fiPedro Herz, de 66 anos, aprenlho leia”, explica. “Esse é o caminho. deu com a mãe, Eva Herz, que nos Os pais apontam o caminho.” Concoranos 1940 começou a emprestar lida que os governos também devem vros e, depois, alugar – ponto de contribuir para despertar nas crianças partida para a criação da Livraria a paixão pelos livros e leitura, mas faz Cultura. Hoje, Eva é nome de teatro uma ressalva: ”Infelizmente, temos na enorme e moderna Cultura da inúmeros municípios no Brasil que Avenida Paulista, onde Herz costunão contam com uma só biblioteca, o ma acompanhar todos os eventos que prejudica as classes mais baixas. de lançamento de livros e conversar Empresas também podem e devem com os clientes. fazer sua parte, por meio de projetos Uma das promoções de sucesso sociais. No entanto, seja qual for o poda empresa é Circuito da Palavra, Herz: pais devem dar o exemplo der aquisitivo da família, é fundamenque consiste numa série de palestras tal que os pais participem da tarefa de e debates com autores, como Ignácio de pelo próprio Herz. empurrar os filhos para os livros, para a culP Fazem parte do programa o encontro Loyola Brandão, Sílvio de Abreu, Gabriel tura, para a formação profissional.”

Ethos surgiu para estimular responsabilidade social das empresas Para o gerente de Políticas Públicas do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Caio Magri, é fundamental que as empresas brasileiras de todos os setores se preocupem com as comunidades. “O pacto empresarial é uma iniciativa importante no mundo e traz propostas concretas para uma postura de responsabilidade social”, afirma ele. O Ethos, acrescenta, tem contribuído para o avanço do movimento de responsabilidade social empresarial no Brasil orientado pela visão de que a in-

corporação de objetivos sociais e ambientais às metas econômicas das empresas é parte indispensável do modelo de desenvolvimento de uma sociedade sustentável. Com mais de 1.300 empresas associadas, o Instituto Ethos, fundado em 1998, presidido por Ricardo Young, tem como vice-presidente executivo Paulo Itacarambi, e mantém nos Conselho Deliberativo e Conselho Consultivo empresários conhecidos como Oded Grajew, um dos pioneiros dos movimentos de responsabilidade social no País.

Grajew também fundou, nos anos 1980, a Abrinq, Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos, que deu origem em 1990 à Fundação Abrinq. Agora presidente do Conselho Deliberativo do Ethos e líder do Movimento Nossa São Paulo, ele explica: “Se o Brasil avançou no respeito aos direitos humanos, isso se deve, em grande parte, às ONGs, à sociedade civil organizada. Quem participa desse movimento contribui para abrir novos e promissores horizontes.” Setembro 2008 Panorama 25


Boa Idéia

O mundo é uma biblioteca Rede literária Bookcrossing, que estimula a troca de livros, chega ao Brasil com 4 mil adeptos Foto: Fanca Cortez

Helena: presença em 130 países e mais de 700 mil leitores Em vez de guardar livros na estante de casa, você se importaria em abandonálos em locais públicos para serem lidos por outras pessoas? Se a sua reposta é “não”, saiba que centenas de milhares de pessoas espalhadas pelos quatro cantos do mundo pensam de modo diferente. E o raciocínio é simples: para elas, essa é uma forma de tornar o acesso à leitura verdadeiramente universal. É esse, basicamente, o conceito do BookCrossing, criado em 2001 pelo americano Ron Hornbaker, hoje com 5 milhões de livros registrados. O projeto estimula a prática de deixar um livro num local público para ser encontrado e lido por outras pessoas, que continuarão a corrente. Para isso, o sistema oferece um mecanismo de rastreamento. Quem quiser fazer parte da comunidade, só precisará se cadastrar no www.bookcrossing.com e ter um número de identificação para cada obra, que deve ser colada em uma etiqueta ou anotada à mão. Para facilitar a brincadeira, os leitores podem incluir no livro um bilhete explicando do que se trata o projeto e convidando o novo dono a entrar no site e informar que encontrou aquele exemplar. Terminada a leitura, o livro é passado para outra pessoa ou deixado em local público, dando conti26 Panorama

Agosto 2008

nuidade à corrente. Pelo site, os participantes ainda podem se comunicar uns com os outros e trocar livros pelo correio. Quase 700 mil pessoas de 130 países já se cadastraram no BookCrossing. Dessas, mais de 4 mil estão no Brasil. Com cerca de mil usuários, São Paulo é a cidade com o maior número de participantes do País. E é também onde surgiu a primeira Zona Oficial de Troca de Livros. O ponto, criado em 2007 no Bar e Restaurante Central das Artes, no bairro de Perdizes, foi uma iniciativa da relações públicas Helena Castello Branco. Em 2006, ela ouviu de um amigo que a novidade de abandonar livros já fazia sucesso nos Estados Unidos. Interessada na idéia, Helena consultou os coordenadores do projeto, recebeu detalhes e passou a pedir doações de livros aos amigos. Reuniu 100 exemplares e, um ano depois, lançou uma zona oficial do BookCrossing no bar. A partir daí, Helena se tornou uma verdadeira entusiasta da idéia. Continuou reunindo doações e divulgando a fórmula em eventos culturais, em que aproveita para distribuir livros. Em junho deste ano, foi uma das responsáveis pela abertura da terceira zona oficial do Brasil em São Francisco Xavier, no município de São José dos

Campos (SP). Esse lançamento ocorreu durante o Festival da Mantiqueira, que atraiu escritores. Um segundo ponto já havia sido aberto no Rio de Janeiro, por outro grupo: no Lunático Café e Cultura, no região do Jardim Botânico. Até agora, essas três são as únicas zonas oficiais de troca de livros no Brasil, mas Helena, que se tornou coordenadora do projeto no País, mostra ambição de ampliar a rede. Ela tem se reunido com diversas empresas para expandir a idéia por pontos da periferia e do centro da cidade de São Paulo e também por outros municípios brasileiros. O objetivo é abrir, até o final do ano, cerca de 30 novas zonas. Ao lado de outros adeptos da experiência no Brasil, Helena é responsável pela criação da versão em português do site, lançado em agosto. Apesar de usar o mesmo banco de dados do BookCrossing americano para registrar usuários e obras, a nova página traz notícias sobre o que acontece com o projeto no Brasil. À margem do sucesso que o BookCrossing faz no Brasil, alguns projetos pegam carona na idéia da corrente literária. E o modo é quase despretensioso. Um deles é o Livro Livre, que desde 2007 funciona no café Grão Mestre, em Brasília. O proprietário do lugar, Edmir Passos, soube da novidade por uma amiga e gostou da fórmula. Reservou uma estante no espaço para armazenar os livros conseguidos com moradores vizinhos e abriu as portas para quem quisesse retirar ou entregar uma obra. Desde que foi criado, o projeto já teve cerca de mil livros registrados. Mas Edmir acredita que um número muito maior de obras já tenha passado de mão em mão em seu café. Isso porque ninguém precisa se cadastrar para doar ou retirar um livro. A maior parte das pessoas que freqüenta o espaço sequer conhece o site que inspirou a iniciativa. Para Edmir, o importante é estimular a leitura. Em São Paulo, Helena Castello Branco compartilha aquela opinião. “Sou a favor de que as pessoas leiam e passem os livros para diante, independentemente de seguirem à risca o que diz o site”, explica. “Se outros estabelecimentos comerciais tiverem essa idéia, contribuirão para aumentar os P índices de leitura no Brasil.”


Outras Mídias O Livro no Jornal

Respeitado no meio intelectual brasileiro, e, sobretudo, entre escritores, o jornal Rascunho aproveitou a Bienal Internacional do Livro, em São Paulo, para comemorar sua centésima edição. Especializada em literatura, a publicação surgiu em Curitiba em 2000. O responsável por sua criação foi Rogério Pereira, quem afirma que o veículo continua a servir como um “amplo palco para as discussões literárias”. Atualmente, Rascunho circula com 32 páginas e uma tiragem de 5 mil exemplares. As pautas são, em geral, amplamente discutidas entre o editor e os cerca de 50 colaboradores do jornal. Além de dar maior vigor e substância ao jornal, explica Pereira, também é uma forma de tentar

evitar as tradicionais “panelinhas literárias”, o que, de acordo com ele, é uma constante ameaça na vida dos veículos especializados em literatura. A ampliação dos espaços sobre o tema na mídia, na opinião do editor, está longe de ser suficiente para fomentar a prática da leitura no País: “O incentivo à leitura deve partir da família, passando pela escola, e se disseminar na sociedade. Sei que isso é um lugar-comum, mas ainda funciona muito bem. O hábito da leitura deve ser construído desde cedo. Não há fórmulas mágicas. Mas é claro que quanto mais Rascunhos houver espalhados pelo Brasil, melhor.” O Rascunho é distribuído entre as-

O Livro na Internet

Blog Pontolit inova

Foto: Patrícia Sotello

A popularização dos blogs na web já não é novidade até quando se trata do mundo literário. Mas despertam a atenção os blogs criativos e, ao mesmo tempo, informativos. É o caso de Pontolit, destinado a quem gosta de leitura: vem ganhando cada vez mais espaço na navegação dos internautas. O blog é dividido em diversas categorias (crônicas, contos, resenhas, biografias, bibliotecas, destaques) para facilitar o acesso dos usuários de acordo com seus interesses. Além disso, segundo o fundador, Cláudio Soares, autor de Santos Dumont Número 8, o Pontolit tornou-se um catalisador de idéias. “Buscamos sempre a melhor composição entre formato e conteúdo. Pretendemos evoluir para um conceito cada vez maior de interatividade e personalização, com o leitor montando seu próprio ambiente (e experiência) de leitura”, diz Cláudio. No setor de biografias, por exemplo, é possível acessar a vida e os fatos de inúmeros autores brasileiros e estrangeiros. E o blog é atualizado com freqüência, o que anima seu público a procurar as novidades. Para Soares, a leitura por meio da internet chegou e se consolidou para somar com o hábito de ler. “Precisávamos ampliar nossa idéia de livro. O conceito do livro como agregador de informação não muda, mas é enriquecido pela tecnologia”. O blog está em funcionamento desde julho de 2007 e já recebeu mais de 700 mil visitas. www.pontolit.com.br

sinantes e também de cortesias em todo o País. T a m bém há um sistema de distribuição em livrarias, sebos, cafés e bibliotecas. Seu públicoalvo é formado por escritores, jornalistas, editores, estudantes e pessoas que buscam saber um pouco mais sobre literatura. rascunho@ronda.com.br

Foto: Matheus Dias

A 100ª edição do Rascunho

Rogério Pereira

rádio O livro no

na USP FM ra o n o S a c te o Bibli s ículos moderno

vários ve lular lmente haver são, telefone ce Apesar de atua ão, como televi idaaç ic tiv un ra te m in co de da de difusão ssibilidades po as su eio m as s se toda rádio. Es e internet (com o velho e bom ra s pa da ço on pa de es o te por mei de), ainda exis a informação de va le po e m qu bé , m ão ta aç de comunic cance no Brasil, é possui maior al to de ler. Essa sonoras e que eminar o hábi ss , di SP ra U pa o l di na ca ra, da Rá ser um ótimo Biblioteca Sono de a la m ra co Es og pr la pe a proposta do ncourt, mestre r Marcello Bitte de São Paulo. produzido po Universidade da ) A C vá(E es rt eA e já produziu Comunicação USP há 24 anos o ela di qu rá na na ra ua itu livro e à le Bittencourt at ao os ad lig ul São Pa o, ogramas rios outros pr niversitária, em U e ad r id C na fica , como o melho emissora, que Jabuti, em 1984 s io . êm 97 Pr 19 os em tendo recebido migo do Livro, ros, e Jabuti A Sonora, Bittenca te io bl Bi programa de liv a ele do program os abordados, No comando lher os assunt co de es da ra ci pa pa e, ca qu livro, a court garante rá o conteúdo do de za ri po io ra pr ob te a teresse que primeiramen in o e r am sa er es ec expr e conh do autor de se me falaram qu e ouvintes que tiv , explica. á a” “J m r. ra ta og er desp razão do pr em s re ra, Bittento au le os s ligados à itu impordeterminad ho al ab tr em do rem Sempre engaja rádios e TVs da fato de poucas se o mesmo o es ta tiv en ro m la liv t cour em dia. “Se o je ho , to de futebol, bi a há a uma partid tância a esse ou s la ve no dado às espaço que é tro país.” s pela rádio dúvida, um ou m se , os seríam todos os sábado ar ao i va ra s de rádio no So ho Biblioteca a nos aparel ad iz on nt si r pode se USP FM, que z. H m ,7 em 93

Cláudio Soares fundador do blog Setembro 2008 Panorama 27


Foto: Fanca Cortez

Capa

Cristina Albuquerque, gerente de produtos da Plugme

O futuro já chegou Com um olho na desastrada experiência da indústria da música e outro nas novidades que surgem no mercado mundial, editoras brasileiras tentam antecipar o livro do futuro

28 Panorama

Setembro 2008


Criado por um americano de 19 anos na época, o site de compartilhamento de arquivos Napster tornou-se sinônimo de ruptura. Num piscar de olhos, a indústria fonográfica perdeu totalmente o controle sobre sua principal fonte de receita: a música. Faixas e mais faixas, dos mais diversos gêneros e estilos, foram parar na web, oferecendo acesso gratuito a um conteúdo que, até então, era pago, para qualquer pessoa com um computador em mãos e acesso à internet. O download feito por essas pessoas era e é ilegal, pois prescinde do pagamento de direitos autorais aos seus donos. O Napster foi processado judicialmente e, hoje, está dentro das leis. Isso não significa, no entanto, que a atividade virtual acabou. Tanto é que a indústria fonográfica continua encolhendo. Não seria exagero afirmar que o setor nunca mais foi o mesmo desde que Shawn Fanning colocou no ar, em 1999, a primeira versão do portal. O espanto e a resistência das companhias em entender o significado do Napster foram tão grandes que o setor ainda não se recuperou. Em 2000, a indústria fonográfica movimentou US$ 36,9 bilhões em vendas ao consumidor final em todo o planeta, segundo a instituição que representa o setor mundialmente, o IFPI. Em 2007, esse número despencou para US$ 29,9 bilhões. Passados quase dez anos do surgimento do primeiro site de compartilhamento virtual e após a indústria ter perdido quase 20% de sua receita, os executivos reconhecem que demoraram para tomar uma atitude. Os especialistas advertem que, agora, resta que outras indústrias de bens culturais olhem para o passado – e para o presente – de seus companheiros para não cometerem o mesmo erro. “Nós não temos o direito de sofrer a barrigada que a indústria fonográfica cometeu”, afirma Leila Name, diretora de produção editorial e gráfica da Nova Fronteira, selo do grupo Ediouro. Leila e outros executivos do grupo reuniram-se num fim de semana para pensar sobre a questão do conteúdo digital. A Ediouro contratou até um profissional do setor de tecnologia da informação para auxiliá-los nesse processo. Nada parecido com o que aconteceu com a indústria fonográfica está a caminho do mercado editorial. Ao contrário da música, os livros têm uma ligação emocional forte com os consumidores. A pesquisa mundial Media Predictions – TMT Trends 2008, realizada pela consultoria Deloitte, afirma que “a tecnologia, não importa quão boa ou barata possa ser, talvez nunca consiga competir com a nossa ligação sentimental com o livro. Algumas mí-

dias, como o livro, a revista e o jornal, são exemplos de que continuarão a perdurar em seus formatos existentes”. Isso não significa, no entanto, que o setor pode se acomodar. A Sociedade dos Autores, uma organização que representa mais de 8,5 mil escritores profissionais da Inglaterra, alertou para a demora em oferecer conteúdo digital legal na rede. Em março deste ano, a instituição informou que a pirataria virtual tem afetado obras em que o leitor não precisa ter acesso a todo o conteúdo, como os títulos de gastronomia, de poesia, guias de viagem e contos. Algumas personalidades famosas têm sido as mais vulneráveis. Em 2003, um e-mail dizia oferecer uma cópia completa do título mais recente de receitas do popular chefe inglês Ja-

mie Oliver na época. A editora responsável pela obra de Oliver afirmou ser um trote: o conteúdo oferecido era uma compilação de edições já publicadas. Em julho de 2007, foi a vez de “Harry Potter e as Relíquias da Morte”, o sétimo título da série criada pela inglesa J.K. Rowling, cair na rede. Quatro dias antes de ser lançada, a obra podia ser encontrada em sites. Uma tradução chinesa gratuita tornou-se disponível antes da versão oficial da língua chegar ao país. Algumas editoras têm preferido se antecipar à era digital. “O mundo monopolizado pelo livro impresso de papel, um formato existente há cinco séculos, morreu”, diz Richard Uribe, subdiretor do Livro e Desenvolvimento do Centro Regional de Fomento do Livro na América Latina e no Caribe (Cerlalc), um organismo vinculado à Unesco. “A importância do livro impres-

Foto: Divulgação

Marcus Vinícius, do Senac

Setembro 2008 Panorama 29


Capa

Foto: Fanca Cortez

Richard Uribe, do Cerlalc

30 Panorama

Setembro 2008

so não acabou. Porém, é preciso aprender a conviver com outros formatos. A leitura continua tendo valor na vida das pessoas. Há diferença se é no papel ou em algum aparelho digital?” A dúvida lançada por Uribe deve ficar no ar por mais alguns anos. Nem mesmo a indústria fonográfica encontrou um novo modelo de negócio lucrativo para substituir a forma com que se lidava com música antes do Napster. Por enquanto, o mercado editorial experimenta – os testes são inúmeros e diversificados. A Nova Fronteira, por exemplo, lançou-se na internet pela primeira vez no início desta década. Com um acordo com a gigante brasileira do varejo online Submarino, a editora ofereceu o download gratuito da obra Miséria e grandeza do amor de Benedita, do escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, um ano antes de lançá-lo na versão física. “Tivemos cerca de 12,5 mil downloads”, lembra Leila. “E nada impediu que o livro vendesse 30 mil exemplares ao longo do tempo.” Em 2006, a casa fez outro teste. No cinqüentenário de Grande Sertão: Veredas, do mineiro João Guimarães Rosa, foram lançados, simultaneamente, uma edição de luxo, por mais de R$ 100,00; uma brochura, por R$ 59,00; um livro de bolso, por R$ 28,00, e a possibilidade de copiar o arquivo de graça na internet. A executiva afirma que nenhum formato prejudicou o outro. Agora, a Nova Fronteira e todo o grupo Ediouro preparam-se para um passo maior. Internamente, estuda-se um modelo de negócio viável para lançar um portal para venda de downloads de livros ou compra sob demanda. “Nós temos 89 títulos da Agatha Christie, mas não conseguimos manter todos eles ativos”, explica Leila. “Nesse portal, o consumidor terá a opção de comprar o arquivo ou pedir o livro impresso.” O processo de digitalização do acervo já começou. O portal, estima a executiva, deve entrar no ar em cerca de seis meses. Por enquanto, ainda se estuda a política de segurança do conteúdo e o preço do serviço. Alguns autores, como Thomas Mann, Simone de Beauvoir e Agatha Christie devem ser os primeiros a chegar à web com a nova proposta da editora. A política de segurança tem sido uma das principais questões para o mercado editorial. Na música, há tecnologias de segurança que proíbem a transferência de arquivos de um aparelho para o outro. Tanto a indústria fonográfica quanto a cinematográfica têm a opção do streaming também. Ou seja, o usuário precisa estar conectado à internet para ouvir ou ver o conteúdo. Porém, ele não faz o download do arquivo

para o computador – formato usado pelo site de vídeos You Tube, por exemplo. Para as editoras, é preciso definir como o usuário terá contato com o arquivo: ele poderá imprimir total ou parcialmente a obra? Será possível transferir o conteúdo para outros aparelhos? No mercado editorial, porém, este assunto ainda é uma barreira. Tanto a editora Senac quanto a Melhoramentos estudam o assunto. Marcus Vinicius Barili Alves, gerente geral e editor da Senac de São Paulo, afirma que a segurança é o principal ponto que impede a casa de vender seu conteúdo na rede. “Talvez tenhamos algumas idéias sobre isso na Feira de Frankfurt deste ano”, diz. No entanto, ele não se arrisca a prever quando que o projeto sairá do papel. Para chegar a alguma decisão, a Melhoramentos decidiu explorar as possibilidades de segurança com os escritores da casa. “Temos discutido com os autores para chegar a um consenso”, diz Breno Lerner, diretor-geral da editora. A idéia é lançar um serviço de venda do arquivo digital no próprio e-commerce da editora. “O site já está preparado tecnologicamente”, revela. A Melhoramentos oferece seus produtos em algumas mídias digitais há cerca de dez anos. A casa disponibiliza o dicionário Michaelis para intranet (rede interna das companhias), para dicionários online como o Babylon, para celulares e o Palm. “A linha digital do dicionário deve responder por 8% da receita do Michaelis em 2008”, diz Lerner. O executivo diz que a marca representa 35% do faturamento total da editora, sendo que o arquivo digital não influencia as vendas das obras em papel. Enquanto a definição sobre um padrão de segurança está longe do fim, a editora Senac oferece seu conteúdo na internet para a divulgação. Uma das primeiras a assinar um contrato com o projeto Google Book Search (Google Pesquisa de Livros), a editora já tem todo o seu catálogo ativo – cerca de 850 obras – digitalizado pelo gigante da tecnologia. Dependendo da busca dos usuários, as obras da Senac podem ser acessadas e o consumidor pode ser levado a um varejista online para adquirir o título. Atualmente, o acordo que a editora tem com o Google possibilita o acesso a cinco páginas corridas ou 20% do conteúdo do livro. “A degustação do conteúdo favorece a compra”, garante Alves. “Hoje, a taxa de conversão [usuários que pesquisam um livro da Senac e efetuam a compra] é de 10%. Entre os parceiros do programa, percebese que, quanto maior o volume de degustação, maior a taxa de conversão.” Por esse motivo, o executivo estuda ampliar a oferta de conteúdo gratuito no projeto de pesqui-


sa do Google. “Não há canibalização. Pelo de audiolivros Volume – e a Ediouro, está contrário, é uma alavanca para as vendas.” sendo lançado em setembro. Até agora, o A Livraria Cultura optou pelo mesmo Plugme vem sendo apresentado em alguns caminho da divulgação. Em outubro, a rede eventos de livros, como a Festa Literária anunciou um acordo com o projeto de pesInternacional de Paraty (FLIP) e a Bienal quisa do Google, o primeiro acordo deste Internacional do Livro de São Paulo. Com tipo no mundo. “A degustação virtual ajuum posicionamento jovem para o produto da a vender”, afirma Sergio Herz. Agora, – que até então era mais associado a consutodos os livros comercializados pelo site da midores com deficiência visual –, a estratélivraria que estão no Google Book Search, gia, agora, é encaixar as histórias narradas são oferecidos para o usuário experimentar. no dia-a-dia corrido das pessoas, especial“As obras digitalizadas pelo Google entram mente nos grandes centros urbanos. automaticamente na Livraria Cultura”, diz A principal aposta da editora, segundo ele. O executivo afirma que, com o hábito Cristina Albuquerque, gerente de produtos crescente de comprar livros pela internet no da Plugme, é em consumidores que pasBrasil, os consumidores demandam inforsam muito tempo no trânsito. “O potenmações para realizar a compra. cial para esse público é grande, pois existe A idéia de vender uma forte sensação Foto: Fanca Cortez conteúdo pela loja de tempo perdido”, virtual da Livraria afirma. “Mas o auCultura, por enquandiolivro não substito, não está nos platui o livro impresso. nos de Herz. “VendeCada um tem o seu mos arquivo digital espaço.” Os títulos entre 2001 e 2005”, variam de R$ 24,90 a diz. Mas o projeto R$ 29,90 e podem ser acabou não dando tão adquiridos em livracerto e o serviço foi rias (em CDs) e pelo desativado. Eram lidownload na intervros de R$ 9,00 a R$ net. Segundo a exe15,00, com uma ofercutiva, um dos printa de cerca de mil tícipais diferenciais tulos. O usuário comdo selo são as vozes prava o download e da narração: os conera possível imprimir sumidores provavelo conteúdo. “Vendía- Patrick Osinski, da Editora Volume mente reconhecemos super pouco. A rão muitas delas. O manutenção do site audiolivro A lição era mais cara do que a receita de vendas”, final, do professor americano Randy Pauslembra. ch, teve sua versão em português narrada Hoje, há algumas iniciativas pontupelo ator Paulo Betti. Enquanto que José ais, como o site eBook Reader, que oferece Wilker empresta a voz para Quando Nietalguns poucos títulos para a venda e mais zsche chorou. de mil obras gratuitas. A Fundação BiblioA Melhoramentos também voltou a teca Nacional, com sede no Rio, começou a testar, nos últimos dois anos, o livro faladigitalizar parte do seu acervo em 2001 e, do em seus títulos infantis. Inicialmente, assim como o portal Domínio Público, ofea editora preferiu experimentar o formato rece conteúdo gratuitamente. Para Herz, acoplando o CD às obras, “para acostumar talvez o mercado ainda não estivesse prono consumidor”, explica Lerner. O próximo to para esse tipo de consumo na época em passo será oferecer a mídia sozinha, a parque a Livraria Cultura lançou seu projeto. tir da volta às aulas de 2009. É o caso, por exemplo, do audiolivro. Apesar de tantas experiências e novos Parece que só agora o mercado está maduformatos, o livro no papel tem característiro para demandar o formato do livro falacas difíceis de serem imitadas, quanto mais do, que existe há décadas. A Melhoramensubstituídas. “Percebemos que tínhamos tos tentou trabalhar esse segmento há sete que agregar valor ao livro papel, principalanos atrás, ainda com as fitas cassetes, mas mente porque as crianças querem mais insem sucesso. Agora, no entanto, editoras teratividade”, diz Lerner. Isso não signifitêm investido nesse formato. O lançamento ca, no entanto, que o prazer de folhear uma do selo editorial Plugme, da Ediouro, mosobra ficará obsoleto. Mas, em época de rittra bem isso. mo frenético de lançamentos tecnológicos, O selo, uma parceria entre o francês ficar atento às novidades tornou-se um imradicado no Brasil, Patrick Osinski – que perativo. “Hoje, somos, antes de mais nada, P criou a editora especializada em downloads provedores de conteúdo”, resume o executivo da Melhoramentos.

Internautas são os que dedicam mais tempo à leitura A leitura em meios digitais já é uma realidade. O Brasil é um dos maiores mercados de computadores do mundo e o brasileiro adora navegar na web. São mais de 41 milhões de habitantes com acesso à internet no país, segundo o Ibope Net Ratings. Nesse novo cenário, os hábitos da população têm apresentado mudanças. A pesquisa Retratos da Leitura do Brasil, encomendada pelo Instituto Pró-Livro ao Ibope, mostra essa tendência: uma geração de brasileiros multimídia, ávida por obter informação e sem preconceitos em relação ao suporte em que consumirá esse conteúdo. Quando questionado sobre o que lêem, cerca de 50% dos entrevistados responderam consumir revistas, livros e jornais. A importância da internet, no entanto, é cada vez maior. A internet representou 20% das respostas nesse quesito e os livros digitais por 3%. O Portal Domínio Público pode ser um bom termômetro da demanda que existe – talvez até de forma reprimida – por conteúdo digital. No site do Ministério da Educação, já foram baixadas 7 milhões de cópias das 72 mil obras disponíveis no endereço virtual (www.dominiopublico.gov.br). A pesquisa também mostrou que os leitores que apreciam mais a leitura de textos na internet também são os que dedicam maior tempo para ler durante a semana. Embora esteja longe de figurar entre os números mais expressivos em quantidade de leitores – até porque ainda é modesto o percentual de brasileiros com acesso à internet, como o próprio estudo demonstrou – o dado é revelador. De acordo com os especialistas, ele pode indicar uma tendência futura de comportamento leitor da população.

Setembro 2008 Panorama 31


Mercado & Tendências

Como será a livraria do futuro? Livros de papel feitos na hora ou suportes digitais? Livreiros tentam antecipar cenários e as tendências desse mercado

Foto: Divulgação

O livro não acabará. Porém, como será a livraria do futuro? Os livros impressos dividirão o espaço com outros formatos de conteúdo? Será que, em alguns anos, os consumidores irão à livraria e poderão ver o livro sendo impresso na hora? Já existem equipamentos que permitem a impressão de apenas uma cópia, uma ferramenta interessante para imprimir obras fora de catálogo, não? Jorge Yunes, presidente do Instituto Pró-Livro e da Abrelivros, acredita que há um crescimento do livro sob demanda. “Há máquinas digitais que fazem pequenas tiragens, até uma única cópia, algo impensável há algum tempo”, diz ele. Um exercício que algumas editoras têm feito no varejo, nesse sentido, é fazer um teste pré-lançamento. Imprime-se uma tiragem menor da obra antes dela chegar oficialmente às prateleiras das livrarias para sentir a demanda no ponto-de-venda. Assim, o risco da primeira tiragem – geralmente uma decisão no escuro – diminui. Porém, ainda é muito difícil fazer um exercício de imaginação sobre como será a livraria do futuro. “Até porque acho que as livrarias físicas continuarão existindo com muito vigor. Mas considero inevitável que a tecnologia esteja presente nas livrarias. Editar um livro ou trecho de um livro, oferecer conteúdo digital, vender e-book reader, ter mídias alternativas ao papel. Tudo isso deve ocorrer. Em 10, 20 ou 30 anos. Difícil prever”, diz Samuel Seibel, dono da Livraria da Vila, empresa com lojas na Vila Madalena, Nos Jardins, no Shopping Cidade Jardim, em São Paulo. Por enquanto, o mundo virtual pode

32 Panorama

Setembro 2008

ser um bom indicador da demanda que existe por um novo tipo de consumo. Mas a disputa por conteúdo digital não será circunscrita apenas às próprias livrarias e suas respectivas lojas online. Na indústria fonográfica, pelo menos, os gigantes da tecnologia mostraram-se dispostos a ter parte desse mercado. No mercado editorial, principalmente dos Estados Unidos, os grupos do Vale do Silício não têm medido esforços para se tornarem líder numa categoria de produto ainda em formação. O Google, cujo projeto de digitalização de livros causa controvérsias, competia até o início do ano com a Microsoft, que investia no projeto Open Content Alliance (algo como Aliança por um Conteúdo Livre). Porém, em maio, a companhia fundada por Bill Gates anunciou sua saída do projeto, deixando o Google se tornar a maior corporação de digitalização de obras da atualidade. Os aparelhos para a leitura de livros digitais – espécies de iPod do livro – também têm provocado outra batalha mundial entre duas gigantes, a Sony e a Amazon. com. As duas já lançaram seus produtos, o Sony Reader e o Kindle, por US$ 299,99 e US$ 359, respectivamente. Ambas desenvolveram parcerias com editoras para oferecer conteúdo a seus consumidores. A loja da Amazon.com, por exemplo, tem nada menos do que 125 mil títulos disponíveis a seus usuários. Em uma entrevista para a revista semanal inglesa The Economist, Jeff Bezos, o fundador e executivo chefe da Amazon, afirma que a loja de livros virtuais já responde por 6% das vendas de livros (receita total do catálogo im-


Fotos: Divulgação

Samuel Seibel, da Livraria da Vila presso e digital) da empresa. Nenhuma das duas companhias revela números de vendas do novo aparelho. Mas é provável que a popularização do ebook reader ainda demore algum tempo para acontecer, principalmente por causa do preço. “É um produto muito incipiente, ainda em teste”, afirma Sergio Herz, diretor de operações da Livraria Cultura, que esteve recentemente nos Estados Unidos. As vendas de livros digitais crescem rapidamente, mas

ainda são ínfimas. Em 2002, foram comercializados US$ 5,8 milhões no segmento. E, em 2007, saltaram para US$ 31,8 milhões no mercado americano. O consumidor ainda não vê uma utilidade prática o bastante para comprar tais produtos. Um livro é bem mais em conta e é tão portátil quanto um aparelho daquele tipo. A indústria tem observado outras ini-

ciativas nessa área também. A Palm, por exemplo, criou uma loja virtual com mais de 37 mil obras disponíveis para os usuários do aparelho. A tradicional HarperCollins já oferece seu conteúdo para a Palm desde 2001 e, há dois anos, fechou um acordo com a Apple, para os usuários do celular iPhone. Em agosto deste ano, foi a vez do Lonely Planet fechar um acordo para oferecer seu conteúdo no projeto de mapas da Nokia. Enquanto isso, no Japão, há uma tendência de consumir novelas pelo celular. O novo mercado de download pulou de uma receita nula há cinco anos para quase US$ 80 milhões em 2007 no país oriental. As novas mídias, no entanto, estão longe de estragar o bom momento em que vivem as livrarias brasileiras. Uma somatória de economia em crescimento, maior distribuição de renda, a isenção fiscal na cadeia do livro e uma maior profissionalização do setor têm levado mais pessoas para dentro dessas lojas – cujo investimento em expansão nunca foi tão grande. Seibel imagina ainda outra situação. “Outro fenômeno pode ocorrer. Na contramão da história e invertendo tendências, pode haver uma nova onda de revalorização dos espaços das livrarias como são hoje. E as livrarias do futuro, de repente, serão bem parecidas com as de agora. Por que não? É futuro mesmo”, diz. Nada impede que uma onda “retrô” ocorra. Aliás, as vendas dos antigos discos de vinil, os “bolachões” dos anos 50 a 70, não voltaram a crescer no mercado musical P neste ano?

Setembro 2008 Panorama 33


Pelo mundo afora

Chile A biblioteca pública do século 21

Espanha Jovens são os que mais lêem

Por maior que seja seu encantamento, uma biblioteca é quase sempre um espaço repleto de proibições. Ambiente silencioso, muitas vezes marcado por uma sisudez que em nada combina com a maioria dos livros que preenchem suas prateleiras. Mas isso é apenas “quase sempre”. No coração do Chile, a Biblioteca de Santiago não apenas arrancou suas placas e sinalizações de proibições como tratou de transformar seu espaço num lugar onde ler não basta – é permitido fazer barulho, comer, beber e até dormir. A idéia é que a biblioteca seja uma espécie de praça pública. O projeto é resultado de uma revolução silenciosa implantada no Chile na área do livro e leitura a partir do início dos anos 1990. E tudo começou com um trabalho de qualificação dos profissionais. “Descobrimos que o mobiliário, os computadores e até os livros não são tão importantes. O mais importante para uma biblioteca são as pessoas”, conta Gonzalo Oyarzún, diretor da Biblioteca de Santiago, que participou, em agosto, em São Paulo, do II Fórum do Plano Nacional do Livro e Leitura e do Seminário Internacional de Bibliotecas Públicas e Comunitárias. O projeto da nova Biblioteca Pública de Santiago, inaugurada em 2005 num edifí-

Os espanhóis maiores de 14 anos que declaram ler no mínimo uma vez por semana e destinam, em média, por 6,4 horas semanais para a leitura. É o que diz uma pesquisa realizada pela Conecta Research & Consulting sobre hábitos de leitura e compra de livros na Espanha durante o segundo semestre de 2008. Para um país conhecido como a terra de Cervantes, os números não são dos melhores. O levantamento revelou que apenas 54,7% dos espanhóis com mais de 14 anos são leitores. Desses, 40,2% se consideram leitores freqüentes e dizem ler livros todos os dias ou semanalmente. Os outros 14,5% afirmam ler apenas eventualmente. Os leitores espanhóis lêem, em média, 9,3 livros por ano. E 57,9% deles compraram pelo menos um livro nos últimos 12 meses, diz a pesquisa. Assim como os dados revelados pelo levantamento sobre o primeiro trimestre deste ano, a nova pesquisa indica que a parcela da população espanhola que mais lê é a faixa entre 10 e 13 anos de idade. No grupo, o índice de leitura observado é de 83,7%. Isso tem tudo a ver com as atividades escolares. Os índices de leitura são mais expressivos também nas cidades mais populosas do país, como Madri, Barcelona e Valência.

cio histórico da década de 1930, com mais de 20 mil metros quadrados, não nasceu com o único objetivo de aumentar os índices de leitura no País: tem a ambição de ajudar a melhorar a qualidade de vida dos chilenos. “Ler não basta. A biblioteca deve ser tratada como um espaço público, destinado ao lazer e à convivência de todos”, explica Oyarzún. No lugar, além de livros a serem emprestados, os visitantes têm à sua disposição vídeos, internet, cursos de idiomas e música. Até as salas de leitura, essenciais a qualquer biblioteca, ganharam novo tratamento: há, por exemplo, espaço destinado aos não-leitores, onde crianças de até 6 anos começam a se familiarizar com os encantos da leitura. A área também abriga uma sala exclusiva para os maiores de 18 anos, com livros adultos, e outros ambientes temáticos para os mais diversos públicos. Nessa biblioteca em que a burocracia não tem vez, são os números que atestam a eficácia da experiência. A cada dia, cerca de 4 mil pessoas passam por lá. Com mais de 90 mil associados, a instituição faz 20 mil empréstimos por mês – só nos primeiros dez meses de funcionamento, recebeu 1 milhão de visitantes.

Colômbia

Livros chegam aos bairros da periferia A pátria de Gabriel García Márquez, Fernando Botero e Shakira tem muito a ensinar para os latino-americanos quando o assunto é livros e leitura. Bogotá, que recentemente se deu ao luxo de ser, durante um ano inteiro, a capital mundial do livro, tem sido palco de boas experiências para fomentar a leitura entre a população mais pobre e mesmo como arma para enfrentar a violência que tem feito muitas vítimas nas últimas décadas no País.

34 Panorama

Setembro 2008

Funciona lá, por exemplo, uma inovadora rede de bibliotecas públicas implantada em pontos estratégicos da cidade. O sistema, batizado de Biblored, é responsável pela freqüência de 5 milhões de pessoas por ano a essas instituições. Ela é composta por 19 bibliotecas, das quais três com estilo de grandes centros de aprendizagem, informação e criatividade. Todas elas oferecem, além de livros para consulta e empréstimo, uma série de programas de incentivo à leitura e ativi-

dades culturais para todas as idades. A gerente do Biblored, Silvia Prada, mostrou, no II Fórum do Plano Nacional do Livro e Leitura e no Seminário Internacional de Bibliotecas Públicas e Comunitárias, em São Paulo, outra novidade da rede: o Bibliobus. Desde julho, o projeto consiste num ônibus que leva livros e atividades de promoção da leitura, escrita e cultura aos habitantes de Bogotá que moram na periferia, onde não contam com bibliotecas públicas.


Ibero-América

Do Brasil para o mundo Siciliano assume grupo Grupo Ibero-americano de Editores e quer integrar mais o Brasil à região Criado em fins da década de 1970, o Grupo Ibero-americano de Editores (GIE) teve como primeiro presidente um brasileiro, Propício Machado Alves, eleito em 1980. Ele ficou no cargo durante quatro anos. Doze anos depois, um outro brasileiro, Alfredo Weiszflog, seria eleito para o mesmo cargo. Agora, às vésperas do 7º Congresso Ibero-americano de Editores, realizado em agosto, em São Paulo, há exatos 30 anos de sua fundação, o GIE sacramentou o nome do terceiro brasileiro a ocupar o cargo: Oswaldo Siciliano. Ex-presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL) por dois mandatos e livreiro tradicional que chegou a ter sob seu comando quatro selos editoriais, Siciliano acaba de assumir o posto no lugar do colombiano Gonzalo Arboleda Palacios. Em entrevista à Panorama, o novo presidente do GIE – que reúne 27 associações de 23 países da América Latina, Portugal e Espanha – fala sobre os planos para sua gestão. Que balanço o senhor faz do 7º Congresso Ibero-americano de Editores, realizado pela primeira vez no Brasil? O objetivo do congresso é manter ativo o relacionamento entre os dirigentes das diversas câmaras de livro da região para ampliar o diálogo sobre questões do interesse setor. O tema, em 2008, foi O Livro, a Leitura e a Construção da Cidadania e teve muito êxito, com a presença de 200 participantes que puderam assistir a palestras e participar de discussões da maior relevância. O Congresso conseguiu, por exemplo, alertar os editores para a necessidade de uma maior promoção do livro em todos os setores da sociedade. Exatamente para que o livro possa ser o grande veículo para o desenvolvimento das nossas nações, seja no campo da educação ou no desenvolvimento econômico. Com uma nova eleição de um brasileiro para liderar o GIE, o que o mercado editorial nacional pode esperar? Em função do processo de globalização, esse cargo desperta, hoje em dia, mais atenção do que no passado. A forte presença de editoras espanholas no mercado brasileiro, por exemplo, torna o GIE mais influente e visível. Isso poderá, sem dúvi-

da, surtir efeitos positivos para a indústria editorial brasileira. O GIE também pretende contribuir para que os editores brasileiros possam atingir um de seus grandes objetivos na atualidade, que é expandir seu mercado e romper fronteiras, levando a produção editorial nacional para o exterior. E de que maneira isso poderá acontecer? Tanto pela venda lá fora do livro impresso aqui como pela venda de direitos autorais para que os livros brasileiros sejam editados em língua espanhola. O Brasil pode conquistar um grande mercado. O livro brasileiro já é suficientemente conhecido em países como Argentina, Chile, México e Colômbia. Isso porque diversas editoras nacionais estão, há anos, freqüentando feiras de livro no exterior. Agora, com essa maior presença do Brasil no GIE, os contatos serão mais proveitosos para a indústria editorial brasileira e, sem dúvida alguma, será facilitada a entrada do autor brasileiro nesses países todos. Outro objetivo é fazer com que os editores brasileiros fiquem mais próximos e interados sobre o que se passa na Ibero-América. Esse relacionamento proporcionará um efeito altamente positivo para o livro brasileiro e para as nossas editoras, que estarão mais a par das situações que se apresentam no campo editorial e comercial para o livro nos demais países. Nós vamos acumular conhecimento. E o beneficio será visível a médio prazo. Como o GIE atua hoje? Os dirigentes do livro na Ibero-América se reúnem quatro vezes por ano para abordar os mais diversos assuntos sobre o livro em todos esses países. A finalidade é ampliar o intercâmbio entre os diversos elos da produção editorial e o comércio de livros na região, além de buscar formas para fazer avançar a integração cultural por meio do livro. E qual o objetivo principal do grupo? É promover e divulgar o livro na região, além de fazer com que os direitos dos autores sejam respeitados. O GIE também desenvolve uma luta permanente contra a P pirataria e a reprografia ilegal.

Foto: Fanca Cortez

Siciliano: terceiro brasileiro a presidir o GIE

Setembro 2008 Panorama 35


Retratos da Leitura

O abismo da leitura Indicadores da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, encomendada pelo Instituto Pró-Livro ao Ibope, evidenciam os contrastes brasileiros também nos hábitos da leitura POR ALEXANDRE MALVESTIO

Foto: Divulgação

Garcia: dois Brasis diferentes também na área da leitura

36 Panorama

Setembro 2008

Aos 11 anos, Ivana Domingues é uma leitora voraz. Até mesmo para preencher a hora do recreio e o tempo livre que tem na escola onde estuda, em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, a 90 quilômetros de São Paulo, ela escolhe a companhia dos livros. Foi influenciada principalmente por seus avós maternos. Eles que lhe deram boa parte das obras em sua biblioteca, inclusive as de Monteiro Lobato, pelas quais Ivana se apaixonou desde muito cedo. Os livros preferidos dessa garota são os volumes com a saga do bruxinho Harry Potter e os romances da série O Diário da Princesa. Mas ela também lê Machado de Assis, Eça de Queiroz e outros. Apesar de conseguir emprestados alguns volumes na biblioteca da escola, a maior parte dos livros que lê são comprados. Para o pai de Ivana, o engenheiro Wagner Bernardes Domingues, o hábito de leitura, além de incentivar a ampliação do vocabulário da menina, contribui para torná-la cada vez mais questionadora e fundamentada. ”Ela acaba se destacando entre as crianças da sua idade. Tem atitudes de liderança, de desenvoltura”, explica Wagner. De acordo com a pesquisa Retratos na Leitura no Brasil, encomendada pelo Instituto Pró-Livro ao Ibope e divulgada em junho deste ano, meninas como Ivana têm todos os indicadores a seu favor. Assim como para 45% dos leitores ouvidos pela pesquisa, ela tem nos livros comprados a principal forma de acesso à leitura. Além

de fazer parte de uma faixa etária (11 a 13 anos) em que a penetração dos leitores de livros em geral (não-indicados pela escola) é de 86%, Ivana ainda foi influenciada logo cedo pelos pais e avós, outro favorecedor apontado pelo estudo. Ivana é filha de pais com ensino superior completo e renda familiar maior que 10 salários mínimos, grupo em que há apenas 1% de não-leitores. O indicador comprova que o poder aquisitivo é significativo para a constituição de leitores assíduos. Mais que isso, evidencia um aspecto que passou em branco nas análises dos resultados da pesquisa: a enorme diferença dos índices de leitura quando comparados fatores como faixa etária, renda familiar, classe social, região geográfica e escolaridade.

Menos renda, menos leitores Leitura cresce na proporção do rendimento familiar; os não leitores estão na base da pirâmide social Entre as famílias com renda superior a 10 salários mínimos, há

2%

de não-leitores

Naquelas com renda entre 5 e 10 salários mínimos, há

7%

de não-leitores

Naquelas com renda entre 2 e 5 salários mínimos, há

29%

de não-leitores

E nas que recebem entre 1 e 2 salários mínimos, há

34%

de não-leitores


Entre os que têm o Ensino Superior, o número de leitores é de

Mais instrução, mais leitores A taxa de penetração de leitura fora da escola cresce proporcionalmente ao grau de instrução

92%

Entre os que fizeram de 5ª a 8ª sobe para

Entre quem tem o Ensino Médio é de

64%

68%

O número de leitores entre os que completaram a 4ª série do Ensino Fundamental é de

37%

Foto: Marta Carvalho

Assim como a pequena Ivana, de São José dos Campos, o garçom Jaime Soares, de São Paulo, também lê desde muito pequeno. Começou com as histórias em quadrinhos, passou para os livros indicados pela escola e hoje lê apenas por prazer, mas de maneira compulsiva. Ele aproveita para ir à livraria nos intervalos do trabalho, momento em que já leu muitas obras. Dos livros que lê, a menor parte é comprada. Quase sempre são obras emprestadas de amigos ou de bibliotecas. Jaime lê no metrô, no ônibus, qualquer tempo livre é gasto com a leitura. Ele parou de estudar no ensino médio e sua renda familiar mensal é bem inferior a 10 salários mínimos. Apesar de não integrar nenhum grupo de maioria leitora no País, Jaime faz parte dos 60 milhões de brasileiros (35% da população) que gostam de ler em seu tempo livre. Mais que isso, ele é um dos 38 milhões de habitantes que dizem fazer isso com freqüência. “Para mim, a leitura é uma oportunidade de aprender. Além de ser uma forma de lazer, ela é importante para eu adquirir algum conhecimento, já que não estou estudando no momento”, conta Jaime.

Contrastes: leitores na travessia do Rio Pedreira, no interior da região amazônica

Setembro 2008 Panorama 37


Foto: Rubens Ribes

Retratos da Leitura

Jaime: “oportunidade de aprender”

A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil considerou como leitores aqueles que declararam ter lido pelo menos um livro nos três meses anteriores à pesquisa (55% da população estudada ou 95,6 milhões de pessoas). Entre os leitores com formação superior, 79% disseram gostar de ler em seu tempo livre e fazer isso com freqüência. No grupo daqueles com renda familiar acima de 10 salários mínimos, esse número é de 78%. Na região Sul do País, 75% dos que gostam de ler o fazem com freqüência. Na região Sudeste, esse número é de 71%. Para se ter uma idéia da diferença do número no Norte, por exemplo, região com o menor índice, esse número é de 55%. Nessa mesma região, 80% dos que lêem com freqüência têm o ensino superior. No momento em que a pesquisa foi divulgada, o número que chamou mais atenção foi aquele que determinava o índice geral de leitura no Brasil. De acordo com o indicador, cada brasileiro lê, em média, 4,7 livros ao ano. Se descontado o número de livros indicados pela escola (o que inclui os didáticos), o número de livros lidos cai para 1,3 ao ano.

38 Panorama

Setembro 2008

Por haver metodologias diferentes, não é possível comparar os resultados desta pesquisa com os da primeira edição, que não ouviu leitores com menos de 15 anos de idade e três de escolaridade. Apesar disso, quando os números atuais são separados para estudo em um grupo com o mesmo perfil, chega-se ao indicador de 3,7 livros lidos ao ano por habitante atualmente, superando a média de 1,8 do levantamento anterior. Na opinião de Maurício Garcia, diretor de atendimento e planejamento do Ibope Inteligência, órgão responsável pela aplicação da última pesquisa, está claro que houve um aumento nos índices de leitura da população. E isso se deve, na opinião dele, principalmente às políticas públicas de incentivo à leitura em todas as regiões do Brasil. Apesar disso, segundo Maurício, está claro que, em algumas parcelas da população, as pessoas ficam esperando ações do governo para suprir essa deficiência leitora. “Aumentar os índices de leitura em todas as camadas da população é uma obrigação do estado brasileiro, mas também da sociedade”, comenta. Para o executivo do Ibope, quando

os números apontados pela pesquisa são comparados de modo mais resumido, fica evidente a existência de dois Brasis diferentes também na área da leitura. “Não houve um aprofundamento nas análises feitas da pesquisa para salientar diferenças mais profundas nesse mar de leitores espaP lhados pelo País”, avalia.

Leitura Desigual A concentração de livros no Brasil

66% 49% 19% 8% dos livros estão nas mãos de 1% da população

dos livros estão nas mãos de 10% da população

dos livros estão nas mãos de 20% da população

da população não tem nenhum livro em casa


Radiografia

Os livros na vida da filósofa Márcia Tiburi Foto: Fanca Cortez

5 a 10 anos

O Menino do Dedo Verde (Maurice Druon) e Mês de Cães Danados (Moacyr Scliar) “O primeiro me deixou espantada. Acho que foi a estranheza da linguagem que me interessou. O segundo me revirou o estômago e me fez cair na real. Entre o espanto e o soco no estômago, eu cresci.”

11 a 14 anos

O Príncipe (Maquiavel) “Foi um livro que me renovou. Não fui uma criança que gostava de ler, mas, com Maquiavel, descobri que gostava da linguagem, da leitura.”

15 aos 20

O Mundo Como Vontade e Representação (Arthur Schopenhauer) “Ler esse livro na adolescência não é muito recomendável. Eu ainda não entendia muita coisa, mas aprendi a caçar borboletas dentro da obra e sobrevivi. É uma selva terrível, mas você encontra bichinhos interessantes dentro dela.”

20 aos 30 anos

Dialética Negativa (Theodor Adorno) “Me ensinou a não ter medo dos meus próprios pensamentos. Li em alemão. Se você sobreviver a esse livro, você pode continuar. É uma pedreira cheia de escorpiões. Você vai quebrando a pedra e vão saltando os escorpiões venenosos.”

Hoje

Memórias Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis) “A melhor coisa que já se escreveu. No dia em que eu não consigo mais escrever, eu leio esse livro. No travo literário, uma dose de Brás Cubas. É minha consciência literária.”

Setembro 2008 Panorama 39


Prêmios & Concursos Prêmio Jabuti

Troféu Juca Pato

Em sua 50ª edição, o mais tradicional prêmio da literatura brasileira, o Jabuti, conta com 2.141 concorrentes em 20 categorias. O total de inscritos para a edição 2008 superou a marca de 2.052 do ano passado. No final de agosto, foi realizada a primeira sessão pública para seleção das obras mais votadas pela comissão julgadora. A segunda sessão ocorre no dia 23 de setembro, quando serão conhecidos os vencedores das 20 categorias. Os grandes vencedores do Livro do Ano de Ficção e de Não-Ficção só serão conhecidos na cerimônia de premiação, em 31 de outubro, em São Paulo. O Jabuti vai distribuir R$ 120 mil em prêmios. www.premiojabuti.org.br

A União Brasileira de Escritores (UBE) entregou ao crítico literário Antonio Candido, de 90 anos, o troféu Juca Pato de Intelectual do Ano de 2007. A premiação aconteceu no dia 20 de agosto no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Largo do São Francisco, em São Paulo. A cerimônia contou com a presença de membros da Academia Brasileira de Letras (ABL), como a escritora Lygia Fagundes Telles e o empresário e bibliófilo José Mindlin, entre outros. O homenageado recebeu o prêmio das mãos do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, premiado como Intelectual do Ano de 2006.

Prêmio FNLIJ

Prêmio Portugal Telecom

A Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), instituição que promove e divulga os livros de boa qualidade feitos para crianças e jovens, abriu inscrições para a 35ª Seleção Anual FNLIJ. Trata-se do prêmio de 2009, referente à produção de 2008. As inscrições vão até dia 31 de dezembro e são abertas a todos os profissionais do livro e editoras que tenham títulos em língua portuguesa. O regulamento completo está no site da fundação. http://www.fnlij.org.br/

Um dos prêmios mais cobiçados dos últimos anos na literatura brasileira, o Prêmio Portugal Telecom divulga, em setembro, os nomes de seus dez finalistas. Esta é a sexta edição, que contemplará três obras escritas originariamente em língua portuguesa e publicadas em 2007. Os primeiros colocados receberão, respectivamente, R$ 100 mil, R$ 35 mil e R$ 15 mil. Na primeira fase, foram classificados 51 dos cerca de 400 livros inscritos. www.premioportugaltelecom.com.br

Prêmio Vivaleitura

Prêmio Afrânio Coutinho

Maior premiação no País para projetos de fomento à leitura, o Prêmio Vivaleitura será anunciado no dia 12 de novembro Os ganhadores da terceira edição, serão selecionados entre escolas, bibliotecas, organizações não governamentais, empresas, fundações, universidades e voluntários. Os vencedores vão dividir R$ 90 mil. É uma iniciativa do Ministério da Cultura, Ministério da Educação e Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), com cooperação da Fundação Santillana. www.premiovivaleitura.org.br

A Academia Brasileira de Letras (ABL) e a Petrobras escolheram Machado de Assis: O crítico literário como tema para a segunda edição do Prêmio Afrânio Coutinho. É mais uma homenagem ao grande escritor, no ano do centenário de sua morte. As inscrições para esse prêmio vão até 29 de setembro. Os três melhores trabalhos receberão, respectivamente, R$ 10 mil, R$ 6 mil e R$ 3 mil. brg.divulgacao@academia.org.br

Honraria de maior prestígio no País define finalistas

Amigos do Livro é o Portal do Livro no Brasil. Tem por objetivo reunir informações disponíveis na internet relacionadas ao mundo do livro.

Acesse o site:

www.amigosdolivro.com.br amigosdolivro@amigosdolivro.com.br

Concursos & Prêmios Literários O Portal Concursos e Prêmios Literários é um espaço livre e grátis. Objetiva divulgar e informar sobre concursos e prêmios literários em língua portuguesa. Acesse o site:

Abertas as inscrições para melhores infantis e juvenis

Antonio Candido recebe prêmio de intelectual do ano

Escolhidos os finalistas que disputam R$ 100 mil

www.concursosliterarios.com.br Maior prêmio de leitura seleciona finalistas

PID

Portal da Impressão Digital O objetivo é divulgar e promover essa nova tecnologia, hoje uma realidade mundial. printondemand@printondemand.com.br

printondemand.com.br

Academia abre inscrições até dia 29


Rotas Literárias

A Cordisburgo do Rosa Personagens, cenários e fragmentos da prosa do escritor Guimarães Rosa estão por toda parte na cidade mineira POR LUIZ CARLOS RAMOS

Foto: Fanca Cortez

Foto: Divulgação

Museu Casa Guimarães Rosa, em Cordisburgo: parada obrigatória do turismo literário Minas Gerais é o estado brasileiro com maior número de municípios: dos 5.564 espalhados pelo País, 853 são mineiros. Cada cidade tem seus tesouros, seus orgulhos. Este é o caso de Cordisburgo, de apenas 9 mil habitantes, situada na região de Sete Lagoas, a 120 quilômetros de Belo Horizonte. A terra natal de João Guimarães Rosa, repleta de paisagens, recantos e costumes que remetem às obras do grande escritor, faz dos contadores de histórias uma atração à parte. Neste ano, com o centenário do autor de Grande Sertão: Veredas, a

pequena cidade vive momentos especiais. Mas, seja qual for a época de uma visita a Cordisburgo, é impossível ser um turista apressado. Quem chega, tem vontade de ficar, ver, ouvir, participar. Aconteceu algo assim com a jornalista Giovanna Tucci, que descobriu Cordisburgo no ano passado, ao fazer seu trabalho de conclusão de curso na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Esteve lá duas vezes. E ficou apaixonada, como relata: “Não é preciso andar muito por Cordisburgo para a gente notar a forte pre-

sença de Guimarães Rosa em tudo quanto é canto. ‘Ninguém espera a esperança, espera?’, diz o cartaz de uma loja. Tem o Bar Grande Sertão é Veredas, um boteco na rua principal, onde está o Museu Casa de Guimarães Rosa. Bastaram algumas voltas para eu perceber que passei a conhecer muito mais de Guimarães Rosa do que podia imaginar. Ou o Rosa, de mim.” Giovanna havia decidido fazer para a PUC um programa de rádio sobre os contadores de histórias de Cordisburgo, dos quais havia ouvido falar. Os contatos com Setembro 2008 Panorama 41


Rotas Literárias as pessoas na cidade, na primeira viagem, mudaram seu rumo: “Meu trabalho acabou sendo sobre a pequenina terra sertaneja de Rosa e seus anjos. Sim. Brasinha, o mais conhecido contador, costuma explicar: ‘Os contadores são anjos, arautos que anunciam a chegada do escritor. Rosa está vivo!’ E percebi que ele tem toda a razão...” Brasinha está aberto para receber cada visitante com um sorriso e com uma eterna disposição para contar histórias e falar de Guimarães Rosa. Ele é atração em Cordisburgo, mais que a impressionante e tão procurada Gruta do Maquiné, situada ali perto da cidadezinha. Brasinha faz gestos e conta: “Rosa está vivo, e vai chegando devagar, cada vez que alguém sente que o sertão é sozinho, o sertão é dentro da gente, o sertão é sem lugar.” Giovanna assume as teses de Brasinha Foto: D iv

município. Diz a letra: “Cordisburgo, teu cenário é o mais belo relicário... No ar, no mar ou na pena do Grande Rosa, nasce nas obras que a História consagrou.” Em 1883, o padre João de Santo Antônio chegou à região da Sesmaria Empoeiras e fundou um povoado, dando-lhe o nome de Coração de Jesus da Vista Alegre. Ele construiu a Capela ao Patriarca São José, conservada como um dos símbolos da cidade. Cordis, do latim, significa coração. Burg, do idioma alemão, é cidade: surgiu o nome Cordisburgo, Cidade do Coração, adotado no fim do século 19. O município foi criado em 1938, separandose de Paraopeba. Nessa época, Guimarães Rosa tinha 30 anos. O centenário de João Guimarães Rosa, que nasceu em 27 de junho de 1908, está sendo festejado em Cordisburgo durante

ulgação

Guimarães Rosa em expedição e Brasinha contando histórias

42 Panorama

Setembro 2008

ia

ma Mar

el Foto: S

e diz que sente vontade de ir de novo a Cordisburgo, nas férias: “Lá, a gente sente Rosa cada vez que um morador da cidade diz ‘meu primo tinha um amigo que era primo de Guimarães Rosa’; cada vez que um Miguilim respira fundo e começa a contar uma história. Cada vez, Rosa vive um bocadinho mais.” José Osvaldo dos Santos, o Brasinha, de 52 anos, tem uma loja de roupas em Cordisburgo, mas sua maior paixão é o estudo de Guimarães Rosa. Para isso, ele seguiu os passos dos personagens Manuelzão, Juca Bananeira, Zito, Gregório, e sabe até que ponto existe ficção ou realidade. “Tento procurar o real dentro da ficção. E saio por aí, pelo campo, pelas montanhas, pelas veredas. Com isso, é mesmo possível sentir Rosa.” Guimarães Rosa está até no hino do

todo o ano. Foi o primeiro dos seis filhos de Florualdo Pinto Rosa e Francisca Guimarães Rosa. Florualdo, o Fulo, era comerciante, juiz de paz, caçador de onças e contados de histórias. O garoto Joãozito iniciou os estudos em Cordisburgo, prosseguiu em Belo Horizonte e, mais tarde, em São João del Rei. Voltou para a capital mineira e, nas escolas, aprendeu francês, holandês, alemão, inglês, espanhol. Poderia ser um cidadão do mundo. E foi: Cordisburgo estava pequena demais para ele. Pequena, mas inesquecível, presente nas obras até na estréia nas letras, ocorrida em 1929, com quatro contos. Em 1930, aos 22 anos, casou-se com Lígia Cabral Penna, com quem teve duas filhas, Vilma e Agnes, e formou-se médico. Aquele casamento durou pouco. E, no fim dos anos 1930, morando na Europa, ele conhe-


ceu quem viria a ser sua segunda esposa, Aracy Moebius de Carvalho, Ara. A profissão também durou pouco: Rosa não tinha vocação para medicina. Vitória da literatura e da diplomacia, novas atividades. Na literatura, prêmios. Na diplomacia, foi cônsul-adjunto do Brasil em Hamburgo, Alemanha, em plena 2ª Guerra Mundial e viveu momentos dramáticos ao tentar driblar o nazismo. No dia do centenário, 27 de junho deste ano, houve comemorações das 9 horas da manhã às 9 da noite em Cordisburgo – missa, abertura de exposição no museu de Rosa, exibição de orquestra na igreja, lançamento de livros, entre os quais uma biografia preparada por Vilma Guimarães Rosa Reeves, Vilminha, a filha mais velha do escritor: Relembramentos. Vilma conta que Grande Sertão: Vere-

dias. Guimarães Rosa escreveu que as folhas das palmeiras eram tão verdes quanto os olhos de Diadorim. Uma das paradas foi na casa de Antonieta e do marido. Ela se lembra de ter servido jantar para Guimarães Rosa e os vaqueiros, cansados: “Eles chegaram, comeram, dormiram e seguiram.” O Guimarães Rosa garoto, dos tempos de Cordisburgo, foi relembrado num dos livros lançados neste ano na terra natal: é uma obra para crianças,.com descrições do mundo dos animais. Uma definição do autor: “O macaco: homem desregulado. O homem: vice-versa; ou idem.” O burrinho pedrês, primeiro personagem de Sagarana, não faz parte desse livro. Quem conhecia o burro era Juca Bananeira, pajem do menino Guimarães Rosa, a quem contava histórias que, mais

Fotos:

das foi escrito em Paris: “Quando a gente morava na França, ele me disse que estava começando a escrever um livro. Mostroume uma das páginas e comentei que gostei muito. Então, explicou que a base de tudo aquilo era uma história que havia ouvido de seu pai.” Já Antonieta da Silva, de 84 anos, conta que conheceu Guimarães Rosa em 1952, época em que o escritor acompanhou alguns vaqueiros de uma boiada num trajeto de 250 quilômetros no sertão de Minas. Essa viagem também contribuiu para inspirar Rosa para escrever Grande Sertão: Veredas. No sertão, vereda é uma espécie de oásis, uma área com vegetação e água. Lá, surgem palmeiras conhecidas como buritis, típicas do interior mineiro. A boiada de 56 anos atrás era conduzida de vereda em vereda, por mais de dez

tarde, o escritor adotou em obras. Juca foi carroceiro, boiadeiro. E, mesmo sendo analfabeto, tornou-se delegado. Virou personagem de Rosa. Morreu em 1998, aos 104 anos. Sua neta, Tânia Cristina Trambini, participou das festas dos 100 anos de Rosa. A psicóloga paulistana Célia Aidar Bondioli não esconde o entusiasmo ao falar sobre a viagem de estudos que fez a Cordisburgo, no ano passado, com um grupo do Laboratório de Estudos da Transicionalidade, da Universidade de São Paulo (USP). “Participei de uma Semana Roseana, com eventos musicais, percorrendo as várias cidadezinhas da região, cada uma com seu centro cultural. Muitos jovens, muito bonito”, lembra ela. “Existem coisas típicas da região, como as bordadeiras, a festa da colheita da abóbora e, às 3 horas da tarde, a reza na igreja.

Giovann

a Tucc

i

Estação Ferroviária de Cordisburgo e Igreja dos Sagrado Coração

Setembro 2008 Panorama 43


Rotas Literárias

A casa e a presença do escritor

Cordisburgo é toda empenhada em torno do escritor e das letras. Existe, por exemplo, a Academia Cordisburguense de Letras. Uma cidade tão pequena, e com uma academia!” Célia conta: “Com o professor Gilberto Safra, nosso grupo estudou Grande Sertão: Veredas e seus personagens, figuras da terra, sob a ótica da psicologia. Guimarães Rosa é um autor maravilhoso, rico para a língua portuguesa e para o estudo do ser humano.” Safra optou por, a partir da obra do psicanalista inglês Donald Woods Winnicott (1896-1971), elaborar uma síntese com idéias de filósofos contemporâneos e de outras épocas e de escritores como Fernando Pessoa, Clarice Lispector e João Guimarães Rosa. Por meio de autores, é possível focalizar temas relativos ao ser humano, como a precariedade, a criatividade, a empatia, a religiosidade. Essas situações aparecem nas páginas de Guimarães Rosa e são revividas nas ruas de Cordisburgo, nas narrativas dos contadores de histórias, na fala mineira de Brasinha e na idéia que, num dos 5.564 municípios do Brasil, existe um estilo único, Po jeito roseano de ser.

O Museu da Casa de Guimarães Rosa é o ponto alto para quem busca, em Cordisburgo, algo ligado ao autor de Grande Sertão: Veredas. A casa em que morou o escritor em seus tempos de garoto tem características simples e foi recentemente reformada. O telefone do museu é (31) 3715-1425. A Semana Roseana, geralmente em julho, atrai grande número de visitantes e as pousadas ficam lotadas, mas também é possível ficar hospedado em Sete Lagoas, uma cidade de 190 mil habitantes, a 44 quilômetros de Cordisburgo. Os contadores de histórias, como Brasinha, estão sempre prontos para orientar os turistas e para falar de Guimarães Rosa, além de mostrar os locais em que surgiu inspiração para os livros. Os arredores de Cordisburgo e a Gruta do Maquiné ajudam a compor cenários de uma pacata Minas Gerais, típica de algumas obras de Rosa. Já não existem trens na região, mas a antiga estação ferroviária, que apareceu em contos pioneiros do escritor, continua preservada, como uma dupla relíquia: da literatura e de outra época dos transportes do Brasil, a época da Maria Fumaça.

Foto: S

elma

Maria

Brasinha, personagem de Cordisburgo

Todo mundo lê A Terceira Xícara de Chá, Greg Mortenson (Prestígio) “É a história de um alpinista que tentou subir o K2, no Himalaia, mas não conseguiu e foi resgatado por moradores de uma aldeia pobre, que curaram suas feridas. Este homem fez uma promessa de que voltaria para construir uma escola nesta aldeia. Após 15 anos, já conseguiu erguer 55 escolas que atendem as comunidades mais pobres do Paquistão e do Afeganistão. Está sendo um aprendizado e uma lição de vida ler este livro!”

Foto: Divu

Magic Paula (ex-jogadora de basquete)

lgação

O que eu estou lendo

Dica de leitura

Foto: Fa nc

a Cortez

Zezé Motta (atriz e cantora)

as ência Br Foto: Ag

Sócrates (médico e ex-jogador de futebol)

il

O livro da minha vida

44 Panorama

Setembro 2008

O Poeta do Povo, Solano Trindade (Ediouro) “Fico emocionada em poder indicar um poeta como Solano, pouco divulgado e pouco conhecido. Neste ano se comemora o centenário do seu nascimento. Precisamos ler mais a sua poesia para que ele fique tão conhecido quanto Machado de Assis.”

Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez (Record) “É o meu livro preferido. Não tem nenhum motivo especial, não. Pela qualidade mesmo.”


Como me apaixonei pelos livros

Fernanda Takai Onde brilhem os contos meus Foto: Ibraim Leão

Nascida na pequena cidade de Serra do Navio, no Amapá, onde morou por dois anos, a cantora Fernanda Takai passou seis anos na Bahia e só mais tarde adotou Belo Horizonte. Cursou Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e, ao lado da carreira intensa nos palcos, adora escrever crônicas e contos. Alguns de seus textos publicados em jornais foram reunidos no livro Nunca subestime uma mulherzinha, lançado em fins de 2007. Fernanda falou sobre esse livro nessa Bienal de São Paulo. Consagrada como vocalista no grupo Pato Fu, agora faz sucesso com seu primeiro disco solo, Onde brilhem os olhos seus, interpretando músicas anteriormente gravadas por Nara Leão. Aqui, ela fala sobre sua paixão pelos livros e a influência de algumas obras em sua vida. Sempre dividi muito meu tempo entre música, cinema, videogame e livros. Não chego a ser uma leitora compulsiva. Mas gosto muito de ler e considero importante, para nossa formação pessoal, que sejamos bons leitores. Meu início, quando garota, foi a velha e boa ponte dos gibis para livros de Monteiro Lobato, Cecília Meireles... Quando eu era bem novinha, não largava Ou Isto Ou Aquilo, da Cecília. Era o livro que andava comigo para tudo quanto é lado. Há alguns anos, reencontrei meu exemplar. Vou contar. Em 2005, numa visita ao Museu de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte, eu estava ao lado de minha filha, então com 2 anos, e de alguns amigos estrangeiros. Dei uma olhada na loja de livros do museu e notei uma série chamada Crianças Famosas. Confesso que, na hora, pensei ser algo tolo. Mas, prestando a atenção, comecei a ler os nomes dos títulos da coleção: Aleijadinho, Mozart, Portinari, Jorge Amado e... Cecília Meireles! Decidi levar o da Cecília. E relembrei meus tempos de criança, quando eu lia e relia aquelas páginas

encantadas. Versos e aquarelas. Cheguei a decorar boa parte dos poemas. Quando fiz meus primeiros experimentos com um gravadorzinho caseiro, aos 7 anos, gravei minha voz lendo os poemas preferidos. Só que houve um lapso na leitura de poesias em minha vida. Acho que coincidiu com a minha atenção ter-se voltado para a música e outras leituras obrigatórias pelos currículos escolares e pelos livros que fui ganhando de presente. Pensava ter perdido meu exemplar da Cecília de 1977, número 6.390. Então, perguntei para a minha mãe se sabia onde o livro estava. A resposta me deixou feliz: “Esse livro eu não doei, não. Tá guardado comigo, filha.” Há um livro que eu indicaria como leitura obrigatória para qualquer pessoa: “A Descoberta do Mundo”, de Clarice Lispec-

tor. É um livro que leio e releio sempre. Sou fã da Clarice. E essa coletânea de textos mostra bem a dimensão humana da escritora, com suas incertezas, amizades, relação com a escrita, com o dia-a-dia, com o bom humor, o mau humor... Aliás, a obra dela é um tesouro. Ah, também não dá para não ler um livro como A Hora da Estrela. Existem alguns livros que marcaram minha vida de modo muito forte. Um deles, que me deixou impressionada foi Porcaria, da escritora francesa Marie Darrieussecq. Acredito que gostaria de escrever algo daquele gênero, algum dia. É maravilhoso. Indiquei para muita gente na época. Mas acho que livros são como discos preferidos: para cada fase, tem um ali, para reP avivar alguns sentimentos.

Setembro 2008 Panorama 45


Livros sobre Livros

Para ler e escrever bem Sem o formalismo e o distanciamento típicos da academia, Caminhos para aprender a ler e escrever faz um mergulho nas pesquisas sobre o tema na França e se revela uma obra indispensável para os profissionais da área POR VANDA MARIA ELIAS

Título: Caminhos para aprender a ler e escrever Autores: Josette Jolibert e Christine Sraiki Editora: Contexto Tradução: Ângela Xavier de Brito Páginas: 304 ISBN: 978-85-7244-401-9 Preço: R$ 47,00 Lançamento: 06/2008

46 Panorama

Setembro 2008

Quais os caminhos para aprender a ler e escrever? A questão, que há muito tempo inquieta pesquisadores da linguagem e profissionais da educação, tem propiciado uma pluralidade de respostas. No entanto, a resposta constituída pelas autoras Josette Jolibert e Christine Sraiki na recente obra Caminhos para aprender a ler e escrever (Editora Contexto) merece destacado relevo nesse cenário, pelo rico conteúdo apresentado, mas também pelo uso da linguagem em um estilo que, sem a formalidade e o distanciamento característicos do discurso acadêmico, é marcado pelos traços da informalidade, da proximidade e do envolvimento com o leitor. Com o objetivo de “formar crianças que possam ler e compreender o que lêem, escrever e produzir textos, que sejam polivalentes e autônomas”, porque “tudo isso se aprende e, assim, tudo isso pode ser ensinado”, as autoras desenvolvem sua proposta de trabalho, sustentando-se em uma concepção de aprendizagem de base sócio-construtivista. Assim, defendem que aprender a ler e escrever significa ir além dos processos de (de)codificação, visto que aos leitores e escritores é solicitado não apenas conhecimento da língua, mas também de textos e de mundo, dentre outros, e a definição de ações para a solução de “problemas” que vão se anunciando na interação com o texto. Pressupondo que as crianças chegam à escola com significativo conhecimento de textos resultante de suas observações sobre práticas contextualizadas de leitura e escrita, bem como uso efetivo do material escrito em situações comunicativas com propósitos diversos, e que essa bagagem

cognitiva deve ser explorada em diversos contextos de aprendizagem, as autoras oferecem, nos cinco capítulos da obra, orientações para que as crianças, de fato, aprendam a ler e escrever. De modo geral, essas orientações dizem respeito à: i) criação de condições favoráveis para uma aprendizagem; ii) reflexão sobre “elementos lingüísticos que funcionam como um feixe de índices que o leitor ou escritor deve tratar ou levar em conta” na compreensão ou produção de um texto (dimensão metalingüística); iii) reflexão sobre estratégias específicas que “o aluno deve aprender a utilizar simultaneamente para questionar o escrito, compreender e produzir textos” (dimensão metacognitiva); iv) elaboração de propostas para que as crianças vivam em sala de aula situações de aprendizagens complexas e reflitam sobre o que foi aprendido; v) avaliação e organização rigorosas das aprendizagens constituídas. Indispensável à biblioteca particular de professores, pedagogos, pesquisadores, estudantes das áreas de Letras, Lingüística e Educação, e de todos os interessados em geral em questões de escrita e leitura em situação de ensino e aprendizagem significativa, Caminhos para aprender a ler e escrever é produto de uma reflexão das autoras sobre pesquisas realizadas continuamente durante doze anos na França. Graças à iniciativa da Contexto e seu projeto de socialização de conhecimento, a obra, em versão traduzida para o público-leitor do Brasil, oferece um valioso conjunto de propostas didáticas para a condução de um trabalho em sala de aula, com foco nos sentidos que os alunos produzem em relação a tudo que lêem ou escrevem. P


Vitrine São Jorge e o Dragão

Livro de Todos – O mistério do texto roubado

O Bom Conflito – Juntos buscaremos a Solução

Primeira obra coletiva brasileira escrita pela internet com a participação de 173 autores anônimos ou consagrados: criaram romance policial infanto-juvenil lançado na Bienal do Livro de SP.

Reúne opiniões de profissionais de diversas áreas, além de histórias e situações reais, e faz uma análise minuciosa sobre as várias etapas dos conflitos e as melhores formas de resolvê-los.

A velha lenda catalã que deu origem à festa do livro e das rosas nas ruas da Espanha, quando homens e mulheres trocam flores e livros, é recontada, numa celebração do conhecimento, do amor e da amizade entre os povos.

Obra Coletiva Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/Câmara Brasileira do Livro, 171 p., R$ 8,00

Maria Tereza Maldonado Integrare Editora, 176 p., R$ 31,90

Galeno Amorim Callis, 36 p., R$ 26,90

O roubo da História

Takashi Fukushima

Assim no palco como na vida

O livro discute não apenas invenções como pólvora, bússola, papel ou macarrão pela Europa, mas também valores como democracia, capitalismo, individualismo e até amor.

O livro celebra a obra do artista que causou espanto ao levar suas telas para a XII Bienal Internacional de São Paulo, em 1973, na qual o conceitualismo reinava absoluto.

Beto Silveira, profissional do teatro que preparou vários atores, como Fábio Assunção, Ana Paula Arósio e Edson Celulari, faz neste seu primeiro livro a ponte entre a Vida e a Arte.

Jack Goody Contexto, 368 pg., R$ 49,90

João Spinelli Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/ Edusp, 192 p., R$ 76,00

Beto Silveira Totalidade, 191 pg., R$ 28,00

Crônica da estação das chuvas

O caminho para a distância

O Grande Livro do Jornalismo

Trata da vida noturna da cidade de Tóquio do início do século XX. O amor e o interesse, o adultério e o mundo das gueixas e prostitutas são os pilares sobre os quais se sustenta a narrativa.

Publicado no Rio, em 1933 (pela Schmidt Editora), foi o título de estréia de Vinicius de Moraes. Além da rigorosa fixação dos textos, um caderno de imagens situa o livro em sua época e ilustra a biografia de Vinicius.

Trata-se de um livro de jornalismo que funciona como verdadeiro manual de redação e estilo. Editado por Jon E. Lewis, reúne 55 dos mais emblemáticos textos jornalísticos de todos os tempos.

Nagai Kafu. Trad. Dirce Miyamura Estação Liberdade,160 p., R$ 29,00

Organizado por Eucanaã Ferraz Companhia das Letras, 120 p., R$ 32,00

Jon E. Lewis José Olympio, 378 p., R$ 49,00

Morrer em Praga

O Violoncelista de Sarajevo

Restos

Traz um romance diferente de tudo o que você já leu sobre relacionamentos entre homem e mulher. O livro, que se lê com um misto de fascínio, apreensão e terror, é baseado numa história real.

Dor, medo, luta, perseverança – sentimentos tão distintos e que se confundem em cada habitante, combatente ou sobrevivente em meio à carnificina de um conflito entre irmãos na Bósnia.

Em novo livro, Mário Araújo narra 19 contos em que a morte e a solidão, observadas sob variados pontos de vista, são temas centrais.

J.B. Gelpi e Jeanette Rozsas Geração Editorial, 224 p., R$ 26,00

Steven Galloway. Trad. Lílian Palhares Rocco, 200 p., R$ 27,00

Mário Araújo Bertrand Brasil, 192 p., R$ 29,00

Setembro 2008 Panorama 47


TV & Livros

u t i p a C e r p m e s Para POR TALISSA BERCHIERI

Ilustração: Reno

No ano consagrado a Machado de Assis, Globo grava a microssérie Capitu e leva Dom Casmurro para o horário nobre da televisão

48 Panorama

Setembro 2008


Foto: Cleo Velleda

Dom Casmurro: uma das grandes obras de Machado

No centenário da morte de Machado de Assis, uma das mais famosas obras do escritor, Dom Casmurro, não poderia ficar de fora da farta lista do diretor Luís Fernando Carvalho, responsável pelas principais adaptações literárias para a televisão brasileira. Na última edição da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), ele chegou a participar de uma mesa redonda sobre as obras de Machado e falou sobre o desafio enfrentado para adaptar para a TV um romance tão polêmico, que terá o nome da personagem central feminina da trama – Capitu. Esse trabalho, que reúne um grande elenco, vai virar uma das importantes atrações da TV Globo no ano. Mas não será nem novela nem minissérie e, sim, uma microssérie. No cinema, Luís Fernando ganhou fama e respeito com o longa- metragem Lavoura Arcaica, de 2001. O filme, baseado na obra homônima de Raduan Nassar, rendeu ao diretor vários prêmios nacionais e internacionais. Já na televisão, o diretor tem uma extensa experiência e

acumula sucessos, como as minisséries Os Maias, baseada no livro de Eça de Queirós, e Hoje é Dia de Maria, inspirada em contos populares. A paixão desse carioca pela literatura fez com que ele traçasse na TV uma trajetória sólida, com obras quase sempre originadas de adaptações literárias. Luís Fernando explica que, desde junho do ano passado, trabalha no projeto Quadrante. “Esse projeto prevê quatro adaptações da literatura brasileira para microsséries na televisão”, explica ele. Por que microssérie? Porque é possível condensar grandes obras num pequeno número de capítulos. Difícil? Bastante, mas não impossível, ele acrescenta: “O plano é ressaltar a importância de livros que têm como cenários diferentes regiões do Brasil.” A primeira obra, A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna, por exemplo, foi ao ar em junho de 2007, tendo como ambiente a Paraíba, no Nordeste. Já Capitu, de P Machado de Assis, é vivida no Rio de Ja-

neiro, no Sudeste. As outras duas adaptações a serem produzidas são: Dançar Tango em Porto Alegre, de Sérgio Faraco, tendo como cenário a Região Sul; e Dois Irmãos, de Milton Hatoum, no Amazonas, na Região Norte. A Pedra do Reino fez grande sucesso na Rede Globo, há um ano. Sua adaptação exigiu esforço do diretor, dos atores e dos cenógrafos, mas, segundo Luís Fernando, valeu a pena. O projeto, agora, ganha seqüência com a microssérie Capitu. O número de capítulos ainda é mantido em sigilo e a estréia não tem data prevista. No entanto, é certo que ocorrerá até o fim de novembro, pois esse trabalho estará ligado ao ano do centenário de Machado de Assis, que termina em 31 de dezembro. No elenco, uma certeza: a personagem-título, Capitu, será interpretada pela bela atriz Maria Fernanda Cândido, que se destacou em várias novelas da Globo, entre as quais Terra Nostra, de Benedito P Rui Barbosa.

Fotos: Divulgação

Luís Fernando: o desafio de adaptar livros para o cinema e a TV Setembro 2008 Panorama 49


Perfil

Da redação para o mundo dos livros

: Foto

Divu

lgaç

ão

Luciana Villas-Boas

Leitora voraz desde cedo, ela trocou uma brilhante carreira de jornalista pelo trabalho numa grande editora e fez da paixão pelos livros sua nova profissão 50 Panorama

Setembro 2008


Como jornalista, nos anos 80, ela foi multimídia – trabalhou em três dos principais veículos do País na época: TV Globo, revista Veja e Jornal do Brasil. A esse amplo currículo deve ser somada uma experiência na BBC, de Londres. Leitora voraz desde criança, tempos em que gostava de contar histórias e emprestar seus livros para as amiguinhas, Luciana Villas-Boas não teve dúvidas ao trocar as agitadas redações de TV, revista e jornal pelo trabalho numa grande editora, 13 anos atrás. Está feliz com a mudança, gosta do que faz: é diretora-editorial da Record, do Rio, e atua também na Best Seller, do mesmo grupo, onde exerce papel decisivo na escolha de autores e temas que fazem sucesso nas livrarias do Brasil. POR LUIZ CARLOS RAMOS E RICARDO COSTA, DO PUBLISH NEWS

Há quem pergunte: a Luciana VillasBoas, da Record, é aquela apresentadora bonita e simpática que colocava no ar as notícias do Jornal da Globo, ao lado de Renato Machado, Belisa Ribeiro, Ênio Pesce e Carlos Monforte, na TV Globo, nos anos 80? Sim: a Luciana de 2008, cercada de livros e projetos no Grupo Editorial Record, é a mesma da TV Globo de 1982. Continua bonita, inteligente, determinada e, agora, muito mais experiente. Mãe de Maria Isabel, de 18 anos, e Miguel, de 14, ela mora no agradável bairro carioca do Leblon e consegue conciliar harmoniosamente o trabalho com a vida familiar. Como começou essa paixão pelos livros? Luciana explica: “Comecei a ler muito cedo. Minha cartilha foram os dois primeiros volumes da coleção O Mundo da Criança. Há muitas décadas essa coleção desapareceu das várias bibliotecas da família, e tenho vontade de buscá-la em algum sebo. Quem é nascido no final dos anos 50, origem de classe média, sabe do que se trata.” E como Luciana lida hoje com os livros? Qual é o bom livro? “Bom livro é aquele do qual o leitor tira algum proveito. Percebo isso como leitora e como profissional de uma editora.” Ela chega a ler até 40 livros por ano, mas não chega ao fim de todos: o importante é analisar a qualidade e decidir se sua empresa deve mesmo investir na obra. Parte de seu trabalho é feito em casa, graças à internet: “Recebo textos e sugestões, analiso, ouço opiniões, e vejo aquilo que deve ser editado e como ser lançado.” Luciana sabe de sua responsabilidade. E procura ter critérios, levando em conta não apenas sua sensibilidade e seu gos-

to pessoal, mas também uma tendência a perceber aquilo que o leitor gosta. Uma de suas vitórias, por exemplo, foi acreditar em Lya Luft como apelo popular. Lá se vão vários títulos de Lya com o selo Record, sempre com ótimo índice de vendas. “Ela tem um estilo especial e merece esse sucesso.” Agora, Luciana não tem mais tempo para ter um livro de cabeceira, mas garante que prefere não recorrer a livros de auto-ajuda para ampliar sua biblioteca particular. Seus autores preferidos? Não pensa muito para dizer: “Hoje, depois de tudo o que li, posso dizer que, entre vários outros, estão Eça de Queirós, Graciliano Ramos, Karl Marx.” Luciana Villas-Boas faz questão de explicar que, em seu trabalho, está aberta para qualquer projeto que um ou outro autor venha a lhe oferecer: “Essa é minha vida, é meu trabalho. Estar no meio disso é fascinante. Quero saber dos livros que estão surgindo. E alguns são ótimos. É muito bom acompanhar esse caminho do livro, do início ao fim. Sou uma privilegiada por trabalhar com livros.” Saudade dos tempos de jornalista? ”Tudo tem seu tempo”, explica. “Hoje, reconheço que meu trabalho na mídia contribui bastante para minha visão de editora de livros. A edição de uma revista ou de um jornal diário representa treinamento para a tomada de decisão.” Antes de ser conhecida em todo o País como integrante da equipe de apresentadores do Jornal da Globo, Luciana fez um estágio na BBC de Londres, onde aprimorou seu inglês e ganhou uma nova visão do mundo. A permanência na Europa e o trabalho na maior rede de TV do Brasil foram úteis, mas ela ampliaria ainda mais sua experiência ao trabalhar na revista Veja e no Jornal do

Brasil. “Fui editora no JB e tenho noção de que um minuto de atraso no fechamento da edição de um diário pode significar perda de exemplares e de prestígio. Numa editora de livros, nossa responsabilidade também é muito grande, mas num processo diferente.” Reuniões, viagens, conferências e seminários fazem parte da rotina de Luciana, que, entretanto, dedica a maior parte de seu tempo para a leitura de originais, um tipo de trabalho que se transformou nos últimos dez anos como a chegada da internet: “Diante do computador, posso ler os textos, dar opinião e consultar pessoas com agilidade. Isso eu faço em casa e na editora. Ou mesmo em viagem.” O Grupo Editorial Record, em que Luciana trabalha, é considerado o maior da América Latina, formado por oito editoras: a pioneira Record, de 1942; e mais sete – Best Seller, José Olympio, Civilização Brasileira, Nova Era, Bertrand Brasil, Rosa dos Tempos e Difel. Entre os mais de 3 mil autores do catálogo do grupo, estão o americano Ernest Hemingway, o colombiano Gabriel García Márquez, o chileno Pablo Neruda, o alemão Herman Hesse, o franco-argelino Albert Camus e os brasileiros Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Gilberto Freyre, Rubem Braga, Fernando Sabino e Zélia Gattai. O trabalho com TV, jornal, revista e livros exige vocação? Luciana Villas-Boas acredita que sim. E considera fundamental a formação desde criança, por influência da família: “Aos 4 anos, eu já estava alfabetizada. Aprendi a ler com minha mãe e não entendo como ela conseguiu isso. Não passei pela pré-escola. Fui diretamente para a primeira série do Colégio Sacré Coeur de

Setembro 2008 Panorama 51


Perfil

Marie, no Rio, com 5 para 6 anos, enquanto a turma toda tinha 7 anos ou estava prestes a completar essa idade. Levava de bagagem literária a leitura completa de Caçadas de Pedrinho. Não recomendo a alfabetização em casa, pois entrei para o colégio desconhecendo vários termos do vocabulário escolar, como ‘ditado’, mas sou grata à minha mãe por aquele incentivo todo.” No colégio e em casa, Luciana continuou lendo bastante, dos 8 aos 12 anos: “Esse foi, em minha vida, o período se não mais rico literariamente, com certeza o mais prazeroso, o de relação mais pura com a leitura . Consigo evocar para mim mesma o prazer que sentia ao ler, mas dificilmente conseguiria traduzi-lo em palavras. Antes de completar 8 anos, já havia lido toda a coleção de Monteiro Lobato e alternava fases em que o livro preferido, várias vezes relido, era Os doze trabalhos de Hércules, com outras em que a paixão era A chave do tamanho ou Viagem ao céu. Tinha uma fixação que hoje só posso denominar de erótica pelo príncipe da ilustração de capa de O Picapau Amarelo, embora esse livro não estivesse entre os meus favoritos.” Monteiro Lobato, no entanto, estava longe de ser o único autor da vida da pequena Luciana. “Amei as obras de Mark Twain e preferia Tom Sawyer a Huckleberry Finn”, recorda. “Adorava os livros de Laura Ingalls Wilder, Uma casa na campina, Uma casa na floresta e O jovem fazendeiro. Dois outros livros de autores ingleses que adorei e nunca mais encontrei em lugar nenhum: Minha amiga raposinha, a história de um menino que por engano pegava para criar um filhote de raposa pensando que era um cãozinho, e O crepúsculo da magia. Este era a história de um rapazote que recebia de uma bruxa uma concha que esquentava em seu bolso quando outras pessoas falavam dele e, levandoa ao ouvido, era possível saber tudo o que se dizia.” Fim da década de 60. Aos 9 anos, Luciana perturbou tanto seu pai, dizendo que já era hora de ler livro de gente grande, que ele deu a ela um livro grosso: “Foi Exodus, de Leon Uris, com mais de 600 páginas. E li mesmo. O resultado foi que ele me despertou para a primeira causa de tantas na vida, o sionismo. E a obsessão com 2ª Guerra Mundial e o Holocausto. Com base nisso, li O diário de Anne Frank e tudo sobre guerra que havia na bibliote-

52 Panorama

Setembro 2008

ca de casa, além de querer me converter ao judaísmo, entrar de sócia para um clube judaico e outras coisas. Logo em seguida, em 1967, estourou a Guerra dos Seis Dias, entre Israel e países árabes. Acompanhei todo o noticiário e tentava entender por que aquela violência.” Até os 12 anos, Luciana Villas-Boas leu tudo de Morris West e de Arthur Hailey, autores de best sellers daquele tempo: Sandálias do pescador, Voando para o perigo, O Hospital, O Hotel. “Mas também li pela primeira vez Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e foi muito importante para minha vida. Uma visão ampla da injustiça brasileira me foi descortinada. A cachorra Baleia levou-me às lágrimas e aprofundou em mim o amor e a total solidariedade aos bichos, especialmente os cachorros. Gosto de animais até hoje.” Jorge Amado, uma das atrações da Editora Record, entrou na vida de Luciana nos anos 70. “Depois dos 12 anos, eu tirava da estante Gabriela Cravo e Canela e Dona Flor e seus dois maridos. E, assim, aos poucos, lia os grandes romances de Jorge Amado, acreditando que aquilo era literatura erótica, coisas da idade”, conta. “Minha avó me deu a versão brasileira de um livrinho americano para adolescentes, Já é tempo de saber. Bobinho, mas ajudou a tirar algumas dúvidas e aplacar algumas dores. Pouco depois, minha irmã quatro anos mais velha, Flávia, muito boa aluna e que, na época, representava uma excelência intelectual que eu acreditava ter o dever de alcançar, começou a namorar um rapaz igualmente estudioso, e todo dia 4 eles se davam livros de presente. Era a época do boom latino-americano...” Isso foi ótimo para a adolescente com sede de leitura, recorda a hoje editora Luciana. “Obriguei-me a ler aqueles livros, muito Borges, Cortazar, Carlos Fuentes, Juan Rulfo, Manuel Scorza, Vargas Llosa, Miguel Astúrias e, naturalmente, García Márquez. Só gostei mesmo de García Márquez, Vargas Llosa... Bem menos, Scorza e Astúrias. Já Borges e Cortazar, fui apreciar mais tarde. Até hoje, porém, destaco o trabalho de Vargas Llosa. Considero Conversa na catedral, Tia Júlia e o Escrevinhador e Pantaleão e as visitadoras algumas das grandes obras de ficção daquele período.” E os brasileiros, além de Machado de Assis, Graciliano Ramos e Jorge Amado? “Comparados com o realismo fantástico e a linguagem hermética dos latino-ame-

Foto: Divulgação


ricanos, os clássicos do século XIX eram mais fáceis de penetrar. Reli ou li direito os bons romances de Machado de Assis, Dom Casmurro e Memórias póstumas de Brás Cubas. Dos portugueses, Eça foi o que mais me entusiasmou... Ao ler O crime do padre Amaro, fiquei impressionada com a sensibilidade de Eça de Queiroz para a questão da mulher. Em seguida, A ilustre casa de Ramires, Primo Basílio e Os Maias deslumbraram-me completamente, e constatei que o sentido da história em Eça, além de seu humor e sua percepção das questões sociais, sempre iria fazer que eu tendesse mais para ele do que para o também ótimo Machado.” Guimarães Rosa também ocupa espaço na biblioteca de Luciana, ao lado de Graciliano Ramos e outros: “Antes dos 20 anos, fiz questão de reler Vidas Secas e vi em Graciliano o maior de nossas letras. Vinha lendo os contos de Guimarães Rosa no colégio e resolvi aventurar-me por Grande Sertão: Veredas. Foi um novo impacto estético.” Entre os grandes clássicos europeus, Luciana destaca o francês Stendhal, com O Vermelho e o Negro; Dostoievski, de Crime e Castigo e Irmãos Karamazov, e Tolstoi, de Anna Karenina e Guerra e Paz. Ler Karl Marx foi importante para uma Luciana que já sonhava ser jornalista, no fim da década de 70. Tal contato contribuiu para sua cultura e para atuais questionamentos: “Os capítulos históricos, como o da acumulação primitiva em O Capital e A contribuição à crítica da economia política, foram iluminações. Se hoje renego praticamente todas as conclusões de Marx, o método de analisar as coisas permaneceu, a busca a mais fria possível da observação da realidade e da história para, a partir daí, tentar uma formulação teórica geral. Não que eu consiga, é claro, mas algo que atualmente mexe comigo é como tantos que se dizem marxistas recusam-se com tanta teimosia a encarar a história das últimas três décadas. O ‘sentido da colonização’ na Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior., e A formação econômica do Brasil, de Celso Furtado, explicaram-me o atraso brasileiro.” Dois anos de permanência em Londres deram a Luciana Villas-Boas o contato com uma das principais empresas de rádio e TV do mundo, a BBC. “Fiquei na Inglaterra dos 19 aos 21 anos. Então, sistematizei minha compreensão da situação

da mulher e das relações amorosas com a leitura de The Female Eunuch, de Germaine Greer, Against our Will, de Susan Brownmiller, uma impressionante e detalhada história do estupro como arma de dominação, e Psychoanalisis and Feminism, de Juliet Mitchell, crítica pioneira e devastadora do machismo em Freud.” Ao voltar para o Brasil, Luciana tornou-se jornalista profissional e entrou para a TV Globo, onde teve várias funções, entre as quais a de apresentadora de telejornais. Mesmo assim, não abandonou os livros: “Descobri José Saramago, e guardo um lugar especial para o Memorial do Convento, na minha estante onírica de romances mais queridos, assim como para Memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar, e O Gatopardo, de Tommaso di Lampedusa. Na estante dos contos, passou a figurar com muito destaque Isaac Bashevis Singer.” Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, a reunificação alemã, o fim da União Soviética após a perestroika e a democratização de antigos países comunistas, Luciana ampliou seu interesse pela política internacional. “Para mim, era muito importante tentar compreender o retumbante fracasso da experiência soviética. Quando, apesar de todo o tempo passado nas redações da TV Globo, da Veja ou do Jornal do Brasil, dispunha-me a algo mais pesado, pegava livros do historiador inglês Perry Anderson, como A crise da crise do Marxismo, que acabou me levando a ler tudo de um economista escocês Alec Nove. Suas obras me aproximaram do conceito de ‘socialismo de mercado’, no qual acreditei piamente”, explica. Naquela época, nada melhor do que uma ida para os Estados Unidos. Aos 31 anos, Luciana Villas-Boas foi para a Califórnia usufruir um ano sabático, por conta uma bolsa de estudos para jornalistas da John Knight Fellowship. Ela conta: “Maravilhosa bolsa, dava-me na Universidade de Stanford, perto de São Francisco, todos os direitos de um estudante e os privilégios de um professor visitante. O principal critério de admissão era a pertinência de um plano de estudos elaborado pelo candidato. Uma vez que na época eu era subeditora da seção Internacional do Jornal do Brasil e o tema quente da minha área era a Perestroika, preparei um curso em torno de economia soviética, história e literatura da Rússia e Guerra Fria.”

As descobertas de Luciana servem de dicas de leitura para jovens de hoje interessados em conhecer melhor a transformação do mundo: “Estudei muito o sistema econômico e político soviético em autores como Moshe Lewin e Roy Medvedev, li Sobre a Guerra, de Clausewitz, em um curso ministrado por Condoleesa Rice, li Os Demônios, de Dostoievski, em um seminário conduzido por seu biógrafo Joseph Frank. Mas a maior descoberta, até hoje uma paixão, foi a literatura soviética dos anos 20, riquíssima, muito crítica, cáustica, cheia de humor ferino e ironia, como Mestre e Margarida, de Bulgakov, os contos de Isaac Babel e Mikhail Zoshchenko, o único romance de Yuri Oliesha, Inveja, o simbolismo de Petersburgo, de Andrei Bely, a ficção científica de Nós, de Zamyatin. O aborrecido dessas leituras é que aqui não tenho com quem conversar sobre muitos desses livros e autores, raramente traduzidos para o português.” Luciana retornou mais amadurecida ao Brasil. Teve filhos aos 33 anos e aos 36. “Com as crianças ainda pequenas, passei a ler menos livros, pois continuava trabalhando em jornal. Era mais fácil ler poesia e contos. Já estava no Caderno Idéias do JB, que seria a porta de entrada para a editora.” Como diretora da Record, Luciana tem hoje um modo diferente de encarar a leitura. A mudança é explicada: “O prazer estético do texto mistura-se então com a euforia de apresentar algo novo a outros leitores, de descobrir um autor desconhecido. Fica tudo muito misturado, tornouse impossível citar as leituras que me mais me impactaram e que se tornaram mais caras. O último livro que li é sempre o melhor. Acabei de preparar um romance belíssimo, Escuro Esquecimento, de Cláudia Lage, a história do amor impossível entre Joaquim Nabuco e Eufrásia Teixeira Leite. Vale a pena ler!” Luciana Villas-Boas sorri ao falar, com entusiasmo, de outro autor, John Gray, filósofo inglês de Novo amanhecer e Cachorros de palha: “Ele consolidou mudanças radicais na visão de mundo que eu havia construído na juventude e que vinha se rompendo desde os meus trinta e poucos anos. Gray alterou quase todos os paradigmas, tornou-me pessimista quanto à história e descrente quanto à capacidade da espécie humana de se regenerar. Depois do sionismo da infância e do socialismo da P juventude, hoje, uma causa, para me mobilizar, só mesmo os direitos dos animais.” Setembro 2008 Panorama 53


Calendário

No Brasil

XII Feira Pan-Amazônica do Livro

19 a 28 de setembro - Hangar Centro de Eventos da Amazônia Belém (PA)

3º Salão do Livro de Ipatinga

31 de setembro a 5 de outubro – Centro Cultural Usiminas Ipatinga (MG) Realização: Nascentes Comunicação/Paralelo 3 (31) 3261-7517 e (31) 3261-3389

www.salaodolivro.com.br

Feira do Livro da Baixada Santista Salão de Educação/Conecta Inteligência (Congresso de Ensino-Aprendizagem) 8 a 12 de outubro – Mendes Convention Center Realização: Grupo Promofair Santos (SP) (13) 3261-3131

www.fenalba.com.br

2º Salão do Livro de São Luís

9 a 19 de outubro Realização: RPS Feiras São Luís (MA) (11) 3333-7878 contato@rpsfeiras.com.br ou www.rpsfeiras.com.br

Congresso Latino-Americano do Mercado Editorial (CLAME) 30 e 31 de outubro – Porto Alegre (RS)

54ª Feira do Livro de Porto Alegre

31 de outubro a 16 de novembro – Praça da Alfândega, Porto Alegre (RS) Realização: Câmara Rio-Grandense do Livro (51) 3225-5096 www.feiradolivro-poa.com.br

Feira do Livro de Curitiba

4 a 16 de novembro – Praça General Osório Curitiba (PR) Realização: Instituto da Educação e do Livro (47) 3422-1133 feiradolivro@institutofeiradolivro.com.br

4º Festa Literária Internacional de Porto de Galinhas 6 a 9 de novembro - Praia de Porto de Galinhas

http://www.fliporto.net/

8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará

13 a 21 de novembro – Centro de Convenções de Fortaleza (CE) Realização: RPS Feiras (11) 3333-7878 contato@rpsfeiras.com.br ou www.rpsfeiras.com.br

IV Fórum de Editoração

22 de Novembro - Museu de Arte de São Paulo, MASP, das 8h30 às 17h30

forumdeeditoracao@gmail.com

Calendário

No Mundo

Feira Internacional do Livro de Gotemburgo 25 a 28 de setembro – Gotemburgo, Suécia

www.bok-bibliotek.se

Feira Internacional do Livro de Santiago

31 de outubro a 16 de novembro – Santiago, Chile

www.camaradellibro.cl/filsa/ Feira do Livro de Istambul

14ª Feira do Livro do Pacífico – Encontro de Culturas e Regiões 3 a 13 de outubro – Cali, Colômbia Realização: Universidad del Valle e Fundación Cámara del Libro Del Suroccidente Colombiano

ferialibropacifico@univalle.edu.co

01 a 11 de novembro – Istambul, Turquia

www.tuyap.com.tr/en Miami Book Fair

9 a 16 de novembro – Miami, Estados Unidos

http://www.miamibookfair.com/ 26ª Liber – Feira Internacional do Livro

8 a 10 de outubro – Pavilhão 1 Recinto de Gran Via, Barcelona, Espanha Realização: Federación de Gremios de Editores de España

www.salonliber.com

Feira do Livro de Frankfurt 2008

15 a 19 de outubro – Frankfurt, Alemanha

www.frankfurt-book-fair.com

54 Panorama

Setembro 2008

Feira do Livro de Oslo

21 a 23 de novembro – Lillestrom-Oslo, Noruega

messe.no/en/ntf/Projects/Bok/Besokende

Feira Internacional do Livro de Guadalajara 29 de novembro a 7 de dezembro – Guadalajara, México

www.fil.com.mx


empresa amiga do livro

De rodas e de livros Uma das pioneiras do mercado brasileiro de veículos, a Volkswagen elege a leitura como foco dos seus investimentos em educação Logo na entrada do Pavilhão de Exposições do Anhembi, em São Paulo, durante a Bienal Internacional do Livro, os visitantes se deparavam com um espaço ocupado por uma Kombi repleta de livros e rodas de leitura acontecendo o tempo todo, por onde passaram mais de 6 mil crianças. Mais adiante, um auditório com capacidade para 400 pessoas abrigava maratonas literárias com sessões de bate-papo entre leitores e escritores diversas vezes por dia. O que havia em comum entre eles? Ambos traziam a marca da Volkswagen. A montadora foi a principal patrocinadora da Bienal de 2008 – daí a presença maciça no evento, seja por meio do estande de sua fundação ou pelo espaço montado para os salões de idéias realizados no local. Mas engana-se quem imagina que essa tenha sido a sua primeira incursão na causa do livro e da leitura no Brasil. “O livro tem uma presença marcante na trajetória de 55 anos da Volkswagen no Brasil. Somos uma empresa que sempre esteve voltada para o incentivo à leitura”, explica Thomas Schmall, presidente da montadora no País. A Fundação Volkswagen, responsável pelas ações sócio-educativas da compa-

nhia, desenvolveu nos últimos 29 anos importantes projetos de fomento à leitura. E todos eles focados em melhorar a qualidade da educação de crianças e adolescentes brasileiros. Os projetos sociais desenvolvidos pela instituição já beneficiaram, até hoje, cerca de 290 mil jovens da rede pública de ensino em 172 municípios do Brasil. Um desses projetos é o Entre na Roda, criado há cinco anos, que visa tanto o desenvolvimento do gosto pela leitura como a formação de leitores. Para isso, a iniciativa capacita professores e voluntários para que eles utilizem técnicas de contação de histórias em suas comunidades. A fundação doa um baú com cerca de 200 títulos às entidades participantes. O material serve como base para a criação de uma futura biblioteca. A intenção, além de atrair o público infanto-juvenil, é disseminar o hábito da leitura junto aos mais variados públicos. Além de abranger centenas de escolas estaduais e municipais de 137 municípios brasileiros, o projeto já foi levado com sucesso a bibliotecas públicas, comunidades quilombolas, presídios, hospitais e até a uma escola de samba. Desde que foi criado, o Entre na Roda Foto: Fanca Cortez

Foto: Divulgação

Conceição: livros no foco da empresa já formou mais de mil multiplicadores de leitura e beneficiou diretamente um público de 100 mil pessoas, formado principalmente por crianças e adolescentes. O projeto é um dos pilares centrais do Território Escola, programa de incentivo à educação pública de qualidade desenvolvido pela fundação. “O letramento é valorizado pela empresa porque a leitura é a habilidade básica necessária para que qualquer estudante possa ingressar em outras áreas do conhecimento e aprender para valer o conteúdo escolar”, afirma a diretora da Fundação Volkswagen, Conceição Mirandola. Em 2007, paralelamente ao Entre na Roda, a Volkswagen também realizou uma grande campanha de arrecadação de livros para as bibliotecas públicas do estado de São Paulo. A iniciativa conseguiu 115 mil livros, sendo metade doada pelo público e metade comprada pela fundação. A campanha mobilizou o banco da companhia, suas três fábricas no estado e as 190 concessionárias da marca espalhadas pela capital e por P todo o interior paulista.

Mais de 6 mil crianças foram ao estande da Fundação Volkswagen na Bienal Setembro 2008 Panorama 55


Gente que lê Galeno Amorim www.blogdogaleno.com.br

Pescador de leitores Foto: Divulgação

56 Panorama

Setembro 2008

O dia ainda não amanheceu quando seu Joaquim faz as primeiras manobras para estacionar a velha carroça diante da casa número 1.135 da Avenida Benjamin Constant. A vizinhança dorme o sono dos justos. São pontualmente cinco horas da manhã. Com todo cuidado, que é para não fazer barulho – que barulho, como ensinou o poeta, de nada resolve –, ele inicia o ritual que repete com fervor quase religioso nos últimos anos. O dono da casa o ajuda a empilhar, zelosamente, as sete caixas. O animal se assusta e ameaça relinchar. Mas o homem, que não quer saber de vizinhos acordando a essa hora da madrugada, sussurra alguma coisa que aquieta o bicho. No pouco espaço que resta na carroça, agora ele ajeita duas estantes de aço. Como quem sabe o que faz, o carroceiro ruma à direção do estádio, palco de gloriosas partidas do campeonato de futebol amador de Pirapora, no Alto do Rio São Francisco, interior de Minas. Mas não é este seu destino final. Minutos mais tarde, freia bruscamente o carro de tração-animal no meio da via pública. Apesar da hora, já há por ali um forte burburinho. Homens e mulheres montam, sem perda de tempo, as barracas. Ajeitam, nas bancas, dúzias de tomates, laranjas e outras frutas frescas colhidas na véspera. A carga misteriosa é descarregada com cuidado e posta no chão. Perto dali, o cheiro que exala dos isopores de pescados impregna o amanhecer. Léo do Peixe está radiante. Tira do bolso duas notas de dez reais e paga o carreto. Domingo, afinal, é dia de feira livre no Santos Dumont, bairro de classe média baixa onde ele vive há anos. Nos dias de semana, Leonardo da Piedade Diniz Filho pesca e vende em casa os peixes que há 18 anos retira nas águas do

Velho Chico. No domingo, faz a feira. Ao lado da barraca de peixes, a esposa monta sua barraca de roupas infantis. Quando as caixas são abertas, uma surpresa: não há nada ali que possa ser vendido nas duas bancas! Mesmo assim, eles estão felizes. E o que tem lá dentro? Livros! São livros para leitores de todas as idades. Quando clarear o dia, mais uma vez eles estarão lá fazendo fila diante da inusitada barraca para, em vez de verduras ou frutas, enfiar na sacola uma outra categoria de alimento – esse, alimento para a alma. Lobato, Machado, Eça, Coelho, não importam os autores. Muitos vão lá só pelo simples prazer de acariciar as obras. Uns lêem lá mesmo, outros levam para casa e devolvem na outra semana. Cada um leva o que quer e, se não terminou de ler, também não tem problema: o prazo é prorrogado. Não há burocracia e também não paga. É simples assim o Clube de Leitura de Pirapora, que começou por causa do medo de Léo do Peixe de ver os filhos de pais tão ocupados se afastarem aos poucos dos livros. Logo os filhos dos outros feirantes apareceram e, hoje em dia, já são 400 sócios – pelo menos 80 aparecem a cada domingo. Muita gente vai à feira só para pegar livros. O movimento cresceu tanto que o pescador precisou até contratar ajudantes. E como a biblioteca municipal não abre nos finais de semana, o clube agora é uma referência na cidade. Léo diz que foram os livros que mudaram sua vida. Ele gostou tanto dessa história de pescador de leitores que resolveu abrir mais sete pontos de leitura pela cidade. Pra quem pergunta por que faz isso, Léo do Peixe tem a resposta na ponta da língua: — Quem não lê é um cidadão de segunP da classe...


Setembro 2008 Panorama 57


ImagemPanor창mica

Bienal do Livro, S찾o Paulo, 2008 Foto: Fanca Cortez 58 Panorama

Setembro 2008


BNDES

Setembro 2008 Panorama 59


Retratos Retratos da Leitura Retratos da Leitura no Brasil da no Leitura Brasil GalenoBrasil Amorim | no Galeno Amorim |

Retratos Retratos da leitura da leitura no Brasil Brasil organizador

organizador

Galeno Amorim | organizador

Em busca de respostas. Ou, pelo menos,

suscitar uma convida reflexão permanente EnquantodeMoacyr Scliar a uma o assunto. deliciosasobre reflexão em torno do sentido simbólico dos livros no imaginário Enquanto Moacyr Scliar convida a uma coletivo, Jorge Werthein chama a deliciosa reflexão em torno do sentido atenção para as novas formas de simbólico dos livros no imaginário leitura e coletivo, seu papelJorge no desenvolvimento Werthein chama a do cidadão. Mariapara Antonieta Antunes atenção as novas formas de Cunha mergulha nos papel números gerados leitura e seu no desenvolvimento pela pesquisa Retratos daAntonieta Leitura no do cidadão. Maria Antunes Brasil, encomendada pelonos Instituto PróCunha mergulha números gerados pela pesquisa Retratos da Leitura no Livro ao Ibope Inteligência e coordenada Brasil, encomendada pelo Instituto Própelo Observatório do Livro e da Leitura.

Livro ao Ibope Inteligência e coordenada

Observatório do Livro e da Leitura. Os dadospelo confirmam antigas suspeitas e trazem revelações surpreendentes. dadosLindoso confirmam antigas suspeitas EnquantoOs Felipe reflete sobre e trazem revelações surpreendentes. os caminhos para o mercado de livros Enquanto Felipe Lindoso reflete sobre que o estudo sugere, Zoara Failla faz os caminhos para o mercado de livros interessantes inferências a respeito da que o estudo sugere, Zoara Failla faz leitura entre um público leitor especial: interessantes inferências a respeito da os jovens leitura e as crianças. Jápúblico Lucília leitor Garcez entre um especial: vasculha os e encontra dados fascinantes jovens e as crianças. Já Lucília Garcez sobre o contingente de 77 milhões vasculha e encontra dadosde fascinantes não-leitores. André Lázaro, Jeanete sobre o contingente de 77 milhões de Beauchamp, JéfersonAndré Assumção e Jeanete José não-leitores. Lázaro, Beauchamp, Jéferson Assumção Castilho Marques Neto aproveitam para, e José Marques Neto práticas aproveitam para, a partir deCastilho tudo isso, rediscutir a partir deem tudo isso,e, rediscutir e ações que estão curso mais dopráticas ações que o estão curso que isso, eapresentar que em deve ser e, mais do que isso, apresentar o que deve ser daqui para a frente.

Retratos da Leitura no Brasil, originado de pesquisa homônima, convida o leitor a refletir sobre os sentidos socioculturais do ato dedeler Retratos da Leitura no Brasil, originado tanto na história da sociedade quanto pesquisa homônima, convidabrasileira o leitor a refletir dassobre sociedades, cujosocioculturais fundamentodo é ato o livro. os sentidos de ler Permite traçar um da perfil minucioso das quanto tanto na história sociedade brasileira motivações, condições instituições das sociedades, cujo efundamento é o livro. responsáveis pela formação tanto dos leitores Permite traçar um perfil minucioso das motivações, e instituiçõeso quanto dos não condições leitores e ressignificar responsáveis pelacom formação tanto dos leitores conceito de leitura a implementação quanto dos e ressignificar o da internet na não vidaleitores coletiva. Segundo André conceito de leitura com a implementação Lázaro e Jeanete Beauchamp, “sua análise da internet na vida coletiva. Segundo Andrée detalhada orienta quanto ao fortalecimento Lázaro e Jeanete Beauchamp, “sua análise à articulação de ações de formação de leitores detalhada orienta quanto ao fortalecimento e e também suscita questões que exigem à articulação de ações de formação de leitores o exame cuidadoso dos dados primários, e também suscita questões que exigem de modo a orientar ações que possam o exame cuidadoso dos dados primários, ampliar e fortalecer prática dapossam leitura de modo a orientaraações que no país, dentro e fora da escola.” ampliar e fortalecer a prática da leitura no país, dentro e fora da escola.”

Galeno Amorim | organizador Retratos da leitura no Brasil Galeno Amorim | organizador Retratos da leitura no Brasil

Como, então, assegurar ao cidadão o acesso a esse bem tão essencial para a civilização? Pensadores das mais diversas Como, estirpes tratam aqui deao compor então, assegurar cidadão um painelo acesso a respeito desse a esse bemuniverso. tão essencial a civilização? Pensadores das mais Em buscapara de respostas. Ou, pelo menos, diversas estirpes permanente tratam aqui de compor de suscitar uma reflexão um painel a respeito desse universo. sobre o assunto.

Retratos da Leitura no Brasil é uma contribuição extraordinária para quem tem qualquer tipo de atuação

Retratos

Retratos da leitura da noleitura Brasil no Brasil Galeno Amorim | organizador

Galeno Amorim | organizador

ou Leitura responsabilidades em torno da Retratos da no Brasil é uma questão do livro epara da leitura no País. contribuição extraordinária quem temDe qualquer tipo de atuação autoridades das áreas de educação ou responsabilidades em torno da e cultura – ministros, governadores, questão do livro e da leitura no País. secretários estaduais e municipais e De autoridades das – áreas de educação prefeitos a dirigentes de instituições e cultura do – ministros, mundo dogovernadores, livro e gestores de projetos secretários estaduais e públicos municipais e programas oueprivados. prefeitos – a dirigentes de instituições do mundo do livro e gestores de projetos Contribui também para organizações e programas públicos ou privados. não-governamentais, educadores,

jornalistas, editores, Contribui pesquisadores, também para organizações livreiros, bibliotecários, não-governamentais, educadores, autores, trabalhadores da editores, cadeia produtiva do pesquisadores, jornalistas, livro e da cadeia mediadora da leitura livreiros, bibliotecários, autores, e militantes geral dessa causa. trabalhadores da cadeiaem produtiva do também será de grande livro e da Certamente, cadeia mediadora da leitura e militantes empara geralespecialistas dessa causa. em políticas valia Certamente, também será grande públicas e para osde interessados, em geral, valia parano especialistas em políticas tema – que, por sinal, desperta cada públicas evez paramais os interessados, emsociedade geral, a atenção da e dos no tema –governos. que, por sinal, desperta cada Mesmo porque os livros, vez mais a atenção da sociedade e dos sem perder o charme de sempre, governos. Mesmo porque os livros, cada vez deixam de ser um objeto sem perder o charme de sempre, sacralizado ou fonte puramente de cada vez deixam de ser um objeto prazer e diletantismo o que por si só sacralizado ou fonte puramente– de já é formidável! E assumem prazer e diletantismo – o que por si só novo papel na vidaE moderna. serem percebidos já é formidável! assumem Para novo papel pelo cidadão comum como uma espécie na vida moderna. Para serem percebidos de comum chave que abre asespécie portas de um pelo cidadão como uma admirável novo. de chave que abre asmundo portas de um Seja para os admirávelindivíduos, mundo novo. Seja para seja para osos países e as indivíduos, seja para países as cidades. E,os assim, a eprática social da cidades. E, assim,torna-se a práticaasocial leitura senhadaque pode dar leitura torna-se pode dar pessoal, acessoaàsenha maiorque autonomia acesso à maior autonomia pessoal, à inventividade e ao gozo pleno da à inventividade e ao gozo pleno cidadania. E, como sedasabe, essas cidadania. E, como se sabe, essas são condições imprescindíveis para são condições imprescindíveis para se chegar a uma sociedade mais se chegar a uma sociedade mais próspera próspera e justa. e justa.

Galeno Amorim| |organizador organizador Galeno Amorim

daqui para a frente.

Galeno Amorim

Galeno Amorim ISBN 978-85-7060-616-7 ISBN 978-85-7060-616-7

9 97 78888557700 66 00 66 1 16 6 77

28455001 28455001 capa.indd 1 capa.indd 1

11.08.08 13:52:1711.08.08 13:52:17

Retratos da Leitura no Brasil, que

Retratos da Leitura nono Brasil, que se originou pesquisa do mesmo Retratos dada Leitura Brasil, que

se da dodo mesmo nome, encomendada pelo Instituto seoriginou originou dapesquisa pesquisa mesmo

nome, encomendada pelo Instituto Pró-Livro ao Ibope Inteligência, vai nome, encomendada pelo Instituto Pró−Livro Ibope Inteligência, vai além dos ao dados gerados por este que Pró−Livro ao Ibope Inteligência, vai dos dados por este que éalém o maior estudogerados já realizado sobre o

além dos dados gerados por este que

é o maior estudo leitor já realizado sobre o comportamento da população.

é o maior estudo já realizado sobre o

comportamento leitor da população. Os resultados, entre surpreendentes

comportamento leitor da população.

resultados, são entre eOsreveladores, porsurpreendentes si próprios de

Os resultados, entre surpreendentes

e reveladores, são por si próprios de uma riqueza impressionante.

e reveladores, são por si próprios de uma riqueza impressionante. uma riqueza impressionante.

www.imprensaoficial.com.br/livraria www.imprensaoficial.com.br/livraria

www.imprensaoficial.com.br/livraria

60 Panorama

Setembro 2008

R c q o q D e s p d e

C n p l t l e C v p n v g s c s p j n p d a i c l a à c s s p


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.