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Sumário
9 Entrevista O deputado federal Antonio Palocci defende a lucratividade do negócio do livro como um caminho para baixar preços e ampliar o acesso à leitura, e diz que idéias e inovações surgem do bom debate e da boa leitura
26 Reportagem de capa O longo caminho percorrido pelo livro até chegar às mãos do leitor envolve o trabalho de vários profissionais, além do fator principal, que é a idéia, a pesquisa e a inspiração do autor
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Capa: Foto:Fanca Cortez Arte: Wagner Luiz Santos e Alisson Pádua
24 Boa Idéia Um museu vivo da literatura na UFMG reúne acervo de escritores mineiros. O trabalho começou com a doação da obra da escritora Henriqueta Lisboa à universidade
32 Políticas Públicas Alunos de escola pública do país vão receber um kit de livros das mais diversas matérias para usar durante as aulas, em 2009. Trinta e sete milhões de crianças e adolescentes estão matriculados
38 Comportamento leitor Mulheres lêem mais que os homens, aponta a pesquisa do Instituto Pró-Livro. Em Minas Gerais, uma empregada doméstica é maior freqüentadora da biblioteca, e lê três livros por mês
45 Rotas Literárias Boa hora e bom lugar para o turismo literário: a Feira do Livro de Porto Alegre, uma parada obrigatória, motivo de orgulho para os moradores, e a mais admirada do Brasil
49 Como me apaixonei pelos Livros O radialista Eli Correa agradece até hoje o presente da primeira professora do “ginásio”: um livro de Camilo Castelo Branco, o começo de uma paixão duradoura
6 Palavra do Leitor As cartas do mês 8 Boa Leitura Mensagem da presidente da CBL 14 Cadeia Produtiva Notícias das entidades do livro 18 Acontece O que é notícia no mercado de livros 20 Socialmente Responsável Filantropia e investimento social privado 21 Ponto de Vista Renata Borges 22 Outras Mídias O livro na TV, no Rádio e na Internet 31 Todo Mundo Lê Talita Castro, Moacyr Scliar, Rodrigo Faour 34 Mercado e Tendências Brasil produziu 351 milhões de livros em um ano 36 Pelo Mundo Afora A grande Biblioteca Nacional da China 37 Vitrine O que há de novo nas prateleiras 41 Radiografia Heródoto Barbero 42 Prêmios & Concursos Os premiados do Jabuti 44 Livros Sobre Livros Mistura eficiente de realidade e ficção 50 Cinema e Livros Literatura infanto-juvenil conquista espaço em Hollywood 52 Calendário Uma agenda dos eventos no Brasil e no mundo 53 Empresa Amiga do Livro Instituto Cetro doa livros às detentas do Carandiru 54 Perfil Adélia Prado 56 Gente que Lê Amor, amizade e leitura no barco biblioteca 58 Imagem Panorâmica Um momento de ler
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Palavra do Leitor
A leitura para o vestibular
Excelentes as matérias publicadas na seção Retratos da Leitura nas duas edições mais recentes de Panorama. Sou escritor e editor. Desenvolvo junto às escolas e secretarias de Educação dois projetos de leitura: Projeto Autor na Sala de Aula, existente há mais de dez anos, e Comunidade Leitora, há uns sete anos. Concordo que a formação do leitor se dá principalmente pelo prazer de ler. No entanto, de um prazer que pela emoção provoca a transformação do indivíduo. Por isso, aponto que faltou na matéria tocar no problema principal que afasta os jovens da leitura: o diabo da leitura para o vestibular. Essa leitura é um câncer social, em que a maioria mente que lê, enquanto decora fichas de leitura. Basta perguntar para qualquer leitor, professor ou escritor que conversa com eles. Se não se tomar alguma atitude em relação a essa famigerada leitura para o vestibular, que na vida prática não serve para nada, e é apenas um funil excluidor, continuaremos – pais, professores e escritores – formando leitores na infância e os perdendo da juventude para a idade adulta. Walmor Santos, escritor Porto Alegre, RS
Vida própria
A revista Panorama mudou bastante e o projeto ficou interessante. É importante que ela tenha, cada vez mais, vida própria. Uma revista para o setor do livro não pode refletir apenas uma entidade, mas realmente mostrar o que está acontecendo em todo o mercado. Miriam Gabbai, diretora da editora Callis São Paulo, SP
Pelo mundo afora
O que mais me impressionou na nova Panorama foi, sem dúvida, a seção Pelo mundo afora. Saber o que ocorre no ambiente literário de países como Inglaterra (grande número de bibliotecas públicas) e Estados Unidos (leitura de obras por e-mail) sempre me fascinou. É como viajar, sem pejo, por uma outra atmosfera e absorver o que ela tem de melhor: os livros e suas relações com eles. Rodrigo Capella, escritor e poeta São Paulo, SP
Um País de Leitores
É visível, em diferentes segmentos da sociedade brasileira, a partir dos Ministérios da Educação e da Cultura, do PNLL, da Câmara Brasileira do Livro, do Sindicato Nacional de Editores de Livros, entre tantos outros sindicatos e associações, do Instituto Pró-Livro, do Observatório do Livro e da Leitura, de Bienais do Livro, de encontros, seminários, jornadas em universidades, uma intensa movimentação pelo livro e pela leitura. A cadeia produtiva cumpre seu papel qualificando os materiais de leitura. Os dirigentes se conscientizam da necessária e urgente formação dos professores em dois níveis: básico e contínuo, para que se transformem em sujeitos leitores, críticos, autônomos, emancipados, formadores de outros sujeitos leitores. Acelera-se o desejo da transformação. Estamos vivendo uma nova atmosfera em nosso país. Estejamos a postos para transformar o Brasil realmente num país de leitores. Tania Rösing, Coordenadora das Jornadas Literárias de Passo Fundo Passo Fundo, RS
Crescimento
Participei, há muitos anos, da reunião em que a CBL decidiu publicar uma revista para o setor. Desde então, a Panorama só vem crescendo e se aprimorando. É muito importante o papel dela na cobertura dos assuntos da área do livro. Com essa revista, nós descobrimos várias novidades do setor, seja por meio de entrevistas ou de reportagens. Panorama representa muito bem a área.
Isis Valéria Gomes, especialista em programas de incentivo à leitura São Paulo, SP
Periodicidade e qualidade
Editar uma revista pode não ser tão complicado, mas manter sua periodicidade com qualidade e inovação não é tarefa fácil. Panorama tem conseguido fazer isso: manter a periodicidade e surpreender a cada novo número. O mundo do livro e da leitura agradece. Parabéns! Valter Kuchenbecker, presidente da Associação Brasileira de Editoras Universitárias (ABEU) Canoas, RS
Parabéns pelas mudanças
Parabenizo toda a equipe pelas mudanças na revista Panorama: o novo projeto gráfico e editorial tornou a publicação mais atraente e rica de conteúdo. O mercado editorial agradece! Valeska Scartezini, diretora de Marketing da SM Brasil São Paulo, SP
Mande seu e-mail. Os leitores podem enviar suas opiniões, comentários ou sugestões para serem publicados nesta seção para o e-mail cartas@brasilquele.com.br
Câmara Brasileira do Livro Presidente Rosely Boschini Vice-Presidentes Bernardo Gurbanov e Íris Odete Borges Diretores Editores Jorge Rodrigues Carneiro, Luiz Fernando Emediato, Paulo de Almeida Lima e Wagner Veneziani Costa Diretores Livreiros Antonio Erivan Gomes, Marcos Pedri, Marcus Teles C. de Carvalho e Onófrio Laselva Diretores Distribuidores Celso Soldera, José Luiz França, Luiz Eduardo Severino e Nassim Batista da Silva Diretores Creditistas Ítalo Amadio, Luiz Antônio de Souza, Mário Fiorentino e Pietro Macera Rua Cristiano Viana, 91 Tel: (11) 3069 1300 CEP 05411 000 São Paulo SP www.cbl.org.br
Agência de Notícias Brasil Que Lê Fundação Palavra Mágica Presidente Luciana Paschoalin www.palavramagica.org.br Observatório do Livro e da Leitura Diretor Galeno Amorim www.observatoriodolivro.org.br Av. José Maria de Faria, 470 Tel (11) 8389-0041 CEP 05038 190 São Paulo SP www.brasilquele.com.br
Conselho Editorial Bernardo Gurbanov, Cristina Lima, Galeno Amorim, Luis Eduardo Mendes, Luiz Carlos Ramos, Ítalo Amadio, Mário Fiorentino, Oswaldo Siciliano, Pietro Macera, Rosely Boschini e Valter Kuchenbecker Diretor Geral Galeno Amorim (galeno.amorim@observatoriodolivro.org.br) Editor-Chefe Luiz Carlos Ramos (editor@brasilquele.com.br) Diretor de Arte Wagner Luiz Santos (arte@brasilquele.com.br) Editor de Fotografia Fanca Cortez (fotografia@brasilquele.com.br) Redação (redacao@brasilquele.com.br) Alexandre Malvestio, Ricardo Costa (especial), Talissa Berchieri e Vanda Maria Elias Revisão Rosália Guedes Diagramação Rogério Lance (www.wga.com.br) Produção Gráfica (producao@brasilquele.com.br) Administração (administracao@brasilquele.com.br) Alexandre Dias Pré-Impressão e Impressão Ophicina das Artes
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Boa Leitura
Entre idéias, livros e leitores Entre a impressão sobre papel, na China, a invenção do alemão Gutemberg e as estantes abarrotadas de livros em todo o planeta – caso de Frankfurt, onde este mês acontece a maior feira de livros do mundo – lá se vão quase vinte séculos. E é impossível calcular a quantidade de leitores que conduz essa história até hoje. Ponta essencial do processo, que justifica o trabalho de tantos profissionais, talvez o leitor não se dê conta do elaborado, delicado e dispendioso percurso do livro, da primeira inspiração do autor às máquinas que imprimem as páginas e gravuras que alimentam o conhecimento humano. E, em seguida, às mãos de quem lê. A reportagem especial desta edição de Panorama refaz, minuciosamente, esse caminho. Uma homenagem ao Dia Nacional do Livro (29 de outubro), esse companheiro de todas as horas, razão de ser de nosso trabalho em vários aspectos, e que permeia as relações de um mercado em ascensão, cuja lucratividade é defendida, por exemplo, por gente como o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Na entrevista do mês, ele diz este é um dos caminhos para baixar preços e ampliar o acesso à leitura. Um acesso que no Brasil ainda depende de muito investimento e políticas públicas capazes de gerar riqueza econômica e social para a Nação: investir em educação de qualidade, na formação de educadores e nos agentes de leitura, desenvolver amplas políticas de bibliotecas públicas. Para, assim, formar mais leitores, e que leiam mais, como fazem as mulheres da reportagem sobre o comportamento leitor da população. Nesta edição, o tema abordado é o fato de que as mulheres lêem mais que os homens. Significativo? Sim, muito. Mas, onde estão as não leitoras (e os não leitores) e o que fazer para encantá-los? Por trás dos números existem histórias de vida, que podem ser tocadas pelo poder transformador da leitura. Afinal, é para isso que existem os livros. Boa leitura!
Rosely Boschini Presidente da CBL (diretoria@cbl.org.br)
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Entrevista
Antonio Palocci Foto: Fanca Cortez
Governos precisam acordar Ministro da Fazenda no primeiro governo Lula, quando tirou a economia brasileira de uma fase conturbada, o médico e ex-professor de cursinho Antonio Palocci é um desses raros especialistas em assuntos variados. No mês passado, em São Paulo, surpreendeu os participantes do Congresso Ibero-americano de Editores com uma acurada análise – amparada em estudos internacionais – sobre o papel dos livros e da leitura no desenvolvimento econômico e social de países pobres ou emergentes. Mereceu atenção a forma como se posiciona diante de alguns tabus. Defende, por exemplo, a lucratividade do negócio do livro como um caminho para baixar preços e ampliar o acesso à leitura. E o respeito aos contratos assinados e aos direitos dos autores para estimular a criação e os inves-
timentos dos editores em marketing e em novos produtos. Para ele, é errado esperar que o crescimento econômico e a melhoria da educação aumentem os índices de leitura. “O raciocínio é outro: o acesso aos livros e à educação de qualidade é que produzirá riqueza econômica e social.” Como deputado federal pelo PT paulista, ele apresentou dois projetos de lei de interesse de escritores e do mercado editorial – um tenta pôr fim às proibições judiciais de biografias não-autorizadas e o outro propõe estender a desoneração fiscal, que ele mesmo criou em 2004, como ministro, às pequenas editoras e livrarias optantes do Simples. Fã de Machado de Assis, Palocci diz que os livros sempre tiveram forte influ-
ência em sua vida. “Não há inovação ou idéias que não surjam do bom debate e da boa leitura”, assegura. Por isso, assinou, em 2001, então prefeito de Ribeirão Preto (SP), a primeira Lei do Livro em um município do País. Criou uma Feira Nacional do Livro e instalou 80 bibliotecas, aumentando de dois para 9,7 o número de livros lidos por habitante/ano. Autor de três livros (o mais recente é Sobre Formigas e Cigarras, da Objetiva), recebeu duas vezes o título de Amigo do Livro, da Câmara Brasileira do Livro (CBL). Em entrevista à Panorama, afirma que os governos precisam acordar para a necessidade de investirem mais, e de forma constante, em políticas do livro e leitura. A seguir, as perguntas feitas por convidados as respostas de Palocci. Outubro 2008 Panorama 9
Entrevista
Rosely Boschini, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL): Sua defesa do papel do livro e da leitura no desenvolvimento social e econômico da América Latina tem causado excelente repercussão no meio. E, sobretudo, a tese segundo a qual é o acesso aos livros, à educação e à cultura que vai gerar riqueza econômica e social e não o contrário, como muitas vezes se diz. O que o leva a afirmar isso com tanta convicção? Palocci – Existem diversos estudos que procuram relacionar diferentes variáveis à geração de riqueza e desenvolvimento sustentável em diferentes sociedades. O estudo com maior riqueza de dados foi realizado por Xavier Sala-i-Martin, pesquisador da Universidade de Columbia (EUA). Ele demonstra uma clara correlação entre níveis educacionais e crescimento de longo prazo. Outros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) são mais específicos e mostram dados sobre qualidade da leitura. Nos seus dados, é possível obter correlações positivas entre diferentes níveis de leitura e de desenvolvimento econômico. Aqui no Brasil, acompanhei recentemente um trabalho da consultoria Tendências sobre os efeitos do acesso à comunicação via rádio e televisão sobre a renda das famílias, no qual se observou também uma correlação positiva. Neste caso, testes econômicos mostram que o acesso à informação leva ao aumento de renda e o contrário não se consegue demonstrar. Isso contraria o senso comum de que as pessoas não lêem ou não têm acesso à informação porque não têm renda. Ao contrário, a renda é favorecida pela qualidade da informação e pelo acesso que se tem a essa. Observando esses estudos, é possível afirmar que existe uma correlação bastante consistente entre educação, qualidade de leitura e acesso à informação e desenvolvimento econômico e social. Marco Acco, ex-secretário de Articulação Institucional do Ministério da Cultura: Quais os vínculos que o senhor identi-
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fica entre o desenvolvimento sustentável e a leitura? Em outras palavras, qual o lugar da leitura numa economia política do desenvolvimento sustentável? Palocci – Não se pode falar em desenvolvimento sustentável sem educação de qualidade. E não se pode falar em educação de qualidade sem bons níveis de leitura. Aqui, não se trata de uma visão utilitária da educação e da leitura, do tipo “formação de mão-de-obra”, mas da formação de cidadãos e dos conseqüentes ganhos de longo prazo na qualidade do desenvolvimento social dos países. Os estudos da OCDE diferenciam, inclusive, in-
Não há inovação ou idéias que não surjam do bom debate e da boa leitura
vestimento em educação e qualidade da educação. Não basta investir recursos crescentes em educação. É preciso investir em qualidade e acompanhar os resultados. Essas correlações estão, hoje, estabelecidas com razoável clareza. Eder Lopes Coimbra, 15 anos, campeão do programa Soletrando, da Rede Globo, e agente de leitura do Programa Arca das Letras no Vale do Jequitinhonha (MG): De que forma o senhor acredita que a leitura pode influenciar a formação do cidadão para a vida em sociedade? Palocci – A leitura completa a informa-
ção. Num mundo globalizado e com acesso cada vez maior à internet, a qualidade da leitura é um complemento essencial à formação das pessoas. A qualidade da educação é também fortemente influenciada pela leitura. Dessa forma, nos parece claro que a leitura tem um papel extraordinário na vida em sociedade. Rosely – O negócio do livro no Brasil apresenta um círculo vicioso constituído pelo pequeno número de consumidores de livros, baixos índices de leitura, tiragens reduzidas e rentabilidade pequena para todos os elos da cadeia produtiva, do autor ao varejo. Seria preciso reinventar a dinâmica econômica do setor? Palocci – Acredito que o setor tem encontrado uma dinâmica nova nos últimos anos. Um movimento que ainda não se desenvolveu plenamente, mas que parece claro no sentido de maiores investimentos nacionais e estrangeiros, que vão ter impacto nas editoras e no mercado em geral. Num país com baixos índices de leitura, é essencial a ação do poder público. Mas me parece que os programas do Ministério da Educação para o livro didático são bastante robustos. Talvez, no caso do poder público federal, falte maior suporte às políticas de incentivo à leitura e à implantação de bibliotecas. Nos governos estaduais e municipais, os programas são isolados e inconstantes. Ainda há muito o que fazer nesse campo. Devemos também incentivar as iniciativas autônomas das comunidades. Existe uma quantidade impressionante de ações por iniciativa de pessoas e entidades do terceiro setor. É preciso mais ousadia do setor privado também, investindo mais em informação e publicidade dos livros publicados. Existe um determinado preconceito sobre a obtenção de lucro pelo setor, o que me parece uma grande bobagem. Como todo setor da economia, é desejável que o mercado do livro seja lucrativo. Isso vai fazer crescer a produção, a divulgação e a leitura. Em termos de sociedade, é errado esperar que a renda aumente para aumentar a leitura. É a leitura e a informação que fazem aumentar a
renda. E não o contrário. Oswaldo Siciliano, presidente do Grupo Ibero-americano de Editores (GIE): Ainda há quem encontre na rentabilidade das empresas do mercado editorial e livreiro – que, como se sabe, na grande maioria dos casos é muito baixa – o problema para o acesso aos livros e à cultura escrita. Estaria realmente aí o problema da baixa leitura nos países da Ibero-América? Palocci – Certamente, este é um dos pontos importantes, mas não sei dizer se é o principal. De qualquer forma, buscar mais eficiência e lucratividade em toda a cadeia é essencial para a sua ampliação. Um mercado dinâmico, bem equilibrado entre os vários elos da cadeia produtiva, certamente beneficiará os índices de leitura. No dia-a-dia, vemos propaganda massiva de creme dental, bolacha, cerveja, automóvel e tantos bens de consumo. Os livros nunca aparecem. As revistas e jornais, só ocasionalmente. Me parece que este é um ponto bem falho no investimento das empresas. Ninguém comprará um livro se não sabe que ele existe. Celso Fonseca, ex-diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e diretor da rede de livrarias do Grupo SBS: Com sua criativa experiência como ministro da Fazenda, o senhor acredita que algum tipo de regulação do mercado editorial e livreiro ajudaria a ampliar o consumo e a criar condições mais favoráveis ao investimento e aumento da produtividade no setor? Palocci – A regulação é essencial para mercados de serviços concedidos, dada a necessidade imperiosa de regras claras para indução do investimento. Não me parece que este seja o caso do mercado editorial e livreiro. Poderia se pensar num sistema de câmaras setoriais, buscando regulação produzida por consensos progressivos. Mas a experiência prática dessas câmaras tem demonstrado pouco ou nenhum ganho de produtividade. Tenho a tendência de acreditar que a regulação po-
deria criar ao setor mais obstáculos do que ajuda. Há um movimento mais recente de novos investimentos no setor. Acho que deveríamos esperar um pouco para ver se podemos aprender algo novo no próximo período. Valter Kuchenbecker, presidente da Associação Brasileira de Editores Universitários (ABEU): Há uma unanimidade em torno do papel do livro e da leitura na sociedade atual por sua capacidade de contribuir para a formação das pessoas e no próprio desenvolvimento das cidades e países. Se isso
Um mercado dinâmico, bem equilibrado, beneficiará os índices de leitura no País
é realmente verdadeiro, por que ainda há tanta resistência nos governos em destinar orçamentos importantes para as políticas públicas para o livro e a leitura? E, no caso dos investimentos privados, por que ainda são tão escassos nessa área? Será que governo e sociedade realmente acreditam nisso? Palocci – Em minha opinião, não há uma unanimidade no papel do livro e da leitura. Essa unanimidade existe apenas no setor. Fora dele, me parece que há um desconhecimento total do papel da leitura no desenvolvimento. Os estudos sobre o assunto são poucos. A divulgação dos poucos estudos é menor ainda. No caso dos go-
vernos, como já afirmei, os programas de livros didáticos do MEC me parecem muito bons. No caso das prefeituras, existem poucas iniciativas de vulto. Acredito que a grande maioria dos governos locais não percebe o grande retorno social do incentivo à leitura. Vitor Tavares, presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL): As chamadas livrarias independentes continuam a desempenhar um papel da maior relevância enquanto canal de acesso aos livros e à cultura letrada. Apesar da sua função cultural e social reconhecida por estudos no Brasil e no mundo inteiro, elas já não conseguem competir com as grandes redes e, por isso, estão fechando suas portas. Países como a França e dezenas de outros, inclusive na América Latina, criaram legislações para proteger o segmento e garantir, assim, a diversidade dos livros. Com o fim de descontos artificiais imensos praticados pelas grandes redes, o resultado acabou sendo, paradoxalmente, a redução dos preços. O que poderia ser feito no Brasil nesse sentido? Como evitar o fim do tradicional ofício de livreiro no País? Palocci – Não me parece que o desenvolvimento das grandes redes seja incompatível com o crescimento das chamadas livrarias independentes. O fato de as independentes não competirem com as grandes redes é irrelevante. O papel delas não é esse. As livrarias independentes terão sempre seu espaço se trabalharem por ele. A questão fundamental do mercado de livros no Brasil é o baixo consumo, que a meu ver está fortemente ligado aos nossos baixos níveis educacionais e a um mercado produtivo ainda pequeno e tímido. É preciso expandir fortemente o hábito da leitura e isso depende tanto de melhoria da formação das novas gerações quanto da ação desse próprio mercado. Num mercado expandido, as livrarias independentes vão ter largos espaços, mas terão sempre que trabalhar muito para conquistá-los. Se
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Entrevista
buscarmos solução por meio de regulação, corremos o risco de reduzir o mercado, tirar sua dinâmica própria. Medidas tomadas em países como a França podem ter tido sucesso porque são sociedades leitoras, com mercados muito mais amplos. Sônia Machado Jardim, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livro (Snel): Há um movimento no Congresso Nacional em favor da cópia não- autorizada, a famosa pirataria de livros. Hoje, são os contratos de edição – que conferem aos editores a exclusividade de publicação de obras que não estão em domínio público em determinada língua ou território, assegurando aos autores a remuneração por sua criação – que dão a garantia necessária para as editoras investirem em sua publicação. Sem isso, certamente haveria uma enorme queda de investimentos em promoção, marketing e distribuição. O que o senhor pensa sobre esta questão? Palocci – Não há dúvida de que a garantia dos contratos e a segurança dos autores são ponto de partida para a ampliação dos investimentos no setor. Sem isso, a degeneração virá, com certeza, como me parece que ocorre no mercado de CDs. Não acredito que o Congresso Nacional incentivará projetos de cópia não-autorizada. A decisão importante mais recente do Congresso sobre o tema foi a desoneração do PIS-Cofins dos livros, algo bastante benéfico. Mas vamos ficar atentos, pois não há dúvida de que uma liberalidade na cópia não-autorizada seria grave perda para toda a cadeia produtiva. Ivana Jinkings, ex-presidente da Liga Brasileira de Editores (Libre): Em países como a França, o Estado criou programas de “adiantamento sobre receita”, que é uma espécie de linha de crédito para toda a cadeia produtiva do livro. Isso favorece pequenos editores, apóia a
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edição independente e estimula, assim, a difusão do conhecimento e a chamada bibliodiversidade. Há espaço para esse tipo de ação governamental no Brasil? Palocci – Creio que sim. O BNDES tem formulado programas inovadores para pequenas empresas, com excelentes resultados. Eles estão disponíveis também para o
Livro de cabeceira “Tenho muitas leituras marcantes, como a obra enigmática de Machado de Assis. Gosto da Lygia Fagundes Telles. Leio tudo que encontro de Ítalo Calvino e recomendo as suas “lições americanas” – Seis propostas para o próximo milênio. O livro Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez dispensa comentários. Tempos muito estranhos, de Doris Goodwin, é bem intrigante também. O eleito, de Thomas Mann, é tão bom quanto a sua Montanha Mágica. Leio Freud com muita freqüência, pelo meu interesse particular em psiquiatria. Li centenas de livros e textos sobre economia, e conversei com autores brasileiros, americanos e ingleses. Economia é bem interessante porque, quanto mais se lê, mais aumentam as dúvidas. Para quem tiver curiosidade na área, O Economista Clandestino, de Tim Harford, é bom e divertido. O Valor do amanhã, do Eduardo Gianneti, é muito bom também.”
setor de livros, pois são programas genéricos e não setoriais. Além disso, adiantamento sobre receita é uma operação muito freqüente no sistema financeiro público e privado. É um tipo de operação que tem crescido muito no Brasil, e tem mostrado muita eficiência. Não vejo obstáculos a proposições desse tipo.
José Castilho, secretário-executivo do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL): O senhor comandou pessoalmente, como ministro da Fazenda, o processo que levou à desoneração fiscal do livro no Brasil. Como contrapartida, os editores e livreiros ofereceram espontaneamente uma contribuição de 1% sobre sua receita para financiar as políticas de fomento à leitura no País, o que, quase quatro anos depois, ainda não aconteceu, apesar da vontade do governo e da iniciativa privada. Como vê a criação do fundo pró-livro como caminho para dar continuidade e aprofundar as políticas públicas do livro e leitura em andamento? Palocci – É um bom caminho, certamente. Participei dos estudos iniciais desse projeto. E o que buscamos foi a criação de um fundo que tivesse credibilidade e eficiência. Ninguém quer dispor de 1% de sua receita – que parece pouco, mas não é – se não tiver a certeza de que o fundo funcionará a contento. Temos que ter a capacidade de demonstrar esse potencial de retorno. A participação inicial pode ser menor, chegando a 1% na medida em que o fundo mostre eficiência. Já temos propostas claras para uso desses recursos? Já temos políticas testadas de fomento à leitura, com capacidade de medir resultados? Estas políticas têm razoável consenso no setor? Se temos tudo isso, o fundo está atrasado. Se não, será um fundo a mais, que só aumentará os custos de produção. Luiz Torelli, presidente da Associação Brasileira de Difusores do Livro (ABDL): Como deputado federal, o senhor apresentou alguns projetos de lei para beneficiar a área do livro e da leitura, e já tinha feito, quando prefeito de Ribeirão Preto, diversas ações nessa área. Em geral, governos investem muito pouco nisso e sequer as incluem essas ações em seus orçamentos para que se tornem de fato políticas de estado. Vale a pena as prefeituras e os governos federal e estaduais investirem nisso? Dá resultado?
Palocci – Vale muito a pena! Fiquei muito impressionado com os resultados das políticas feitas em Ribeirão. Criamos a Feira do Livro, lançamos inúmeras bibliotecas. O aumento do índice de leitura do município foi espetacular. É um retorno imenso com custos muito baixos. O problema maior é que não temos, no Brasil, o costume de medir resultado de projetos e programas, conhecer a eficiência de cada um, incentivando o que dá certo e encerrando o que dá errado. Em geral, nossos programas públicos começam e nunca terminam, nunca são avaliados e os resultados são abstratos. Mas tenho insistido com os prefeitos no sentido de realizar feiras de livros, implantar amplamente bibliotecas nas comunidades e estabelecer políticas de incentivo à leitura. O retorno é realmente muito bom. Entre uma festa do peão e outra, uma feira de livros vai muito bem...
Galeno Amorim, diretor do Observatório do Livro e da Leitura: O Brasil tem, agora, o debate sobre o que fazer com os recursos que virão da exploração do pré-sal, uma oportunidade talvez única em sua história para aprofundar os investimentos em educação e, particularmente, na questão do livro e da leitura como estratégia de futuro para seu desenvolvimento social e econômico. Como esse tema pode entrar nessa discussão que é mais do que oportuna no momento? Palocci – Acho que a questão deve ser entendida como uma oportunidade de ouro para o Brasil melhorar a qualidade de seu desenvolvimento. As reservas do présal são, provavelmente, uma nova grande riqueza do País. A prioridade não deve ser a vinculação dos recursos, mas como utilizá-los de maneira que a repercussão dos ganhos seja de longo prazo. Recursos fós-
seis são finitos e têm preços muito voláteis. E a extração desses produtos exige dezenas de bilhões de reais, que só virão se as regras forem claras e bem estabelecidas. Por isso, o planejamento deve ser cuidadoso e transparente. Siciliano – O senhor foi considerado, até por adversários, durante sua passagem pelo governo, um inovador, com idéias modernas, responsável, em boa parte, pelo sucesso da economia brasileira nos últimos anos. De algum modo, o senhor associa à leitura essa sua trajetória pessoal de constante busca de inovações? Palocci – Acho que as suas opiniões generosas é que são produto de muita leitura. Mas penso que grande parte do que aprendi na minha vida pública veio da leitura escrita. Não há inovação ou idéias que não surjam do bom debate e da boa leitura. P
Cadeia Produtiva
Editores Livrarias
ANL quer apurar consumo de livros
Depois de lançar o mais completo anuário de livrarias e outros pontos de venda de livros no País, a Associação Nacional de Livrarias (ANL) prepara agora um novo projeto. Ela quer descobrir como anda o consumo de livros pelas famílias brasileiras. O estudo tem o apoio da Câmara Brasileira do Livro e do Instituto Pró-Livro, entre outros. O estudo está sendo feito com base em informações coletadas pelo IBGE em sua Pesquisa de Orçamento Familiar (POF). O objetivo é analisar, a partir dos dados já coletados sobre despesa familiar, os valores gastos com a aquisição de livros e de outros suportes de leitura, como as revistas e os jornais. O levantamento vai permitir traçar o perfil do mercado consumidor por nível de renda, escolaridade, local de compra e outras variáveis importantes. Os dados utilizados no estudo são de 2002/2003 e foram coletados em mais de 60 mil casas de todo o País. A informação foi divulgada pelo IBGE no ano passado, mas sem referências aos hábitos de leitura. Como o instituto já iniciou uma nova coleta de dados para atualizar a sua pesquisa, a ANL pretende comparar, posteriormente, o consumo dos dois períodos. Para o presidente da entidade, Vitor Tavares, os números darão importantes subsídios para toda a classe editorial e livreira brasileira. Ele considera o levantamento importante por mostrar quem são os compradores individuais de livros, jornais e revistas no País. Atualmente, os números disponíveis sobre o mercado editorial se limitam à produção e às vendas realizadas pelos editores.
Snel oferece formação Em outubro, o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) iniciou novos módulos de cursos e palestras gratuitos para seus associados nas sedes da entidade no Rio de Janeiro e em São Paulo. Ao todo, foram abertas 100 vagas. O principal tema escolhido pelo Snel foi o novo acordo ortográfico, que entra em vigor em 2009. O curso, oferecido nas duas cidades, foi criado para instruir profissionais de editoras sobre as alterações na língua portuguesa. A entidade ainda organizou, em São Paulo, outros dois treinamentos: um de gestão de recursos humanos, destinado a profissionais que atuam na área de RH em editoras de livros, e outro sobre técnicas de negociação, para trabalhadores na área de vendas.
Didáticos
Abrelivros acompanha distribuição A Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros) está acompanhando atentamente o início da distribuição, pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), dos 103 milhões de livros didáticos que serão utilizados pelos alunos da rede pública de Ensino Fundamental e Médio a partir de 2009. O FNDE, que é uma autarquia do MEC, trabalha para que todos os exemplares estejam nas escolas até o início de fevereiro, quando começa o próximo ano letivo. Este ano, a Educação Infantil e o Ensino Médio passaram a ser contemplados também com acervos de literatura.
Porta a Porta
Autores
ABDL comemora maioridade
CSLL vai discutir direitos autorais
A Associação Brasileira de Difusão do Livro (ABDL) comemora 21 anos de idade em outubro. Mas a comemoração vai ser em novembro. Nesse mês, a entidade planeja organizar um evento para celebrar a data e já apresentar sua pesquisa sobre os negócios do livro porta a porta no Brasil. A ABDL prevê que os números devem revelar um aumento na receita do segmento, que em 2005 movimentou R$ 780 milhões. Em outubro, a pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, divulgada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), mostrou que a venda de livros porta a porta cresceu em 2007 no Brasil, abrangendo 9,6% do volume total. Esse aumento, que corresponde a 91,3% em comparação ao ano de 2006, foi identificado principalmente nas classes C e D da população.
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Outubro 2008
A Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil (AEI-LIJ) pediu ao Ministério da Cultura inclusão do tema Direitos Autorais e possíveis mudanças na atual legislação na pauta da reunião da Câmara Setorial do Livro e Leitura (CSLL), programada para este mês no Rio. Com a sinalização de modificações na Lei de Direitos Autorais pelo governo, a presidente da AEI-LIJ, Anna Cláudia Ramos, defende maior transparência no processo e diz que a entidade só pode manter seus associados informados acerca de tais mudanças na medida em que tiver informações precisas sobre elas.
Regionais Pequenos editores
Amazonas
Primavera carioca
Livros na floresta
Depois de espalhar a riqueza da bibliodiversidade brasileira pela capital paulista em setembro, a Primavera dos Livros prepara-se para aportar, desta vez, no Rio. O evento, que é realizado pela Liga Brasileira de Editores (Libre), entidade que reúne mais de cem editoras independentes, acontece entre os dias 27 e 30 de novembro, no Museu da República, na Cidade Maravilhosa. Esta será a oitava edição da Primavera na capital fluminense, onde a Libre realizou o evento pela primeira vez em 2001. Na feira, os livros serão oferecidos com descontos de 20% a 40% para o público em geral e de 50% para professores.
Universitário
Abeu comemora Jabuti A Associação Brasileira das Editoras Universitárias (Abeu), que congrega 106 editoras, terá, este ano, motivos de sobra para comemorar os 50 anos do Prêmio Jabuti, o mais prestigioso do Brasil, promovido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL). Isso porque entre os vencedores da premiação estão nada menos do que quatro obras publicadas por editoras associadas à entidade. São eles: os primeiros colocados nas categorias Melhor Livro de Arquitetura e Urbanismo, Fotografia, Comunicação e Arte, Melhor Livro de Economia, Administração, Negócios e Melhor Livro de Ciências Naturais e Ciências da Saúde, além do segundo colocado como Melhor Projeto Gráfico.
CBL
Inscrições abertas para Guadalajara A Câmara Brasileira do Livro (CBL) está com as inscrições abertas para as editoras brasileiras interessadas em participar da Feira do Livro de Guadalajara, que acontece entre os dias 29 de novembro e 7 de dezembro, no México. O estande do Brasil na feira, que é um dos principais eventos do livro no mundo, é organizado pela CBL em parceria com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel). Há diferentes pacotes para os interessados, com prateleiras individuais ou módulos com cinco prateleiras. Associados do CBL e do Snel têm descontos especiais. O prazo para remessa dos livros termina no dia 7 de novembro.
Manaus vai sediar o 1º Festival Internacional da Floresta (Flifloresta) entre os dias 18 e 22 de novembro. O evento, realizado pela Câmara Amazonense do Livro e da Leitura, vai tratar da literatura direcionada às questões ambientais e tem o objetivo de promover a leitura e o contato entre leitores e escritores. Ao todo, serão oito mesas temáticas e 16 palestras. A programação, que vai contar com cinco autores estrangeiros, vinte da Amazônia e dez de outras regiões do País, será estendida aos municípios vizinhos à capital amazonense. O Flifloresta também vai contar com um evento paralelo intitulado de Florestinha, dedicado ao público infanto-juvenil. O objetivo é aproximar as crianças dos livros.
Ceará
Videoconferência dá frutos Entre os dias 14 e 15 de novembro, durante a 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará, Fortaleza vai sediar a 3ª Convenção de Editores e Livreiros do Nordeste. A pauta do encontro será baseada no documento assinado por dirigentes da cadeia do livro na região em resposta à videoconferência realizada pela regional nordestina do Ministério da Cultura, em maio. No manifesto, as lideranças cobravam políticas regionais da pasta para a área do livro e leitura. As lideranças vêm defendo financiamentos diferenciados para editoras e livrarias e a inclusão dos livros editados nos estados da região nos programas governamentais de aquisição.
Distrito Federal
Mais de um milhão de livros Em sua 27ª edição, a Feira do Livro de Brasília, considerada o maior evento literário do Centro-Oeste, reuniu cerca de 50 mil pessoas. Com 106 estandes e mais de um milhão de livros expostos, os dez dias do evento trouxeram palestras, debates, miniconferências e apresentações literárias, musicais e teatrais. Este ano, o homenageado foi o poeta amazonense Thiago de Mello. A programação deu destaque aos 100 anos da morte do escritor Machado de Assis e aos 20 anos do falecimento do sindicalista e ambientalista Chico Mendes, entre outros temas.
Rio Grande do Sul
Feira de Porto Alegre anuncia patrono A Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL) anunciou o escritor Charles Kiefer como patrono da 54ª edição da Feira do Livro de Porto Alegre, que acontece entre os dias 31 de outubro e 16 de novembro. Kiefer, que comemora 50 anos de idade durante o evento, é doutor em Literatura pela PUC-RS e estreou na ficção em 1982. Esta foi a décima vez em que ele esteve no páreo pela indicação. As atividades da programação geral da feira estarão distribuídas em diferentes espaços do entorno da Praça da Alfândega. O evento vai contar com a participação de 167 expositores, sendo 122 na Área Geral, 29 na Área Infantil e Juvenil e 16 na Internacional.
Santa Catarina
Tubarão dos livros Aconteceu em setembro a 3ª edição da Feira do Livro de Tubarão, que teve o apoio da Câmara Catarinense do Livro. Durante oito dias, a região central do município, localizado no sul de Santa Catarina, ficou repleta de bancas de livros e uma programação com eventos para escolas, sessões de autógrafos, palestras, oficinas e apresentações artísticas. E as atrações da festa não estiveram apenas nas prateleiras e palcos: foram realizadas atividades como contação de histórias, lançamentos de livros, debates com escritores locais, teatro, mostra de cinema e a exposição 100 Anos sem Machado de Assis. O músico Gabriel o Pensador e o escritor gaúcho Moacyr Scliar foram alguns dos convidados ilustres do evento. Outubro 2008 Panorama 15
Bastidores
Mais um
Já alçado ao posto de presidente do Grupo Ibero-americano de Editores (GIE), o editor e livreiro brasileiro Oswaldo Siciliano levou junto um antigo companheiro de Câmara Brasileira do Livro para repartir com ele a nova missão. Trata-se do vice-presidente da entidade, Bernardo Gurbanov, que também é tesoureiro do Instituto Pró-Livro.
Cabelo em pé
Maurício de Souza, apontado como um dos escritores brasileiros mais admirados pelos brasileiros, está de cabelo em pé. E não é por conta das estripulias de Mônica, Cebolinha & Cia. O que vem tirando o sono do rei das histórias em quadrinhos é um projeto de lei que tramita no Congresso. Com uma idéia fixa: restringir ao máximo a publicidade para o público infantil, alvo de suas publicações.
Pesos pesados I
Marcelo de Almeida, deputado federal pelo PMDB do Paraná e idealizador da recém-empossada Frente Parlamentar da Leitura, ouviu de dois influentes ministros do governo Lula o que precisava e queria ouvir. Ambos disseram que ele fez muito bem ao eleger o livro e a leitura como bandeira principal de seu mandato.
Pesos pesados II
Os dois interlocutores não são, por sinal, exatamente qualquer um. Um deles atende pelo nome de José Múcio, ministro das Relações Institucionais e quem dá as cartas nas relações do Palácio do Planalto com o Congresso. O outro é a outra: a ministra-chefe da Casa Civil e presidenciável, Dilma Roussef. Ambos prometeram ajudar.
Dono do cofre
Outro que andou prometendo dar uma mãozinha às demandas do livro e leitura em Brasília é o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Como sua pasta é apontada como osso duro de roer sempre que se fala em ampliar gastos ou criar novas estruturas no governo – leia-se, no caso, secretaria ou instituto nacional do livro e leitura e um bom programa de bibliotecas públicas – não é, naturalmente, o caso de dispensar.
Todo dia é dia do livro
Há uma incomum movimentação, este ano, em torno do Dia Nacional do Livro, que será comemorado no dia 29 de outubro. Universidades, governos e instituições já anunciam suas programações. Um que promete é o seminário da Câmara dos Deputados que está sendo organizado pela Frente Parlamentar da Leitura. Vai reunir gente graúda.
Parabéns pra você!
Comemora cinco aninhos neste dia 30 de outubro a Lei do Livro, assinada em 2003 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a partir de um projeto apresentado pelo senador José Sarney. Depois dela, vários estados criaram suas legislações. E algumas cidades também. Em breve, a primeira regulamentação deve sair na forma de um aguardado decreto presidencial.
Também nos municípios
Aproveitando o momento pra lá de favorável com a posse dos novos prefeitos e, junto com eles, seus novos secretários de educação e cultura, vem sendo articulado um movimento para insuflar as cidades a também criarem seus planos municipais do livro e leitura. No futuro, argumenta-se, esta será uma condição fundamental para se credenciar a receber recursos do Fundo Pró-Leitura, quando ele vier a ser criado.
Livro e leitura lá
Começou a operar, de forma discreta, nas últimas semanas o serviço noticioso da agência Brasil Que Lê. O noticiário, enviado para três mil redações do país inicialmente três vezes por semana, já começou a surtir efeito. Um monitor da agência mostra um alto índice de aproveitamento dos artigos, colunas e notícias distribuídos dia sim, dia não para 25 mil jornalistas do País.
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Acontece
Estado de SP ganha Dia da Leitura
Chico Buarque e os livros
Sempre um Papo, agora internacional
A partir deste ano, o Dia das Crianças passou a ser também o Dia da Leitura em todo o Estado de São Paulo. O objetivo da iniciativa, surgida de uma proposta do Instituto Ecofuturo, é sensibilizar, cada vez mais, pais e educadores para a importância de oferecer leitura para as crianças. Uma das ações, chamada de Brincar de Ler, propôs que as pessoas aproveitassem o dia 12 de outubro para ler para os pequenos. Durante as comemorações, também foi feito um alerta sobre a urgência em se criar e renovar bibliotecas públicas e comunitárias em todo o estado.
Ouvir Pedaço de Mim e sentir vontade de ler Platão. Ouvir As vitrines e querer ler Baudelaire, Walter Benjamin. Ouvir Assentamento e ler Guimarães Rosa. Para a paraense Stella Pessôa, a lista não tem fim. Autora de um projeto para incentivar a leitura a partir das letras das canções de Chico Buarque de Hollanda, a escritora apresentou sua idéia em São Luís do Paraitinga, pequena cidade cravada na Serra do Mar, a 170 quilômetros de São Paulo. A palestra, realizada durante a 2ª Semana da Canção Brasileira, traçou paralelos entre letras das músicas de Chico e obras da literatura.
Depois de avançar por 23 cidades brasileiras, o projeto Sempre um Papo, que promove encontros com grandes nomes da literatura, foi parar do outro lado do Atlântico. A iniciativa, criada há 23 anos em Belo Horizonte, Minas Gerais, agora acontece também em Madri, na Espanha. Batizada de Siempre una Palabra, sua versão espanhola teve como primeiro convidado o escritor amazonense Milton Hatoum. A idéia de tornar o Sempre um Papo um evento internacional partiu do embaixador do Brasil em Madri, José Viegas, que conheceu o projeto em Brasília.
R$ 70 milhões em novos dicionários
Machado de Assis na rede
O Ministério da Educação (MEC) estima investir entre R$ 70 e R$ 90 milhões na compra de dicionários adaptados às novas regras da ortografia. Ao todo, 1 milhão de salas de aula e 37 milhões de alunos da rede pública em todo o País serão beneficiados. O edital sairá somente em 2009, quando o valor exato do investimento será definido. A aquisição dos dicionários, que poderia ocorrer este ano, foi adiada devido à reforma ortográfica. O MEC aguarda a publicação do novo vocabulário pela Academia Brasileira de Letras (ABL).
Mais um lançamento celebrou o centenário de morte do escritor Machado de Assis. Dessa vez, a obra completa do Bruxo do Cosme Velho foi disponibilizada em formato digital na internet. A coleção é resultado de uma parceria entre o Portal Domínio Público, que reúne quase 100 mil obras disponíveis para download gratuito, e a Universidade Federal de Santa Catarina. A idéia é fazer com que a obra do escritor chegue a qualquer internauta em edições confiáveis e gratuitas. A página fica em portal.mec.gov.br/machado.
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Livraria da Vila recebe prêmio Abrasce Durante o 10º Congresso Internacional de Shopping Centers e Conferência das Américas, realizado em setembro, em São Paulo, a Livraria da Vila foi premiada na categoria Diversos pela Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce). O prêmio é concedido a cada dois anos às marcas que tiveram destaque em seus segmentos de atuação levando em consideração fatores que vão da arquitetura à qualidade do atendimento aos clientes. A primeira unidade da Livraria da Vila foi inaugurada há 23 anos no bairro Vila Madalena, em São Paulo. Este ano, a rede inaugurou sua quinta loja na cidade, no Shopping Cidade Jardim.
Mandarim em São Paulo
Embrapa premia minibibliotecas
Será inaugurada em São Paulo a primeira unidade do Instituto Confúcio na América do Sul. Com sede em Pequim, na China, ele é o órgão oficial para o ensino da língua chinesa como língua estrangeira e conta com mais de 100 unidades espalhadas pelo mundo. A sede brasileira é uma parceria da Universidade Estadual Paulista (Unesp) com o governo chinês e será aberta em novembro. Para o seu acervo, o governo da China deve enviar inicialmente de 3 a 4 mil títulos. A estimativa é que a instituição receba cerca de outros mil livros a cada ano.
Os vencedores da terceira edição do Concurso das Minibibliotecas, promovido pela Embrapa e pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), foram premiados em Brasília, em 22 de setembro. O tema desta edição, que contemplou escolas e alunos, foi A Embrapa e a Produção de Alimentos para o Mundo em Crise. Desenvolvido desde 2003, o Projeto das Minibibliotecas atende hoje a mais de 1,2 mil escolas da rede pública de ensino, que recebem um kit composto por 108 diferentes títulos de publicações entre cartilhas, CDs e DVDs.
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Socialmente Responsável
Uma questão de estratégia
Filantropia, patrocínios ou ações na comunidade? A responsabilidade social empresarial vai entrar em outra fase: vai virar questão estratégica Foto: Divulgação
Michael Porter
Na primeira fase de sua história, a responsabilidade social empresarial ocorria basicamente como uma reação de empresas às pressões exercidas pela sociedade, como no caso de campanhas feitas por organizações não-governamentais em defesa do meio ambiente ou contra a discriminação racial. Em um segundo momento – que, por
sinal, continua até hoje –, as ações se concentraram na filantropia e no investimento social privado, além de uma preocupação maior com a imagem da empresa. Mas é para um terceiro período, que ainda está engatinhando, que o empresariado moderno deve voltar seus olhos: vem por aí a fase da responsabilidade social estratégica. Quem diz isso é nada mais nada menos do que Michael Porter, um dos mais conceituados especialistas em estratégia do mundo. Porter, que é professor da Harvard Business School, veio ao Brasil para falar justamente a respeito da conexão entre as ações de responsabilidade social com a estratégia das organizações. “Nenhuma empresa conseguiria resolver todos os problemas do mundo. Portanto, o desafio é selecionar as áreas em que a sua empresa poderia criar valor compartilhado”, afirmou, durante o fórum mundial sobre o tema realizado em São Paulo pela HSM. Na visão do consultor, a percepção social das empresas brasileiras é maior que a das americanas. Apesar disso, ele avalia que ainda há um longo caminho a percorrer. De acordo com Porter, o desafio de cada empresa é descobrir em quais áreas ela pode criar valor com suas competências. O primeiro passo nessa direção está justamente na compreensão sobre o significado do próprio termo. Basicamente, o conceito de responsabilidade social empresarial se
define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade. Essas metas se concentram, principalmente, na preservação de recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais. Diferentemente de iniciativas de filantropia, que compreendem especialmente ações sociais externas, cuja beneficiária principal é a comunidade, a responsabilidade social trata diretamente dos negócios da empresa e de como ela os conduz. Para que isso seja colocado em prática, uma empresa pode agir em diversas áreas, para vários públicos e de diferentes maneiras. Uma boa maneira de começar é desenvolvendo atividades criativas com seus próprios parceiros, sejam eles acionistas, funcionários, prestadores de serviço, fornecedores, consumidores, comunidade, governo ou meio ambiente. Quanto às ações, elas podem ir da incorporação dos conceitos de responsabilidade social à missão da empresa à divulgação desses conceitos entre os funcionários e prestadores de serviço. Outro ponto, bastante em voga, por sinal, é o estabelecimento de princípios ambientalistas como uso de materiais reciclados e a promoção da diversidade no local de trabalho. P
Callis forma crianças, jovens e educadores Callis Editora, de São Paulo, sempre deu prioridade, em seu catálogo, àqueles títulos que promovessem um ponto de encontro entre arte, cultura e novos leitores. Em 1994, dois anos depois de se especializar em literatura infantil, ela decidiu que era hora de intervir de alguma maneira na formação do seu principal público. Primeiro, veio a criação de uma orquestra filarmônica infanto-juvenil, juntamente com a maestrina Gretchen Miller, em 1994. O objetivo era levar música erudita às escolas e comunidades com pouco acesso a essa forma de manifestação artística. Em seguida, surgiram projetos culturais com iniciativas de teatro, oficinas de artes, encontros com autores e contação de histórias. Em 2004, passados dez anos de sua primeira ação de responsabilidade social, 20 Panorama
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nasceu o Instituto Callis. Com projetos voltados à cultura e à educação, o instituto promove ações que contribuem para a inclusão social e para o desenvolvimento da cidadania. Uma das iniciativas é o projeto de publicação de coleções e obras voltadas para a formação cidadã, nas quais são divulgadas a vida de importantes personagens da história brasileira e mundial, além de conteúdos voltados para a diversidade cultural e a identidade nacional. Até agora, foram editados 22 títulos e publicados 82 mil exemplares, que já atingiram 246 mil jovens leitores. Além disso, o Instituto Callis promove oficinas para educadores, apresentações, palestras e contações de histórias que já atenderam quase 19 mil pessoas.
Foto: Instituto Callis
Oficinas culturais no instituto
Ponto de Vista
Coletivos de resistência. Pequeno pra quê?
Renata Farhat Borges
Em 2005, setenta editores independentes de todo o mundo, inclusive do Brasil, manifestaram seus ideais formalmente por meio do Manifesto de Guadalajara, durante uma das importantes feiras internacionais do livro. Dois anos depois, reunidos na Biblioteca Nacional da França, em Paris, 75 editores independentes de mais de 45 países, representantes de cerca de 465 editoras, reafirmaram, no Congresso Internacional da Edição Independente, sua posição de resistência e seu desejo de fortalecer a idéia da ação coletiva Foto: Sergio Zachi
Tudo bem, a França tem tradição editorial e abriga, logicamente, uma boa lei de proteção ao livro. Mas não é apenas de lá que vem a resistência. Em todo o mundo se percebe a valorização da edição local e a formação de coletivos de pequenos editores independentes com o propósito de discutir como os processos de globalização atingem e colocam em risco a diversidade no mercado editorial, a chamada bibliodiversidade. O Brasil está na dianteira desse percurso. Em 2001, nascia a Libre – Liga Brasileira de Editores. Talvez eu devesse dizer que nascia a Primavera dos Livros, evento aglutinador que motivou a criação da Libre. O fato é que uma está na alma da outra. Já foram muitas as Primaveras (em setembro, aconteceu a quinta versão paulistana, no Centro Cultural São Paulo) e a Libre vem, por vários motivos, amadurecendo a consciência de seu talento nato de rede inteligente de grande potencial transformador. O Manifesto de Guadalajara pautou orientações para a ação de resistência dos editores independentes de todo o mundo, entre os quais a Libre, que, como por uma inteligência intuitiva de rede, vem cumprindo com primor (e algum suor). O mais destacado item do Manifesto é justamente o apelo para a formação de coletivos nacionais, regionais e internacionais a fim de defender os direitos dos editores empreendedores e de influenciar as políticas públicas do livro ao redor do mundo, com especial atenção às especificidades dessa fatia do mercado editorial. A Libre de 2008 está consciente de que é junto aos demais coletivos que ela deve trabalhar, como o de livrarias independentes – no Brasil, a ANL – Associação Nacional de Livrarias, que atua fortemente pela reflexão sobre uma lei de proteção ao livro que inclua o preço único como mecanismo de defesa das livrarias independentes.
O diálogo está aberto também com os coletivos de editores regionais fora do eixo Rio-São Paulo, afinados com a missão da Libre e dispostos a atuar pela bibliodiversidade, com cores e traços próprios, em seus locais de origem: apoiar, pois, a edição local. Especialistas em varejo nos dizem que, antes de virar um México de comércio centralizado, em todos os setores, inclusive na área de cultura, ainda resta um tempo para o Brasil. Mas isso não deve ser de animar. Esse tempo não é longo. Na verdade, é bem curto se pensarmos nos desafios pela frente. Um exemplo é que ainda se pode ouvir de instâncias públicas da área de Cultura perguntas equivocadas e respostas mais equivocadas ainda (bom lembrar que a resposta do poder público vem na forma de políticas). Alguém um dia me perguntou: “Por que tem de haver tantas editoras se já temos, por exemplo, a Cia. das Letras?”. De papel fundamental para o desenvolvimento editorial no Brasil, é preciso explicar que ela não é a única, porém (ainda que, em parceria com a Livraria Cultura, crie uma loja só para si). Nós não deveríamos ter que explicar a importância da diversidade cultural para os órgãos de Cultura nacionais. Eles não conhecem a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade da Unesco? Há sempre o lado bom: há, sim, algumas instâncias preparadas para o diálogo, há agentes transformadores, há coletivos formados. Assim, podemos, ao menos, explicar em uníssono, em alto e bom tom, por que é necessário valorizar todas as formas e manifestações culturais, suas linguagens, suas formas de circulação e por que é necessário que tenhamos agentes culturais empreendedores como os editores independentes brasileiros. Coisa, aliás, que até os editores espanhóis presentes no último Congresso Ibero-Americano, em São Paulo, na época da Bienal do Livro, sabem reco-
nhecer. Dizem que nós somos a parte criativa do mercado que eles, aos poucos, estão comprando. O tempo não é longo e os movimentos são grandes nesse cenário movediço. O editor que não deseje mais explicar a ninguém a importância de existir deve buscar cooperação com seus pares. De preferência, de forma profissional, ampla, positiva e formal. P Renata Farhat Borges é jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e diretora da Editora Peirópolis. Atualmente preside a Libre – Liga Brasileira de Editoras. Outubro 2008 Panorama 21
O livro na TV
Espaço para a literatura
Desde 1996, quando a Globo News foi lançada como o primeiro canal brasileiro de notícias 24 horas no ar, os livros têm espaço garantido na grade de programação dessa TV a cabo. Apresentado pelo jornalista Edney Silvestre, o programa Espaço Aberto Literatura recebe nomes consagrados e revelações do mundo literário. Escritores, poetas, ensaístas e tradutores são envolvidos num bate-papo que mostra os vários aspectos da literatura. O programa vai ao ar às quartas-feiras, às 21h30, com reprises às quintas em três horários: 1h30, 8h30 e 15h30.
O Livro na Internet
radio O livro no
e livroslivros eram um assunTempocod ncluir que os jornalis-
Romance sob encomenda Foto: Divulgação
Já existe um programa de computador que permite ao leitor montar o seu próprio bestseller, feito sob encomenda, na hora, pela internet. Isso tudo em menos de três minutos. O escritor Paulo Santoro, autor do projeto, garante que a invenção é inédita no mundo. São 30 enredos distintos que, levando em conta todas as combinações possíveis, podem gerar 92.160 romances diferentes. Dá para escolher detalhes, do gênero ao tipo de final – feliz ou não –, passando por questões como quantidade de descrições, nível do vocabulário e presença de metalinguagem. Esse programa pode ser baixado em paulosantoro.com/3minutos.
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a Depois de soras de rádio, rto pelas emis 2007, na em r, ia cr to pouco cobe de ve a idéia te no ma soag ra M og e ta Simon Letras, um pr de po m Te rmato CBN, o boletim éia era dar ao quadro um fo te e id A ng a. mais abra en bre literatur se um público de ís es ra D at e a. ur qu e de literat conciso de le específico fã o ue çã aq ra te du en m om não so 0 edições. C 30 e a as a qu nd m ar de segu então, já fora boletim vai ao o , To os te ut oi in N m ma CBN dois a três ntro do progra inde m 0, do s h3 ao 22 m às sexta, do també to, é transmiti programa tal. Desde agos mo parte do co , or ai m o at rm fo gos, e em às 14 h. o Foto: Divulgaçã Revista CBN,
Foto: Divulgação
Outras Mídias
Boa Idéia
Um museu vivo da literatura
Arquivo literário da Universidade Federal de Minas Gerais está aberto para o público em geral, estudantes e pesquisadores POR ELIZABETH LORENZOTTI
Fotos: Acervo UFMG
Imagens do acervo do Museu da Universidade Federal de Minas Gerais
Um museu vivo da literatura é o que se pode encontrar no Acervo de Escritores Mineiros, do Centro de Estudos Literários da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. Ouro em pó para pesquisadores e leitores, que podem, inclusive, conhecer a face reconstituída do local de trabalho dos escritores, além de suas preciosas bibliotecas, correspondências, quadros, fotos, e toda a sua obra. A visita tanto pode ser real como virtual (http://www.ufmg.br/aem/ inicial/inicial.htm). Esse trabalho singular começou a ser montado em 1989, quando foi doado à Faculdade de Letras da UFMG o acervo da escritora e poeta Henriqueta Lisboa. Para recebê-lo, a Faculdade criou um órgão interdepartamental, o Centro de Estudos Literários, tendo como um de seus objetivos acolher arquivos literários, promover a sua classificação, conservação, e disponibilizálos para pesquisas. Em agosto de 1989, ao ser realizada a Semana Henriqueta Lisboa, a família fez a doação formal dos fundos documentais da poetisa mineira à Universidade. A partir daí, foram chegando novos acervos de escritores: Murilo Rubião, Oswaldo França Júnior, Abgar Renault e Cyro dos Anjos. E também algumas coleções, doadas por intelectuais e órgãos públicos: do crítico e historiador Alexandre Eulálio; do poeta e 24 Panorama
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professor Valmiki Vilela Guimarães; cartas da escritora portuguesa Ana Hatherly a intelectuais mineiros; da fotógrafa norteamericana Genevieve Naylor; do poeta, jornalista e professor José Oswaldo Araújo; do escritor modernista Aníbal Machado. As Coleções Especiais são formadas por conjuntos de documentos parciais dos titulares, como cartas, fotografias, manuscritos, autógrafos e livros. O Projeto Integrado de Pesquisa Acervo de Escritores Mineiros é coordenado por Wander Melo Miranda, professor titular de Teoria da Literatura, também diretor da editora da UFMG. O subcoordenador é Reinaldo Marques, professor adjunto de Teoria da Literatura, Literatura Brasileira e Literatura Comparada nos cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Letras da Universidade. Ele conta que, na época, como a Faculdade de Letras não dispunha de espaço para acolher esses acervos, foram alocados na Biblioteca Universitária, que se tornou uma parceira importante para o desenvolvimento das atividades do Acervo de Escritores Mineiros: “Depois de ficarem por uns tempos em algumas salas, em 2003 foi construído, no terceiro andar da Biblioteca Universitária, um espaço apropriado para acolher os acervos dos escritores, com verba concedida pelo Fundo Finep-Infra. Nesse novo espaço, os acervos receberam
um tratamento museográfico e cenográfico. Tratamento mais adequado, visto que um arquivo literário é uma mescla de arquivo, biblioteca e museu.” Todos os arquivos foram doados pelas famílias. Portanto, não se trata de compra ou de cessão por comodato. No caso da doação do acervo de Henriqueta Lisboa, conta o professor Marques, sua sobrinha e responsável pelo espólio da escritora, Abigail de Oliveira Carvalho, era professora da UFMG e conhecia colegas e pesquisadores da Faculdade de Letras. Ele explica: “Certa vez, Silviano Santiago sugeriu a ela a doação do acervo de Henriqueta à UFMG, como forma de estimular, na Universidade, a pesquisa com fontes primárias da literatura.” A partir do trabalho dos pesquisadores envolvidos com o projeto, com o apoio das agências de fomento à pesquisa e com a publicação de estudos sobre os autores, o espaço foi ganhando visibilidade tanto na Universidade quanto na mídia e na sociedade em geral, o que despertou o interesse das famílias dos escritores em doar seus acervos à UFMG. Existe também uma política de captação desses acervos, o que leva ao estreitamento do diálogo e das relações com os escritores e suas famílias, com parcerias de publicações e pesquisas. Após a inauguração do novo espaço, em fins de 2003, chegaram mais alguns acervos de escritores. Os de Wander Piroli
(1931-2006, contista consagrado, jornalista, foi editor do Suplemento Literário de Minas Gerais) e de Octavio Dias Leite (poeta e jornalista, correspondeu-se com Mario de Andrade entre 1935 e 1944) – foram doados em dezembro de 2006. Nos últimos meses, começaram a chegar os acervos de José Maria Cançado (1954-2006, autor de diversos livros, dentre os quais Os sapatos de Orfeu (única biografia publicada de Carlos Drummond de Andrade), e do escritor e jornalista Fernando Sabino (1923- 2004). Deste último já chegou parte de sua biblioteca. Também foi doada a Coleção Achilles Vivacqua (1900-1942), escritor capixaba que se radicou em Belo Horizonte, onde sua casa ficou conhecida como Salão Vivacqua, freqüentado por Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Abgar Renault e outros. Adepto da Antropofagia, Vivacqua difundiu as teses oswaldianas em revistas e jornais brasileiros. O Arquivo também deu origem à Coleção Encontros com Escritores Mineiros, em associação com a Faculdade de Letras da UFMG, sistematizando o perfil de certa parcela da produção literária brasileira. Cada volume contém o relato da vida e da experiência intelectual dos autores, o comentário crítico – com matérias de jornais, revistas e suplementos literários de diferentes épocas – das obras publicadas, além de rico material iconográfico. Pela ordem, a coleção já lançou: Affonso Ávila, Autran Dourado, Abgar Renault, Darcy Ribeiro, Laís Corrêa de Araújo e Rui Mourão.
Os destaques do Acervo O Acervo de Escritores Mineiros organizou mini-sites de todos os escritores. Cada um deles disponibiliza, além das listagens dos inventários, biografia enriquecida com imagens, fotografias e trechos da obra dos escritores, bibliografia com referências de teses, monografias, livros e artigos sobre os titulares. A bibliografia conta também com a lista das principais publicações de cada autor, e muitas delas com as primeiras edições. Entre os destaques do acervo da poeta Henriqueta Lisboa (1901-1985), a Série Correspondência Pessoal, que inclui diversas cartas de Mário de Andrade, da escritora chilena Gabriela Mistral e de João Guimarães Rosa. Já a Série Quadros inclui dois trabalhos de Cândido Portinari: O Galo, de 1945, e O menino, do mesmo ano. Na série Coleção Bibliográfica podem ser encontrados vários títulos importantes da literatura brasileira e estrangeira, e muitos são primeiras edições autografadas pelos seus autores. Entre eles, Remate de Males, de Mário de Andrade, na edição de 1930, um dos mais antigos da coleção; A Rosa do Povo, de Drummond, edição de 1945 e Tempo espanhol, de Murilo Mendes, edição de 1959. Murilo Rubião (1916-1991) foi um dos precursores do realismo fantástico na literatura nacional, e criou e coordenou, durante três anos, o Suplemento Literário de Minas Gerais, publicação recheada com o melhor da literatura e das artes plásticas de Minas Gerais e do Brasil. Lá colaboraram Drum-
mond, Lispector, Guimarães Rosa e Murilo Mendes. O Suplemento revelou também os novos nomes de Humberto Werneck, Ivan Ângelo, Luís Vilela, Roberto Drummond, Oswaldo França Júnior. De seu acervo consta correspondência com Mário de Andrade, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino. Há ainda contos, entrevistas e o Suplemento Literário de Minas Gerais. O acervo de Cyro dos Anjos (1906-1994), considerado o romancista mais sutil e poético da geração de 30 – autor, entre outros, de O amanuense Belmiro –, tem 2.117 títulos e 2.623 documentos. Na série Coleção Bibliográfica há vários títulos importantes, entre eles o mais antigo livro da coleção, A infanta capellista, de Camilo Castelo Branco, edição de 1872. O acervo do destacado educador, político, poeta e professor Abgar Renault (19011995), que foi membro da Academia Brasileira de Letras, conta com uma coleção bibliográfica com 7.900 títulos, correspondência, com 598 documentos e iconografia, com 585 documentos. Da geração mais recente, o acervo de Oswaldo França Junior (1936-1989) conta com aproximadamente 3.100 documentos manuscritos e datilografados (correspondência, fotografias, originais, mobiliário, objetos de coleções, etc.). Seu livro mais famoso é Jorge, um brasileiro, transformado em série de TV.
O diário alemão de Guimarães Rosa Mundial. “A preparação desse diário inédito para publicação é, atualmente, um dos trabalhos mais relevantes do Acervo”, diz o professor Reinaldo Marques, um dos responsáveis pelo trabalho feito por uma equipe de pesquisadores, envolvendo a participação de alunos bolsistas de Iniciação Científica. Nos fundos documentais de Henriqueta Lisboa, há uma cópia desse diário, a partir da qual ele foi digitado. Talvez seja o único testemunho de um escritor latinoamericano do porte de Guimarães Rosa sobre aquela guerra. A sobrinha de Henriqueta, a escritora Ana Elisa Lisboa Gregori, era casada com o presidente da Xerox do Brasil na época, Henrique Sérgio Gregori. O professor Marques supõe que essas relações de parentesco tenham colaborado para que Henriqueta Lisboa, uma estudiosa de Rosa, recebesse uma das cinco cópias feitas pela empresa, em maio de 1973, dos cadernos de anotações do escritor, entre os quais o diário alemão. Não se sabe se o original do
diário existe, mas os originais dos cadernos estão no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, que abriga parte do acervo de Rosa. O professor Wander Melo Miranda, diretor da editora da UFMG, propôs à Editora Nova Fronteira, editora de Rosa, a co-edição do diário. Entretanto, o “diário alemão” de Guimarães Rosa não foi publicado até agora porque as filhas do primeiro casamento do escritor ainda não autorizaram. “Aguardamos que as negociações entre as editoras e os herdeiros do escritor possam chegar a bom termo”, afirma o professor Reinaldo Marques. “Esperamos que o acesso da sociedade à informação possa prevalecer e que o diário seja publicado. Trata-se de um documento importante do ponto de vista tanto literário, quanto histórico e cultural”. O professor acentua que os arquivos literários constituem importante fonte de pesquisa para a literatura e a cultura. Estimulam, por exemplo, trabalhos nas áreas da crítica
textual, da crítica genética e da crítica biográfica. Alimentam a produção de monografias, dissertações e teses acadêmicas. Todo o diário já está digitado e o trabalho de preparação do texto praticamente todo feito, com notas explicativas, apresentação e tradução das passagens em alemão ou outras línguas. O “diário alemão” de Guimarães Rosa, como não poderia deixar de ser, tem textos e expressões em inglês, alemão, espanhol, além do português. Cita textos, livros, e reúne relatórios de despesas, listas de temperos da culinária alemã, convites, relatos de passeios, comentários de leituras de jornais com críticas às medidas dos nazistas relativas aos judeus, anedotas, recortes de jornais com notícias de ataques dos Aliados contra o Eixo, informações sobre medidas de segurança, notas de falecimento de membros do partido em bombardeios e anúncios. Conta o professor que, certa vez, o escritor anotou “Heil, Goethe!”, após ter assistido a uma encenação de Fausto. Mas, em P vez do führer totalitário, ele saudava a arte. Outubro 2008 Panorama 25
Foto: Fanca Cortez
Capa
A odisséia do livro
De uma simples e, às vezes, genial idéia na cabeça do escritor até chegar às mãos do leitor, o livro – cuja data nacional será comemorada no dia 29 de outubro – vive uma verdadeira aventura POR GALENO AMORIM E TAINÃ BISPO Nem parecia uma tarde de primavera. O calor forte misturava-se com a brisa do mar ali perto e talvez, àquela hora, caísse melhor um cochilo na rede lá fora. Mas não. Sarah foi até a estante e apanhou o livro que comprara dois meses antes. Ele se conservara intacto, silencioso e paciente, naquele mesmo canto da casa, à espera de alguém que não tardaria a trazê-lo à vida. E esse dia, finalmente, chegara. Ela fora decidida e escolheu justo ele – e nenhum outro, entre tantos meticulosamente enfileirados. Leu o que vinha escrito nas orelhas e concluiu que era mesmo aquele tipo de leitura que sua alma lhe implorava naquele instante. “Insaciável é a sede da palavra”, sopra26 Panorama
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va em seus ouvidos, logo de cara, no texto de apresentação, o crítico literário Alfredo Bosi. Sarah gostou. E foi adiante: “Quem tem ouvidos, ouça – é a palavra que resta dizer ao leitor desta obra (...)”, ele, por fim, recomendava. Ela não teve qualquer dúvida: era ele mesmo! Nas quatro semanas seguintes, Sarah sorveu com sofreguidão cada uma das palavras impressas em 352 páginas que foram para ela um chamamento à introspecção. Lia à tarde, quando tinha alguma folga na universidade. E à noite, deitada na cama em seu quarto. Outras horas, se impacientava a ponto de buscar o balanço da rede. Por dentro, ela própria sentia-se, por vezes,
balançada. E instigada em seguir adiante, a não parar, a acompanhar atentamente cada nova reflexão. E, principalmente, fazer as suas próprias, e, custasse o que custasse, ir até o fim só para ver no que aquilo tudo iria dar – nada tão diferente, afinal, daquilo que acontecia, a cada página virada, com Scherezade, a mitológica personagem das Mil e Uma Noites que, agora, também era objeto central e fio condutor da história que prendia sua respiração. — Não, decididamente não é uma leitura fácil e exige certo esforço e muita introspecção – descobriria, aos poucos, aquela ávida leitora. — Mas o livro prende pelo encantamento da linguagem, que tem leveza,
delicadeza e uma teia de mistérios... O caso de amor entre a professora cearense Sarah Diva Ipiranga e Vozes do Deserto começou algumas mais de duas décadas antes do livro ser publicado, em 2004, pela Record, carro-chefe de um dos principais grupos editoriais do Brasil. Lá pelos idos da década de 1980, Sarah assistiu, um belo dia, na faculdade, a uma palestra da escritora Nélida Piñon, que foi a Fortaleza como convidada do célebre Encontros Marcados, que a IBM promovia para levar escritores importantes às universidades brasileiras. A moça ficou encantada com a conversa gostosa e fluente da filha de galegos nascida no bairro carioca de Vila Isabel. Anos mais da tarde, voltaria a vê-la em uma outra palestra, desta vez em Belo Horizonte, onde Sarah foi morar. Pronto: estava consumada a sedução. Anos mais tarde, ao saber que a escritora estaria na Bienal do Livro, em Fortaleza, onde voltou a morar, Sarah – agora já formada, lecionando Literatura Comparada na Universidade Estadual do Ceará e mãe – resolveu que não perderia a oportunidade de ouvi-la mais uma vez. Passou, antes, no estande da Livraria Feira do Livro e comprou o seu exemplar – um dos 40 que seriam vendidos naqueles dias. Como invariavelmente acontece quando sai pelo País afora – e também fora dele, já que foi se tornando, com o passar dos tempos, um dos autores brasileiros mais conhecidos e premiados no mundo – para divulgar seus livros e falar de literatura, seu assunto predileto, Nélida foi, pouco a pouco, com seu jeito doce e amável, cativando um leitor aqui, outro acolá. Sarah – que já chegou a estar numa mesa, anos antes, ao lado dela – foi só uma delas. E pode-se dizer que sabe muito sobre ela. Mas, ao fixar os olhos, algum tempo depois, no último parágrafo do capítulo 64 de Vozes do Deserto, que encerra a obra, não fazia idéia do trabalho que deu e do longo trajeto percorrido até ali pelo livro. Até chegar a suas mãos daquele jeitinho – impresso num papel chamado Chamois-Fine, fabricado pela Ripasa, de peso mediano, ou 80 gramas por metro quadrado, no jargão técnico das gráficas e papeleiras, que, por vezes, dava vontade de esfregar os dedos e cheirar – fora um longo caminho. Uma verdadeira corrida de obstáculos, resistência e obstinação – a bem da verdade, nesse caso bem menor, se comparado à maioria dos outros 20 mil novos títulos que chegam anualmente ao mercado. Afinal, não dá para comparar as chances iniciais de uma obra que já chega amparada pela combinação de algumas marcas de sucesso e com ampla aceitação no negócio do livro. No caso, uma autora, como Nélida Cuiñas Piñon (vencedora, entre outros, do Prêmio Príncipe das Astúrias, um dos mais cobiçados da literatura mundial, e primeira mulher a presidir a vestuta
Academia Brasileira de Letras), e uma editora, como a Record, dona de um catálogo de 6 mil de títulos, um formidável sistema de distribuição e uma polpuda fatia do mercado nacional. Nem por isso, no entanto, o sucesso de qualquer um dos cerca de 60 títulos lançados todo mês pelos 11 selos do grupo está assegurado. E muito menos que esse caminho seja só de flores – aliás, muito pelo contrário, já que só uma minúscula parcela de livros publicados a cada no Brasil e no resto do mundo será bem sucedida. Seja qual for o livro – e o Brasil publica 45 mil por ano entre títulos novos e reedições, perfazendo uma montanha de 351 milhões de exemplares, de acordo com a última pesquisa da CâFoto: Divulgação
A escritora Nélida Piñon e seu livro
mara Brasileira do Livro (CBL) e do Snel (Sindicato Nacional de Editores de Livros) – ele terá que vencer um percurso e tanto. Desde o momento em que ainda não passa de uma simples – embora, muitas vezes, genial – idéia na cabeça do escritor até chegar às mãos do leitor – que, no fundo, no fundo é sua grande razão de ser! – ele vive uma verdadeira odisséia. Passa de mão em mão e muita gente dentro e fora das editoras, birôs, gráficas, distribuidoras e livrarias despende uma boa energia e muitas horas de trabalho intelectual e físico. Só então ele vai ganhar a forma final e convencional, impressa em papel – suporte mais usual e admirado por milhões de leitores no mundo todo e considerado a maior invenção do
último milênio, e que continuará por muito tempo, apesar da chegada de novos e respeitáveis suportes, a servir como grande ponte entre autores e leitores. Primeiro, como acontece com tudo, o livro é uma idéia. Que pode ou não vingar (muitos, ainda que brilhantes, jamais sairão em vida das gavetas de seus autores, algo que começa a mudar na era da internet e dos blogs). Não foi diferente com Vozes do Deserto, que viria a ser eleito, em 2005, Prêmio Jabuti de Melhor Livro de Ficção do Ano no Brasil e já vendeu, até aqui, 10 mil exemplares e foi traduzi em vários países. A história toda brotou na cabeça de Nélida muito tempo antes. — Há algum tempo eu queria fazer um romance – ela lembra. E queria que esse romance tivesse como essência principal a arte da fabulação. Então, comecei a pensar no que eu desejava fazer. Me dei conta que o mais representativo da imaginação está no mundo, mas queria eleger uma geografia ao longo da história que ensejou o esplendor da imaginação. Pensei no Oriente Médio! Naquela região, surgiram três religiões, todas elas baseadas em um deus único e abstrato. Para mim, me pareceu que esse feito era uma prova excelente da imaginação humana. Após definir o cenário do romance, Nélida iniciou o processo de pesquisa. Ela já havia lido algumas obras sobre o tema, mas foi só em 1998 – ou seja, seis anos antes da obra chegar às livrarias – que ela pôde entregar-se de corpo e alma a ele. Foi a maior pesquisa que já fez para um único livro. — Fiz pesquisas dos três mundos: árabe, judaico e cristão. Li histórias e poesia da região. Li o Alcorão três vezes. Municiei-me de um saber específico. Mesmo assim, não foi nada fácil, recorda ela, transpor anos e anos de estudo e pesquisa ao romance. — Não tive problemas em acumular saberes – confessa, com naturalidade, a escritora. — Porém, foi difícil narrar tudo isso. Era preciso dissolver o conhecimento ao longo da história, para que ele não pesasse e não se tornasse um elemento erudito. Algo que vai contra a índole narrativa. Vencida a primeira etapa, era chega a hora de, então, escrever o livro. Isso não demorou mais do que alguns meses para Nélida, uma autora experiente, que já publicou outras 15 obras em 35 anos de carreira. Mas foi, sem dúvida, um trabalho de ourives. Trancada na sua casa na Lagoa, no Rio, ela escreveu e reescreveu a mesma história nada Outubro 2008 Panorama 27
Capa menos do que sete vezes. Mas isso não incomoda Nélida, que já se habituou a fazer isso e diz que a prática já faz parte da sua vida. — Por melhor que o texto seja – teoriza a escritora – ele pede que você o reconsidere. Vou refazendo, aumentando, cortando, dando ênfase a um determinado personagem. Mais uma etapa está vencida. Agora, é hora do livro ir para a editora. Para os novatos, esta é a parte mais difícil da história. Alguns editores chegam a estimar que para cada livro que publicam outros 50 permanecem na fila e, muito provavelmente, jamais sairão de lá. Alguns porque perdem a vez; outros, sequer serão lidos – e, assim, obras mesmos geniais, como a história é pródiga em mostrar, acabam ficando para trás no meio do caminho. No caso de autores que têm um nome conhecido ou mantém uma boa relação com uma editora – caso de Nélida Piñon, um dos nomes mais importantes no catálogo da editora carioca – isso tudo fica muito mais fácil. Ainda que, em função de fatores que podem ir desde um momento não oportuno para lançar determinados temas – porque não é hora ou porque ele já foi exageradamente tratado – até uma momentânea falta de recursos ou simples necessidade de mais tempo para planejar melhor o lançamento, não exista, nem nesses casos, certeza absoluta de publicação num prazo curto. Nélida Piñon entregou os originais do seu livro nas mãos da gerente editorial da Record, Ana Paula Costa, no final de 2003. Ela gostou logo que leu as primeiras páginas do manuscrito. Consultou seus superiores e decidiu que iria, sim, publicá-lo. Por um ano inteiro, o texto passou por mãos e mesas de diversos profissionais dentro e fora da Record. Primeiro, foi para a revisão para uma primeira boa olhada em detalhes como a continuidade da história e checar datas e estilo. Em seguida, a prova foi parar outra vez nas mãos de Nélida, que cuidou de incorporar sugestões e dar mais uma olhada no manuscrito. Mais tarde, ainda seriam feitas outras duas leituras, desta vez com maior preocupação com gramática e a ortografia. Em média, são feitas três revisões, contabiliza Ana Paula, que também dá a ordem para a expedição do número de identidade do futuro livro. É o International Standard Book Number, popularmente conhecido como o ISBN, uma espécie de RG da obra – ou passaporte, já que vale no mundo inteiro. Mas isso só depois que o contrato é assinado entre autor e editora. Vozes do Deserto, por exemplo, ganhou o enigmático ISBN 85-01-06922-1. Antes disso, lá mesmo na seção de catalogação do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, que funciona no 18º andar de um tradicional edifício no calçadão da Rua da 28 Panorama
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Ajuda, no centro velho do Rio, já recebera outros dois carimbos ao ser catalogado na fonte dentro da categoria Romance Brasileiro: CDD 869.93 e o CDU 821.134.3 (81)-3. Número para cá, burocracia para lá, o livro agora começava a ganhar rosto. A capista Evelyn Grumach, que assina boa parte das capas dos livros da Record, resolveu que usaria uma ilustração feita a bico de pena e uma arte bem limpa, dando mais destaque ao nome da autora. Encomendou o trabalho a Sarkis Katchadourian, que costuma prestar esse tipo de serviço terceirizado para a editora. Ao mesmo tempo, a designer Evelyn Grumach entrava em campo para desenhar no computador – afinal, hoje em dia, praticamente todo o processo é informatizado, bastante diferente do que acontecia alguns anos atrás – o projeto gráfico do livro. Pensou em tudo: nas fontes e Foto: Divulgação
O crítico literário Alfredo Bosi nos tamanhos que usaria nos títulos e no próprio corpo do texto, onde colocaria a dedicatória que Nélida escreveu para a mãe, Carmen Piñon, na folha de rosto, na ficha técnica e na própria disposição das outras páginas, dividas em dezenas de capítulos. Acabou optando pela tipologia Caslon 540, no corpo 11/16. No caso de Vozes do Deserto – sim, seria este mesmo o título do livro, conforme pensou Nélida algum tempo antes – não haveria fotografias ou outras ilustrações no miolo – e isso facilita, claro, muito as coisas. Uma foto seria utilizada – da autora, feita pela fotógrafa Cristiana Isidoro – para ilustrar a quarta capa, em vez do tradicional texto de apresentação. Não, o livro ainda não estava pronto. Só depois que a capa e miolo ficaram prontos, e foram devidamente aprovados pelos vários responsáveis por cada um dos responsáveis pelos processos, recebeu o sinal verde para mudar de fase. Entraria, finalmente, numa nova etapa: a impressão propriamen-
te dita. Com textos e imagens mais uma vez revisados e aprovados, o projeto vai chegar ao Departamento de Produção Gráfica – no caso da Record, ela possui uma divisão própria com essa finalidade, o Sistema Poligráfico Cameron, inaugurado com 1989 e com capacidade para imprimir cem livros de 200 páginas por minuto. Mas não dá conta de toda a demanda. Por isso, também imprime, como fazem praticamente todas as outras 500 editoras em atividade no País, parte dos seus títulos – algo como 560 por ano, fora as mais de 600 reedições – em gráficas terceirizadas. Na Record, quem faz a ligação entre a área editorial e a industrial e agora vai cuidar do livro de Nélida é o gerente de Produção, José Jardim. Assim que chegou às suas mãos, José redistribuiu o trabalho entre duas equipes do departamento – uma passou a cuidar da capa e a outra da parte de dentro, o chamado miolo. Pela primeira vez, desde que chegou à editora, o futuro livro Vozes do Deserto começaria a tomar jeito e a ganhar forma – a mais próxima possível da que em breve seria nas prateleiras de qualquer uma das mais de 3.000 livrarias do espalhados pelo território nacional. — Está pronto o boneco – anunciou, por fim, José Jardim. Até ali as provas da capa vinham sendo feitas em impressoras a jato de tinta. Para não haver diferenças de tonalidade na hora da impressão definitiva, José pediu que fosse feita uma prova de cor da capa do que em pouco tempo viria a ser o 16º livro de Nélida. A editora Ana Paula e Evelyn, a designer, aprovaram. O arquivo estava pronto para ir para a gráfica. Mais uma etapa fora vencida. Mas ainda havia chão pela frente. Depois de impressa, a capa, em geral, ainda recebe algum tipo de acabamento, que, muitas vezes, acontece fora da gráfica. A prática é comum, já que é preciso destacar o livro no ponto-de-venda num universo de milhares de outros lançamentos. José Jardim, enquanto confere o resultado obtido com o tom acinzentado aplicado à capa de Vozes do Deserto, dá uma aula sobre o assunto: — A capa recebe uma camada de plástico que pode ser fosco ou brilhante. A tendência do mercado tem sido colocar um diferencial na capa, como uma película metálica no título, mais conhecida por hot stamping, ou aplicar verniz ou relevo. Isso pode demorar entre dois e quatro dias, mas é um recurso cada vez mais utilizado e que acaba se tornando um diferencial importante. O objetivo, dizem os entendidos, é “enobrecer” a capa e, assim, fazer de tudo para chamar a atenção dos consumidores – afinal, dois em cada dez compra-
Quanto tempo se leva para escrever um livro? dores levam isso em conta na hora de comprar. Finalizadas a capa e as matrizes de impressão, agora o processo é mais rápido. Um livro como o de Nélida – pouco mais de 300 páginas e tiragem de 3 mil exemplares na primeira edição – não leva mais do que três horas para ficar pronto, da impressão ao acabamento. Em pouco tempo, os funcionários do Departamento de Produção Gráfica – que haviam cuidado da escolha e compra do papel e controlado orçamentos e todo o cronograma do projeto – começarão a dar ordens para acondicionar tudo em caixas de sete exemplares e mandar entregar no gigantesco depósito da editora, que ocupa uma área de 8 mil metros quadrados em Bonsucesso, no Rio. Agora, o quase livro vai ganhar a companhia de algumas centenas de milhares de exemplares de milhares de títulos – só uma pequena amostra do que o espera pela frente, no verdadeiro cipoal de obras, autores, editores, gêneros e temáticas com quem, em pouco tempo, terá que disputar, palmo a palmo, a prateleira das livrarias a preferência de Sua Excelência, o Leitor. Dois meses antes, uma outra turma já havia entrado em ação. Ali mesmo em Bonsucesso, a gerente de Imprensa e Divulgação, Gabriela Máximo, começava a dar as cartas. Um dos jornalistas da sua equipe leu os originais, conversou com quem preparou os originais ou editou a obra, tomou um depoimento de Nélida e preparou a notícia – ou release, como se diz no jargão das redações – para ser enviada à imprensa. Os principais jornalistas de cultura do País vão receber, antes que o livro chegue às livrarias e a editora convide para um coquetel de lançamento e autógrafos, um exemplar do livro. Junto, seguirá o texto com todas as informações possíveis, desde o tema abordado e o que a autora tem a dizer sobre a obra até dados técnicos como formato, número de páginas e preço de capa. Se o livro não ficar pronto a tempo, o jeito será mandar só o miolo. Ou, então, as folhas impressas ainda soltas. Não pode é deixar de informar os jornalistas. — As pessoas precisam saber que o livro existe e uma forma eficiente disso acontecer é sair na imprensa – pontifica Gabriela, que faz circular 55 releases todo mês sobre obras que chegarão ao mercado pela Record, BestSeller, BestBolso, Nova Era, Galera Record, Galerinha e Civilização Brasileira, os outros selos do grupo. Um novo livro de Nélida Piñon é sempre notícia e a Record sabe muito bem disso. Dessa vez, com Vozes do Deserto, não foi diferente. Nesse caso, a editora também mandou publicar alguns anúncios em jornais para dar maior visibilidade ao lançamento e prestigiar a autora, uma das mais badaladas da casa. Bem longe dali, em outro canto do
A resposta certa é... depende. Isso mesmo. Quem imagina que as etapas consumidas com a produção editorial, diagramação, impressão, armazenagem, divulgação, comercialização e distribuição de um livro levam uma eternidade, ainda não viu nada. Há livros e livros e, em função do gênero, tamanho, complexidade e uma infinidade de outras variáveis, a tarefa pode levar mais ou menos tempo. Em alguns casos, pode levar uma vida inteira. Não são poucos os casos de grandes gênios da literatura mundial que acabaram terminando suas obras primas no final da tarde e sequer tiveram o gostinho de vê-las publicadas. Cinzas do Norte, romance do amazonense Milton Hatoum e vencedor do Prêmio Jabuti de Melhor Livro de Ficção em 2006, levou 20 anos para ficar pronto. “Foi minha primeira tentativa de escrever, em 1980, um romance”, lembra o escritor. “Tinha acabado de ganhar uma bolsa e morava em Madri. Queria escrever um romance baseado na década de 1970. Tentei durante um ano, mas o abandonei. Joguei fora o projeto. O texto tinha ficado muito factual. Não reconhecia ali ne- Milton Hatoum nhuma qualidade transcendente, que é a qualidade da literatura de transcender a realidade, as circunstâncias. Acho que esse é o desafio”, diz. Para escritores como Milton Hatoum, pressa, decididamente, não combina com processo criativo. Em 1989, ele lançou seu primeiro livro (Relato de um Certo Oriente), pela Companhia das Letras, onde permanece até hoje. Nem achava que levaria tanto tempo para publicar um segundo (Dois Irmãos, que acabou saindo em 2000), mas assim que começou a escrevê-lo começou a sentir uma espécie de formigamento. “Percebi que poderia encarar aquele outro texto duas décadas depois”, relata. “Há textos que você escreve, joga fora e esquece. Não tinha uma razão de ser. E há textos fracassados que são retomados. Eu achei que valia a pena retomar esse texto como um romance. Minha vida estava muito ligada a essa história”, diz.
Então, em vez de terminar o Dois Irmãos, Hatoum retomou o Cinzas do Norte, que andava na gaveta. Afinal, emendar uma obra na outra é, para ele, uma necessidade. “Eu fico angustiado de terminar um livro. Morro de medo de viver a realidade sem nenhum mundo paralelo”, ele filosofa. O envolvimento com o ato de escrever é vital para autores como Milton Hatoum. “O desejo move a escrita. Mas é importante não perder o foco. Não deixar a narrativa muito longe de ti. É um pouco como uma história de amor. É preciso se envolver, estar presente, se entregar totalmente”, ele diz. Hatoum não tem o costume de fazer grandes pesquisas para os seus livros – “muita pesquisa atrapalha um pouco a criação” – e prefere escrever a primeira versão à mão. Em seguida, transfere as paFoto: Adriana Vichi lavras do papel para o computador, imprime, corrige... “Vou ganhando terreno como se eu rastejasse num campo minado. Vou aos poucos. Eu sou muito lento. Reescrevo muito”, diz. No caso de Cinzas do Norte, por exemplo, ele terminou a primeira versão do livro e percebeu que Ranulfo, até então um personagem, poderia se tornar um narrador. “Só isso atrasou um ano a entrega do livro”, conta. Depois de finalizado o texto, o autor o entregou a Luiz Schwartz e à editora Maria Emilia Bender. “Eles leram várias versões do manuscrito e deram várias sugestões”, lembra. Essa etapa – o “vai e volta” do texto entre escritor e editora – consumiu mais alguns meses de trabalho. “Dá a impressão de que nunca termina”, diz. É por isso que Hatoum não consegue esconder a felicidade de ver a obra finalizada, pronta para ser, finalmente, descoberta pelos leitores. “Sempre me emociono ao ver o primeiro exemplar. O editor se emociona também. Há uma cumplicidade”, conta. Como há, ainda, a possibilidade do livro ser traduzido para outros países, começa, então, uma nova angústia: responder à correspondência dos tradutores. Em um de seus livros, Órfãos do Estado, chegou a receber 80 Outubro 2008 Panorama 29
Capa Brasil, numa pequena livraria do Nordeste, dois olhos atentos acompanham o noticiário dos jornais. E, assim, a idéia de convidar a escritora para aparecer e ser homenageada na edição seguinte da Bienal do Livro do Ceará – que naquele ano teria como tema justamente o mote As Mil e Uma Histórias – não tardou a bater na porta da organização. A engrenagem que torna possível livros, autores e leitores se encontrarem em momentos de pura magia começava, enfim, a mover-se. Enquanto tudo isso acontecia, um outro batalhão se preparava para entrar numa verdadeira guerra. A não muitos metros de distância de Ana Paula e José Jardim, era a vez de outro capitão da esquadra – que atende pelo nome de Ilson, sem o W, Pelegrineli – iniciar um novo embate. Para isso, já vinha anotando informações, números e maquinando suas próprias táticas. Afinal, Vozes do Deserto – que um dia fora uma idéia, depois um manuscrito, um original e, mais tarde, um projeto editorial e até um miolo composto de cadernos costurados entre si – agora já era um produto. E, como tal, requer planos de marketing, cronogramas, estratégias de distribuição e negócios, muitos negócios, que é para pagar o investimento inicial feito pela editora. A área que Ilson comanda – a Gerência Comercial – tem acesso com antecedência ao cronograma de lançamentos da editora. Por isso, ele sabe, muito bem, exatamente quando cada um dos novos livros vai ficar pronto na gráfica – e daí até sua chegada aos pontos de venda não pode levar mais do que 15 dias. A distribuição começa, na
verdade, uma semana antes da sua chegada aos pontos-de-venda e é feita de forma com que as livrarias recebam mais ou menos no mesmo dia. Mas essa pré-venda do livro começou mesmo um mês antes, colocando em campo algo em torno de 40 pessoas, com muita vontade de vender. — Precisa captar o produto, informar o Foto: Fanca Cortez
A livreira Mileide Flores mercado sobre ele, distribuir, depois repor – Ilson dá a voz de comando. Longe dali, Anastácio Bezerra Pontes se prepara para entrar no jogo. Há 23 anos no ramo e a milhares de quilômetros de distância, Anastácio tem pela frente a missão de fazer esses livros entrarem no Ceará. E ele não nega fogo: a cada fim de mês faz as contas e constata que 2 mil exemplares,
em média, somados todos os títulos oferecidos pelo grupo onde trabalha desde 2004, quando deixou para trás 19 anos de Editora Vozes, conseguiram cumprir sua meta. Entre eles, está, claro, o mais recente lançamento de Nélida – hoje em dia as livrarias costumam encomendar só quatro ou cinco exemplares dos lançamentos que chamam a atenção e, se o livro tem saída, aí sim, reforçam o pedido. Foi o que fez Mileide Flores, a dona da Livraria Feira do Livro, uma pequena e charmosa loja instalada no bairro do Montese, no rumo de Maranguape, a cinco quilômetros do centro de Fortaleza. — O giro do livro é muito lento e ninguém mais faz como antigamente, quando, às vezes, pedia 20 exemplares de um lançamento – explica ela, da nova geração de uma família cearense que tem o negócio do livro no sangue. — O frete até aqui é muito caro, proporcionalmente há menos consumidores em potencial e não dá pra correr certos riscos. Ela própria uma admiradora de Nélida Piñon, Mileide ficou com alguns exemplares do Vozes do Deserto, que o caminhão da Transportadora LDB levou longos oito dias para fazer chegar ao lá. Antes, precisou vencer todo tipo de obstáculo: buracos, curvas, tráfego lento, rodovias mal sinalizadas, hoteizinhos de beira de estrada sem muita higiene e, pior, o risco maior de acidentes e assaltos em certos trechos. Mas 2.805 quilômetros e quase 200 horas depois, a história imaginada em algum lugar do passado por Nélida Piñon estava lá, empacotada numa das 70 caixas que seriam, primeiro, descarregadas na Livraria Ao Li-
Uma verdadeira epopéia. O passo a passo do livro em 10 pontos 1. O escritor tem a idéia, pesquisa e imagina uma forma de botar isso no papel ou no computador. Revisa algumas vezes e só quando está seguro quanto à qualidade do texto, manda o manuscrito para a editora. 2. Se a editora compra a idéia (o que não é tão fácil assim!), já é meio caminho andado. As chances de quem já tem livros publicados, um tato de leitores ou é famoso são bem maiores. Boa parte sequer chega às editoras. Uma outra parte jamais será lida e uma terceira será devolvida. 3. Se os originais são aceitos, logo vai ganhar um número de identidade internacional (o ISBN) e alguns outros com sua catalogação, de acordo com o gênero em que a futura obra foi enquadrada. 4. Logo vai virar projeto editorial e dar início a uma longa caminhada, começando por duas ou três revisões para ver estilo e continuidade. Ainda haverá mexidas do editor ou do preparador de originais e novos ajustes do autor. Só mais tarde voltará para 30 Panorama
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as correções de gramática e ortografia. 5. O designer dirá como deve ser o livro: cores, tipologia, capa, número de páginas, papel e se terá fotografias ou alguma ilustração. Se a resposta for sim, começa aí um trabalhão daqueles. 6. Algum tempo depois ele começa, finalmente, a ganhar a feição mais parecida possível com a que terá em breve. É quando vira um boneco, após uma juntada da capa e do miolo pré-impressos. 7. A produção editorial e gráfica cuida dos prazos, cronograma e informações que serão fundamentais para decidir o preço que ele será vendido, quem deve comprá-lo e as estratégias a serem adotadas pelo marketing. 8. Enquanto o marketing prepara as notícias para a imprensa, distribui exemplares para jornalistas e, às vezes, cria anúncios, a área comercial, sabendo antes disso tudo, põe seu pessoal para fazer a pré-venda. Às vezes, isso pode aumentar tiragem (2 ou
3 mil exemplares na 1ª edição, dependendo do livro). 9. Quando está tudo certo, os arquivos são mandados, enfim, para a gráfica, na maioria dos casos terceirizada. Agora, já não demora tanto. Impressos e acabados, os exemplares são encaixotados e vão para o depósito. 10. Dali, se forem vendidos, são mandados para uma distribuidora ou direto para a livraria, para onde geralmente vão de caminhão (em alguns casos, de avião; em alguns locais, só de barco). Mas seu futuro ainda não está garantido: a maioria dos livros é vendida em consignação. Ou seja, se não tem saída, depois de algum tempo é devolvido e trocado por outro, que ocupará o seu lugar. Acabou? Não! O mais importante ainda está por vir: é quando o livro é aberto pelo leitor em alguma parte do universo e tem seu conteúdo por ele devorado. Só aí ele passa a existir.
Trabalho minucioso vro Técnico, que distribui os livros do grupo editorial no estado. Sã e salva, e agora à espera dos futuros leitores. Por uma obra do destino – mas, sobretudo, após horas e horas de inspiração, transpiração, dedicação, energia e um incalculável investimento pessoal de uma infindável legião defendida por mãos, cabeças e corações de homens e mulheres de diferentes credos, raças e sonhos nos mais diferentes pontos do País – esta admirável epopéia parece estar chegando ao fim. Logo o livro chegará às mãos de gente como a professora universitária Sarah Ipiranga, que lerá este e outras duas dezenas de obras ao longo do ano. Mas, não. Na verdade, este é só o fim de um ciclo, ou de um dos capítulos desta, felizmente, interminável história. Esse mesmo livro ainda irá a feiras, saraus, bancas em universidades e, quem sabe, ainda não vai parar, depois de lido, em algum sebo, fazendo, assim, girar mais uma vez a roda da vida. E vai fazer começar tudo de novo. Com um pouco mais de sorte – já que uma parte ínfima da montanha de livros produzidos anualmente no Brasil, que faz dele o oitavo maior produtor do planeta, tem esse destino – talvez vá parar em alguma das 6 mil bibliotecas públicas espa-
Detalhe é que não falta quando se trata de editar um livro infanto-juvenil. Assegurar que o projeto gráfico e as cores saiam do computador, onde tudo é possível, e cheguem ao papel da forma como foram idealizados requer um trabalho minucioso. Tanto que, enquanto um livro mais convencional pode ser feito entre seis e oito meses, um livro para crianças e adolescentes pode, muitas vezes, demorar mais de ano. Por isso, logo que o texto já aprovado entra na editora, o primeiro passo é, mais do que depressa, criar um projeto gráfico que se encaixe na história. Muitas vezes a editora contrata um ilustrador terceirizado ou um estúdio de design. No caso de Sete histórias para
contar, de Adriana Falcão, por exemplo, a gerente editorial da Salamandra, selo infanto-juvenil da Moderna, Lenice Bueno da Silva, encomendou o projeto para um estúdio que apresentou, entre outras coisas, a seguinte idéia: cada história seria recheada por uma cor diferente. A ilustradora Ana Terra, então, desenvolveu o projeto. Engana-se quem imagina que todo esse processo é computadorizado. Pelo contrário. Ana Terra fez tudo em papel, que depois foi escaneado. Lenice teve que ficar atenta para que a ilustração, no livro impresso, parmanecesse o mais fiel possível à idéia original da ilustradora – cores diferentes, verniz e a sensação de relevo. “Tem que ficar atento, pois a tinta da reprodução não é a mesma que o ilustrador usa”, explica.
lhadas pelo território nacional. Se isso acontecer – e ele, então, vier a ser lido e relido tantas e tantas vezes até gastar algumas de suas páginas e se esfarelar com o tempo, sonho de consumo maior de todo mundo que está por trás de cada um dos elos dessa admirável cadeia produtiva do livro – terá sido dado um novo empurrão na roda da história, esta mesma que, 500 anos depois da invenção do livro, continua
a se ancorar nele para fazer o mundo mudar. Mas calma aí: ainda não é o fim da história! Ela recomeçará e ganhará vida nova ainda outras vezes. Em cada vez que qualquer indivíduo alfabetizado e apto a decodificar uma porção de sinais impressos e dar a eles algum sentido, abrir o livro – este ou qualquer um dos 200 mil disponíveis no catálogo nacional – e deixar se levar pelo encantamento e a magia das palavras lá contidas.P
Todo mundo lê
O livro da minha vida ação Foto: Divulg
Talita Castro (atriz)
Trilogia de Griffin & Sabine – Griffin & Sabine, Agenda de Sabine e O Caminho do Meio (Nick Bantock) “Gosto muito dessa história porque me sinto realmente no meio dessas correspondências. A trilogia deve ser lida na ordem certa para ser entendida.”
Dica de leitura
Foto: S
elmy Ya
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Rodrigo Faour (jornalista e produtor musical)
Foto: Fa
Moacyr Scliar (médico e escritor)
z nca Corte
O que eu estou lendo
Uma História da Música Popular Brasileira: Das Origens à Modernidade (Jairo Severiano) “Jairo é meu grande mestre na pesquisa musical. Foi meu grande professor desde os meus 19 anos. E, aos 80, lançou um livro fundamental que resume todos os estilos principais da música brasileira – com destaque especial para as informações raras ou inéditas dos estilos mais antigos pré-bossa nova.”
O Alienista (Machado de Assis) “Estou relendo essa obra por três motivos: primeiro, por causa do Ano Machado de Assis. Segundo, porque é um livro fascinante. Terceiro, porque estou preparando um texto sobre Machado e a Medicina.” Outubro 2008 Panorama 31
Políticas Públicas
Uma guerra pelos livros Correios preparam uma verdadeira operação de guerra para fazer chegar os livros comprados pelo governo a 37 milhões de alunos de escolas públicas em mais de 5.500 municípios Foto: Assessoria de Imprensa ECT
Correio entrega livros no Amazonas Quando as aulas do ano letivo de 2009 começarem, em fevereiro, todos os alunos de escola pública do País, ou seja, 37 milhões de crianças e adolescentes, receberão um kit de livros das mais diversas matérias para usar durante as aulas. Essas crianças estão espalhadas pelos lugares mais diversos do Brasil: de centros urbanos a comunidades ribeirinhas. No total, serão atendidas 142 mil escolas em mais de 5.500 municípios de Norte a Sul do País. Por trás disso, que se repete a cada ano e é considerado um caso exemplar de política pública no País, e causa admiração pelo mundo afora, há uma operação logística pra lá de complexa. Afinal, planejar a distribuição de qualquer produto ou serviço num país continental como o Brasil não é fácil em nenhum setor da economia. Quando se trata, então, da distribuição de livros didáticos, a situação tende a ficar ainda mais complicada. Caminhões e vans não são suficientes para se chegar a todos os destinos necessários. Às vezes, é preciso traçar rotas com aviões, balsas e até 32 Panorama
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carros com tração quatro por quatro para alcançar todas as cidades. José Carlos de Oliveira, analista da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafo (ECT), explica que esta é a maior operação logística da companhia. “É a que demanda o maior investimento em menos tempo”, afirma. A estatal entrega, escola a escola, todos os livros adquiridos pelo governo desde 1994. Nos últimos três anos, entregou nada menos do que 290 milhões de exemplares. O processo recomeçou em setembro deste ano. Até fevereiro de 2009, os Correios serão responsáveis por levar 103 milhões de exemplares de livros didáticos a todas as escolas do País. São 70 mil toneladas de carga e 3.500 viagens de carreta – além de outros tipos de transporte – para realizar a distribuição. Segundo Oliveira, os Correios têm uma estrutura logística dedicada somente ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), braço do Ministério da Educação para as compras centralizadas das obras diretamente das editoras.
O programa governamental de aquisição de livros começou em 1929. Porém, só nos anos 90 tornou-se sistemático tal como é hoje. O FNDE coordena a escolha dos títulos didáticos, negocia a compra junto às editoras e contrata os Correios para a distribuição. A negociação das empresas com o governo é dura. Em média, o governo paga R$ 0,34 por caderno tipográfico (o equivalente a 16 páginas). “Mas esse pagamento varia de R$ 0,30 a R$ 0,50, de acordo com a tiragem da editora”, explica Rafael Torino, diretor de Ações Educacionais do FNDE. Um livro de 10 cadernos tipográficos, por exemplo, sai por R$ 3,40. Um valor que pode chegar, às vezes, a ser dez vezes menor do que o preço do mesmo título nas livrarias. “O governo brasileiro é um dos maiores compradores de livros do mundo”, afirma o presidente do FNDE, Daniel Balaban. Tanto é verdade que o FNDE costuma abocanhar uma parcela significativa de toda a produção editorial brasileira. No ano passado, por exemplo, segundo
Foto: Arquivo ASCOM-FNDE
Daniel Balaban, presidente do FNDE a pesquisa sobre o desempenho do setor rem aos pedidos do governo, que definidos mente organizado. Funcionários dos Coreditorial que acaba de ser anunciada pela em edital. reios começam a fazer parte do processo Fundação Instituto de Pesquisas EconômiLogo após a inscrição das obras no prologístico já na gráfica, quando as editoras cas (FIPE), da Universidade de São Paulo grama – que pode ser tanto o Programa Nacomeçam a imprimir os exemplares. En(USP), o Estado adquiriu nada menos do cional do Livro Didático (PNLD) quanto o quanto isso, é feita toda uma distribuição que 126 milhões de exemplares. No ano, Programa Nacional do Livro Didático para virtual: há um sistema que realiza toda essa a produção editorial foi de 351 milhões, o Ensino Médio (PNLEM), por exemplo logística no computador, para depois ser resegundo dados do estudo, que foi enco–, os títulos passam por uma comissão de alizada fisicamente. mendada pela Câmara Brasileira do Livro avaliação pedagógica do Ministério da EduA carga é retirada na editora e levada (CBL) e o Sindicato Nacional de Editores cação (MEC). O resultado dessa etapa, que para centros de distribuição – existem 95 de Livros (Snel). Essa proporção varia de demora entre oito e nove meses, é a criação “centralizadoras” espalhadas pelo Brasil. acordo com o ano de aquisição, já que a de um guia com os livros didáticos aprovaApós chegar a esses lugares, a carga é rediscompra do Estado é dividida em um ciclo dos. Em maio do ano seguinte, esse guia é tribuída por municípios. Até então, tudo é trienal que atende, a cada ano, um dos três enviado para as escolas públicas e usado feito por rodovias. Mas, apesar de essa ser a níveis da educação: primeira ao quinto ano pelos professores na hora de escolher qual realidade predominante na hora de realizar do ensino fundamental, sexto ao nono ano livro eles preferem usar. As escolas podem a distribuição, há cidades brasileiras em que do ensino fundamental e o ensino médio. optar por fazer suas escolhas pela internet só se chega de barco ou de avião. Manaus é O governo investe, em média, R$ 900 ou por um formulário em papel, princiuma delas. Oliveira explica a carga com desmilhões por ano para suprir a demanda palmente para os locais mais distantes do tino à capital do Amazonas vai até Belém das escolas públicas, do pride caminhão. Após cinco a seis Foto: Assessoria de Imprensa ECT meiro ano do ensino fundadias de estrada, os livros são mental até o último do ensino colocados em uma balsa por médio, além de obras literárias mais dez dias. E continua pelo para as bibliotecas das escolas rio para chegar às comunidades atendidas (um programa reribeirinhas, algo que pode concente, que passou a fazer parte sumir 30 dias de transporte. das compras do governo, de Oliveira afirma que os Corforma permanente, a partir de reios estão estudando algumas 2005). outras alternativas para essa O caminho percorrido por complicada logística. É o caso, esses livros até chegarem às por exemplo, da cidade de Crumãos das crianças, no entanto, zeiro do Sul, no Acre, situada a é longo. Começa, em média, cerca de 600 quilômetros de dois anos antes. O primeiro distância da capital, Rio Branpasso é dado pelo FNDE, que co. “A carga sai de São Paulo publica um edital em janeie vai até Rio Branco. Porém, a ro. Para os livros de 2009, por rodovia que liga Rio Branco a exemplo, o edital foi divulgado Cruzeiro do Sul fica aberta só em janeiro de 2007. As editoras entre quatro e cinco meses do têm, então, um prazo de cerca José Carlos de Oliviera, analista da ECT ano, por causa da temporada de cinco meses para inscrevede chuvas. Porém, é justamenrem seus títulos. “Mas as editoras começam centro urbano. A demanda é processada em te o período que não coincide com a nossa a trabalhar bem antes”, afirma Jorge Yunes, julho, explica Torino, do FNDE. “Em agosoperação”, explica. Há duas opções: enviar presidente da Associação Brasileira de Edito, fazemos a negociação com cada editora”, os livros por avião ou subir o rio. “Durante tores de Livros (Abrelivros), entidade que diz o executivo. “Fechamos os contratos e esses anos, temos optado pelo avião. Mas reúne as editores de livros didáticos. Quangeramos a demanda, por editora, para os agora estamos estudando a opção fluvial”, do o edital do FNDE é divulgado, diz ele, Correios.” diz. as obras estão quase prontas e passam por Para fazer todos esses livros chegarem As dificuldades são inúmeras. Mas os P uma espécie de adaptação para se encaixaa tempo nas escolas, o processo é extremaalunos já se acostumaram: seus livros estão Outubro 2008 Panorama 33
Mercado & Tendências
Um país de 351 milhões de livros Pesquisa encomendada pela CBL e Snel mostra que em 2007 o número de exemplares produzidos no Brasil foi quase 10% maior que o do ano anterior Foto: Fanca Cortez
Se um dos caminhos para que um país leia mais é produzir mais livros, o Brasil está fazendo a sua parte: vem aumentando, ano a ano, o número de exemplares editados e distribuídos em todo território nacional. Em 2007, por exemplo, foram mais de 351 milhões, ante os 320 milhões de 2006. Um dos oito maiores produtores de livros do planeta, o Brasil fez crescer um pouco mais sua já fabulosa produção: 9,5% a mais. Os números fazem parte da pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro 2007, encomendada à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), da Universidade de São Paulo (USP), pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel). De acordo com o levantamento, divulgado este mês, foram editados no Brasil 45.092 títulos em 2007. Embora o número geral de títulos do País tenha sido 2% menor – em função, principalmente, da queda nas edições Sônia Machado Jardim de livros didáticos, científicos, técnicos e profissionais –, houve aumento no número de obras gerais e títucresceu 6,4% e seu faturamento anual foi de los religiosos publicados. R$ 2,28 bilhões, ante R$ 2,14 bilhões no ano O levantamento mostrou que o maior anterior. As editoras venderam, no período, aumento na produção de livros se deu na cerca de 200 milhões de exemplares ao merliteratura infantil. Em 2007, foram producado, 8,2% a mais que em 2006, quando fozidos 14.753.213 de exemplares de 3.491 tíram comercializadas 185 milhões de unitulos, contra 12.808.625 e 3.031, respectidades. Se somadas às vendas ao governo, o vamente, de um ano antes, o que dá um faturamento das editoras no ano passado foi aumento de 15%. Rosely Boschini, preside R$ 3 bilhões, 4,1% a mais que em 2006. dente da CBL, diz ver com muito otimismo Para a presidente do Snel, Sônia Machao crescimento na produção de títulos para do Jardim, a queda no preço médio do livro, o público infantil. “É o futuro dos livros”, atestada pelo maior aumento no número de afirma ela. exemplares vendidos que no faturamento, é Na outra ponta, a maior queda se deu um ponto que merece destaque no estudo, no setor de Científicos, Técnicos e Profisem meio às discussões sobre o preço do lisionais. Foram editados 9.780 títulos desse vro vendido no País. “Esta redução tornagênero no País em 2007, 19% menos que os se ainda maior se considerarmos a inflação 12.081 do ano anterior. do período”, explica. O preço médio do livro Em 2007, o mercado editorial brasileiro vendido pelas editoras em 2007 foi de R$ 34 Panorama
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11,41, ante R$ 11,61 no ano anterior. Porém, quando o assunto é a edição de novos títulos, houve uma queda. Em 2007, foram lançadas 18.356 obras. No ano anterior, esse número havia chegado a 20.177. A quantidade de livros impressos em 1ª edição supera, no entanto, em 37,9% a de 2006: foram produzidos 112.248.282, ante 81.374.917. O total de títulos editados no ano, o que inclui reedições, também foi menor. De acordo com o levantamento, 45.092 títulos foram editados em 2007 (26.736 eram reedições), contra 46.025 (25.848 reeditados) de 2006. Segundo Alfredo Weiszflog, presidente do Conselho de Administração da Editora Melhoramentos e organizador da pesquisa desde a primeira edição, a queda de 2% no número de títulos editados no País em 2007 é apenas uma questão de ajuste. Para ele, o fato de o número de novas obras editadas ter sido 9% menor que no ano anterior é rechaçado pelo aumento de 37,9% no número de exemplares dessas mesmas obras produzidas em primeira edição. “De um modo geral, a produção foi crescente”, constata. Quando dividida por categorias, o maior aumento de títulos editados em 2007 em relação a 2006 foi o de livros religiosos. Foram 5.570 títulos, 27% mais que os 4.383 do ano anterior. Os religiosos ainda foram responsáveis pelo maior aumento percentual no faturamento das editoras. Em 2007, a venda desses livros pelas editoras foi de R$ 273,1 milhões, 12,8% maior que os R$ 242,1 milhões de 2006. A pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro 2007 foi respondida por amostra de 59 editoras de todos os portes e classificadas por intervalos de faturamento. “Estatisticamente, tivemos uma base bastante suficiente para fazer qualquer análise”, explica Leda Maria Paulani, coordenadora do estudo realizado pela Fipe.
Foto: Fanca Cortez
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Livrarias, o principal canal de vendas Apesar do surgimento, nos últimos anos, de novos canais para fazer o livro chegar às mãos dos consumidores, a pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro 2007 demonstrou, mais uma vez, que as livrarias continuam a desempenhar um papel preponderante no negócio do livro no Brasil e, assim, no acesso à leitura. Elas se mantiveram, com quase metade das vendas, como o grande meio para o escoamento da produção de livros no País. Houve, é certo, um pequeno recuo na
participação das livrarias: de 49,1% para 47,6%. Isso não significa, no entanto, uma queda na receita das livrarias, já que o maior aumento se deu nas vendas das editoras para site de venda de livros via internet (um salto de 0,4% para 1,7%), um negócio onde tradicionais livrarias estão fortemente presentes. Ainda que pequeno em números absolutos, esse crescimento na participação nas transações foi de 285%, o que já indica, segundo empresários do ramo, uma tendência para o futuro.
Em um país que carece de mais livrarias e de pontos de venda capazes de atender melhor seu gigantesco território, a modalidade de venda direta nas casas das pessoas não pára de crescer. O estudo encomendado pela CBL e o Snel mostrou que o segmento de venda de livros porta a porta registrou, mais uma vez, um crescimento significativo: 91%. Assim, a participação dessa atividade subiu para 9,6% no mercado em 2007. Em tempos de internet, nada menos do que 20 milhões de exemplares foram vendidos pelas editoras aos distribuidores e vendedores que fazem a divulgação e a venda domiciliar. Só fica atrás das livrarias e dos distribuidores, que detém 21,5% de participação nesse mercado. O presidente da Associação Brasileira de Difusão do Livro (ABDL), Luís Antonio Torelli, que representa o segmento da chamada venda direta, diz que os números não o surpreendem. Ele afirma que boa situação econômica que vive o Brasil tem levado mais gente a consumir livros. Por isso, oferecer livros aos consumidores em suas próprias casas costuma resultar em vendas. Ele também nota que a qualidade das obras oferecidas pelo porta a porta evoP luiu melhorou muito. Outubro 2008 Panorama 35
Pelo mundo afora
China A grande biblioteca Durante a Olimpíada de Pequim, em agosto, dezenas de obras monumentais mudaram a paisagem da capital chinesa e deixaram o resto do mundo boquiaberto. Em setembro, já com a pira olímpica apagada a China continuou a surpreender pela grandiosidade de suas construções. E, desta vez, o motivo do entusiasmo era um monumento ao livro. Trata-se do novo prédio da Biblioteca Nacional da China, um longo retângulo suspenso de 120 metros de comprimento, em aço escovado e vidro. A construção, que custou o equivalente a R$ 350 milhões, transformou aquela biblioteca na terceira maior do mundo. O antigo prédio, patrimônio nacional que não pode sofrer reformas, guarda os tesouros da instituição e só pode receber visitas de acadêmicos e pesquisadores. Construído para impressionar, o novo anexo é para o público em geral. Com 80 mil metros quadrados, tem 2.900 assentos, 460 computadores e oferece acesso à internet sem fio. Os usuários podem usar leitores de livros digitais em palm tops para acessar os mais de 200 mil gigabytes de arquivo digital da instituição.
Suécia
A festa nórdica dos livros A nova biblioteca foi aberta com 600 mil livros. Apesar disso, os responsáveis pela instituição garantem que a obra tem capacidade para comportar o seu crescimento pelas próximas três décadas. O prédio, desenhado por um escritório de arquitetura alemão que venceu um concurso internacional, foi projetado para abrigar 12 milhões de livros. Mesmo com toda a modernidade de sua construção, a nova biblioteca de Pequim faz jus à acirrada política de controle de informação chinesa. No espaço reservado para centenas de jornais e revistas para consulta, no último andar, não há uma única publicação estrangeira. Também não há nenhum livro em inglês. Apenas no velho prédio, onde o acesso é restrito. A censura no país proíbe publicações com críticas à China, livros que falem sobre a repressão na Praça da Paz Celestial ou no Tibete, sobre a seita Falun Gong ou sobre direitos humanos. Também são proibidas obras que tratem de sexo e erotismo. Diante desse quadro, ocorre produção clandestina de livros. Estima-se que 60% dos livros que circulam na China sejam piratas e que existam cerca de 4 mil editoras clandestinas.
Mais de 100 mil pessoas passaram, na última semana de setembro, pela Göteborg International Book Fair, em Gotemburgo, a segunda maior cidade da Suécia. Criada para comercializar livros para bibliotecários, em 1985, data em que reuniu cerca de 5 mil pessoas, a feira abriu, já no ano seguinte, programação para todo o mercado editorial do pai. O número de visitantes saltou para 25 mil. Ao longo dos anos, o evento de Gotemburgo foi se desenvolvendo como uma manifestação cultural importante e se tornou a maior festa de livros da região nórdica da Europa, onde a média de livros lidos ao ano está acima de 10 por pessoa. Em 2008, foram 800 expositores, escritores de 30 países e mais de 400 seminários em quatro dias de festa. Considerada um termômetro da literatura produzida nos países escandinavos, a feira reuniu intelectuais de diversos lugares do mundo em debates sobre o mercado editorial local. Este ano, a Letônia, cuja literatura é famosa por ser representada em grande parte por nomes femininos, foi o país homenageado. Em 2009, a Göteborg International Book Fair vai celebrar seu 25.º aniversário voltando os olhos para o sul da Europa: a Espanha será a grande homenageada pelos suecos.
A maratona de leitura foi promovida pela televisão estatal italiana RAI. O Papa Bento XVI foi quem deu início à atividade. De acordo com o jornal italiano Il Tirreno, o pontífice ficou impressionado com uma apresentação teatral de Benigni, que recitou o canto XXXIII do Purgatório, da Divina Comédia de Dante Alighieri, e com o comentário que o ator teria feito sobre a Virgem Maria. Bento XVI teria dito aos seus colaboradores:
“Nem mesmo um homem da Igreja teria descrito assim Nossa Senhora.” Benigni fechou a primeira hora de leitura, dedicada ao Gênesis. O programa, chamado de A Bíblia de Dia e de Noite, teve caráter ecumênico: além do papa, líder universal dos católicos, participaram o bispo ortodoxo Hilarion Aleyev, representante da igreja russa na Europa, e Maria Bonafede, da Igreja Valdese, que contribuíram lendo trechos do livro sagrado do cristianismo.
Itália Leitura de todos Se parecia improvável que o papa Bento XVI, o jogador de futebol brasileiro Kaká, o tenor Andréa Bocelli e o comediante italiano Roberto Benigni, protagonista do filme A Vida é Bela, fossem reunidos numa mesma atividade, essa certeza caiu por terra. Durante uma semana, no início de outubro, eles se apresentaram diante das câmeras, ao lado de outras 1,5 mil pessoas, para ler ao vivo e sem interrupção os 73 livros da Bíblia, do Gênesis ao Novo Testamento.
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Vitrine A Segunda Vida De Brás Cubas - A Filosofia da Arte de Machado de Assis
Paisagem sobre o Infinito
O Clube das Chocólatras
A segunda vida de Brás Cubas, uma interpretação filosófica da arte de Machado de Assis tomando como base a filosofia do mais importante anti-herói da literatura brasileira.
A poesia vem como movimento, imagem que figura emoções, sensações e sentimentos sem a pretensão de temas como limite ou como introdução do tempo e espaço no pensamento.
Chocolate pode significar a cura para uma dor de cabeça e até determinar o perfil psicológico de uma pessoa - pelo menos para Lucy Lombard e suas três grandes amigas.
Patrick Pessoa Rocco, 288 p., R$ 33,00
Évanes Pache Limiar, 96 p., R$ 32,00
Madonna - 50 Anos A Biografia do Maior Ídolo da Música Pop
A loucura de Stalin
Dicionário de Cultura Literária
Baseando-se em documentos abertos recentemente, o escritor narra a história secreta da invasão da União Soviética pelo exército alemão durante a 2ª Guerra Mundial.
Dividido em duas partes (a primeira apresenta grandes personagens da Literatura ocidental; a segunda, célebres citações), o Dicionário de Cultura Literária é para ser consultado com freqüência.
Escrito a partir de pesquisas e entrevistas com músicos, familiares e amigos – muitos dos quais nunca falaram tão abertamente sobre a vida de Madonna –, este livro traz histórias curiosas.
Constantine Pleshakov Difel, 350 p., R$ 43,00
Frank Lanot, Emmanuel Deschamps, Bénédicte Lanot. Difel, 432 p., R$ 59,00
Lucy O’Brien. Trad. Inês Cardoso Nova Fronteira, 554 p., R$ 59,90
Caminhos da Mudança – Reflexões sobre um mundo impermanente e sobre as mudanças “de dentro para fora” Obra discute as angústias dos seres humanos. Autor considera que o homem necessita de mudanças para fugir da alienação e diz que as transformações acontecem de dentro para fora. Eugenio Mussak Integrare Editora, 192 p., R$ 39,90
Capitu Roteiro feito para cinema que reconta um dos clássicos da literatura brasileira – Dom Casmurro. O texto, de 1967, recria os motivos que levaram Capitu a casar-se e as razões da possível infidelidade. Lygia Fagundes Telles e Paulo Emilio Salles Gomes. Cosac Naify, 200 p., R$ 34,00
Carole Matthews Bertrand Brasil, 420 p., R$ 49,00
Retratos da Leitura Os brasileiros já estão lendo mais, mas o Brasil ainda está longe de ser um País de leitores. A íntegra do maior estudo já feito sobre o tema com análise de especialistas sobre os rumos das políticas públicas na área. Organizado por Galeno Amorim Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/Instituto Pró-Livro, 191 p., R$ 20,00
Mobilizar para transformar – A mobilização de recursos xnas organizações da sociedade civil O livro aborda detalhes da mobilização de recursos na sociedade civil. O campo de referência utilizado no texto é a experiência realizada em oito organizações sociais brasileiras. Domingos Armani Peirópolis, 228 p., R$ 34,00
O Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa O autor trata da gênese, do desdobramento e do alcance do novo acordo entre os países e faz uma breve explanação acerca do processo de consolidação da ortografia da língua. Maurício Silva Contexto, 96 p., R$ 19,90
O vampiro antes de Drácula Coletânea de contos sobre as origens do mito dos vampiros. O livro é não apenas um dos melhores sobre o assunto, mas também um compêndio histórico sobre um grande mito europeu. Organizado por Martha Argel e Humberto Moura Neto Aleph, 336 p., R$ 46,00 Outubro 2008 Panorama 37
Foto: Fanca Cortez
Comportamento Leitor
Razão e sensibilidade
Além de serem maioria na população leitora, as mulheres lêem mais do que os homens, e estão à frente deles em quase todos os gêneros POR MATILDE LEONE
Piratas e tesouros escondidos encantaram e povoaram a mente da menina de 13 anos, na pacata Divisa Nova, cidade de apenas 5 mil habitantes, no Circuito das Águas, em Minas Gerais. A Ilha do Tesouro foi o primeiro livro que Benedita Imaculada Bastos leu, há 40 anos. Depois de mergulhar nas aventuras criadas pelo escocês Robert Louis Stevenson, Benedita nunca mais parou de ler. Perdeu a conta de quantas vezes foi à biblioteca pública de Passos, também em Minas, onde vive atualmente, e trabalha como doméstica para a mesma família há 30 anos. “Leio no quarto, antes de dormir e 38 Panorama
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quando acordo de madrugada, pego o livro de novo”, diz. Também assiste a novelas, mas lê nos intervalos comerciais. “Sou muito caseira, minha companhia são os livros”, afirma a mulher de 53 anos. Benedita gosta de romances, já leu quase todos os clássicos e, no momento, está encantada com Laços de Ternura, de Larry Macmurtry, depois de ler O Código Da Vinci. Ela se emociona com as tramas e lembra com tristeza a morte de Helena, no romance de Machado de Assis, um de seus autores preferidos. Também cita outros, como Jorge Amado e José de Alencar.
Mas, para Benedita, os livros não trazem apenas emoção: “Aprendo muitas coisas e palavras desconhecidas”. “Benedita tem a ficha mais extensa da biblioteca”, afirma a jornalista Luciana Grilo, amiga da família da casa onde Benedita trabalha. “Agora, ando sem tempo, leio só três livros por mês”, justifica a empregada doméstica. Se tivesse sido entrevistada para a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, Benedita poderia ter contribuído para aumentar ainda mais o índice de leitoras registradas no levantamento feito em 2007 pelo Ibope,
Foto: Luciana Grilo
sob encomenda do Instituto-Pró Livro. Um dos dados da pesquisa realizada com 92% da população revela que, entre 55% dos que se declararam leitores de livros, 55% são mulheres, 8% a mais que os homens; que representam 47%. A amostra definida representa a população brasileira acima de cinco anos de idade, e a leitora exemplar de Passos está entre os 7,3 milhões de pesquisados que estudaram até 4ª série do ensino fundamental. Leitores com ensino superior somam 15%, universo em que se inclui a jornalista Evane Pache, de 40 anos, moradora de Florianópolis, em Santa Catarina. Ela lê em torno de 15 livros por ano, e tem o hábito de ler mais revistas e materiais publicados na internet. “Gosto de literatura em geral, mas tenho interesse por biografias, poesia e assuntos esotéricos”, afirma. Evane lê três livros ao mesmo tempo e leu o primeiro aos 14 anos, Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva. “Acho que a leitura amplia possibilidades em muitos campos. É conhecimento, informação, é cultura, é percorrer estórias e histórias, e isso sempre nos aumenta as condições e os instrumentos de ler a vida. Ao ler, também aprendemos a elaborar melhor a nossa comunicação tornando-a mais eficaz tanto na fala quanto na escrita”, avalia. Lê em qualquer lugar: no café, no avião, na ante-sala de consultório, na praia, mas gosta mesmo do silêncio de casa. “Acho que cada livro é um universo diferente de informações e sensações. Isso é instigante para mim. Gosto de conhecer mais, de saber o que os outros pensam ou escrevem. Adoro procurar bons textos, novas construções e possibilidades de escrita. A cada livro parece que a mente se expande”, diz. Para a publicitária e apresentadora de TV de Natal, no Rio Grande do Norte, Neila Medeiros, de 31 anos, as mulheres lutam tanto por igualdade que, no caso dela, acabou ficando sem tempo para ler os livros que deseja. “Devo ler um livro e meio por mês, e sinto falta de mais. O dinamismo dessa vida moderna me leva a lei-
turas mais rápidas como revistas semanais de notícias e jornais diários”, comenta. O que mais fascina a publicitária é, por meio da leitura, conhecer a história das pessoas. Por isso, prefere as biografias. “Acabei de ler um livro ligado a meu trabalho, Televisão – A Vida pelo Vídeo, de Ciro Marcondes Filho, que fala da influência da TV nas pessoas e do que ele chama de eletronização dos sonhos. Gostei bastante.” Sua memória mais antiga de livro não está ligada a textos, mas às ilustrações de Ziraldo e seu Bicho da Maçã além de outras fantasias, que, como diz, “fazem da infância um mágico estágio de descoberta das palavras”. Como viaja muito, ela está sempre pronta para a companhia do livro. “Aeroportos, aviões e livrarias sempre me fazem comprar mais um. E terminar o dia com um bom livro de cabeceira também me faz feliz”, afirma. Neila diz que a leitura é fio condutor de seu trabalho e de sua vida. E lamenta o nível de desigualdade da população brasileira: “Infelizmente, o Brasil ocupa o inquietante penúltimo lugar no ranking de alfabetização na América do Sul”, afirma, lembrando que os excluídos analfabetos são a parte mais frágil da sociedade, privados do conhecimento e do senso crítico. Essa preocupação a fez tornar-se voluntária em um projeto de leitura e contação de histórias para crianças e deficientes visuais. “Isso me fez muito bem. As palavras estão em toda parte e só quem não sabe interpretá-las conhece a escuridão que é viver sem ler o mundo”, diz a apresentadora de TV. “A leitura é algo que transcende a alma, o conhecimento e os nossos obstáculos”, afirma Josélia Mara Viana Neves, de 27 anos, publicitária em Teresina, no Piauí. Ela teve os pais como exemplo e incentivo para ler, embora, atualmente, leia mais revistas e jornais, restringindo os livros a um por mês. Busca histórias reais que, segundo ela, trazem mais envolvimento: “No momento, estou lendo o livro A Lição Final, de Randy Pausch. A leitura nos leva a locais que às vezes nem visitamos, nos faz conhecer
Benedita
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Foto: Divulgação
Comportamento Leitor
Josélia: “A leitura transcende a alma” mais simples que seja o livro, sempre soma algo em sua vida. Quando leio, minha motivação é crescer, aprender, transformar e claro, sonhar.” Benedita, Evane, Josélia e Sônia estão entre os 41 milhões de pesquisados que não são estudantes e têm em comum a busca do conhecimento, além do prazer e do envolvimento emocional que a leitura proporciona, motivação de 63% dos entrevistados para ler. São pessoas com acesso fácil à leitura, principalmente pela classe social e renda familiar. São dados aparentemente otimistas, mas há que se refletir sobre as razões – além da baixa escolaridade – que ainda impedem 77 milhões de brasileiros de ler. A quem interessa que o Brasil se torne um país de leitores? “Interessa a todos: governo, livreiros, editores, autores... Há, portanto, amplo espaço para a construção de acordos, distribuição de responsabilidades e projeção de resultados à altura dos nossos desafios”, afirma JeaneP te Beauchamp, mestre em educação. Foto: Fanca Cortez
culturas incríveis, aprender outros modos de pensar, novas palavras e novas pessoas.” Envolvida com turnês, ensaios e decoração de textos, a atriz e produtora Sônia de Paula, de 55 anos, do Rio de Janeiro, não encontra muito tempo para ler o quanto gostaria. “Nos três últimos anos, li quatro livros por ano. Gosto muito de ler os jornais da minha cidade, O Globo, JB, Extra. Procuro sempre me manter informada sobre as questões relacionadas com o mundo e com assuntos cotidianos que nos cercam”, afirma. Seu primeiro livro foi, aos 10 anos de idade, Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos, obra que fascinou uma geração de adolescentes e que deixou nela boas recordações. “De muitos anos pra cá, tenho me interessado pelas biografias. Sinto curiosidade em saber os caminhos que as pessoas traçaram para chegar aonde chegaram. A experiência de vida, de alguma forma, acrescenta à vida da gente”, comenta. Sônia avalia a contribuição da leitura: “Por mais elaborado ou
Mae e filhas leem juntas 40 Panorama
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Radiografia
Os livros na vida do jornalista
Heródoto Barbeiro Foto: Jair Bertolucci
5 a 10 anos
Os Três Porquinhos “A astúcia do porquinho Prático contra o lobo sempre me fascinou”
C
M
Y
11 a 14 anos
O Velho e o Mar (Ernest Hemingway) “A luta do velho contra o peixe e sua decepção me encantaram”
CM
MY
CY
15 aos 20
CMY
História Econômica do Brasil (Caio Prado Junior) “Foi o momento em que tomei conhecimento da realidade brasileira e de sua história”
K
20 aos 30 anos
História das Índias (Frei Bartolomeu de Las Casas ) “Nunca me recuperei do impacto da violência da civilização européia na América”
30 aos 40 anos
Ascensão e Queda do Terceiro Reich (William Shirer) “Uma forma didática e simples de entender o porquê dos horrores do nazismo”
40 aos 50 anos
O Príncipe (Maquiavel) “Pela atualidade dos conceitos emitidos e análise social”
50 aos 60 anos
Budismo: Significados Profundos (Hsing Yün) “Pela clareza dos ensinamentos do Buda”
Hoje
Totem e Tabu (Sigmund Freud) “Um dos ensaios do grande gênio da psicanálise” Outubro 2008 Panorama 41
Prêmios & Concursos
Esquentando a festa
Foto: Divulgação
Jabuti anuncia vencedores das categorias e cria suspense sobre os melhores livros do ano de Ficção e Não-Ficção, que serão anunciados na festa de seus 50 anos
Melhor Livro de Romance O Filho Eterno (Cristovão Tezza) O Sol se Põe em São Paulo (Bernando Teixeira de Carvalho) Antonio (Beatriz Bracher) Melhor Livro de Poesia O Outro Lado (Ivan Junqueira) O Xadrez e as Palavras (Marcus Vinicius Teixeira Quiroga Pereira) Tarde (Paulo Fernando Henriques Britto) Melhor Tradução Hipólito e Fedra - Três Tragédias (Joaquim Brasil Fontes) Beowulf (Erick Ramalho) Agamêmnon (Trajano Vieira)
Tezza: “prêmios transformam os livros em notícia” Mais tradicional prêmio literário do Brasil, o Jabuti teve os ganhadores de sua 50ª edição – que contempla livros publicados em 2007 – anunciados em setembro pela Câmara Brasileira do Livro (CBL). Foi a segunda sessão pública da atual edição, em que foram revelados os três vencedores de cada uma das 20 categorias. Só na cerimônia de entrega das estatuetas, que acontecerá numa grande festa na Sala São Paulo, na capital paulista, no dia 31 de outubro, é que serão conhecidos os melhores livros do ano de Ficção e de Não-Ficção. Este ano, a comissão julgadora do Jabuti analisou 2.141 obras. A premiação total será de R$ 120 mil. O primeiro lugar de cada uma das 20 categorias receberá R$ 3 mil e os autores dos melhores livros do ano de Ficção e de Não-Ficção receberão R$ 30 mil cada um. O Filho Eterno, livro autobiográfico do escritor catarinense Cristovão Tezza, venceu a categoria de melhor romance do ano. Já 1808, o meticuloso trabalho de Laurentino Gomes, faturou o Jabuti de melhor livro-reportagem. Entre os poetas, o Jabuti escolheu os versos de Ivan Junqueira, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras e autor de O Outro Lado (Record), resultado de seu exercício literário realizado entre 1998 e 2006. Sei Por Ouvir Dizer (Edelbra), de Bartolomeu Campos de Queirós, ficou com a primeira colocação entre os infan42 Panorama
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tis. Em segundo ficou Ignácio de Loyola Brandão, com O Menino que Vendia Palavras (Objetiva). Na categoria contos e crônicas, o vencedor foi Histórias do Rio Negro (WMF Martins Fontes), de Vera do Val, conjunto de relatos sobre os homens que convivem na região amazônica, entre a pobreza e a sensualidade. Pesquisa de mais de uma década e resultado de 270 entrevistas, Rubem Braga - Um Cigano Fazendeiro do Ar (Globo), de Marco Antônio de Carvalho, foi eleito o melhor livro de biografia. Um dos prêmios mais cobiçados pelos profissionais do livro no País, o Jabuti contempla todas as esferas envolvidas na produção de um livro. Além dos melhores por gênero literário, ele também premia em suas categorias as obras por tradução, ilustração, capa e projeto gráfico. Vencedor como melhor romance, Cristovão Tezza, que já foi finalista do Jabuti outras vezes e chegou a ganhar um terceiro lugar com O Fotógrafo, considera premiações desse tipo importantes para o cenário literário nacional. “Os prêmios transformam os livros em notícia. E isso, para um país como o Brasil, não é pouca coisa. Ocupam a mídia, chamam a atenção dos leitores, ganham algum espaço nas livrarias e fazem da literatura um valor positivo”, diz. Confira a seguir a lista completa dos premiados:
Melhor Livro de Arquitetura e Urbanismo, Fotografia, Comunicação e Artes Noticiário Geral da Photographia Paulistana: 1839-1900 (Paulo Cezar Alves Goulart e Ricardo Mendes) Rua do Lavradio (Eliane Canedo de Freitas Pinheiro) Caixa Tunga (Tunga) Melhor Livro de Teoria/Crítica Literária Proust: A Violência Sutil do Riso (Leda Tenório da Motta) A Formação do Romance Inglês: Ensaios Teóricos (Sandra Guardini Vasconcelos) Riso e Melancolia (Sergio Paulo Rouanet) Melhor Projeto Gráfico As Moedas Contam a História do Brasil (Marcelo Aflalo) Roteiro Prático de Cartografia: da América Portuguesa ao Brasil Império (Angela Dourado e Bernardo Lessa) A Fera na Selva (Luciana Facchini) Melhor Ilustração de Livro Infantil ou Juvenil Toda Criança Gosta... (Mariana Massarani) João Felizardo - O Rei dos Negócios (Ângela Lago) Poeminha em Língua de Brincar (Martha Barros) Melhor Livro de Contos e Crônicas Histórias do Rio Negro (Vera do Val) A Prenda de Seu Damaso e Outros Contos (Jorge Eduardo Pinto Hausen) Fichas de Vitrola (Jaime Prado Gouvêa)
Melhor Livro de Ciências Exatas, Tecnologia e Informática Introdução à Engenharia de Produção (Mario Otavio Batalha) Enciclopédia de Automática - Controle & Automação (Luis Antonio Aguirre) Introdução ao Teste de Software (Marcio Eduardo Delamaro, José Carlos Maldonado, Mario Jino) Melhor Livro de Educação, Psicologia e Psicanálise História das Idéias Pedagógicas no Brasil (Dermeval Saviani) Religião, Psicopatologia e Saúde Mental (Paulo Dalgalarrondo) Giramundo e outros Brinquedos e Brincadeiras dos Meninos do Brasil (Renata Meirelles) Melhor Livro de Reportagem 1808 (Laurentino Gomes) O Massacre (Eric Nepomuceno) Bar Bodega: Um Crime de Imprensa (Carlos Dorneles) Melhor Livro de Biografia Rubem Braga: Um Cigano Fazendeiro do Ar (Marco Antonio de Carvalho) D. Pedro II (José Murilo de Carvalho) O Texto ou a Vida (Moacyr Jaime Scliar) Melhor Livro Infantil Sei Por Ouvir Dizer (Bartolomeu Campos de Queirós) O Menino que Vendia Palavras (Ignácio de Loyola Brandão) Zubair e os Labirintos (José Roger Soares de Mello) Melhor Livro Juvenil O Barbeiro e o Judeu da Prestação Contra o Sargento da Motocicleta (Joel Rufino dos Santos) Tão Longe... Tão Perto (Silvana de Menezes) Mestres da Paixão - Aprendendo com quem Ama o que Faz (Domingos Pellegrini) Melhor Capa Ensaios Sobre o Medo (Moema Cavalcanti) Alexandre Herchcovitch (Coleção Moda Brasileira - Vol. 1) (Elaine Ramos) As Moedas Contam a História do Brasil (Marcelo Aflalo)
Melhor Livro Didático, Paradidático de Ensino Fundamental ou Médio O Alienista (Fábio Moon e Gabriel Bá) Coleção História em Projetos - 4 Volumes (Conceição Oliveira e Carla Miucci) Série “(En)Cantos do Brasil (Caminho das Pedras; no Coração da Amazônia e Faces do Sertão) (Shirley Souza, Manuel Filho e Luís Fernando Pereira) Melhor Livro de Economia, Administração e Negócios Crescimento Econômico e Distribuição de Renda - Prioridades para a Ação (Jacques Marcovitch) Os Desafios da Sustentabilidade (Fernando Almeida) E-Desenvolvimento no Brasil e no Mundo: Subsídios e Programa E-Brasil (Peter Titcomb Knight) Melhor Livro de Direito Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas - do Fato à Norma, da Realidade ao Conceito Jurídico (Eurico Marcos Diniz de Santi) Teoria Geral dos Direitos Fundamentais (Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins) Curso de Direito Constitucional (Gilmar Ferreira Mendes) Melhor Livro de Ciências Humanas Mulheres Negras do Brasil (Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil) Os Japoneses (Célia Sakurai) História de Minas Gerais - As Minas Setecentistas - Vol. 1 e Vol. 2 (Maria Efigênia Lage de Resende e Luiz Carlos Villalta) Ciências Naturais e Saúde Estomatologia: Bases do Diagnóstico para o Clínico Geral (Sergio Kignel) Dimensões Humanas da BiosferaAtmosfera da Amazônia (Wanderley Messias da Costa) Por que o Bocejo é Contagioso e Outras Curiosidades da Neurociência no Cotidiano (Suzana Herculano-Houzel)
Amigos do Livro é o Portal do Livro no Brasil. Tem por objetivo reunir informações disponíveis na internet relacionadas ao mundo do livro.
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printondemand.com.br Outubro 2008 Panorama 43
Livros sobre Livros
Deliciosas memórias de um livro POR RICARDO COSTA Chegou às livrarias brasileiras este ano, pela Ediouro, a última obra da vencedora do Pulitzer de Ficção de 2006, Geraldine Brooks: As memórias do livro – Manuscrito de Sarajevo (384 pp., R$ 39,90) foi escrito a partir de fatos reais e o resultado é uma mistura eficiente de realidade e ficção que prende o leitor de capa a capa. A trama começa numa madrugada de 1996, quando a conservadora de livros australiana Hanna Heath recebe um convite das Nações Unidas para restaurar a lendária Hagadá de Sarajevo. Este manuscrito judeu medieval, repleto de iluminuras, que contrariava as restrições judaicas da época em relação às ilustrações, havia desaparecido durante a Guerra Civil e acabara de ser reencontrado na capital da Bósnia. Este é o ponto de partida de uma história que começa no ano de 1480, em Sevilha, passando por diversas localidades até chegar ao seu destino atual, Sarajevo. O documento judeu do século XV sobreviveu a muitos fatos históricos até che-
gar intacto ao Museu Nacional para ser exibido ao público. Uma mancha de vinho, cristais de sal, a asa de um inseto e um pêlo preso encontrados nas páginas do manuscrito ajudam Hanna a explorar sua história e das pessoas que o mantiveram são e salvo pelos séculos, ao mesmo tempo em que conta um pouco de sua vida. Sua narrativa, seja por seu caráter de documento histórico, seja por suas revelações de amor, ódio, traição e afeto, é verdadeiramente cativante. Geraldine Brooks nasceu em Sydney, Austrália. Trabalhou como repórter e em 1982 fez mestrado em jornalismo na Columbia University, Estados Unidos. Começou a trabalhar para o The Wall Street Journal, onde cobriu conflitos e crises no Oriente Médio, na África e nos Bálcãs. Em 1994, publicou Parts of Desire, inspirado em sua experiência entre mulheres muçulmanas, traduzido para dezessete idiomas. Em 2006, veio o Prêmio Pulitzer de P ficção por March. Foto: Randi Baird
Título: As Memórias do Livro Autore: Geraldine Brooks Editora: Ediouro Páginas: 384 ISBN: 8500023325 Preço: R$ 39,90 Lançamento: 2008
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Foto: Fanca Cortez
Rotas Literárias
UMA TERRA DE LIVROS E HISTÓRIAS A capital gaúcha, que abre este mês sua tradicional Feira do Livro, uma das maiores do mundo a céu aberto, tem cantinhos e caminhos imperdíveis para quem gosta de turismo literário POR CARLA ANDRADE
Armazéns do cais do porto e Gasômetro ao fundo.
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Rotas Literárias Com uma média de 5,6 livros lidos por habitante a cada ano, o Rio Grande do Sul já é um estado com população diferenciada no que diz respeito aos livros. E sua capital, Porto Alegre, que no dia 31 de outubro abre sua charmosa Feira do Livro, uma das maiores a céu aberto do mundo, tem absolutamente tudo a ver com livros, literatura e leituras. Basta uma caminhada pelo centro e algumas regiões da cidade para perceber isso. E não só este mês e até meados de novembro, tempo de Feira do Livro, quando, aí sim, escritores, histórias e personagens tomam pra valer cada pedacinho da terra de Erico Verissimo e Mario Quintana. Não é à toa que o piloto da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil – realizada lá pelo Ibope, por iniciativa da Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL) e da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) – diagnosticou, em 2006, que os gaúchos são grandes apreciadores do valor da leitura e que essa
A Feira em si já atrai muitos turistas para a cidade. Há quem programe férias para o período só para poder acompanhar as promoções culturais que integram o evento. Há opções interessantes para os turistas da leitura, começando pelo centro da cidade, local da Feira. O bairro central da capital gaúcha – que recentemente teve seu nome oficializado como Centro Histórico – vem sendo revitalizado. A região conta com três importantes núcleos histórico-culturais. O primeiro, nos limites da orla do Guaíba, a Praça da Alfândega abriga o Museu de Artes do Rio Grande do Sul (Margs), o Memorial do Rio Grande do Sul e o Clube do Comércio. No seu entorno, ainda encontramos outros espaços culturais que sediam, entre outras atividades permanentes, a programação cultural realizada durante a Feira do Livro: o Santander Cultural, o Centro Cultural CEEE Erico Verissimo (CCCEV) e os arma-
e entrevistas. Existem também originais de poemas em folhas de ofício e em blocos. No segundo andar, na ala Oeste, foi recriado o último quarto do poeta, ambiente que muito lhe serviu de inspiração. Lá, estão os móveis e objetos de Quintana dispostos da mesma forma como ele deixou. Em homenagem ao romancista gaúcho Erico Verissimo, o Centro Cultural, criado no prédio tombado da Companhia Estadual de Energia Elétrica, abriga, desde 2001, o Memorial Erico Verissimo, onde o público pode conhecer mais a fundo a sua obra. O escritor, nascido em Cruz Alta, adorava Porto Alegre, onde morou. No espaço cultural, localizado na Rua dos Andradas (também conhecida como Rua da Praia), são realizadas exposições e eventos. Em estilo eclético, mas com influência francesa do início do século 20, o prédio de 2.775 metros quadrados foi construído entre 1926 e 1928. Subindo a Ladeira (apelido da Rua GeFoto: BPE/Divulgação
Foto: CRL/Divulgação
Foto: CRL/Divulgação
Centro Cultural Érico Veríssimo, Caminho do Livro e Biblioteca Pública do Estado tendência já se enraizou na cultura dos seus moradores. As iniciativas de incentivo à leitura no estado são freqüentes, com feiras de livros que se multiplicam pelo interior e fazem da capital gaúcha uma festa permanente dos livros. A parceria entre a CRL, governo estadual e prefeituras tem feito multiplicar rapidamente as ações pelo livro. Para quem gosta de fazer turismo literário, a Feira do Livro de Porto Alegre, realizada ininterruptamente há 54 anos, é uma parada obrigatória. É motivo de orgulho para seus freqüentadores, certamente, a mais admirada, defendida do que qualquer uma outra no Brasil. Virou referência nacional por sua proposta de popularização do livro, inclusão social e incremento da economia local. O modelo inspirou outras feiras no País – como a de Ribeirão Preto, que acontece em praça pública desde 2001 – e, freqüentemente, é procurada por organizadores de várias regiões – Brasília e Belém (PA) são apenas algumas delas. 46 Panorama
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zéns do Cais do Porto. Por lá, há sempre atividades ligadas à literatura. A Casa de Cultura Mário Quintana, que este ano completou 18 anos, também integra essa região, na qual existe arte no ar. Construído entre os anos de 1910 e 1933, o prédio do antigo Hotel Majestic foi morada de Mario Quintana de 1968 a 1980. O poeta nasceu em Alegrete, mas viveu muitos anos em Porto Alegre. Restaurada em 1990, a edificação de 12 mil metros quadrados passou a abrigar 14 espaços dedicados a espetáculos de arte, livraria, restaurante, café, sala de vídeo, discoteca pública, biblioteca infanto-juvenil, auditório, salas de cinema e galeria de arte. O mezanino da Casa, ala Leste, ficou reservado para o Acervo Mario Quintana. O espaço guarda centenas de fotografias, uma coleção pôsteres inspirados nos livros do poeta, doados por agências de publicidade, pinturas, caricaturas e ainda poemas gravados em fita K7, LP e CD e fitas VHS com depoimentos
neral Câmara), no núcleo histórico-cultural da Praça da Matriz, estão outros imponentes prédios como a Catedral Metropolitana com sua cúpula revestida de cobre, marca registrada na paisagem da capital. Além da sede do governo estadual e da Assembléia Legislativa, o Theatro São Pedro é mais uma referência à valorização dedicada à cultura. Nas proximidades, estão ainda o Museu Júlio de Castilhos, prédio construído em 1887 e transformado em museu em 1909, e o Solar dos Câmara, antigo casarão colonial português, construído em 1818, que abriga o Museu e a Biblioteca da Assembléia Legislativa, ambos restaurados, e a Biblioteca Pública do Estado. Com o prédio em fase de recuperação, a Biblioteca Pública do Rio Grande do Sul conta com um acervo de aproximadamente 200 mil volumes. Possui uma coleção de obras raras com livros dos séculos 16 a 19. Uma curiosidade: a Biblioteca Pública possui seu próprio “Inferno”, onde estão ar-
roladas as obras “proibidas e licenciosas”, segregadas no passado. Essa designação dada ao acervo é anterior à Revolução Francesa e pertence ao âmbito da Inquisição e do Index na época da Contra-Reforma. Descendo o morro, em direção ao Guaíba novamente, o terceiro núcleo, localizado no entorno das Praças XV e Montevidéu, é lugar para um passeio pelo Mercado Público Municipal. Estão aí também o Chalé da Praça XV, a Prefeitura e a Fonte Talavera de La Reina, presente da colônia espanhola em 1935, que sinaliza o marco zero da cidade. Tudo isso muito perto, onde se pode ir a pé, depois de uma passada pela Feira do Livro. Durante o ano todo, ocorrem passeios organizados, nos finais de semana, percorrendo esses três núcleos e outros caminhos integrados ao Centro Histórico, como o Caminho dos Antiquários e o Caminho do Livro. A literatura pauta muitas atividades em Porto Alegre. A concentração de livrarias e
– talk shows, saraus, banquetes culturais, oficinas – passaram a reunir pessoas com interesses comuns em cafés, bares e centros culturais. Acontecendo desde 1999, o Sarau Elétrico é um encontro que ocorre todas as terçasfeiras, no bar Ocidente. Gira em torno da literatura. O encontro tem como participantes fixos os professores Luís Augusto Fischer e Cláudio Moreno, a escritora Cláudia Tajes e a jornalista Katia Suman. Trata-se de uma reunião informal envolvendo leituras, conversas, entrevistas e música. A cada semana é escolhido um tema aleatório, como ‘paixão’ ou ‘medo’. O tema de cada noite também pode ser um estilo literário, um autor, um movimento literário ou uma época, sempre contemplando autores e suas obras. Os integrantes do sarau intercalam leituras com comentários. Um pocket show com artistas locais encerra a programação. A união de dois prazeres também renFoto: Luis Ventura
Foto: CRL/Divulgação
Contadores de histórias no Caminho do Livro e Centro Cultural Mário Quintana sebos no centro da cidade, especialmente em um trecho da Rua Riachuelo, onde também está localizada a Biblioteca Pública do Estado, rendeu mais uma atração para ser percorrida aos sábados. Enquanto se passeia entre as bancas dos livreiros, a música ao vivo, os poemas sendo recitados e as histórias contadas completam o clima do Caminho do Livro. A iniciativa é fruto de uma parceria firmada entre a prefeitura e a Câmara Rio-Grandense do Livro, com o apoio de outras instituições. Refere-se ao trecho da Riachuelo localizado entre a Avenida Borges de Medeiros e a Rua General Câmara. Ali, além da feira de livros, também ocorrem apresentações artísticas, contações de histórias, sessões de autógrafos e bate-papos com escritores. Nos últimos anos, Porto Alegre acompanhou o surgimento de diversos encontros permanentes com objetivo de tornar a literatura, a filosofia e outras artes mais acessíveis à população. Diferentes formatos
de opções interessantes para os turistas literários. Um pouco afastados do centro, são pontos que também abrem espaço para os livros e oferecem clima aconchegante para o leitor, não importa se em livrarias que absorvem cafés ou em botecos ambientados por livros. No Botequim das Letras, localizado no bairro Moinhos de Vento, a cerveja, a caipirinha, as comidinhas típicas de boteco e o caldinho de feijão fazem parceria com os livros, que os clientes podem manusear ou comprar. O Botequim funciona em um casario tombado pelo Patrimônio Histórico. No Bom Fim, bairro do tradicional Brique da Redenção, a livraria Palavraria, localizada na Rua Vasco da Gama, somou o charme de um café ao seu ambiente. Comercializa livros de diversos gêneros e também serve cafés, vinhos, doces e salgados. Promove saraus literários e mostras artísticas, além de oficinas literárias e de fotografia.
Onde ler é um charme só Visitar a Feira do Livro de Porto Alegre pode render bons momentos em recantos agradáveis para um bate-papo sobre um livro, ou mesmo para se recolher em leitura. Dois locais que podem abrigar um momento de leitura, o Chalé da Praça XV e o Mercado Público também têm seus atrativos. Com referências formais do art-noveau, o Chalé da Praça XV foi fabricado em aço desmontável inglês e chegou a Porto Alegre em 1911. Restaurado em 1998, hoje abriga um restaurante prestigiado da cidade. Com construção datada de 1869, o Mercado Público é um espaço democrático onde os porto-alegrenses compram artigos religiosos e regionais, especiarias, hortigranjeiros, carnes e peixes. Também fazem parte da tradição do Mercado sorvetes caseiros de receitas intocadas ao longo de meio século da banca 40, um chope bem servido do Naval e as especialidades da culinária do Gambrinus. Na Praça da Alfândega, o Café do Margs recebe o apreciador das artes plásticas e das letras. Localizado no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, é espaço privilegiado para um momento de pausa para leitura na Feira. Um atrativo do local é o café que leva o nome da casa com licor de amarula, chantilly, café expresso, canela e raspas de chocolate. Vizinho da Feira, o Santander Cultural abriga o Café do Cofre, um espaço de convivência e ponto de encontro que oferece comidas rápidas, num ambiente descontraído e acolhedor. Localizado no subsolo do Santander Cultural, é uma ótima opção para happy hour, com bebidas quentes, sanduíches, quiches, doces e salgados. Saindo da Praça em direção ao Gasômetro, a Casa de Cultura Mário Quintana é outra opção para quem procura um bom lugar para ler e relaxar. No Café dos Cataventos, pode-se conferir exposições de arte, e no Café Santo de Casa, pode-se apreciar uma das mais belas vistas do pôr do sol e do Guaíba enquanto se lê.
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Rotas Literárias
A praça é do povo. E dos livros... livro. Desde então, a cada ano a sua estrutura foi sendo ampliada e modernizada e passou a receber grandes nomes do mercado editorial brasileiro e internacional. Dividido em três áreas (Geral, Infantil e Juvenil e Internacional), em 2008, o evento literário chega à 54ª edição, que ocorrerá Foto: Luis Ventura
Promovida pela Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL), a Feira do Livro de Porto Alegre é uma das mais antigas do País e a maior realizada ao ar livre no continente americano. Sua primeira edição ocorreu em 1955, unindo livreiros e editores em torno de um objetivo comum: popularizar o
entre 31 de outubro e 16 de novembro. A CRL é uma sociedade civil sem fins lucrativos que representa os interesses do setor editorial gaúcho. A entidade tem como principal finalidade unir todos os que trabalham pelo livro, promovendo sua defesa e fomento, a difusão do gosto da leitura, a formação de novos leitores e o desenvolvimento da economia livreira e da cultura gaúcha. Atualmente, a CRL conta com 164 associados, todos com sede no Rio Grande do Sul, entre editores, distribuidores de livros, livreiros e creditistas, assim como outras instituições que se dedicam à produção e comercialização do livro. A CRL realiza, também, anualmente, a Semana do Livro, no mês de abril, em parceria com escolas, universidades, bibliotecas, livrarias e outras entidades que aceitam o desafio de promover atividades que coloquem o livro e a leitura em destaque no período. Além disso, promove atividades de formação para professores, bibliotecários e outros agentes da leitura, desenvolve programas de leitura que viabilizam encontros em escolas, entre escritores e alunos, e presta assessoria gratuita aos organizadores de feiras de livros do Estado. Área da praça com os prédios históricos
Serviço
Botequim das Letras
Café Santo de Casa
Rua Félix da Cunha, 1143 Bairro Moinhos de Vento Tel (51) 3019-8602 Horário:11h às 23h
Casa de Cultura Mario Quintana – Térreo Tel (51) 2338-8194 / (51) 3226-0789 Horário: de terça a domingo, das 10h às 23h30min.
Café do Cofre
Mercado Público Central de Porto Alegre
Rua Cassiano Nascimento, s/nº (Santander Cultural) Centro Tel (51) 3227-8322 Horários: segunda a sexta-feira, das 10h às 19h. Sábados, domingos e feriados, das 11h às 19h (das 14h às 19h durante os períodos sem mostra de artes visuais)
Largo Jornalista Glênio Peres, s/nº Centro Tel (51) 3289-1744 / (51) 3289-1756 Horários: de segunda a sexta, das 7h30min às 19h30min. Sábado, das 7h30min às 18h30min.
Casa de Cultura Mario Quintana Rua dos Andradas, 736 Centro Tel (51) 3221-7147 Horário: de terças a sextas das 9h às 21h; sábados e domingos das 12h às 21h
Palavraria Livraria e Café
Rua Vasco da Gama, 165 Bairro Bom Fim Tel (51) 3268-4260 Horário: 11h às 21h
Café do Margs
Rua Sete de Setembro, 1010, 1º andar (Museu de Arte do Rio Grande do Sul) Centro Tel (51) 3227-3712 Horários: de segunda a sexta, das 10 às 19 horas, e aos sábados, das 11h30 às 19h.
Café dos Cataventos
Casa de Cultura Mario Quintana -Térreo
Tel (51) 3024-5588 Horários: de segunda a sexta, das 11h30min às 21h. Sábado, domingo e feriado, das 12h às 21h. 48 Panorama
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Sarau Elétrico -Bar Ocidente
Avenida Osvaldo Aranha, 960 (entrada pela Rua João Teles) Bairro Bom Fim Tel (51) 3312-1347 / (51) 3388-6990 Horário: terças, às 21h
Chalé da Praça XV
Praça XV de Novembro, s/nº Centro Tel (51) 3225-2667 Horário: diariamente, das 11h à 0h.
P
Como me apaixonei pelos livros
Um romance arrebatou Eli Corrêa Foto: Divulgação
Eli Corrêa, um dos radialistas de maior audiência do rádio AM do Brasil nos últimos 30 anos, atribui ao fato de ser um bom leitor uma grande parcela de responsabilidade sobre sua inegável arte de manter vivo o interesse dos ouvintes por suas mensagens. Conhecido pelo bordão “Oi, gente!!!” e um estilo carismático ao microfone, Eli mantém um público pra lá de fiel que continua a acompanhá-lo, e não só ouve como também interage com ele diariamente em seus programas na Rádio Capital AM, de São Paulo. Nascido na pequena vila de Paranagi, hoje distrito de Sertaneja, no Norte do Paraná, Eli Corrêa já passou pelas rádios Globo, Record, América, Tupi e São Paulo. Ele começou a se interessar pelos livros ainda na escola, em Igarassu do Tietê, ao lado de Barra Bonita, no Interior de São Paulo. Tudo começou com um romance: Amor de Perdição. “Sou grato até hoje à minha professora no ginásio, Anita Bergamasco, que me deu de presente aquele livro para ler quando eu era um garoto que tentava descobrir o mundo. Gostei muito da história. Depois, fiquei sabendo que o autor, o português Camilo Castelo Branco, havia escrito Amor de Perdição em apenas 15 dias,
no século 19, quando não havia computador... Um gênio! Ainda estudante, li outros clássicos da literatura portuguesa e da brasileira. Mais tarde, já trabalhando em São Paulo, comprei Sol sobre Palmeiras, de Paschoal Carlos Magno, por indicação do jornalista e professor Wilson Maux. Adorei. Depois disso, nunca mais parei. Sempre encontro algum tempo para ler, quando estou em casa ou em viagem. Nesses últimos anos, entre tantos outros livros que me entusiasmaram, li dois de Gabriel García Márquez – Cem anos de Solidão e Memórias de Minhas Putas Tristes. Maravilhosas narrativas desse autor colombiano. Dos brasileiros, sem dúvida, Machado de Assis e Jorge Amado estão entre meus preferidos. Mas adorei também Incidente em Antares, de Érico Veríssimo. Entre os europeus, gostei muito de Crime e Castigo de Fiodor Dostoievski; O Nome da Rosa, de Umberto Eco, e Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago. Acabo de ler um livro lançado há pouco tem-
po no Brasil: Os Sete Chefes do Império Soviético, de Dmitri Volkogonov. É uma obra difícil, mas que nos ajuda a compreender a Revolução Russa de 1917 e suas crises, até o fim da União Soviética, em 1991. Pelas mais de 500 páginas do livro, desfilam Vladimir Lenin, Josef Stalin, Nikita Kruchev, Leonid Brejnev, Iuri Andropov, Konstantin Chernenko e Mikhail Gorbachev, cada um com seu estilo de governar o maior país do mundo e de tentar impor o comunismo em outras regiões. O autor trabalhou para os quatro últimos daqueles sete líderes. Já viajei muito pelo Brasil, a trabalho e nas férias. E tive a chance de conhecer vários países, como Itália, Egito e Israel, lugares de tão ricas histórias. Nessas viagens, vi o quanto é importante a gente ler. E, ao apresentar programas no rádio, percebo a vantagem de ler constantemente jornais, revistas e livros de qualidade. Livros conduzem à imaginação e reforçam nossa bagagem de informação. Essa paixão pelos livros traz P um benefício que não tem preço.” Outubro 2008 Panorama 49
Cinema & Livros
A MAGIA
Literatura infanto-juvenil conquista espaço em Hollywood e garante sucesso de público, e às vezes de crítica, pelo mundo afora
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A
s adaptações da literatura infantojuvenil para o cinema estão não só cada vez mais freqüentes como esbanjam mais e mais a criatividade dos cineastas como também se revelam altamente lucrativas. O negócio do livro também não fica de fora dessa ciranda: um campeão de bilheteria no cinema acaba sempre despertando o interesse das pessoas pela obra que deu origem ao filme. Assim, grandes sucessos de vendas – como Harry Potter ou As Crônicas de Spiderwick, para falar de dois deles que geraram bilhões de dólares – tanto são garantia de sucesso e dinheiro para os estúdios de Hollywood como também para as editoras e seus autores. E, ao mesmo tempo em que atraem milhões de espectadores para os cinemas, ajudam a movimentar livrarias em todo planeta. No início do ano, quando a primeira edição da série de livros infantis As Crônicas de Spiderwick, escrita por Tony Diterlizzi
e Holly Black, foi parar nas telas, a editora americana Simon & Schuster notou um significativo aumento na venda de seus livros. O sucesso foi tamanho que chamou a atenção tanto da editora como dos produtores hollywoodianos, que fizeram um acordo: de agora em diante, sempre que a Simon & Schuster obtiver direitos com a adaptação de seus livros para o cinema, a editora também receberá parte dos lucros. Para muita gente, no entanto, a influência das adaptações cinematográficas na venda de livros pode ser apenas momentânea. O jornalista e crítico literário Ubiratan Brasil, do jornal O Estado de S. Paulo, um freqüentador assíduo do cinema, afirma, por exemplo, que como incentivador da leitura o cinema está longe de criar hábitos. “Apenas estimula vendas esporádicas”, diz ele. “Com exceção de Harry Potter, que já tinha seu enorme fã-clube antes mesmo das adaptações para o cinema, acredito que os
QUE DÁA LUCROS Fotos: Divu
lgação
filmes ajudem a vender um pouco mais os livros, mas isso é circunstancial: tão logo aparece outra adaptação, aquela primeira cai no esquecimento”, analisa ele. Além dos lucros, outro ponto discutido sobre os longas-metragens adaptados de histórias infantis é a qualidade com que eles chegam aos espectadores. E, quanto isso, há vários caminhos. Alguns filmes tentam ser fiéis à obra original impressa, ou, ao menos, são adaptados com um roteiro de qualidade que satisfaz o leitor. Porém, como lembra Ubiratan Brasil, determinadas adaptações, como As Crônicas de Nárnia, simplesmente têm seu conteúdo deixado de lado para que possa ser aberto espaço para a estética. “Existe mais preocupação em encantar pelos efeitos visuais do que entreter por uma boa história”, lamenta ele. O que mais garante o sucesso das adaptações é a maneira como elas são transportadas para a sétima arte: com uma lingua-
gem acessível a todas as faixas etárias, os filmes caem nas graças tanto das crianças quanto dos adultos. É o caso do bruxinho mais famoso do mundo, Harry Potter, fenômeno nos livros e nas telas, como ressalta o jornalista: “Creio que a saga Harry Potter é bem desenvolvida no cinema, uma vez que seus leitores são extremamente criteriosos. Jamais aceitarão uma adaptação capenga e os produtores sabem disso.” No cinema, a franquia Harry Potter já soma cinco longas. O sexto, antes previsto para 2008, foi adiado para 2009, o que deixou os fãs agitados. A saga de Harry e seus amigos já fez com que fossem vendidos quase 350 milhões de exemplares dos livros em todo o mundo. A obra é encontrada traduzida para 65 idiomas. No cinema, o sucesso não é diferente. O faturamento é tão alto que Daniel Radcliff, ator que interpreta Harry, está no topo da lista dos jovens mais ricos do P mundo, de acordo com a revista americana
Forbes.
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Calendário
No Brasil
Fórum de Infoeducação
20 a 23 de outubro de 2008 - Universidade de São Paulo (SP)
www.colabori.blogspot.com
Feira Nacional de Jaguariúna (SP)
22 a 26 de outubro – Parque Santa Maria
I Seminário de Políticas de Incentivo à Leitura no Brasil/Dia Nacional do Livro 29 de outubro - Câmara dos Deputados - Brasília (DF)
II Simpósio de Produção Editorial e Multimeios
30 de outubro – Faculdades Anhembi-Morumbi -São Paulo (SP)
Congresso Latino-Americano do Mercado Editorial (CLAMME) 30 e 31 de outubro - Porto Alegre (RS)
54ª Feira do Livro de Porto Alegre
31 de outubro a 16 de novembro - Praça da Alfândega - Porto Alegre (RS) Câmara Rio-Grandense do Livro
(51) 3225-5096 www.feiradolivro-poa.com.br
Feira do Livro de Curitiba colocar antes do Fliporto
4 a 16 de novembro - Praça General Osório - Curitiba (PR)
(47) 3422-1133 feiradolivro@institutofeiradolivro.com.br 4º Fliporto - Festa Literária Internacional de Porto de Galinhas 6 a 9 de novembro - Praia de Porto de Galinhas (PE)
http://www.fliporto.net/
9º Encontro das Literaturas
12 de novembro - Fundação Municipal de Cultura Belo Horizonte (MG)
8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará
13 a 21 de novembro - Centro de Convenções de Fortaleza Fortaleza (CE)
contato@rpsfeiras.com.br ou www.rpsfeiras.com.br Festival Literário Internacional da Floresta 17 a 22 de Novembro - Manaus (Am)
http://www.flifloresta.com.br/ IV Fórum de Editoração
22 de Novembro - Museu de Arte de São Paulo, MASP, das 8h30 às 17h30
forumdeeditoracao@gmail.com IV Fórum de Editoração
22 de Novembro - Museu de Arte de São Paulo, MASP, das 8h30 às 17h30
forumdeeditoracao@gmail.com
Calendário
No Mundo
Feira Internacional do Livro de Göteborg
Miami Book Fair
25 a 28 de Setembro Gotemburgo, Suécia
9 a 16 de novembro Miami, Estados Unidos
26ª Liber – Feira Internacional do Livro
Feira do Livro de Oslo
www.bok-bibliotek.se
8 a 10 de outubro Pavilhão 1 – Recinto de Gran Via, Barcelona, Espanha
www.salonliber.com
14ª Feria del Libro Pacifico
10 a 20 de outubro Universidad Del Valle Cali / Colômbia
http://www.miamibookfair.com/
21 a 23 de novembro Lillestrom-Oslo, Noruega
messe.no/en/ntf/Projects/Bok/Besokende
Feira Internacional do Livro de Guadalajara
29 de novembro a 7 de dezembro Guadalajara, México
www.fil.com.mx
prensaferialibropacifico@univalle.edu.co
28ª Feira do Livro Ricardo Palma
Feira do Livro de Frankfurt 2008
www.cpl.org.pe
15 a 19 de Outubro Frankfurt, Alemanha
www.frankfurt-book-fair.com
Feira Internacional do Livro de Santiago
31 de outubro a 16 de novembro Santiago, Chile
www.camaradellibro.cl/filsa/ Feira do Livro de Istambul
01 a 11 de novembro Istambul, Turquia
www.tuyap.com.tr/en 52 Panorama
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30 de novembro a 12 de dezembro Lima, Peru
Congresso Internacional sobre Promoção da Leitura 22 e 23 de janeiro Lisboa, Portugal
Bologna Children´s Book Fair
23 a 26 de março 2009 - Bolonha, Itália.
http://www.bookfair.bolognafiere.it/index.asp?m=52&l=2&ma=3
empresa amiga do livro
Asas da liberdade Instituto Cetro doa livros para as detentas da Penitenciária Feminina do Carandiru Foto: Celso de Paula
As detentas da Penitenciária Feminina da Capital, no bairro do Carandiru, em São Paulo, receberam dois presentes numa manhã de agosto: uma pequena emissora de rádio para gerar uma programação no próprio presídio e novos livros e estantes para sua biblioteca. Os livros já estão sendo lidos pela maioria das cerca de 700 mulheres que cumprem pena no presídio. E a Rádio Fênix entrou no ar, mantida por 14 presas que fizeram um curso para usar o equipamento. Os programas podem ser ouvidos no pátio pelas demais detentas, às quintas-feiras. De acordo com a mitologia grega, Fênix era o pássaro que, ao morrer, não desaparecia: se incendiava e, de suas cinzas surgia outra ave para viver e voar. Na Penitenciária Feminina, o nome Fênix tem tudo a ver com a vontade de buscar uma nova vida. Os livros e a rádio, doados pelo Instituto Cetro, já contribuem para que as detentas, mesmo ainda cumprindo pena, iniciem a busca de alternativas profissionais e tenham condições de ocupar espaço na sociedade tão logo ganhem a liberdade. Esse tipo de benefício só foi possível a partir de uma decisão da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo de se abrir. Percebeu-se a necessidade de tornar mais digna a vida de presidiárias, tanto dentro da cadeia quanto na fase de readaptação ao mundo exterior. Já a compra de livros, estantes, armários e aparelhos ficou por conta de uma empresa da iniciativa privada, a Cetro Concursos, que, por meio de seu instituto, uniu-se aos órgãos públicos para fornecer, gratuitamente, os livros, equipamentos e orientação às detentas. A iniciativa de fazer as doações foi do diretor-presidente do instituto, o sociólogo e administrador de empresas Archimedes Baccaro, que explica: “Entramos em contato com penitenciárias, tentando diagnosticar as suas necessidades nas áreas de educação e de assistência social. E concluímos que existe, por parte de detentos, uma grande expectativa em torno do livro e leitura. De fato, os livros contribuem para reflexões e para o aprimoramento
das pessoas. As presidiárias do Carandiru já recebiam livros de várias pessoas, mas o ideal seria ampliar a biblioteca, então já existente.” O Instituto Cetro nasceu da empresa Cetro Concursos, criada por Baccaro há quase 20 anos, especializada na organização de concursos públicos, com sede na Avenida Paulista. Autor do livro O Segredo da Longevidade, lançado em 2003 pela Editora Vozes, Baccaro buscou inspiração na Europa e nos Estados Unidos e também em instituições brasileiras, como a Fundação Abrinq dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e o Instituto Akatu pelo Consumo Consciente. Ele define o trabalho do seu instituto: “Não importa qual tenha sido o passado de uma pessoa. Seu futuro depende do presente.” Segundo Baccaro, o importante é recuperar os presos: “Nós todos devemos proporcionar o desenvolvimento social e humano, visando a sua reintegração na sociedade quando em liberdade. Os livros têm muito a ver com a esperança, com o P ressurgimento.”
Rádio e livros ampliam esperanças de presidiárias por uma nova vida
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Perfil
Limpando os peixes
Adélia Prado Foto: João Rossato
Do primeiro livro, Bagagem, ao mais recente, Filandras, Adélia Prado diz que nada mudou em seu modo de observar o mundo e de fazer poemas, marcados pela fé religiosa, pelos mistérios da natureza humana e pela inquietação da alma
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Quando Carlos Drummond de Andrade leu os originais do livro da então desconhecida poetisa mineira, em 1975, identificou logo nas primeiras linhas que se tratava de um talento raro. “São poemas fenomenais”, disse Drumonnd, encantado com Bagagem, o primeiro filho de Adélia Prado. Ela estava então com 40 anos de idade, passados desde o nascimento em Divinópolis, onde vive até hoje, no aconchego da família, pacata e inquieta, vendo em cada gesto um poema pronto para se transformar em palavras. É na condição humana que ela encontra motivos para escrever. “Meu primeiro livro foi feito num entusiasmo de descoberta de felicidade. Emoções para mim inseparáveis da criação, ainda que nascidas, muitas vezes, do sofrimento”. Adélia descobriu que a experiência poética é sempre religiosa, quer nasça do impacto da leitura de um texto sagrado, de um olhar amoroso, ou de observar formigas trabalhando. Convidada a sair de sua querida Gerais para palestras, encontros e outros contatos com os amantes da poesia, a escritora leva ao público a imagem da simplicidade refinada de uma mulher que nasceu erudita. Adélia Prado, dona de uma obra que
encanta a cada nova publicação, fala do desassossego, das dores e alegrias da vivência e dos relacionamentos. E a conversa com Adélia não pode fugir disso, pois ela consegue fazer poesia dos mínimos gestos, como no poema O Casamento, que fala da proximidade de um casal, na cozinha limpando os peixes. Nele, em poucas palavras, ela consegue expor seu conceito de amor, o amor entre marido e mulher, que se cultiva, principalmente, com a generosidade de ver no outro um reflexo de si mesmo. Os dois limpando os peixes, de madrugada, no silêncio da noite, os cotovelos se tocando....são momentos de proximidade e não de submissão da mulher. Conversar com Adélia Prado é como ler seus poemas passando as páginas com serenidade, sem buscar continuidade, viajando do casamento ao ventre da mãe, às palavras assustadoras de Deus. Parece que nada se encaixa, mas tudo está ligado pelos fios invisíveis da trama da escrita. Os poemas saem das páginas e encontram ressonância nas cenas do dia-a-dia. Falando do Casamento, Adélia diz que o que está faltando nas relações dos casais é exatamente ajudar a limpar os peixes. “Recuperar valores. Na luta feminina ganhamos direitos,
mas muita coisa se perdeu, por exemplo, a questão do papel do feminino na mulher. Eu não vejo espaço mais adequado para que isso se exerça que o espaço doméstico”. Mesmo que essa idéia possa parecer obsoleta no mundo pós-moderno, ela acredita num papel específico da mulher, que envolve atenção, delicadeza, cuidado, silêncio, permissão, audição do outro. “São qualidades originalmente femininas, que o homem deve ter também, mas que, de maneira especial, vêm de nós. Acho que abrir mão dessas qualidades é colaborar para a ruína do relacionamento familiar e disso que a gente chama lar”, defende. Conhecedora da alma humana, ela não se deixa levar pelos preceitos do feminismo: “Trata-se de um espírito de serviço e de presença dentro da casa que, para mim, significa, dentro de um espírito simbólico, o fogão aceso. Tenho uma irmã que diz ‘Deus me livre de casa com fogão apagado, que quer dizer: sem a presença do feminino. É o calor, a luminosidade, que é de natureza feminina. Acho perigoso e destrutivo abrir mão desse papel”, reforça. Questionada se a convivência entre homens e mulheres não se tornou competitiva demais, a poetisa diz que quando a convivência humana é competitiva, já nasce destrutiva, e que as mulheres não têm de competir com o homem. “A mulher tem um papel tão diferente do homem que não rouba sua autonomia, ainda que a mulher tenha o poder infernal de castrar o homem. Nosso radar é muito grande, nossa percepção... somos mais completas. Nosso falo está em outro lugar, e nós o usamos com muita malícia, com muita sabedoria”. Para ela, sedução é fazer com que o homem faça o que a mulher quer, achando que ele faz o que quer. “Isso é do feminino”, diz.
Foto: João Rossato
“Deus não me dá sossego. Ele é meu aguilhão...Quero de novo o ventre de minha mãe...” O que ela quis dizer com esse poema? Adélia explica: “A busca pela mãe é a busca pelo lugar de origem. É muito mais que a mãe concreta, a que nos deu a luz. É uma orfandade original que nós temos. Quem sou, de onde vim, para onde vou. É a pergunta primeira da filosofia e a que causa todas as angústias. Então, queremos mãe, porque queremos garantia. Todos nós nascemos órfãos. É da condição humana: quero mãe, quero pai, quero origem e quero sentido.”. Percorrendo a trajetória literária da autora, não há como precisar o início de seu trabalho, nem ter como marco a primeira publicação aos 40 anos. Seus escritos estavam prontos desde a
infância. Ela diz que muito cedo sofreu determinadas penas, que só depois de adulta percebeu que estava sofrendo as angústias de sua condição humana. “Só não sabia articular o que era, mas à medida que a gente amadurece, começa a ler... os próprios textos sagrados, da doutrina da fé que gente professa, depois a própria psicanálise, vem um enfrentamento que antes a gente não tinha condição de fazer e que na idade adulta, na velhice, a gente precisa dar uma resposta a isso. Esse é o destino comum de todos nós”, avalia. Escrever é a forma de resposta de Adélia Prado, mas ela diz que a escrita é quase mais uma pergunta por que a resposta mesmo que tem consolação, que sossega o espírito, que acredita ter sentido, é a resposta da fé, que não é da lógica, da razão nem da ciência. “Tal qual a pergunta, ela vem da alma. Não tira a dor, mas dá forças para o enfrentamento”, diz. A Adélia Prado religiosa tem uma confissão cristã, católica definida, não só por formação ou herança familiar, mas por opção na vida adulta. “Constitui-se para mim até a resposta a mais satisfatória para o enigma da vida para as necessidades. A resposta da fé é que consola a alma”. Uma alma que conserva o mesmo sentimento desde sempre. “Eu rodei Bagagem com a mesma estranheza, com a mesma sensação de novidade do meu último livro. O livro é melhor que eu, é superior a mim, é sempre melhor que o autor”, argumenta. Para ela, o que há de diferente é fazer um aprofundamento, dada à experiência ou à idade, mas isso não interfere na qualidade do texto. Nem nas inquietações, Adélia? “Tenho as mesmas inquietações. Umas mais resolvidas, mais aprofundadas, mas graças Pa Deus, o mistério permanece”.
Obras da autora POESIA Bagagem, Imago - 1976 O coração disparado, Nova Fronteira - 1978 Terra de Santa Cruz, Nova Fronteira - 1981 O pelicano, Rio de Janeiro - 1987 A faca no peito, Rocco - 1988 Oráculos de maio, Siciliano - 1999
PROSA Solte os cachorros, Nova Fronteira - 1979 Cacos para um vitral, Nova Fronteira - 1980 Os componentes da banda, Nova Fronteira - 1984 O homem da mão seca, Siciliano - 1994 Manuscritos de Felipa, Siciliano - 1999 Filandras, Record - 2001
ANTOLOGIA Mulheres & Mulheres, Nova Fronteira 1978 Palavra de Mulher, Fontana - 1979 Contos Mineiros, Ática - 1984 Poesia Reunida, Siciliano - 1991 (Bagagem, O Coração Disparado, Terra de Santa Cruz, O pelicano e A faca no peito). Antologia da poesia brasileira, Embaixada do Brasil em Pequim - 1994. Prosa Reunida, Siciliano - 1999 Outubro 2008 Panorama 55
Gente que lê Galeno Amorim www.blogdogaleno.com.br
No profundo mar azul Foto: Divulgação
A professora Angela e sua aluna Ana Carla
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Desde pequena, Ângela sonhava ser professora. Gostava de aprender coisas novas para, um dia, poder ensinar a outras pessoas. Não queria para si uma vida igual a das moças da ilha, que mal saíam da puberdade logo se tornavam esposas e mães, reproduzindo ciclo idêntico ao de suas mães e avós. Algumas envelheciam cedo de-mais, sem sequer terem pisado no continente. Esta, enfim, parecia ser também a sua sina. Desejava, claro, constituir família. Mas só quando fosse a hora. Não gostava era da idéia de ter que fazer algo por não ter outro jeito. Ângela sabia que ali as chances eram poucas, mas ainda assim estava decidida a ir atrás dos seus sonhos. A praia da Longa – um dos muitos vilarejos que formam a Ilha Grande, no litoral do Rio de Ja-neiro – não tinha sequer luz elétrica, que só viria a conhecer anos depois. Os obstáculos para ascender ao mundo do conhecimento eram de toda ordem. Biblioteca, livraria ou banca de jornal, por exemplo, nem pensar. Pra piorar, consumiam boa parte do seu dia nas viagens de barco até Araçatiba, a única com escola para adolescentes. Do cais de Santa Luzia, na Baía de Angra dos Reis, até Proveta, a última delas, em pleno mar aberto, o barco Três Irmãos Unidos II gastava seis horas entre ida e volta. Um dia, incomodados com tamanho desperdício de tempo, alguns professores tiveram a idéia: pegaram uns livros na escola e improvisaram no convés uma pequena biblioteca. A idéia pegou. Logo a estante de madei-
ra – pra agüentar a maresia – ficou pequena. Por anos a fio, era lá que Ângela mergulhava fundo nos romances, aventuras e poesi-as, aliás, suas prediletas. A bordo do sofá de leitura, ela ouviu pela primeira vez os ver-sos de Castro Alves. “Oh, bendito o que semeia livros.../Livros à mão-cheia.../E manda o povo pensar!/O livro caindo na palma/É gérmen – que faz a alma,/É chuva – que faz o mar.” Em homenagem ao poeta baiano, a biblioteca seria batizada com o título de um de seus livros: Espumas Flutuantes. Não demorou e o barco-biblioteca virou a sensação do lugar. Era lá que começavam ou terminavam paqueras e namoros e se iniciavam longas amizades. Onde tiravam dúvidas escolares. E emprestavam livros para, mais tarde, ler em casa e, assim, fazer outras viagens incríveis. Aquilo mudou para sempre a vida de muitos daqueles jovens caiçaras. Ângela de Oliveira, agora com 23 anos, por exemplo, virou professora, como sonhara. Hoje, ela leciona para crianças na mesma escola onde estudou e tenta estimular nelas o mesmo gosto de ler que lhe abriu novos horizontes e trouxe uma perspectiva de futu-ro. Felizmente, essa história não termina aí. Ano passado, Ana Carla, que também gasta seis horas por dia para ir à mesma Araçatiba, leu mais de 20 livros. E o que ela quer ser na vida? Ainda não sabe. Uma coisa é certa: nunca vai deixar de ler. Ela diz que quer ser uma cidadã e o que mais vier a escolher pra si. Nem sempre é fácil, como se sabe. Mas, pelo balançar da velha traineira, a menina P de 15 anos está no meio do caminho para chegar lá.
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ImagemPanor창mica
Bienal do Livro, S찾o Paulo, 2008 Foto: Fanca Cortez 58 Panorama
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Retratos Retratos da Leitura Retratos da Leitura no Brasil da Leitura no Brasil GalenoBrasil Amorim | no Galeno Amorim |
Retratos Retratos da leitura da leitura no Brasil Brasil organizador
organizador
Galeno Amorim | organizador
Em busca de respostas. Ou, pelo menos,
suscitar uma convida reflexão permanente EnquantodeMoacyr Scliar a uma o assunto. deliciosasobre reflexão em torno do sentido simbólico dos livros no imaginário Enquanto Moacyr Scliar convida a uma coletivo, Jorge Werthein chama a deliciosa reflexão em torno do sentido atenção para as novas formas de simbólico dos livros no imaginário leitura e coletivo, seu papelJorge no desenvolvimento Werthein chama a do cidadão. Mariapara Antonieta Antunes atenção as novas formas de Cunha mergulha nos papel números gerados leitura e seu no desenvolvimento pela pesquisa Retratos daAntonieta Leitura no do cidadão. Maria Antunes Brasil, encomendada pelonos Instituto PróCunha mergulha números gerados pela pesquisa Retratos da Leitura no Livro ao Ibope Inteligência e coordenada Brasil, encomendada pelo Instituto Própelo Observatório do Livro e da Leitura.
Livro ao Ibope Inteligência e coordenada
Observatório do Livro e da Leitura. Os dadospelo confirmam antigas suspeitas e trazem revelações surpreendentes. dadosLindoso confirmam antigas suspeitas EnquantoOs Felipe reflete sobre e trazem revelações surpreendentes. os caminhos para o mercado de livros Enquanto Felipe Lindoso reflete sobre que o estudo sugere, Zoara Failla faz os caminhos para o mercado de livros interessantes inferências a respeito da que o estudo sugere, Zoara Failla faz leitura entre um público leitor especial: interessantes inferências a respeito da os jovens leitura e as crianças. Jápúblico Lucília leitor Garcez entre um especial: vasculha os e encontra dados fascinantes jovens e as crianças. Já Lucília Garcez sobre o contingente de 77 milhões vasculha e encontra dadosde fascinantes não-leitores. André Lázaro, Jeanete sobre o contingente de 77 milhões de Beauchamp, JéfersonAndré Assumção e Jeanete José não-leitores. Lázaro, Beauchamp, Jéferson Assumção Castilho Marques Neto aproveitam para, e José Marques Neto práticas aproveitam para, a partir deCastilho tudo isso, rediscutir a partir deem tudo isso,e, rediscutir e ações que estão curso mais dopráticas ações que o estão curso que isso, eapresentar que em deve ser e, mais do que isso, apresentar o que deve ser daqui para a frente.
Retratos da Leitura no Brasil, originado de pesquisa homônima, convida o leitor a refletir sobre os sentidos socioculturais do ato dedeler Retratos da Leitura no Brasil, originado tanto na história da sociedade quanto pesquisa homônima, convidabrasileira o leitor a refletir dassobre sociedades, cujosocioculturais fundamentodo é ato o livro. os sentidos de ler Permite traçar um da perfil minucioso das quanto tanto na história sociedade brasileira motivações, condições instituições das sociedades, cujo efundamento é o livro. responsáveis pela formação tanto dos leitores Permite traçar um perfil minucioso das motivações, e instituiçõeso quanto dos não condições leitores e ressignificar responsáveis pelacom formação tanto dos leitores conceito de leitura a implementação quanto dos e ressignificar o da internet na não vidaleitores coletiva. Segundo André conceito de leitura com a implementação Lázaro e Jeanete Beauchamp, “sua análise da internet na vida coletiva. Segundo Andrée detalhada orienta quanto ao fortalecimento Lázaro e Jeanete Beauchamp, “sua análise à articulação de ações de formação de leitores detalhada orienta quanto ao fortalecimento e e também suscita questões que exigem à articulação de ações de formação de leitores o exame cuidadoso dos dados primários, e também suscita questões que exigem de modo a orientar ações que possam o exame cuidadoso dos dados primários, ampliar e fortalecer prática dapossam leitura de modo a orientaraações que no país, dentro e fora da escola.” ampliar e fortalecer a prática da leitura no país, dentro e fora da escola.”
Galeno Amorim | organizador Retratos da leitura no Brasil Galeno Amorim | organizador Retratos da leitura no Brasil
Como, então, assegurar ao cidadão o acesso a esse bem tão essencial para a civilização? Pensadores das mais diversas Como, estirpes tratam aqui deao compor então, assegurar cidadão um painelo acesso a respeito desse a esse bemuniverso. tão essencial a civilização? Pensadores das mais Em buscapara de respostas. Ou, pelo menos, diversas estirpes permanente tratam aqui de compor de suscitar uma reflexão um painel a respeito desse universo. sobre o assunto.
Retratos da Leitura no Brasil é uma contribuição extraordinária para quem tem qualquer tipo de atuação
Retratos
Retratos da leitura da noleitura Brasil no Brasil Galeno Amorim | organizador
Galeno Amorim | organizador
ou Leitura responsabilidades em torno da Retratos da no Brasil é uma questão do livro epara da leitura no País. contribuição extraordinária quem temDe qualquer tipo de atuação autoridades das áreas de educação ou responsabilidades em torno da e cultura – ministros, governadores, questão do livro e da leitura no País. secretários estaduais e municipais e De autoridades das – áreas de educação prefeitos a dirigentes de instituições e cultura do – ministros, mundo dogovernadores, livro e gestores de projetos secretários estaduais e públicos municipais e programas oueprivados. prefeitos – a dirigentes de instituições do mundo do livro e gestores de projetos Contribui também para organizações e programas públicos ou privados. não-governamentais, educadores,
jornalistas, editores, Contribui pesquisadores, também para organizações livreiros, bibliotecários, não-governamentais, educadores, autores, trabalhadores da editores, cadeia produtiva do pesquisadores, jornalistas, livro e da cadeia mediadora da leitura livreiros, bibliotecários, autores, e militantes geral dessa causa. trabalhadores da cadeiaem produtiva do também será de grande livro e da Certamente, cadeia mediadora da leitura e militantes empara geralespecialistas dessa causa. em políticas valia Certamente, também será grande públicas e para osde interessados, em geral, valia parano especialistas em políticas tema – que, por sinal, desperta cada públicas evez paramais os interessados, emsociedade geral, a atenção da e dos no tema –governos. que, por sinal, desperta cada Mesmo porque os livros, vez mais a atenção da sociedade e dos sem perder o charme de sempre, governos. Mesmo porque os livros, cada vez deixam de ser um objeto sem perder o charme de sempre, sacralizado ou fonte puramente de cada vez deixam de ser um objeto prazer e diletantismo o que por si só sacralizado ou fonte puramente– de já é formidável! E assumem prazer e diletantismo – o que por si só novo papel na vidaE moderna. serem percebidos já é formidável! assumem Para novo papel pelo cidadão comum como uma espécie na vida moderna. Para serem percebidos de comum chave que abre asespécie portas de um pelo cidadão como uma admirável novo. de chave que abre asmundo portas de um Seja para os admirávelindivíduos, mundo novo. Seja para seja para osos países e as indivíduos, seja para países as cidades. E,os assim, a eprática social da cidades. E, assim,torna-se a práticaasocial leitura senhadaque pode dar leitura torna-se pode dar pessoal, acessoaàsenha maiorque autonomia acesso à maior autonomia epessoal, à inventividade ao gozo pleno da à inventividade e ao gozo pleno cidadania. E, como sedasabe, essas cidadania. E, como se sabe, essas são condições imprescindíveis para são condições imprescindíveis para se chegar a uma sociedade mais se chegar a uma sociedade mais próspera próspera e justa. e justa.
Galeno Amorim| |organizador organizador Galeno Amorim
daqui para a frente.
Galeno Amorim
Galeno Amorim ISBN 978-85-7060-616-7 ISBN 978-85-7060-616-7
9 97 78888557700 66 00 66 1 16 6 77
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é o maior estudo leitor já realizado sobre o comportamento da população.
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comportamento leitor da população. Os resultados, entre surpreendentes
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e reveladores, são por si próprios de uma riqueza impressionante.
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60 Panorama
Outubro 2008
R c q o q D e s p d e
C n p l t l e C v p n v g s c s p j n p d a i c l a à c s s p